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Assistente Técnico Administrativo

Administração Pública Brasileira

Prof. Cássio Albernaz


Administração Pública Brasileira

Professor Cássio Albernaz

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EDITAL

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA: 7. O Brasil e sua Administração Pública: Da República


velha aos dias atuais. Nascimento e Afirmação da República Brasileira. Aspectos Fundamentais
na Formação do Estado Brasileiro. Teorias das Formas e dos Sistemas de Governo.

CARGO: Assistente Técnico Administrativo


BANCA: ESAF

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ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA

O Brasil e sua Administração Pública: da República Velha aos dias atuais.1

A República Velha
A Proclamação da República não alterou profundamente as estruturas socioeconômicas do
Brasil imperial. A riqueza nacional continuou concentrada na economia agrícola de exportação,
baseada na monocultura e no latifúndio. O que se acentuou foi a transferência de seu centro
dinâmico para a cafeicultura e a consequente mudança no polo dominante da política brasilei-
ra, das antigas elites cariocas e nordestinas para os grandes cafeicultores paulistas.
O governo provisório adotou as reformas imediatas necessárias à vigência do novo regime e
convocou eleições para uma assembleia constituinte. A Carta de 1891, francamente inspirada
na Constituição americana de 1787, consagrou a República, instituiu o federalismo e inaugurou
o regime presidencialista.
A separação de poderes ficou mais nítida. O Legislativo continuava bicameral, sendo agora for-
mado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, cujos membros passaram a ser eleitos para
mandato de duração certa.
Ampliou-se a autonomia do Judiciário. Foi criado o Tribunal de Contas para fiscalizar a realiza-
ção da despesa pública. As províncias, transformadas em estados, cujos presidentes (ou go-
vernadores) passaram a ser eleitos, ganharam grande autonomia e substantiva arrecadação
própria. Suas assembleias podiam legislar sobre grande número de matérias. Esse sistema ca-
racterizava o federalismo competitivo.
A República federalista, com estados politicamente autônomos, consagrou um novo pacto po-
lítico que acomodava os interesses das elites econômicas do Centro-Sul e do resto do país. O
governo federal ocupava-se de assegurar a defesa e a estabilidade, e proteger os interesses da
agricultura exportadora por meio do câmbio e da política de estoques, com reduzida interfe-
rência nos assuntos “internos” dos demais estados. Lá vicejavam os mandões locais, grandes
proprietários de terra e senhores do voto de cabresto, e as grandes oligarquias, que controla-
vam as eleições e os governos estaduais e davam segurança às maiorias que apoiavam o gover-
no federal. A política dos governadores garantia a alternância na Presidência da República de
representantes de São Paulo e de Minas Gerais. Esse sistema era marcado pela instabilidade
dos governos estaduais, passíveis de ser derrubados e substituídos em função da emergência
de novas oligarquias.

1 Texto adapatado de: Costa, Frederico Lustosa da. Brasil: 200 anos de Estado; 200 anos de administração pública; 200
anos de reformas. Revista de Administração Pública. Rio de Janeiro 42 (5): 829:874, set-out, 2008.

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Nesse período, não houve grandes alterações na conformação do Estado nem na estrutura do
governo. Desde a Proclamação da República, a principal mudança no Poder Executivo foi a cria-
ção dos ministérios da Instrução Pública, de brevíssima existência; da Viação e Obras Públicas;
e da Agricultura, Indústria e Comércio; cujos nomes sofreram pequenas modificações.
Do ponto de vista da Federação, houve uma ligeira redução na capacidade legislativa dos esta-
dos, que perderam o poder de legislar sobre determinadas matérias.
A República Velha durou cerca de 40 anos. Aos poucos, foi se tornando disfuncional ao Brasil
que se transformava, pela diversificação da economia, pelo primeiro ciclo de industrialização,
pela urbanização e pela organização política das camadas urbanas. Novos conflitos de interesse
dentro dos setores dominantes, entre as classes sociais e entre as regiões, punham em causa
o pacto oligárquico, as eleições de bico-de-pena e a política do café-com-leite. Por outro lado,
desde a guerra contra o Paraguai (1864-70), o Exército passou a ser um ator político cada vez
mais importante, como arena de revoltas ou sujeito de ações determinantes, perseguindo ide-
ais modernizadores ou salvacionistas.
A eleição do paulista Júlio Prestes para suceder o também paulista Washington Luís, derrotan-
do o gaúcho Getúlio Vargas, desencadeou o rompimento do pacto com os mineiros e com as
demais oligarquias estaduais, abrindo espaço para mais uma intervenção do Exército — a Revo-
lução de 1930.

A “burocratização” do Estado nacional


A narrativa precedente dá conta do processo de formação do Estado nacional, a partir de suas
raízes coloniais, ao longo do Império (1882-89) e da chamada República Velha (1889-1930).
Embora seja desse período a cristalização das principais características do Estado brasileiro,
apontadas anteriormente, observa-se que a própria diferenciação do aparelho de Estado e a
criação de novas instituições fazem parte da dinâmica de instauração da modernidade. Esta-
do e mercado, autônomos com relação à ordem do sagrado e à dominação patriarcal, e cada
vez mais separados entre si, constituem as bases da formação social moderna. Seu desenvol-
vimento, consideradas as características do contexto local, se dá no sentido da racionalização.
A burocracia está no horizonte da administração pública que se consolida e atualiza. Se esse
movimento se deu de forma lenta e superficial nos primeiros 100 anos de história do Brasil in-
dependente, ele vai encontrar seu ponto de inflexão e aceleração na Revolução de 1930.
De fato, a partir desse marco e durante a maior parte do século XX, o Brasil empreendeu um
continuado processo de modernização das estruturas e processos do aparelho de Estado. Como
resposta a transformações econômicas e sociais de largo alcance, esse esforço se desenvolveu,
ora de forma assistemática, pelo surgimento de agências governamentais – as quais se preten-
dia que fossem ilhas de excelência com efeitos multiplicadores sobre as demais –, ora de forma
mais orgânica, por meio das reformas realizadas no governo federal, em 1938, 1967 e a partir
de 1995.
A chamada “Revolução de 1930” representou muito mais do que a tomada do poder por no-
vos grupos oligárquicos com o enfraquecimento das elites agrárias. Significou, na verdade, a
passagem do Brasil agrário para o Brasil industrial. Para compreender essa transformação e a
emergência do modelo de crescimento que presidiu o desenvolvimento nacional no século XX,

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é preciso entender como se dava a inserção do país na economia internacional e como o Brasil
viveu a Grande Depressão.
Como foi dito, o Brasil era uma economia periférica apoiada na exportação de produtos primá-
rios, entre os quais se destacava o café, principal item da pauta de exportações. O lucro dessa
monocultura permitiu financiar o primeiro ciclo de industrialização brasileira, concentrando-se
em São Paulo, polo da cafeicultura. Os interesses dos produtores de café eram protegidos pelo
governo federal, com políticas de câmbio favorável e formação de estoques reguladores.
Com a crise de 1929, que penalizou os mercados consumidores, o Brasil foi obrigado a reduzir
a exportação de café, ficando sem divisas para manter a importação de produtos industrializa-
dos. O governo federal, entretanto, continuou comprando, embora a preços reduzidos, o exce-
dente de café não-exportável, formando estoques que não conseguia comercializar. Conforme
os estoques envelheciam, o café era queimado para dar lugar à aquisição de novas safras. Essa
política mantinha um fluxo de renda para o setor mais dinâmico da economia, evitando o de-
semprego no campo e a recessão generalizada. Por outro lado, a impossibilidade de continuar
importando para satisfazer a demanda por produtos industrializados estimulou uma série de
iniciativas de produção industrial para substituir bens importados. Praticava-se assim, de forma
intuitiva, uma política keynesiana, na qual o Estado exercia um papel fundamental na manuten-
ção da demanda agregada, pela transferência de rendas para os trabalhadores-consumidores,
e estimulava a substituição de importações.
Esse comportamento ensejou mais tarde uma reflexão sobre o desenvolvimento econômico na
América Latina. De um lado, passou-se a propugnar uma política de crescimento baseada na
industrialização via substituição de importações, reduzindo a dependência das economias pri-
mário-exportadoras, sujeitas à crescente desvalorização de seus produtos. De outro, o sucesso
do New Deal, política de intervenção do Estado na economia americana para recuperar sua di-
nâmica de crescimento, levava a pensar que ela também seria possível e desejável para promo-
ver o crescimento das economias periféricas. O Estado nacional poderia liderar o processo de
desenvolvimento, estabelecendo barreiras alfandegárias, construindo infraestruturas, criando
subsídios e incentivos, e oferecendo crédito. Esse papel supunha não só a capacidade de gerar
poupança interna para participar da formação bruta de capital como também um elevado grau
de intervenção na economia, em particular, e na vida social em geral. Estavam lançadas as ba-
ses do modelo de crescimento e do Estado intervencionista brasileiro.
Do ponto de vista político, havia um quadro favorável à transformação do Estado para atender
às novas exigências do seu papel de indutor do desenvolvimento. As elites oligárquicas, excluí-
das do compromisso do antigo regime, uniram-se às forças emergentes representativas da nova
burguesia industrial e das camadas médias urbanas. O movimento revolucionário também teve
o apoio dos “tenentes”, lideranças militares egressas da Revolta de 1922, comprometidos com
um projeto de reformas modernizadoras (e autoritárias).
O primeiro período de Vargas na presidência durou 15 anos, sendo quatro de governo provi-
sório, três de governo constitucional e oito de ditadura. No período inicial, houve uma grande
concentração de poderes nas mãos do Executivo federal, em consequência da dissolução dos
corpos legislativos e da nomeação de interventores para os governos estaduais. Como marco
da incorporação de novos atores sociais, foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comér-
cio, que estabelecia uma interlocução com esses setores e lançava as bases do pacto corporati-
vista que se seguiria. Os “tenentes” foram absorvidos em diversas posições de governo, alguns
inclusive como interventores nos estados, trazendo suas ideias e a marca da ruptura com o

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velho pacto oligárquico. Mas o governo manteve a política de valorização do café e procurou
contemporizar com as oligarquias que aderiram ao movimento revolucionário. Embora tenha
contribuído para a ampliação e consolidação da burguesia industrial, essa foi a imagem bifronte
da política de Vargas — uma face voltada para as oligarquias rurais e outra para as massas ur-
banas.
A centralização e a suspensão das franquias constitucionais geraram crescente insatisfação em
setores liberais, sobretudo em São Paulo, desencadeando uma série de revoltas, entre as quais
a Revolução de 1932 que, depois de sufocada, ensejou a convocação de uma Constituinte e, em
seguida, a promulgação da Constituição de 1934.
A Constituição de 1934 restabeleceu os direitos e garantias dos cidadãos, restaurou o Poder Le-
gislativo e devolveu a autonomia dos estados. Não consentiu a volta dos mesmos níveis de des-
centralização que vigoravam na República Velha. Na repartição de encargos e recursos, concen-
trou competências no nível da União. Promoveu a uniformização das denominações dos cargos
de governador e prefeito, e fixou limites para a organização e as atribuições dos legislativos
estaduais. Inaugurou o federalismo cooperativo, com a repartição dos tributos, beneficiando
inclusive os municípios, e a coordenação de ações entre as três esferas de governo.
A nova Constituição teve vida muito breve. Enfrentando a oposição político-partidária e a ação
organizada do movimento integralista e a ação revolucionária dos comunistas, o governo en-
controu o pretexto de que precisava para desfechar um golpe de Estado que se deu em novem-
bro de 1937, instituindo o chamado Estado Novo. A ditadura fechou o Congresso Nacional e
as Assembleias Legislativas, suspendeu as garantias constitucionais, destituiu os governadores
eleitos, centralizou recursos, aboliu as bandeiras e os hinos estaduais, prendeu e perseguiu
adversários e oposicionistas, e outorgou uma nova constituição, a dita polaca. A centralização
passa a constituir um princípio de organização do Estado brasileiro que se aplica de forma siste-
mática em todos os setores e níveis de estruturação territorial.
Mantendo a política de proteção às matérias-primas exportadas, o governo se lançou de ma-
neira franca e direta no projeto desenvolvimentista, criando as bases necessárias para a indus-
trialização — a infraestrutura de transporte; a oferta de energia elétrica; e a produção de aço,
matéria-prima básica para a indústria de bens duráveis. Mais do que isso, assumiu papel estra-
tégico na coordenação de decisões econômicas. Para tanto, teve que se aparelhar. As velhas
estruturas do Estado oligárquico, corroídas pelos vícios do patrimonialismo, já não se presta-
vam às novas formas de intervenção no domínio econômico, na vida social e no espaço político
remanescente. Urgia reformar o Estado, o governo e a administração pública.
Assim, sob o impulso de superação do esquema clientelista e anárquico de administração oli-
gárquica, o governo de Getúlio Vargas iniciou uma série de mudanças, que tinham pelo menos
duas vertentes principais (Lima Junior, 1998):
•• estabelecer mecanismos de controle da crise econômica, resultante dos efeitos da Grande
Depressão iniciada em 1929 e, subsidiariamente, promover uma alavancagem industrial;
•• promover a racionalização burocrática do serviço público, por meio da padronização, nor-
matização e implantação de mecanismos de controle, notadamente nas áreas de pessoal,
material e finanças.
A partir de 1937, promoveu uma série de transformações no aparelho de Estado, tanto na mor-
fologia, quanto na dinâmica de funcionamento. Nesse período, foram criados inúmeros orga-

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nismos especializados e empresas estatais. “Até 1939, haviam sido criadas 35 agências esta-
tais; entre 1940 e 1945 surgiram 21 agências, englobando empresas públicas, sociedades de
economia mista e fundações” (Lima Júnior, 1998:8). Até 1930, existiam, no Brasil, 12 empresas
públicas; de 1930 a 1945, foram criadas 13 novas empresas, sendo 10 do setor produtivo, entre
elas a Companhia Vale do Rio Doce, hoje uma gigante da mineração, e a Companhia Siderúrgica
Nacional, ambas já privatizadas.
Desde o início do governo provisório, foram tomadas medidas visando à racionalização dos
procedimentos. Já no discurso de posse do presidente Vargas, ao apresentar sua plataforma de
governo, ele se propunha a promover uma série de reformas, entre elas a criação de um Minis-
tério de Instrução e Saúde Pública; a remodelação do Exército e da Armada; a reorganização do
aparelho judiciário; a “consolidação das normas administrativas, com o intuito de simplificar a
confusa e complicada legislação vigorante, bem como de refundir os quadros do funcionalismo,
que deverá ser reduzido ao indispensável, suprimindo-se os adidos e os excedentes” (Wahrli-
ch, 1975:7-8); a manutenção de uma administração de rigorosa economia, cortando todas as
despesas improdutivas e suntuárias; a reorganização do Ministério da Agricultura; a revisão
do sistema tributário; e a instituição do Ministério do Trabalho, “destinado a superintender a
questão social, o amparo e a defesa do operariado urbano e rural” (Wahrlich, 1975:7-8).
Dando cumprimento a esse programa, em 1930, foi criada a comissão permanente de padroni-
zação e, no ano seguinte, a comissão permanente de compras, ambas voltadas para a aquisição
de material. Na área de pessoal, a Constituição de 1934 introduziu o princípio do mérito. Em
1935, foi criada a comissão mista de reforma econômico-financeira, a qual destacou uma sub-
comissão, que ficou conhecida como comissão Nabuco, para “estudar a possibilidade de um re-
ajustamento dos quadros do serviço público civil” (Wahrlich, 1975:10). Em decorrência do seu
trabalho, em 1936, foi promulgada a Lei nº 284, de 28 de outubro, a chamada Lei do Reajusta-
mento, que estabeleceu nova classificação de cargos, fixou normas básicas e criou o Conselho
Federal do Serviço Público Civil.
De todas essas medidas, a mais emblemática foi a criação do Departamento Administrativo
do Serviço Público (DASP), “o líder inconteste da reforma e, em grande parte, seu executor”
(Wahrlich, 1974:29). O DASP foi efetivamente organizado em 1938, com a missão de definir e
executar a política para o pessoal civil, inclusive a admissão mediante concurso público e a ca-
pacitação técnica do funcionalismo, promover a racionalização de métodos no serviço público
e elaborar o orçamento da União. O DASP tinha seções nos estados, com o objetivo de adaptar
as normas vindas do governo central às unidades federadas sob intervenção.
Essa primeira experiência de reforma de largo alcance inspirava-se no modelo weberiano de
burocracia e tomava como principal referência a organização do serviço civil americano. Estava
voltada para a administração de pessoal, de material e do orçamento, para a revisão das estru-
turas administrativas e para a racionalização dos métodos de trabalho. A ênfase maior era dada
à gestão de meios e às atividades de administração em geral, sem se preocupar com a raciona-
lidade das atividades substantivas.
A reforma administrativa do Estado Novo foi, portanto, o primeiro esforço sistemático de supe-
ração do patrimonialismo. Foi uma ação deliberada e ambiciosa no sentido da burocratização
do Estado brasileiro, que buscava introduzir no aparelho administrativo do país a centralização,
a impessoalidade, a hierarquia, o sistema de mérito, a separação entre o público e o privado.
Visava constituir uma administração pública mais racional e eficiente, que pudesse assumir seu
papel na condução do processo de desenvolvimento, cujo modelo de crescimento, baseado na

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industrialização via substituição de importações, supunha um forte intervencionismo estatal e
controle sobre as relações entre os grupos sociais ascendentes — a nova burguesia industrial e
o operariado urbano (Marcelino, 1987).
O DASP representou a concretização desses princípios, já que se tornou a grande agência de
modernização administrativa, encarregada de implementar mudanças, elaborar orçamentos,
recrutar e selecionar servidores, treinar o pessoal, racionalizar e normatizar as aquisições e
contratos e a gestão do estoque de material. O DASP foi relativamente bem-sucedido até o
início da redemocratização em 1945, quando houve uma série de nomeações sem concurso
público para vários organismos públicos. A liberdade concedida às empresas públicas, cujas
normas de admissão regulamentadas pelos seus próprios estatutos tornavam facultativa a rea-
lização de concursos, foi, em parte, responsável por tais acontecimentos.
Para Beatriz Wahrlich (1984), essas atitudes revelavam que o favoritismo tinha maior peso que
as admissões por mérito no sistema brasileiro de administração de pessoal dos órgãos públicos.
Contribuíram para isso, “o ambiente cultural encontrado pela reforma modernizadora. (...), o
mais adverso possível, corroído e dominado por práticas patrimonialistas amplamente arraiga-
das” (Torres, 2004:147).

O nacional desenvolvimentismo
A queda do governo Vargas, além de suas causas mais remotas, foi provocada por mais uma
intervenção militar na vida política brasileira. O crescente movimento de oposição ao regime
viu-se reforçado pelas lideranças militares recém-saídas da II Guerra Mundial. De fato, parecia
contraditório que os militares brasileiros voltassem da Europa vitoriosos na luta contra gover-
nos totalitários para dar suporte à ditadura.
À falta de lideranças institucionalizadas em posição legítima para assumi-la, a Presidência da
República foi entregue ao presidente do Supremo Tribunal Federal, que conduziu o governo de
transição e convocou as eleições e a Assembleia Nacional Constituinte. A Constituição de 1946
restabeleceu o estado de direito e as garantias individuais, restaurou a divisão de Poderes da
República, devolveu a autonomia dos estados, ampliou os direitos sociais dos trabalhadores,
reorganizou o Judiciário e previu a mudança da capital. Fortaleceu-se o federalismo coopera-
tivo, por meio de novos mecanismos de coordenação e transferência de rendas entre regiões.
Eleito em dezembro de 1945, o presidente Dutra, ex-ministro da Guerra de Getúlio Vargas, to-
mou posse em janeiro do ano seguinte e realizou um governo legalista e conservador, marcado
pela dissipação das reservas cambiais acumuladas durante o conflito mundial, pela perda da
legalidade do Partido Comunista e pela proibição dos jogos de azar. Durante esse quinquênio,
foi criada a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, aumentando a oferta de energia para o
Nordeste do Brasil.
Cinco anos depois de deixar o governo, Getúlio Vargas foi eleito presidente da República, pelo
voto direto, em 3 de outubro de 1950. Vargas assumiu o governo, com poderes limitados pela
Constituição de 1946, para cumprir um programa francamente nacionalista e reformista, pro-
metendo ampliar os direitos dos trabalhadores e investir na indústria de base e em transportes
e energia, o que requeria o aumento da intervenção do Estado no domínio econômico. Nesse
período, foram criadas 13 empresas estatais, entre elas a Petrobras e o Banco Nacional de De-
senvolvimento Econômico (BNDE), grandes pilares para o fomento da política nacional. Vargas
também tentou controlar a remessa de lucros das empresas estrangeiras e criar a Eletrobrás,

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empresa controladora do setor elétrico. Contra ele, insurgiram-se as forças conservadoras li-
gadas a interesses contrariados, desencadeando acirrada oposição. As pressões aumentaram
com a investigação do atentado ao jornalista Carlos Lacerda, perpetrado por membros de sua
guarda pessoal, culminando com o ultimato dos chefes militares. Getúlio preferiu a morte à
renúncia ou à deposição. Na madrugada do dia 24 de agosto de 1954, desferiu um tiro no peito
que o tirou da vida para colocá-lo na história do Brasil, segundo ele mesmo deixou escrito em
sua carta-testamento.
Durante o segundo governo Vargas, também se pretendeu retomar os esforços reformistas pela
designação, em 1952, de um grupo de trabalho com a missão de elaborar um projeto de refor-
ma administrativa, o qual resultou num projeto de lei que previa a reorganização administrativa
do ministério e a alteração do código de contabilidade das despesas públicas, abolindo o regis-
tro prévio. Submetido ao Congresso Nacional, mereceu um substitutivo de comissão interpar-
tidária – que previa a criação do Conselho de Planejamento e Coordenação e dos ministérios
do Interior e das Comunicações e Transportes – que não chegou a ser aprovado, não obstante
o apoio do Executivo.
Depois de um tumultuado período de transição de mais de um ano, com golpes, contragolpes,
a eleição e a tentativa de impedimento da posse do eleito, assumiu o governo, em 1956, Jusce-
lino Kubitschek de Oliveira. Seu Plano de Metas tinha 36 objetivos, com destaque para quatro
setores-chave: energia, transporte, indústria pesada e alimentação. Propugnava a industriali-
zação acelerada, apoiada na associação entre capitais nacionais e estrangeiros, com ênfase na
indústria de bens duráveis, dando prioridade à indústria automobilística e ao transporte ro-
doviário. Seu lema era a realização de “50 anos em cinco” e a meta-símbolo era a construção
da nova capital do país, Brasília (Mendonça, 1990:335). Era uma fase de grande euforia e de
afirmação nacionalista.
Do ponto de vista institucional, a década que vai de 1952 a 1962 foi marcada pela realização de
estudos e projetos que jamais seriam implementados. A criação da Comissão de Simplificação
Burocrática (Cosb) e da Comissão de Estudos e Projetos Administrativos (Cepa), em 1956, re-
presentou uma das primeiras tentativas de realizar as chamadas reformas globais. A primeira
tinha como objetivo principal promover estudos visando à descentralização dos serviços, por
meio da avaliação das atribuições de cada órgão ou instituição, e da delegação de competên-
cias, com a fixação de sua esfera de responsabilidade e da prestação de contas das autoridades.
A Cepa teria a incumbência de assessorar a Presidência da República em tudo que se referisse
aos projetos de reforma administrativa.
Esse período se caracteriza por uma crescente cisão entre a administração direta, entregue ao
clientelismo e submetida, cada vez mais, aos ditames de normas rígidas e controles, e a admi-
nistração descentralizada (autarquias, empresas, institutos e grupos especiais ad hoc), dotada
de maior autonomia gerencial e que podia recrutar seus quadros sem concursos, preferencial-
mente entre os formados em think tanks especializados, remunerando-os em termos compatí-
veis com o mercado. Constituíram-se, assim, ilhas de excelência no setor público voltadas para
a administração do desenvolvimento, enquanto se deteriorava o núcleo central da administra-
ção. De acordo com Lima Júnior (1998:10), a administração do Plano de Metas foi executada,
em grande medida, fora dos órgãos administrativos convencionais. Considerando-se os setores
essenciais do plano de desenvolvimento (energia, transportes, alimentação, indústrias de base
e educação), apenas 5,2% dos recursos previstos foram alocados na administração direta; o
restante foi aplicado por autarquias, sociedades de economia mista, administrações estaduais

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e empresas privadas. A coordenação política das ações se fazia através dos grupos executivos
nomeados diretamente pelo presidente da República.
O governo seguinte ao de Kubitschek, embora caracterizado por grande agitação política, não
produziu transformações de largas consequências no aparelho de Estado. Pode parecer até
um contrassenso afirmar que a mudança do sistema de governo seja de pouca relevância. Na
verdade, a introdução do parlamentarismo depois da renúncia do presidente Jânio Quadros,
apenas sete meses depois da sua investidura no cargo, foi uma solução política, de curta dura-
ção, para o enfrentamento das resistências militares à posse do vice-presidente João Goulart.
O governo instalou-se em meio a uma crise e com ela conviveu durante os 32 meses seguintes.
Jango era apoiado pelo Partido Trabalhista Brasileiro e se propunha a realizar um programa de
esquerda, orientado para a realização de reformas de base — bancária, fiscal, urbana, agrária,
universitária e administrativa. O programa contemplava a extensão do direito de voto aos anal-
fabetos e às patentes. Esse pacote de medidas enfrentava forte oposição dos setores militares
que viam na ação política orientada para suboficiais e praças uma grave ameaça à disciplina.
Apesar da crise, o governo Goulart criou a Comissão Amaral Peixoto, que deu início a novos
estudos para a realização da reforma administrativa. Seu principal objetivo era promover “uma
ampla descentralização administrativa até o nível do guichê, além de ampla delegação de com-
petência” (Marcelino, 1988:41).
Embora tenha havido avanços isolados durante os governos de Getúlio Vargas, Juscelino Ku-
bitschek, Jânio Quadros e João Goulart, o que se observa é a manutenção de práticas cliente-
listas, que negligenciavam a burocracia existente, além da falta de investimento na sua profis-
sionalização. A cada desafio surgido na administração do setor público, decorrente da própria
evolução socioeconômica e política do país, a saída utilizada era sempre a criação de novas
estruturas alheias à administração direta e o consequente adiamento da difícil tarefa de refor-
mulação e profissionalização da burocracia pública existente (Torres, 2004:151).
Todas as iniciativas anteriormente descritas, como a criação dessas comissões, mesmo que não
tenham sido implementadas, não deixaram de inaugurar uma nova visão na administração pú-
blica com a introdução de conceitos, diretrizes e objetivos mais racionais, que serviriam de
base para futuras reformas no aparato administrativo brasileiro. Na verdade, algumas das gran-
des inovações introduzidas pela reforma de 1967 estavam consignadas nos relatórios da Cosb,
da Cepa e, sobretudo, da Comissão Amaral Peixoto, conforme exaustivamente documentado
por Beatriz Wahrlich (1974:30-41).
De fato, o ministério extraordinário para a reforma administrativa elaborou quatro projetos que
nunca conseguiram aprovação no Congresso, mas alguns especialistas no assunto afirmam que
foi a partir deles que se concebeu o Decreto-Lei nº 200 de 1967. Seu estatuto básico prescreve
cinco princípios fundamentais:
•• o planejamento (princípio dominante);
•• a expansão das empresas estatais (sociedades de economia mista e empresas públicas),
bem como de órgãos independentes (fundações públicas) e semi-independentes (autar-
quias);
•• a necessidade de fortalecimento e expansão do sistema do mérito, sobre o qual se estabe-
leciam diversas regras;
•• diretrizes gerais para um novo plano de classificação de cargos;

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•• o reagrupamento de departamentos, divisões e serviços em 16 ministérios: Justiça; Inte-


rior; Relações Exteriores; Agricultura; Indústria e Comércio; Fazenda; Planejamento; Trans-
portes; Minas e Energia; Educação e Cultura; Trabalho, Previdência e Assistência Social;
Saúde; Comunicações; Exército; Marinha; e Aeronáutica.

A modernização autoritária
A agitação política provocada pelas reformas de base, a ebulição dos movimentos populares
de esquerda, a mobilização da direita católica, a conspiração nos quartéis e as revoltas dos
marinheiros e sargentos do Exército acabaram por provocar mais uma intervenção militar, que
se deu com o golpe de 1º de abril de 1964. O endurecimento do regime ocorreu aos poucos.
Primeiro, a deposição do presidente e de alguns governadores; em seguida, a cassação de man-
datos eletivos e a suspensão de direitos políticos; depois, a extinção dos antigos partidos e a
suspensão das eleições diretas. Cumpria-se o mesmo programa autoritário de supressão de
garantias, cerceamento do Congresso, centralização de decisões, concentração de recursos e
esvaziamento da federação.
De certa forma, o governo militar realizou, à sua maneira, com sinais trocados, o programa de
reformas de base — elaborou o Estatuto da Terra, promoveu uma reforma tributária, reorgani-
zou o sistema bancário, reestruturou o ensino universitário e realizou uma ampla reforma ad-
ministrativa. Em 1965, teve início a reforma tributária que se consolidou com a Constituição de
1967, uniformizando a legislação, simplificando o sistema e reduzindo o número de impostos.
Ela trouxe uma brutal concentração de recursos nas mãos da União, esvaziando financeiramen-
te estados e municípios, que ficaram dependentes de transferências voluntárias.
Ainda em 1964, o novo governo retirou do Congresso Nacional o projeto de lei elaborado pela
Comissão Amaral Peixoto para reexame do assunto por parte do Poder Executivo. Instituiu a
Comissão Especial de Estudos da Reforma Administrativa (Comestra), presidida pelo ministro
extraordinário para o planejamento de coordenação econômica, com o objetivo de proceder
ao “exame dos projetos elaborados e o preparo de outros considerados essenciais à obtenção
de rendimento e produtividade da administração federal” (Wahrlich, 1974:44).
Do trabalho dessa comissão e das revisões que se seguiram em âmbito ministerial resultou a
edição do Decreto-Lei nº 200 de 25 de fevereiro de 1967, o mais sistemático e ambicioso em-
preendimento para a reforma da administração federal. Esse dispositivo legal era uma espécie
de lei orgânica da administração pública, fixando princípios, estabelecendo conceitos, balizan-
do estruturas e determinando providências. O Decreto-Lei nº 200 se apoiava numa doutrina
consistente e definia preceitos claros de organização e funcionamento da máquina administra-
tiva.
Em primeiro lugar, prescrevia que a administração pública deveria se guiar pelos princípios do
planejamento, da coordenação, da descentralização, da delegação de competência e do con-
trole. Em segundo, estabelecia a distinção entre a administração direta — os ministérios e de-
mais órgãos diretamente subordinados ao presidente da República — e a indireta, constituída
pelos órgãos descentralizados — autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de
economia mista. Em terceiro, fixava a estrutura do Poder Executivo federal, indicando os órgãos
de assistência imediata do presidente da República e distribuindo os ministérios entre os seto-
res político, econômico, social, militar e de planejamento, além de apontar os órgãos essenciais
comuns aos diversos ministérios. Em quarto, desenhava os sistemas de atividades auxiliares –

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pessoal, orçamento, estatística, administração financeira, contabilidade e auditoria e serviços
gerais. Em quinto, definia as bases do controle externo e interno. Em sexto, indicava diretrizes
gerais para um novo plano de classificação de cargos. E, finalmente, estatuía normas de aquisi-
ção e contratação de bens e serviços.
Para Beatriz Wahrlich (1984:52), de 1964 até 1978, assistiu-se ao ressurgimento da reforma
administrativa como programa de governo formal. De 1967 a 1979, a coordenação da reforma
administrativa cabia à Subsecretaria de Modernização e Reforma Administrativa (Semor), que
cuidava dos aspectos estruturais, sistêmicos e processuais, e ao DASP, que atuava somente no
domínio dos recursos humanos. Nessa fase, a Semor se preocupou em recorrer a frequentes
exames da estrutura organizacional e analisou projetos de iniciativa de outros departamentos,
visando à criação, fusão ou extinção de órgãos e programas que trouxessem maior eficácia à
gestão pública. Foram realizados muitos estudos, trazendo contribuições importantes para a
formulação do arcabouço teórico e de metodologias que embasassem a modernização admi-
nistrativa. Quanto ao DASP, além de suas atividades regulares, seu principal projeto foi a ela-
boração de um novo plano de classificação de cargos, que se pautava numa classificação por
categoria, em oposição ao anterior, aprovado em 1960, que se apoiava num sistema de classi-
ficação por deveres e responsabilidades. Esse plano não logrou êxito em modificar a estrutura
hierárquica de cargos na administração pública, o que significa dizer que o sistema de mérito
continuou restrito aos postos iniciais da carreira.
Apesar da distância entre as metas estabelecidas e as metas cumpridas, não resta dúvida de
que o Decreto-Lei nº 200 contribuiu para a consolidação do modelo de administração para o
desenvolvimento no Brasil. Essa nova concepção viria substituir o modelo clássico de burocrati-
zação, baseado nas ideias de Taylor, Fayol e Weber. Adaptado à nova condição política do Brasil,
que atravessava uma ditadura militar, ambicionava expandir a intervenção do Estado na vida
econômica e social. A modificação do estatuto do funcionalismo de estatutário para celetista e
a criação de instituições da administração descentralizada visavam facilitar as pretensões inter-
vencionistas do governo.
A tentativa de modernização do aparelho de Estado, especialmente a partir da década de 1960,
teve como consequência a multiplicação de entidades da administração indireta: fundações,
empresas públicas, sociedades de economia mista e autarquias. A expansão e a multiplicação
de novos centros de administração indireta buscavam maior agilidade e flexibilidade de atua-
ção dessas entidades, melhor atendimento às demandas do Estado e da sociedade, facilida-
de de aporte de recursos e, naturalmente, facilidade de recrutamento, seleção e remuneração
(Marcelino, 1988:44).
Embora tenha se verificado um crescimento na administração direta, sobretudo com o aumen-
to do número de ministérios que foram desmembrados de outros, a marca maior do modelo
do crescimento foi mesmo a expansão da administração indireta. Isso resultou no fenômeno da
dicotomia entre o Estado tecnocrático e moderno das instâncias da administração indireta e o
Estado burocrático, formal e defasado da administração direta, que subsiste mesmo depois da
reforma administrativa de março de 1990 (Marcelino, 1988:44). Esse fenômeno tinha se inicia-
do ainda no final do primeiro governo Vargas, que entre 1940 e 1945 chegou a criar 21 órgãos
descentralizados.
Apesar dos avanços, a reforma de 1967 não logrou eliminar o fosso crescente entre as burocra-
cias públicas instaladas na administração direta e na indireta nem garantir a profissionalização
do serviço público em toda a sua extensão: “Não se institucionalizou uma administração do

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tipo weberiano; a administração indireta passou a ser utilizada como fonte de recrutamento,
prescindindo-se, em geral, do concurso público” (Lima Júnior, 1998:14).
A reforma administrativa embutida no Decreto-Lei nº 200 ficou pela metade e fracassou. A
crise política do regime militar, que se inicia já em meados dos anos 1970, agrava ainda mais
a situação da administração pública, já que a burocracia estatal foi identificada com o sistema
autoritário em pleno processo de degeneração (Bresser-Pereira, 1996:273-274).
Antes da descrição da reforma administrativa da Nova República, merecem registro dois pro-
gramas de reforma elaborados entre 1979 e 1982, a desburocratização e a desestatização. De
iniciativa do Poder Executivo, os dois programas foram concebidos de forma a atender objetivos
complementares, que seriam o aumento da eficiência e da eficácia na administração pública e
o fortalecimento do sistema de livre empresa. Mais especificamente, o programa de desburo-
cratização, instituído pelo Decreto-Lei nº 83.740 de 18 de julho de 1979, “visa à simplificação
e à racionalização das normas organizacionais, de modo a tornar os órgãos públicos mais dinâ-
micos e mais ágeis” (Wahrlich,1984:53). Esperava-se que a supressão de etapas desnecessárias
tornaria mais ágil o sistema administrativo, trazendo benefícios para funcionários e clientes.
Diferentemente dos outros programas, o da desburocratização privilegiava o usuário do serviço
público. Daí o seu ineditismo, porque nenhum outro programa antes era dotado de caráter so-
cial e político. Mas ele também incluía entre seus objetivos o enxugamento da máquina estatal,
já que recomendava a eliminação de órgãos pouco úteis, ou cuidava para impedir a proliferação
de entidades com tarefas pouco definidas ou já desempenhadas em outras instituições da ad-
ministração direta e indireta.
O balanço de sua atuação registrou até março de 1981 a análise de centenas de rotinas de
trabalho, para efeito de simplificação, procedendo à supressão de documentos e informações
dispensáveis. Em 1983, o programa de desburocratização ganha estatuto de ministério, depois
de passar por uma fase em que voltou a ser um programa, e recupera na Nova República sua
condição de ministério, suprimido definitivamente em 1986.
O programa de desestatização visava ao fortalecimento do sistema livre de empresa e tinha os
seguintes pressupostos:
•• a organização e a exploração das atividades econômicas competem preferencialmente à
empresa privada, na forma estabelecida na Constituição brasileira. O papel do Estado, no
campo econômico, é de caráter suplementar e visa, sobretudo, encorajar e apoiar o setor
privado;
•• o governo brasileiro está firmemente empenhado em promover a privatização das empre-
sas estatais nos casos em que o controle público tenha se tornado desnecessário ou injus-
tificável;
•• a privatização das empresas estatais, porém, não deverá alcançar nem enfraquecer as en-
tidades que devam ser mantidas sob controle público, seja por motivos de segurança na-
cional, seja porque tais empresas criam, efetivamente, condições favoráveis ao desenvol-
vimento do próprio setor privado nacional, ou ainda, quando contribuem para assegurar o
controle nacional do processo de desenvolvimento (Wahrlich, 1984:54).
Para Beatriz Wahrlich (1984:57), o programa da desestatização havia sido concebido para esta-
belecer limites aos excessos de expansão da administração pública descentralizada, tendência
marcante na década anterior, sem, entretanto, configurar-se na reversão desse processo. Ela

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completa: “a necessidade de um programa de desestatização indica que na questão da orga-
nização para o desenvolvimento, a administração pública brasileira ultrapassou suas metas e
chegou a hora de corrigir a disfunção existente, para atender à opção constitucional do país por
uma economia de mercado”.

