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1. INTRODUÇÃO
O art. 997 do Código Civil vigente dispõe que a sociedade personificada, como é o caso da limitada
(arts.981, 983 e 1.054), constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público. Daí,
Ocorre que, como intuitivo, o contrato de sociedade empresária distingue-se fundamentalmente dos
demais contratos, haja vista estes pressuporem vontades antagônicas, divergentes, o que não ocorre
numa sociedade. No contrato social, os interesses das partes (sócios) são convergentes, as vontades
Neste sentido, e tidas por abandonadas as teorias do ato complexo, corporativo e coletivo (PAES
brasileiro, a doutrina aprimorada por Tullio Ascarelli (1969, p.271) de que o contrato de sociedade é
Há de se ressaltar, nesta teoria, que a pluralidade do contrato social mantém-se mesmo se nesta
sociedade só existirem dois sócios. A questão é que o contrato de sociedade, como ensina Waldecy
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ELISA PASCOAL ALVES DOS SANTOS – Formanda em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS).
Associada do escritório de advocacia Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.
Lucena, está sempre potencialmente aberto à entrada de novos sócios, sem que isso importe na
formulação de um novo contrato. Com isto, a teoria da bilateralidade do contrato social, quando
existente apenas dois sócios, defendida principalmente por Pontes de Miranda (1975, p. 18 e 20) é
desbancada.
Ademais, há que se ressaltar que o fato do código civil brasileiro não disciplinar o contrato
plurilateral não quer dizer que os princípios dos contratos não possam ser aplicáveis em matéria
societária, ao contrário, já que não são vedados pelo ordenamento jurídico. Preleciona o jurista
Fábio Conder Comparato (1978, p. 139) que: “Se as soluções particulares, decorrentes da própria
estrutura da sociedade, enquanto contrato plurilateral, não estão todas explicitadas em lei, nem por
isso devem ser afastadas pelo intérprete, que raciocina com base nos princípios gerais que informam
o sistema legal.”
Com efeito, há ainda uma parte ínfima da doutrina que distingue o ato constitutivo em contratual, se
a sociedade tiver natureza personalista, ou institucional, se sua natureza for capitalista. Porém,
acreditamos que não só o Decreto 3.708/19, ao remeter a constituição ao art. 300 do Código
Comercial, como o novo Código Civil nos arts. 981, 983 e 1.054, ao preverem que a constituição da
sociedade limitada far-se-á através de contrato, solveram de vez a questão, atestando a sua
Conforme explicitado acima, apesar da natureza contratual das sociedades ainda não ser
entendimento unânime na doutrina nacional, ela é, com absoluta certeza, a teoria de maior aceitação
pelos estudiosos abalizados, tendo, inclusive, sido confirmada pelo novo código civil, quando este
prevê que a sociedade será constituída através de contrato social devidamente registrado no registro
Neste sentido, para a formação de uma sociedade limitada, deve-se sempre anteceder a elaboração
do seu respectivo contrato social. Conforme ensina Carlos Henrique Abrão (2004, p.11), a formação
contratual acena a perspectiva solene do negócio jurídico, podendo ser celebrado por escrito público
Sob o aspecto da validade, o contrato social da limitada deve, primeiramente, atender aos requisitos
gerais de validade de qualquer ato jurídico, previstos no artigo 104 do Código Civil 2. Assim, deve-
se levar em conta a capacidade para ser sócio3; a licitude, possibilidade e determinação do objeto
Além desses requisitos gerais, há, secundariamente, dois outros requisitos de validade atinentes à
natureza particular dos contratos de sociedade, previstos no artigo 981 do Código Civil, quais
sejam: i) contribuição dos sócios para a exploração da atividade econômica, formação da sociedade,
comento, da contribuição apenas com o trabalho; e ii) distribuição dos resultados alcançados entre
todos os seus sócios, em cumprimento, a contrario sensu, do disposto no artigo 1.008 do CC4.
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Art. 104 do CC/02. A validade do negócio jurídico requer: I - agente capaz; II - objeto lícito, possível, determinado ou
determinável; III - forma prescrita ou não defesa em lei.
