Sei sulla pagina 1di 10

DOI: 10.1590/1413-81232015209.

07542014 2787

Sofrimento e preconceito: trajetórias percorridas

TEMAS LIVRES FREE THEMES


por nutricionistas obesas em busca do emagrecimento

Suffering and prejudice: paths taken by obese nutritionists


seeking weight loss

Kênya Lima de Araújo 1


Paulo Gilvane Lopes Pena 2
Maria do Carmo Soares de Freitas 1

Abstract Obesity is a problem of public health, Resumo A obesidade, problema de saúde públi-
seen as a “moral panic”, which disables the obese ca, é vista como “pânico moral” que inabilita o
person from social acceptance. For obese nutri- obeso à aceitação social. Para nutricionistas obe-
tionists the paradox between the premises of their sas, o paradoxo das premissas de sua profissão e
jobs and their state of morbidity makes the de- seu estado de morbidade torna complexo o debate
bate complex by the conflict with the professional pelo conflito com a identidade profissional. O ob-
identity. This study sought to bring to discussion jetivo do estudo foi discutir significados do cuida-
the meanings of health care adopted by obese nu- do em saúde adotados por nutricionistas obesas de
tritionists in Salvador and to understand their Salvador e compreender a experiência delas com
experiences with their obesity in everyday life. a obesidade no cotidiano de vida. O estudo foi de
The study was based on a qualitative approach, abordagem qualitativa por meio de entrevistas se-
through semi-structured interviews with eight miestruturadas com oito narrativas sobre a expe-
narratives on being an obese nutritionist, anal- riência de ser nutricionista obesa, analisadas por
ysed under hermeneutics basis. The research re- meio da hermenêutica. A pesquisa revelou que ser
vealed that being obese generates a stigma which obesa gera estigma ampliado para a nutricionis-
is worse to the nutritionist, now seen simultane- ta vista simultaneamente como incompetente no
ously as unable to care for oneself and on being cuidado de si e na condição social de obesa. Es-
obese. Some of the stories of suffering seen on job tranhamento do corpo, exclusão social, estratégias
routine are: strangeness of the body, social exclu- de defesa na relação profissional-paciente, recurso
sion, strategies for defence on the relation profes- desesperado das dietas “milagrosas” distantes do
sional-patient, desperate rely on miraculous diet discurso científico e o corpo obeso como cárcere
1
Programa de Pós- plans which are far away from the scientific dis- são algumas condições de sofrimento desvela-
Graduação em Saúde, course, and the obese body seen as imprisonment. das no cotidiano de trabalho. Conclui-se sobre a
Ambiente e Trabalho,
Faculdade de Medicina da It is concluded that institutions of public health necessidade das instituições de saúde pública se
Bahia. Largo do Terreiro de must have knowledge of this problem and must apropriarem da dimensão do problema e estabele-
Jesus s/n, Centro Histórico. establish strategies to the condition of obese nutri- cerem estratégias para a condição de nutricionista
40026-010 Salvador BA
Brasil. tionists, considering that this contradiction may obesa, considerando que essa contradição ocorre
kenyanut@yahoo.com.br happen on different occupations. em diversas profissões.
² Departamento de Key words Obesity, Nutritionist, Stigma, Work, Palavras-chave Obesidade, Nutricionista, Estig-
Medicina Preventiva e
Social, Universidade Federal Health ma, Trabalho, Saúde.
da Bahia.
2788
Araújo KL et al.