A reforma administrativa da Nova República


A reforma do Estado era uma das principais promessas da Nova República, a qual se traduzia
em diversas bandeiras de luta, que iam muito além do rearranjo administrativo — vigência efe-
tiva do império da lei, desobstrução do Legislativo, aparelhamento da Justiça, reforma tribu-
tária, descentralização e, subsidiariamente, reforma agrária, saneamento da previdência, im-
plantação do sistema único de saúde, erradicação do analfabetismo, reforma do ensino básico,
desenvolvimento regional.
Tancredo Neves promoveu uma pequena reforma administrativa destinada a acomodar os in-
teresses das diversas facções políticas que o apoiavam — ampliação do número de ministérios
e criação de novas diretorias em quase todas as empresas estatais. A verdadeira reforma do
Estado, prometia ele, viria depois da posse. Para realizar essa imensa tarefa, ele indicou um mi-
nistro extraordinário da administração para dirigir o velho e desgastado DASP.
O governo civil que acabara de se instalar em 1985, após mais de duas décadas de ditadura
militar, herdava um aparato administrativo marcado ainda pela excessiva centralização. Ape-
sar de representar a primeira tentativa de reforma gerencial da administração pública, pela
intenção de mexer na rigidez burocrática, o Decreto-Lei nº 200/67 deixou sequelas negativas.
Em primeiro lugar, o ingresso de funcionários sem concurso público permitiu a reprodução de
velhas práticas patrimonialistas e fisiológicas. E, por último, a negligência com a administração
direta — burocrática e rígida —, que não sofreu mudanças significativas na vigência do decreto,
enfraqueceu o núcleo estratégico do Estado, fato agravado pelo senso oportunista do regime
militar que deixou de investir na formação de quadros especializados para os altos escalões do
serviço público.
No final das mais de duas décadas de regime ditatorial, a situação do país não era muito alen-
tadora. Paralelamente ao desafio da redemocratização, lidava-se com uma severa crise econô-
mica marcada pelas crescentes desigualdades sociais. As distorções no aparelho administrati-
vo, geradas até o momento, dificultavam qualquer tentativa de reversão desse quadro. Ora, se
para realizar mudanças importantes na engrenagem administrativa era necessária uma revisão
crítica de todas as experiências anteriores, a missão mais urgente que se apresentava nos mea-
dos dos anos 1980 era a instalação de sistemas administrativos capazes de promover o desen-
volvimento, fazendo com que o país pudesse dispor de toda a potencialidade de seus recursos.
É importante sublinhar, portanto, que o processo de reforma está estreitamente ligado ao con-
texto político, social e cultural do país, o que significa que não podem ser enfatizados somente
os aspectos legal e técnico.
Assim, o governo da chamada Nova República teria como tarefa inadiável a reversão desse qua-
dro, que se expressaria na necessidade de tornar o aparelho administrativo mais reduzido, or-
gânico, eficiente e receptivo às demandas da sociedade (Marcelino, 2003:645).
Para empreender tamanha tarefa, o governo Sarney instituiu uma numerosa comissão, cujos
objetivos eram extremamente ambiciosos, já que, num primeiro momento, pretendia redefinir

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o papel do Estado (nas três esferas de governo); estabelecer as bases do funcionamento da


administração pública; fixar o destino da função pública; reformular as estruturas do Poder Exe-
cutivo federal, de seus órgãos e entidades; racionalizar os procedimentos administrativos em
vigor; além de traçar metas para áreas consideradas prioritárias, como a organização federal,
recursos humanos e a informatização do setor público. Nessa época, ainda operavam os pro-
gramas de privatização e desburocratização herdados do governo Figueiredo.
Segundo Marcelino (2003:646), o documento elaborado pela comissão geral da reforma definia
as propostas para a reorganização da administração pública:
•• restauração da cidadania para prover os cidadãos de meios para a realização de seus direi-
tos, obedecendo aos critérios de universalidade e acesso irrestrito;
•• democratização da ação administrativa em todos os níveis do governo, por meio de di-
namização, redução do formalismo e transparência dos mecanismos de controle, controle
do Poder Executivo pelo Poder Legislativo e pela sociedade, e articulação e proposição de
novas modalidades organizacionais de decisão, execução e controle administrativo-institu-
cional;
•• descentralização e desconcentração da ação administrativa com o objetivo de situar a deci-
são pública próxima do local de ação, além de reverter o processo de crescimento desorde-
nado da administração federal;
•• revitalização do serviço público e valorização dos serviços;
•• melhoria dos padrões de desempenho a fim de promover a alocação mais eficiente de re-
cursos.
Essa comissão, criada em agosto de 1985, suspendeu seus trabalhos em fevereiro de 1986,
quando todas as atenções e esforços estavam voltados para o plano de estabilização da econo-
mia — o Plano Cruzado. Em setembro daquele mesmo ano, foi lançado o primeiro programa de
reformas do governo Sarney, que tinha três objetivos principais: racionalização das estruturas
administrativas, formulação de uma política de recursos humanos e contenção de gastos públi-
cos (Marcelino, 2003:647).
Quanto à estrutura, o que se pretendia era fortalecer a administração direta com base na as-
sertiva de que ela tinha sido negligenciada em detrimento da administração indireta, que acu-
sava altos níveis de expansão ano após ano, desde o começo das reformas. Para estancar o
crescimento dos órgãos da administração indireta e promover o desenvolvimento da direta,
elaborou-se uma primeira versão da Lei Orgânica da Administração Pública Federal, que suce-
dia o Decreto-Lei nº 200.
Valorizar a função pública e promover a renovação de quadros eram as metas principais da
política de recursos humanos do governo Sarney. Para isso, foram criadas a Escola Nacional de
Administração Pública (Enap) e o Centro de Desenvolvimento da Administração Pública (Ce-
dam), ambos vinculados à Secretaria de Recursos Humanos. O primeiro seria responsável pela
formação de novos dirigentes do setor público e ao segundo caberia a função de treinar e re-
ciclar servidores públicos, objetivando uma alocação mais lógica e racional de funcionários pú-
blicos. Complementando essa política, a Secretaria de Administração Pública (Sedap), ao tentar
resgatar o sistema de mérito, elaborou um novo plano de carreira, uma revisão do estatuto do
funcionalismo e um plano de retribuições.

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Na prática, nem a comissão nem o grupo executivo que a sucedeu conseguiram implementar as
medidas que preconizaram. A ampla reforma modernizadora e democrática foi deixada de lado
para dar lugar à mais tradicional estratégia de reforma administrativa — a racionalização dos
meios. Mas, mesmo com a emulação suscitada pelo Plano Cruzado, o governo não foi capaz de
reativar as antigas ilhas de eficiência do setor público — planejamento, arrecadação, comunica-
ções, política agrícola — desmanteladas a partir do início da gestão de Delfim Neto na Secreta-
ria de Planejamento, da Presidência da República, no governo Figueiredo. Por outro lado, como
medidas de racionalização, o governo Sarney extinguiu o Banco Nacional de Habitação (BNH),
que enfrentava grave crise na lógica de financiamento da casa própria e, com ele, a política de
habitação, da qual a responsabilidade, em parte, foi transferida para a Caixa Econômica Federal
(CEF). Também pouco avançou na implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), duramen-
te conquistado na Constituinte.
No campo da política de recursos humanos do setor público, o governo não conseguiu instituir
um sistema de carreiras, apoiando o progresso profissional na formação dos servidores, que
justificasse a existência desses organismos. Deixou para seu sucessor o projeto de um regime
único para os servidores públicos, determinado pela Constituição de 1988 que, cedendo a pres-
sões de interesses corporativos, estabelecia mais de 100 direitos, uns dois ou três deveres e
alguns poucos dispositivos sobre o processo disciplinar e as sanções cabíveis em caso de falta
grave (Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, mais tarde, profundamente alterada pela Lei
nº 9.527, de 10 de dezembro de 1997). Sancionado com vetos posteriormente derrubados pelo
Congresso Nacional, esse emblema do privilégio em nada contribuiu para valorizar a função
pública.
Para Gileno Marcelino (1988), as tentativas de reforma até 1985 careceram de planejamen-
to governamental e de meios mais eficazes de implementação. Havia uma relativa distância
entre planejamento, modernização e recursos humanos, além da falta de integração entre os
órgãos responsáveis pela coordenação das reformas. Os resultados dessa experiência foram
relativamente nefastos e se traduziram na multiplicação de entidades, na marginalização do
funcionalismo, na descontinuidade administrativa e no enfraquecimento do DASP. Em resumo,
a experiência das reformas administrativas no Brasil apresentou distorções na coordenação e
avaliação do processo, o que dificultou a sua implementação nos moldes idealizados. Persistia
na sua concepção uma enorme distância entre as funções de planejamento, modernização e
recursos humanos.
Paralelamente às tentativas de reforma empreendidas pelo governo, tinham início os traba-
lhos da Assembleia Nacional Constituinte, eleita em 1986 e instalada no começo de 1987. A
Constituinte pretendia, com a nova Carta, refundar a República, estabelecendo outras bases
para a soberania, a ordem social, a cidadania, a organização do Estado, as formas de delibera-
ção coletiva, o financiamento do gasto público, as políticas públicas e a administração pública.
A Constituição de 1988 proclamou uma nova enunciação dos direitos de cidadania, ampliou
os mecanismos de inclusão política e participação, estabeleceu larga faixa de intervenção do
Estado no domínio econômico, redistribuiu os ingressos públicos entre as esferas de governo,
diminuiu o aparato repressivo herdado do regime militar e institucionalizou os instrumentos de
política social, dando-lhes substância de direção. Nesse sentido, a promulgação da Carta Mag-
na representou uma verdadeira reforma do Estado.
Entretanto, do ponto de vista da gestão pública, a Carta de 1988, no anseio de reduzir as dispa-
ridades entre a administração central e a descentralizada, acabou por eliminar a flexibilidade
com a qual contava a administração indireta que, apesar de casos de ineficiência e abusos loca-

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lizados em termos de remuneração, constituía o setor dinâmico da administração pública. Ela


foi equiparada, para efeito de mecanismos de controle e procedimentos, à administração dire-
ta. A aplicação de um Regime Jurídico Único (RJU) a todos os servidores públicos abruptamente
transformou milhares de empregados celetistas em estatutários, gerando um problema ainda
não solucionado para a gestão da previdência dos servidores públicos, pois assegurou aposen-
tadorias com salário integral para todos aqueles que foram incorporados compulsoriamente ao
novo regime sem que nunca tivessem contribuído para esse sistema. Além disso, o RJU institu-
cionalizou vantagens e benefícios que permitiram um crescimento vegetativo e fora de contro-
le das despesas com pessoal, criando sérios obstáculos ao equilíbrio das contas públicas e aos
esforços de modernização administrativa em todos os níveis de governo.
Apesar do propalado retrocesso em termos gerenciais, a Constituição de 1988 não deixou de
produzir avanços significativos, particularmente no que se refere à democratização da esfera
pública. Atendendo aos clamores de participação nas decisões públicas, foram institucionaliza-
dos mecanismos de democracia direta, favorecendo um maior controle social da gestão estatal,
incentivou-se a descentralização político-administrativa e resgatou-se a importância da função
de planejamento.
Embora tenha participado da administração do presidente Sarney, Bresser-Pereira (1998:274)
faz uma crítica mais contundente às tentativas de reforma do governo da transição democráti-
ca e às mudanças introduzidas pela Constituição de 1988. Ele acredita que, no plano gerencial,
houve uma volta aos ideais burocráticos dos anos 1930 e, no plano político, uma tentativa de
retorno ao populismo dos anos 1950. Partindo de uma perspectiva de análise política, consi-
dera que os dois partidos que comandaram a transição eram, apesar de democráticos, visce-
ralmente populistas, não tinham, como a sociedade brasileira também não tinha, noção da
gravidade da crise que o país estava atravessando. Havia, ainda, uma espécie de euforia demo-
crático-populista. Uma ideia de que seria possível voltar aos anos dourados da democracia e do
desenvolvimento brasileiro, que foram os anos 1950.

A reforma do governo Collor


Em 15 de março de 1990, tomou posse o primeiro governo civil eleito pelo voto direto nos úl-
timos 30 anos, em um século de vida republicana. Para cumprir seus propósitos reformadores,
criou uma nova moeda, congelou a poupança popular, taxou haveres financeiros e redesenhou
a máquina de governo. Em menos de 24 horas, editou 23 medidas provisórias, sete decretos e
72 atos de nomeação, aos quais se seguiram inúmeras portarias ministeriais e instruções nor-
mativas autárquicas. Com o objetivo de reduzir a intervenção do Estado na vida social, criou
uma série de restrições e regulamentos temporários para que, aos poucos, os cidadãos perdes-
sem a memória inflacionária e pudessem usufruir mais os benefícios decorrentes do exercício
das novas liberdades.
Na perspectiva econômica, o Plano Collor fomentou debates, ensaios e livros. Sob as lentes do
direito, as medidas legais dele decorrentes têm gerado pareceres, polêmicas e milhares de de-
mandas judiciais. Esses dois pontos de vista monopolizaram o interesse e a atenção dos meios
de comunicação e, em consequência, da sociedade como um todo. Hoje, são de conhecimento
perfeitamente acessível o impacto do inciso de um artigo de uma lei de conversão, a alíquota
de IOF que incide sobre cada ativo financeiro e as projeções sobre os estoques de base monetá-
ria e da moeda em circulação.

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É verdade que a extinção de alguns órgãos que cumpriam missões mais relevantes e as demis-
sões em todas as áreas provocaram vivas discussões. Questionou-se, por exemplo, o propósito
do desmantelamento do aparelho de promoção cultural e o fundamento ético das demissões
em massa numa conjuntura econômica recessiva. Afora o questionamento sobre sua eficácia
em termos de efetiva redução de custos, os argumentos que se alinhavam a favor e contra sua
adoção fundamentam-se em paradigmas de rationale não semelhantes, a começar por duas
ou três concepções de Estado que supõem diferentes níveis de aparelhamento e limites de
intervenção. Perdeu-se, nessa perspectiva, até o que havia de consensual antes da posse do
presidente Collor— a necessidade de redefinir o papel do Estado e redimensionar o tamanho
do governo.
É claro que não houve um balizamento conceitual, um conteúdo estratégico bem definido e um
planejamento da implementação suficientemente estruturado, mas, ainda assim, constituiu-se
um amplo processo de reforma administrativa do Poder Executivo, embora com uma inversão
de fatores, ou seja, existia uma função à procura de um enredo.
Evidentemente, existem outros modelos de reforma ou modernização administrativa cujo foco
de intervenção pode ser orientado para diferentes dimensões do fenômeno macro-organiza-
cional. Mas a redistribuição de autoridade e a responsabilidade por diferentes áreas de espe-
cialização, organismos e níveis hierárquicos podem caracterizar, por si só, a mudança organiza-
cional e constituir o conteúdo da reforma administrativa.
A rápida passagem de Collor pela presidência provocou, na administração pública, uma desa-
gregação e um estrago cultural e psicológico impressionantes. A administração pública sentiu
profundamente os golpes desferidos pelo governo Collor, com os servidores descendo aos de-
graus mais baixos da autoestima e valorização social, depois de serem alvos preferenciais em
uma campanha política altamente destrutiva e desagregadora. Torres (2004:170)
Sua reforma administrativa caminhou de forma errática e irresponsável no sentido da deses-
tatização e da racionalização. As medidas de racionalização foram conduzidas de maneira per-
versa e equivocada. Algumas das extinções tiveram que ser logo revistas, como a da Capes, por
exemplo. Muitas das fusões, principalmente as de ministérios, não eram convenientes, pois
criavam superestruturas (como os Ministérios da Economia e da Infraestrutura) sujeitas a pres-
sões de interesses poderosos e dificultavam a supervisão que intentavam favorecer. Os cortes
de pessoal, desnecessários se examinarmos a administração como um todo, não trouxeram
expressiva redução de custos. A reforma administrativa desmantelou os aparelhos de promo-
ção da cultura e contribuiu ou, pelo menos, serviu de pretexto para a paralisação de todos os
programas sociais. Depois do início da crise de seu governo, Collor voltou ao velho sistema de
concessões políticas para apoios, desmembrando e criando ministérios.
O governo Collor também prometeu uma reforma do Estado orientada numa outra direção. Se
ela fosse sincera nos seus propósitos poderia, como já vimos, contribuir para a consolidação e
universalização do Estado mínimo e, assim, assegurar o bem-estar dos cidadãos brasileiros. Na
verdade, movida a oportunismo neoliberal e constituída como uma empresa de desmantela-
mento do setor público, ela produziu uma série de remanejamentos no plano da organização
administrativa, desarticulou as estruturas encarregadas de operar políticas compensatórias e
em nada contribuiu para a garantia de direitos civis ou de direitos sociais básicos.
O governo Itamar Franco, dado o seu caráter de excepcionalidade, adotou uma postura tímida
e conservadora com relação à reforma do Estado e mesmo à reforma administrativa. Para con-
servar a ampla base de apoio que possibilitou a sua emergência, persistiu na estratégia de res-

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suscitar ministérios extintos por Collor e restringiu-se a tocar, de forma hesitante, o programa
de privatização.
Esse relato inicial não contempla o período dos mandatos do presidente Fernando Henrique
Cardoso, que é objeto de análise detalhada mais à frente.

A reforma Bresser
No Brasil dos anos 1990, o debate sobre a reforma do Estado foi liderado pelo professor Luiz
Carlos Bresser-Pereira, seja na qualidade de scholar, seja na qualidade de ministro. Manifestan-
do-se num ou noutro papel, seus argumentos e propostas foram sempre basicamente os mes-
mos e estão resumidos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado — Pdrae (1995). O
documento está dividido em nove partes e apresenta, entre outros, os seguintes pontos:
•• uma breve interpretação da crise do Estado;
•• uma classificação evolutiva da administração pública;
•• um histórico das reformas administrativas no Brasil a partir dos anos 1930;
•• um diagnóstico da administração pública brasileira;
•• um quadro referencial das formas de propriedade, setores do Estado e tipos de gestão;
•• uma estratégia de mudança;
•• os principais projetos de reforma do chamado aparelho de Estado.
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado tinha como proposta explícita inaugurar a
chamada “administração gerencial”, o que parece designar, como veremos, o fim da história da
administração pública, espécie de panaceia redentora do estatismo patrimonialista e do ogro
burocrático.
O Pdrae partia de uma premissa — a de que a crise latino-americana era uma crise do Estado.
Com base nesse diagnóstico, o plano indicou como pilares do projeto de reforma do Estado:
•• ajustamento fiscal duradouro;
•• reformas econômicas orientadas para o mercado que, acompanhadas de uma política in-
dustrial e tecnológica, garantissem a concorrência interna e criassem condições para o en-
frentamento da competição internacional;
•• a reforma da previdência social;
•• a inovação dos instrumentos de política social, proporcionando maior abrangência e pro-
movendo melhor qualidade para os serviços sociais;
•• a reforma do aparelho de Estado, com vistas a aumentar sua “governança”, ou seja, sua
capacidade de implementar, de forma eficiente, políticas públicas.
Segundo o Pdrae, o governo brasileiro, no âmbito dos três Poderes, “não carecia de ‘governabi-
lidade’, ou seja, de poder para governar, dada sua legitimidade democrática e o apoio com que
contava na sociedade civil. Enfrentava, entretanto, um problema de governança, na medida em

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que sua capacidade de implementar as políticas públicas estava limitada pela rigidez e inefici-
ência da máquina administrativa” (Mare, p. 3-4).
A reforma do Estado deve ser entendida dentro do contexto da redefinição do papel do Estado,
que deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social para se tornar
seu promotor e regulador. O Estado assume um papel menos executor ou prestador direto de
serviços mantendo-se, entretanto, no papel de regulador e provedor destes. Nessa nova pers-
pectiva, busca-se o fortalecimento das suas funções de regulação e de coordenação, particular-
mente no nível federal, e a progressiva descentralização vertical, para os níveis estadual e mu-
nicipal, das funções executivas no campo da prestação de serviços sociais e de infraestrutura.
Considerando essa tendência, pretende-se reforçar a governança — a capacidade de governo
do Estado — por meio da transição programada de um tipo de administração pública burocrá-
tica, rígida e ineficiente, voltada para si própria e para o controle interno, para uma administra-
ção pública gerencial, flexível e eficiente, voltada para o atendimento da cidadania. Para isso,
será necessária uma mudança em três planos: no plano institucional-legal, através da reforma
da Constituição e das leis do país; no plano cultural, através da internalização de uma nova vi-
são do que seja a administração pública; e no plano da gestão, no qual, afinal, se concretiza a
reforma (Mare, p. 4).
Para realizar tarefa de tal envergadura, o Pdrae assinalava ser necessário:
•• redefinição dos objetivos da administração pública, voltando-a para o cidadão-cliente;
•• aperfeiçoamento dos instrumentos de coordenação, formulação e implementação e avalia-
ção de política públicas;
•• flexibilização de normas e simplificação de procedimentos;
•• redesenho de estruturas mais descentralizadas;
•• aprofundamento das ideias de profissionalização e de permanente capacitação dos servi-
dores públicos, ideias que vêm da administração pública burocrática, mas que jamais foram
nela plenamente desenvolvidas.

O modelo conceitual
O modelo conceitual da Reforma do Aparelho do Estado está apoiado em três dimensões: for-
mas de propriedade, tipos de administração pública e níveis de atuação do Estado. As relações
entre essas dimensões estabelecem o quadro referencial e a estratégia da reforma.
Tradicionalmente, o senso comum e a ciência do direito distinguem dois tipos de propriedade
— a pública e a privada, sendo pública toda aquela que está no domínio do Estado e privada,
por exclusão, todas as demais, que, ordinariamente se diz, estarem na esfera do mercado. O
modelo propõe que a propriedade pública possa ser classificada em dois tipos: a propriedade
pública estatal e a propriedade pública não estatal. A propriedade estatal seria aquela tradicio-
nalmente designada como propriedade pública, ou seja, o conjunto de bens sob controle esta-
tal. Já a propriedade pública não estatal compreenderia todos aqueles bens que, embora não
sejam propriedade do Estado, servem ao interesse público. Está nessa categoria o patrimônio
de todas as instituições sem fins lucrativos dedicadas a prestar serviços à comunidade, como as

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fundações, as associações sem fins lucrativos, as sociedades civis de interesse público, as bene-
ficências. Na hipótese de extinção, o patrimônio delas reverte ao Estado.
Bresser-Pereira chama a atenção para o fato de que a existência desse tipo de propriedade
gera direitos de cidadania, os chamados direitos republicanos, que não têm titular certo, mas
afetam o bem-estar e a sobrevivência de todos os indivíduos em novas formas de apropriação
do mundo e de inserção na vida social. Eles dão ao cidadão direitos ao futuro comum, à in-
formação fidedigna, à proteção ao meio ambiente, ao patrimônio histórico e à coisa pública.
Bresser-Pereira (1997:121) não inclui a proteção do consumidor entre os direitos republicanos.
Apoiado na obra de Luís Felipe Colaço Antunes (1989), ele argumenta que este é um direito
que pode ser coletivo, na medida em que seu titular frequentemente é um grupo, categoria ou
classe de pessoas ligadas entre si (...). É um direito civil, é um direito subordinado ao direito de
propriedade. O direito do consumidor, embora possa ser visto como coletivo, é no fundo um
direito privado: expressa o direito do comprador de bens de consumo de não ser enganado.
O mesmo raciocínio sobre o caráter individual de um direito coletivo pode ser aplicado ao direi-
to à privacidade e à proteção contra a onisciência dos computadores.
O modelo também distingue três tipos de administração pública: a patrimonialista, a burocráti-
ca e a gerencial. Na administração pública patrimonialista, o aparelho do Estado funciona como
uma extensão do poder do soberano, e os seus auxiliares, servidores, possuem status de no-
breza real. Os cargos são considerados prebendas. A res publica não é diferenciada da res prin-
cipis. Em consequência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração.
No momento em que o capitalismo e a democracia se tornam dominantes, o mercado e a so-
ciedade civil passam a se distinguir do Estado. Neste novo momento histórico, a administração
patrimonialista torna-se uma excrescência inaceitável. (Mare, p. 15).
A administração pública burocrática se caracteriza pela profissionalização, a ideia de carreira,
a hierarquia funcional, a impessoalidade, o formalismo, em síntese, o poder racional legal. Os
controles administrativos, visando evitar a corrupção e o nepotismo, são sempre a priori. Parte-
-se de uma desconfiança prévia nos administradores públicos e nos cidadãos que a eles dirigem
demandas (Mare, p. 15). O controle rígido dos processos volta-se para a administração de pes-
soal, as compras e o processamento de demandas. A administração pública gerencial é “orien-
tada predominantemente pelos valores da eficiência e da qualidade na prestação de serviços
públicos e pelo desenvolvimento de uma cultura gerencial nas organizações”. Não nega todos
os princípios da administração pública burocrática, pois tem uma clara noção do interesse pú-
blico e, embora os flexibilizando, conserva “a admissão segundo rígidos critérios de mérito,
a existência de um sistema estruturado e universal de remuneração, as carreiras, a avaliação
constante de desempenho, o treinamento sistemático”. A principal diferença está na forma de
controle “que deixa de se basear nos processos para se concentrar nos resultados” (Mare, p.
16). A administração pública gerencial volta-se para:
•• a definição precisa dos objetivos que o administrador público deverá atingir em sua unida-
de;
•• a garantia de autonomia do administrador na gestão dos recursos humanos, materiais e
financeiros que lhe foram colocados à disposição;
•• o controle ou a cobrança a posteriori dos resultados.

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Adicionalmente, praticar-se-ia a competição administrada no interior do próprio Estado, quan-
do houvesse a possibilidade de estabelecer concorrência entre unidades internas. No plano da
estrutura organizacional, a descentralização e a redução dos níveis hierárquicos tornar-se-iam
centrais.
Em suma, afirmava-se que a administração pública deve ser permeável à maior participação
dos agentes privados e das organizações da sociedade civil, deslocando-se a ênfase dos pro-
cedimentos (meios) para os resultados (fins): “o paradigma gerencial contemporâneo, funda-
mentado nos princípios de confiança e de descentralização da decisão, exige formas flexíveis
de gestão, horizontalização de estruturas, descentralização de funções, incentivo à criatividade.
Contrapõe-se à ideologia do formalismo e do rigor técnico da burocracia tradicional. À avalia-
ção sistemática, à recompensa pelo desempenho, e à capacitação permanente, que já eram
características da boa administração burocrática, acrescentam-se os princípios da orientação
para o cidadão cliente, do controle por resultados, e da competição administrada” (Mare, p.
17).
Essas categorias deixam entrever o caráter evolutivo e voluntarista da proposta. Sugere-se que
tivemos uma administração patrimonialista, que evoluiu para o modelo burocrático e estamos
caminhando para a administração gerencial, uma espécie de fim da história da administração
pública. A própria designação administração é infeliz pleonasmo nascido de uma tradução ina-
dequada da new public management. Falar em dotar a administração pública de uma cultura
gerencial não quer dizer nada. Todas as organizações possuem cultura gerencial — algumas
mais burocráticas; outras mais orgânicas e flexíveis.
De acordo com o plano, também há que se distinguir ainda três níveis de atuação do Estado:
•• central ou estratégico, incumbido de formular, supervisionar e avaliar a implementação das
políticas públicas compostas pelo governo, a cúpula dos três Poderes da República e o Mi-
nistério Público;
•• descentralizado, responsável pela execução das políticas e atividades exclusivas, como re-
gulação, fiscalização, segurança, previdência básica;
•• de funções não-exclusivas do Estado, no qual bens e serviços públicos em hospitais, esco-
las, centros culturais e centros de pesquisa podem ser fornecidos por organizações estatais
ou da sociedade civil — associações sem fins lucrativos e mesmo empresas privadas — su-
jeitas ao controle social.
A produção de bens e serviços para o mercado ficaria a cargo das empresas privadas. A cada
um desses níveis funcionais corresponderia um tipo específico de agência pública.
Esse esquema engenhoso resume toda a base conceitual da reforma gerencial brasileira, es-
tabelecendo, numa matriz, diferentes formas de propriedade, tipos de administração pública
e níveis de atividade, para definir os projetos de intervenção. Ele mostra que a administração
gerencial é o tipo mais adequado à gestão de agências autônomas, organizações públicas não
estatais (não governamentais) e empresas privadas, mas que há ainda um espaço residual para
a administração burocrática. Chama a atenção a existência de uma relação entre o tipo de pro-
priedade (ou espaço institucional — Estado, mercado e sociedade) e o tipo de atividade. Tal
correspondência pode ser encontrada em dois quadros, apresentados por Osborne e Gaebler
(1997), para indicar tipos de atividade em que são mais efetivas instituições públicas, organiza-
ções governamentais e empresas privadas.

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Os instrumentos de intervenção
A reforma, tal como preconizada no Plano Diretor, pode ser interpretada com cinco diretrizes
principais, a saber:
•• institucionalização, considera que a reforma só pode ser concretizada com a alteração da
base legal, a partir da reforma da própria Constituição;
•• a racionalização, que busca aumentar a eficiência, por meio de cortes de gastos, sem perda
de “produção”, fazendo a mesma quantidade de bens ou serviços (ou até mesmo mais)
com o mesmo volume de recursos;
•• flexibilização, que pretende oferecer maior autonomia aos gestores públicos na adminis-
tração dos recursos humanos, materiais e financeiros colocados à sua disposição, estabele-
cendo o controle e cobrança a posteriori dos resultados;
•• publicização, que constitui uma variedade de flexibilização baseada na transferência para
organizações públicas não estatais de atividades não exclusivas do Estado (devolution), so-
bretudo nas áreas de saúde, educação, cultura, ciência e tecnologia, e meio ambiente;
•• desestatização, que compreende a privatização, a terceirização e a desregulamentação.
Do ponto de vista do Plano Diretor, essas grandes diretrizes se traduziam na mudança insti-
tucional introduzida pela Emenda Constitucional nº 19 e em três projetos básicos: avaliação
estrutural (racionalização), agências executivas (flexibilização) e organizações sociais (publici-
zação). A emenda foi promulgada em junho de 1998, a avaliação estrutural nunca foi realizada
pelo governo Fernando Henrique, o projeto de agências executivas resultou na qualificação
de um único organismo (Inmetro) e a proposta de publicização resultou no estímulo à criação
de apenas cinco organizações sociais. Embora não fizesse parte dos objetivos do Plano Dire-
tor, nem constituísse atribuição do Ministério da Administração e Reforma do Estado (Mare),
o maior número de realizações esteve relacionado com a privatização de empresas estatais,
principalmente nos setores de telefonia (Sistema Telebrás), de mineração (Vale do Rio Doce) e
financeiro (Banespa).

Considerações finais — síntese histórica


Este texto revela que a organização da administração pública no Brasil passou por transforma-
ções importantes desde o período colonial. Parece simplificador reduzir a história administra-
tiva do país a dois grandes momentos — antes e depois. Na verdade, a administração colonial
conheceu diferentes fases e teve um impulso modernizador com o consulado pombalino. O
Império também tem sua organização governamental marcada por etapas bem distintas, des-
tacando-se a adoção do regime parlamentarista e o fortalecimento progressivo dos governos
provinciais. A própria República Velha também se caracterizou por avanços e recuos na questão
da descentralização e viu nascerem algumas empresas e autarquias e surgirem diferenciações
na estrutura ministerial.
É verdade que o primeiro governo Vargas representa um marco, não só porque produziu gran-
des transformações nas estruturas econômicas, sociais e políticas do país, mas também porque
realizou o primeiro esforço deliberado, sistemático e continuado de modernização administra-

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tiva. O outro marco é de fato a reforma administrativa de 1967, que padronizou estruturas e
procedimentos e introduziu os modernos instrumentos de intervenção.
O terceiro marco na história administrativa mais recente é a reforma dos anos 1990. Ela é pre-
cedida de uma crise que desmantelou e sucateou a máquina administrativa brasileira, criando
ensejo para a crítica neoliberal. O que se pode concluir desta análise é que, não obstante os
equívocos políticos, conceituais e operacionais e a desastrada estratégia que adotou, a reforma
gerencial começou no governo Collor, quando se tentou introduzir, ainda que de forma intuitiva
e vacilante, os princípios da new public management.
Este balanço também mostra que não se pode avaliar a experiência de reforma em termos de
sucesso ou insucesso absolutos. A não ser aquelas tentativas que não chegaram a produzir efei-
tos legais e administrativos, todas as reformas introduziram instrumentos que vieram se agre-
gar às práticas vigentes. Nesse sentido, à medida que o país se transformava econômica, social
e politicamente, a administração pública ampliava-se, diferenciava-se e aparelhava-se, sempre
aumentando a oferta de bens e serviços.
Assim, não obstante os avanços persistentes e os eventuais recuos, a administração pública
se modernizou, ganhando em eficiência, especialização técnica, moralidade, publicidade e
transparência. Entretanto, esse processo de transformação sempre deixou em segundo plano a
questão democrática e a teleologia das reformas e da própria máquina pública.

Aspectos Fundamentais na Formação do Estado Brasileiro

Patrimonialismo
No Brasil, o patrimonialismo perdurou até a década de 1930 como a forma de dominação pre-
dominante. Não podemos dizer que ele está totalmente superado. Quando um ministro con-
funde seu cartão de crédito pessoal com o cartão corporativo do governo federal na hora de
comprar uma tapioca, está claro que o patrimonialismo ainda está bastante presente em nossa
cultura, já que permanece a confusão entre o patrimônio público e o privado. Mas é a partir
da década de 1930 que o país passa a adotar uma administração burocrática. Segundo Bresser:
“O Estado brasileiro, no início do século XX, era um Estado oligárquico e patrimonial, no seio
de uma economia agrícola mercantil e de uma sociedade de classes mal saída do escravismo”.
Portanto, vamos ver aqui um pouco da administração pública brasileira nesse período anterior
a 1930, da administração colonial até a República Velha.

