Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº
1004795-61.2016.8.26.0005, da Comarca de São Paulo, em que é apelante BANCO BMG S/A, é apelado ELCIO APARECIDO ANDRÉ DA SILVA (JUSTIÇA GRATUITA).
ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 18ª Câmara de Direito Privado
do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Deram provimento em parte ao recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores RAMON MATEO
JÚNIOR (Presidente) e HELIO FARIA.
São Paulo, 4 de setembro de 2019.
HENRIQUE RODRIGUERO CLAVISIO
Relator Assinatura Eletrônica PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelação Cível nº 1004795-61.2016.8.26.0005
Apelante Banco BMG S/A Apelado Elcio Aparecido André da Silva (AJG) Comarca São Paulo Foro Regional de São Miguel Paulista 2ª Vara Cível
Voto nº 36217
Ação anulatória de contrato de crédito cumulada com pedido
indenizatório Contrato celebrado por pessoa incapaz Nulidade do contrato celebrado entre as partes, dada a incapacidade do autor, e restituição dos valores referente às parcelas descontadas do benefício previdenciário Reconhecimento Dano moral Afastamento Indenização por danos morais Ausência de prova de ato depreciativo ou desabonador, ou de efetivas consequências na esfera moral Não reconhecimento Sucumbência recíproca reconhecida. Recurso provido em parte.
Vistos,
A r. sentença de fls. 193/195 julgou procedente a ação para o
fim de declarar a nulidade do contrato mencionado na inicial, condenado o réu a devolver ao autor os valores indevidamente descontados de seu benefício previdenciário a título de reserva de margem consignável (autorizada a compensação), bem como condenou o réu a pagar ao autor a quantia de R$ 6.000,00 a título de indenização por danos morais; ante a sucumbência, condenou o réu no pagamento das custas, despesas processuais e honorários de advogado fixados em 20% do valor da condenação.
Apela o réu pretendendo a reversão do julgado sob o
fundamento de que a contratação foi legitimamente firmada, conforme comprovado em peça de defesa; que a operação questionada fora efetuada pela parte recorrida de livre e espontânea vontade atendendo-se ao princípio da boa-fé, inexistindo qualquer vicio de consentimento; que não há qualquer conduta ilícita praticada pelo recorrente; que o acordo de vontades se deu com pessoa capaz, tendo por objeto contrato sem qualquer ilicitude; que não houve qualquer falha na prestação de serviço, razão pela qual imperioso se faz concluir que não houve dano capaz de ensejar a restituição de qualquer quantia; que o apelado não demonstrou em momento algum qualquer fato que possa ser interpretado de forma extensiva que enseje a indenização por danos morais pretendida; que os representantes do Banco apelante não possuem qualificação técnica para análise das assinaturas realizadas no instrumento contratual quando são bem semelhantes, assim, o Banco também incorreu em fraude realizada por terceiros; que na hipótese de manutenção da condenação por danos morais, requer a redução do valor indenizatório arbitrado; (fls. 199/227).
Processado, recebido e respondido o recurso (fls. 235/244),
Apelação Cível nº 1004795-61.2016.8.26.0005 -Voto nº 36217 2 PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
com parecer da D. Procuradoria Geral de Justiça (fls. 250/255), vieram os autos ao
Tribunal e após a esta Câmara.
É o relatório.
Com razão em parte o apelante.
De início, cumpre salientar que a questão relativa ao
reconhecimento da nulidade do contrato celebrado entre as partes, dada a incapacidade do autor, não foi satisfatoriamente impugnada pelo réu.
O autor/apelado afirmou de forma veemente que não realizou
qualquer contratação, de modo que o ônus probatório acerca da autenticidade do documento recaiu em quem o produziu (art. 429, inc. II, CPC). O contrato foi juntado pelo réu, fls. 89/96, logo era seu ônus demonstrar a higidez da contratação.
Ademais, o réu foi instado a se manifestar sobre o interesse
de prova pericial, contudo, quedou-se inerte. Ainda, o próprio réu afirmou em suas razões recursais que “... os representantes do Banco Apelante não possuem qualificação técnica para análise das assinaturas realizadas no instrumento contratual quando são bem semelhantes, assim, o Banco Apelante também incorreu em fraude realizada por terceiros”, fls. 217.