Introdução que recai sobre ele – trazendo à tona a obesidade


como um estigma social significativo5,6. Nesta es-
A obesidade é considerada pela Organização teira, a representação do estado de saúde/doença
Mundial de Saúde como um dos principais pro- como (in)capacitação para o trabalho é tradicio-
blemas de saúde pública do emergente século XX, nal nas classes trabalhadoras.
portanto, uma epidemia da modernidade. Na es- Na contemporaneidade a imagem corporal
fera social, é como “pânico moral”, sendo vista desejada exige uma adequação a parâmetros an-
como uma enfermidade perigosa, ao passo que tropométricos aceitáveis ao padrão biomédico e
fazer dieta é moderno1,2. Essa definição de que estético defendido pela mídia. O corpo obeso fere
a obesidade é uma doença que afeta as pessoas essa tendência e, com isso, fica marginalizado na
vem acompanhada, porém, do desejo da comida sociedade moderna7. Sendo a obesidade uma en-
e a impossibilidade de fazer dieta. Para essa estu- fermidade que ocupa destaque cada vez maior no
diosa, a implicação moral de carregar um corpo cenário mundial e nacional, não raro ela tem sido
gordo obriga as pessoas a buscarem “comer cer- objeto de inúmeras pesquisas.
to” e tem levantado debates sobre o significado Ao considerar que a estética corporal é ba-
dos alimentos1. lizadora da aceitação social e de si mesmo, isso
A condição do corpo obeso foi considerada favorece o delineamento de práticas alimentares
como sinônimo de saúde, força, beleza e vitalida- na atualidade, podendo repercutir em problemas
de. Historicamente, esse conceito se modificou e de saúde de ordem física e mental. Por sua vez, a
a gordura vista com negatividade levou o corpo mesma sociedade que promove o culto à magreza
gordo a ter uma conotação patológica – condição – convertendo-a em valor moral –, é a que se ofe-
que perdura na contemporaneidade2. rece à indústria alimentar, crescendo velozmen-
Ao assumir o lugar de doença, a obesidade te e convidando à superalimentação8. Isso gera
tornou-se objeto de medicalização e passou a em torno da problemática ora apresentada, uma
ser apontada como causa de outros adoecimen- equação de difícil solução.
tos, resultando em mudanças na sua concepção e O crescimento das indústrias de produtos ali-
abordagem. Essa transformação no modo de ver mentícios tem favorecido o aumento no consu-
a obesidade ao longo do tempo teve implicação mo de bebidas açucaradas e alimentos gorduro-
tanto em aspectos biomédicos quanto culturais2. sos, diminuindo a qualidade da alimentação. Pa-
Inicialmente vista pela medicina como falta de ralelo a isto, a urbanização das cidades favorece a
vontade e desordem psicológica e, portanto, um criação do ambiente obesogênico, marcado pela
problema a ser tratado no corpo pelas ciências da influência da exposição a poluentes ambientais e
saúde, mais tarde, passou a ser alvo de discussão facilidades do automatismo que propicia o com-
no âmbito religioso - com o entendimento de portamento sedentário9.
que o peso corporal poderia estar relacionado à Considerando esse contexto em que os de-
crença dos indivíduos – fugindo então do escopo terminantes da obesidade são construções his-
médico de atuação1,2. Independente do aspecto tóricas e sociais, um quarto da população hoje
valorizado a cada época na história, fato é que segue algum tipo de regime, influenciada princi-
comparações quanto às doenças existentes no palmente pela indústria publicitária que vende a
corpo gordo e ausentes no corpo caracterizado imagem do corpo magro como sinônimo de boa
pela magreza começaram a se estabelecer1-3. saúde. Paralelamente, essa mesma mídia estimula
O conceito de estigma como uma situação na o consumo de alimentos que distanciam os con-
qual o indivíduo está inabilitado para a aceitação sumidores da possibilidade de atingir um corpo
social plena4 trata da categorização das pessoas saudável e socialmente aceito.
pela sociedade, estabelecendo a probabilidade de A ‘globesidade’ argumenta que as práticas ali-
encontrá-las em um dado meio social. O diag- mentares saudáveis têm sido prejudicadas pela
nóstico social da obesidade apresenta uma fron- globalização, sendo a gordura um produto da mo-
teira entre o corpo proporcional (“normal”) e o dernidade3. É fácil responsabilizar a globalização
que tem gordura – e esse limite é constantemente por todos os males do mundo [...] mas há que se
negociado com as ciências da saúde e a cultura1. observar que, com o aumento da renda e de oferta
O estigma pode ser considerado fator de ex- de alimentos variados, todos desejam incremen-
clusão social, na medida em que leva à perda da tar seu modo de comer, e, além do componente
confiança pessoal e deterioração da sua identi- individual, o ambiente afeta essas escolhas.
dade social. O obeso é desvalorizado e repelido Nessa sociedade, entende-se o nutricionista
da sociedade devido ao peso do olhar estético como o profissional habilitado a cuidar da saú-
2789

Ciência & Saúde Coletiva, 20(9):2787-2796, 2015


de de indivíduos e populações, na perspectiva da da, além das anotações das observações realiza-
promoção de uma alimentação saudável. Entre- das no momento da entrevista em um caderno
tanto, apesar do crescimento dessa profissão e (diário de campo) destinado a este fim.
conforme cenário epidemiológico, a obesidade As entrevistas foram realizadas no mês de se-
no Brasil e no mundo é crescente. tembro de dois mil e treze, em sessão única, com
Ao considerar a obesidade uma enfermida- duração média de quarenta e cinco minutos, to-
de que atinge também profissionais de nutrição talizando oito participantes para esse estudo.
– o que requer uma compreensão multidimen- A técnica utilizada trouxe abordagens que
sional, aproxima-se o debate da condição obesa suscitaram relatos sobre a experiência de ser nu-
das mulheres aqui pesquisadas. Para tanto, faz-se tricionista obesa e o modo como a imagem cor-
necessário conhecer o caminho percorrido pelas poral afeta a sua vida no meio social e determina
nutricionistas obesas em busca do emagrecimen- sua forma de cuidar da saúde. A pré-análise deu-
to pautando-se na concepção que elas têm sobre se a partir de repetidas leituras das transcrições
o processo saúde-doença-cuidado. de modo a possibilitar a identificação de palavras
Para nutricionistas obesas, o paradoxo exis- e expressões chaves e a categorização das falas; os
tente entre as premissas de sua profissão e seu nomes das entrevistadas desse estudo são fictí-
estado de morbidade torna mais complexo o de- cios - muitos deles escolhidos pelas nutricionistas
bate, pois a dificuldade de controle do próprio participantes.
peso as coloca em conflito com sua identidade Para análise dos dados foi utilizada aborda-
profissional. Nessa perspectiva, este estudo pro- gem hermenêutica, considerada como a mais
blematiza a dimensão subjetiva de nutricionistas capaz de dar conta de uma interpretação apro-
obesas da cidade do Salvador, com o objetivo de ximada da realidade, na medida em que coloca a
discutir os significados do cuidado em saúde por fala em seu contexto histórico para entendê-la11.
elas adotados em face do seu saber técnico, além Dessa forma, foi possível interpretar a narrativa
de buscar compreender a experiência dessas mu- das nutricionistas obesas e compreender a per-
lheres com a obesidade no cotidiano de vida. cepção delas acerca dessa enfermidade frente ao
seu sistema sociocultural e sua relação com o co-
tidiano da vida.
Metodologia As interpretações foram caracterizadas por
categorias cujas temáticas emergiram dos relatos
Esse artigo é produto de uma pesquisa com das entrevistadas e versaram sobre o conceito de
abordagem qualitativa realizada nos espaços de obesidade, constrangimento e estigma, culpa e
trabalho de serviços de saúde em Salvador-Ba sofrimento por não “caber” na sociedade. A es-
(hospitais, restaurantes, indústrias, clínicas, salas colha dos eixos temáticos para discussão nesse
de aula) de nutricionistas obesas e em seus domi- artigo deu-se a partir de recortes das narrativas
cílios, quando o local era indicado por elas como das nutricionistas obesas entrevistadas, sendo
o mais conveniente. Foram estabelecidos como destacadas as palavras que traduziam o significa-
critérios de inclusão: ser nutricionista, do sexo do/a concepção das mesmas diante do contexto
feminino, ser/sentir-se obesa, atuar/ter atuado pesquisado.
no campo da nutrição. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Éti-
A metodologia utilizada para a identificação ca em Pesquisa da Faculdade de Medicina da
de informantes chaves deu-se a partir de amostra Universidade Federal da Bahia em 04/09/2013.
tipo “bola de neve”– as nutricionistas entrevista- Considerou-se a Resolução 466/12 do Conselho
das nesta pesquisa foram selecionadas para fazer Nacional de Saúde12.
parte deste estudo pelas próprias pesquisadas10.
Esse processo ocorreu até a verificação de simi-
laridade de narrativas inscritas na intersubjetivi- Resultados e discussão
dade (elementos comuns nas falas) das entrevis-
tadas. A hipótese que motivou esse estudo é a de que
Para a coleta de dados, foram realizadas e gra- as assertivas que explicam o fenômeno da obe-
vadas entrevistas individuais em profundidade sidade não são aceitas pela sociedade se aplicada
para garantir a integralidade da fala das entrevis- à nutricionista, por ser conhecedora das normas
tadas, seguidas de transcrição na íntegra dos re- alimentares que devem orientar a relação do
latos obtidos, tendo como instrumento de coleta homem com o alimento e suas implicações na
de dados um roteiro de entrevista semiestrutura- saúde – fato esse que deveria determinar sua es-
2790
Araújo KL et al.

