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História da Pedagogia
porque se impôs ao homem a ne ssidade da educação? .c ti)
Porque o homem, sendo, entre os animais, o mais desprovido
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de dotes de natureza, tem, por necessidade de sobrevivência, .Z <
de adquirir o uso das artes mecânicas e a arte do saber viver
colectivo. Por isso as formas da educação sofreram' uma
evolução paralela à história económica-so·cial da humanidade N Abbagnano
e às grandes correntes do pensamento e da cultura.
.
A 'Visalberghi
A característica mais notável desta História da Pedagogia .
é talvez o método. Tendo preferido na exposição o método.
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histórico ao sistemático (de uso mais corrente) por o consi­


derarem indispensável à forma�ão de um autêntico sentido m
crítico, Abbagnano e Visalbergh� 'conseguiram uma obra .d�
valia para os profissionais do ensino, o que já se prwou em.
O
várias línguas europeias. Integrando constantemente a evolu­
ção das ideias pedagógicas na his�ória, mais lata, do pensa­
m
mento filosófico, os autores conseguem tornar perfeitamente ca
claras as inter-relações entre as teorias filosóficas e pedagó­
gicas e a efectiva prraxis educativa dos vários períodos consi­
-C
derados, sem esquecer jamais o contextO' sócio-cultural em
que se inserem.
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C.
Na opinião dos autores, «trata:se de três aspectos da
evolução histórica que se esclarec,em reciprocamente».
A clara e bem ordenada organização metódica da obra
permite apreender as inter-relações referidas, ep" igualmente"
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isolar a matéria estritamente filosófica, tornando esta História -C
da Pedagogia, simultâneamente, uma utilíSlSima História da.
Filosofia, densa e rigorosa, mas ,exemplarmente acessível na
sua clareza. Finalmente, como a obra está dividida em pará­ .-
ca
grafos independentes, o leitor pode seleccionar de forma expe­ ...
dita ,e fácil o que seja de interesse essencial, ou maios premente,
deixando d� lado o que considere dispensável. �O
Mas nem por ser obra imprescindível a professores e a
alunos de pedagogia é ela de menos interesse para o público
1;)
.-

culto em geral, interessado comO' deve 'estar em colher as


informações necessárias à boa coordenação das suas ideias
sobre a evolução dos problemas .educativos, tais como estes
J:
têm sido vistos pela cultura ocidental,' d esde a antiguidade, . I
até às teorias actuais da «escola progressiva norte-americana»,
aos métodos pedagógicos da sociedade soviética e à «nova
educaçã<»> europeia; ,ou 'para estudar os fi'lósofos na sua
pen:;p' ectiva histórica ou nas suas ideias revolucionarias sobre I
a educação.
Temos com efeito em mente, também, os pais, os educa­
dores e os investigadores, a.lquem importa c.ada vez mais ter
a :oonsciência da complexa problemática que nos nossos dias CI)
.....
se levanta à formação cultural e profis�ional dos' seus filhús
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e dos seus educandos.

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Capa de.1II0URA-GEOUGE
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Livros Horizonte

p
CAPíTULO XV

ROUSSEAU

206. A SUA VIDA E A SUA OBRA.

Para compreender a singular personalidade de Rousseau é especial­


mente importante conhecer a sua vida extraordinàriamente inquieta e
errante. Ele próprio tinha a consciência da importância da sua biogra­
fia para se penetrar no seu pensamento e deixou-nos duas obras auto­
biográficas, as Confissões e os Sonhos de Um Viandante Solitário, que
se situam entre os exemplos mais perfeitos de literatura introspectiva.
Jean-Jacques Rousseau nasceu ,em Genebra em 28 de Junho de 1712.
A sua infância foi relativamente serena, apesar de a mãe, Susanne Ber­
nard, ter morrido pouco depois de o ter dado à luz. O pai, Isaac Rous­
seau, encarregou-se pessoal e directamente da sua primeira instrução.
Era relojoeiro; tinha viajado pelo Oriente, possuía um carácter vivo e
um pouco bizarro. Logo que o pequeno Jean-Jacques ficou apto a ler,
meteu-lhe nas mãos toda a espécie de livros, desde romances sentimentais
a Plutarco. O pequeno lia em voz alta enquanto ele trabalhava; muitas
vezes ficavam ambos tão presos por aquelas leituras que as prolongavam
por turnos até quase o romper da aurora.
Quando Isaac Rousseau teve de fugir de Genebra para não ser preso
( numa contenda havia ferido o adversário) , confiou o filho, com 10 anos,
a uns parentes, e tudo ia correndo bem até que, em razão das dificul­
dades económicas sobrevindas, Jean-Jacques teve de interromper a sua
permanência no campo, onde fazia particularmente os primeiros estudos
regulares juntamente com um primo, para regressar a Genebra e empre­
gar-se numa oficina como aprendiz de gravador . Mudou diversas vezes
de patrão e com o último encontrou-se em tão desagradável situação que
uma noite, tendo voltado tarde à cidade depois de um passeio pelo campo
e encontrado já fechadas as portas das muralhas, se decidiu a fugir. Diri­
gindo-se para Sabóia, ofereceu-se para ajudante de um pároco, que, por
sua vez, o mandou para casa de uma j ovem viúva, Madame de Warens.
Esta, que se dedicava ao proselitismo e a conversões, mandou- o para
466 HISTÓRIA DA PEDA GOGIA