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Os absoluta e relativamente incapazes poderão, desde que devidamente representados ou assistidos, compor quadro societário de
uma empresa, assim como o menor emancipado, de acordo com as instruções e limitações definidas pelo Departamento Nacional
de Registro do Comércio – DNRC.
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Art. 1.008. É nula a estipulação contratual que exclua qualquer sócio de participar dos lucros e das perdas.
seja, deve o contrato, ainda, prever a pluralidade dos sócios e a affectio societatis ou disposição dos
Quanto aos pressupostos específicos do contrato de sociedade limitada, o art. 1.054 do CC/02 faz
remissão ao disposto no artigo 9975, do mesmo código, que regula a formação das sociedades
simples, estabelecendo a observância dos requisitos ali expressos, no que lhe couber. Desta forma,
tendo em vista a natureza deste tipo societário, a expressão “no que couber” exclui automaticamente
os requisitos elencados nos incisos V e VIII, aquele porque não se admite sócio de indústria nas
limitadas, e este porque os sócios não respondem subsidiariamente pelas obrigações sociais, apenas
Em suma, o contrato de uma sociedade limitada, tal como ocorria com a sociedade
por quotas, deve conter, como refere Halperin (1975, p. 27), além dos requisitos
próprios a esse tipo social, “os requisitos gerais de todos os contratos – capacidade,
consentimento, objeto – e os das sociedades em geral – aporte, fundo comum,
affectio societatis, participação nos benefícios e contribuição às perdas”.
Diante deste contexto, insta frisar também a distinção doutrinária existente entre as cláusulas
enquanto que as acidentais são aquelas sujeitas à liberalidade dos sócios, que decidem quanto à sua
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Art. 997. A sociedade constitui-se mediante contrato escrito, particular ou público, que, além de cláusulas estipuladas pelas partes,
mencionará:
I - nome, nacionalidade, estado civil, profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação,
nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas;
II - denominação, objeto, sede e prazo da sociedade;
III - capital da sociedade, expresso em moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação
pecuniária;
IV - a quota de cada sócio no capital social, e o modo de realizá-la;
V - as prestações a que se obriga o sócio, cuja contribuição consista em serviços;
VI - as pessoas naturais incumbidas da administração da sociedade, e seus poderes e atribuições;
VII - a participação de cada sócio nos lucros e nas perdas;
VIII - se os sócios respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais.
Parágrafo único. É ineficaz em relação a terceiros qualquer pacto separado, contrário ao disposto no instrumento do contrato.
As cláusulas essenciais são as previstas no artigo 997 do Código Civil, no artigo 56 da Lei 8.884/94
e no artigo 53, III, do Decreto 1.800. Esta última, cabe ressaltar, é a que tem servido de guia para as
Juntas Comerciais do Brasil afora, em razão, especialmente, da clareza da sua redação. Assim, o
contrato social que não previr em seu bojo qualquer uma das cláusulas consideradas essenciais,
provavelmente nem passará pelo controle destes órgãos, que exigirão, para o seu devido registro, a
(art. 170 da Constituição Federal de 88), ao abranger todas aquelas cláusulas que determinam as
matérias contratadas pelos sócios livremente, desde que não defeso em lei, em relação à sociedade.