colha alimentar e regular seu corpo. Entretanto, Diná: 49 anos, graduada por Instituição Fe-
pautar as práticas alimentares de nutricionistas deral de Ensino Superior, em Minas Gerais, há
em função apenas de achados científicos, descon- vinte e seis anos, trabalha com controle de qua-
siderando o sistema socioeconômico e cultural lidade de alimentos, e apresenta o adoecimento
que as cercam é, seguramente, uma desconexão pela obesidade como produto do estresse da vida
com a vida cotidiana desses sujeitos. Ademais, se- diária, demarcando que nada tem a ver com limi-
ria também ocultar o poder da globalização ali- tação biológica.
mentar, cujo estímulo ao consumo de alimentos Eduarda: 37 anos, graduada por Instituição
vai de encontro às premissas da ciência médica Privada de Ensino Superior, na Bahia, há sete
e exerce grande influência na sociedade contem- anos, trabalha em outra profissão fora da área da
porânea como um todo. Nesse contexto, conhe- saúde tendo deixado a nutrição pelo desencanto
cer a experiência das nutricionistas obesas levará com o mercado de trabalho. Considera a obesi-
a emergência de novas conjecturas, construídas dade um incômodo contra o qual precisa lutar.
por elas, o que permitirá ampliar a compreensão Rita: 62 anos, graduada por Instituição Fe-
da condição obesa. deral de Ensino Superior, na Bahia, há quarenta
Para conhecer mais sobre as entrevistadas, faz- anos, abandonou a profissão após ter sido demiti-
se necessário caracterizar os sujeitos pesquisados: da devido à obesidade – a qual considera um mal
são mulheres, nutricionistas, obesas, na faixa etá- terrível, sem controle, e que lhe acompanha mes-
ria de 30 a 62 anos. Esse estudo tem diversas uni- mo após ter passado por uma cirurgia bariátrica.
dades interpretativas produzidas nos discursos e Candice: 57 anos, graduada por Instituição
tem por categorias de análise: 1. Modelos expli- Federal de Ensino Superior, em Mato Grosso, há
cativos da obesidade; 2. O imperativo da magreza trinta e cinco anos, trabalha na docência e con-
para a nutricionista: trajetórias percorridas em sidera a obesidade uma doença metabólica que
busca do emagrecimento; 3. Estranhamento da pode trazer prejuízos à saúde.
obesidade: no outro, em si; 4. Com o paciente, a Diana: 46 anos, graduada por Instituição Fe-
autoridade sou eu!; 5. A culpa do gordo: a obesi- deral de Ensino Superior, em Alagoas, há vinte
dade da nutricionista como cárcere. anos, trabalha com gestão de Unidade de Ali-
mentação e Nutrição e considera a obesidade
1. Modelos explicativos sobre a obesidade uma doença que precisa ser controlada.
Grazy: 42 anos, graduada por Instituição Es-
Em um mundo no qual as ciências da saú- tadual de Ensino Superior, há treze anos, trabalha
de apresentam conceitos e explicações para os na área de produção de refeições para coletivida-
estados de adoecimento dos indivíduos, todas as des. Considera a obesidade uma doença que pre-
nutricionistas participantes deste estudo cons- cisa ser tratada com seriedade.
truíram “modelos explicativos” sobre a sua obe- Assim, cada uma delas construiu modelos ex-
sidade na condição simultânea de obesa e profis- plicativos centrados no discurso biomédico e em
sional que domina as técnicas de emagrecimento, condicionantes sociais, decodificou sua doença
como se observa a seguir: e partilhou sua visão de mundo, visto que “todo
Beatriz: 30 anos, graduada por Instituição acontecimento importante na vida humana re-
Federal de Ensino Superior, na Bahia, há seis quer uma explicação: é preciso compreender sua
anos, trabalha com nutrição clínica hospitalar (e natureza e encontrar suas causas”13.
ambulatorial como continuidade do tratamento
hospitalar) e apresenta a história de adoecimento 2. O imperativo da magreza para a nutricio-
com a obesidade fazendo parte da sua vida desde nista: trajetórias percorridas em busca do ema-
a infância. O mundo é quem mostra para ela seu grecimento
corpo obeso.
Carol: 39 anos, graduada por Instituição Es- Os itinerários corporais são processos indi-
tadual de Ensino Superior, na Bahia, há quinze viduais vitais que ocorrem dentro de estruturas
anos, trabalha em outra profissão na área da saú- sociais concretas que dão centralidade ao corpo
de, tendo deixado a nutrição pela percepção do como espaço de vivência, reflexão, contestação14.
peso do estigma e afirma que a construção da Para esta autora, “o corpo como agente é ao mes-
obesidade em seu corpo advém de outra doença mo tempo um corpo como sujeito, protagonista
crônica. Deste modo, sua história de vida sofre de uma narrativa”.
uma ruptura ocasionada pela depressão que de- Neste estudo, as trajetórias de tratamento
sencadeia a obesidade. do corpo obeso, percorridas por essas mulheres,
2791