Turim, para o Instituto dos Catecúmenos, donde Rousseau saiu pouco


depois baptizado como católico.
Ao fim de uma permanência de alguns meses em Turim, onde ganhou
a vida também como criado, regressou a Sabóia para casa de Madame
Warens e ali ficou durante onze anos, tendo caído nas boas graças da
jovem senhora: este foi o período mais sossegado e feliz da sua vida,
durante o qual fez estudos desordenados, mas amplíssimos, e gozou
sobretudo das encantadoras estadas estivais em Charmettes, próximo
de Chambéry.
Em 1 740, com 28 anos, Rousseau foi primeiro para Lião, como
preceptor, depois para Paris, onde conheceu Diderot, Condillac e muitos
outros iluministas. Neste período ocupou-se sobretudo de música (inven­
tou um novo sistema numérico de notação) e escreveu comédias e melo­
dramas. Colabora também na Enciclopédia com artigos sobre música,
ao mesmo tempo que para viver ocupa o lugar de secretário de uma
família nobre ( durante um ano foi ainda secretário do embaixador
francês em Veneza) . De uma ligação com uma jovem costureira, Thérese
Levasseur, nascem-lhe cinco filhos , que regularmente abandona ao Hos­
pício dos Expostos, seguindo, diz ele nas Confissões, «l'usage du pays ».
Os contactos com Diderot e com outros filósofos fizeram, no entanto,
amadurecer nele novos interesses; quando, em 1 794, lê no Mercure de
France que a Academia de Dijon havia anunciado um concurso para um
ensaio s obre o tema: Se o restabelecimento das ciências e das artes con­
tribuiu para depurar os costumes, ele aventura-se e vence-o com um
breve «Discurso» em que responde negativamente. O facto suscita grande
oeleuma, até porque surpreende que uma tese desse género sej a defen­
dida por um escritor do grupo da Enciclopédia. Rousseau opera entre­
tanto a «reforma» da sua vida, isto é, renuncia a todos os cargos e
favores que lhe são oferecidos pelos poderosos e dedica-se a copiar música
para se manter a si e a Thérese e para libertar com a sua pena de copista
a sua pena de escritor de toda a preocupação de ganho. Em 1 753 a
mesma Academia de Dijon propõe um outro tema: Qual é a origem da
desigualdade entre os homens e se ela é autorizada pela lei natural. Ele
escreve um outro «Discurso» no qual desenvolve e esclarece as ideias do
primeiro, dedica-o a Genebra, para onde se dirige, bastante festejado, para
abjurar o catolicismo e ser admitido na « S anta Ceia» .
Voltando d e novo a França, aceita a hospitalidade d e uns seus conhe­
cidos em Ermitage, perto de Montmorency, porque estava cansado de
Paris. Por não muito claras razões, rompe toda a relação com os amigos
enciclopedistas; entretanto, naquela sua insociável solidão nascem as suas
ROUSSEAU 467

