Sei sulla pagina 1di 4

Como escrever a História?

Cecilia Helena de Salles Oliveira

HISTORIOGRAFIA, como observou diversas ordens de questionamento: as


A Michel de Certeau, traz no próprio relações do historiador com suas fontes;
nome o paradoxo das mediações entre as mediações pela quais temas e proble-
“história” e “escrita”. Refletir sobre o mas são recortados e investigados; e, de
discurso por meio do qual tempo e his- modo especial, tradições historiográficas
tória se revestem de inteligibilidade sig- que ora conduzem à repetição do saber
nifica debruçar-se sobre problemas de consagrado pela história-memória na-
método que preocuparam e ainda pre- cional ora promovem a identificação do
ocupam os historiadores. No início do presente com o passado que se pretende
século XX, essas questões articularam-se compreender, realimentando sob formu-
ao delineamento e à qualificação de cam- lações aparentemente inovadoras pressu-
po específico de conhecimento, sendo postos que se supõem abandonados.
acompanhadas, naquele momento, pela Essas questões foram reformuladas e
crítica à história-memória nacional que assumiram novos contornos, nas décadas
havia marcado o século XIX. Desde en- de 1970 e 1980, por intermédio, entre
tão, de modo recorrente e por intermé- outras, das obras de Jacques Le Goff e
dio de vertentes teóricas diferentes, os Michel de Certeau. Destaque particular
historiadores não cessaram de interrogar merecem os cinco monumentais volumes
os procedimentos de “fazer a história”, de Les lieux de mémoire, coletânea dirigi-
perscrutando o lugar de produção do sa- da por Pierre Nora e que reuniu estudos
ber histórico, as práticas que o discipli- destinados a inventariar e reconstituir os
nam e a construção das narrativas que o fundamentos políticos, intelectuais e ins-
registram e divulgam. titucionais da história da nação francesa,
É possível tomar como marcos des- cujo marco inaugural foi a Revolução de
se intenso embate contribuições legadas 1789. No momento em que se prepara-
por Lucien Febvre e Walter Benjamin. ram as celebrações dos duzentos anos da
A despeito das particularidades de suas Revolução, uma das propostas em pauta
obras e dos percursos divergentes que foi a de discutir as condições de produ-
traçaram, ambos sublinharam a inter- ção de uma nova história nacional, con-
venção do historiador na fabricação e traposta àquela do século XIX. O con-
seleção dos “fatos” e o peso do presente ceito de “lugar de memória”, elaborado
na definição das formas a partir das quais na dupla acepção de instrumento de
o passado seria interrogado. Alertaram, investigação e categoria histórica, surge
também, para as implicações históricas e como estratégia para avaliar a probabili-
políticas da “convicção realista”, segun- dade de uma escrita da história da nação,
do a qual passado e história seriam um capaz de fazer face às exigências acadê-
banco de dados à disposição do analista micas da História e às demandas geradas
que, munido de objetividade e impar- pela experiência de um tempo acelerado,
cialidade, poderia descrevê-los e deles assinalado por contraditórias vinculações
se apropriar. Voltaram-se, assim, para entre obsolescência e museificação, en-