Ciência & Saúde Coletiva, 20(9):2787-2796, 2015


mostram a tentativa de se apropriar de um corpo Sobre essa temática, observa-se que há à dis-
que parece não ser delas. Sobre o percurso esco- posição das pessoas um arsenal de métodos de
lhido pelas nutricionistas para cuidar da saúde, emagrecimento, tais como “chás, shakes, pílulas,
os relatos evidenciam a busca por diferentes for- programas, receitas e dietas que prometem ser
mas de tratamento da obesidade. milagrosos”,7; e nas entrevistas, este aspecto foi
Em consonância com os achados em uma relatado ao questionar sobre a utilização de me-
pesquisa com mulheres de baixa renda e escola- dicamentos e dietas da moda no intuito de ema-
ridade15, também as nutricionistas entrevistadas grecer, conforme se observa no Quadro 1.
nesse estudo buscaram modalidades variadas O Brasil está entre os países com maior nú-
para seu cuidado em saúde que foram desde die- mero de consumidores dos anorexígenos, e nesse
tas da moda, passando por acompanhamento ranking é seguido dos Estados Unidos e Argenti-
com profissionais, até o uso de medicamentos. na16,17. Alimentando essa estatística, as mulheres
Todas as tentativas de emagrecimento rela- entrevistadas afirmaram o uso do medicamento
tadas pelas nutricionistas entrevistadas traziam e relataram também a não efetividade do mesmo
como pano de fundo o desejo de serem aceitas, em longo prazo. As nutricionistas pesquisadas
uma vez que sua condição obesa afeta negati- indicaram ainda outras tentativas de emagreci-
vamente suas relações familiares e de trabalho. mento, como por exemplo, as dietas da moda,
Vigiar o peso do corpo com a intenção de alcan- que também se mostraram falhas.
çar a magreza e manter-se esbelta é uma prática Há diversos tratamentos para perda de peso
comum entre as mulheres3. Assim, no cotidiano, que são difundidos na sociedade e são ineficazes
mulheres obesas vêm tentando moldar seus cor- em médio e longo prazo5. Para a autora “a in-
pos para que eles possam ser posicionados em dústria florescente da perda de peso”, com seus
um lugar confortável do ponto de vista social – e múltiplos regimes e pílulas milagrosas se benefi-
o mesmo aconteceu com as nutricionistas deste cia com essa doença induzindo os sujeitos obesos
estudo. a entrarem no “círculo infernal: estigmatização

Quadro 1. Estratégias de Emagrecimento Experimentadas por Nutricionistas Obesas.

Método Narrativas

1. Já tomei (remédio para emagrecer). (Beatriz, 30 anos)


2. Eu cheguei a tomar um (remédio para emagrecer) que o próprio médico prescreveu. Mas
não fez efeito para mim. (Carol, 39 anos)
Científico 3. Já tomei muita fórmula (medicamento para emagrecer) que a médica passava e
Medicamentoso engordava de novo. (Eduarda, 37 anos)
4. Já tomei (remédio), sugestionada por colegas, mas passava mal demais. E o sucesso era
passageiro. O peso só evoluía. (Rita, 62 anos)
5. Eu nunca tomei (remédio para emagrecer). Mas para algumas colegas, rolava solto.
(Grazy, 42 anos)

1. Fiz um tratamento com médico, nutricionista, psicólogo e educador físico. Emagreci 14


kg – que nem foi tudo que eu precisava perder – mas engordei de novo e foi frustrante.
Científico Não (Eduarda, 37 anos)
Medicamentoso 2. Eu emagreci quando procurei um tratamento com uma equipe multiprofissional (médico,
psicólogo, educador físico, nutricionista). (Diná, 49 anos)
3. Eu fiz um tratamento intensivo com terapia, dieta e exercício físico. Aí eu tenho conseguido
manter (o peso adequado). Mas já cheguei a pesar 100kg. (Diana, 46 anos)

1. Já fiz de tudo: dieta da lua, do sol, do mar, do mundo, da peste, do juízo, da falta dele, de
Veiculada na tudo que você possa imaginar! [...] Todas essas da moda aí eu já fiz. (Beatriz, 30 anos)
mídia/ Dieta 2. Já fiz (dieta) de revista. (Eduarda, 37 anos)
da moda 3. Na minha casa você acha livro da dieta de Dukan, de South Beach, de Atkins, dos pontos.
Tudo que lança eu compro, leio e faço. (Candice, 57 anos)
4. Já tomei um shake (substituto de refeição) muito divulgado na mídia, mas parei porque
não acreditei muito que podia dar resultado. (Rita, 62 anos)
2792
Araújo KL et al.