obras-primas: A Nova Heloísa, O Contrato Social, Emílio. O primeiro é


publicado com sucesso notável em 1 86 1 , os outros dois, no ano seguinte.
Mas a publicação do Emílio provoca uma intervenção do poder judi­
ciário pela heterodoxia da « Profissão de fé do Vigário Saboiano», contida
no texto. O Parlamento de Paris condena a obra e ordena a prisão do
seu autor. Rousseau foge para a Suíça, mas Genebra e Berne seguem o
exemplo de Paris. Por fim é constrangido a deixar a Suíça pela Ingla­
terra, onde o filosófo Rume lhe oferecera hospitalidade. Mas ele tem a
impressão de que também Rume conspira contra ele (a desconfiança de
Rousseau deriva um pouco do seu carácter nevrótico, mas em parte tam­
bém do facto de os seus ex-amigos terem demonstrado realmente muita
animosidade contra ele ) . Volta por isso a França, por sua conta e risco,
e, depois de se ter demorado em várias cidades e de ter regularizado a
sua união com Thérese, em 1 870 está de novo em Paris, onde, copiando
música para viver, escreve as suas obras autobiográficas. Morre em 2 de
Julho de 1778 em Ermenoville, onde se fizera hóspede de um admirador.

207. ROUSSEAU E O ILUMINISMO.

Rousseau é o homem dos paradoxos. E o maior paradoxo é talvez


o facto de que ele, que encontrava um excesso de crítica destrutiva nos
seus amigos enciclopedistas, foi na realidade muito mais radical do que
eles. Nele, mais do que em qualquer outro, se inspiraram os homens
do Terror, em primeiro lugar Robespierre. Mas esse, como uma grande
parte dos outros paradoxos rousseaunianos, é apenas uma contradição
aparente. Na realidade, Rousseau mudou radicalmente o metro de valo­
ração do Iluminismo: para ele o critério supremo não é a razão, mas o
sentimento. Ele que condena «a raiva de destruir sem edificar», condena
igualmente o residual intelectualismo do pensamento iluminístico, para o
qual «os filósofos não admitem como verdadeiro senão o que podem
explicar, e fazem da sua inteligência a medida do possível». Por conse­
quência, seguindo a regra do sentimento, ele pode chegar bem mais além
do que os «filósofos », liberto também dos limites de uma pretensa racio­
nalidade que esconde sempre nas suas pregas qualquer velho hábito
mental de natureza filosófica ou pseudocientífica.
Contra os materialistas que procuram superar as objecções morais
ao seu �istema dizendo que «a verdade não é nunca nociva aos homens»
é ver o seu argumento:

Também eu o creio como eles, e é essa, a meu ver, uma


grande prova de que tudo o que eles ensinam não é a verdade.
468 HISTóRIA DA PEDA GOGIA

o metro do sentimento coincide em Rousseau com o da utilidade e da


felicidade do género humano, que nunca é algo diverso da felicidade do
indivíduo. É nisto que consiste o seu «romantismo » e ao mesmo tempo
o seu « pragmatismo».
Pode-se falar de facto de «romantismo », porque a interioridade do
sentimento deixa em Rousseau de estar à mercê do juízo que dele pode
formular a razão, e torna-se ela própria juiz do valor da razão - mas
este valor permanece para Rousseau, apesar de tudo, totalmente positivo.
Pode-se falar de «pragmatismo» no sentido de que para Rousseau o
valor de toda a posição teórica está unicamente nas consequências prá­
ticas que dela derivam, e isto não menos no campo filosófico do que no
religioso. Tudo isso, porém, acaso não significa confiarmo-nos a um cri­
tério ainda mais caprichoso e instável, visto que os sentimentos são
mutáveis e poderiam levar-nos a considerar verdadeiro hoje o que jul­
gávamos falso ontem, e vice-versa ? Rousseau não fornece uma resposta
específica a esta previsível objecção, mas a sua resposta implícita está na
afirmação de que « os sentimentos não se descrevem bem senão por meio
dos seus efeitos». Significa isto que também os sentimentos saem valo­
rizados e que, em última análise, preferiremos os sentimentos que con­
tribuam para a felicidade geral àqueles que, pelo contrário, a ponham
em perigo: a chave que abre o pensamento de Rousseau é, portanto , como
já dissemos, a postulada coincidência entre a felicidade individual e a feli­
cidade geral. Esta coincidência, todavia, não é um dado, mas antes qual­
quer coisa a conquistar. O próprio sentimento é educado, e veremos que
educá-lo em sentido altruísta não é fácil. A relação entre sentimento e
experiência não é para Rousseau menos apertada do que o é, em geral,
para o Iluminismo, a existente entre conhecimento e experiência.

