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TRIBUNA - Áurea Carolina

Sem tempo para Bolsonaro


09/Ago 12h40 (atualizado 09/Ago 12h40)

Link para matéria: https://www.nexojornal.com.br/colunistas/tribuna/2019/Sem-tempo-


para-Bolsonaro

Não devemos perder energia com reclamação desprovida de ação. A crítica ao


governo deve vir acompanhada de compromisso prático
Eu tinha a intenção neste texto de fazer um balanço sobre o meu primeiro semestre na
Câmara dos Deputados, mas mudei de ideia. Sinto que é mais urgente falar de outro
assunto, uma questão que não pode esperar: o que fazer com a desolação política que anda
solta pelo mundo e que pegou o Brasil de jeito?
Parece que o portal do inferno se abriu e as criaturas mais bestiais escaparam em
debandada para tomar de assalto as instituições – da família ao Estado, sem poupar
ninguém. De forma perturbadora, esses incontáveis replicantes são, ao mesmo tempo,
repudiados e adorados por toda parte, assim como o triste exemplar plantado na Presidência
do nosso país.

A figura de Bolsonaro causa repulsa por combinar tirania com extraordinária burrice e uma
estética vexatória, e ainda assim consegue ser inacreditavelmente sedutora. Muita gente
não só acha graça do seu estilo inconsequente e “autêntico” de ser, como se sente
desforrada por sua performance apocalíptica. Como é possível que os grunhidos desses
seres das trevas ainda recebam tanta adesão? Não somos melhores do que isso?
O Bolsonaro mitificado é perfeito na sua síntese ignóbil, mas seus semelhantes
humanizados costumam ser mais complexos e contraditórios. Nem mesmo o senhor Jair
Messias, a pessoa física, está à altura da sua versão icônica. O problema é que, na vida
real, todo mundo pode ter um pouco de Bolsonaro. Como lidar?
Tenho insistido que desumanizar Bolsonaro e sintetizá-lo exclusivamente na sua projeção
simbólica é um equívoco que alimenta a abominável criatura. Isso é válido para os ídolos e
salvadores da pátria, até para aqueles que amamos de coração, sobretudo em uma
sociedade de culto personalista e raízes autoritárias como a nossa.
Não é difícil explicar a eclosão de Bolsonaros, Trumps e afins em um planeta cada vez mais
controlado por sistemas globais de ganância, opressão, ódio e concentração do poder. No
contexto brasileiro – não custa lembrar: um país de origem colonialista, patriarcal, racista,
etnocida, desigual –, difícil é não ter uma pontinha bolsonarista, nem que seja lá na
profundeza da alma. Vasculhando bem, toda pessoa honesta é capaz de encontrar a sua
parte nesse latifúndio.

O que estamos fazendo para mudar as coisas? Ou esperamos que o


inconfessável Bolsonaro que mora dentro de nós desapareça por milagre?
Em certas bolhas, porém, relutamos contra isso. Desejamos ser melhores do que um tosco
replicante e não queremos ser desprezíveis. Temos pavor de ver o pior que podemos ser
refletido no espelho do mito. Sentimos náusea ao imaginar cenas de tortura, estupro,
escárnio, humilhação; às vezes, reconhecemos que temos privilégios e os utilizamos para
que deixem de ser privilégios; tentamos ter empatia por pessoas que sofrem. Estamos cada
vez mais adestrados por condicionantes emburrecedores, é verdade, mas estamos em
busca de autonomia e propósito para as nossas vidas.
Vários de nós fizemos pela primeira vez um exercício de cura da pulsão bolsonarista – à
qual, talvez, chegamos a entender que não somos imunes – na saga do “vira voto”, durante
o segundo turno das eleições de 2018. Calçamos as sandálias da humildade e fomos a
campo para uma conversa desarmada com parentes, um café com bolo com transeuntes na
rua, uma roda de desabafo e a criação de propostas de ação com amigos desesperados.
Foi preciso sair da lamentação, assumir nossa parcela de responsabilidade e fazer algo que
estava ao nosso alcance: dialogar abertamente com os outros. Quem passou por essa
experiência sabe da sua potência. Já era tarde para virar o jogo eleitoral, mas não foi em
vão.
Para quem vive num constante “vira voto”, atuando sem descanso em lutas sociais e
iniciativas comunitárias, o fenômeno do segundo turno não foi nada surpreendente, mas
reafirmou a importância do chamado trabalho de base. Para quem tinha se distanciado
desse trabalho ou nunca tinha se engajado, foi uma chance valiosa de colocar a mão na
massa.
Falamos em trabalho de base porque é um saber-fazer dedicado a conectar as pessoas a
partir de necessidades e ações comuns, desde os mais diversos territórios, para melhorar
suas condições de vida. Não acontece de qualquer jeito, mas pode e deve envolver
simplicidade e pequenos gestos, começando pela disposição existencial de ser útil.
Mudanças duradouras são sustentadas pela multiplicação de ações coletivas que fazem
diferença no cotidiano e geram meios subjetivos e materiais para a retomada da democracia,
como de fato ocorreu no processo de redemocratização da sociedade brasileira na saída da
ditadura civil-militar.
Temos visto muita gente reclamando do Bolsonaro e seus infindáveis absurdos. Quase não
dá para respirar. Mas acho que não temos mais tempo e energia a perder com tanta lamúria
desprovida de ação. A imprescindível crítica ao desgoverno, no meu entendimento, precisa
ter uma pegada “vira voto”, com compromisso prático. Sem esse caráter propositivo, a nossa
desolação tende a se converter em fonte de alienação e adoecimento, como já se pode
constatar. Então, o que estamos fazendo para mudar as coisas? Ou esperamos que o
inconfessável Bolsonaro que mora dentro de nós desapareça por milagre?
Bolsonaro é sintoma e consequência de uma cultura política da morte, extremamente
individualista e competitiva. O bolsonarismo, nesse sentido, existe antes e depois do mito.
Seu contraponto, portanto, deve ser uma cultura política para todo mundo viver bem, que
seja decididamente solidária e que construa o amor como capacidade democrática. A
convivência na diversidade, sempre muito desafiadora, é critério para essa transformação.
Não por acaso, Bolsonaro investe na degradação das relações e na perseguição às
diferenças.

Um antídoto poderoso, com certeza, vem das tarefas de convívio e ativismo: cuidar de uma
praça, fazer um cineclube, organizar um cursinho ou uma creche, apoiar movimentos
populares, ocupar as eleições… Não é pouca coisa. É preciso se dar ao trabalho.

Áurea Carolina foi eleita deputada federal pelo PSOL de Minas Gerais em 2018. Antes
disso, foi a vereadora mais votada de Belo Horizonte em 2016. Integrante da movimentação
cidadanista Muitas, atua em movimentos sociais desde a adolescência e é formada em
ciências sociais pela UFMG, onde também concluiu mestrado em ciência política. Além
disso, fez especialização em gênero e igualdade pela Universidade Autônoma de Barcelona.

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