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A figura de Bolsonaro causa repulsa por combinar tirania com extraordinária burrice e uma
estética vexatória, e ainda assim consegue ser inacreditavelmente sedutora. Muita gente
não só acha graça do seu estilo inconsequente e “autêntico” de ser, como se sente
desforrada por sua performance apocalíptica. Como é possível que os grunhidos desses
seres das trevas ainda recebam tanta adesão? Não somos melhores do que isso?
O Bolsonaro mitificado é perfeito na sua síntese ignóbil, mas seus semelhantes
humanizados costumam ser mais complexos e contraditórios. Nem mesmo o senhor Jair
Messias, a pessoa física, está à altura da sua versão icônica. O problema é que, na vida
real, todo mundo pode ter um pouco de Bolsonaro. Como lidar?
Tenho insistido que desumanizar Bolsonaro e sintetizá-lo exclusivamente na sua projeção
simbólica é um equívoco que alimenta a abominável criatura. Isso é válido para os ídolos e
salvadores da pátria, até para aqueles que amamos de coração, sobretudo em uma
sociedade de culto personalista e raízes autoritárias como a nossa.
Não é difícil explicar a eclosão de Bolsonaros, Trumps e afins em um planeta cada vez mais
controlado por sistemas globais de ganância, opressão, ódio e concentração do poder. No
contexto brasileiro – não custa lembrar: um país de origem colonialista, patriarcal, racista,
etnocida, desigual –, difícil é não ter uma pontinha bolsonarista, nem que seja lá na
profundeza da alma. Vasculhando bem, toda pessoa honesta é capaz de encontrar a sua
parte nesse latifúndio.
Um antídoto poderoso, com certeza, vem das tarefas de convívio e ativismo: cuidar de uma
praça, fazer um cineclube, organizar um cursinho ou uma creche, apoiar movimentos
populares, ocupar as eleições… Não é pouca coisa. É preciso se dar ao trabalho.
Áurea Carolina foi eleita deputada federal pelo PSOL de Minas Gerais em 2018. Antes
disso, foi a vereadora mais votada de Belo Horizonte em 2016. Integrante da movimentação
cidadanista Muitas, atua em movimentos sociais desde a adolescência e é formada em
ciências sociais pela UFMG, onde também concluiu mestrado em ciência política. Além
disso, fez especialização em gênero e igualdade pela Universidade Autônoma de Barcelona.