Se bem que esta sensibilidade do coração [escreve ele ] , que


nos faz verdadeiramente gozar em nós próprios, seja obra da
natureza, e porventura um produto do organismo, ela tem
necessidade de situações que a desenvolvam. Sem estas causas
ocasionais um homem nascido com bastante sensibilidade não
sentiria nada e morreria sem ter conhecido o seu ser.

o sentimento pode, por conseguinte, ampliar indefinidamente o


campo das suas perspectivas, pode enriquecer-se até assumir aqueles
aspectos que se chamam sociais, altruístas, morais; não pode, todavia,
deixar de constituir o supremo critério de todas as avaliações sinceras,
ainda mesmo daquelas que dizem respeito aos valores culturais, às ciên-
ROUSSEAU 469

cias, às artes. O sábado é para o homem, não o homem para o sábado.


Este é o núcleo de verdades já presente no primeiro Discurso.

208. A POSIÇÃO CENTRAL DO PROBLEMA EDUCATIVO.

A tese da anticultura e a exaltação do estado de natureza, em rela­


ção ao qual o estado social é uma inevitável, mas nem por isso menos
odiosa, corrupção, são como que o rasgo doloroso e violento com que
Rousseau conquista, nos dois Discursos, a sua autonomia crítica perante
o Iluminismo. Mas ele tem bem a consciência de não ter prospectado
soluções, mas, pelo contrário, de ter prospectado problemas. Cultura e
sociedade não constituem por si próprias a felicidade do homem, nem
são um produto imediato e necessário da sua natureza. nisto está Rous­
seau bem certo, mas, por outro lado, é bastante débil o valor dos termos
que, respectivamente no primeiro e no segundo Discurso, tinha contra­
posto à cultura que os homens socialmente elaboram: a virtude e a sim­
plicidade natural.
No termo virtude confundem-se temas de tradição clássica e mitos
de primitiva inocência, mas perfila-se também o rigor calvinista da Gene­
bra natal. Num homem que declara de si próprio: «Em qualquer coisa
imaginável, tudo o que eu não faço com prazer bem depressa se me torna
impossível de fazer», o motivo de uma virtude que contraria o sentimento
não poderá subsistir durante muito tempo.
Por isso ele passa, no segundo discurso, a idolatrar um « estado de
natureza» que é exactamente o inverso do que fora concebido por Hobbes
como «hellum omnium contra omnes» . Trata-se, para Rousseau, de um
estádio j á não inteiramente bárbaro e selvagem, mas ainda não envene­
nado pelas pressões e pelas injustiças sociais ( ligadas ao próprio facto
da propriedade) , um estádio no qual o homem é feliz porque tem possi­
bilidade de expandir livremente a sua natureza simples.
Por outro lado, ele próprio está bem consciente de que uma tal repre­
sentação não tem nenhuma atendibilidade histórica. Trata-se de um
estado « que não existe, que talvez não tenha existido de facto, que pro­
vàvelmente nunca venha a existir, e do qual, todavia, é necessário ter
noções exactas para bem julgar do nosso estado presente». O estado de
natureza não é, portanto, mais do que a projecção hipotética das forças
que constituem a natureza humana numa espécie de espaço socialmente
rarefeito, que não ofereça as resistências e as perturbações do meio social
tal como nós o conhecemos.
470 HISTÓRIA DA PEDAGOGIA

Trata-se de determinar a natureza na sua espontaneidade <originária,


nos seus sentimentos fundamentais, mas, como os sentimentos não se
conhecem senão pelos seus efeitos, ocorre imaginar estes efeitos prescin­
dindo das causas perturbantes, assim como na física para estudar a
acção de uma ou mais forças sobre um determinado corpo imaginamos
o seu movimento no vácuo e sem outras perturbações, embora sabendo
que nada disso acontece na natureza. O próprio Rousseau faz esta com­
paração no prefácio do Discurso sobre a Desigualdade: ela revela-nos
como ele estava consciente do facto de que as suas simplificações têm
um profundo valor metodológico. Imaginar o estado de natureza ou
imaginar a solitária formação de Emílio não são negações da sociedade,
são experiências mentais necessárias para nos darmos conta dos requi­
sitos que também a socialidade deverá possuir para lograr enriquecer,
em vez de coarctar, a espontaneidade originária do homem.

209. INDIViDUO E A SOCIEDADE.

Que é que Rousseau se propõe em O Contrato Social? Ele próprio


o enuncia claramente:

Encontrar uma forma que defenda e proteja com toda


a força comum a pessoa e os bens de cada um dos associa­
dos por meio da qual cada um, unindo-se a todos os outros,
não obedeça senão a si próprio, e fique tão livre como o era
dantes.