PERÍODO COLONIAL E CHEGADA DA CORTE EM 1808


Apesar de, na época, já existir no Brasil uma administração relativamente aparelhada, é com a
transferência da sede do reino para o Brasil que se criam as condições necessárias para consti-
tuição de um Estado Nacional. Analisando o período anterior a 1808, Caio Prado Júnior aponta
como principais características da administração colonial:
•• a centralização;
•• a ausência de diferenciação (de funções);

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•• o mimetismo;
•• a profusão e minudência das normas;
•• o formalismo e a morosidade.
Mimetismo é imitação, é o processo pelo qual alguém ou alguma coisa se adapta para ficar se-
melhante a outro. Assim, no Brasil, procurava-se aplicar as mesmas estruturas que já existiam
em Portugal. Uma característica importante desse período é a falta de uma divisão do trabalho.
O modelo burocrático tem como princípio a divisão racional do trabalho. No patrimonialismo
não existe isso, tudo se confunde. A administração colonial, apesar da abrangência das suas
atribuições e da profusão de cargos e instâncias, do ponto de vista funcional, pouco se diferen-
cia internamente. Segundo Frederico Lustosa: “O caos legislativo fazia surgir num lugar funções
que não existiam em outros; competências a serem dadas a um servidor quando já pertenciam
a terceiros; subordinações diretas que subvertiam a hierarquia e minavam a autoridade”. Essas
disfunções tinham origem, em grande medida, na tentativa de copiar as estruturas e institui-
ções existentes na metrópole (Portugal) e do vazio de autoridade (e de obediência) no imenso
território, constituindo um organismo autoritário, complexo, frágil e ineficaz.
Caio Prado Jr. coloca ainda como uma característica da administração colonial o formalismo.
Aqui é interessante ressaltarmos uma peculiaridade brasileira. Fred Riggs elaborou uma classi-
ficação do grau de desenvolvimento administrativo das sociedades. O autor criou uma analogia
com o processo de refração de um facho de luz branca que passa através de um prisma. A luz
branca foi usada por Riggs para retratar as sociedades concentradas, em que os objetivos reli-
giosos, educacionais, políticos e econômicos seriam realizados por uma só estrutura, ou seja, as
diversas funções estão a cargo da mesma instituição. As sociedades difratadas se caracterizam
pela existência de um grande número de instituições: repartições, sindicatos, partidos, escolas.
Cada uma desempenha uma função distinta. Podemos associar as sociedades concentradas
aos países subdesenvolvidos, as prismáticas aos em desenvolvimento e as difratadas aos de-
senvolvidos. As sociedades prismáticas corresponderiam a um estágio intermediário, em que
haveria características tanto das sociedades concentradas quanto das difratadas. Elas se carac-
terizariam por: heterogeneidade, superposição e formalismo. A heterogeneidade se caracteriza
pela coexistência de elementos tecnológicos modernos e antigos, do urbano e do rural, da ado-
ção de um estilo de vida sofisticado pela minoria e o comportamento tradicionalista da massa.
A superposição corresponde à execução de uma série de funções por uma só unidade social se-
gundo critérios preestabelecidos. As sociedades prismáticas favorecem a interferência de crité-
rios familiais na administração, além do condicionamento da economia e da política por fatores
alheios ao seu domínio próprio.
O formalismo seria a diferença entre a conduta concreta e a norma que estabelece como essa
conduta deveria ser, sem que tal diferença implique punição para o infrator da norma, ou seja,
a diferença entre o que a lei diz e aquilo que acontece de fato, sem que isso gere punição para
o infrator da lei.
O formalismo ocorreria nas sociedades prismáticas devido a sua dependência em relação às
difratadas, a tentativa de imitar suas estruturas (sociais, políticas e econômicas), ou seja, a rela-
ção de subjugação das difratadas sobre as prismáticas faz com que as últimas implementem as
estruturas das primeiras. O formalismo ocorre porque “as estruturas das sociedades difratadas
não condizem com a realidade cotidiana das prismáticas, sendo que tal incompatibilidade im-
plica a impossibilidade da aplicação total das estruturas implementadas”.

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De acordo com Caio Prado Jr., a discrepância entre a conduta concreta e as normas que pre-
tendiam regular tal conduta sem a respectiva punição (formalismo) estava presente no Brasil
desde os tempos da colônia. A existência do formalismo faz com que haja uma generalização da
desconfiança em torno da validade de todas as demais leis daquela sociedade. É nesse sentido
que o formalismo é apontado como a raiz estrutural do jeitinho brasileiro.
Podemos conceituar o jeitinho brasileiro como o processo de uma pessoa atingir objetivos a
despeito de determinações (leis, normas, regras, ordens, etc.) contrárias. É usado para “burlar”
determinações que, se levadas em conta, inviabilizariam ou tornariam difícil a ação pretendida
pela pessoa. Assim, ele funciona como uma válvula de escape individual diante das imposições
e determinações.
Após essa pequena análise de nosso “jeitinho”, vamos agora voltar para a construção do Estado
brasileiro. É a partir da administração pombalina que começa a ocorrer um processo maior de
racionalização. Marquês de Pombal foi Secretário de Estado de Portugal de 1750 a 1777. Ele
ficou conhecido como um dos "déspotas esclarecidos", por entender que a superação das difi-
culdades que o Reino Português enfrentava somente seria possível por meio da realização de
reformas por um soberano fortalecido.
O despotismo esclarecido é uma expressão usada para designar os monarcas que perceberam
que eles deveriam promover as reformas em seus países como forma de, até mesmo, se man-
terem fortes. Enquanto em países como França e Inglaterra o fim do absolutismo era marcado
por fortes conflitos (cabeças literalmente rolavam), os países do leste europeu não tinham uma
sociedade tão atuante e esclarecida. Assim, não foi a população, mas os próprios monarcas que
decidiram promover as reformas. Pombal agiu da mesma forma. Ele entendia que a superação
das dificuldades que o Reino Português enfrentava somente seria possível por meio da realiza-
ção de reformas por um soberano fortalecido.
Com a intenção de centralizar e controlar ainda mais a administração colonial, extinguiu as ca-
pitanias hereditárias ainda existentes e unificou os Estados do Maranhão e do Brasil. Essa mu-
dança se expressava principalmente nos métodos e processos de trabalho que davam lugar à
emergência de uma burocracia. Mesmo assim, prevaleceu a enorme distância entre a colônia e
a metrópole que juntamente com a lentidão na troca de mensagens criavam um vazio de auto-
ridade legal. Somente com a chegada da Coroa portuguesa ao Brasil, em 1808, que começaria
a ser formada uma verdadeira administração pública no Brasil. Segundo Frederico Lustosa: “O
fato é que a transferência da corte e mais tarde a elevação do Brasil a parte integrante do Reino
Unido de Portugal constituíram as bases do Estado nacional, com todo o aparato necessário à
afirmação da soberania e ao funcionamento do autogoverno. A elevação à condição de corte
de um império transcontinental fez da nova administração brasileira, agora devidamente apa-
relhada, a expressão do poder de um Estado nacional que jamais poderia voltar a constituir-se
em mera subsidiária de uma metrópole de além-mar”.
A família real portuguesa chegou ao Brasil fugindo de Napoleão. Em 1806, o governo napoleô-
nico impôs um bloqueio continental à Europa, segundo o qual nenhuma nação europeia pode-
ria ter relações comerciais com a Inglaterra. Contudo, Portugal não acatou a ordem francesa,
uma vez que possuía vários tratados econômicos com aquele país, o que lhe trouxe uma grande
dependência em relação aos ingleses.
Então, Napoleão ameaçou invadir o território português, fazendo com que os ingleses ofereces-
sem escolta para que a família real portuguesa se deslocasse até o Brasil. Além disso, a Inglater-
ra se comprometia a expulsar os franceses de Portugal. Em troca, Dom João deveria transferir

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a capital do reino português para o Rio de Janeiro, além de estabelecer vários tratados que
abririam os portos brasileiros às nações do mundo e oferecessem taxas alfandegárias menores
aos produtos ingleses.
Ainda em 1808, foi revogada a proibição de instalação de manufaturas no Brasil. Contudo, a
tentativa de instalar indústrias no país fracassou por uma série de razões, entre as quais: limita-
ção do mercado interno, escassez de capitais, insuficiência tecnológica, transportes deficientes
e falta de mão de obra especializada. Ainda havia a concorrência dos produtos ingleses, mais
baratos e de melhor qualidade.
Vêm em seguida os tratados de 1810, que fizeram da Inglaterra uma potência privilegiada, com
inúmeras vantagens em nosso comércio internacional, e reduziram drasticamente a autonomia
do governo brasileiro no setor econômico. Esses tratados foram responsáveis por uma demora
maior ainda no avanço industrial do país.
Nos treze anos que a Corte permaneceu no Brasil, as relações entre a colônia e a metrópole
mudaram significativamente. Além de ser elevado à categoria de Reino Unido e se tornado
sede da monarquia, o país apresentava crescimento econômico, enquanto Portugal enfrentava
uma crise econômica. Insatisfeitos com a perda de privilégios em relação ao Brasil, os portu-
gueses organizaram a Revolução do Porto, de 1820, fazendo com que Dom João VI retornasse
a Portugal.

INDEPENDÊNCIA E CONSTITUIÇÃO DE 1824


Os portugueses deram início então a uma série de medidas que tinham como objetivo retomar
seus privilégios comerciais sobre o Brasil, recolonizando-o. Os deputados portugueses desejam
inclusive fechar novamente os portos brasileiros ao comércio exterior. Tudo isso provocou a
insatisfação dos brasileiros e a tensão com os portugueses. Com a exigência de que Dom Pedro
retornasse a Portugal, sob o pretexto de completar seus estudos, e o famoso Dia do Fico em 9
de janeiro de 1822, quando ficou clara a ruptura do Brasil com Portugal, aceleraram-se os acon-
tecimentos que levaram à independência.
Não podemos dizer que a nossa independência tenha sido uma “separação amigável de Portu-
gal”, um evento pacífico. Depois de setembro de 1822, muitas lutas sangrentas entre portugue-
ses e brasileiros ocorreram em algumas regiões. No entanto, ficou marcada em nossa história
a compra de nossa independência por dois milhões de libras. Quantia esta paga graças a um
empréstimo inglês. Uma das vantagens desse pagamento foi a manutenção de nossa unidade
territorial. Segundo Celso Furtado: “Se a independência houvesse resultado de uma luta pro-
longada, dificilmente ter-se-ia preservado a unidade territorial, pois nenhuma das regiões do
país dispunha de suficiente ascendência sobre as demais para impor a unidade. Os interesses
regionais constituíam uma realidade muito mais palpável que a unidade nacional, a qual só co-
meçou realmente a existir quando se transferiu para o Rio o governo português”.
Ainda em junho de 1822, Dom Pedro I havia convocado uma assembleia constituinte, mas ela
só iniciou seus trabalhos em maio de 1823. Durante as discussões, os parlamentares acabaram
focando as atenções em torno da questão do poder do imperador: limitar ou centralizar? A as-
sembleia dividiu-se então em duas correntes: liberais e conservadores.
As discussões ganharam as ruas, ocorrendo uma série de agitações pelo país. Conforme os de-
bates na assembleia se agitavam, não faltavam insultos aos portugueses e ao próprio Impera-

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dor. A reação de Dom Pedro I foi imediata: decretou a dissolução da assembleia e, no mesmo
Decreto, convocou o Conselho de Estado para elaborar a Constituição do Império. Em 25 de
março de 1824, a Constituição foi oficialmente jurada na Catedral do Rio de Janeiro. Como ela
não foi discutida e votada por uma assembleia eleita pelos cidadãos, constitui uma Constitui-
ção Outorgada.
Apesar de outorgada, foi a Constituição mais longa de nossa história, com 65 anos, e só houve
aprovação de uma única emenda constitucional, permanecendo em vigor até a proclamação da
República em 1889. Segundo a CF de 1824:
“Art. 1. O IMPERIO do Brazil é a associação Politica de todos os Cidadãos Brazileiros. Elles for-
mam uma Nação livre, e independente, que não admite com qualquer outra laço algum de
união, ou federação, que se opponha á sua Independencia.
Art. 2. O seu territorio é dividido em Provincias na fórma em que actualmente se acha, as quaes
poderão ser subdivididas, como pedir o bem do Estado.
Art. 3. O seu Governo é Monarchico Hereditario, Constitucional, e Representativo.
Art. 4. A Dynastia Imperante é a do Senhor Dom Pedro I actual Imperador, e Defensor Perpetuo
do Brazil.
Art. 5. A Religião Catholica Apostolica Romana continuará a ser a Religião do Imperio. Todas as
outras Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso
destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo.”
Entre as suas características podemos citar:
•• forma unitária de Estado;
•• Monarquia Constitucional como forma de governo;
•• divisão do território em províncias, com presidentes nomeados pelo Imperador;
•• religião Católica como a oficial;
•• sufrágio censitário, em que era exigida renda mínima para votar e uma renda maior ainda
para ser eleito;
•• ampla declaração de direitos destinados a assegurar a inviolabilidade dos direitos civis e
políticos;
•• ao Legislativo cabiam as atribuições de guarda da Constituição e interpretação das leis. Não
havia um sistema judicial de controle de constitucionalidade.
A Constituição de 1824 é classificada como semirrígida, uma vez que exigia quórum especial
apenas para aprovação de emendas que se referissem aos limites e atribuições do poder políti-
co. Pedro Lenza cita a Constituição brasileira de 1824 como exemplo de Constituição material,
pelo fato de que o diploma, em seu art. 178, declarava ser constitucional somente o que disses-
se respeito aos limites e atribuições dos poderes do Estado, bem como aos direitos políticos e
individuais dos cidadãos.
Foi instituído o sistema bicameral, com Câmara dos Deputados e Senado. Os membros do Se-
nado seriam vitalícios, enquanto os deputados teriam mandatos eletivos e temporários. Um
terço dos senadores seria nomeado pelo Imperador.

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A inovação mais marcante dessa Constituição foi a criação do quarto poder. Ela previa a exis-
tência do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, mas acrescentava o Poder Moderador, pelo
qual o Imperador tinha o direito de dissolver a Câmara dos Deputados, bem como nomear e
demitir o Conselho de Ministros. Segundo a Constituição:
Art. 10. Os Poderes Politicos reconhecidos pela Constituição do Imperio do Brazil são quatro: o
Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial.
Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização Politica, e é delegado privativa-
mente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que
incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais
Poderes Politicos.
Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolavel, e Sagrada: Elle não está sujeito a responsabilidade
alguma.”
O Imperador exercia dois poderes ao mesmo tempo: o Executivo e o Moderador. Como a Cons-
tituição de 1824 não deixava clara a distinção entre eles, sempre havia certa confusão. A dis-
solução da Assembleia Constituinte e a outorga da Constituição não foram bem recebidas pela
população, que em muitos casos acusava o Imperador de ser absolutista. Ainda em 1824, ocor-
reu a revolta conhecida como Confederação do Equador, que estourou em Pernambuco e se
estendeu por Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. A insatisfação era crescente, até que, em
1931, Dom Pedro I abdicou do trono em favor de seu filho.
Podemos concluir desses acontecimentos que nossa independência não teve sentido revolu-
cionário. No início do Império, os próprios brasileiros foram afastados das decisões políticas.
Dom Pedro I afastou a aristocracia rural do comando político e centralizou o poder nas mãos do
imperador.
Não ocorreram mudanças na vida econômico-social em relação ao período colonial. A depen-
dência econômica em relação à Inglaterra, a compra do reconhecimento de nossa independên-
cia, a crise financeira interna e o sufocamento das reações populares demonstravam a persis-
tência das estruturas coloniais. Assim, um processo que seria revolucionário foi interrompido
logo no início da vida do Brasil como uma nação independente. Segundo Paulo Bonavides:
“A Constituição de 1824 não conseguiu fazer com que um consenso duradouro em torno de
certos princípios – que seriam expressos pelo próprio texto constitucional – fosse alcançado.
Tentou-se impor ao país um modelo que não refletia a realidade das instituições e estruturas
políticas brasileiras, nem tampouco garantia que as que foram implantadas trouxessem esta-
bilidade. Esbravejava-se contra o Poder Moderador e se invocava ele ao mesmo tempo para
realizar as reformas. Era preciso pôr freios a esse poder absoluto, deixado nas mãos de um só
homem. Tornava-se necessário ultrapassar essa situação ambígua, quando não contraditória. A
República se propunha a realizar essa aspiração. ”
Com a abdicação de Dom Pedro I, iniciou-se uma nova fase na história política brasileira. Dom
Pedro II abriu mão das prerrogativas do poder absoluto, e começou a surgir no país o que pode-
ríamos chamar de uma representação nacional. As facções políticas começaram a se organizar
e a se definir melhor politicamente, buscando o poder.
A abdicação deu oportunidade para que a aristocracia rural assumisse o controle do poder, e
começou também a ganhar força o setor cafeeiro. A primeira metade do Século XIX correspon-
de à fase de gestação da lavoura cafeeira, que teve seu apogeu após 1850, resultando em algu-

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mas consequências importantes. Uma delas foi a mudança do eixo econômico-comercial para
o Centro-Sul. Contudo, não foi mudada a estrutura econômica herdada do período colonial:
grandes fazendas, monocultura, dependência do mercado internacional, importação de artigos
manufaturados.
Uma mudança importante foi a lei de extinção do tráfico negreiro em 1850, fechando assim
definitivamente o canal fornecedor de mão de obra compulsória para nossa lavoura. Teve iní-
cio então o processo de imigração. O trabalho assalariado iria se consolidar a partir de 1870,
concentrando-se, inicialmente, nos cafezais do oeste paulista.
Em relação ao processo eleitoral, a Constituição de 1824 repartia o eleitorado em duas catego-
rias: os eleitores de primeiro grau, com direito a votar nas assembleias primárias de paróquia;
e os de segundo grau, aptos a votar na eleição de deputados, senadores e membros dos con-
selhos provinciais. Para chegar ao primeiro grupo, era preciso possuir renda líquida de 100$0;
para o segundo, 200$0. Para se eleger deputado, 400$0, e para Senador, 800$0. É o que chama-
mos de voto censitário, ou seja, com base na renda.

PROCLAMAÇÃO DA REPÚBLICA E CONSTITUIÇÃO DE 1891


Afirma-se que determinadas mudanças que ocorrem nas sociedades “precipitam”. Na Química,
a precipitação é uma reação química em que um produto que estava dissolvido num líquido é
separado em forma de sedimento. Primeiro, observamos um copo com um líquido. A partir da
reação química, poderemos observar partículas sólidas surgindo e caindo no fundo do copo.
O que isso tem a ver com nosso estudo? Bem, essa analogia serve para dizer que algumas mu-
danças têm origem em fatores que já estariam, há tempos, presentes na sociedade, que vi-
nham sendo gestadas lentamente. Frente a determinado acontecimento, esses fatores “preci-
pitam-se”, ou seja, destacam-se, criando os momentos históricos que representam marcos de
passagem de um período para outro. Segundo Fernando Henrique Cardoso: “A passagem do
Império à República e a formação de um sistema de poder capaz de articular os interesses dos
novos donos da situação no Brasil republicano parecem ter obedecido antes à dinâmica de uma
história pouco “precipitada”, se se quiser fazer uma alusão ao comportamento dos elementos
químicos e simultaneamente às regras de astúcia e compromisso características da cultura bra-
sileira, do que ao espetaculoso corte de nós górdios que caracteriza os grandes momentos da
passagem do Antigo Regime à era burguesa na França ou, ainda mais drasticamente, a passa-
gem do capitalismo ao socialismo”.
Ele está querendo dizer que, para alguns, o 15 de novembro não tinha sido o resultado de um
processo de mudança significativa que já estaria sendo gerado na sociedade brasileira. Ele apa-
receu como um movimento “superficial”. Como afirma Aristides Lobo, o povo teria assistido
“bestializado” à parada militar da Praça da Aclamação. Soma-se a isso a percepção de que, den-
tro do exército, a articulação ocorreu por intermédio de um punhado de oficiais jovens de baixa
patente que estavam isolados da soldadesca.
Contudo, essa interpretação peca pela simplicidade. Segundo FHC, “nem a República foi mera
quartelada, nem se tratou ‘apenas’ – como se estas não importassem... – de uma mudança no
nível das instituições, que de monárquicas passaram a republicanas. Houve, de fato, uma mu-
dança de base nas forças sociais que articulavam o sistema de dominação no Brasil”.

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A formação da República, ocorrida em 15 de novembro de 1889, foi preparada lentamente


através das mudanças sociais e econômicas verificadas no Brasil desde 1850: instalação de fer-
rovias, modernização na fabricação do açúcar, primeiro surto industrial, expansão da cafeicul-
tura, adoção da mão de obra assalariada, imigração europeia, formação do mercado interno e
formação de novos grupos sociais.
Contudo, essas mudanças não foram acompanhadas de mudanças na estrutura política, perma-
necendo excessivamente centralizadas. Eram necessárias medidas que favorecessem os novos
interesses: descentralização político-administrativa, estímulo à imigração, reforma monetária e
financeira, incentivo à produção industrial e melhora na estrutura urbana.
Segundo Paulo Bonavides: “Seria demasiado perfunctório e ambíguo asseverar que tudo de-
rivou do golpe de Estado de 15 de novembro de 1889, ou seja, de um capricho dos chefes
militares, de simples comoções de quartel, ou da vontade e ambição pessoal do proclamador
da República. A ser assim, ficariam encobertas as causas primárias do movimento; as raízes
institucionais da insatisfação revolucionária; os acontecimentos que se foram acumulando e
sucedendo até produzirem a densidade cuja torrente, em se precipitando, levou abaixo toda
organização imperial de poder. ”
Foi através da conjugação de três forças que se tornou possível a República: Exército, cafeiculto-
res paulistas e camadas médias urbanas. A maior parte da população ficou alheia ao movimen-
to.
A Constituição promulgada em 24 de fevereiro de 1891 representou a fusão de três antepro-
jetos inspirados no modelo liberal americano. Isso pode ser observado no nome do país, que
passou a se chamar Estados Unidos do Brasil, e na nossa Bandeira. As principais características
da Constituição de 1891 eram:
•• forma federativa de Estado;
•• forma Republicana de governo;
•• território dividido em estados, com constituições e leis próprias;
•• ampla liberdade de culto;
•• tripartição dos poderes;
•• eleição de presidente para um mandato de quatro anos por sufrágio e maioria absoluta.
Caso nenhum dos candidatos obtivesse maioria absoluta, o Congresso Nacional elegeria o
presidente, por maioria simples;
•• ampliação dos direitos individuais, com a inclusão do habeas corpus;
•• instituição de um sistema judicial difuso de controle de constitucionalidade, admitindo-se
recurso ao STF de decisões judiciais em que se questionasse a validade das leis e atos dos
governos locais em face da Constituição.
O tema que gerou os debates mais ardorosos na Constituinte foi a questão federativa. Os Es-
tados Unidos do Brasil constituíam-se em vinte estados autônomos econômica e administrati-
vamente. Nos EUA, o surgimento do Estado Federal está relacionado à necessidade de união
entre treze ex-colônias soberanas, que resultou num processo centralizador, ou seja, optaram
pelo sistema federativo para criar uma nova unidade, representada por um Poder central. No

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Brasil, o movimento foi inverso, ou seja, descentralizador. Segundo Dallari: “Partiu-se da exis-
tência de uma unidade com poder centralizado e se distribuiu o poder político entre várias
unidades, sem eliminar o poder central. Cada uma dessas unidades, que era apenas uma sub-
divisão administrativa chamada Província, recebeu uma parcela de poder político e a afirmação
formal de sua individualidade, passando a denominar-se estado. Aqui, portanto, o movimento
foi descentralizador”.
A principal polêmica nas discussões da constituinte eram as competências que deveriam per-
tencer à União e aos estados. Formaram-se duas correntes antagônicas: unionistas e federalis-
tas. Os primeiros defendiam mais poderes para a União, enquanto os segundos estavam incli-
nados a transferir o centro de gravidade das competências para os estados, conferindo-lhes o
máximo possível de autonomia e de recursos tributários.
Venceu o segundo grupo, predominando um modelo centrífugo. Centrifugação significa “afas-
tamento, desvio do centro”. Ou seja, descentralizado. Os estados tinham ampla autonomia,
pouca cooperação entre si e um governo federal bastante fraco.
Cabia ao estado eleger seu governante (presidente do estado) e uma Assembleia Legislati-
va. Ele deveria organizar-se administrativamente, provendo as necessidades públicas, e devia
aprovar seu Código Eleitoral e Judiciário, além de organizar um corpo policial-militar. Possuía
liberdade para contrair empréstimos no exterior, decretar impostos sobre as exportações, os
imóveis, as indústrias, as profissões e a transmissão de propriedade.
A Carta de 1891 representou a força do liberalismo, introduzindo a separação dos poderes pro-
posta por Montesquieu. Contudo, acabou se transformando na ditadura de um só poder. Outro
aspecto do liberalismo na Constituição foi a declaração de direitos, considerando aptos para
votar todos os brasileiros do sexo masculino maiores de 21 anos, com exceção dos mendigos,
analfabetos, religiosos e soldados. O voto era aberto, o que permitiu uma série de fraudes elei-
torais no decorrer da República Velha.
Mas é preciso ter em mente que a lei por si só não é capaz de mudar a realidade. Apesar de
todas as mudanças que a Constituição de 1891 tentou introduzir, a realidade social se mostrou
bem diferente.
Um dos maiores choques causados pela nova Constituição foi a introdução do presidencialis-
mo. Durante o Império, adotou-se o sistema parlamentar de governo, conquistado duramente
frente ao Poder Moderador. De repente, com o golpe, o país se via num modelo para o qual
nem as elites estavam preparadas nem a população atraída. Segundo Bonavides: “O presiden-
cialismo efetivamente contribuíra para arruinar a harmonia e o equilíbrio dos poderes. Fomen-
tando a expansão sem freios da autoridade do presidente da República, fizera da pessoa do pri-
meiro magistrado se converter no centro de todos os poderes, de todas as decisões, de todos
os movimentos da máquina de governo”.
Caía assim por terra a separação dos poderes e surgia um presidencialismo onipotente. Os prin-
cípios liberais não foram trazidos à vida política cotidiana dos cidadãos, não se criaram meca-
nismos de participação que pudessem garantir os princípios consagrados na Carta Magna.
O federalismo era apenas verbal, pois não havia igualdade entre os entes federados, valia a lei
do mais forte. Os partidos políticos não possuíam ainda dimensão nacional e não expressavam
a vontade nacional, não possuíam programas, não tinham atuação permanente, funcionando

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apenas como fachadas das oligarquias patriarcais. Os mais poderosos, concentrados no eixo
São Paulo-Minas, faziam a célebre política do café-com-leite.
A posse do paulista Prudente de Morais como Presidente da República, em 15 de novembro de
1894, marcou o início do predomínio político do poderoso grupo agroexportador, que durou
até 1930. Esse período de 36 anos recebeu o nome de “República das Oligarquias”. Durante
a República Velha, consolidou-se o poder regional de várias oligarquias. Estas eram formadas
por poucas famílias, ou mesmo por apenas uma família detentora das terras para agricultura
de exportação. Normalmente, cada oligarquia chefiava um estado, por isso nos referimos às
oligarquias sempre em âmbito regional ou estadual.
Com a República, foi eliminado o voto censitário, ou seja, baseado na renda, e adotado o uni-
versal (em parte), estendendo o direito de participação política às camadas populares e à cres-
cente classe média. No entanto, as oligarquias encontraram meios de evitar que fossem eleitos
candidatos que contestassem seu poder. Valia de tudo: assassinatos, espancamentos, prisões
arbitrárias.
Uma relação de subserviência e de troca de favores entre as esferas municipal, estadual e fe-
deral criava uma política de compromissos, na qual as oligarquias estaduais, governo federal e
poder local se auxiliavam mutuamente, com o objetivo de manterem inalteradas as estruturas
econômicas e sociais.
Essa relação de interdependência entre oligarquias estaduais e poder federal foi consolidada
por Campos Sales (1898-1902), que articulou a “Política dos Governadores”, a qual constituía
um pacto entre o governo federal e os estaduais. O Presidente da República não interferia na
política estadual e os governadores controlavam as eleições em seus respectivos estados para
que ocorresse a vitória de candidatos fiéis ao Presidente.
No plano local, fortaleceu-se a figura do Coronel. O Coronelismo foi um sistema político, his-
toricamente datado, que, segundo Raymundo Faoro, tem suas origens no Período Imperial e
assume um caráter estadualista com o advento da República. O nome coronel é originário da
Guarda Nacional, instituição que legaliza o poder do chefe local, na medida em que este se tor-
nava, também, um líder militar.
O poder do coronel não se fundava apenas na força ou no poderio econômico. Segundo Faoro,
“ocorre que o coronel não manda porque tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece
esse poder, num pacto não escrito”. Os fundamentos desse poder se encontram na capacidade
que o coronel tinha de angariar apoio eleitoral entre as pessoas e benefícios públicos com o
Governo.
O Coronel ganhava o apoio eleitoral em virtude da proteção que ele proporcionava. Além disso,
devido ao seu poderio econômico, sustentava uma série de grupos que eram desprovidos de
quase tudo. Num mundo em que as políticas sociais eram inexistentes, os pobres só podiam ro-
gar a Deus ou ao coronel e, como agradecimento aos benefícios alcançados, rezavam o rosário
e doavam seu voto ao coronel. Este detinha o apoio eleitoral e conseguia que o Poder Público
lhe concedesse poder. Por isso se fala que o Brasil possui uma forte tradição municipalista, em
virtude da força do poder local.
Quando Campos Sales indicou Rodrigues Alves para sucedê-lo na Presidência da República, as
oligarquias espernearam. Seria o terceiro paulista a assumir o cargo consecutivamente. Vários
estados reagiram à indicação. Campos Sales buscou então o apoio da oligarquia mineira, jun-

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tando assim o maior produtor de café com o maior produtor de leite, formando a chamada
“política do café-com-leite”. A aliança garantia a supremacia nacional aos dois estados e a esco-
lha do presidente caberia, alternadamente, a cada um deles.
Apesar da relativa estabilidade dos grupos no poder, a República Velha não foi um período
desprovido de tensões sociais. Como vimos, a população não participou do golpe republicano
e o novo regime pouco contribuiu para melhorar a vida da massa despossuída. Assim, diversos
movimentos populares ocorrem nesse período, como as Revoltas da Vacina e da Chibata.
A década de 1920 foi palco da desagregação do pacto político. A oligarquia cafeeira impôs-se
sobre as demais, mas teve a sua hegemonia ameaçada pela crescente desvalorização do café
no mercado internacional. Com a queda no preço do café, era necessário que o Estado prote-
gesse o produto, com manobras econômico-financeiras, que resultavam em inflação e desva-
lorização da moeda, num processo que Celso Furtado chamou de “socialização das perdas”.
Todos pagavam pelos insucessos do café.
Os movimentos rebeldes adquiriram, por essa época, o caráter de revoltas armadas com o cha-
mado tenentismo, movimento de contestação à ordem oligárquica, que nasceu no interior das
Forças Armadas entre a baixa oficialidade. As Escolas Militares promoviam um ensino moderno
e de influência estrangeira. À medida que o ensino militar se renovava, os jovens oficiais perce-
biam melhor a vida política nacional, com sua direção corrupta. Acabavam por culpar os civis
pelo atraso econômico e social do país. Além disso, viam os militares como os únicos capazes
de tirar o país dessa situação.
Quando Epitácio Pessoa (1819-1822) retirou do Senado um projeto de aumento dos soldos
militares, as tensões aumentaram consideravelmente. Na campanha sucessória, as oligarquias
oposicionistas viram nos militares a oportunidade de quebrar a política do café-com-leite e
conseguiram o apoio dos tenentes a seu candidato. Contudo, quando foi anunciado que o can-
didato situacionista havia vencido, os tenentes não aceitaram aquela “afronta” e levantaram as
armas para impedir a posse do mineiro Artur Bernardes.
Apesar de seu governo (1822-1826) ter transcorrido praticamente em estado de sítio, reprimin-
do violentamente as manifestações dos tenentes e dos operários, foi mantida a política do café-
-com-leite e, em 1926, tomou posse Washington Luís, um paulista. Contudo, na sua sucessão,
quando Minas Gerais deveria escolher o próximo presidente, Washington Luís indicou outro
paulista, rompendo a estrutura que percorreu toda a República Velha.
Minas Gerais se uniu então ao Rio Grande do Sul, governado por Getúlio Vargas, formando a
Aliança Liberal. As eleições de 1930 ocorreram em meio a uma série de subterfúgios, de ambos
os lados, mas a máquina eleitoral do governo se fez novamente vitoriosa.
Apesar de, num primeiro momento, os oposicionistas terem aceitado a derrota, pois temiam
uma revolta, alguns grupos radicais, como os jovens oficiais, deram início à articulação para
iniciar a revolução. Getúlio Vargas acabou assumindo o comando da revolução e, em 24 de ou-
tubro, Washington Luís foi deposto e Vargas foi empossado como Chefe do governo provisório.

Modelo Burocrático
A crise da bolsa de Nova York em 1929 e a recessão que se alastrou pelo mundo obrigaram o
Brasil a buscar novas formas de desenvolvimento, já que não havia mercado para o café, sobre

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o qual estava baseada quase toda nossa economia. Como a recessão prejudicou também as
exportações dos outros países para o Brasil, o mercado interno, que havia se constituído após
o fim da escravidão e início da imigração, e que se abastecia em grande medida pelas importa-
ções, mostrou-se uma saída, principalmente como propulsor de uma industrialização incipien-
te.
Dentro desse contexto, Getúlio Vargas comandou um movimento revolucionário que iria mar-
car a reformulação completa do Estado brasileiro, abrindo caminho para um amplo processo
de modernização social e industrial, que resultou na incorporação da classe trabalhadora, de
setores médios urbanos e da incipiente burguesia nacional. Esse processo foi comandado com
mão de ferro pelo ditador, especialmente depois de 1937, com a implantação do Estado Novo.
Vamos estudar esse período.

A REVOLUÇÃO DE 1930 E A CONSTITUIÇÃO DE 1934


Apesar de ser chamado de Revolução de 1930, o movimento não representou mudanças drás-
ticas no sistema social, representando apenas um novo arranjo político nas esferas de poder.
Com efeito, depois de 1930, as oligarquias não perderam a liderança política e a questão agrá-
ria manteve-se inalterada.
Vargas assumiu um governo provisório, mas que tinha mais cara de permanente, uma vez que
sua permanência no poder iria durar 15 anos. O Congresso Nacional foi dissolvido e Vargas pas-
sou a desempenhar o Poder Executivo e o Legislativo, “até que uma assembleia constituinte,
eleita, estabeleça a reorganização constitucional do país”. Todos os governadores, com exceção
do novo governador eleito de Minas Gerais, foram destituídos, sendo nomeados interventores
federais.
No plano social, destacou-se a criação do Ministério do Trabalho, em novembro de 1930, e a Lei
da Sindicalização, de março de 1931. A carteira de trabalho veio em março de 1932 e a jornada
de trabalho foi fixada em oito horas de serviço diário, com obrigatoriedade do descanso sema-
nal remunerado.
As eleições para a Assembleia Constituinte ocorreram em maio de 1933, aprovando a Constitui-
ção em 16 de julho de 1934. No dia seguinte, realizou-se a eleição presidencial, na qual Vargas
foi eleito para governar até 1938.
Uma das diferenças entre 1891 e 1934 é que agora a população acolheu a constituinte. Dela fa-
ziam parte 214 constituintes, entre os quais 40 eram deputados “classistas”: 18 representantes
de empregados, 17 dos empregadores, três dos profissionais liberais e dois funcionários públi-
cos. As questões sociais ganharam preeminência, deixando de ser “questão de polícia”, como
na época da República Velha.
Podemos caracterizar a Constituição de 1934 como liberal e centralizadora ao mesmo tempo.
Suas principais características:
•• Manteve a federação e a república como forma de Estado e de governo;
•• Teve a concepção de intervenção do Estado na ordem econômica e social;
•• Adotou um modelo cooperativo de federalismo, acabando com a rígida repartição de com-
petências estabelecida pela Constituição de 1891;

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•• Manteve a tripartição dos poderes políticos, com características próprias:
•• o Legislativo era exercido pela Câmara dos Deputados com a mera colaboração do Se-
nado;
•• o Executivo era exercido pelo presidente, eleito pelo voto universal, direto e secreto;
•• extinção do cargo de vice-presidente.
•• Constitucionalizou a Justiça Eleitoral e instituiu a Justiça do Trabalho;
•• Incorporou direitos sociais, representando uma prestação positiva do Estado (aposenta-
doria, salário mínimo, jornada de oito horas, repouso semanal, licença-maternidade, etc.);
•• Estendeu o direito de voto às mulheres, quando exerciam função pública;
•• Ampliou os direitos e garantias individuais, com a introdução do mandado de segurança e
da ação popular.
O país transformava sua economia, deixando a economia agrária para buscar a industrialização.
Para isso, era necessário um Estado maior e mais racional. Segundo o Plano Diretor: “A implan-
tação da administração pública burocrática é uma consequência clara da emergência de um
capitalismo moderno no país”.
Assim, a reforma administrativa, ou “civil service reform”, deu início a implantação do modelo
racional-legal no Brasil, através de um grande esforço de Vargas para normatizar e padronizar
os principais procedimentos da administração pública, sob grande influência da administração
científica. Buscou-se racionalizar os processos administrativos, principalmente em três áreas
consideradas o tripé da administração burocrática no país:
•• Administração de materiais
•• Administração de pessoal
•• Administração financeira
A primeira perna do tripé, a administração de materiais, deu seu primeiro passo com a criação
da Comissão Permanente de Padronização em 1930 e da Comissão Permanente de Compras
em 1931. Antes da Constituição de 1934, algumas carreiras já eram organizadas com base em
ingresso mediante concurso público. Esse era o caso dos militares, da diplomacia e do Banco do
Brasil. No entanto, a generalização das propostas weberianas como modelo de organização do
serviço civil federal deu-se a partir da Constituição de 1934, que determinou:
“Art. 170 - O Poder Legislativo votará o Estatuto dos Funcionários Públicos, obedecendo às se-
guintes normas, desde já em vigor:
2º) a primeira investidura nos postos de carreira das repartições administrativas, e nos demais
que a lei determinar, efetuar-se-á depois de exame de sanidade e concurso de provas ou títu-
los; ”
A década de 1930, período após a Crise de 1929, assistiu ao abandono do liberalismo e ao
aumento do intervencionismo em todo o mundo, inclusive no Brasil. Contudo, enquanto na
maioria dos países – como nos Estados Unidos e na Europa – significava um mecanismo de de-
fesa contra a depressão, no Brasil, o intervencionismo estatal representou uma forma de levar
adiante uma estratégia nacional de desenvolvimento.