Assim, não há como reconhecer como idônea a contratação,
devendo ser mantida a r. sentença no que tange ao reconhecimento da nulidade do contrato, bem como quanto à devolução dos valores indevidamente descontados do benefício previdenciário do autor, de forma simples, observada a compensação com a quantia efetivamente recebida pelo autor.
Por sua vez, razão assiste ao réu no que diz respeito ao
afastamento da condenação de indenização a título de danos morais.
Compulsando os autos, verifica-se que a celebração do
contrato não teve repercussão relevante na esfera moral do autor. Trata-se de transtorno involuntário que não alcançou o limiar necessário a justificar reparação pecuniária. Aqui o fato não tem relevância jurídica. É mero dissabor ou aborrecimento. Não há prova nos autos quanto ao autor ter suportado constrangimento grave.
A propósito: “(...). DANO MORAL. Inocorrência - A
indenização por dano moral deve ser reservada para os casos de dor profunda e intensa, em que ocorre a violação do direito à dignidade, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, situação não verificada nos autos. A celebração de contratos de empréstimo após a interdição do apelante não teve repercussão relevante na esfera moral dele - Dano moral não caracterizado. Recurso não provido.” (TJSP 18ª Câmara de Direito Privado Apelação nº 1001354-84.2017.8.26.0604 rel. Des. HELIO FARIA j. 27.3.2018 v.u.).
Vale lembrar, por oportuno, a lição de Sérgio Cavalieri Filho:
“O que configura e o que não configura o dano moral? Na falta de critérios objetivos, essa
PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
questão vem-se tornando tormentosa na doutrina e na jurisprudência, levando o julgador
a situação de perplexidade. Ultrapassadas as fases da irreparabilidade do dano moral e da sua inacumulabilidade com o dano material, corremos, agora, o risco de ingressar na fase da sua industrialização, onde o aborrecimento banal ou mera sensibilidade são apresentados como dano moral, em busca de indenizações milionárias. Este é um dos domínios onde mais necessária se tornam as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. Tenho entendido que, na solução dessa questão, cumpre ao juiz seguir a trilha da lógica razoável, em busca da concepção ético-jurídica dominante na sociedade. Deve tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual distância do homem frio, insensível, e o homem de extremada sensibilidade. A gravidade do dano - pondera Antunes Varela - há de medir- se por um padrão objetivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de fatores subjetivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada). Por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado (Das obrigações em geral, 8ª ed., Almedina, p. 617). Dissemos linhas atrás que dano moral, à luz da Constituição vigente, nada mais é do que agressão à dignidade humana. Que consequências podem ser extraídas daí? A primeira diz respeito à própria configuração do dano moral. Se dano moral é agressão à dignidade humana, não basta para configurá-lo qualquer contrariedade. Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exarcebada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo. Se assim não se entender, acabaremos por banalizar o dano moral, ensejando ações judiciais em busca de indenizações pelos mais triviais aborrecimentos. Dor, vexame, sofrimento e humilhação são conseqüência, e não causa. Assim como a febre é o efeito de uma agressão orgânica, dor, vexame e sofrimento só poderão ser considerados danos moral quando tiverem por causa uma agressão à dignidade de alguém”.(Sérgio Cavalieri Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 4ª edição, Malheiros Editores, 2003, pp. 98/99).
Destarte, indenizável é o dano moral sério, aquele capaz de,
em uma pessoa normal, provocar uma perturbação nas relações psíquicas, na tranquilidade, nos sentimentos e nos afetos. E no caso dos autos, apesar da abusividade ora reconhecida, não se constata violação aos direitos da personalidade da parte autora, de molde a ensejar a configuração de dano moral.
Por isso, afasta-se a condenação a título de danos morais,
mantendo-se, no mais, a r. sentença recorrida.
Face à sucumbência recíproca, cada parte arcará com as
custas a que deu causa. No tocante aos honorários advocatícios, nos termos do art. 85, §14º do CPC, que veda a compensação de honorários nessa hipótese, arcará a parte ré com os honorários advocatícios da parte autora arbitrados, por equidade, em R$ 1.000,00,