Mas imediatamente o desígnio se revela ainda mais ambicioso: tra­


ta-se não tanto de conservar intacta a liberdade natural quanto de a
transformar em liberdade civil, com um real enriquecimento e uma
ulterior expansão da personalidade. Este enriquecimento é a morali­
dade, e ao mesmo tempo aquela a que habitualmente chamamos a vida
espiritual do homem, já que sàmente no estado social «as suas facul­
dades se exercitam e se desenvolvem, as suas ideias se alargam, os seus
sentimentos se enobrecem, a sua alma se eleva inteira a um tal ponto
que, se os abusos desta nova condição não o degradassem muitas vezes
abaixo daquela donde saiu, ele deveria bendizer sem cessar o instante
que lha fez abandonar para sempre e que, de um animal estúpido e
limitado, o transformou num ser inteligente e num homem».
O estado social capaz de oferecer tais vantagens não deve, por con­
sequência, ser identificado com uma convivência qualquer, mas sàmente
RO USSEA U 471

com uma convlvencia fundada no pacto social e que realize a vontade


geral, pois soment'e assim é possível que cada um seja livre, embora no
respeito da lei. Não se trata, em Rousseau, de um contrato efectiva­
mente estipulado num determinado momento histórico, e muito menos
de um pacto entr,e soberano e súbditos. Trata-se de uma relação ideal
cuja maior ou menor subsistência nos sistemas políticos reais constitui
critério da legitimidade destes, isto é, do seu carácter democrático, e
trata-se de uma relação que entrecorre entre cada associado e o com­
plexo dos associados, uma vez que para Rousseau o único soberano
é o próprio povo.
Deste modo, «cada um, dando-se a todos, não se dá a nenhuma
pessoa particular», e -entra numa convivência social sem nada sacrifi­
car da sua liberdade. Mas que sucede se a vontade do singular estiver
em contradição com a «vontade geral» ? A pergunta é legítima, tanto
mais que ,em Rousseau o conceito de vontade geral não é demasiado
claro.
A vontade geral não é, obviamente, a vontade despótica de um só
homem, e nem sequer a da maioria. Não se pode dizer sequer que sej a
a de todos, porque s e correria o risco de a tornar inexistente. A inter­
pretação melhor parece ser a seguinte : a vontade geral não é determi­
nada quantitativamente, pelo número das pessoas que a professam, mas
qualitativamente ou estruturalmente - ela é a vontade democrática, isto
é, a vontade de aceitar a convivência democrática fundada no j ogo de
maioria e minoria ( com o pleno respeito pelos direitos da minoria) .
Só assim cada um pode ser livre mesmo quando pense diversamente
da maioria; ele, de facto, querendo a regra democrática, quer também
que naquele caso se siga uma opinião diversa da sua, muito embora
estej a salvaguardado o seu direito de tentar mudar a própria opinião.
Rousseau tem, por outro lado, uma fé quase mística em que o povo
chamado directamente a decidir e suficientemente informado da matéria
sobre a qual deve deliberar decide sempre bem por uma espécie de <<ilu­
minação ».
É por isso que ele quer formas de democracia directa, em que o
Poder Legislativo seja sempre e�ercido por todo o povo (como ainda se
pratica nalguns pequenos cantões suíços e nalgumas towns da Nova
Inglaterra) , e vai ao ponto de exigir uma espécie de religião de Estado,
limitada a pouquíssimos dogmas, o que deixaria de ser congruente com
a interpretação da vontade geral como vontade de convivência demo­
crática respeitosa das opiniões da minoria. Na verdade, existem em
Rousseau também perigos de resvalamento para uma forma de ditadura
de massa. Mas não deixa de se observar que esses perigos seriam muito
472 HISTÓRIA DA PEDA GOGIA