- perda de autoestima, ingestão alimentar com- Eu tomei a atitude de procurar esse tratamen-
pulsiva (compensação) – manutenção desen- to (para emagrecer) que eu faço hoje, quando vi
volvimento da obesidade”, como ocorre com as minha mãe morrer em decorrência do diabetes e
nutricionistas obesas deste estudo, pois não estão minha glicemia ficando alterada. (Diná, 49 anos)
fora desse contexto. Isso leva você a ter uma coisa na cabeça que
Estudo18 mostra que “os insucessos nos tra- parece que aquilo nunca vai sair de você. (Beatriz,
tamentos de redução de peso e os concomitantes 30 anos)
prejuízos à saúde física e psicológica dos indiví- Eu não me sinto bem para estar em qualquer
duos obesos forçam pesquisadores e profissionais lugar (chora). Por causa do meu corpo. [...] É
de saúde a buscar entender como os aspectos uma coisa que afeta minha autoestima. (Carol, 39
psicológicos e comportamentais são importan- anos)
tes para o manejo adequado do problema”. Au- Nas narrativas percebe-se que, na visão das
tores19 afirmam, todavia, que o que não pode é entrevistadas, o corpo passa a ser sentido como
a saúde ser tratada como um bem de mercado, adoecido, quando além do excesso de peso, essa
como produto comercializável. Faz-se necessário condição é expressa, por exemplo, através de
refletir sobre essa questão, na medida em que “o resultados de exames clínicos laboratoriais. No
discurso para aquisição de um corpo esguio pas- caso de Beatriz, há ainda o distanciamento, pois
sa a ser um objetivo cultural e porta aberta para ela não fala da sua obesidade, mas da obesida-
a expansão de um mercado com incontáveis pro- de de alguém, de uma terceira pessoa. Assim, a
dutos e serviços”20. entrevistada revela por meio do seu relato a difi-
As nutricionistas deste estudo, na busca pelo culdade de falar da obesidade em si, com a per-
imperativo do corpo magro, acessam dietas que cepção de algo estranho, não propriamente ins-
fogem ao discurso acadêmico. Como se vê nas crita no corpo. Raramente os indivíduos veem a
narrativas, as estratégias de emagrecimento uti­ gordura como problema em sua autoavaliação1,
lizadas por essas nutricionistas obesas não dife- pois, para elas, são saudáveis mesmo sabendo-se
rem do encontrado na população em geral, ape- gordas, como evidenciado nos relatos de Beatriz
sar do domínio técnico-científico conferido pela e Grazy.
academia. Nesse aspecto, Beatriz, ao distanciar-se, afas-
ta-se do sofrimento e consegue no plano subjeti-
3. Estranhamento da obesidade: vo sentir-se igual no meio social. Ao idealizar um
no outro, em si. corpo “normal”, conforme os resultados clínicos,
ela se sente aceita, ao menos em seu imaginário.
No autorrelato sobre obesidade, como co- Ela carrega o sofrimento de querer ser o que não
nhecedoras das condições clínicas que afetam o pôde até o momento, pois a obesidade, para ela,
corpo obeso, as autoras deste estudo parecem se é como um peso que carrega em seu ombro – e
distanciar do problema para falar da obesidade segundo ela, este nunca mais vai sair. Beatriz uti-
de outro e não de si, como mostro mais adiante. liza o termo “aquilo” para se referir a obesidade,
Ao serem questionadas sobre o conceito de permitindo inferir que falar a palavra a faz sofrer
obesidade, as entrevistadas afirmaram: mais.
É o acúmulo de tecido adiposo. [...] Mas não Para Carol, a experiência da obesidade pode
necessariamente uma pessoa obesa é uma pessoa ser interpretada como um ente – que é influen-
doente. [...] Nem todo obeso vai ser dislipidêmico. ciado pelo sistema sociocultural no qual está in-
(Beatriz, 30 anos) serida – que lhe “rouba” a vida. Isso é revelado
É uma doença que precisa ser tratada com es- quando a nutricionista denomina a obesidade de
clarecimento porque as pessoas estão desinforma- “coisa”, ao falar sobre seu sofrimento.
das. (Grazy, 42 anos) No caso de Diná sua motivação para busca de
Elas se afastam da condição de obesa para tratamento tem a ver com o modelo biomédico
explicar o problema. Desse modo, parece que ne- vigente. Assim, fica evidenciada que a obesidade
gam a doença tentando enganar a si mesmas. Há é “coisa”, é “isso”, é “aquilo”, estranha ao corpo,
assim, fala sobre a existência de uma “percepção apesar de estar no outro.
individual e subjetiva da doença”,21.
Eu estou com sobrepeso, isso eu admito. Mas 4. Com o paciente, a autoridade sou eu!
não tenho problema nenhum (ênfase em “ne-
nhum”). [...] Não tenho problema nenhum de É inerente à profissão do nutricionista o cui-
saúde. (Grazy, 42 anos) dado com a alimentação na perspectiva de preve-
2793