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Era preciso aumentar o tamanho do Estado, sua participação na economia. Assim, entre 1930
e 1945, houve um aumento da administração direta considerável e um exemplo desse fato foi
o surgimento de três Ministérios: de Educação e Saúde, em 1930; do Trabalho, Indústria e Co-
mércio, em 1931; e da Aeronáutica, em 1941.

ESTADO NOVO E CONSTITUIÇÃO DE 1937


Em 1935, irrompeu, quase que simultaneamente, uma série de revoltas, cujo movimento foi
chamado de “Intentona Comunista” devido ao envolvimento de participantes do Partido Co-
munista. Foi o pretexto para que o governo Vargas instalasse a ditadura.
Mediante sucessivas prorrogações, o Brasil viveu em estado de sítio de 1935 a 1937. Enquanto
os políticos preparavam-se para as eleições presidenciais, marcadas para 3 de janeiro de 1938,
em setembro de 1937 foi divulgado nos jornais que o Estado-Maior do exército havia “desco-
berto” um plano comunista de tomada violenta do poder: o “Plano Cohen”. Em 10 de novem-
bro de 1937 as portas do Senado e da Câmara foram fechadas e guardadas por soldados, que
impediam a entrada dos parlamentares. O golpe de Estado estava dado.
Nessa mesma manhã, entrou em vigor a Constituição de 1937, mais uma constituição outorga-
da. Foi chamada de “polaca” por ter sido inspirada na Constituição do regime autoritário vigen-
te na Polônia. O presidente, com mandato de seis anos, seria a autoridade suprema da nação,
sendo possível legislar por meio de decretos-lei. Ela continha disposições trabalhistas sobre
salário mínimo, horas de trabalho e férias, mas proibia greves e instituía a pena de morte. Suas
principais características:
•• A federação foi mantida, mas apenas nominalmente, pois todo o poder político foi transfe-
rido para o governo federal, especialmente para o Presidente da República;
•• A separação de poderes era apenas formal, pois o Legislativo e o Judiciário tiveram suas
funções reduzidas. O Senado foi substituído pelo Conselho Federal, formado por represen-
tantes do Estado e por membros nomeados pelo presidente. Nenhum parlamentar possuía
iniciativa isolada de projetos de lei, era preciso pelo menos 1/3 dos deputados ou membros
do Conselho Federal;
•• Direitos e garantias individuais foram restringidos e o mandado de segurança e a ação po-
pular retirados do texto constitucional;
•• Uma decisão de inconstitucionalidade poderia ser revista por 2/3 do Congresso a pedido
do Presidente.
Na administração pública, segundo Bresser, a reforma burocrática brasileira iniciou-se de fato
em 1936 quando foi criado o Conselho Federal do Serviço Público Civil, que teria responsabili-
dade sobre a segunda perna do tripé. Já em 1938, tal Conselho foi transformado no Departa-
mento Administrativo do Serviço Público (DASP).
O DASP viria a ter uma longa e importante trajetória na administração pública, vindo a ser ex-
tinto apenas em 1986. Ele passou a ser o órgão executor e, também, formulador da nova forma
de pensar e organizar a administração pública. O DASP foi criado no início do Estado Novo, um
momento em que o autoritarismo brasileiro ganhava força, com o objetivo de realizar a revo-
lução modernizadora do país, industrializá-lo e valorizar a competência técnica. Representou,

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assim, no plano administrativo, a afirmação dos princípios centralizadores e hierárquicos da
burocracia clássica.
Entre as principais realizações do DASP, são citadas:
•• Ingresso no serviço público por concurso;
•• Critérios gerais e uniformes de classificação de cargos;
•• Organização dos serviços de pessoal e de seu aperfeiçoamento sistemático;
•• Administração orçamentária;
•• Padronização das compras do Estado;
•• Racionalização geral de métodos.
O DASP ficou responsável pelas três pernas do tripé de que falamos acima. Na administração
dos recursos humanos, o DASP tentou formar uma burocracia nos moldes weberianos, baseada
no princípio do mérito profissional.
Em 1939, entrou em vigor o “Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União”, por meio do
Decreto-Lei nº 1.713. Os cargos foram agrupados em classes e estruturados em carreiras, e o
concurso passou a ser utilizado para o provimento dos cargos. Contudo, não foi da noite para
o dia que se conseguiu implantar o concurso para todos os cargos. Segundo Luciano Martins, a
profissionalização da administração pública a partir da criação do DASP deu origem a um duplo
padrão:
“Para os altos escalões da burocracia, foram adotados acessos mediante concurso, carreiras,
promoção baseada em critérios de mérito e salários adequados. Para os níveis médio e inferior,
a norma era a admissão por indicação clientelista; as carreiras eram estabelecidas de forma
imprecisa; o critério de promoção baseava-se no tempo de serviço e não no mérito; e a erosão
dos salários tornou-se intermitente. ”
A terceira perna do tripé que vimos acima é a administração financeira. O DASP também teve
entre as suas atribuições a elaboração da proposta do orçamento federal e a fiscalização orça-
mentária. Antes da reforma burocrática da década de 1930, o orçamento era visto como uma
mera enumeração de receitas e despesas. Foi a implantação do modelo racional-legal que per-
mitiu que o orçamento fosse visto como um instrumento de planejamento.
O DASP tinha um caráter eminentemente burocrático e era encarregado de supervisionar os
interventores. Também foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), grande
arma ideológica do Estado Novo que, além de ser órgão de censura, planejava a propaganda
do governo e controlava a opinião pública. Sua atuação incluiu a implantação da Hora do Brasil.
Todas as lojas, restaurantes e outros locais de negócios deviam exibir a fotografia de Vargas.
Outro aspecto importante da Era Vargas, que iria permanecer até o golpe militar de 1964, foi
o populismo. A característica política mais marcante do período, entre 1930 e 1964, foi a pre-
sença efetiva das camadas urbanas no processo político nacional. Não era mais possível que os
políticos tomassem qualquer decisão sem considerar a opinião pública.
De forma geral, o populismo é conceituado como uma política do Estado que buscou satisfazer
as necessidades mais imediatas das camadas populares, mantendo inalterada a estrutura de
poder dominante. Segundo Bóris Fausto: “O populismo foi um comportamento político, um

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estilo de política, uma orientação de política pela qual o Estado, sobretudo, promoveu uma
tentativa, no plano econômico, de desenvolvimento nacional autônomo, reunindo em torno de
si diferentes classes sociais – em alguns casos especialmente a classe operária”.
A principal característica do relacionamento do Estado com as camadas urbanas foi a manipula-
ção. O Estado aparecia perante as camadas populares na figura de um líder carismático e pater-
nalista, capaz de seduzir e empolgar a grande massa. Ficaram famosos líderes populistas como
Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Adhemar de Barros, Carlos Lacerda e Leonel Brizola.
Ao satisfazer necessidades imediatas das camadas sociais e atuando em organizações como os
sindicatos e associações de bairros, o chefe populista conseguia manobrar a massa. Podemos,
então, dizer que o populismo tinha um caráter ambíguo, já que constituía um mecanismo de
manipulação, mas, ao mesmo tempo, satisfazia as camadas populares. Segundo Francisco We-
ffort, o populismo acabou por:
“Obscurecer a consciência social dessas classes, impedindo assim que participassem da vida
em sociedade com independência e autonomia de estratégia política. ”
Uma vez que a participação popular ocorria dentro dos limites colocados pelo líder populista,
ela era relativa e limitada. Contudo, para a grande massa populacional, as vantagens materiais
proporcionavam uma sensação de ter alcançado a esfera das decisões políticas.
A década de 1930, período após a Crise de 1929, assistiu ao abandono do liberalismo e ao au-
mento do intervencionismo em todo o mundo, inclusive no Brasil. Contudo, enquanto na maio-
ria dos países, como nos Estados Unidos e na Europa, significava um mecanismo de defesa con-
tra a depressão, no Brasil, o intervencionismo estatal representou uma forma de levar adiante
uma estratégia nacional de desenvolvimento.
Era preciso aumentar o tamanho do Estado, sua participação na economia. Assim, entre 1930 e
1945, houve um aumento da administração direta considerável e um exemplo desse fato foi o
surgimento de três Ministérios: de Educação e Saúde, em 1930, do Trabalho, Indústria e Comér-
cio, em 1931, e da Aeronáutica, em 1941. No entanto, também houve a criação de agências es-
tatais descentralizadas, o que chamamos hoje de administração indireta. A maior parte dessas
agências foi criada para a área econômica. Bresser Pereira observa que:
“Já em 1938, temos um primeiro sinal da administração pública gerencial, com a criação da
primeira autarquia, a partir da ideia de descentralização na prestação de serviços públicos para
a administração indireta, que estaria liberada de obedecer a certos requisitos burocráticos da
administração direta. ”
Assim, a burocracia pública teria ainda, no primeiro governo Vargas, um papel importante ao
participar da criação das primeiras empresas de economia mista, que teriam um papel decisivo
no desenvolvimento do país. O país passava agora a contar com dois tipos de burocracia pú-
blica moderna: a burocracia de Estado e a burocracia das empresas estatais – dois grupos que
teriam entre si seus conflitos, mas que seriam principalmente solidários na busca, de um lado,
de maior poder e prestígio, e, de outro, de êxito no projeto de desenvolvimento nacional em
curso.
O ambiente cultural encontrado pela reforma modernizadora pretendida com a criação do
DASP foi o mais adverso possível, corroído e dominado por práticas patrimonialistas ampla-
mente arraigadas. Para se proteger deste patrimonialismo, o DASP nasceu como uma institui-
ção insulada, que deveria contrapor-se à lógica do clientelismo e o personalismo no serviço pú-

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blico e na administração do estado brasileiro. Já vimos o conceito de insulamento burocrático,
que corresponde ao isolamento das entidades burocráticas, que deixam de ouvir os políticos e
a sociedade e trabalham de forma autorreferida.
No entanto, com o crescimento do poder, o DASP passou a ser usado como um instrumento po-
lítico na tarefa de garantir a sustentação do poder ditatorial de Vargas. O DASP passou a apre-
sentar um alto grau de engolfamento social, que pode ser entendido como a influência externa
exercida pela instituição. Segundo Edson Nunes:
“O DASP era um organismo paradoxal, porque combinava insulamento burocrático com ten-
tativas de institucionalização do universalismo de procedimentos. Criado para racionalizar a
administração pública e o serviço público, o departamento preocupava-se com o universalismo
de procedimentos em assuntos relacionados com a contratação e a promoção dos funcionários
públicos. Nesse aspecto o DASP representava a fração moderna dos administradores profissio-
nais, das classes médias e dos militares, tornando-se um agente crucial para a modernização
da administração pública. Embora jamais tenha completado sua missão, o DASP deu inúmeros
passos positivos para a modernização do aparelho de Estado e para a reforma administrativa.
Mas o DASP possuía uma outra face: o papel de conceber e analisar criticamente o regime
autoritário. Como tal, implementou o insulamento burocrático e desempenhou várias funções
antagônicas ao universalismo de procedimentos que ele próprio defendia, como agente de mo-
dernização”.
O insulamento burocrático esteve presente em toda a evolução da nossa administração públi-
ca. Veremos que o mesmo ocorreu no governo JK e na Ditadura de 1964.
Ao longo do Estado Novo, o DASP foi ganhando cada vez mais funções e poder, o que resultou
na sua hipertrofia no contexto do Estado, extrapolando a função de órgão central da adminis-
tração, assumindo características de agência central de governo com poderes legislativos, que
abrigaria, de fato, a infraestrutura decisória do regime do Estado Novo.
Falei acima em hipertrofia. Muitos alunos confundem esse termo com diminuição, pois o as-
sociam com o termo atrofia. Mas tomem cuidado, porque ele significa justamente o inverso.
“Trofia” significa “ação de alimentar”, representa o desenvolvimento de um corpo, órgão, teci-
do ou membro. O prefixo “a”, antes de trofia, significa negação, ou seja, um não crescimento. Já
o prefixo “hiper” significa “superiormente, muito, demais, para lá de”, ou seja, trata-se de um
crescimento desordenado, exagerado.
Foi isso que aconteceu com o DASP. Ele cresceu demais e se distanciou da sua missão mais im-
portante, que era modernizar a administração pública brasileira. O DASP só veio a ser extinto
em 1986, com o Decreto nº 93.211, que criou a Secretaria de Administração Pública. Contudo,
com a saída de Getúlio em 1945, o DASP perdeu grande parte de suas atribuições.

REDEMOCRATIZAÇÃO E CONSTITUIÇÃO DE 1946


O ano de 1943 marca o início do declínio do Estado Novo. Eram cada vez maiores as manifesta-
ções pró-democracia. Foram influenciadas, em parte, pela vitória dos Aliados na Segunda Guer-
ra Mundial, ou seja, a vitória das democracias contra os governos fascistas.

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Como resposta, Vargas tentou atrair as massas fazendo algumas concessões, como: o estímulo
à sindicalização; a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho; o congelamento dos pre-
ços e dos aluguéis; o acordo com as indústrias de tecidos, remédios e calçados para a produção
de artigos mais baratos; a decretação do primeiro aumento geral do salário mínimo.
No entanto, essas medidas não afastaram a oposição, e setores da classe dominante e das clas-
ses médias começaram a articular uma oposição mais consistente a Getúlio. Em 1945, apesar
da censura do DIP, começaram a surgir protestos. Em jornais e revistas, personalidades oposi-
cionistas pediam eleições livres. Em 28 de fevereiro, foi promulgada a Lei Constitucional nº 9,
que estabelecia eleições gerais com base no sufrágio universal (excluídos os analfabetos), as
quais seriam fixadas no prazo de 90 dias.
Apesar das eleições terem sido marcadas para dezembro e de Vargas ter afirmado que não iria
se candidatar, surgiram diversos movimentos pelo país defendendo a permanência de Vargas.
Os oposicionistas temiam mais um golpe como o de 1937 e começaram as conspirações para
derrubar Getúlio.
Em 29 de outubro, os militares tomaram os Correios e Telégrafos e tanques do Exército cerca-
ram o Ministério da Guerra e o Palácio da Guanabara. Foi entregue um ultimato a Vargas com
a garantia de que não seria preso nem exilado, com a única exigência de que abandonasse o
Palácio e se retirasse para o Rio Grande do Sul. Vargas assinou sua renúncia e publicou uma
mensagem em que tranquilizava a população e elogiava as Forças Armadas, afirmando que
concordava com sua deposição.
O Judiciário assumiu o Executivo, na figura de José Linhares, presidente do STF. As eleições para
dezembro foram confirmadas, mas somente para a presidência e para o Legislativo Federal. Ca-
beria ao Congresso Nacional elaborar a nova Constituição.
Vargas decidiu apoiar Eurico Gaspar Dutra, que saiu vitorioso e o parlamentar que recebeu o
maior número de votos foi Getúlio Vargas. Tinha início um novo período na história brasileira,
marcado pelo populismo e pelo liberalismo.
As principais características da Constituição promulgada em 18 de setembro de 1946 eram:
•• Retorno da autonomia das unidades federadas;
•• Restauração do sistema de separação dos Poderes;
•• Retomada do regime democrático;
•• Reintrodução do mandado de segurança e da ação popular;
•• Admitiu-se a possibilidade de comparecimento de Ministros ao Congresso para prestar es-
clarecimentos, por convocação ou voluntariamente.
Na questão federativa, pela primeira vez em nossa história, tivemos um equilíbrio maior entre
as esferas de governo. Os municípios ganharam importância com uma maior participação na
cobrança e recebimento de tributos, aumentando, assim, sua autonomia.
O mandato do presidente foi alterado para cinco anos e a eleição ocorreria em apenas um tur-
no, sendo decidida por maioria simples ou relativa. O Legislativo voltou a ser bicameral (Câma-
ra e Senado) e teve suas prerrogativas restauradas.

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O país retornou à legalidade. A vida política no país decorreu em clima de relativa liberdade,
expressa na aplicação da Constituição, na movimentação de diversas organizações partidárias,
na utilização dos meios de comunicação para contestações e no crescimento das entidades de
participação popular.
A Constituição trouxe a obrigatoriedade de alistamento e do voto aos brasileiros maiores de 18
anos de ambos os sexos, exceto “às mulheres que não exerçam profissão lucrativa”. Também
surgia o direito de greve.
Na administração pública, o fim do Estado Novo permitiu que houvesse um retorno dos velhos
componentes patrimonialistas e clientelistas. A reforma de 1936 havia sido imposta de cima
para baixo, contrariando muitos interesses. Com a deposição de Vargas, faltava à Reforma Bu-
rocrática o respaldo que o regime autoritário lhe conferia.
Vimos que a burocracia se desenvolveu em virtude do capitalismo e da democracia, que pre-
cisavam de uma administração racional. No Brasil, o capitalismo foi o propulsor da burocracia,
mas a democracia não. O modelo burocrático foi implantado por um governo autoritário. Na
realidade, no Brasil, a democracia sempre caminhou em sentido contrário à burocracia. Segun-
do Humberto Falcão Martins:
“Sobretudo, dada a peculiaridade do nosso processo histórico de construção nacional, a cons-
trução da ordem burocrática se chocou com a construção da ordem democrática. Só consegui-
mos fortalecer de forma mais significativa o universalismo de procedimentos e a capacidade de
realização da burocracia governamental em regimes autoritários, ao arrepio da democracia”.
Tanto em 1945, com a saída de Vargas e o fim do Estado Novo, quanto em 1985, com o fim da
ditadura, o retorno da democracia foi marcado por uma acentuação das práticas patrimonialis-
tas. Por um lado, a redemocratização permitiu que Administração ficasse mais responsável pe-
rante o Congresso Nacional. Por outro, os mesmos instrumentos foram distorcidos e utilizados
para fins clientelistas. Nos cinco anos seguintes à queda de Vargas, a reforma administrativa
seria conduzida como uma ação governamental rotineira e sem importância, enquanto práticas
clientelistas ganhavam novo alento dentro do Estado brasileiro.
Em 1951, Vargas é eleito para um segundo mandato, o que desagradou grande parte da bur-
guesia industrial e outros setores políticos. Em três anos de governo, Vargas tomou medidas
polêmicas: reajustou o salário mínimo, criou a Petrobrás e a Eletrobrás, enviou ao Congresso a
Lei dos Lucros Extraordinários. Ao limitar o investimento de capitais externos e ao se aproximar
das massas populares, surgiram protestos de grupos nacionais ligados ao capital estrangeiro,
empresários temerosos da ascensão do proletariado, latifundiários descontentes com o contí-
nuo fluxo de trabalhadores rurais para as cidades, setores militares vinculados à orientação da
Escola Superior de Guerra e elementos da classe média, defensores de uma política mais con-
servadora. Todos viam em Vargas um inimigo comum.
Após o “Atentado da Rua Tonelero”, a tentativa de assassinato de Carlos Lacerda, um fervoro-
so oposicionista à Vargas e diretor de jornal, em que faleceu um major da aeronáutica que o
acompanhava, teve início uma forte campanha antigetulista. Depois que o inquérito apontou
para pessoas ligadas à guarda pessoal de Vargas, este se suicidou.
Depois disso, o país viveria em constante instabilidade política. A eleição de Juscelino Kubits-
chek para presidente, com João Goulart como vice, gerou enorme insatisfação em alguns gru-
pos antigetulistas. Piorava ainda mais a situação o fato de a chapa vencedora ter recebido ape-

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nas 36% dos votos. Os três meses antes da posse, que ocorreria em 31 de janeiro de 1936,
foram marcados por várias tentativas de anulação das eleições. Os militares se dividiram entre
aqueles que queriam acatar as eleições e manter a ordem constitucional e os que pretendiam
a anulação da eleição e a exigência de maioria absoluta. Os efeitos dessa desunião viriam a ser
sentidos nos governos que se seguiram.
JK tomou posse na data marcada prometendo “cinquenta anos de progresso em cinco anos”.
Realmente, durante esse período, ocorreu a mais ampla e profunda transformação econômi-
ca do país, marcada por acelerada expansão industrial. Enquanto Vargas adotava uma postura
de desenvolvimento nacionalista, JK optou pelo desenvolvimentismo, isto é, uma política de
desenvolvimento dependente do capital externo. Outro aspecto importante desse período foi
o fortalecimento do Executivo, que se tornou proprietário e empresários dos transportes e da
produção e refino do petróleo, o principal produtor de energia elétrica, o grande exportador de
minério de ferro, o regulador do câmbio e o maior banqueiro do país.
JK buscou implantar no Brasil a “Administração para o Desenvolvimento”, consubstanciada no
Plano de Metas. A administração para o desenvolvimento foi um conjunto de ideias que surgiu
a partir da década de 1950, que buscava discutir os meios administrativos necessários para
alcançar as metas do desenvolvimento político, econômico e social. Defendia que era necessá-
rio reformar o sistema administrativo para transformá-lo em instrumento de modernização da
sociedade. A ideia básica é a de que a administração pública deve adaptar-se às tarefas estatais
com o propósito de servir eficientemente ao desenvolvimento do país.
Outro princípio dessa corrente era a necessidade de planejar o desenvolvimento, visando es-
tabelecer prioridades de investimento de recursos escassos para utilizá-los da melhor forma
possível. Assim, a ação do governo deveria estar intimamente relacionada com o planejamen-
to. Segundo Humberto Falcão Martins: “A velha Administração para o Desenvolvimento se ba-
seava em uma ideia nacionalista, xenófoba e autóctone de desenvolvimento a partir da qual
se buscava a independência econômica da nação. Dicotomizava desenvolvimento econômico
(primordialmente relacionado à industrialização e crescimento do produto interno bruto) e
desenvolvimento social (associado à distribuição da renda). O modelo preconizava um cresci-
mento centralizado, com ênfase na composição das indústrias nacionais. Considerava o Estado
como grande motriz do desenvolvimento, mas atuando como produtor direto inclusive de bens
privados”.
JK adotou a administração para o desenvolvimento, que foi mantida pela Ditadura. No entan-
to, temos que ter em mente que JK não se inseria nesse aspecto de aversão ao capital inter-
nacional. Ele atraiu para o país grandes empresas, como as montadoras de automóveis Ford,
Volkswagen, Willys e General Motors.
A aplicação da administração para o desenvolvimento no Brasil resultou, tanto no governo de
JK quanto na ditadura, no crescimento (inclusive desordenado, hipertrofia) da administração
indireta. Como se defendia a adequação da administração pública às necessidades desenvolvi-
mentistas do país, eram necessárias estruturas administrativas mais flexíveis do que a rigidez
do modelo burocrático implantado pelo DASP.
Durante a primeira reunião de seu ministério, realizada no dia 1º de fevereiro de 1956, Jus-
celino expôs seu plano de governo por meio do Programa de Metas e instituiu o Conselho de
Desenvolvimento, órgão controlador da economia, diretamente subordinado à Presidência, de-
signando para integrá-lo os ministros de Estado, os chefes dos gabinetes Civil e Militar e os pre-
sidentes do Banco do Brasil (BB) e do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE).

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A criação do Conselho foi a primeira medida tomada no contexto da reorganização administra-
tiva voltada para a preparação e a implementação do Programa de Metas. Sua atuação se dava
através dos grupos executivos, que funcionavam como braços do Conselho.
Quando JK decidiu por um ambicioso Programa de Metas que, principalmente por meio da
indústria automobilística, completaria a Revolução Industrial brasileira iniciada por Vargas, um
obstáculo se colocou a sua frente: a rigidez de nossa burocracia que o DASP havia instituído.
O governo JK diagnosticou a incompatibilidade entre a estrutura burocrática vigente e o novo
projeto nacional. Além da sobrevivência de valores tradicionais no núcleo da burocracia, a im-
plementação do Programa de Metas exigia estruturas flexíveis, não burocráticas e uma capaci-
dade de coordenação dos esforços de planejamento.
JK não era uma pessoa que “batia de frente”, ele tinha a tendência a evitar conflitos, até mes-
mo por causa da falta de apoio político em alguns setores. JK raramente tentava abolir ou alte-
rar radicalmente as instituições administrativas existentes. Preferia uma atitude mais prática,
como a de criar um novo órgão para solucionar um novo problema.
A estratégia de JK direciona-se, então, para as estruturas “paralelas”, dotadas de maior auto-
nomia. Esta dicotomia entre dois setores da burocracia – estatutário e paralelo – já vinha de
antes. Como vimos acima, em 1938, temos a criação da primeira autarquia, dentro da ideia de
que deveria haver estruturas com maior autonomia e flexibilidade voltadas para a prestação
de determinado serviço. Foi dentro dessa lógica que se estruturaram as empresas públicas e
a aplicação do desenvolvimentismo no Brasil. Assim, se por um lado, a administração pública
brasileira progredia, estimando-se que o número de servidores selecionados segundo o mérito
tenha subido de 4% em 1943 para 9% em 1952, o grande desenvolvimento da burocracia bra-
sileira estava realizando-se paralelamente, por meio das empresas estatais, de organizações
como a FGV ou autarquias como o BNDES.
A via paralela revela-se mais flexível e mais rápida. Ganha vulto a “autarquização” de órgãos da
administração direta, mediante a criação de várias autarquias e sociedades de economia mista,
mecanismos mais ágeis e flexíveis. A administração do Plano de Metas de JK foi executada, em
grande parte, fora dos órgãos administrativos convencionais. Considerando-se os setores es-
senciais do plano de desenvolvimento (energia, transportes, alimentação, indústrias de base e
educação), apenas 5,1% dos recursos previstos foram alocados na administração direta.
Dentro dessa lógica da administração paralela, era necessária uma coordenação dos esforços
de planejamento. Essa coordenação política das ações se fazia através de grupos executivos no-
meados diretamente pelo Presidente da República. Eles funcionavam como braços do Conselho
de Desenvolvimento e formulavam as políticas públicas para determinados setores da econo-
mia. São exemplos o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia) e o Grupo Executivo
da Indústria de Construção Naval (Geicon).
Empregava-se, nessas estruturas paralelas, uma burocracia pública não estatutária, mas com-
petente, recrutada segundo critérios de mérito. Segundo Bresser, “é a burocracia gerencial que
está surgindo, nem mal havia-se formalizado a weberiana”. Segundo Celso Lafer: “Os auxiliares
diretos de JK para a implementação do Plano de Metas eram todos técnicos de alto nível, ex-
perimentados não apenas nas tentativas anteriores de planejamento como também em cargos
políticos relevantes”.
Os grupos executivos, na sua maioria, eram ocupados por pessoas ligadas aos grupos multina-
cionais (empresários com qualificação profissional, oficiais militares) juntamente com a buro-

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cracia “gerencial”, que iriam pensar a implementação do Plano de Metas. Faziam parte também
dos grupos executivos representantes dos órgãos responsáveis pela concessão de subsídio. O
objetivo era facilitar o acesso da indústria aos recursos governamentais. Foi formada uma ad-
ministração paralela que coexistia com o Executivo formal e permitia que os interesses mul-
tinacionais ignorassem os canais tradicionais de formação de decisão, contornando assim as
estruturas de representação do regime populista.
Por confrontar o modelo do DASP, dos órgãos de uma administração direta burocrática, e por JK
não ter apoio de muitos setores, essas entidades paralelas tiveram que se isolar, constituindo
mais um caso de insulamento. Como eram entidades bastante qualificadas, em virtude de seus
quadros serem trazidos da iniciativa privada, elas passaram a ser classificadas como “ilhas de
excelência”.
Com o tempo, o governo JK foi perdendo poder, fazendo com que essas estruturas paralelas
perdessem sua proteção. O resultado foi a sua absorção pela administração direta, pela ad-
ministração burocrática. Contudo, apesar dessa incorporação das estruturas paralelas à buro-
cracia governamental, instalara-se em diversos setores da administração a convicção de que a
utilização dos princípios rígidos da administração pública burocrática constituía-se em um em-
pecilho ao desenvolvimento do país. Como o país apresentava um desenvolvimento econômico
acelerado, permitia que as soluções encontradas para contornar o problema conseguissem em-
purrar o problema com a barriga. No momento, entretanto, em que a crise se desencadeou, no
início dos anos 60, a questão retornou.
Os efeitos negativos do desenvolvimentismo foram sentidos ainda no final do governo JK. A
ênfase na industrialização provocou o gradativo abandono da agricultura, a expansão desor-
denada do crédito e a desvalorização da moeda. A inflação aumentou, elevando também os
preços e os custos. Nem todas as regiões foram beneficiadas da mesma forma, contribuindo
para acentuar os desequilíbrios já existentes. O início da década de 1960 seria marcado pela
crise econômica.

CRISE ECONÔMICA E INSTABILIDADE POLÍTICA NA DÉCADA DE 1960


Nas eleições de 1960, Jânio Quadros recebeu quase metade dos votos do país e tomou posse
em 31 de janeiro de 1961. Nem sete meses depois, em 25 de agosto, ele renunciou ao cargo,
surpreendendo a todos. Nesse curto período de tempo, ele tomou várias medidas para comba-
ter a crise, aplicando um rigoroso programa anti-inflacionário, restringindo o crédito, aumen-
tando impostos, congelando salários e reduzindo os vencimentos e vantagens dos militares.
Apesar das medidas terem repercutido bem no exterior, principalmente junto ao FMI, interna-
mente gerou reclamações de pequenos e médios empresários, das oligarquias tradicionais e
das classes trabalhadoras.
Mas suas medidas mais polêmicas foram no plano internacional. Ele procurou adotar uma po-
lítica externa independente, ou seja, sem seguir as regras pró-EUA. Primeiro, firmou acordos
comerciais com países como Bulgária, Hungria, Romênia, Albânia. Restabeleceu a validade dos
passaportes para esses países, mais URSS, China e Vietnã do Norte. Por fim, concedeu a Che
Guevara a condecoração da Ordem do Cruzeiro do Sul.
Sua renúncia veio depois que Carlos Lacerda afirmou que Jânio planejava um golpe com o ob-
jetivo de reforçar seu poder. Muitos acreditam que Jânio renunciou para tentar conquistar o

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apoio popular e retornar ao poder ainda mais forte. Em 1992, ele mesmo confessou que sua
renúncia foi um blefe, que ele não acreditava que iriam aceitá-la.
O vice de Jânio era João Goulart, que estava em viagem na China. Nesse meio tempo, o exército
colocou as tropas de prontidão em todo o país e cercou o palácio presidencial com tanques. A
posse de Goulart causava muita inquietação, pois desde a campanha ele defendia a necessida-
de de mudanças constitucionais e uma série de reformas. Contra ele estavam congressistas, mi-
nistros militares, a cúpula da Igreja Católica, além de outros setores conservadores. Os militares
aguardavam Goulart nos aeroportos.
Os ministros militares encaminharam uma mensagem ao Congresso para que vetasse a posse
de Jango. O Congresso negou-se. A solução encontrada foi a aprovação de uma Emenda Cons-
titucional que instalava o regime parlamentarista no Brasil. Jango assumiria a presidência sem
poderes para elaborar leis, orientar a política externa ou fazer propostas de orçamento. Deve-
ria dividir o Poder Executivo com o Conselho de Ministros.
A emenda trazia ainda a previsão de um plebiscito para decidir se seria mantido o parlamenta-
rismo ou retornaria o presidencialismo. O plebiscito acerca do sistema de governo foi realizado
em 6 de janeiro de 1963. O presidencialismo ganhou de longe. Assim, Goulart reassumiu ple-
namente os poderes presidenciais presentes na Constituição de 1946 e teria ainda três anos de
governo pela frente.
Quando Jango teve seus poderes restabelecidos, o país vivia um de seus momentos mais críti-
cos: crise econômica, agitações no campo, greves nas cidades, cisões partidárias e radicalização
política. O presidente pregava a realização das chamadas Reformas de Base, uma ampla pro-
posta de reformulação das estruturas administrativa, bancária, fiscal e agrária.
Na administração pública, ele nomeou, em 1963, o Deputado Federal Amaral Peixoto como
Ministro Extraordinário para a Reforma Administrativa, com a incumbência de dirigir diversos
grupos de estudos, encarregados da formulação de projetos de reforma.
A Comissão Amaral Peixoto apresentou, ao final de 1963, quatro projetos importantes, tendo
em vista uma reorganização ampla e geral da estrutura e das atividades do governo. Contudo,
com o início da ditadura, o governo Castelo Branco retirou do Congresso todos os projetos de
Goulart, inclusive estes da Comissão.
Apesar disso, as bases para uma reforma ampla da administração pública estavam lançadas, e
o governo militar iria seguir o direcionamento da Comissão na reforma do Decreto-Lei nº 200
de 1967.
A importância da Comissão Amaral Peixoto não decorreu nem de sua produção imediata nem
da implementação de medidas específicas, que, na verdade, não houve. Decorreu dos diag-
nósticos propostas e medidas idealizadas que passaram, desde então, a fazer parte do acervo
científico-administrativo brasileiro. A partir daquele momento, esse acervo é, com frequência,
utilizado pelos governantes e, pelo menos em parte, posto em prática.
Os dois principais projetos da Comissão foram a Lei Orgânica do Sistema Administrativo Fede-
ral e o projeto referente ao Conselho de Defesa do Sistema de Mérito. O primeiro defendia a
utilização de uma série de instrumentos de gestão que, posteriormente, foram incorporados
ao Decreto-Lei nº 200, sobretudo aqueles referentes à flexibilização via administração indireta.

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Outra medida importante do governo João Goulart, principalmente para o pessoal que quer
passar no concurso do MPOG, foi a criação, em 1962, do cargo de Ministro Extraordinário res-
ponsável pelo Planejamento do país, ocupado por Celso Furtado, então o primeiro Ministro do
Planejamento. Antes, só existia na estrutura governamental o Conselho de Desenvolvimento,
que detinha atribuições de coordenação e planejamento da política econômica, que passou a
ser subordinado ao Ministério recém-criado.
A mais polêmica de todas as reformas era a agrária. O Legislativo era composto por represen-
tantes dos latifúndios, sendo contrário a qualquer mudança constitucional que permitisse a re-
forma. Eles acusavam Jango de tentar instaurar o comunismo no país. A emenda constitucional
que daria início à reforma foi rejeitada.

Pontos Importantes (resumo)


•• Patrimonialismo: centralização, falta de diferenciação funcional, o estamento burocrático
seria dotado de elevada autonomia em relação ao restante da sociedade e administrava o
país de forma patrimonialista. Com o fortalecimento do Exército, os militares começaram a
defender uma maior racionalização.
•• Governo Vargas: dentro de um Estado autoritário e com o desenvolvimento do capitalis-
mo, é iniciado um processo de modernização da Administração Pública. O Estado cresceu,
passou a intervir na economia e passou a criar uma série de estatutos e normas principal-
mente em três áreas: administração de materiais, de pessoal e financeira. Segundo o Plano
Diretor: “A implantação da administração pública burocrática é uma consequência clara da
emergência de um capitalismo moderno no país”.
•• O DASP foi o grande órgão responsável por modernizar a administração pública. Criado no
início do Estado Novo, num momento em que o autoritarismo brasileiro ganhava força,
nasceu com o objetivo de realizar a revolução modernizadora do país, industrializá-lo e
valorizar a competência técnica. Representou, assim, no plano administrativo, a afirmação
dos princípios centralizadores e hierárquicos da burocracia clássica.
•• Governo JK: os grupos contrários à burocratização são vários, entre eles aqueles que bus-
cavam o desenvolvimentismo. JK iria implantar a Administração Para o Desenvolvimento,
buscando modernizar o aparelho do Estado por meio da administração paralela na Admi-
nistração Indireta e nos grupos executivos.