Desta forma, são consideradas acidentais, por exemplo, as cláusulas que prevêem a retirada mensal
Resumidamente, tem-se, portanto, que o contrato social da limitada, válido e existente por cumprir
os pressupostos acima elencados, é formado por uma série ordenada de cláusulas essenciais e
acidentais que terão o condão de, declarando a vontade dos sócios, constituir sociedade, após o
devido registro no órgão de comércio, para o fim de dar estrutura jurídica à empresa, vista hoje
Importante, antes de tudo, contextualizar a influência na teoria geral dos contratos, mormente no
que se refere aos seus princípios, da visão social do Estado Democrático de Direito, em que nos
da relatividade dos efeitos contratuais (THEODORO JR., 2003, p. 01). Esta categoria jurídica, nesta
visão liberal, foi tida como instrumento de intercâmbio econômico entre os indivíduos, onde a
Com o Estado Social, verificado a partir do final do século XIX, há a superação do Estado Liberal
puro, alheio às questões econômicas, dando lugar ao Estado Providência, ávido por desenvolver
mecanismos de intervenção estatal no processo econômico, sendo esta intervenção de três formas:
Assim, “essa nova postura institucional não poderia deixar de refletir na teoria dos contratos, visto
que é por meio dele que o mercado implementa suas operações de circulação das riquezas”
(THEODORO, 2003, p. 03). Diante desta realidade, os princípios clássicos dos contratos
permanecem vigentes, porém, são amenizados em face desta nova postura de dirigismo estatal,
princípios, de cunhos ético, social e funcional, como o da boa-fé objetiva, da função social do
Na disciplina do direto societário, este dirigismo contratual, como não poderia deixar de ser,
também se manifesta através de normas impostas pelo Estado, inderrogáveis pela vontade dos
sócios, seja para assegurar o equilíbrio entre as partes, disciplinar a economia ou garantir a ordem
pública.
Assim, faz-se imperioso ter em mente que no regime jurídico do contrato de sociedade há não só
normas dispositivas, cujo atendimento pelos sócios é facultativo podendo os mesmos prever
disposição diversa no contrato acerca da matéria (como, por exemplo, os artigos 1.031, 1.077 e
1.079 do CC/02), mas há, também, normas cogentes, aquelas em que a intervenção estatal obriga
atendimento em face daquelas justificativas acima mencionadas. Como exemplo desta, podemos
A observância da cogência ou não das normas que disciplinam a sociedade limitada é crucial para a
formação do contrato de sociedade, posto que, por enquanto que aquelas (ius cogens) não poderão
ser desrespeitadas quando da elaboração das cláusulas contratuais, as outras (ius dispositivum),
apesar de não serem de observância obrigatória, servirão de guia para os sócios no momento da
análise da conveniência e interesse na escolha das matérias que lhes são permitido regular, assim
como, servirão também para substituir a omissão de previsão pelos sócios da matéria no ato
constitutivo.
Vale alertar, contudo, o quanto preconizado a respeito desta classificação das normas por Tércio
Nesse diapasão, a integração das cláusulas contratuais àqueles três princípios clássicos da teoria do
contrato já mencionados, neste atual contexto de Estado Social neo-liberal, surge a problemática de
saber-se se o contrato social, assim como os demais contratos existentes, são ou não instrumentos
normativos.
Do princípio da liberdade contratual estabelece-se que as partes são livres, dentro dos limites do ius
cogens, para definir as cláusulas e condições do seu contrato, no que concerne, por exemplo, desde
a escolha com quem os sócios irão se associar até as formas de distribuição dos eventuais lucros
alcançados.
Em conjunto com essa liberalidade, vige também o princípio da obrigatoriedade do contrato, mais
conhecido pela expressão latina pacta sunt servanda, que estabelece que as suas cláusulas possuem
força de lei, devendo ser cumpridas entre os contratantes. Por sua vez, o princípio da relatividade
dos efeitos contratuais indica que este efeito vinculativo mencionado, contudo, não ultrapassa a
relação entre os sócios subscreventes do contrato social, não podendo as cláusulas deste beneficiar
ou prejudicar terceiros.
Desta forma, pode-se chegar a duas conclusões antagônicas: (i) de que, pelo princípio da força
obrigatória do contrato, ele seria uma fonte criadora de direito, instrumento normativo; e, (ii) tendo
Conforme ensina Orlando Gomes (2001, p. 14), em defesa da primeira “corrente” estão os adeptos
da concepção preceptiva que entendem que: “Neste contexto, o contrato é ato criador de direito
objetivo, até porque para alcançar o fim apontado pelos sequazes da concepção tradicional, qual o
da constituição de relações, não pode deixar de estabelecer normas” (GOMES, 2001, p. 13 apud
ROMANO, p. 09).