Ciência & Saúde Coletiva, 20(9):2787-2796, 2015


nir a ocorrência de agravos à saúde dos indivídu- numa linguagem para o outro. Com isso, conta
os e população. Assim, pode-se inferir que para que fala alto, tal qual uma voz estridente, reve-
a nutricionista obesa traçar diretrizes de práticas lando uma estratégia singular na relação profis-
alimentares saudáveis junto aos pacientes faz-se sional-paciente que busca calar o doente com a
necessário estabelecer um vínculo nessa relação finalidade de prevenir a dor de uma possível crí-
que propicie a confiança na conduta prescrita. tica contendo o estigma da obesidade.
Na relação profissional-paciente, a nutricio- Abaixo apresento um relato no qual a nutri-
nista necessita desenvolver um olhar que se de- cionista utiliza o poder do saber biomédico na
tém em sutilezas, que penetra e lê o doente22; e, relação com o paciente para se autopreservar,
no caso da nutricionista, o sujeito é fenômeno que ignora o sentir do seu paciente. Esta conduta
que se interpreta e valora de diferentes formas se assemelha a anterior e representa uma contra-
na sociedade, segundo a experiência pessoal ou dição que nos convida a refletir sobre o fato de
profissional que se tenha23. Acredita-se, portan- ela tentar compensar sua baixa autoestima exer-
to, que para a construção de uma boa relação cendo a autoridade com possiblidade de excesso
profissional-paciente é necessário o empenho como estratégia de proteção contra o estigma
de ambos na busca de caminhos possíveis para presente no cotidiano da relação com o paciente,
a resolução do problema, considerando desejos conforme se observa:
e necessidades24. Com paciente mostro logo que mando eu.
A narrativa da mulher desse estudo mostra Quem diz o que ele vai comer sou eu. Em casa ele
que há um encontro “frio” do profissional-cui- escolhe, mas no hospital, só come o que eu man-
dador com o seu paciente. A experiência de Diná do. Eu é que sei o que ele precisa e o que ele pode.
mostra que a consulta se configura numa relação (Beatriz, 30 anos)
de “obediência do paciente” e implica na desqua- Assim, a narrativa denota que o poder mé-
lificação daquele que não alcança as metas estabe- dico precisa de um doente educado, pois a de-
lecidas no tratamento prescrito pelo nutricionista. sobediência representa um constrangimento no
Quando eu fracassava na dieta que ela prescre- exercício da profissão25 – lembrando ao doente
via, eu tinha medo de voltar lá porque sabia que que é o único que detém o monopólio dos co-
ia me julgar, ia questionar eu não ter conseguido. nhecimentos. No entanto, em relatos anteriores
(Diná, 49 anos) a nutricionista entrevistada trata dos diversos
Ainda nesse contexto, uma nutricionista ao determinantes que permeiam suas escolhas ali-
ser questionada sobre sua atitude diante de um mentares e dos motivos pelos quais esses fatores
paciente que venha a contestar sua conduta die- têm mais impacto do que os aprendizados da
toterápica, diz: academia; mas parece que há um grande distan-
Quando vai me questionar eu já falo de for- ciamento quando se trata dos desejos alimentares
ma técnica. [...] Eu já mostro a ele (paciente) que do outro, do paciente, daquele que ela se propõe
quem manda na situação sou eu. [...] Eu tenho um a cuidar.
tom de voz alto, além de gorda eu sou alta, então Esse olhar tecnicista, fragmentador e gélido
eu intimido. (Beatriz, 30 anos) (conforme registro do diário de campo), quando
A ciência da saúde apreendida pela entrevis- vem da sociedade sobre si, ignora a angústia da
tada indica padrões, procedimentos e recomen- nutricionista – e do mesmo modo ela o faz com
dações a serem seguidos, esquecendo-se que por o paciente, por entender com base no olhar pro-
traz de quem come, há uma história contando fissional o que é melhor e mais importante para
o que você é, o que viveu, o que o constrói por o outro adoecido e sob seus cuidados. Parece que
traz da figura social que se apresenta ao mundo. a incompreensão do outro/da sociedade para
Beatriz parece ignorar a sua vivência enquanto com ela é anormal, mas quando o convenciona-
“sujeito social”, ao falar como se não conside- do como anormal está no outro, isso é normal.
rasse a angústia de quem ouve as proibições do O cuidado com o outro, para ser concretizado,
“sujeito profissional”. É uma tentativa de mediar necessita de escuta e acolhimento do sofrimento
sua relação com o doente através da autoridade vivenciado15.
conferida pelo conhecimento técnico para supe- Mais do que autoridade, a relação entre pro-
rar o (possível) olhar crítico do paciente para sua fissional e paciente no serviço de saúde poderia
condição obesa. emergir como um lugar neutro para construção
Nesse relato, ela fala do paciente como se fa- de prognóstico solidário e de uma relação não
lasse para si. Ela faz o discurso para si, ainda que conflitiva diante do adoecimento.
2794
Araújo KL et al.