Algumas interpretações importantes sobre a formação do Estado no Brasil

SÉRGIO BUARQUE DE HOLANDA (1902-1982)


Principal obra: “Raízes do Brasil” (1936).
Raízes do Brasil influenciou muito o desenvolvimento do nacionalismo no Brasil. Nele, Sérgio
Buarque de Holanda, um partidário da Revolução de 1930, analisou como foi o processo da
formação do Brasil como nação. Seu estudo vai desde a chegada dos ibéricos à América até os
anos 1930. O livro formou a mentalidade de muitos estudantes a partir de 1936, quando foi

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publicado. Nele, o autor não só analisa o passado, mas também dá os objetivos brasileiros para
o futuro.
Um dos pontos mais importantes na análise de Sérgio Buarque de Holanda é a importância que
a colonização portuguesa teve para a formação de nossa cultura. No primeiro capítulo do livro,
o autor argumenta que os países ibéricos, por representarem as fronteiras da Europa com o
mundo por meio do mar, seriam menos “europeizados”. Por exemplo, neles cada homem tinha
que depender de si próprio, não havia uma hierarquia feudal enraizada. Além disso, havia uma
maior frouxidão organizacional, que viria de Portugal para o Brasil.
O autor distingue o trabalhador do aventureiro. Este teria um olhar mais amplo, enquanto
aquele um olhar mais restrito. Em Portugal, havia o predomínio da "ética do aventureiro", ca-
racterizada pela imprevidência, irresponsabilidade, instabilidade, vagabundagem, indolência.
Contudo, foi graças a esse aventureiro que se espalhou pelo sertão em busca de riqueza que
conseguimos nossa unidade territorial. Os portugueses buscavam na colônia o enriquecimento
sem muito esforço, além de darem preferência para a vida aventureira ao trabalho agrícola.
Uma vez que a terra era abundante no Brasil, eles não tinham preocupação com os cuidados
do solo, levando à sua deterioração. O trabalho mecânico não era valorizado, fazendo com que
o artesanato não se desenvolvesse. Só se fazia o que valia a pena, o que era lucrativo. Também
não havia solidariedade entre os brasileiros.
A abolição da escravidão foi um importante marco. As cidades ganharam autonomia em rela-
ção ao mundo rural. O café trouxe mudanças na tradição, como a legitimação da cidade. “A ter-
ra de lavoura deixa então de ser o seu pequeno mundo para se tornar unicamente seu meio de
vida, sua fonte de renda e riqueza”. As cidades ganharam novo sentido com o café, que acabou
solapando a zona rural.
Buarque de Holanda traz ainda o “homem cordial”. A cordialidade aqui não se refere à civili-
dade nem à polidez, vem na realidade de “cordes”, coração. O brasileiro teria dificuldade de
desvincular os laços familiares quando se torna um cidadão. O homem cordial é generoso, mas
para confiar em alguém precisa conhecê-lo primeiro. Gera-se uma intimidade com os demais,
o que possibilita chamar qualquer um pelo primeiro nome e usar o sufixo “inho” para as mais
diversas situações.
Não há rigor. Não existe distinção entre o público e o privado: todos são amigos em todos os
lugares. No Brasil, o Estado acaba sendo apropriado pela família, os homens públicos são for-
mados no círculo doméstico, onde laços sentimentais e familiares são transportados para o
ambiente do Estado, é o homem que tem o coração como intermédio de suas relações.
Mas, como afirmou, “com a simples cordialidade não se criam os bons princípios”. Assim, ele
defendia tanto a industrialização quanto a centralização do poder, que eram características da
era pós 1930. Para o autor, a ausência de partidos políticos na época seria um sintoma de nossa
inadaptação ao regime legitimamente democrático.
O autor ainda analisa as revoluções no Brasil. Ele demonstrou que nossa independência não se
fez em 1822, uma vez que a formação de uma nação não se restringe à administração. O Brasil
só seria independente quando não houvesse mais marcos da era colonial. As revoluções nas
Américas não seriam verdadeiras revoluções. No Brasil, trata-se de um processo demorado que
já vinha de mais de três séculos.

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Anuncia que “a nossa revolução” está em marcha, com a dissolução do complexo ibérico de
base rural e a emergência de um novo ator decisivo: as massas urbanas. Crescentemente nu-
merosas, libertadas da tutela dos senhores locais, elas não mais seriam demandantes de favo-
res, mas de direitos. No lugar da comunidade doméstica, patriarcal e privada, seríamos enfim
levados a fundar a comunidade política, de modo a transformar, ao nosso modo, o homem
cordial em cidadão.

CAIO PRADO JUNIOR (1907-1990)


Principal obra: “Formação do Brasil Contemporâneo” (1942).
Caio Prado Jr. era outro intelectual e partidário da Revolução de 1930. As suas obras inaugura-
ram, no Brasil, uma historiografia identificada com o marxismo, tentando trazer uma explicação
diferenciada da sociedade colonial brasileira.
Ele rompeu com a tradição hegemônica das esquerdas no país ao negar a afirmativa de persis-
tência de restos feudais, incompatíveis com a modernidade e com o capitalismo. Intelectual
rigoroso, Caio Prado demonstrou o erro de origem dos argumentos das esquerdas, superando
as interpretações “feudais”, afirmando que o modelo escravista foi mercantil e não feudal, e a
revolução burguesa e a consolidação do capitalismo industrial, ao contrário daquele gestado
nos países desenvolvidos, haveria se forjado a partir da agroindústria do café. Desde a coloniza-
ção, o perfil mercantil preponderou, inexistindo uma classe camponesa ou qualquer elemento
feudal. Por isso, a aliança estratégica com a burguesia nacional demonstrar-se-ia um erro pro-
fundo.
Um conceito importante na obra de Caio Prado era o de “sentido histórico”, definido como: “o
conjunto de fatos e acontecimentos essenciais que constituem a evolução de um povo num
largo período de tempo”. O sentido histórico seria como um caminho percorrido pelas socieda-
des que é limitado por características dessa sociedade e que poderia ser alterado apenas com
mudanças profundas.
No Brasil, estaria presente o “sentido da colonização”. Já na introdução da obra, o autor explica
que para se entender o Brasil de sua época, era necessário compreender o processo histórico
que o produziu, o que incluía os três séculos de colonialismo. Para ele, mais de um século após
a Independência, o Brasil ainda mantinha em diversos aspectos o caráter e as características
de colônia, principalmente no que se refere à economia e à sociedade. Prado mostra como as
modificações pelas quais o Brasil passara e estava passando eram superficiais, havendo sempre
a presença incômoda, invencível e indissociável no processo de evolução nacional.
No caso brasileiro, o sentido de formação de nosso povo (e que guiou a nossa colonização) é
ser uma colônia especializada no fornecimento de produtos agrícolas tropicais para os merca-
dos estrangeiros. Tudo no Brasil Colônia teria surgido e foi formado com o intuito de constituir
uma unidade fornecedora de produtos comercializáveis para a Europa; não havia a preocupa-
ção de constituir uma sociedade ou uma administração organizadas e raízes nacionais firmes,
mas apenas uma feitoria comercial. Essa foi a lógica de todo o período colonial, determinando
o nosso sentido histórico e, com ele, a permanência de diversos aspectos coloniais na atual so-
ciedade brasileira.
Contudo, o autor também via possibilidades de transformação dessa persistente ordem colo-
nial. O livro é constituído de uma contraposição dialética entre a permanência de estruturas

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coloniais e as constantes oportunidades de derrubada dessa ordem, a ocorrer por intermédio
da articulação interna e ação do setor “inorgânico”, ou seja, das classes mais humildes e pobres
da população. Seria a participação e integração desse setor na sociedade que possibilitaria a
queda dos resquícios coloniais, produzindo uma modificação e a definição de um novo sentido
histórico para o Brasil.
O autor argumenta que sempre foi essa população desarticulada que, sozinha e sem qualquer
apoio, tomou as iniciativas para modificar a sociedade colonial e expandi-la além da monocul-
tura litorânea exportadora. São exemplos o avanço da pecuária pelos sertões, o processo de
povoamento do interior e a expansão para territórios além do Tratado de Tordesilhas.
Muitos criticam o trabalho de Caio Prado por valorizar excessivamente os determinantes exter-
nos em nossa história, que o Brasil teria evoluído apenas olhando para fora, trabalhando cen-
trado nos produtos para exportação. Muitos argumentam que teriam papeis muito relevantes
também a formação do mercado interno e dos circuitos de acumulação de riqueza internos, e
que isso, de certa forma, determinava movimentos que vinham de fora.

RAYMUNDO FAORO (1925-2003)


Principal Obra: Os Donos do Poder – Formação do patronato político brasileiro.
“Os Donos do Poder” teve como tema central a análise das mazelas do Estado brasileiro. A
causa estaria na estrutura de poder patrimonialista estamental presente no Estado português
e que veio para o Brasil nas caravelas que trouxeram a corte portuguesa, tendo representado o
padrão a partir do qual se organizaram a Independência, o Império e a República no Brasil.
Para Faoro, o país não era dominado por uma oligarquia de senhores de terra. A literatura clás-
sica defende que essas oligarquias, juntamente com a burguesia mercantil, constituíam as clas-
ses sociais dominantes. Faoro não as nega, mas afirma que foi reproduzida no país a lógica do
sistema montado em Portugal do século XIV: um estamento patrimonial, originalmente aristo-
crático, formado pela nobreza decadente que perde as rendas da terra, e, depois, vai se tornan-
do cada vez mais burocrático, sem perder, todavia, seu caráter aristocrático.
Esse estamento não é mais senhorial, uma vez que a sua renda não é proveniente da terra. É
patrimonial, porque ela é retirada do patrimônio do Estado, que em parte se confunde com o
patrimônio de cada um de seus membros. Os impostos são arrecadados das classes, particular-
mente da burguesia mercantil, e são usados para sustentar o estamento dominante e o grande
corpo de funcionários de nível médio a ele ligados por laços de toda ordem.
A razão do impacto que a sua obra causou em nosso meio intelectual é que, contrariamente à
visão marxista, dominante à época na historiografia de tipo estrutural, ele não procurou a ex-
plicação na infraestrutura, vale dizer, na sociedade civil, mas antes na superestrutura, isto é, no
Estado. Segundo o autor:
“A longa caminhada dos séculos na história de Portugal e do Brasil mostra que a independência
sobranceira do Estado sobre a nação não é a exceção de certos períodos, nem o estágio, o de-
grau para alcançar outro degrau, previamente visualizado. ”
Ela seria simplesmente a regra, ainda não excepcionada. Sua obra foi bastante influenciada
pelos conceitos de Max Weber, de quem Faoro tomou emprestado o conceito de estamento. A
sociedade feudal europeia havia sido estruturada em três estamentos – o clero, a nobreza e o

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povo – cada qual com um estatuto jurídico próprio e encarregado, permanentemente, de de-
terminada função social.
Weber deu à noção de estamento uma abrangência maior descrevendo-o como uma situação
de privilegiada estima ou consideração social, da qual gozam certos grupos de pessoas, ainda
que essa posição não seja juridicamente reconhecida. Tal situação poderia ocorrer tanto no
tipo de senhorio político tradicional, como no tipo moderno, por ele denominado "poderio le-
gal com quadro administrativo burocrático".
Uma das formas do senhorio político tradicional, na classificação de Weber, seria a estamental-
-patrimonial, em que o estamento dominante utiliza-se do poder político como se fora sua pro-
priedade (daí que vem o subtítulo da obra de Faoro).
Para Raymundo Faoro, a sociedade brasileira – da mesma forma que a portuguesa – foi tradi-
cionalmente moldada por um estamento patrimonialista, formado, primeiro, pelos altos fun-
cionários da Coroa e, depois, pelo grupo funcional que sempre cercou o Chefe de Estado, no
período republicano.
O estamento funcional governante, posto em evidência por Faoro, nunca correspondeu àquela
burocracia moderna, organizada em carreira administrativa, e cujos integrantes agem segundo
padrões de legalidade e racionalidade. Tratava-se de um grupo estamental correspondente ao
tipo tradicional de dominação política, em que o poder não é uma função pública, mas sim ob-
jeto de apropriação privada.
É claro que a interpretação de Faoro sobre a História do Brasil irritou profundamente a crítica
marxista, pois tornava dispensável o recurso metodológico ao esquema da luta de classes.

JOSÉ MURILO DE CARVALHO (1939-)


Principais obras: “Construção da ordem: a elite política imperial” (1980) e “Teatro de sombras:
a política imperial” (1988).
Esses dois livros são na realidade um só. Após a defesa de sua tese na Universidade de Stan-
ford, foi publicada a primeira parte da tese em “Construção da Ordem”. A segunda parte viria a
ser publicada em 1988. Depois as duas partes foram unidas.
A primeira parte “A Construção da Ordem: a elite política imperial” aborda o papel das elites
políticas na construção do Estado brasileiro. O ponto de partida da análise está na identificação
das especificidades da colônia portuguesa, em oposição às colônias espanholas. Entre elas, as
principais seriam a preservação da unidade nacional, a conquista da estabilidade política e a
manutenção da Monarquia. Analisando as causas de tais peculiaridades, Carvalho coloca a sua
hipótese mais ampla: o arranjo político centralizado do Império brasileiro não era o único re-
sultado historicamente possível, ele foi fruto de uma escolha feita por aqueles que estavam no
comando do país.
Assim, para entender o período, é importante conhecer o grupo dos indivíduos que tomaram
as decisões estratégicas que iriam dar forma ao Estado brasileiro. Para o autor a solução mo-
nárquica, a unidade política e o governo civil são, em boa parte, consequências do tipo de elite
política existente na época. Essa elite tinha acentuada homogeneidade ideológica e de treina-
mento conferida pela passagem de grande parte de seus membros pela Escola de Direito de
Coimbra, o que lhe deu coesão e relativo consenso quanto ao modelo político a ser seguido.

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Quase toda a elite política tinha formação superior, ao contrário dos indivíduos fora da elite.
Essa formação concentrava-se na área jurídica, formando um núcleo homogêneo de conheci-
mentos e habilidades.
No entanto, não foi apenas a educação que se tornou um elemento importante na coesão de
nossas elites, trabalhando para isso também a ocupação funcional. Segundo o autor, predomi-
nava no grupo os indivíduos vinculados à Magistratura estatal.
Se uma das condições fundamentais para se ter acesso à elite política era ter uma educação
superior, em especial jurídica, se o Estado era, na época, o maior empregador dos letrados que
ele mesmo formava, então grande parte da elite política teria que sair da própria máquina es-
tatal.
A predominância dos magistrados na elite política teria sido, assim, absolutamente crucial para
o período de formação e consolidação do Estado nacional (p. 91). Ligados ao aparelho esta-
tal, sempre tiveram entre suas preocupações manter a unidade nacional, fortalecer as prer-
rogativas da burocracia, contrapondo-se tanto às revoltas regionais quanto à descentralização
política proposta pelos liberais. Tanto num quanto noutro caso, os magistrados, não raro, co-
locavam-se frontalmente contra os grandes proprietários de terra escravistas que, segundo as
interpretações tradicionais, dominariam politicamente o Império.
Carvalho identifica ainda que o "inchaço" da burocracia durante o Império tinha uma função
política precisa: absorver a crescente oferta de trabalhadores, em especial bacharéis, que não
podiam ser ocupados pela estrutura econômica simplificada da escravidão. A burocracia, po-
rém, não abrigava qualquer um indistintamente, mas era a "vocação de todos" aqueles que
tinham educação formal, em especial a superior.
O autor faz uma crítica contundente ao termo "estamento" utilizado por Raymundo Faoro. Ele
entendia que a cúpula burocrática não era uma comunidade, mas, ao contrário, tinha divisões
internas. Não possuía um estilo de vida comum nem o monopólio dos cargos, ambos elemen-
tos definidores da condição estamental. Ele defendia que faltava à elite política patrimonialista
brasileira do Império poder para governar sozinha. Haveria uma aliança do estamento patrimo-
nialista com a burguesia mercantil de senhores de terra e grandes comerciantes, esta burguesia
transformando-se no decorrer do século XIX.
Na segunda parte, “Teatro das Sombras”, o autor usa a metáfora teatral para caracterizar o
Império brasileiro. Ele analisa algumas decisões estratégicas tomadas por essa mesma elite
quando a questão da formação do Estado nacional já estava resolvida e novos problemas se
colocavam aos decisores. Carvalho estuda, assim, a relação entre a Coroa, a elite política e os
proprietários rurais, nos anos de 1850 a 1889, a partir do estudo das políticas fiscal e de terras
e do processo abolicionista.
Utilizando-se da “dialética da ambiguidade”, ele analisa as decisões da burocracia que afetavam
a principal classe econômica, os agricultores. De um lado, o Estado dependia da agricultura
escravista devido aos recursos que ela gerava, principalmente pelo imposto de exportação. Do
outro lado, os decisores estavam abertos a outras influências as quais levavam a decisões que
desagradavam os agricultores. Um exemplo foi a proibição do tráfico negreiro em 1850, que
ocorreu devido à pressão inglesa e ao medo da elite imperial de perder a soberania do país.
A sociedade imperial era marcada por ambiguidades em várias instâncias. Era composta por
uma elite que tinha como base do sustento material a grande agricultura escravista, mas que

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mantinha certa autonomia em relação a ela; em virtude dessa autonomia, tomava decisões
que não atendiam aos interesses imediatos dos grupos econômicos dos quais dependia, mas
também não rompia radicalmente com eles; essa elite organizava uma sociedade a partir de
instituições liberais, mas convivia com a escravidão e aceitava o Poder Moderador; defendia o
liberalismo econômico, mas adotava medidas protecionistas; organizava um Estado altamente
centralizado, mas extremamente fraco no âmbito local.

Nascimento e afirmação da República brasileira

Texto 01
Em 1824, o Estado Brasileiro é inaugurado pela sua pioneira Constituição, por meio de um Po-
der Constituinte, o qual redigiu o mandato do novo Imperador, uma Carta Magna que estabe-
leceu um governo monárquico, isto é, vitalício, hereditário e representativo, que foi outorgada,
quer dizer, imposta ao povo, pois não houve eleições para a escolha dos representantes consti-
tuintes, uma vez que, em 1823, D. Pedro I dissolveu a Assembleia Constituinte que ele próprio
convocara, porque esta não se curvou às suas exigências.
Nos primórdios da independência, vivia o país uma fase difícil caracterizada por lutas internas
em vários pontos do vasto território nacional e, sobretudo, assolado por uma enorme dívida
púbica herdada de uma perdulária Corte portuguesa que vivera em exílio no Rio de Janeiro e
que, ademais, esvaziou os cofres do Tesouro Nacional brasileiro ao regressar para Lisboa.
A Assembleia Constituinte, considerando-se soberana como deveria ser, ainda que convocada
pelo Imperador, rejeitava todas as ingerências políticas deste, acabando por fazer-lhe verdadei-
ra oposição, afinal eram muitas as divergências existentes entre os constituintes acerca da for-
ma pela qual o novo país deveria ser organizado e principalmente governado. Aquele primeiro
parlamento genuinamente brasileiro, embora elitista, representava o que havia de melhor da
estratificação social nacional, composto de monarquistas ferrenhos a radicais republicanos.
Convocada pelo próprio D. Pedro I, a Constituinte de 1823 durou cerca de dezoito meses alta-
mente tumultuados pelas paixões políticas brasileiras que se manifestaram na sua plenitude
pela primeira vez, a principal das quais dizia respeito ao papel do Imperador. Uns defendendo
sua autoridade absoluta, outros a moderação imposta pela Constituição.
D. Pedro, que tinha conhecida índole autoritária, não admitindo essas atitudes por ele conside-
radas insolentes, dissolveu à força a Assembleia, sob o argumento de que esta havia “perjura-
do” o seu solene juramento de salvar o Brasil, convocando no seu lugar, seu próprio Conselho
de Estado, incumbindo-o de conceber a primeira Constituição brasileira, em substituição àque-
la cuja elaboração estava em meio pela Assembleia Constituinte.
Interessante notar que, na saída do dissolvido parlamento constituinte, quatorze deputados
foram presos, entre os quais os três irmãos Andrada que seriam deportados para a França onde
viveriam em exílio por seis anos.
A Constituição foi então outorgada sem a adoção da clássica divisão de Poderes de Montes-
quieu, a chamada tripartite. A Constituição do Império, como ficou conhecida, tinha um Poder
Moderador, exercido pelo Imperador, o Poder Judiciário, o Executivo e o Legislativo.

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Esclareça-se, porém, que o Poder estatal emanado de sua soberania é uno. O que se divide,
segundo a obra clássica do citado iluminista francês – O Espírito das Leis –, é a tripartição das
funções estatais.
O Poder Legislativo era bicameral, a Câmara dos deputados, eletiva e temporária, e a dos sena-
dores, vitalícia e com os membros nomeados pelo Imperador, dentre uma lista tríplice indicada
pela Província. As eleições eram indiretas e censitárias, isto é, somente era eleitor quem tivesse
certo rendimento que servia de base para o exercício do voto, estimativas apontam para cerca
de apenas 1% da população.
O Poder Executivo era exercido pelos ministros de Estado tendo como Chefe o Imperador. In-
teressante notar que nas constituições republicanas, a ordem é inversa. O Poder Executivo é
exercido pelo Presidente auxiliado pelos seus ministros de Estado.
O Poder Judiciário era independente, mas o Imperador, como Chefe do Poder Moderador, po-
dia suspender os juízes. O Poder Moderador podia destituir e nomear os ministros de Estado.
Podia, ademais, no âmbito do Poder Legislativo, dissolver a Câmara dos Deputados, adiar a es-
colha e a convocação dos senadores indicados pelas listas tríplices provinciais.
As Províncias – hoje denominadas estados – eram subordinadas ao Poder Central, na pessoa de
seu presidente (atual governador) e do Chefe de Polícia, não havia eleições para esses cargos,
ambos eram escolhidos pelo Imperador.
Embora marcado pelo intenso centralismo político e administrativo, pois o Estado Brasileiro
monárquico era Unitário, vale dizer que havia um único centro irradiador de decisões políticas,
tendo como agente principal o Poder Moderador e adotando oficialmente a religião católica.
Foi o texto constitucional mais longo da nossa história, tendo durado sessenta e cinco anos e,
paradoxalmente, uma das constituições mais liberais para a época.
À guisa de curiosidade cívica, a pioneira Constituição brasileira permanece quase que inteira-
mente esquecida no Arquivo Nacional no Rio de Janeiro, ignorada e desconhecida pela maioria
dos brasileiros, com exceção dos estudiosos da história, do constitucionalismo e da arquivolo-
gia.
Diferente é o destino do texto original da única constituição norte-americana de 1787, cultuada
civicamente no Arquivo Nacional americano situado na capital Washington. Guardada numa
caixa de vidro à prova de bala e de umidade, a constituição é visitada diariamente por milhares
de turistas de forma reverencial.
A explicação para a diferença de tratamento que suas respectivas nações lhes dão é histórica e
está em suas raízes.
Enquanto a constituição dos EUA é fruto de uma revolução sangrenta e de uma obra coletiva,
redigida e assinada por um grupo de cinquenta e cinco intelectuais iluministas, até hoje referi-
dos como founding fathers – pais fundadores – do Estado Norte-Americano, a constituição fun-
dadora do Estado Brasileiro, que jaz esquecida na cidade do Rio de Janeiro, é obra da vontade
de um único homem, o Imperador D. Pedro I, e, por mais avançada que fosse para a sua época,
nela o povo brasileiro jamais se reconheceu, pois dela nunca participou.
Ademais, enquanto os “pais fundadores” – tecnicamente constituintes americanos – são ver-
dadeiramente cultuados em termos cívicos e históricos, o grande estadista brasileiro a ter, em
1822, um verdadeiro projeto para este nascente país, articulador e por isso mesmo nomeado

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‘Patriarca da Independência’, José Bonifácio de Andrada e Silva, morreu pobre e esquecido no


seu exílio voluntário na Ilha de Paquetá na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, em 1838, de-
siludido com os rumos que o país que ajudou a fundar estava tomando.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891


Em 1889, com o Golpe Militar da Proclamação da República, um novo movimento revolucioná-
rio (de mudança) se instaurou sobre o país.
Uma nova constituição se impôs, pois o Estado brasileiro não era mais monárquico, mas sim
republicano. Em 24/02/1891, outorgou-se uma nova constituição, basicamente escrita por Rui
Barbosa, inspirada na Constituição (única) norte-americana de 1787, chamando este país por
um novo nome: Estados Unidos do Brasil – nenhuma coincidência.
As Províncias foram transformadas em Estados-Membros e o Município Neutro em Distrito
Federal. Adotou-se o Federalismo com a consagração da união indissolúvel, o que revelava o
temor de que houvesse secessão. Os Estados-Membros passaram a gozar de autonomia com
competências governamentais próprias de um Estado Federalista.
Federação significa aliança, pacto, união, pois é da união entre Estados que ela nasce, com o
objetivo de manter reunidas autonomias regionais, assentadas numa constituição a qual deter-
mina que essa união de estados autônomos seja indissolúvel, proibindo o separatismo.
O Federalismo é um sistema de governo criado pela constituição norte-americana de 1787, em
que há uma união indissolúvel de Estados formando um único Estado soberano. Invenção típica
da célebre assembleia constituinte de Filadélfia, em que as treze ex-colônias inglesas resolve-
ram dispor de uma parcela de suas soberanias tornando-se autônomas e constituindo um novo
Estado, este sim tipicamente soberano, criando assim uma nova forma de Estado, o Federativo.
Portanto, o que se tratou de resolver, na época, foi questão resultante da convivência entre as
treze ex-colônias inglesas autodeclaradas Estados independentes e fortemente desejosas de
adotar uma forma de poder político unificado, não querendo perder a independência e sobe-
rania que tinham acabado de conquistar frente a uma guerra revolucionária de independência
contra a Inglaterra.
Com tais pressupostos, surgiu assim a Federação, como uma associação de Estados pactuados
por meio de uma Constituição, sendo vedado o separatismo.
Destarte, a Constituição brasileira de 1891 é inteiramente inspirada na norte-americana, crian-
do por aqui o Presidencialismo como forma de governo, cujo mandato era de quatro anos, ex-
tinguindo-se o esdrúxulo Poder Moderador da constituição monárquica, e adotando também a
tripartição de Poderes.
O Poder Legislativo continuou bicameral, extinguindo-se o voto censitário e adotando-se o su-
frágio direto, um grande avanço democrático.
O Poder Judiciário fortaleceu-se, conferindo aos seus membros a vitaliciedade e a irredutibili-
dade de vencimentos. Assumiu o controle dos atos legislativos e administrativos.

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A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934
Promulgada em 16/7/1934, durante o Governo de Getúlio Vagas, fruto da Revolução Constitu-
cionalista de 1932, inseriu a democracia social com inspiração na constituição alemã de Wei-
mar.
Manteve os princípios fundamentais formais como a República, a Federação, a divisão de Po-
deres, o Presidencialismo e o Regime Representativo, criou a Justiça Eleitoral, admitindo o voto
feminino.
Seu principal característico está na declaração de direitos e garantias individuais, dedicando um
título sobre a ordem econômica e social, sobre a família, sobre a educação e a cultura, normas
de conteúdo programático fortemente influenciadas pela democrática Constituição de Weimar.

A Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 10 de novembro de 1937


Outorgada por Getúlio Vargas, em 10/11/1937, após a dissolução do Congresso Nacional e a
revogação da constituição de 1934, a nova Carta Magna tinha inspiração fascista, sendo, por
óbvio, extremamente autoritária.
Formalmente, a tripartição de Poder foi mantida, contudo suas funções foram altamente enfra-
quecidas. Sendo certo que o Poder Executivo, na pessoa do Presidente da República, chamado
de Chefe Supremo do Estado, concentrava a maior parte dos poderes.
No tocante ao Poder Legislativo, o Presidente da República podia colocá-lo em recesso, quando
bem lhe aprouvesse, acumulando suas funções.
O Judiciário tornou-se submisso ao Executivo, e o Congresso, sob seu controle, podia anular
suas decisões. O direito de manifestação livre do pensamento foi censurado assim como as ar-
tes e a imprensa em geral.
Enfim, esta Lei Maior legitimou o Estado Novo Getulista autoritário e ditatorial, revogando to-
dos os avanços democráticos e sociais da Carta anterior.

A Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946


Promulgada em 18/9/1946, por meio de uma assembleia nacional constituinte eleita democra-
ticamente, retomou as questões sociais da Constituição de 1934, afinal o mundo respirava o
pós-guerra tendo derrotado o nazifascismo, inclusive com ajuda brasileira cujas tropas lutaram
a favor dos Aliados contra o Eixo.
Retornou o Brasil ao regime democrático depois do estado-novista getulista, com um modelo
democrático, com eleições livres e diretas para Presidente da República com mandato de cinco
anos.
Sofreu apenas três emendas até 1961, dado ao seu caráter altamente de estabilidade, entre-
tanto, a partir de então, com a renúncia tresloucada de Jânio Quadros, depois de uma carreira
meteórica calcada no populismo e uma eleição acachapante em votos, o país voltou a viver cri-
ses institucionais que se refletiam no campo constitucional, sendo que, em 1º/9/1961, institui-

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-se o parlamentarismo por desconfiança da ideologia do vice-presidente eleito João Goulart,


perdurando esse regime até 23/1/1963.

A Constituição Brasileira de 1967


João Goulart é cassado por meio de um Golpe Militar consolidado em 1º de abril de 1964, mas
iniciado na noite de 31 de março. A ditadura que viria não era nenhuma mentira, ela própria
institucionalizou sua data como sendo 31 de março para que não pairassem quaisquer dúvidas
da sua convicção autoritária.
O governo militar necessitou de uma nova Carta Constitucional para consolidar o seu poder,
dentro de um alinhamento mais à direita, motivo pelo qual a democrática Constituição de 1946
pereceu, sucedeu-lhe a forte ideologia da teoria da segurança nacional prevalecendo dominan-
temente.
De forma ditatorial, o Poder Executivo se fortaleceu de forma eminentemente centralizadora
em detrimento dos demais, que tiveram impositivamente reduzidas muitas de suas competên-
cias e atribuições.
As garantias e direitos individuais tiveram um rebaixamento quase ao nível zero de forma so-
bremodo exagerada, pois havia a possibilidade de suspensão até dos direitos políticos de quais-
quer cidadãos.
Outorgou-se a Emenda Constitucional nº 01, de 1969, que desfigurou de tal forma a própria
Constituição de 1967 que, por muitos constitucionalistas, é considerada verdadeiramente uma
nova constituição, do ponto de vista prático e até jurídico, pois alterou de tal maneira o sistema
como um todo sem qualquer observação ou respeito pela própria constituição, porque o Regi-
me necessitava de mais poderes indefectivelmente.
O período da ditadura militar brasileira, também conhecido como “os anos de chumbo”, perdu-
rou até abril de 1985, quando, ainda que através de eleições indiretas no Colégio Eleitoral do
Congresso Nacional, um civil foi eleito Presidente da República.
Com o fim da ditadura, houve eleições diretas para uma nova assembleia nacional constituinte
congressual, em 1986, que redigiu a atual Constituição Cidadã de 1988.

A Constituição Cidadã da República Federativa do Brasil de 5/10/1988


Promulgada democraticamente em 5/10/1988, por meio de uma legítima assembleia nacional
constituinte, embora tenha sido de origem congressual, pois aquele Congresso, eleito em 1986,
não o foi exclusivamente para a tarefa da redação da nova constituição, acumulou as funções
congressuais comuns, isto é, de legislar.
Nada obstante, obteve êxito democrático, instituindo um estado de direito assentado resumi-
damente nos seguintes valores: direitos sociais e individuais, liberdade, segurança, bem-estar,
desenvolvimento, igualdade e justiça.

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Texto 02

A República brasileira

Antecedentes
De certa forma, a Proclamação da República, em 15 de novembro de 1889, foi a nossa Revolu-
ção Francesa que tardou cem anos a chegar.
Foi com a República que se implantou o Federalismo, o sistema Presidencialista, a indepen-
dência dos Poderes, bem como a separação do Estada da Igreja. Terminou-se com a hierarquia
baseada no nascimento e na tradição de família, substituindo-a pela forma republicana e de-
mocrática baseada no talento pessoal e no mérito.
Ela foi obra de militares e de um escasso grupo de civis do Partido Republicano, fundado em
1873.

Os militares e a crise do Império


O Império havia sempre dado preferência pela Marinha de Guerra, arma aristocrática. Foi a
longa e dolorosa Guerra do Paraguai, travada entre 1865 e 1870, que terminou por projetar
o Exército brasileiro como força política. Ao ter que pegar em armas e adestrar milhares de
soldados e oficiais, o Império terminou inclinando o peso da balança do poder para os solda-
dos. Também foi fator marcante da atitude cada vez mais republicana por parte da oficialida-
de o seu contato com os militares da Argentina e do Uruguai durante a guerra paraguaia. Até
1889, o Brasil era o único Império existente na América inteira. Todas as demais nações vizinhas
eram republicanas. É claro que a guerra serviu para atiçar o ardor nacionalista das tropas, o
que levou a oficialidade a hostilizar cada vez mais o Conde D'Eu, de origem francesa, marido da
Princesa Isabel e provável sucessor, de fato, do velho Imperador D. Pedro II. Tamanho passou a
ser o receio de que o exército desse um golpe, depois de sua vitória contra o Paraguai, que as
autoridades imperiais resolveram cancelar a marcha da vitória, que seria realizada pelas tropas
vindas da guerra recém finda.
Vários militares converteram-se não apenas ao republicanismo como também ao abolicionis-
mo. Entre eles, destacou-se o coronel Sena Madureira, que publicamente parabenizou os jan-
gadeiros cearenses quando aqueles negaram-se a transportar escravos em suas embarcações,
apressando a abolição da escravatura no Ceará. Sena Madureira foi repreendido pelo Ministro
Civil, que o puniu. Foi o que bastou para que vários oficiais se tornassem solidários com Sena
Madureira, entre outros o Marechal Deodoro da Fonseca.

Os militares e a abolição
Entrementes, o movimento abolicionista estimulava, tanto no Rio de Janeiro como em São Pau-
lo, as fugas em massa dos escravos. As matas do Vale do Paraíba estavam repletas de fugitivos.
Seu número chegou a tal expressão que as autoridades imperiais cogitaram de utilizar-se do
Exército para recapturá-los. Foi então que o Marechal Deodoro da Fonseca lhes enviou um te-
legrama negando-se a transformar seus soldados e oficiais em "capitães do mato". Um Exército
que recém vinha de uma guerra vitoriosa repugnava ser lançado em indignas operações poli-

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ciais. Desta forma, eles se colocavam objetivamente a favor da abolição, o que ocorreu logo em
seguida.

Os republicanos
Os dois maiores partidos brasileiros eram monarquistas: o Partido Liberal e o Partido Conserva-
dor. Desde o governo de conciliação, de 1853, eles se alternavam no poder sem grandes litígios.
Na prática, o Brasil era um país com governo extremamente centralizado apesar da aparência
parlamentarista. Inspirados, então, pela proclamação da 3ª República francesa, políticos paulis-
tas resolveram, primeiro, lançar um Manifesto Republicano em 1870 e, depois, formalizaram a
fundação de um partido em 1873.
Quando a República foi proclamada pelos militares em 15 de novembro, os civis republicanos
eram uma escassa minoria espalhada pelo país. Na verdade, eram ilhas minúsculas cercadas
pelos partidários da monarquia por todos os lados. Mas os esforçados e coesos republicanos
exploraram bem os constantes atritos que o exército passou a ter com os governos imperiais.
Dada a sua pouca representatividade, eles perceberam que, dificilmente, a monarquia seria
destituída sem o socorro das armas do Exército. Assim, a imprensa republicana passou a vigiar
cada manifestação dos oficiais, bem como colocou suas páginas para que eles dessem vazão a
sua insatisfação. Aqui no Rio Grande do Sul, o jornal republicano "A Federação", dirigido por Jú-
lio de Castilhos, não media esforços para abrir mais e mais as brechas abertas entre os oficiais
e o Imperador. Inclusive foi num sítio de propriedade de Júlio de Castilhos onde, vários meses
antes da proclamação republicana, adotou-se a tática de estimular os militares ao golpe.

A República Oligárquica

A proclamação da República
A crise final se deu com a inconformidade das tropas perante as punições que o Marechal Deo-
doro, verdadeiro ídolo do Exército, estava sofrendo por parte do gabinete chefiado pelo Viscon-
de de Ouro Preto. Floriano Peixoto, encarregado de sufocar o levante, aderiu a ele. O governo
não contava mais com o apoio de ninguém. A Marinha ficou paralisada e o Imperador foi con-
vidado a abandonar o país. O golpe foi incruento pela falta de qualquer resistência organizada.
No entanto, os anos seguintes seriam sombrios para a República recém implantada.

A constituição republicana
Tornado presidente provisório, Marechal Deodoro tratou de marcar eleições para a formação
de uma Assembleia Constituinte. Em 1891, esta aprovou a primeira Carta republicana da nos-
sa história. Fixou-se o regime presidencialista com mandato de 4 anos, criou-se uma Suprema
Corte para arbitrar os conflitos constitucionais e deu-se grande autonomia política aos Estados
e Municípios como determinava o federalismo norte-americano. No seu afã de americanizar o
Brasil, os constituintes chegaram a mudar o nome do Brasil para Estados Unidos do Brasil. E,
inspirados pelo positivismo francês, adotaram na nossa bandeira o lema favorito de Auguste

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Comte "Ordem e Progresso", como um ideal a ser seguido. O recado estava claro, progresso
sim, mas com o controle das Forças Armadas.