ESTUDOS AVANÇADOS 21 (61), 2007 309


tre memorização e esgarçamento de ves- situa a coletânea organizada por Manoel
tígios materiais e culturais. Luiz Salgado Guimarães. Fruto de even-
Em concomitância a esses esforços, e to de natureza acadêmica, realizado em
na mesma época, professores e pesquisa- outubro de 2005 e promovido pelo Pro-
dores brasileiros também concentravam grama de Pós-Graduação em História
atenções nos fundamentos do ofício e Social da Universidade Federal do Rio
em sua profissionalização. A criação, nos de Janeiro, a obra reúne o texto da con-
anos 1930, dos primeiros cursos superio- ferência de abertura, “Tempos do mun-
res de História, em São Paulo (1934) e do, história, escrita da História”, profe-
no Rio de Janeiro (1935), permitiu que a rida por François Hartog, e doze artigos
pesquisa e a transmissão de conhecimen- distribuídos em três núcleos temáticos
tos nessa área fossem deslocadas dos Ins- – “Uma ‘retórica da nacionalidade’: a
titutos Históricos para outros centros, o escrita da História no século XIX”; “So-
que trouxe implicações importantes do ciabilidades letradas”; e “Tradições e lin-
ponto de vista da escrita e dos conteú- guagem”.
dos abordados. Na década de 1970, com Dedicado a especialistas e alunos de
a institucionalização de programas de cursos de História, o livro apresenta re-
pós-graduação, na Universidade de São sultados de pesquisas acadêmicas, em
Paulo (1971), na Universidade Federal diferentes estágios de desenvolvimento.
Fluminense (1971) e na Universidade Procura aliar contribuições de historia-
Estadual de Campinas (1976), contri- dores reconhecidos e textos produzidos
buições inovadoras avivaram ainda mais por pós-graduandos no nível de douto-
o debate em torno dos nexos entre his- rado, possibilitando igualmente o conta-
tória e escrita da História. to do leitor com renomado historiador
Ainda hoje encontra repercussão a francês que, nos últimos anos, por meio
instigante pergunta lançada, em 1982, de vasta produção, tem aprofundado es-
por Carlos Alberto Vesentini na tese de tudos sobre a escrita da História entre
doutoramento, intitulada A teia do fato: os antigos e sobre os modos pelos quais,
“Com que critério um historiador fala a partir do século XVIII, alteraram-se
das lutas e agentes de uma época que concepções e narrativas da história e so-
não é a sua?”. Ao frisar a profundidade bre a História.
da interrogação, dada a força com a qual Infelizmente, porém, os limites de
episódios consagrados pela memória uma conferência impedem que se per-
projetavam-se no presente e sobre quem ceba com clareza a complexidade das
exercia o ofício de historiar, Vesentini reflexões e argumentos propostos por
problematizava não apenas o lugar do Hartog, em especial as abrangentes im-
historiador nas tramas que entrelaçavam, plicações historiográficas da noção de
mas, ao mesmo tempo, diferenciavam “regime de historicidade” e sua inserção
presente e passado. Indagava-se sobre em campo de discussão que remete à
os fundamentos da prática historiográ- obra de Reinhart Koselleck. Para o leitor
fica e sobre as tradições que, no Brasil, interessado em ampliar referências – o
cercavam a construção do conhecimento que nesse caso é aconselhável –, foram
histórico. traduzidos para o português alguns dos
É no âmbito dessa discussão que se livros do autor, a exemplo, entre outros,