Contrapondo-se a esta visão preceptiva, “diz-se que a controvérsia se reduz a uma questão
semântica, visto que os preceptivistas atribuem à expressão norma jurídica um significado
amplíssimo, impróprio ou supérfluo” (GOMES, 2001, p.14 apud FERRARA). Neste sentido, sendo
o real conceito de norma jurídica o de sê-la regra geral e abstrata, tornar-se-ia claro que as cláusulas
Para os fins desta pesquisa, contudo, acreditamos prudente seguir o posicionamento dos
colacionado por Tércio Sampaio Ferraz (1994, p. 103), acerca da conceituação de norma jurídica, a
saber:
Como se vê, seja como norma-proposição, seja como norma-prescrição, seja como
norma-comunicação, o conceito de norma jurídica é um centro teórico organizador
de uma dogmática analítica. Mesmo sem desconhecer que o jurista, ao conceber
normativamente as relações sociais, a fim de criar condições para decidibilidade de
seus conflitos, também é um cientista social, há de se reconhecer que a norma é o
seu critério fundamental de análise, manifestando-se para ele o fenômeno jurídico
como um dever-ser da conduta, um conjunto de proibições, obrigações,
permissões, por meio das quais os homens criam entre si relações de subordinação,
coordenação, organizam seu comportamento coletivamente, interpretam suas
próprias prescrições, delimitam o exercício do poder etc. Com isso é também
possível encarar as instituições sociais, como a família, a empresa, a administração
pública, como conjuntos de comportamentos disciplinados e delimitados
normativamente.
É neste sentido que acreditamos que a aceitação da teoria preceptiva em sede de contrato social faz
toda a diferença. Isto porque, de acordo com a teoria geral dos contratos, a lex primata é sempre o
sócios/sociedade e sociedade/terceiros. Assim, o contrato social deve ser considerado lei entre as
partes (pacta sunt servanda), respeitando, contudo, nos casos expressos, o dirigismo contratual,
3. CONCLUSÕES
➢ A sociedade limitada, segundo o art. 997 do CC/02, constitui-se mediante contrato escrito,
particular ou público, possuindo, portanto, natureza eminentemente contratual, estando, destarte,
sujeita à teoria geral dos contratos, não obstante ser o contrato social um contrato plurilateral
com comunhão de escopo, conforme entendimento doutrinário aprimorado por Tullio Ascarelli
(1969, p. 271).
➢ A formação do contrato social, sob influência da teoria geral dos contratos, deve cumprir com os
licitude, possibilidade e determinação do objeto; forma legal), assim como com os requisitos
particulares dos contratos de sociedade (contribuição dos sócios em dinheiro, bens ou créditos;
devidos, é formado por uma série ordenada de cláusulas essenciais e acidentais que terão o
condão de, declarando a vontade dos sócios, constituir sociedade, após o devido registro no
órgão de comércio.
➢ A partir do Estado Social (desde o século XIX), os princípios contratuais clássicos da liberdade
contratual, pacta sunt servanda e relatividade dos efeitos são amenizados, em face da nova
impostas pelo Estado, inderrogáveis pela vontade dos sócios, as chamadas normas cogentes.
➢ O regramento específico das sociedades limitadas é formado de normas cogentes, que deverão
ser obrigatoriamente observadas pelos sócios e aplicadores do direito, sob pena de não o fazendo
relativa, à disposição dos sócios para fins de orientação no momento da contratação (que poderá
➢ De acordo com a corrente preceptiva, o contrato é instrumento normativo, criador de normas. Por
este motivo, deve-se ter em mente sempre que na relação jurídica constituída a partir de contrato,
como é o caso da sociedade limitada, a lex primata é sempre este instrumento contratual,
devendo ser, o quanto nele disposto, sempre observado antes de qualquer outro instrumento
normativo à disposição do aplicador do direito. Frise-se, apenas, que para que este instrumento
contratual seja válido e eficaz como instrumento normativo, deverá respeitar as eventuais normas
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