A exclusão do povo
A reforma eleitoral aprovada pelos republicanos foi marcada pela exclusão da grande maioria
do povo brasileiro. A adoção do preceito de que analfabeto não teria direito a votar margina-
lizou a maioria da nossa população, especialmente os escravos recentemente alforriados que
eram um milhão e meio numa população de dez milhões de habitantes. Além dessa exclusão,
os republicanos criaram um sistema eleitoral que terminava por estimular a fraude, visto que
o voto não era secreto e o próprio governo se encarregava de contá-los. Rapidamente, o poder
real e concreto resvalou para os coronéis do interior, para os mandões locais que manipulavam
os resultados eleitorais, visto que controlavam os seus currais eleitorais com mão de ferro. Não
demorou muito para que o processo eleitoral se tornasse sinônimo de farsa. Um jogo de cartas
marcadas no qual todos os resultados eram previsíveis.

As reações antirrepublicanas
Ao contrário da versão conservadora de ter sido a República uma implantação quase que pací-
fica, muito sangue correu nos seus primeiros anos. Primeiro, foram os almirantes de esquadra,
como Custódio de Mello e Saldanha da Gama, que por duas vezes se rebelaram contra o novo
regime levando o terror ao Rio de Janeiro, bombardeado pela esquadra fundeada na baía da
Guanabara entre 1891 e 1893. Depois, foram os grandes estancieiros da fronteira gaúcha, os
quais pegaram em armas em protesto pela marginalização do poder feita pelo grupo dos segui-
dores de Júlio de Castilhos, que nos conduziu a uma das mais ferozes guerras civis da história
brasileira. A Revolução Federalista de 1893/94 provocou mais de dez mil mortos e a degola foi a
nossa guilhotina. Não se dava quartel ao inimigo. Castilhos venceu a guerra com apoio do Exér-
cito de Floriano Peixoto e seu grupo dominou o Estado por um quarto de século.
Finalmente, foi a vez dos miseráveis do campo. Liderados por um guia religioso, Antônio Con-
selheiro, os jagunços de Canudos em pleno interior baiano declararam-se em guerra contra a
República em 1896/97. Milhares de soldados foram para lá, enviados para sufocar aquela re-
belião de sertanejos. Na última campanha, o Exército tomou o reduto e passou boa parte dos
sobreviventes pelo fio da espada. Euclides da Cunha, repórter do Estado de São Paulo, deixou
seu relato num livro admirável, o primeiro clássico republicano "Os Sertões", que apareceu em
1903, consagrando-o como um dos grandes escritores brasileiros.

A república dos coronéis


Durante a presidência do paulista Campos Sales, entre 1898-1902, introduziu-se a chamada
"verificação dos poderes". O sistema eleitoral brasileiro tornava-se um rígido código de com-
promissos no qual o "curral eleitoral", fonte teórica de legitimidade, votava no candidato do
coronel local, este por sua vez comprometia-se a dar apoio ao governador, uma espécie de su-
percoronel. O governador, ou presidente do Estado, como era então denominado, por sua vez,
apoiava o Presidente da República, que se tornava assim uma espécie de patriarca do sistema
coronelístico. Era praticamente impossível a oposição vencer eleições. Assim, o princípio repu-

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blicano da rotatividade das elites políticas estava impedido de realizar-se, por toda a parte os
mesmos grupos políticos controlavam todas as instâncias do poder.

O tenentismo e a revolução de 1930


O movimento tenentista foi a primeira contestação aberta à República oligárquica. Jovens ofi-
ciais do Exército terminaram por liderar várias rebeliões a partir de 1922, formando um clima
propício para o desenlace do regime em 1930.
Começando com a Revolta do Forte de Copacabana em 1922, seguida pela Revolta Paulista em
1924, chamada de Revolta de Isidoro (devido a seu comandante chamar-se General Isidoro),
passando pela Coluna Prestes, entre 1924-26, culminando com o levante armado de outubro
de 1930.
Esses jovens oficiais mostravam seu inconformismo com a situação política e social do Brasil e
desejavam afastar as oligarquias do comando da nação. Só conseguiram sucesso, no entanto,
por dois fatores: a crise econômica de 1929, que afetou o poder da oligarquia paulista; e a re-
belião das oligarquias periféricas, a do Rio Grande do Sul, comandada por Getúlio Vargas, e a
da Paraíba, liderada por João Pessoa. Aliados a Getúlio Vargas, os tenentes estiveram, por um
momento, no topo do poder.

A cultura da república
Pode-se dizer que a República não afetou, num primeiro momento, a cultura nacional, que
continuava presa aos padrões estéticos da Europa, especialmente da França. Os movimentos
literários e poéticos, denominados de Simbolista e Parnasiano, eram tributários dos seus equi-
valentes europeus. Foram obras de exceção que marcaram a cultura nos primeiros anos da
República; especialmente "Os Sertões" de Euclides da Cunha e o romance urbano de Lima Bar-
reto. Essa situação de atrelamento à estética europeia iria sofrer uma brusca alteração com a
Semana da Arte Moderna, realizada em São Paulo, em fevereiro de 1922. Esse evento é tido
como o marco da emancipação estética e cultural da intelectualidade brasileira. Não só temas
brasileiros passaram a adquirir uma preferência dominante (por exemplo: "Paulicéia Desvaira-
da" de Mário de Andrade, "Macunaíma" do mesmo autor, "Cobra Norato" de Raul Bopp, etc.)
como também se esboça uma estética nacional nas telas de Anita Malfatti e de Portinari. Na
música erudita, surge o nome de Heitor Villa-Lobos, que traz para esse campo uma temática
nacionalista e verdadeiramente original.

A República Revolucionária

A Revolução de 1930
Até os anos trinta, o Brasil era na realidade uma imensa fazenda que produzia para a exporta-
ção: açúcar no Nordeste decadente e café em São Paulo. A abolição da escravidão, em 1888,
terminou por abrir as portas do país ao fluxo imigratório vindo da Europa. Milhares de braços
foram, então, reforçar a crescentemente poderosa economia do Centro-Sul brasileiro.

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Mas a crise econômica de 1929 fez com que tudo desabasse. O preço do café despencou para
um quinto do seu valor, da noite para o dia, nossas cidades ficaram repletas de desempregados
e mendigos. Tornou-se inaceitável que os paulistas continuassem sua tutela sobre a nação, pois
eles fariam com que o ônus da crise terminasse sendo jogado nas costas dos Estados perifé-
ricos. Getúlio Vargas lança-se como candidato à Presidência da República, tendo o paraibano
João Pessoa como seu vice, formando aliança entre os periféricos contra os paulistas então he-
gemônicos. Devido à fraude institucionalizada, o paulista Júlio Prestes foi eleito. Foi então que
um fato dramático precipitou os acontecimentos, João Pessoa, vice de Getúlio, foi assassinado
no Recife por razões de desavença pessoal. Sua morte, no entanto, foi entendida como uma
represália dos acólitos do governo do Presidente Washington Luís.
O Rio Grande do Sul ergueu-se em armas. Minas, ressentido pela preterição do seu candida-
to, Antônio Carlos, apoiou o Rio Grande. A maioria dos Estados permaneceu passivo, outros
aderiram à rebelião. Sentindo-se sem sustentação, o Presidente Washington Luís renunciou e
Getúlio Vargas assumiu a presidência a título provisório. A revolução tinha sido bem-sucedida.

A Contrarrevolução de 1932
Insatisfeitas com a sua marginalização no poder, as oligarquias paulistas prepararam-se para
pegar em armas e recuperar a sua proeminência. A pretexto da morte de quatro estudantes
em conflitos de rua, São Paulo mobilizou-se. Ficou, no entanto, sozinho. O Governo de Vargas
convocou suas forças e pôs sítio aos paulistas, que terminaram se rendendo. Mesmo vitorioso,
Vargas compreendeu a necessidade de convocar uma constituinte para sedimentar as conquis-
tas da revolução (legislação social e ampliação e garantia dos direitos de voto).

A Intentona Comunista de 1935


Luís Carlos Prestes, o comandante da célebre Coluna que marchou por mais de 20 mil quilôme-
tros no interior do Brasil havia se negado a participar junto com tantos outros seus companhei-
ros do levante de outubro de 1930. Aceitou um convite para visitar a União Soviética, para onde
rumou depois de ter divulgado um manifesto clamando por uma revolução social. Em Moscou,
tomou a decisão de insuflar um levante contra o governo de Getúlio Vargas, pois relatórios
de militantes comunistas indicavam-no fraco. Atuando na clandestinidade, Prestes ordenou a
rebelião dos quartéis do Rio de Janeiro, Natal e Recife em novembro de 1935. O levante foi su-
focado em poucas horas e os comunistas tiveram que amargar um período extremamente duro
nas prisões varguistas. A denominada Intentona Comunista serviu de pretexto para Vargas de-
cretar o Estado Novo, ditadura implantada em novembro de 1937, que se estendeu até o final
da guerra em 1945.

A República Ditatorial

O Estado Novo
A Constituição de 1934 havia consagrado Getúlio Vargas como Presidente Constitucional até
1938. Em 1937, estávamos em plena campanha eleitoral para a sucessão presidencial: Vargas,

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pretextando futuras convulsões provocadas pelos comunistas e apoiado num apócrifo plano
– o Plano Cohen –, resolveu proclamar-se ditador cancelando as eleições, suprimindo os parti-
dos, afastando governadores e prefeitos, e esmagando qualquer tipo de oposição ao novo regi-
me, de nítida inspiração nos moldes fascistas que então ascendiam em boa parte da Europa (O
"Estado Novo" em Portugal em 1932, Hitler na Alemanha em 1933, o golpe do general Franco
em 1936, etc.). A nova Constituição, redigida por um simpatizante do fascismo, Francisco Cam-
pos, denominou-se "a polaca" por inspirar-se no sistema autoritário do Marechal Pilsudski da
Polônia. Simultaneamente à sua política repressiva, Vargas consolidou a legislação trabalhista,
que integrou socialmente a classe operária brasileira, dando-lhe garantias protetoras e tornan-
do-se, assim, "o pai dos pobres".

A República Democrática

A democratização de 1945
Preocupados com o desejo continuísta de Getúlio Vargas, refletido no movimento queremista
("Queremos Getúlio"), os militares trataram de golpeá-lo em outubro de 1945. A nova Carta,
aprovada em 1946, restabeleceu plenamente os direitos democráticos e a liberdade partidária
(exceção do Partido comunista, cassado em 1947).
Os governadores voltaram a ser eleitos, bem como os prefeitos. Na primeira eleição democrá-
tica, foi sufragado o General Eurico Gaspar Dutra, ministro de Getúlio Vargas (então recolhido
para suas terras em São Borja no Rio Grande do Sul).

O retorno de Getúlio Vargas ao poder


De certo modo, mesmo afastado do Poder, Getúlio Vargas ainda controlava indiretamente a
vida política nacional. Em 1945, ele havia criado dois partidos: o PSD, para congregar os conser-
vadores e a parte da burocracia, e o PTB, partido trabalhista que visava proteger os interesses
dos trabalhadores. Esses dois partidos realizariam uma espécie de coalizão informal e governa-
riam o Brasil até o golpe militar de 1964. Para as eleições de 1950, Vargas terminou se lançan-
do pela legenda do PTB e venceu com facilidade. Esse seu segundo governo foi marcado pela
agitação nacionalista em torno da campanha "O Petróleo é Nosso", que culminou na criação da
Petrobrás em 1953. O atentado contra o Major Vaz, da Aeronáutica, companheiro de Carlos La-
cerda, o grande oposicionista do governo Vargas, provocou uma grande comoção especialmen-
te junto às Forças Armadas. Para evitar de ser novamente derrubado por elas, Getúlio Vargas
cometeu suicídio, em agosto de 1954, fazendo com que ocorressem enormes manifestações e
saques pelo Brasil afora, paralisando os golpistas antipopulistas.

O governo de Juscelino
A morte de Vargas, que traumatizou profundamente o país, foi sucedida pela bem-aventurança
do governo de Juscelino Kubitschek, ex-governador do Estado de Minas Gerais. Eleito em 1955,
Juscelino realizou um dos melhores governos da história republicana. Estimulou a criação do

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parque industrial de bens de consumo, especialmente os automóveis, e deslocou a capital para
o interior do Brasil.
Brasília foi inaugurada no final do seu mandato em 1960. Tratou de forma benigna a oposição,
bem como os dois levantes militares, que foram facilmente neutralizados.
As profundas modificações que causou na estrutura social e econômica do Brasil foram os ver-
dadeiros legados daquele governo. Com ele, o Brasil saltou em definitivo rumo à industrializa-
ção e à internacionalização da sua economia.

A crise de 1961
Nas eleições de 1960, o povo brasileiro elegeu Jânio Quadros, ex-governador de São Paulo, por
uma maioria esmagadora de votos. Passados sete meses de sua posse, Jânio Quadros renun-
ciou, lançando o país na sua mais grave crise do pós-guerra. Os ministros militares negaram-
-se a obedecer a Constituição e dar posse ao Vice-Presidente João Goulart, acusando-o de ser
simpatizante da implantação de uma república sindicalista. Na realidade, temia-se a agitação
provocada pela Revolução Cubana, que entrava então na sua fase radical, realizando uma re-
forma agrária e banindo as burguesias agrárias e urbanas da ilha. Leonel Brizola, governador do
Rio Grande do Sul, lançou em Porto Alegre, em agosto de 1961, o manifesto pela "Legalidade"
que visava dar posse a Jango, então ausente do País, em viagem pela China Comunista. O Exér-
cito dividiu-se quando o comandante do III Exército, General Machado Lopes, resolveu apoiar
Brizola. A guerra civil foi evitada graças a uma emenda constitucional que introduziu no Brasil o
sistema parlamentarista. Por ele, João Goulart tomava posse, mas teria de dividir seus poderes
com o Congresso, que passava a controlar seu ministério. Jango aceitou, mas depois realizou
um plebiscito reintroduzindo o presidencialismo em 1963.

A República Militarizada

O Golpe Militar de 1964


A política de reformas de base defendida pelo Presidente João Goulart provocou uma enorme
agitação entre as classes trabalhadoras e os movimentos de camponeses sem-terra. A perspec-
tiva de uma reforma agrária assustou os latifundiários e os proprietários de uma forma geral. O
nacionalismo atiçado pelos feitos da Revolução Cubana voltou a aflorar, ensejando a defesa de
uma política de encampação e estatização de empresas estrangeiras. A irritação militar culmi-
nou depois dos sargentos em Brasília e dos marinheiros no Rio de Janeiro, ambos movimentos
anistiados pelo Presidente. Depois do comício a favor das reformas, feito no Rio de Janeiro, em
março de 1964, os dias do governo estavam contados. O levante militar se deu no dia 31 de
março para 1º de abril. Não houve resistência. O Presidente João Goulart partiu para o exílio no
Uruguai onde veio a falecer em 1976.
Essa primeira etapa do regime militar foi marcada pelo governo de coalizão entre os chefes mi-
litares e os políticos da UDN que estimularam o golpe.

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O fechamento do regime
A resistência contra a ditadura começou a ser articulada primeiro pela Frente Ampla liderada
por Carlos Lacerda (conspirador e entusiasta do golpe de 1964) que pretendia restaurar o poder
civil. Fracassada aquela articulação foi a vez dos estudantes. Em 1968, imensas manifestações
de protesto foram organizadas em várias capitais do Brasil contra as brutalidades do regime.
Depois de uma ocupação das fábricas ocorrida em Osasco, São Paulo, e o desbaratamento do
movimento estudantil em Ibiúna, São Paulo, em outubro de 1968, o regime resolveu decretar o
rigoroso Ato Institucional nº 5 que implantava a ditadura de forma absoluta no Brasil.

Repressão e violência
Os anos que se seguiram foram marcados como os mais violentos da História do Brasil. In-
conformados com o fechamento de toda e qualquer forma de expressão política, centenas de
estudantes marcharam para a estrada da guerrilha urbana e rural. A pretexto de combatê-los
com maior eficiência, o regime militar lançou mão de práticas de guerras coloniais, generalizan-
do a aplicação da tortura. O período sangrento foi acompanhado por um notável crescimento
econômico. A era General Médici foi caracterizada por esta ambiguidade, de um lado, sedi-
mentava-se e aprofundava-se o desenvolvimento econômico da época de Juscelino e, de outro,
regredia-se às práticas de terrorismo de Estado dos tempos da ditadura fascista de 1937-45.

A abertura e o fim do regime militar


Legitimado basicamente pelo sucesso econômico, o regime começou a periclitar a partir da
crise do petróleo de 1973. O estrategista do regime, o General Golbery do Couto e Silva, esti-
mulou então a abertura política conduzida pelo General Ernesto Geisel, o presidente.
Ela ganhou corpo após os assassinatos do jornalista Vladimir Herzog e do operário Mário Fiel
Filho nos porões da repressão, que chocaram a opinião pública brasileira.
Em 1974, os militares e seus acólitos, reunidos no partido civil que lhes dava sustentação – ARE-
NA –, foram derrotados nas eleições daquele ano.
Em 1979, o General Figueiredo acelerou a pacificação com a Lei de Anistia, permitindo o retor-
no dos exilados políticos que se encontravam no exterior. Na série de eleições, ocorridas entre
1980 e 1984, o regime se enfraqueceu ainda mais, permitindo que os candidatos do partido de
oposição – o MDB – assumissem a chefia de prefeituras e governos estaduais.

República redemocratizada
Numa última tentativa de manter o poder, o regime criou o Colégio Eleitoral no qual tinha su-
perioridade de votos e poderia eleger um presidente da República da sua confiança. Venceu
as convenções da ARENA Paulo Maluf que, no imaginário popular, estava associado às práticas
corruptoras. Foi então que as oposições coligadas (o pluralismo foi autorizado em 1980) resol-
veram sair às ruas conclamando o povo a favor da eleição direta para a presidência da Repúbli-
ca. Praticamente durante todo o ano de 1984, o país se encontrou mobilizado a favor das "Di-
retas Já", emenda proposta pelo deputado Dante de Oliveira e que foi rejeitada pelo Congresso

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Nacional, constrangido por leis de emergência. As oposições tomaram a decisão de participar
do Colégio Eleitoral com candidato próprio, apostando na corrosão do regime provocada pela
candidatura Maluf. Em janeiro de 1985, foi eleito Tancredo Neves, responsável pela transição
pacífica para o regime democrático. A morte de Tancredo Neves, em abril de 1985, fez com que
seu sucessor fosse o vice-presidente José Sarney, egresso do partido de sustentação do regime
militar. Esse período de transição foi marcado pelo Plano Cruzado do Ministro da Fazenda Dil-
son Funaro, pela vitória do PMDB nas eleições de novembro de 1986 e pela aprovação da nova
Carta Constitucional, orquestrada pelo deputado Ulysses Guimarães e promulgada em outubro
de 1988, considerada a mais avançada constituição da história republicana no Brasil.

Modificações sociais e culturais na República


Poucas sociedades do mundo atual sofreram tão profundas modificações como a sociedade
brasileira. Não devemos esquecer que há pouco mais de cem anos existia a escravidão no Bra-
sil. As terras eram ocupadas por imensos latifúndios controlados por poderosos fazendeiros
que detinham todas as instâncias da autoridade. O sistema patriarcal era o dominante, haven-
do uma absoluta e vertical obediência ao chefe clânico, materializado, na política, pela figura
do coronel.
A Igreja Católica era poderosíssima e exercia sem freios o controle da vida moral e cultural do
país. Essa sociedade trazia em si profunda aversão ao trabalho manual, à máquina e às coisas
modernas de uma forma geral.
A partir de 1930, esse perfil socioeconômico começou a ser alterado. Surgiu a consciência da
necessidade de industrializar o Brasil. Uma imensa siderurgia – a de Volta Redonda – foi cons-
truída e inaugurada em 1945.
São Paulo tornou-se um dinâmico centro industrial, um dos maiores do mundo, atraindo capi-
tais e mão de obra de todas as partes. A estrutura familiar alterou-se com a industrialização e
a urbanização. A casa grande da fazenda deu lugar ao moderno arranha-céu e ao edifício co-
mercial. Uma imensa classe operária concentrou-se nas periferias das grandes cidades. Neste
século, a população aumentou mais de dez vezes e nossos recursos agrícolas, industriais e co-
merciais projetaram o Brasil como a oitava potência econômica do mundo capitalista.
Hoje, mais de 70% dos brasileiros vivem nas cidades, especialmente nas grandes capitais dos
Estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul.
Grande parte da riqueza brasileira vem do seu amplo parque industrial, que produz pratica-
mente todos os artigos de uma moderna sociedade de consumo de massa, e de uma agricultu-
ra em fase de intensa mecanização voltada para a exportação.

Teorias das Formas e dos Sistemas de Governo

As formas de governo são a maneira como os órgãos fundamentais do Estado se formam, assim
como seus poderes e relações; ou seja, designa a organização política do Estado ou o conjunto
de indivíduos a quem é confiado o exercício dos poderes públicos. A palavra governo é vulgar-
mente conhecida como Poder Executivo, ele pode ser subdividido em:

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Quanto a sua origem


Governo de Direito: é aquele que foi constituído de acordo com a lei fundamental do Estado,
sendo, por isso, considerado como legítimo perante a consciência jurídica da nação.
Governo de Fato: é aquele implantado ou mantido por via de fraude ou violência.

Quanto a seu desenvolvimento


Governo Legal: é aquele que, seja qual for sua origem, desenvolve-se em estrita conformidade
com as normas vigentes de Direito Positivo, subordina-se aos preceitos jurídicos como condi-
ção de harmonia e equilíbrio social.
Governo Despótico: ao contrário do governo legal, é constituído por interesses pessoais, uma
vez que se conduz pelo arbítrio dos detentores eventuais do poder.

Quanto a extensão do poder


Governo Constitucional: é aquele formado pela Constituição e assegura aos cidadãos os seus
direitos.
Governo Absolutista: é aquele que concentra todos os poderes em um só órgão. O regime ab-
solutista tem suas raízes nas Monarquias de Direito Divino e se explica pela máxima do cesaris-
mo romano, em que a vontade do príncipe era fonte de lei.
Esse assunto mereceu a atenção de diversos estudiosos, entre eles temos, inicialmente, Platão,
em sua obra “A República”, na qual faz referência ao tema, e também podemos percebê-lo na
famosa Classificação de Aristóteles.
Com o passar dos anos, houve inúmeras classificações quanto às formas de governo, que desta-
caremos a seguir no tópico de desenvolvimento.

Desenvolvimento das formas de governo

Classificação de Aristóteles
É a primeira de todas as classificações, sendo recordada por muitos estudiosos até hoje.
Com base em observações quanto à organização dos Estados Gregos e inspirada em um concei-
to ético e político, Aristóteles dividiu em três formas:
•• Monarquia: poder centrado em uma pessoa física.
•• Aristocracia: poder no qual o Estado é governado por um pequeno grupo de pessoas físi-
cas.
•• Democracia ou Politeia: governo de uma maioria.

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Essas três formas eram consideradas puras, perfeitas ou normais por Aristóteles, porque visam
o bem de uma coletividade; entretanto, a Democracia, em particular, era tida por ele como a
melhor forma de governo, uma vez que a população possui uma participação mais ativa.
Em oposição às formas puras de governo, temos as formas impuras, corruptas ou imperfeitas,
por serem distorções das formas perfeitas. Já que seu objetivo é, primeiramente, os interesses
dos governantes em detrimento dos anseios de todos os demais, são chamadas de:
•• Tirania: forma distorcida de Monarquia.
•• Oligarquia: forma impura de Aristocracia.
•• Demagogia ou Oclocracia: que é a corrupção da Democracia.

Classificação mista de Políbio


Baseado em estudos das instituições políticas da Roma republicana, Políbio criou uma nova
classificação das formas de governo em que se fundem as três hipóteses aristotélicas. Segundo
ele, era essa fusão harmônica da Monarquia representada pelos cônsules, da Aristocracia pelo
Senado e da Democracia pelo tribuno é que resultava no equilíbrio político-administrativo do
povo romano.
Entre os seguidores dessa teoria estão: Cícero, Tácito e Dante, que acreditavam em um só Esta-
do unido politicamente, porém dando liberdade à comunidade.
Até o momento, as classificações eram distorções ou modificações da teoria aristotélica, quan-
do a doutrina moderna passou a ganhar movimento com Nicolau Maquiavel em sua consagra-
da obra “O Príncipe”.

Classificação de Kelsen
Para Kelsen as formas de governo podem ser divididas em:
Governos Democráticos: caracterizados pela participação do povo na formação e criação das
normas de direito.
Governos Autocráticos: caracterizados pela falta de participação popular.
"As formas de governo são formas de vida do Estado, revelam o caráter coletivo do seu elemen-
to humano, representam a reação psicológica da sociedade às diversas e complexas influên-
cias de natureza moral, intelectual, geográfica, econômica e política através da história." (Darcy
Azambuja)
Configura-se uma enorme discussão entre formas de governo e formas de estado. Os alemães
denominam forma de estado aquilo que os franceses conhecem como forma de governo.
Como forma de estado, tem-se a unidade dos ordenamentos estatais; a sociedade de Estados
(o Estado Federal, a Confederação, etc.) e o Estado simples ou Estado unitário.
Como forma de governo, tem-se a organização e o funcionamento do poder estatal, consoante
aos critérios adotados para a determinação de sua natureza. Os critérios são: a) o número de

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titulares do poder soberano; b) a separação de poderes e suas relações; c) os princípios essen-


ciais que animam as práticas governativas e o exercício limitado ou absoluto do poder estatal.
O primeiro critério tem o prestígio do nome de Aristóteles e sua afamada classificação das for-
mas de governo. Os dois últimos são mais recentes e demonstram a compreensão contemporâ-
nea do processo governativo e sua institucionalização social.

As concepções históricas das Formas de Governo


A mais antiga e célebre concepção das formas de governo é, inexoravelmente, a concebida por
Aristóteles. Em seu livro "Política", expõe a base e o critério que adotou: "Pois que as palavras
constituição e governo significam a mesma coisa, pois o governo é a autoridade suprema nos
Estados, e que necessariamente essa autoridade deve estar na mão de um só, de vários, ou
da multidão, segue-se que quando um só, vários ou a multidão usam da autoridade tendo em
vista o interesse geral, a constituição é pura e sã; e que, se o governo tem em vista o interesse
particular de um só, de vários ou da multidão, a constituição é impura e corrompida."
Aristóteles adota, pois, uma classificação dupla. A primeira divide as formas de governo em
puras e impuras, conforme a autoridade exercida. A base dessa classificação é, portanto, moral
ou política.
A segunda classificação é sob um critério numérico; de acordo com o governo, se ele está nas
mãos de um só, de vários homens ou de todo povo.
Ao combinar o critério moral e numérico, Aristóteles obteve:
Formas Puras:
MONARQUIA: governo de um só
ARISTOCRACIA: governo de vários
DEMOCRACIA: governo do povo
Formas Impuras:
OLIGARQUIA: corrupção da aristocracia
DEMAGOGIA: corrupção da democracia
TIRANIA: corrupção da monarquia
Os escritores políticos romanos acolheram com reservas a classificação de Aristóteles. Alguns,
como Cícero, acrescentaram às formas de Aristóteles uma quarta: a forma mista de governo.
O governo misto aparece por redução dos poderes da monarquia, da aristocracia e da demo-
cracia, mediante determinadas instituições políticas, tais como um Senado aristocrático ou
uma Câmara democrática.
Como forma de exemplificação tem-se a Inglaterra, na qual o quadro político combina três ele-
mentos institucionais: a Coroa monárquica, a Câmara aristocrática e Câmara democrática ou
popular; tendo assim um governo misto exercido pelo "Rei e seu Parlamento".

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De Aristóteles a Cícero, passemos a Maquiavel, o secretário florentino, que se imortalizou na
ciência política com o livro "O Príncipe" no qual ele afirmava que "todos os Estados, todos os
domínios que exerceram e exercem poder sobre homens, foram e são, ou Repúblicas ou princi-
pados."
Com essa afirmação, Maquiavel classifica as formas de governo com somente duas vertentes:
República e Monarquia.
De Maquiavel vamos para Montesquieu, cuja classificação é a mais afamada dos tempos mo-
dernos. Montesquieu distingue três espécies de governo: República, Monarquia e Despotismo;
em várias passagens de seu livro “Do Espírito das leis”, ele procura achar um fundamento moral
que caracterize as três formas clássicas. Segundo ele, a característica da democracia é o amor
à pátria e à igualdade; da monarquia é a honra; e da aristocracia é a moderação. A república
compreende a democracia e a aristocracia.
Das classificações de formas de governo aparecidas modernamente, depois da de Montes-
quieu, é de ressaltar a de autoria do jurista alemão Bluntschli, que distinguiu as formas funda-
mentais ou primárias das formas secundárias de governo.
Como se vê, Bluntschli enumera as formas de governo, à luz de Aristóteles, acrescentando, po-
rém, uma quarta: a ideologia ou teocracia, em que o poder é exercido por "Deus".
Rodolphe Laun, professor da universidade de Hamburgo, em seu livro “La Démocratie”, fornece
uma classificação que permite distinguir quase todas as formas de governo, classificando-as
quanto à origem, à organização e ao exercício.
Quanto à origem – Governos de dominação
•• Governos democráticos ou populares
Quanto à Organização – Governos de Direito -> Eleição -> Hereditariedade
•• Governos de fato
Quanto ao Exercício – Constitucionais
•• Absolutos
A ideia de governo se entrelaça com a de regime e ideologia dominante. Mediante as ideias é
que se irá explicar as formas de governo, sendo que esta faz-se secundária e o que realmente
deve importar são as ideologias trazidas para os governos, procurando-se então aquilatá-los.

O Despotismo Esclarecido
Estimulados pelos filósofos, numerosos príncipes procuram pôr em prática as novas ideias, go-
vernando de acordo com a razão e segundo os interesses do povo, mas sem abandonar o poder
absoluto. Essa aliança de princípios filosóficos e poder monárquico deu origem a um regime de
governo típico do século XVIII, o despotismo esclarecido.
Seus representantes mais destacados foram Frederico II, rei da Prússia; Catarina II, czarina da
Rússia; José II, imperador da Áustria; Pombal, ministro de Portugal; e Aranda, ministro da Espa-
nha.

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Na Prússia, Frederico II, discípulo de Voltaire e indiferente à religião, deu ao povo liberdade de
culto. Estimulou o ensino básico, tornando a instrução primária obrigatória para todos. Apesar
de nessa época os jesuítas estarem sendo expulsos de quase todos os países da Europa (por
causa das suas ligações com o Papado), Frederico II atraiu-os para a Prússia, visando aproveitar
suas qualidades de educadores. A tortura foi abolida e um novo código de justiça foi organiza-
do. O rei exigia obediência total às suas ordens, mas dava plena liberdade de expressão. Pro-
curou estimular a economia prussiana, adotando medidas protecionistas, embora isso fosse
contrário às ideias iluministas. Preservou a ordem social existente – a Prússia permaneceu um
Estado feudal, com servos sujeitos à classe dominante (dos proprietários).
O Estado no qual se fez mais propaganda das ideias novas e onde elas foram menos executadas
foi a Rússia. Catarina II atraiu os filósofos franceses à sua corte e manteve com eles corres-
pondência regular; esses filósofos, porém, serviam-lhe apenas de instrumento, pois ela muito
prometeu e quase nada realizou de prático. A imperatriz deu ao povo liberdade religiosa e pre-
ocupou-se em desenvolver a educação das altas classes sociais, que foram polidas e "afrance-
sadas" nos seus usos e costumes. A situação dos servos foi agravada: não só a servidão foi man-
tida como os direitos dos proprietários sobre os servos da terra foram aumentados, chegando
inclusive ao direito de condenação à morte.
José II da Áustria foi exemplo típico do déspota esclarecido. Fez numerosas reformas ditadas
pela razão: aboliu a servidão, deu igualdades a todos perante a lei e os impostos, uniformizou a
administração do Império, deu liberdade de culto e direito de emprego aos não católicos. Foi o
único que aplicou realmente as ideias propostas pelos filósofos iluministas.
Na Espanha, o Ministro Aranda pôs em execução uma série de reformas: o comércio foi libera-
do internamente, a indústria de luxo e de tecidos de algodão foi estimulada e a administração
foi dinamizada com a criação dos intendentes, que fortaleceram o poder do Rei Carlos III.
Em Portugal, o Marquês de Pombal, ministro de Dom José I, fez importantes reformas. Durante
seu governo, a indústria cresceu, o comércio passou a ser controlado por companhias que deti-
nham o monopólio comercial nas regiões coloniais, a agricultura foi estimulada e a nobreza e o
clero foram perseguidos a fim de fortalecer o poder real.

Democracia e Aristocracia
Democracia é uma forma de governo na qual o povo escolhe seus representantes, esses agem
de acordo com os interesses da população. Porém, mesmo tendo o poder de usar da decisão,
mecanismo político, para escolher as ações públicas que deseja que o governo empreenda, o
povo não sabe "de onde veio, nem para que serve a democracia". Junto aos seus governantes,
desconhece o poder que tem nas mãos e, com isso, deixa-se ser governado conforme interes-
ses de alguns. A população não sabe que a democracia é uma forma de governo "do povo para
o povo". Ou seja, o poder emana da população, para atuar de forma justa de acordo com os
interesses desta.
Existe uma bifurcação histórica que define a democracia como:
•• Democracia Antiga;
•• Democracia Moderna.

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O primeiro momento da democracia na história, democracia na antiguidade, foi em Atenas,
onde o governo do povo era regido por uma assembleia da qual apenas os cidadãos atenienses
faziam parte, ou seja, apenas os homens livres nascidos em Atenas, ficando de fora os escravos,
os estrangeiros e a mulheres. Caracterizando-se assim uma "falsa Democracia".
A Democracia Moderna, por sua vez, divide-se também em duas:
•• Parlamentarismo;
•• Presidencialismo.
O Presidencialismo é uma forma de poder governamental baseada em um Presidente (pessoa
física eleita em votação direta ou indireta), e o Parlamentarismo é uma forma de poder gover-
namental baseada em um Parlamento (representante direto do povo, no qual segmentos da
sociedade são representados de forma unilateral).
Como exemplo de Presidencialismo e Parlamentarismo temos o Brasil, que participou, no seu
processo histórico, dessas duas estruturas governamentais. Quando, por exemplo, Jânio Qua-
dros renunciou ao poder, foi instalado o Parlamentarismo, tendo figuras representativas como
integrantes dessa estrutura, tivemos Tancredo Neves e Ulisses Guimarães como representantes
cruciais do regime parlamentar. Retornando ao Presidencialismo com a posse de Jango.
Como outra forma de governo, temos a Aristocracia, que é governo de um pequeno número. A
classe social que detém o poder político por título de nobreza ou de riqueza. Na classificação de
Aristóteles, que associava ao critério qualitativo o critério quantitativo, o termo seria aplicado
unicamente aos governos constituídos de um pequeno número de cidadãos virtuosos. Era a
forma ideal de governo, preferida pelos filósofos políticos da antiguidade. Distinguia-se da De-
mocracia, pela quantidade. Historicamente, porém, as formas da Aristocracia afastaram-se do
padrão clássico, passando a identificar-se com a forma Aristotélica da Oligarquia, em que um
pequeno número de dirigentes privilegiados usufrui o poder em benefício próprio. Entretanto,
como governo dos melhores e mais aptos, aristocracia não é, em si mesma, incompatível com
os ideais da democracia representativa. Na Democracia indireta, o Governo é sempre exercido
por uns poucos. A questão fundamental não reside, assim, na quantidade de dirigentes, mas na
sua representatividade, o que depende, essencialmente, do processo de sua escolha. Na socie-
dade onde esse processo é eficaz, a ascensão de uma elite não macula o caráter democrático
das instituições.
Concluindo, com uma interpretação absolutamente democrática, poderíamos dizer que o po-
der reside em cada indivíduo que compõe o corpo social, que participa de um contrato para
constituição de uma sociedade política, estabelecendo seus fins, seus órgãos de direção, com
suas atribuições, formas de escolha e responsabilidades bem definidas. Acredito que, hoje, só
a partir desses postulados, pode-se ter uma discussão realista e concreta de questões constitu-
cionais.

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Em resumo

República:
Caracterizada pela temporalidade do poder e seu exercício é atribuído ao povo. Outra caracte-
rística marcante é que ninguém ocupa o maior cargo de uma República se não for através de
eleições, portanto está intrinsecamente ligada a um partido ou a uma coligação de partidos
políticos.
A República pode ser subdividida em:
•• República Direta: em que a população exerce diretamente as funções do Estado.
Exemplo.: Cantões da Suíça, nos quais a população se reúne em assembleia ou, indiretamente,
em que a comunidade elege seus representantes.
•• República Presidencial: em que o presidente ocupa a função de Chefe de Estado e Chefe de
Governo.
•• República Parlamentar: em que as funções são divididas, ficando o presidente com a fun-
ção de Chefe de Estado e o Conselho de Ministros com a chefia de governo.