reduzidos nas pequenas convivências políticas que ele tem em mente,


entre as quais admite sàmente um vínculo federativo; ele próprio julga
irrealizável a liberdade do cidadão nos grandes estados modernos cen­
tralizados.
Rousseau supera nItidamente a posição jusnaturalística: a liber­
dade natural não é a liberdade civil, não existem direitos naturais ante­
riores ao contrato, ou, se existem, o homem renuncia a eles totalmente
ao contrair o pacto. Os direitos civis nasoem todos do próprio pacto, são
eles próprios um produto social, e, de resto, como o pacto não pode
dizer-se contraído num momento determinado, antes é uma estrutura
ideal que vem histàricamente a determinar-se, os direitos acabam por ser
um produto histórico.
Rousseau dá-se conta, por outro lado, de uma grave dificuldade com­
portada por esta atitude: como é possível educar o indivíduo a pensar
em termos democráticos, isto é, em termos de vontade geral, numa socie­
dade que não seja já fundada sobre a vontade geral, isto é, ainda que não
seja democrática? Entre a educação do homem e a do cidadão existe
uma grave oposição, declara ele no início do Emílio. Não deve enten­
der-se que as duas educações sejam inconciliáveis por princípio, mas é
muito difícil imaginar e representar concretamente uma educação civil
que não « desnature» a personalidade individual como a espartana, nem
forme hipócritas «homens duplos» como a moderna (não forme, quer
dizer, homens prontos a tratarem dos próprios interesses em detrimento
dos colectivos, embora conclamando o contrário) .
Todavia, no segundo livro do Emílio, quando contrapõe a dependên­
cia das coisas como educativa à dependência dos homens como desedu­
cativa, porque caprichosa e desordenada, está dito claramente que uma
convivência civil regulada pela «vontade geral» teria um efeito completa­
mente diferente, e de resto «juntaria à liberdade que mantém um homem
isento de vícios a moralidade que o eleva à virtude » . Mas a própria ambi­
guidade que j á fizemos notar no conceito de «vontade geral» impede pro­
vàvelmente Rousseau de nos fornecer indicações mais precisas. Só num
breve esquema das Considerações sobre o Governo da Polónia ele nos
oferece algum genérico apontamento sobre o activismo em sentido social,
sugerindo que os j ovens se eduquem na democracia organizando-se em
pequenas repúblicas (mas isso, note-se, ele só o julga possível num estado
já democrático) .
Sem dúvida, é absurdo querer educar fora da sociedade para a socie­
dade, como Rousseau pretende fazer com o seu Emílio. Mas é claro que
se trata de uma abstracção metodológica necessária, dada a dificuldade
de imaginar em concreto uma convivência democrática formativa e a
RO USSEA U 473

extrema complexidade das relações que acabam por se constituir. Toda­


via, Rousseau está tão convencido da importância educativa destas rela­
ções que quando manda Emílio aprender um ofício quer que passe todo
dia no ambiente da oficina e inclusivamente que tome as suas refeições
com a família do carpinteiro, e isso porque « a nossa ambição não é tanto
aprender a carpintaria quanto elevarmo-nos ao estado de carpinteiro».
Perante a pequena sociedade laboriosa de uma oficina artesanal caem
por terra as justicadas suspeitas que ele tinha em relação à sociedade
maior, que ele julga vã e enfraquecida, cai, portanto, a sua preocupação
de manter Emílio imune a todo o contágio mediante uma rigorosa
exclusão dos contactos sociais.

2 1 0. EDUCAÇÃO NATURAL E EDUCAÇÃO NEGATIVA.

o Emílio é um romance pedagógico escrito com o declarado intento


de tornar mais concretos os critérios educativos sugeridos, mostrando
a sua efectiva aplicação a uma criança imaginária confiada a um pre­
ceptor, que é, evidentemente o próprio Rousseau. Emílio é órfão ( de
outra maneira não deveria ter preceptor, por isso mesmo que os melhores
preceptores são os genitores ) , nobre (porque assim « será sempre uma
vítima arrancada ao preconceito» ) e rico. Esta última condição é neces­
sária para poder imaginar o género de educação , extremamente elabo­
rada e complexa, que Rousseau considera desejável. Não se trata, fique
esclarecido, de fornecer ao aluno ensinamentos complicados, mas, já que
Emílio não deve vir a estar em contacto com a sociedade senão muito
tarde, é necessário criar contlnuamente à volta dele situações estimu­
lantes, a fim de que, reagindo a elas, se eduque por si - coisa eviden­
temente mais difícil e empenhativa do que o comum preceptismo em
voga.
Os cinco livros do Emílio seguem o desenvolvimento do aluno desde
o nascimento ao matrimónio e à paternidade. Os dois primeiros apresen­
tam-nos Emílio no período em que, segundo Rousseau, predomina o
sentido ( isto é, até aos 12 anos) , o terceiro diz respeito ao período em
que predominam considerações de utilidade ( 1 3-15 ano s ) , o quarto abre-se
com a chegada da idade da razão ( 1 5 anos) , que é ao mesmo tempo a
idade em que se desenvolve o senso moral e começam a interessar os
problemas religiosos. O quinto livro é dedicado à educação feminina, à
inserção de Emílio na vida social e ao seu matrimónio com Sofia.
Rousseau distingue ao princípio do Emílio três espécies de educação:
a educação da natureza, a das coisas e a dos homens. Sàmente o seu

31
474 HISTÓRIA DA PEDA GOGIA

harmónico concurso é capaz de fazer com que um indivíduo seja «bem


educado» . Não obstante isso, a educação dos homens acaba por ser
excluída, porque incontrolável e até, na sociedade tal como é , oposta à da
natureza, tal como já se disse. Esta exclusão é um aspecto essencial da
educação negativa, que Rousseau chama também método inactivo.