5. A culpa é do gordo: a obesidade rializasse em um castigo, sob a forma de doença


da nutricionista como cárcere (obesidade).
O estereótipo de beleza difundido na mídia
A pessoa obesa tem dificuldades relacionais e vem popularizando a ideia de que temos que
afetivas26. Os relatos que seguem abaixo revelam ser magros para sermos considerados bonitos.
que a experiência da enfermidade afeta o corpo, Isso é reforçado por Beatriz quando revela ser a
as relações sociais e afetivas21. E nesse sentido, as magreza o padrão estético valorizado no mun-
entrevistadas evidenciam que têm fome de ser do contemporâneo. Refletir sobre o corpo obeso
outra, de ser aquela admirada pelos holofotes da permite pensar “a mulher existencial, a qual não
contemporaneidade. E isso se nota quando elas é possuidora de um corpo, mas “é um corpo”, su-
dizem: jeito, único, cultural, social e político”27.
As pessoas não conseguem aceitar que você é “A obesidade tem sido considerada uma con-
uma nutricionista obesa, aceitar que nutricionista dição estigmatizada pela sociedade e associada
é gente também. Até na relação homem e mulher. a características negativas, favorecendo cada vez
O problema é a sociedade que estereotipa que a mais a discriminação e aos sentimentos de insa-
pessoa tem que ter uma IMC de 18 pra ela ser bo- tisfação”28. Nesse sentido, para as autoras desse
nita. [...] Depois você até se sente culpada, mas na estudo, na sociedade não há lugar para o “corpo
hora que você está comendo é a forma que você diferente”, como revelam em suas narrativas:
tem para tirar a sua cabeça daquele problema que Eu passei 08 anos sem ir a eventos sociais por-
você está vivendo, entendeu?” (Beatriz, 30 anos) que conhecidas me olhavam e perguntavam: ‘Nos-
Estudos5 concluem que atitudes negativas em sa, por que você está gorda assim?’ A sensação era
relação aos obesos podem se transformar em ver- de que eu tinha cometido um crime. [chora]. Gor-
dadeiras discriminações e afetar suas trajetórias do é feio! [ênfase na voz] [...] Ser gordo é crime
sociais. Conforme se vê, há em Beatriz um sen- porque você é que quer ser gordo. [...] A obesidade
timento de impotência para enfrentar a enfermi- para mim é um cárcere privado. [...] Então, ficar
dade que habita seu corpo. Dado a significância em casa para mim era o melhor lugar. Esses quilos
do fato na vida dessa nutricionista, ela classifica me trouxeram a prisão. Eu me aprisionei nesse lu-
a situação de preconceito sentido outrora como gar. [Silêncio e choro]. (Carol, 39 anos)
uma dor inesquecível, e continua afirmando: Nesse contexto, silhuetas obesas são alvos de
Eu queria ter oportunidade de dizer para ela depreciação, sendo necessária uma adequação
[professora] que eles me respeitam pelo que eu sou do corpo à imagem social esperada. Assim, o de-
e não pela forma como eu me apresento para eles. poimento de Carol retrata sua experiência com
[...] Mas aquilo [sugestão de submissão à cirur- o distanciamento que o corpo gordo provoca no
gia bariátrica] foi de uma falta de sensibilidade, cotidiano da vida - a obesidade apresentou a essa
uma falta de respeito, foi de uma agressividade sem mulher a exclusão provocada pelo estigma carac-
igual. (Beatriz, 30 anos) terizado pela falta de aceitação social e “obriga-
Ao fazer contato com a experiência da obe- ção” de apresentar uma justificativa para o “pro-
sidade, ela não encontra palavras que possam blema”15. O não aparecer publicamente protege
explicar a sua dor. Já não bastasse o sofrimento essa mulher da violência advinda dos olhares e
de ser representante de um saber não aplicado, palavras de outro que lhe é próximo.
se depara com o estigma entre os seus pares. A Para ela, quem lhe diz estar obesa é o olhar
dor expressa no olhar, no tom de voz ao relatar, do outro – que constrange e culpa - e não apenas
no gestual com mãos que se abrem como sinal de seu IMC. O sinal da obesidade se dá pela aparên-
inconformidade, parece dizer que, se ela pudesse, cia de um corpo que não tem lugar na sociedade;
sairia do seu corpo como alguém que foge pela para ela, há um corpo que se configura como um
porta dos fundos, para garantir que não seria cárcere e a casa como refúgio. Desse ponto de
agredida. vista, a gordura afeta mais a saúde dela em decor-
Na sociedade ocidental há uma tendência a rência do estigma que sofre do que pela doença
modelar/adequar o corpo às normativas da so- que habita o organismo.
ciedade em que vivemos, na qual o corpo é tido Estudiosos20 afirmam que não raro os sujeitos
como algo a ser mostrado e cuidado com esme- obesos projetam metáforas, a exemplo de “cor-
ro, devendo ser disciplinado por dieta e ativida- po como prisão” – fato evidenciado na vivência
de física, sendo necessário para isso um controle relatada por Carol. Observa-se que há uma dura
de si mesmo23. Para Beatriz, o prazer de comer pena a ser cumprida enquanto essa nutricionis-
vem seguido de culpa, como se a comida se mate- ta se mantiver obesa. Ela cometeu o crime de ser
2795

Ciência & Saúde Coletiva, 20(9):2787-2796, 2015


obesa e foi condenada e alocada em um cárcere tabaco, e assim por diante. Por isso, este estudo
simbólico que a aprisiona. aponta uma necessidade de aprofundar a interlo-
cução das ciências biológicas com as ciências so-
ciais, de modo a descortinar modos de constru-
Considerações finais ção de estigmas de enfermidades que envolvam
diretamente o trabalho e a prática profissional.
O presente estudo revela que a obesidade é vista No caso em questão, a obesidade desvelada
e sentida através das dificuldades enfrentadas por no seu universo de significados expressa o sofri-
essas nutricionistas gordas em seu meio social e mento de sujeitos nutricionistas na sua singula-
profissional. Há uma clara desvantagem social ridade do cuidado de si e do outro. Entretanto,
em ser obeso, o que gera estigma que e se mag- esse paradoxo se revela em várias outras situações
nifica na vida profissional da nutricionista obesa profissionais, a exemplo de endocrinologistas
vista como incompetente. As histórias de adoeci- e cardiologistas obesos. Esta condição indica a
mento das protagonistas do estudo revelam que necessidade das instituições de educação e saúde
o ambiente social repercute sobre o corpo físico pública se apropriarem da dimensão do proble-
podendo produzir ou reduzir sua saúde. ma, desconstruírem a culpa alocada no indivíduo
Para as mulheres deste estudo a obesidade é e no profissional, para formular estratégias de
coisa, é isso, é aquilo, é condição não aceita na orientação para os que vivenciam dilemas seme-
esfera biomédica ou social e é doença decorrente lhantes.
de um consumo alimentar que carrega aspectos Este estudo não pretende esgotar essa discus-
desconsiderados pelas disciplinas acadêmicas. são, mas apenas colocar em evidência a impor-
Nesse contexto, as nutricionistas obesas, ao vive- tância das questões nele apresentadas e discuti-
rem no imperativo pela magreza, acessam dietas das, sugerindo ainda um debate entre os nutri-
que se distanciam do discurso científico – não cionistas e suas entidades de classe, no tocante
diferindo assim, do encontrado na população em a transformação do processo de formação deste
geral, apesar do domínio técnico conferido pela profissional. Para além das técnicas antropomé-
academia. tricas e conhecimento dietoterápico há necessi-
O fenômeno da contradição entre o saber dade de buscar a consolidação de uma proposta
técnico-científico e condutas pessoais ou hábitos de intervenção que considere o sujeito em seus
de risco é amplo e envolve uma gama de profis- aspectos biológicos, psicossociais, culturais e eco-
sionais no cotidiano dos serviços de saúde. Trata- nômicos, de modo que o tratamento tenha com-
se de cardiologistas e endocrinologistas obesos, prometimento com o sujeito obeso e seu contex-
pneumologistas que mantêm a dependência do to de vida.