Monarquia:
É marcada pela vitaliciedade do poder, que é confiado a uma pessoa física, no caso monarca ou
rei, o qual está no cargo não pelo consenso da coletividade, mas por razões históricas tradicio-
nais, por esse motivo o monarca está desvinculado de partidos ou coligações políticas.
A Monarquia pode ser subdividida em:
•• Monarquia Absoluta: o poder está centrado nas mãos do rei e sujeito a suas arbitrarieda-
des.
•• Monarquia de Estamentos (ou de Braços): é aquela em que o rei descentraliza certas fun-
ções, que são delegadas a elementos da nobreza reunidos em cortes, ou órgãos semelhan-
tes que funcionam como desdobramentos do poder real. Forma de governo antiga, típica
da Monarquia feudal.
Exemplo: Suécia até 1918.
•• Monarquia Constitucional: é aquela em que o rei só exerce função do Poder Executivo ao
lado dos Poderes Legislativo e Judiciário, nos termos de uma Constituição escrita.
Exemplo: Bélgica, Holanda, Suécia, Brasil Império.
•• Monarquia Parlamentar: é aquela em que o rei não exerce função de governo – o rei reina,
mas não governa – segundo a fórmula dos ingleses, o Poder Executivo é exercido por um
Conselho de Ministros, responsável perante o Parlamento, ao rei se atribui um quarto po-
der – Poder Moderador – com ascendência moral sobre o povo e sobre os próprios órgãos
governamentais, um símbolo vivo da nação, porém sem participação no funcionamento da
máquina estatal.

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CONCEITO GERAL DE REPÚBLICA
República: regime político em que o chefe do Estado é eleito, direta ou indiretamente. O po-
der pode ser concentrado em sua pessoa ou caber a uma Assembleia o papel preponderante;
entretanto, é preciso observar que a forma republicana de governo não precisa ser fatalmente
democrática.
As principais formas de governo republicano são: a república aristocrática, na qual a participa-
ção no poder é limitada a uma classe (regime de Veneza e da Polônia até o fim do séc. XVIII,
hoje extinto); a república presidencialista, na qual o poder fica com um presidente eleito (EUA e
países da América Latina e Constituição napoleônica de 1800); a república parlamentarista, na
qual o poder do Parlamento é limitado por forte autoridade do chefe do Estado (Constituição
alemã de Weimar, 1919, V República na França, 1958); e o regime colegiado, na qual o poder
fica com um Conselho, eleito pela Assembleia a curto prazo (Suíça, Uruguai).
Assim como as repúblicas de Veneza e Polônia não podem ser comparadas às repúblicas mo-
dernas, também eram repúblicas de estilo político diferente as de Atenas (democracia direta) e
Roma (república aristocrática, dirigida pelo Senado).
A primeira república moderna foram os EUA, que adotaram, em 1787, Constituição presiden-
cialista, sendo seguidos pelos países da América espanhola e, no ano de 1889, pelo Brasil.
Tipos de República:
•• República Aristocrática: é aquela na qual exerce o governo uma representação na mino-
ria imperante, que por algum motivo (cultura, patriotismo, riqueza, etc.) é considerada a
mais notável. Esse regime republicano afasta-se da representação popular, aproximando-
-se mais da ditadura e constituindo uma oligarquia. Foi posto em prática em Esparta, Ate-
nas e Roma, onde poderes eram conferidos aos governantes, embora, temporariamente,
havia eleição.
•• República Democrática: é a república em que o poder, em esferas essenciais do Estado, per-
tence ao povo ou a um Parlamento que o represente. A república democrática decorre, as-
sim, do princípio da soberania popular. O povo é aqui o partícipe principal dos poderes do
Estado. Mas só parte da cidadania provoca, sem dúvida, seleção do corpo de eleitores. E a
qualidade de cidadão, que depende de vários requisitos e que varia segundo as legislações,
restringe consideravelmente a massa votante. Além disso, se todos os cidadãos gozam de
iguais direitos políticos, poucos são os que governam realmente, sobretudo onde, por força
da divisão partidária, nem mesmo a maioria absoluta chega a governar. Oriundas do siste-
ma de ideias da Reforma e das lutas constitucionais americanas e francesas, alastraram-se
as repúblicas democráticas no mundo moderno, ganhando cada vez maior extensão. Den-
tre elas, podemos distinguir:
a) Democracias Diretas – Nessas formas, o povo, diretamente, examina e decide o que se põe
em votação. Nas assembleias populares, reside a soberania do Estado.
b) Democracias Indiretas ou Representativas – Nessas formas, os poderes públicos são inte-
grados por órgãos representantes do povo. A separação de poderes pode aqui funcionar
melhor que nas monarquias constitucionais, em que há dois órgãos supremos – rei e povo

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–, não se achando tão exposto o regime à intervenção pessoal do chefe do governo quanto
na monarquia.
•• República Federal: é a que apresenta duas esferas de direito público, a provincial e a nacio-
nal. Por exemplo: os EUA, o Brasil, a Argentina, a Venezuela, a Suíça... A URSS é também,
talvez, um Estado Federal (sui generis).
•• República Federativa: é a república em que se inserem, obviamente, princípios descentra-
lizadores. A República Federativa do Brasil, aludida pela Emenda Constitucional nº 1, de
17/10/1969, deu ao Estado federal brasileiro, tanto pelo espírito como pela terra expressa
da Constituição, então aprovada, uma natural ênfase ao governo central, dentro da ten-
dência atual de fortalecimento, no mundo, do Estado federal contemporâneo.
•• República Oligárquica: é a república governada por um pequeno grupo de pessoas inte-
grantes da mesma família, classe ou grupo, permanecendo o poder nas mãos desses pou-
cos.
•• República Parlamentar: é a república de feição parlamentarista. Seu exemplo clássico é o
da França, após o período libertário da Revolução. Sob a Segunda República, conheceu a
França o governo parlamentar, de incentivo e aperfeiçoamento. Da República Francesa, o
parlamentarismo irradiou-se para inúmeras outras repúblicas, que passaram a adotar o re-
gime parlamentar.
•• República Popular: é a que visa a estabelecer a ditadura do proletariado, na base da revo-
lução comunista. Enquanto a República Popular da Albânia se mantém fiel ao stalinismo e
vê com bons olhos a intransigência revolucionária da China, a República Popular da Polônia
ostenta maior influência das democracias ocidentais. Apesar de “a política do Estado de
democracia popular ter por fim a liquidação da exploração do homem e a edificação do
socialismo”, como proclamam a Constituição da República Popular romena de 1952 e a da
República Socialista Tchecoslováquia, ao lado da propriedade social dos meios de produ-
ção, constituída pelo Estado e peças de propriedades cooperativas, admite a propriedade
pessoal das casas, dos jardins, familiares, etc.
•• República Presidencial: é o tipo de república que pode ser encarada como adaptação da
monarquia ao governo republicano, porque dá indiscutível prestígio e poder ao presidente
da República. Dentro do sistema, o presidente, eleito direta ou indiretamente pelo voto,
passa a ficar, quanto à origem, em pé de igualdade com o Congresso. Irrevogável em seu
mandato, é ele que imprime pessoalmente orientação à política. Dentro de suas prerroga-
tivas, de preeminência incomparável, é um verdadeiro ditador em estado latente, a impor
sempre ao governo a sua própria personalidade.
•• República Teocrática: a expressão república teocrática é imprópria, uma vez que a teocra-
cia é uma forma de governo exercida em nome de uma entidade sobrenatural e, por isso,
desempenhada por sacerdotes que representam deuses ou um Deus na terra. A teocracia
designa o Estado em que Deus é considerado como o verdadeiro soberano e as leis funda-
mentais como mandamentos divinos, sendo a soberania exercida por homens relacionados
diretamente com Deus: profetas, sacerdotes ou reis, considerados como representantes
diretos da divindade.
•• República Unitária: é a república que se subordina a uma só esfera de direito público. Por
exemplo: França, Portugal... Pode-se, assim, distinguir uma república unitária de outra,

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composta ou complexa, pelo fato de se apresentar simples em sua estrutura. A república
que é o resultado da íntima união de vários ordenamentos jurídicos estatais dá lugar ao
Estado de Estados ou à República Federal. A república unitária tem uma estrutura interna
que a tipifica: integra-se por um único centro decisório constituinte e legislativo; um único
centro de impulsão política; e um só conjunto de instituições de governo. A denominação
de república simples ou unitária explica-se por ser o poder dessa forma política uno em sua
estrutura, em seu elemento humano e em seus limites territoriais. Enquanto a república
monocrática pressupõe concentração de poder em uma ou em poucas mãos, a república
unitária não é incompatível com a separação de poderes e com a existência mesmo de uma
pluralidade de órgãos. A república autocrática nada tem que ver com a simplicidade ou
complexidade do Estado, o que lhe interessa é a extensão do poder sobre os indivíduos e a
coletividade. A república unitária centralizada corporificou-se com a Revolução Francesa. A
unidade e a indivisibilidade da nação soberana importaram, certamente, no cancelamento
dos corpos intermediários.

CONCEITO GERAL DE MONARQUIA


A Monarquia é a forma típica de governo de indivíduos, portanto o poder supremo está nas
mãos de uma só pessoa física, o Monarca ou o Rei.
A Monarquia é uma forma de governo que já foi adotada, há muitos séculos, por quase to-
dos os Estados do mundo. Com o passar dos séculos, ela foi gradativamente enfraquecida e
abandonada. Quando nasceu o Estado Moderno, a necessidade de governos fortes favoreceu o
ressurgimento da Monarquia, não sujeita a limitações jurídicas, em que apareceu a Monarquia
Absoluta. Aos poucos, foi crescendo a resistência ao Absolutismo e, já a partir do final do sécu-
lo XVIII, surgiram as Monarquias Constitucionais. O rei continuava governando, mas estava su-
jeito a limitações jurídicas, estabelecidas na Constituição, surgiu ainda outra limitação ao poder
do Monarca, com a adoção do parlamentarismo pelos Estados Monárquicos, assim o Monarca
não mais governava, mantendo-se apenas como chefe do Estado, tendo somente as atribuições
de representação, não de governo, pois o mesmo passou a ser exercido por um gabinete de
Ministros.
A antiga noção de Monarquia afirmava que o poder do Monarca era absoluto. Por vezes, afir-
mava que o Monarca era responsável somente perante Deus. Doutrina essa que ficou conheci-
da como “Direito Divino”.
A forma Monárquica não se refere apenas aos soberanos coroados, nela se enquadram os con-
sulados e as ditaduras (governo de uma só pessoa).
Características da Monarquia:
Vitaliciedade: o monarca tem o poder de governar enquanto viver ou enquanto tiver condições
para continuar governando.
Hereditariedade: quando o monarca morre ou deixa o governo por qualquer outra razão é ime-
diatamente substituído pelo herdeiro da Coroa.
Irresponsabilidade: o rei não tem responsabilidade política, não deve explicações ao povo ou a
qualquer órgão.

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CONCLUSÃO
Sendo vitalícia e hereditária, a função de monarca está acima das disputas políticas, é um fator
de unidade do Estado, pois todas as correntes políticas têm ele como um elemento superior,
comum.
Com a Monarquia sendo o ponto de encontro das correntes políticas e estando à margem das
disputas, o monarca assegura a estabilidade das instituições.
O monarca é alguém que recebe, desde o nascimento, uma educação especial preparando-o
para governar, não ocorrendo, assim, o risco de governantes despreparados.
Se o monarca não governa, torna-se uma inutilidade, que sacrifica o povo sem qualquer provei-
to.
A Monarquia é essencialmente antidemocrática, uma vez que não assegura ao povo o direito
de escolher seu governante, desaparecendo a supremacia da vontade popular, que deve ser
mantida permanentemente nos governos democráticos.
O que nos mostra a realidade é que a Monarquia vem perdendo adeptos e desaparecendo
como forma de governo, havendo atualmente, no mundo todo, cerca de 20 Estados com gover-
nos monárquicos, como exemplo: Inglaterra, Noruega, Dinamarca, entre outros.
Portanto...
A República tem maiores adeptos numa visão globalizada, porém isso não significa que seja
melhor ou pior, e sim mais usual atualmente, pois na forma de República temos também diver-
sos fatores negativos como também positivos, conforme contempla a pesquisa.
Podemos afirmar com a apresentação desta pesquisa sobre as Formas de Governo que, em
diferentes partes do mundo, os Estados se adaptam às diferentes formas de governo, uns com
sucesso e outros nem tanto, portanto fica difícil concluir qual é a mais adequada ou eficiente,
pois em diferentes épocas um mesmo Estado passou por várias formas de governar e, mesmo
assim, obteve êxito em suas diferentes gestões. Essa questão nos mostra que existe sempre a
busca pela melhor forma de governo.
Existem vários exemplos de formas de governo republicano que prosperaram ao longo da his-
tória da humanidade, assim como também de formas de governo monárquico.
Todas as formas de governo almejam uma sociedade bem organizada, que ame a sua pátria e
que esteja satisfeita com a manifestação do exercício do poder público à qual está subordinada.
As formas de governo estão ligadas com a cultura de cada povo, por essa razão se formam di-
versos segmentos. A forma de governar se define como uma modalidade de organização do po-
der político, em que são representadas as diversas influências da natureza moral, psicológica,
intelectual, geográfica e político-econômica, que mudam conforme as necessidades sociais do
local, historicamente, renovam-se com o surgimento de novos imigrantes, novos ideais, enfim,
com a mudança natural do ciclo de vida ao qual todos estamos sujeitos.

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Sistema de Governo
Em ciência política, o sistema de governo é a maneira pela qual o poder político é dividido e
exercido no âmbito de um Estado. O sistema de governo varia de acordo com o grau de separa-
ção dos poderes, indo desde a separação estrita entre os Poderes Legislativo e Executivo (pre-
sidencialismo), de que é exemplo o sistema de governo dos Estados Unidos da América, até a
dependência completa do governo junto ao Legislativo (parlamentarismo), caso do sistema de
governo do Reino Unido.
O sistema de governo adotado por um Estado não deve ser confundido com a sua forma de Es-
tado (Estado unitário ou federal) ou com a sua forma de governo (monarquia, república, etc.).

Monarquia Parlamentarista
Uma monarquia constitucional ou monarquia parlamentarista é um tipo de regime político que
reconhece um monarca eleito ou hereditário como chefe do Estado, mas em que uma consti-
tuição (série de leis fundamentais) limita os poderes do monarca.
A chefia de Estado é exercida por um monarca; a chefia de Governo por um primeiro-ministro
ou pelo presidente do Conselho de Ministros, a ele cabendo o verdadeiro encargo do Poder
Executivo e a direção das políticas interna e externa do país, além da administração civil e mi-
litar, de acordo com as leis e a Constituição nacionais. Existe, também, um Poder Moderador
chefiado pelo monarca.
As monarquias constitucionais modernas obedecem, frequentemente, a um sistema de separa-
ção de poderes, e o monarca é o chefe (simbólico) do Poder Executivo.

República Parlamentarista
República parlamentarista é uma forma de governo republicano organizada sob um sistema
parlamentarista de governo.
Em contraste a uma república presidencialista, o chefe de Estado normalmente não tem amplas
atribuições executivas, pois grande parte desses poderes é exercido pelo "chefe de Governo"
(usualmente denominado primeiro-ministro).

Presidencialismo
O presidencialismo é um sistema de governo no qual o Presidente da República é chefe de
governo e chefe de Estado. Como chefe de Estado, é ele quem escolhe os chefes dos grandes
departamentos ou ministérios. Juridicamente, o presidencialismo se caracteriza pela separação
dos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo.

Parlamentarismo
Parlamentarismo é um sistema de governo em que o Poder Legislativo (Parlamento) oferece a
sustentação política (apoio direito ou indireto) para o Poder Executivo. Logo, o Poder Executivo

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necessita do poder do Parlamento para ser formado e também para governar. No parlamenta-
rismo, o Poder Executivo é, geralmente, exercido por um primeiro-ministro (chanceler).
A vantagem do sistema parlamentarista sobre o presidencialista é que o primeiro é mais flexí-
vel. Em caso de crise política, por exemplo, o primeiro-ministro pode ser trocado com rapidez e
o parlamento pode ser destituído. No caso do presidencialismo, o presidente cumpre seu man-
dato até o fim, mesmo havendo crises políticas.
O parlamentarismo pode se apresentar de duas formas. Nas repúblicas parlamentaristas, o
chefe de Estado (com poder de governar) é um presidente eleito pelo povo e nomeado pelo
Parlamento por tempo determinado. Nas monarquias parlamentaristas, o chefe de governo é
o monarca (rei), que assume de forma hereditária. Nesse último caso, o chefe de Estado (que
governa de fato) é um primeiro-ministro, também chamado de chanceler.
O sistema parlamentarista tem origem na Inglaterra medieval. No final do século XIII, nobres
ingleses passaram a exigir maior participação política no governo, comandado por um monar-
ca. Em 1295, o rei Eduardo I tornou oficiais as reuniões (assembleias) dos representantes dos
nobres. Era o berço do parlamentarismo inglês.
Países parlamentaristas na atualidade: Canadá, Inglaterra, Suécia, Itália, Alemanha, Portugal,
Holanda, Noruega, Finlândia, Islândia, Bélgica, Armênia, Espanha, Japão, Austrália, Índia, Tai-
lândia, República Popular da China, Grécia, Estônia, Egito, Israel, Polônia, Sérvia e Turquia.

Poder Legislativo
Poder Legislativo é aquele que tem num país a tarefa de legislar, ou seja, fazer as leis. No Brasil,
o Poder Legislativo é composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal.
Os estados brasileiros também possuem o Poder Legislativo (composto pelos deputados es-
taduais), assim como os municípios (composto pelos vereadores). Além de fazer as leis, cabe
aos integrantes do Poder Legislativo aprovar ou rejeitar as leis propostas pelo Poder Executivo,
fiscalizar, entre outras atribuições.
No Brasil, os integrantes desse poder são eleitos pelo povo, por meio de eleições diretas.

Poder Executivo
O Poder Executivo tem a função de executar as leis já existentes e de implementar novas leis se-
gundo a necessidade do Estado e do povo. Em um país presidencialista como o Brasil, o Poder
Executivo é representado, em âmbito nacional, pelo presidente. Já em países parlamentaristas,
o poder fica dividido entre o primeiro-ministro, que chefia o governo, e o monarca, o qual ge-
ralmente é rei e assume a função de chefiar o estado, em algumas monarquias, o próprio mo-
narca assume as duas funções.
O Pode Executivo é organizado em três esferas, as quais são lideradas por um representante. A
esfera federal, a qual é representada pelo Presidente da República; a esfera estadual, represen-
tada pelo Governador; e a esfera municipal, que é representada pelo Prefeito. Em caso de al-
gum impedimento, esses representantes são substituídos pelo vice-presidente ou os ministros
de Estado, vice-governador ou secretários de Estado, e vice-prefeito ou secretários municipais.

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Congresso Nacional
O Congresso Nacional é o órgão constitucional que exerce, no âmbito federal, a função legis-
lativa e a fiscalizatória do Estado brasileiro, como funções típicas. Exerce, ainda, duas outras
funções atípicas: administrar e julgar.
O Congresso Nacional é bicameral, sendo composto por duas casas: o Senado Federal e a Câ-
mara dos Deputados. Isso ocorre em razão da forma de estado adotada pelo país: o federalis-
mo. Assim, o Senado Federal representa os Estados-membros e os seus integrantes são eleitos
pelo sistema majoritário. A Câmara dos Deputados representa o povo, sendo os seus membros
eleitos pelo sistema proporcional.
O Congresso reúne-se anualmente na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1 de
agosto a 22 de dezembro. Até a Emenda Constitucional nº 50 de fevereiro de 2006 (EC50/2006),
o período era de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1 de agosto a 15 de dezembro (Regimento
interno da Câmara dos Deputados).
Cada um desses períodos é chamado de período legislativo, sendo o ano conhecido como ses-
são legislativa ordinária. A legislatura é o período de quatro anos no qual o Congresso se reúne
que coincide com o mandato de deputado federal. Quando o Congresso é reunido fora dos
períodos legislativos é necessário ser feita uma convocação extraordinária, instalando-se a de-
nominada sessão legislativa extraordinária.
O presidente do Congresso Nacional é o presidente do Senado Federal, já que o presidente da
Câmara é o terceiro na sucessão presidencial.

Ditadura
Ditadura é o regime político em que o governante (ou grupo governante) não responde à lei, e/
ou não tem legitimidade conferida pela escolha popular.
Podem existir regimes ditatoriais de líder único (como os regimes provenientes do Nazismo, do
Fascismo e de alguns períodos da União Soviética) ou coletivos (como os vários regimes mili-
tares que ocorreram na América Latina durante o século XX e os demais períodos da história
soviética).
Não se deve confundir ditadura, o oposto de democracia, com totalitarismo, o oposto de libe-
ralismo. Diz-se que um governo é democrático quando é exercido com o consentimento dos
governados, e ditatorial, caso contrário. Diz-se que um governo é totalitário quando exerce
influência sobre amplos aspectos da vida dos governados (por exemplo, as regulamentações
sobre o corte de cabelo da Coréia do Norte) e liberal, caso contrário.
Ocorre, porém, que frequentemente, regimes totalitários exibem características ditatoriais, e
regimes ditatoriais, características totalitárias.
O estabelecimento de uma ditadura moderna normalmente se dá via um golpe de estado.

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Anexo:

Resumo do Livro Teoria das Formas de Governo de Norberto Bobbio


BOBBIO, Norberto. A Teoria das Formas de Governo; tradução Sérgio Bath. - Brasília: UnB, 1980

1 Uma Discussão Célebre


“(...) na discussão referida por Heródoto, na sua História (Livro III, pag. 80-82), entre três per-
sas- Otanes, Megabises e Dario - sobre a melhor forma de governo a adotar no seu país depois
da morte de Cambises.”
“(...) A passagem é verdadeiramente exemplar porque, como veremos, cada uma das três per-
sonagens defende uma das três formas de governo que poderíamos denominar de “clássicas”
- não só porque foram transmitidas pelos autores clássicos mas também porque se tornaram
categorias da reflexão política de todos os tempos (razão porque são clássicas mas igualmente
modernas). Essas três formas são: o governo de muitos, de poucos e de um só, ou seja, “demo-
cracia”, “aristocracia” e “monarquia”.”
“Otanes propôs entregar o poder (...): ‘minha opinião é que nenhum de nós deve ser feito mo-
narca’ (...). De que forma poderia não ser irregular o governo monárquico se o monarca pode
fazer o que quiser(...).”
"O governo do povo, porém, merece o mais belo dos nomes, ‘isotomia’; não faz nada do que
caracteriza o comportamento do monarca. Os cargos públicos são distribuídos pela sorte; os
magistrados precisam prestar contas do exercício do poder; todas as decisões estão sujeitas a
voto popular."
“Megabises, contudo, aconselhou a confiança no governo oligárquico: subscrevo o que disse
Otanes em defesa da abolição da monarquia; quanto à atribuição do poder ao povo, contudo,
seu conselho não é o mais sábio. A massa inepta é obtusa e prepotente; nisto nada se lhe com-
para. De nenhuma forma se deve tolerar que, para escapar da prepotência de um tirano, se
caia sob a da plebe desatinada. Tudo o que faz, o tirano faz conscientemente; mas o povo não
tem sequer a possibilidade de saber o que faz.”
“(...) quanto a nós, entregaríamos o poder a um grupo de homens escolhidos dentre os melho-
res - e estaríamos entre eles. É natural que as melhores decisões sejam tomadas pelos que são
melhores.”
“Em terceiro lugar, Dario manifestou sua opinião (...). Entre as três formas de governo, todas
elas consideradas no seu estado perfeito, isto é, entre a melhor democracia, a melhor oligar-
quia e a melhor monarquia, afirmo que a monarquia é superior a todas. Nada poderia parecer
melhor do que um só homem - o melhor de todos; com seu discernimento, governaria o povo
de modo irrepreensível; como ninguém mais, saberia manter seus objetivos políticos a salvo
dos adversários.”
“Numa oligarquia, é fácil que nasçam graves conflitos pessoais entre os que praticam a virtude
pelo bem público (...) Por outro lado, quando é o povo que governa, é impossível não haver cor-

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rupção na esfera dos negócios públicos, a qual não provoca inimizades, mas sim sólidas alianças
entre os malfeitores(...), até que alguém assume a defesa do povo e põe fim às suas tramas,
tomando-lhes o lugar na admiração popular;(...) torna-se monarca.”
O capítulo apresenta uma discussão clássica sobre três teorias políticas distintas, a democracia,
a oligarquia e a monarquia. A primeira parte do texto, muito bem escrito, leva o leitor a con-
cordar com Otanes e o governo do povo, os bons argumentos denigrem a monarquia e elevam
a democracia. Entretanto, logo após, Megabises encontra fortes motivos que levam o leitor a
concordar que a oligarquia realmente é a melhor opção de governo, dizendo que no governo
do povo, não existe consciência deste no que faz. Além disso, ataca a monarquia com argumen-
tos sobre a prepotência de um tirano no poder. Então Dario entra em cena e manifesta suas
palavras que deixam o leitor confuso sobre qual a verdadeira melhor opção. Os argumentos
voltam a ser convincentes, mas agora na defesa da monarquia. Dario diz que nada poderia ser
mais benéfico do que o melhor dos homens no comando. Ainda afirma que os conflitos de po-
der na oligarquia levam à monarquia e que no governo dos povos há a aliança de malfeitores.
Percebe-se ao final da leitura, que a intenção do autor foi realmente de deixar o leitor pensati-
vo e ponderar os prós e contras de cada um dos três tipos de governo. É uma leitura agradável e
pouco extensa, ideal para uma reflexão sobre formas organização política de um estado.

2 Platão
“Em várias das suas obras Platão (428-347 a.C.) fala das diversas modalidades de constituição.
(...) O diálogo de A República é, como todos sabem, uma descrição da república ideal, que tem
por objetivo a realização da justiça entendida como atribuição a cada um da obrigação que lhe
cabe, de acordo com as próprias aptidões. Consiste na composição harmônica e ordenada de
três categorias de homens – os governantes-filósofos, os guerreiros e os que se dedicam aos
trabalhos produtivos. Trata-se de um estado que nunca existiu em nenhum lugar.(...)”
“Todos os estados que realmente existem, os estados reais, são corrompidos – embora de
modo desigual. (...)”
Diferentemente do capítulo anterior, onde eram expostos os lados positivos e negativos dos as-
suntos, Platão sucede seqüenciais formas más, a constituição boa não entra na sucessão, ape-
sar de ela existir por si, como modelo. As quatro consituições corrompidas que Platão examina
são a timocracia, oligarquia, democracia e tirania. A novidade então para o leitor é a exposição
de uma forma de governo que até agora não havia aparecido no livro, a timocracia, que vem
de honra. Seria uma forma introduzida por Platão para designar a transição entre a consituição
ideal e as três formas ruins tradicionais. O exemplo dado pelo livro de governo timocrático é
Esparta, onde guerreiros eram honrados mais do que sábios.
Como já foi dito, para as representações tradicionais, há apenas um movimento descendente:
a timocracia é a degeneração da aristocracia, pressuposta forma perfeita e assim se segue a
degeneração. A pior forma seria a tirania, com a qual o processo degenerativo chega ao ponto
máximo.
“Cada um desses homens, que representa um tipo de classe dirigente, e portanto uma forma
de governo, é retratado de modo muito eficaz mediante a descrição da sua paixão dominante:
para o timocrático, a ambição, o desejo de honrarias; para o oligárquico, a fome de riquezas;

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para o democrático, o desejo de imoderado de liberdade (que se transforma em licença); para


o tirânico, a violência.(...)”
O autor nesse momento transcreve trechos da obra de Platão que exemplificam os quatro tipos
diferentes de homens. O timocrático, oligárquico, democrático e tirânico. São diálogos que ob-
jetivamente atacam os sistemas de governo no seu mal evidente.
“(...) a corrupção de um princípio consiste no seu “excesso”.A honra do homem timocrático se
corrompe quando se transforma em ambição imoderada e ânsia de poder.A riqueza do homem
oligárquico, quando se transforma em avidez, avareza, ostentação despudorada de bens, que
leva à inveja e à revolta dos pobres. A liberdade do homem democrático, quando este passa a
ser licencioso, acreditando que tudo é permitido, que todas as regras podem ser transgredidas
impunemente.O poder tirano, quando se transforma em puro arbítrio, e violência pela própria
violência.”
O autor também transcreve um trecho da obra O Político, um pequeno diálogo onde um filó-
sofo comenta suas idéias sobre as três formas de governo que na verdade apresentam-se em
cinco.
“No que diz respeito á tipologia de A república, ela é menos original. Sua única diferença, em
comparação com a tipologia que se tornará clássica, a das seis formas de governo- três boas e
três más- é que em O Político a democracia tem um só nome, o que não quer dizer que, dife-
rentemente das outras formas de governo, apresente um único modelo.(...)”
“(...) Platão coloca também o problema do confronto entre as várias formas de governo, para
avaliar se são relativamente mais ou menos boas (ou más); e sustenta a tese de que, se é verda-
de que a democracia é a pior das formas boas, é no entanto a melhor das más.(...)”
“Outra coisa a observar, (...) é o critério ou critérios com base nos quais Platão distingue as
formas boas das más.(...) veremos que esses critérios são, em substância, dois: violência e
consenso,legalidade e ilegalidade.As formas boas são aquelas em que o governo não se baseia
na violência, e sim no consentimento ou na vontade dos cidadãos; onde ele atua de acordo
com leis estabelecidas, e não arbitrariamente.”
Ao fim do capítulo, o leitor percebe que para um melhor entendimento da visão crítica de Pla-
tão sobre as formas de governo seria interessante a leitura do livro onde ele expôs as suas
teorias na íntegra. Entretanto, o resumo explicativo de Bobbio é de grande ajuda para o esclare-
cimento rápido das idéias platônicas sobre o assunto.

3 Aristóteles
“A teoria clássica das formas de governo é aquela exposta por Aristóteles (384 – 322a.c.) na
Política.” Esta obra está dividida em oito livros, dedicados à descrição e classificação das formas
de governo, origem do Estado, crítica às teorias políticas precedentes, mudanças das constitui-
ções, estudo das várias formas de democracia e oligarquia e as melhores formas de governo.
“Um tema a respeito do qual Aristóteles não cessa de chamar a atenção do leitor é o de que há
muitas constituições diferentes(...)” Nobbio então cita um trecho do sétimo livro dePolíticaem
que Aristóteles discorre sobre a teoria das seis formas de governo. Então ele continua, “Com
base no primeiro critério, as constituições podem ser distinguidas conforme o poder resida

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numa só pessoa (monarquia), em poucoas pessoas (aristocracia) e em muitas (“politia”). Com
base no segundo, as constituições podem ser boas ou más, com a conseqüência que às três pri-
meiras formas boas se acrescentam e se contrapõem às três formas más (a tirania, a oligarquia
e a democracia)” O estranho para o leitor é que Aristóteles utiliza o termo politia para designar
o governo de muitos, mas anteriormente cita que politia significa constituição. Entende-se en-
tão que politia é um termo genérico. Segundo Aristóteles, constituição “é a estrutura que dá
ordem à cidade, determinando o funcionamento de todos os cargos públicos e, sobretudo, da
atividade soberana”.
A ordem hierárquica aceita por Aristóteles não difere da de Platão em “O Político”. A axiolo-
gia aristotélica segue como: monarquia, aristocracia, politia, democracia, oligarquia e tirania,
em ordem decrescente. Novamente vemos a democracia ocupando uma posição intermediária
(assim como para Platão), o que sugere que é a mais moderada.
Aristóteles analisa cada as seis formas de governo. Diz que as formas boas são aquelas em que
os governantes visam o interesse comum, já as más são aquelas que os governantes visam o
interesse próprio.
Nobbio dá uma atenção especial para o chamado despotismo oriental, que é classificado como
um tipo de monarquia, embora tirânico. É legítimo e aceito pelos bárbaros. E uma vez que é
aceita por todos, não pode ser considerada tirania. Esse acolhimento deve-se ao fato dos orien-
tais bárbaros serem naturalmente servis.
O próximo enfoque do autor é a “politia”. Uma mistura de democracia e oligarquia inclinada
para a democracia. O que distingue uma forma de governo de outra nesse caso não seria a
quantidade de pessoas, mas sim a qualidade de vida dos governantes. Quem exerce o poder
também é importante para diferenciar democracia e politia, na primeira os que governam são
os pobres e na última uma miscigenação entre ricos e pobres.
Essa junção de duas formas ruins, é o que faz a politia figurar entre formas boas. A união dos
ricos com os pobres possibilita que os segmentos sociais discutam interesses e cheguem à deci-
sões equilibradas, atingindo a esperada paz social.
Aristóteles preocupa-se com o modo de fusão de dois regimes e designa o assunto de engenha-
ria política. Para isso, ele expões uma série de três passos fundamentais necessários para atin-
gir o objetivo de chegar à uma terceira forma de governo melhor que as outras duas: conciliar
procedimentos que seriam incompatíveis, adotar “meios-termos” entre as disposições extre-
mas dos dois regimes e recolher-se do melhor sistema legislativo.
“O princípio que inspira esse regime de ‘fusão’ é o da mediação – ideal de toa a ética aristo-
télica, fundamentado, como se sabe, no valor eminentemente positivo do que está no meio,
situado entre dois extremos.”
“Em todas as cidades há três grupos: o muito ricos, muito pobres e os que o ocupam uma
posição intermediária. Como admitimos que a medida e a mediania são a melhor coisa, em
todas as circunstâncias, está claro que, em matéria de riqueza, o meio-termo é a melhor das
condições, porque ne;a é mais fácil obedecer à razão.” Segundo o princípio da mediania quem
melhor governa é a classe média, pois ela é a que está mais distante do pergio das revoluções,
raramente acontecem conspirações e revoltas entre os cidadãos.
A “politia” é o ponto máximo do texto, pois é onde, no livro, dá início a mistura de teorias de
governo, um governo misto, que procura uma aproximação da perfeição. A idéia de que o bom

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governo é a mistura de diversas formas de governo é um dos grandes temas do pensamento


político ocidental. O livro continua com Políbio, cujo enfoque é sobre este governo misto.

4 Políbio
Norberto Bobbio expõe basicamente as três teses que Políbio trabalha:
1. É o uso sistemático da teoria das formas de governo. Existem fundamentalmente seis for-
mas para se governar. Três boas e três más.
O Reino ou monarquia, onde um rei legítimo é aceito voluntariamente. A Tirania, degene-
rada, onde um tirano governa com uso de terror e força. A aristocracia, onde poucos eleitos
os melhores dirigem o povo. A oligarquia, forma degenerada onde os poucos que gover-
nam são os mais ricos. A democracia, onde o governo é popular com tradição de respeito,
obediência e honra. E a última e degenerada oclocracia, onde o governo é da massa inepta.
2. Essas seis formas se sucedem umas às outras de acordo com determinado ritmo, cons-
tituindo assim um ciclo, repetido no tempo. É a anaciclose. O ciclo acontece da seguinte
maneira:
Reino > Tirania > Aristocracia > Oligarquia >Oclocracia> Reino > Tirania... A passagem de
uma forma para outra parece de modo predeterminado, necessária e inderrogável. Não
pode deixar de sofrer este processo de transformação.
3. A tese principal da teoria polibiana das constituições é sem dúvida a de governo misto.
Políbio acredita na existência de uma sétima forma. É a preferência do autor e se dá por
uma constituição mista, uma síntese das três formas boas de governo. Exemplificada pela
constituição romana e pela de Esparta. Para ele, todas as constituições simples acabam por
serem todas más, uma vez q tornam-se fracas a ponto de degenerarem e serem, portanto,
instáveis, contrariando o princípio que qualifica uma constituição, o valor supremo da or-
dem. A teoria dos ciclos demonstra que as formas de governo simples são instáveis e por
isso são más. A presença simultânea dos três poderes e seu controle recíproco preserva as
constituições mistas da degeneração a que estão sujeitos os governos simples, porque im-
pede os excessos.