Para formar este homem raro, que devemos fazer? Muito,


sem dúvida: impedir que se faça alguma coisa.

Isto comporta não só a exclusão dos contactos sociais, mas também


e essencialmente a de todas as práticas caras à <<nossa mania didascálica
e pedantesca» .
A maior, a mais importante, a mais útil, regra de toda a educação,
afirma Rousseau, «não é ganhar tempo, é perdê-lo» . Trata-se, àbviamente,
de não deixar a criança criar mofo no ócio, mas também de não emba­
raçar, perturbar, apressar, um processo natural de maturação e de acti­
vidades espontâneas que Rouss,eau quer seja respeitado com religiosa
atenção. Em suma: o «método inactivo» é tornado possível sàmente pela
existência de «um princípio activo» no íntimo da criança. E este desdo­
brar de forças é a educação natural.
Rousseau individualiza três disposições ou grupos de disposições
fundamentais que formam o que ele chama a natureza do homem (sen­
tido, utilidade e razão) e sustenta que eles se afirmam sucessivamente,
amadurecendo por força espontânea. Este esquema temporal, cujos ter­
mos cronológicos são fornecidos mais acima, tem essencialmente um
valor polémico contra a tendência para apressar artificialmente o desen­
volvimento; mas note-se que as idades escolhidas para assinalar as pas­
sagens ( 1 2 e 15 anos) são com ·efeito momentos de rápidas transfor­
mações físicas e psíquicas, porquanto assinalam em média o início e o
fim do ciclo psico-fisiológico da puberdade. Todavia, não são estes saltos
que Rousseau acentua, mas a continuidade progressiva do desenvolvi­
mento natural, o facto de que cada momento é estreitamente condicio­
nado pelo precedente, embora não se podendo reduzir a um seu resultado
mecânico.
O optimismo de Rousseau ( << Tudo está bem quando sai das mãos do
Autor das coisas » ) tem também um espécie de valor metodológico, como
grande parte das suas posições limites. Isso não significa que baste deixar
desenvolver a natureza humana numa espécie de vazio educativo para
obter os melhores resultados : o que pretende é impedir-nos o subter­
fúgio de endossar à «maldade natural» a culpa dos nossos fracassos edu-
RO USSEA U 475

cativos e dar-nos a medida das imensas responsabilidades que pesam


sobre a educação e sobre todos aqueles que para ela contribuem.
A natureza humana não se desenvolve senão em experiências empe­
nhativas; o primeiro dever do educador é torná-las possíveis, desde quase
os primeiros movimentos do lactante. Mas Rousseau não cessa de repetir
que ,estas experiências deveriam ser unicamente experiências feitas sobre
as coisas, não experiências de relações humanas. Os homens podem inter­
vir apenas indirectamente, predispondo oportunamente as coisas de
modo a preparar aquelas situações que melhor correspondam às neces­
sidades de actividade do aluno.
Das três espécies de educação mencionadas acima, Rousseau aceita,
portanto, incondicionalmente a da natureza (educação natural), recusa
do modo há pouco precisado a dos homens (educação negativa), utiliza a
das coisas reservando-se torná-h o mais ajustada possível à primeira: este
último processo pode ser considerado uma forma de educação indirecta.
A relação educativa fundamental é, portanto, para Rousseau a rela­
ção entre indivíduo e ambiente natural, e trata-se de uma relação activa
que, embora prospectada segundo os esquemas de Condillac, insiste, mais
ainda do que este fazia, nas disposições para o movimento e para a inves­
tigação, as únicas que tornam possíveis as funções psíquicas.
A importância atribuída à relação indivíduo-ambiente não elimina ou
diminui a da relação educador-educando. De resto, a função do educador
torna-se mais difícil e vinculante do que nunca porque, J:1epudiada toda
a cómoda preceptística e toda a intervenção extrínseca, se realiza sobre­
tudo no preparar de situações concretas de valor educativo eficaz.
A relação educador-educando actua-se, por consequência, essencial­
mente por meio da que existe entre educando e ambiente natural, e con­
verte-se assim, de imediata, em mediata.
É de notar, por outro lado, que alguns dos exemplos deste modo de
educação que Rousseau nos fornece dizem respeito a situações que envol­
vem outras pessoas além do preceptor e de Emílio. Assim, Emílio aprende
a ler porque recebe cartões de visita que não sabe decifrar e que outros
não querem decifrar para o castigarem de anteriores indelicadezas .
Aprende a respeitar a propriedade alheia porque o jardineiro, a quem
tinha estragado um canteiro semeando nele, por brincadeira, favas, reage
rudemente, arrancando-lhe as plantazinhas mal haviam despontado.
Aprende a não partir os vidros por capricho porque, tendo-o feito outras
vezes, foi fechado numa divisão sem j anela, e até o criado a quem pede
auxílio se recusa a dar-lho, aduzindo como razão que ele também tem
«vidros para conservar».
476 HISTÓRIA DA PEDA GOGIA