310 ESTUDOS AVANÇADOS 21 (61), 2007


de O século XIX e a História: o caso Fustel A perspectiva de pontuar e traçar os
de Coulanges (Editora da UFRJ, 2003) e momentos de fundação da escrita da
Os antigos, o passado e o presente (UnB, História nacional do século XIX eviden-
2003). cia-se no artigo de Manoel Luiz Salgado
A despeito das singularidades que ca- Guimarães “Entre as luzes e o romantis-
racterizam cada um dos artigos, há entre mo: as tensões da escrita da História no
eles alguns problemas de fundo que per- Brasil oitocentista”. Aqui se discutem,
mitem articulá-los não só do ponto de entre outros aspectos, as linhas de con-
vista dos objetivos mais gerais, como em tinuidade e ruptura entre o lugar desti-
termos dos referenciais nos quais estão nado à História na cultura iluminista e
firmados. A questão central diz respeito enciclopédica do século XVIII e a confi-
ao reconhecimento de que para com- guração da disciplina da História no sé-
preender a escrita da História do Brasil culo XIX.
e no Brasil é preciso realizar um amplo A mesma perspectiva de refazer o ter-
trabalho de investigação e reconstitui- ritório da História, construído aos pou-
ção de fontes e lugares de produção do cos e por vezes de forma errática, está,
conhecimento histórico, a começar pelo porém, presente no tratamento dispen-
Instituto Histórico e Geográfico Brasi- sado a alguns dos protagonistas centrais
leiro, fundado em 1838. Nesse sentido, desse “fazer” no século XIX e início do
poder-se-ia considerar que a inspiração XX, e que auxiliaram na institucionali-
para essa empreitada adveio da proble- zação da disciplina. Três dos artigos de-
matização da famosa pergunta “Como se bruçaram-se sobre a trajetória e a obra
deve escrever a história do Brasil?”, que construída por Varnhagen, merecendo
Karl von Martius, por meio da Revista atenção especial as considerações de Te-
do Instituto, se dispôs a encaminhar, místocles Cezar acerca da tese que Var-
em 1844. Compreender os significados nhagen elaborou, nos anos 1870, sobre
do plano e das justificativas apresenta- a origem dos índios brasileiros. O histo-
das pelo naturalista representa descobrir riador, contrariando argumentos india-
e interrogar outras propostas da mesma nistas, buscou por meio de estudos lin-
natureza, mas com conteúdo diverso, güísticos comprovar que os tupis eram
discutidas pelos sócios da instituição selvagens e descendiam de povos do an-
desde sua instalação oficial. Representa, tigo Egito. Também mereceram artigos
também, reconstituir por quais modos, específicos Euclides da Cunha, Gilberto
em meio ao processo de Independência Freyre e Capistrano de Abreu. No caso
e de configuração do Império do Bra- de Capistrano, sua atuação foi analisada
sil na primeira metade do século XIX, não apenas como historiador, mas na
projetavam-se discursos sobre a história função que desempenhou na Biblioteca
da nação e práticas concernentes à orga- Nacional e no âmbito da leitura e edição
nização física e à identificação de regis- crítica de fontes, o “gesto inaugural da
tros que deliberadamente deveriam ser operação historiográfica”, como obser-
preservados, constituindo-se assim um vou a autora do artigo, Maria das Graças
campo de estudos e, ao mesmo tempo, de Oliveira.
a figura daquele que teria a tarefa de his- Muito embora predominem na cole-
toriar. tânea pesquisas sobre o século XIX, há

ESTUDOS AVANÇADOS 21 (61), 2007 311


de forma a comprometer o resultado
final. Trata-se de conjunto de reflexões
que propõe encaminhamentos enrique-
cedores para o entendimento histórico
do movimento político e cultural no qual
se engendrou uma escrita da História no
Brasil. Mas, talvez, sua maior importân-
cia esteja no fato de provocar interroga-
ções sobre os fundamentos do trabalho
do historiador no passado e no presente,
inventariando e problematizando práti-
cas, concepções e instituições que fun-
damentaram – e em muitos casos ainda
fundamentam – o ofício de historiar.
Boa oportunidade para examinar, como
GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado sugeriu Vesentini, a “teia” que entrelaça
(Org.) Estudos sobre a escrita da História. o historiador, o movimento da história e
Apresentação de Carlos Fico. Rio de Ja- a historiografia.
neiro: 7Letras, 2006. 265p.

dois estudos que se ocupam de fontes e


problemas relacionados à escrita da His-
tória e às condições de produção do sa-
ber histórico no século XX. Marieta de
Moraes Ferreira trata do surgimento dos
cursos universitários de História no Rio
de Janeiro, procurando investigar as re-
lações entre ensino, concepções de His-
tória e a institucionalização de lugares
para a produção do conhecimento his-
tórico, diferentes do Instituto Histórico.
Já o artigo de Lúcia Maria Paschoal Gui-
marães analisa os participantes e os tra-
balhos apresentados em dois congressos
de História nacional, realizados no Rio
de Janeiro, respectivamente, em 1914 e
1949, considerados eventos primordiais
para a compreensão da historiografia
brasileira na primeira metade do século
Cecilia Helena de Salles Oliveira é pro-
passado.
fessora do Museu Paulista da USP e do
Como em obras de natureza similar, Programa de Pós-Graduação em História
também aqui existem diferenciações de Social da FFLCH/USP. Pesquisadora do
profundidade entre os artigos, mas não CNPq. @ – psalles@usp.br

312 ESTUDOS AVANÇADOS 21 (61), 2007

Potrebbero piacerti anche