Colaboradores

KL Araújo participou da concepção, coleta e aná-


lise dos dados e redação do artigo. PGL Pena e
MCS Freitas participaram da análise dos dados e
redação do artigo.
2796
Araújo KL et al.

Referências

1. Gilman SL. The Stigma of Obesity. In: Gilman SL. Fat: 18. Chaves L, Navarro AC. Compulsão alimentar, obesida-
A Cultural History of Obesity. Cambridge: Polity Press; de e emagrecimento. Rev Brasileira de Obesidade, Nu-
2008. p. 1-32. trição e Emagrecimento 2011; 5(27):110-120.
2. Gilman SL. Obesity: the biography. In: Gilman SL. Fat: 19. Marcon ER, Gus I. A influência dos fatores ambien-
A Cultural History of Obesity. Cambridge: Polity Press; tais no tratamento prevenção da obesidade. Rev Bra-
2008. p. 1-34. sileira de Obesidade, Nutrição e Emagrecimento 2010;
3. Gilman SL. Conclusion ‘Globesity’ and its odd history. 4(20):88-92.
In: Gilman SL. Fat: A Cultural History of Obesity. Cam- 20. Arnaiz MG, Comelles JM. De comer y no comer. In:
bridge: Polity Press; 2008. p. 1-15. Arnaiz MG, Comelles JM, editores. No comerás: Narra-
4. Goffman E. Estigma: notas sobre a manipulação da iden- tivas sobre comida, cuerpo y gênero em el nuevo milênio.
tidade deteriorada. Rio de Janeiro: LTC; 1988. Barcelona: Icaria editorial; 2007. p. 21-38.
5. Poulain JP. Sociologias da alimentação: os comedores e 21. Torralba Roselló F. Antropologia do cuidar. Petrópolis:
o espaço social alimentar. Florianópolis: Ed. da UFSC; Vozes; 2009.
2006. 22. Foucault M. Espaços e classes. O nascimento da clínica.
6. Sudo N, Luz MT. O gordo em pauta: representações do Rio de Janeiro: Forense, 1991.
ser gordo em revistas semanais. Cien Saude Colet 2007; 23. Esteban ML. Antropología Del Cuerpo – Género, iti-
12(4):1033-1040. nerários corporales, identidad y cambio. In: Esteban
7. Santos LAS. O corpo, o comer e a comida: um estudo ML. El cuerpo en la sociedad occidental. Imagem corpo-
sobre as práticas corporais e alimentares no mundo con- ral, peso y alimentación. Barcelona: Edicions Bellaterra;
temporâneo. Salvador: EDUFBA; 2008. 2004. p. 87-98.
8. Góes JAW. Fast-Food: um estudo alimentar sobre globali- 24. Matumoto S. Encontros e desencontros entre trabalha-
zação alimentar. Salvador: EDUFBA; 2010. dores e usuários na saúde em transformação: um ensaio
9. Mendes LL. Ambiente Construído e Ambiente Social cartográfico do acolhimento [tese]. Ribeirão Preto: Uni-
– Associações com o excesso de peso em adultos [tese]. versidade de São Paulo; 2003.
Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais; 25. Boltanski L. As classes sociais e o corpo. 3ª ed. São Paulo:
2012. Paz e Terra; 2004.
10. Cavechia LA, Bustamante PG, Correia JR. Diagnóstico 26. Fontes GAV. O ‘ser’ obeso: processo, experiência e estig-
dos Agricultores Familiares Feirantes da Comunidade de ma. In: Freitas MC, Fontes GAV, Oliveira N. Escritas e
Água Boa II, Norte de Minas Gerais. Comunicado Téc- narrativas sobre alimentação e cultura. Salvador: EDU-
nico 179. Brasília, 2008. FBA; 2008. p. 192-205
11. Gadamer H-G. Verdade e método. Petrópolis: Vozes; 27. Larini KCP, Simões R. Sobrepeso ou obesidade: a visão
1997. de corpo de mulheres maduras. Movimento & Percep-
12. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Conselho Nacional ção 2009; 10(14):1679-1678.
de Saúde. Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 28. Almeida CME, Oliveira MRM, Vieira CM. A relação
2012. Diário Oficial da União 2013; 13 jun. entre a imagem corporal e obesidade em usuárias de
13. Adam P, Herzlich C. Saúde, doença e suas interpreta- unidades de saúde da família. Rev Simbio-Logias 2008;
ções culturais e sociais. In: Adam P, Herzlich C. Socio- 1(1).
logia da Doença e da Medicina. Bauru: EDUSC; 2001.
p. 144.
14. Esteban ML. La teoría social y feminista del cuerpo.
Hacia uma teoria corporal de la accíon social e indivi-
dual. In: Esteban ML. El cuerpo en la sociedad occiden-
tal. Imagem corporal, peso y alimentación. Barcelona:
Edicions Bellaterra; 2004. p. 53-64.
15. Pinto MS, Bosi MLM. Muito mais do que Pe(n)sam:
percepções e experiências acerca da obesidade. Physis
2010; 20(2):443-457.
16. Moreira APA, Junior EBN. Anorexígenos: controle rígi-
do ou proibição de seu uso? Pós em revista 2012; 5ª ed.
17. Melo CM, Oliveira DR. O uso de inibidores de apetite Artigo apresentado em 19/10/2014
por mulheres: um olhar a partir da perspectiva de gê- Aprovado em 09/02/2015
nero. Cien Saude Colet 2011; 16(5):2523-2532. Versão final apresentada em 11/02/2015

Potrebbero piacerti anche