6 Maquiavel
A primeira grande novidade no trabalho de Maquiavel já aparece nas primeiras páginas da obra
O Príncipe, onde ele diz: “Todos os Estados que existem e já existiram são e foram sempre re-
públicas ou monarquias”. A república corresponde à democracia ou à aristocracia, a vontade
coletiva presente em uma pessoa jurídica, já a monarquia corresponde ao reino, a vontade de
um soberano, uma pessoa física. Para Maquiavel, a causa de não haver formas intermediárias é
a que a falta de estabilidade sempre leva ao caminho de uma das duas formas citadas, monar-
quia ou república.
Maquiavel discorre sobre a classificação dos principados, a primeira distinção prevista no livro é
a da hereditariedade dos príncipes, os quais tiveram o poder transmitido com base em uma lei
constitucional de sucessão; e os principados novos, os quais conquistaram o poder por quem
ainda não era um “príncipe”. Os novos principados são o assunto mais abordado em sua obra

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“O Príncipe”. Ele distingue as quatro maneiras diferentes como o poder pode ser conquistado.
Pela virtu; fortuna; violência ou consentimento dos cidadãos. Os conquistados pela virtu são
mais duradouros do que os conquistados pela fortuna. Num certo sentido, todos os príncipes
novos são ilegítimos, visto que o poder não lhes foi concebido e sim conquistado. Apesar disso,
é visível a diferença na forma que se conquistou esse poder. Entretanto, para Maquiavel, este
príncipe ilegítimo que conquista o poder por virtu, por exemplo, não tem conotação negativa e
são celebrados pelo mérito atingido.
Maquiavel parece se contradizer ao apoiar a teoria do governo misto. Entretanto essa contradi-
ção pode ser entendida pelas diferenças entre o Maquiavel historiador e político e o Maquiavel
político, conselheiro de príncipes. E ela pode ser explicada ao vermos que o importante é a
estabilidade, e as constituições intermediárias são instáveis, enquanto o governo misto seria e
equilibrado e, portanto, estável e duradouro.
Maquiavel comenta em uma de suas frases célebres que a diferença entre dois príncipes con-
siste na crueldade bem ou mal empregada do príncipe. Se for utilizada em benefício da estabili-
dade, então é bem utilizada. Já a má utilização leva a um fim miserável. Enfim, os fins justificam
os meios.
No livro Discorsi, o qual Maquiavel afirma no começo de O Príncipe já ter discutido bastante
sobre república, percebe-se uma semelhança muito grande com Políbio. A tipologia clássica
das seis formas de governo, a teoria dos ciclos e a do governo misto. Entretanto, é possível dis-
tinguir as diferenças entre os autores. Maquiavel também vê as formas simples como desvan-
tajosas por causa da instabilidade. Contudo, coloco como improvável a repetição infinita dos
ciclos, haja vista o enfraquecimento progressivo da sociedade, o que possivelmente acarretaria
em dominação estrangeira.
Maquiavel, assim como Políbio, elogia o governo misto, exaltando a constituição da república
romana. O equilibro dos três poderes, uma mistura estável resistente ao tempo.

7 Bodin
Jean Bodin (1530 – 1596) escreveu a obra de teoria política mais ampla e sistemática desde
a “Política” de Aristóteles. Há diversas semelhanças entre as duas obras, incluindo os temas
abordados. Entretanto, Bodin apresenta soluções diversas para os problemas.
Bodin passou para a história das formas de governo como teórico da soberania. Para ele, a so-
berania significa o poder absoluto e perpétuo que é próprio do Estado.
Segundo Bodin, “Quem é soberano não deve estar sujeito, de modo algum, ao comando de ou-
trem; deve poder promulgar leis para seus súditos, cancelando ou anulando as palavras inúteis
dessas leis, substituindo-as – o que não pode fazer quem está sujeito às leis ou a pessoas que
lhe imponham poder.”
Contudo, poder absoluto não quer dizer poder ilimitado. Essas leis que regem o soberano são
leis naturais e divinas. Outros limites impostos ao soberano são as leis fundamentais do Estado,
as hoje chamadas leis constitucionais. Assim, o rei fica impossibilitado de se tornar um tirano.
De acordo com este pensamento, percebe-se em Bodin a preocupação com a esfera pública e
privada, nesta última, o soberano só poderá inferir caso tenha um motivo-confisco legítimo ou
para salvação estatal. É, também, o precursor da divisão entre Estado e Governo.

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Bodin acredita na existência de três formas de governo. As clássicas: monarquia, aristocracia e


democracia. Não acredita na forma mista e diz que não se deve classificar entre formas boas e
más porque essa distinção causaria o surgimento de infinitas formas de governo. Afirma que se
reunissem as três formas de governo clássicas, o resultado não seria um governo misto, e sim
um governo da democracia. O porquê disso é que ou o povo não tem o poder de legislar (neste
caso seria aristocrático), ou este poder está com o povo, formando um Estado democrático.
Através da sua distinção entre governo e Estado, Bodin afirma que as três formas clássicas de
Estado podem se combinar com as três formas clássicas de Governo. Monarquia, Aristocracia
e Democracia. Cruzando-as, chegamos a 9 diferentes tipos. “Essa variedade de formas de go-
verno tem induzido alguns a erro, ‘levando-os a postular formas mistas de Estado’, sem per-
ceber que o governo de um Estado é coisa bem diferente da sua administração e do modo de
governá-lo”.
Essa distinção entre regime e governo, é útil para compreender a realidade complexa dos Esta-
dos sem recorrer à teoria do governo misto, que para Bodin, era pura ficção. Também permite
compreender o fenômeno das formas degeneradas, que representam não um vício da sobera-
nia em si mesma, mas do seu exercício. Cada um dos regimes pode assumir três formas diferen-
tes: real, despótica e tirânica. A real corresponde ao respeito do governante às leis da natureza
e seus súditos; a despótica, o governante assenhora os próprios súditos pela guerra justa e pelo
direito das armas; e a tirânica, o governante desrespeita as leis da natureza e abusa de seus sú-
ditos. Para ele, a corrupção não afeta o Estado e sim o Governo.
Bodin defende a monarquia despótica justificada pela aquisição de servos em “guerra justa”,
quando um povo é conquistado por outro e tem a escravidão como castigo ante a morte. Uma
crucial diferença com a tirânica é que a despótica é legítima, já a tirânica não.

8 Hobbes
“Como Bodin, Hobbes não aceita duas das teses que caracterizaram durante séculos a teoria
das formas de governo: a distinção entre as formas boas e más e o governo misto.”
“Para Hobbes também, como para Bodin, o poder soberano é absoluto. Se não fosse absoluto,
não seria soberano(...)”
Entretanto, diferentemente do capítulo anterior, Hobbes não vê limites para o poder do sobe-
rano, como as leis naturais e divinas. Ele não nega a existência, mas afirma que não se trata de
leis como as positivas, porque não são aplicadas com a força de um poder comum. Ou seja, não
há nada que o obrigue a obedecer a essas leis. “O soberano é juiz da conduta de seu súditos,
mas a conduta do soberano é julgada por ele próprio.”. Hobbes nega a diferenciação entre esfe-
ra pública e privada. “O direito de propriedade só existe m no Estado, mediante a tutela estatal;
no estado de natureza os indivíduos teriam um: ius in omnia – um direito sobre todas as coisas,
o que quer dizer que não teriam direita a nada, já que se todos têm direito a tudo, qualquer coi-
sa pertence ao mesmo tempo a mim e a ti. Só o Estado pode garantir, com sua força, superior à
força conjunta de todos os indivíduos, que o que é meu me pertença exclusivamente, assegu-
rando assim o sistema de propriedade individual”.
Para Hobbes não se designam nomes diferentes versões boas e más de cada governo, porque
essas decisões são relativas de acordo com a opinião que têm os cidadãos a respeito da pessoa
dos governantes. Não há critério objetivo para distinguir o rei do tirano.

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Sobre a monarquia despótica, Hobbes instiga a pergunta de como se diferenciar uma guerra
justa de uma injusta? O que determina a justiça de uma guerra é a vitória, o vitorioso. Esse do-
mínio é alcançado quando o derrotado declara que em trabalhará às ordens do vencedor em
troca de sua vida.
“Por que os indivíduos deixam o estado da natureza e dão vida ao estado civil com suas von-
tades concordes? A razão apresentada por Hobbes, como se sabe, é que sendo o estado da
natureza uma situação de guerra de todos contra todos, nele ninguém tem garantia da própria
vida: para salvar a vida, os indivíduos julgam necessário assim submeter-se a um poder comum
suficiente para impedir o emprego da força particular.(...)”.
“Há quem estime necessária a existência de um poder soberano no Estado, sustentando, con-
tudo que esse poder se concentrasse nas mãos de uma só pessoa, ou de uma assembléia, a
conseqüência seria, para os demais, “um Estado de opressão servil”. A fim de evitar esta degra-
dação dos cidadãos à situação de escravos do poder soberano, pensam que pode haver um Es-
tado composto das três formas de governo acima descritas, que seja contudo ao mesmo tempo
diferente de cada uma delas. Esta forma de Estado tem o nome de monarquia mista, aristocra-
cia mista ou democracia mista, segundo a forma simples que nela predomine(...)”
Hobbes pensa que o poder do soberano não pode ser dividido, a não ser pela sua destruição. A
crítica ao governo misto é ao mesmo tempo uma crítica à separação dos poderes.

9 Vico
Assim como Políbio, a teoria de Vico também é cíclica. As principais categorias que Vico procura
abranger são novamente as três formas clássicas de governo: a aristocracia, a democracia e a
monarquia; nessa ordem, diferentemente da tradicional. Vico, se comparado aos autores pas-
sados, possui visão progressista, do bom para o melhor, diferente de Platão.
“O governo aristocrático se baseia na conservação, sob a tutela da ordem dos patrícios que o
constituiu, sendo máxima essencial da sua política a de que só a patrícios sejam atribuídos os
auspícios, os poderes, a nobreza, os conúbios, as magistraturas, comandados e sacerdócios...
Constituem condições do governo popular a paridade dos sufrágios, a livre expressão das sen-
tenças e o acesso igual para todos às honrarias, sem excluir as supremas... O caráter do reino,
ou monarquia, é o domínio por um só, a quem cabe o arbítrio soberano inteiramente livre so-
bre todas as coisas”.
A tese de Vico, bastante conhecida, é de que o estado primitivo do homem foi uma “forma bes-
tial”. Uma ausência total de relações sociais, completa inexistência de vida comum, inclusive
familiar.
Vico distingue três tipos de autoridade, a monástia, econômica e civil. A primeira fala sobre o
homem primitivo, e fica assim caracterizada: “A primeira autoridade jurídica que o homem teve
na solidão pode ser chamada de monástica ou solitária. Entendo aqui igualmente por solidão
os lugares freqüentados e os desabitados, desde que neles o homem assaltado e ameaçado
não possa recorrer às leis para sua defesa... Devido à sua autoridade monástica, o homem se
torna soberano na solidão(...)”.
Esse estado de natureza descrito por Hobbes é também aquele em que cada um vive por sua
conta, e precisa cuidar da própria defesa, pelo que termina em uma guerra de todos contra

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todos. Para Vico, porém, o estado bestial é histórico, para Hobbes trata-se de uma hipótese
racional.
Entre o estado bestial e o estado de república, Vico considera que houve um estado interme-
diário, o das famílias. A primeira forma de vida associativa, que começa assim que o homem
percebe um poder divino.
Para Vico, após a autoridade monástica, vem a econômica (fase das famílias). Definida assim:
“... nasceu a autoridade econômica, ou familiar, pela qual os pais são soberanos em sua família.
A liberdade dos filhos depende do arbítrio dos pais, pelo que estes adquiriram o direito de ven-
der os filhos... Os pais têm tutela sobre os filhos como sobre sua casa e todas as suas coisas, de
que podem dispor em herança e deixar imperativamente a outrem. A passagem termina assim:
As famílias constituíram, assim, um primeiro e pequeno esboço dos governos civis”.
“Com a primeira forma de Estado se origina, depois da autoridade monástica e da econômica,
aquela forma mais complexa e completa de autoridade que Vico denomina de “autoridade ci-
vil”. A república aristocrática é portanto a primeira forma histórica de autoridade civil. Nela, a
condição de desigualdade que justifica o domínio de uma parte sobre outra não é mais a que
separa os ‘patri’dos ‘famuli, mas a que divide os patrícios dos plebeus – isto é, os que gozam de
direitos privados e públicos e os que não têm um estado jurídico definido.” Então vem a repú-
blica popular, os fundadores do Estado, união dos chefes de família.
Segundo Bobbio: “O fim da república popular, e a passagem à terceira forma de Estado – o
principado, ou monarquia – ocorre graças a razões não diversas das apontadas pelos autores
clássicos para explicar a morte natural de todas as democracias, pela degeneração da liberdade
em licenciosidade e do antagonismo criativo na contenda destrutiva das facções, com guerra
civil. Para Vico o principado surge não contra as liberdades populares, mas para protegê-las
do faccionismo, para defender o povo – poder-se-ia dizer – contra si mesmo”. Vico defende a
monarquia como a evolução da república popular, a própria república popular protegida contra
seus males.

10 Montesquieu
Montesquieu, assim como Vico, procura a existência de leis gerais que guiam a formação e o
desenvolvimento da sociedade humana. A diferença reside no fato de que Montesquieu, além
do estudo nos estados europeus, também estuda estados extra-europeus. Também estuda as
leis ao longo da história, entretanto, é sobretudo espacial ou geográfica. Está interessado pela
explicação da variedade das sociedades humanas e seus respectivos governos, não só no tem-
po, mas no espaço.
Montesquieu afirma que todos os seres do mundo (inclusive Deus) são governados por leis.
Uma lei é enunciada sempre que há relações necessárias entre dois seres, de modo que, dado
um deles, não pode deixar de existir o outro. A conseqüência disso tudo é que o mundo não é
governado por uma “cega fatalidade”.
“O mundo da inteligência está bem longe de ser tão bem governado como o mundo físico”.
Com essa frase, Montesquieu quer dizer que o fato de que o homem se inclina, pela sua própria
natureza, a desobedecer às leis naturais, tem uma conseqüência que distingue nitidamente o
mundo físico do humano: para assegurar o respeito às leis naturais, o homem foram obrigados
a dar-se outras leis (positivas). Montesquieu diz: “De modo geral, a lei é a razão humana en-

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quanto governa todos os povos da terra; e as leis políticas e civis de todas as nações não devem
ser senão os casos particulares em que se aplica essa razão humana.” A relação que existe entre
lei natural e lei positiva é como a que existe entre um princípio geral e suas aplicações práticas.
Montesquieu distingue três tipos de leis positivas: as que regulam as relações entre grupos in-
dependentes, as que regulam as relações entre governantes e as que regulam o relacionamen-
to dos governados entre si. Constituem, respectivamente, o direito das gentes (internacional),
o direito político (público) e o direito civil.
O objetivo de Montesquieu com sua obra “O Espírito das Leis” é construir uma teoria geral da
sociedade a partir da consideração do maior número possível de sociedades históricas, é expli-
car a razão de tantas sociedades diferentes, com leis positivas diferentes, culturas, ritos, costu-
mes, se as leis naturais são as mesmas. Os motivos que levam essa variedade de leis positivas,
segundo Montesquieu, são físicos, naturais, econômicos, sociais, espirituais e/ou religiosos.
As sociedades são classificadas em três tipos de governo: república, onde o povo detém o po-
der; monarquia, onde um só é responsável pelo poder, mas é regido por leis; e o despotismo,
onde uma só pessoa governa, sem leis. Ele inova ao afirmar que o governo está formulado em
dois planos. “A diferença entre a natureza do governo e seu princípio é que a natureza o faz ser
o que é, e o princípio o faz agir. A primeira corresponde a sua estrutura particular; o segundo,
às paixões humanas que o fazem mover-se.”.
Assim como Platão, Montesquieu também tem os princípios que inspiram cada uma das três
formas. Para a Monarquia, a honra. Para a República, a virtude cívica. Para o Despotismo, o
medo.
A virtude para Montesquieu, é o amor da pátria e da igualdade, não uma virtude moral ou Cris-
tã. Mas política. A mola que impulsiona a República. Ama-se a pátria como algo que é de todos.
A honra entende-se o sentimento que nos leva a executar uma boa ação exclusivamente pelo
desejo de ter ou manter uma boa reputação. É a mola que impulsiona a Monarquia. O medo do
despotismo é o sentimento humano de medo.
Montesquieu inclina-se para a monarquia. “O governo monárquico apresenta uma grande van-
tagem com relação ao despótico. Como sua natureza exige que o príncipe tenha debaixo de si
diversas ordens relativas à constituição, o Estado é mais resistente, a constituição mais inabalá-
vel, a pessoa dos governantes mais segura.”.
Essa comparação entre despotismo e monarquia apresenta a monarquia como a forma de go-
verno em que já uma faixa de poderes entre os súditos e o soberano: os “contrapoderes” que
impedem o abuso, pelo monarca, da sua própria autoridade.
O governo moderado de Montesquieu deriva da dissociação do poder do soberano e da sua
partição com base nas três funções fundamentais do Estado: a legislativa, a executiva e a judici-
ária. Funções que devem ser designadas para três pessoas diferentes. Ele afirma que a liberda-
de política se encontra nos governos moderados.

11 Despotismo
O despotismo aparece pela primeira vez com Aristóteles, Montesquieu, por sua vez, trabalha
com ela de uma forma diferente, separada da monarquia e da república. Não mais como um
gênero da monarquia, como Aristóteles, Bodin e Maquiavel trabalharam. A diferença entre

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despotismo e monarquia, para Montesquieu, está na distribuição dos poderes, que existe nas
monarquias, mas não nos regimes despóticos. Montesquieu usa o conceito de escravidão po-
lítica. Para ele, nos governos despóticos a educação precisa ser servil, no estado despótico, as
mulheres não introduzem objetos de luxo, elas mesmas são esses objetos de luxo, vivendo na
condição de extrema escravidão. Por isso, em regimes despóticos, onde há escravidão política,
a escravidão civil é mais tolerável.
Entretanto, a escravidão é apenas um ponto de um conjunto de fatores que distinguem o siste-
ma despótico, como o clima, a natureza do terreno, a extensão territorial, a índole dos habitan-
tes, o tipo de leis, a religião, etc.
Montesquieu refere-se ao despotismo oriental, da Ásia, e diz que é onde ele surge naturalmen-
te.
Nicolas Antoine Boulanger propõe uma interpretação religiosa, teocrática do despotismo. A
origem de todos os males reside na teocracia, que tem produzido no Oriente os governos des-
póticos.
Wittfogel faz uma comparação entre as sociedades policêntricas, caracterizadas por tensão en-
tre a sociedade civil e a instituição estatal e as sociedades monocêntricas, marcadas pelo pre-
domínio do Estado sobre a sociedade. Também aborda temas tradicionais como o caráter abso-
luto e total, a durabilidade, a sujeição total dos súditos ao soberano, o terror como instrumento
de domínio e o vínculo entre despotismo e teocracia.
Em todos os autores citados por Bobbio, o “despotismo oriental” é visto como uma catego-
ria negativa. Montesquieu diz “aqueles governos monstruosos” ao fazer referência ao regime.
Contudo, François Quesnay trata o despotismo oriental de uma forma positiva, o chamado des-
potismo iluminado. Diz que o único domínio que os homens devem aceitar é o da natureza.
Essas leis naturais, universais e necessárias que, muitas vezes, o homem não sabe interpretar. A
solução seria, necessariamente um príncipe que, iluminado pelos sábios, as aplicasse.
As leis positivas impostas pela autoridade soberana, não são nada além de projeções das leis
naturais. Não devem ser leis constitutivas, mas declarativas. Surge a figura do bom déspota,
concentrando o máximo de poder em suas mãos, ele pode restabelecer a ordem natural sub-
vertida pelas leis positivas inadequadas.
Dupont de Nemours vai contra Montesquieu ao afirmar que a autoridade do soberano não
deve ser dividida, seu argumento é de que a função da autoridade é zelar por todos, enquanto
cada um se ocupa dos seus próprios negócios. Por isso, vê como absurda a idéia de várias auto-
ridades. Nemours defende que a única forma de governo válida é a monarquia hereditária, pois
só ela é genuinamente despótica.
Paul-Pierre Lê Mecier de laRivière é quem expõe a idéia de bom déspota de forma mias convic-
ta. Para ele, a melhor forma de governo é “aquela que não permite que se possa tirar vantagem
de governar mal; que, ao contrário, obriga quem governa a ter no bem governar seu maior
interesse”.
“Há um despotismo legal, estabelecido natural e necessariamente com base na evidência das
leis de uma ordem essencial, e um despotismo arbitrário, produzido pela opinião que se presta
a todas as desordens, a todos os excessos de que a ignorância o torna susceptível”.

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Mably afirma que não se pode traçar uma distinção entre o despotismo legal e despotismo
arbitrário, o defeito do despotismo é a concentração do poder nas mãos de um só. O único
remédio para o despotismo é o governo misto, o qual Montesquieu chamou de governo mode-
rado. Deve existir um controle recíproco que garanta a estabilidade ao governo e liberdade aos
cidadãos, por isso, a divisão da autoridade.
“Forma-se um governo misto a fim de que ninguém se ocupe com os próprios interesses; para
que todos os membros do Estado, obrigados a ajustar-se aos interesses alheios, trabalhem para
o bem público, a despeito das suas próprias conveniências”.

12 Hegel
Encontramos em Vico e Montesquieu, respectivamente, a história e a geografia para entender-
mos a concepção histórica das formas de governo. Hegel faz uma espécie de síntese das duas.
Hegel explica que a história passou por três tipos diversos de bases geográficas: o altiplano,
grandes estepes e planuras na Ásia Central e nações pastoris; a planície fluvial, regiões de solo
fértil que levam à agricultura; e a zona costeira, onde se desenvolveu uma inclinação para o co-
mércio e novas condições ao progresso civil e de riquezas.
Como se vê as atividades pastoris, agrícola e comercial representam às três fases do desenvol-
vimento da sociedade humana, do ponto de vista econômico, correspondem também às três
regiões distintas do planeta. Além disso, o fato que as três fases da civilização correspondem a
três zonas distintas da Terra demonstra que a evolução das sociedades não ocorre apenas em
momentos sucessivos do tempo e no mesmo espaço, mas mediante um deslocamento de área
em área. Essa evolução ocorre em uma direção: para o Ocidente; assim a América é considera-
da por Hegel como “país do futuro”.
A influência de Montesquieu sobre Hegel ultrapassa a concepção geográfica do desenvolvimen-
to histórico. Tem a ver com a própria tipologia das formas de governo, são elas: o despotismo
(oriental), a república (antiga) e a monarquia (moderna).
Em seu livro “Lições de Filosofia da História”, Hegel afirma: “A história universal é o processo
mediante o qual se dá a educação do homem, que passa da fase desenfreada da vontade natu-
ral à universal, e à liberdade subjetiva. O Oriente sabia e sabe que um só é livre; o mundo grego
e romano, que alguns são livres; o mundo germânico, que todos são livres. Por isso, a primeira
forma que encontramos na história universal é o ‘despotismo’, a segunda é a ‘democracia’ e a
terceira é a ‘monarquia’”.
Para Hegel, todos os Estados do mundo percorreram as três formas de governo. Primeiramen-
te, o despotismo, instintivo; a segunda a república, órgãos democráticos, Estado livre; a ter-
ceira, a monarquia, em que o rei governa uma sociedade articulada em esferas relativamente
autônomas. Essa afirmação parece muito ser uma repetição de Montesquieu, mas existe uma
diferença fundamental: o critério usado para distinguir as três formas. Hegel não usa mais o
“quem e como”, e sim uma forma inovadora, a estrutura da sociedade em seu conjunto.
“Entende-se que se cada forma de governo é a estrutura política de uma sociedade bem deter-
minada, cada sociedade possui sua própria constituição – e não pode ter uma outra”.

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“Este é o curso abstrato ‘mas necessário’ do desenvolvimento dos Estados genuinamente au-
tônomos, de modo que deve nele aparecer, cada vez, uma constituição determinada que ‘não
dependa de escolha’, mas seja ‘a única adequada, em cada caso, ao espírito do povo’”.
Essa dependência do espírito do povo é o motivo por qual ele ataca constantemente os ilumi-
nistas, que acreditam que há uma constituição bela e perfeita que pode ser imposta a povos
diferentes. Hegel rejeita qualquer discussão sobre a melhor forma de governo.
P ode surpreender o fato de que Hegel divide as diversas épocas universais em quatro – e não
mais em três –s: o mundo oriental, o helênico, o mundo romano e o mundo germânico. Ele foi
obrigado a isso pela reflexão sobre a era imperial romana, que não encaixava na divisão antiga.
Hegel considerava o movimento histórico contínuo, e não cíclico. Todas as coisas estavam ri-
gorosamente associadas ao espaço geográfico e ao tempo histórico, de modo que não podiam
repetir-se. Sobre a quarta era, Hegel diz respeito à época imperial como uma grande transição
entre o fim do mundo antigo e o início do moderno.
Sobre a primeira época, o despotismo, corresponde ao mundo oriental. Deslocando-se do
Oriente para o Ocidente, os Estados despóticos são três: o despotismo teocrático da China, a
aristocracia teocrática da Índia e a monarquia teocrática da Pérsia. Como se vê, o caráter deter-
minante do regime despótico é a teocracia.
“Hegel chama o mundo oriental de “era infantil da história”; com isso quer dizer que na Idade
do despotismo o homem ingressa pela primeira vez na historia (antes do surgimento da primei-
ra forma de Estado não há ainda história, mas só pré-história). Contudo, embora sendo já um
mundo histórico,o universo do despotismo oriental ainda não apresenta um verdadeiro desen-
volvimento histórico, é um reino”
Antes o homem era natural, fora da história. Hegel afirma que esse homem pré-histórico é o
africano. Em sua obra, antes de citar o mundo ele dedica algumas páginas à África afirmando
que os negros são homens no estado bruto, na sua total barbárie e, por conseguinte não pos-
suem freios. O que hoje pareceriam barbáries.
A tarefa que ele se propõe, j á que recusa a discussão de melhor forma de governo, é entender
a razão das formas de governo. Isso não impede que ele defenda uma forma de Estado: a mo-
narquia constitucional. Entretanto, em várias oportunidades deixa transparecer que sua prefe-
rência pela monarquia constitucional não se deve pelo motivo de que ela seja a melhor, mas
aquele que corresponde melhor ao “espírito do tempo”.
“Monarquia constitucional, única constituição racional/ Constituição a) em grandes Estados,
b) onde o sistema da sociedade civil já se desenvolveu/ Democracia em pequenos Estados.”. O
fato dos Estados Unidos da América ser um Estado grande e democrático, não era problema,
pois, para Hegel, não constituía uma sociedade civil, sendo um Estado em formação.
A monarquia constitucional seria a forma de excelência do Estado Moderno.O aperfeiçoamen-
to do Estado em monarquia constitucional é obra do mundo moderno.
Feita a comparação da monarquia constitucional com as formas clássicas de divisão das formas
de governo, o critério de distinção é a complexidade da sociedade. As formas clássicas só se
adaptam às sociedades mais simples; enquanto a monarquia constitucional, às mais comple-
xas.

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“O caráter distintivo da monarquia constitucional não reside no fato de que governam um ,
poucos e muitos, em diferentes níveis, porém no fato, bem mais substancial de que os poderes
fundamentais do Estado estão divididos, e são exercidos por diversos órgãos”

A Monarquia Constitucional
Este apêndice trata das relações entre Montesquieu e Hegel a respeito da monarquia constitu-
cional. A constituição monárquica que Hegel e Montesquieu descrevem são muito diferentes
das descritas anteriormente nas formas clássicas de governo, elas são bem mais complexas e
articuladas. Verificando com uma postura moderna, Hegel e Montesquieu dizem a monarquia
constitucional ser a forma mais adaptada, enquanto as outras são ineficientes, em vista da falta
de articulação das formas clássicas.
A inovação de Hegel em com relação a Montesquieu, é a maneira de considerar a sociedade
moderna e suas articulações. Ele afirma que a vida social se desenvolveu tanto que acabou se
duplicando em dois aspectos que se tornaram bem diferentes, a sociedade civil e o Estado. Isso
significa que a sociedade civil, de esfera privada, funciona com interesses que são próprios e
possui sistema autônomo devido à sua dependência recíproca e objetiva. Já o Estado, funciona
de modo de unidade política, onde as diferenças sociais são articuladas e recompostas.
Para Hegel, como vimos, a monarquia constitucional é uma constituição articulada, pois reflete
a sociedade diferenciada, a sociedade moderna da época. Montesquieu difere no ponto que
tange a sociedade civil, que para ele, não é vista separada do Estado e suas diferenciações tam-
bém são distintas.
A divisão de classes é outro ponto em que há distinção, para Hegel, é vertical, baseada em
critérios socioeconômicos, já para Montesquieu é horizontal, buscando a honra. Conclui-se, en-
tão, que a desigualdade vem das particularidades de cada um e não de uma ordem anterior.
“O fato de que Montesquieu reconhece a honra como princípio da monarquia decorre do fato
de que ele tem em mente não a constituição patriarcal ou antiga, em geral, nem a que se de-
senvolve com uma constituição objetiva, ,as a monarquia ‘feudal’, enquanto as relações do seu
direito interno são concretizadas... em privilégios de indivíduos e de corporações.(...)
A idéia de liberdade é outro ponto de diferença entre os autores. Enquanto para Hegel é levar
uma vida universal, o cumprimento das leis, para Montesquieu, é a ausência de opressão e dos
abusos. Entretanto, os dois percebem que a liberdade é conquistada mediante o Estado e suas
leis. Para Hegel, elas garantem o bem comum e para Montesquieu a garantia dos privilégios.
Montesquieu pensa que a separação dos poderes é concebida como um sistema de freios para
manter o equilíbrio. Evitando assim que alguma potência ( especialmente o rei) adquira poder
grande suficiente para que esvazie as prerrogativas e os privilégios de todas as outras. Já Hegel
aceita o princípio de divisão de poderes, tendo como o objetivo a liberdade pública.
“Dentro do modelo hegeliano, o princípio da divisão dos poderes assume novo significado: não
representa um artifício concebido para prevenir os perigos dos abusos de poder, nem é algo de
mecânico ou instrumental, mas sim de orgânico.”
Os poderes compreendidos pelos dois também diferem: para Hegel, do príncipe, do governo e
legislativo. Já para Montesquieu, executivo, legislativo e judiciário. O modelo de Hegel não foi o
mais aceito. A teoria de Montesquieu teve maior influência na história.

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13 Marx
Este capítulo trata de Marx e suas concepções políticas. Marx nunca se preocupou com a dis-
tinção das formas clássicas de governo. Um motivo que explica a falta de interesse de Marx por
isto é o fato de possuir uma concepção negativa do Estado. Pensamento que vai de encontro
direto com Hegel, que considerava o Estado um momento positivo na formação do homem, e
mais do que isso, o caminho para a perfeição.
A visão negativa de Marx sobre o Estado baseia-se em dois argumentos principais, a conside-
ração do Estado como pura e simples superestrutura que reflete o estado das relações sociais
determinadas pela base econômica e a identificação do Estado como um aparelho de que se
serve a classe dominante manter o seu domínio, motivo pelo qual o fim do Estado não é um fim
nobre, como a justiça, a liberdade ou bem-estar. Por ter uma concepção negativa do Estado, a
diferenciação das formas de governo, a distinção entre formas boas e más, perde importância,
pois todas as formas são más. O que realmente é importante para Marx, assim como para En-
gels, é a relação de domínio entre classes. Nesse sentido, toda forma de governo é despótica.
Marx identifica uma forma genuína de governo, distinta do Estado representativo – o chama-
do bonapartismo. Como para ele, o Estado sempre será a ditadura da classe mais poderosa, o
bonapartismo não é diferente. Quando classes antagônicas têm praticamente a mesma for-
ça, o poder estatal assume função mediadora entre as classes, adquirindo uma “autonomia”.
Então, a burguesia para manter o seu poder social e econômico renuncia momentaneamente
ao poder político, até que a ordem seja restabelecida. Em tempos de graves tensões sociais,
esse é o único meio que dispõe a classe dominante para manter intacto seu poder econômico
e continuar a exploração de outras classes. Neste Estado, haveria uma constate disputa entre
burguesia e proletariado. A função do poder estatal seria, portanto, mediar esses conflitos. O
bonapartismo é um modelo de governo em que há uma inversão de papéis no Estado burguês.
A novidade é que o poder executivo torna-se mais importante que o legislativo.
Como já visto, para Marx, a essência do Estado é o despotismo. Marx utiliza a palavra “ditadura”
como mesma denominação. Por isto, encontra-se expressões famosas de Marx, como ditadura
da burguesia e ditadura do proletariado. A última, significa a essência de sua teoria, que resulta
da luta de classes e é o caminho para o comunismo – estágio perfeito e superior da sociedade.
Existe uma divisão da história da sociedade baseada na evolução das relações de produção.
Primeiramente, a sociedade seria escravista; logo em seguida, feudal; depois, burguesa. Na se-
qüência, estaria destinada a tornar-se socialista e, finalmente, comunista. Sempre é bom lem-
brar que a visão de Marx cabia à Europa Ocidental, classificava o modo de produção asiático a
parte, sendo ele imutável.
O auge da sociedade seria o comunismo. Ele promete uma sociedade sem classes, sem Estado,
sem poder coator e opressivo, a substituição das leis pelos costumes, liberdade e igualdade
para todos.
“Dos três tipos de Estado que Marx enumera, só o terceiro – o Estado Representativo – pode
ser considerado como uma forma de governo. Os outros dois – o Estado escravista e feudal - se
caracterizam não pela forma de governo (...) mas pelo tipo de sociedade que refletem, pelo
tipo de relações de produção, que como Estado, pretendem perpetuar.”
Marx foi muito influenciado pela Comuna de Paris, ele rasga elogios e aponta certos pontos que
seriam importantes à melhor forma de governo, baseando-se no exemplo francês: a supressão

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dos chamados corpos separados como o exército e a polícia; a transformação da administração
pública, da “burocracia” em corpos agentes responsáveis e demissíveis, a serviço do poder po-
pular; extensão do princípio da eletividade e, portanto, da representação, sempre revogável, a
outras funções públicas, como juiz; eliminação do mandato imperativo, isto é, obrigação de os
representantes seguirem as instruções de seus eleitores sob pena de revogação do mandato e
amplo processo de descentralização, de modo a reduzir o mínimo o poder central do Estado.
Percebe-se assim, que para Marx, a melhor forma de governo é aquela que agiliza o processo
de extinção do Estado. Essa melhor forma de governo, a fase de transição, corresponde ao mo-
mento de transição, a ditadura do proletariado.

14 A Ditadura
Como já visto, na linguagem marxista, ditadura é um sinônimo de despotismo, tirania. Deno-
mina-se como tal, um governo absoluto, exclusivo, pessoal, moral e juridicamente condenável.
Como exemplo, pode-se citar ditaduras como o fascismo italiano, nazismo alemão, stalinismo,
Pinochet no Chile e os coronéis gregos.
O emprego de “ditadura” como “tirania” e “despotismo” veio da Antiguidade clássica, do mun-
do romano. Em Roma, o ditador era nomeado em circustânciasextraordinárias , por um dos
cônsules, em casos de guerra ou rebelião e detinha poderes extraordinários.
A ditadura romana tinha as seguintes características: a) Estado de necessidade, no que concer-
ne à legitimação; b) Excepcionalidade dos poderes, consistindo sobretudo na suspensão das
garantias constitucionais ordinárias; c) Unidade de comando (O ditador é sempre um indivíduo)
d) Caráter temporário da função.
Consegue-se diferenciar assim, ditadura, tirania e despotismo. Houve em Roma, uma magistra-
tura monocrática, uma vez que a verdadeira tirania não faz uso da legitimação do poder. Não
poderia ser chamada de despotismo, que apesar de legítimo, não é temporário, pelo contrário.
Por isso, o utilizamos o termo ditadura, como poder legítimo, mas temporário.
A ditadura, portanto, era vista como forma positiva de governo, uma vez que esse poder era
limitado. Maquiavel ressalta ainda que o ditador tinha seu poder limitado ao executivo, nada
podia fazer sobrepondo-se ao Estado, ao legislativo. Bodin também defende a ditadura, alegan-
do que o ditador não era o soberano, que na verdade era de quem o escolhia.
Rousseau diz que nem sempre a lei pode prever tudo, e sua suspensão é justificada em certos
casos. Neste momento, a ditadura é necessária para manter a segurança pública. Rousseau
ressalta o caráter temporário da ditadura – em situações excepcionais – e a limitação do poder
ditatorial ao executivo, com o argumento de que o ditador pode fazer calar as leis, mas não
pode fazê-las falar.
Carl Schmitt chama a ditadura convencional de “comissária”, a que tem o intuito de suspender
a Constituição para defendê-la. Classifica, porém de “soberana”, a ditadura que tem o intuito
de alterar a constituição. Como exemplo: a Revolução Francesa com a suspensão da Consti-
tuição de 1793, que não voltou a vigorar. A ditadura soberana perde seu caráter monocrático,
como na ditadura jacobina, que foi representada por um comitê. E assim, inicia-se o conceito
marxista de ditadura do proletário ou da burguesia. Pois além de ser representada inteiramen-

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te por uma classe social, o poder dessa ditadura é de grande extensão, tomando parte do legis-
lador também.
Caso seja feita uma análise do ponto de vista dos autores que defendem a ditadura clássica,
a ditadura soberana deveria ser chamada tirânica, devido ao seu poder extraconstitucional e
constituinte, e não mais constituído. Na história da ditadura moderna há também o exemplo
da Conspiração dos Iguais, por Babeuf e Buonarroti. Eles pregavam um governo revolucionário
de poucas pessoas, como a ditadura soberana de Schmitt. O objetivo final era um socialismo
igualitário. Para isso, era necessário um período de ditadura para que fosse estabelecida ordem
até a instituição de um governo igualitário.
Ao final, conclui-se que para haja a formação de uma nova constituição, é necessário que se
estabeleça um governo reformista ou revolucionário ditatorial.

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