Mas trata-se sempre de pessoas cujo comportamento pode ser pre­


disposto e controlado pelo preceptor, de modo que tenha a simplicidade,
a previsibilidade e a inelutabilidade das leis naturais. Não é em váo que
alguns dos episódios mencionados se resolvem com «pactos)} entre Emí­
lio e outras pessoas. São antecipações da ideia de contacto social como
garantia de clareza e de ordem nas relações recíprocas. Rousseau, de
facto, teme mais do que qualquer outra coisa as influências humanas
desordenadas, que geram na criança o capricho, isto é, a tendência para
se servirem dos outros a seu bel-prazer, e mais tarde a obcecação, a hipo­
crisia, o desleixo. Para Rousseau, todos os desejos da criança são legí­
timos, salvo o de se fazer obedecer, que é exactamente o capricho.
Saliente-se que Rousseau, o filósofo do sentimento, abomina todo o
sentimentalismo educativo. Também por isso as relações humanas, antes
da idade da razão, são simplificadas ao máximo, até quase reduzir os
homens a coisas. Nisto se evidencia também uma reacção consciente ao
carácter excessivamente sentimental e fantástico da primeira educação
que o próprio Rousseau recebera do pai. Daqui, ainda, a tendência para
antecipar, por outro lado, em formas elementaríssimas, a ideia de « con­
trato». De algumas das situações a que se fez referência Emílio sai
mediante um pacto de mútuo respeito com as pessoas interessadas.
Está, por outro lado, afastadíssima de Rousseau toda a intenção de
fixar disposições rígidas e mecânicas na própria criança. Pelo contrário,
em polémica com Locke, move guerra aos hábitos. A criança deve con­
trair um único hábito: o de não ter nenhum.
A criança é movida, primeiro directamente, depois indirectamente,
pelo « desejo inato do bem-estar» e pela tendência para a «própria conser­
vação ». Também a curiosidade é reconduzida a estes móbiles e sobre
eles deve fundar-se toda a aprendizagem.
A regra do «perder tempo» vale essencialmente até aos 12 anos. Nesta
idade, e até aos 15 anos, a criança, não perturbada ainda pelas paixões,
pode dispensar uma tenção mais prolongada e persistente aos fenómenos
que o circundam, movido pelo sentido da utilidade. A sua pergunta mais
frequente é: « Para que serve isto?», e com base numa tal curiosidade está
em posição de assimilar ràpidamente toda a espécie de noções, quer natu­
rais, quer linguísticas , de modo que é fácil recuperar o tempo perdido.
Nada de histórias, nem de novelas sentimentai s, e sobretudo nada de
lições teóricas : cada coisa será aprendida de um modo activo, a linguagem
através da conversação e da leitura, as ciências mediante experiências
práticas e aparelhos simples construídos pelo próprio Emílio.
Por evezes será necessário antecipar com métodos intuitivos algu­
mas noções, mas deverá seguir-se-Ihes imediatamente a sua aplicação
RO USSEA U 477

activa. Por exemplo, a algumas noções sobre os pontos cardeais forne­


cidas a Emílio ao fazer-lhe observar o nascer e o pôr do Sol deverá
seguir-se uma «lição de orientação» aplicada. Dar-se-á um passeio pelos
bosques, o preceptor fingirá ter perdido a orientação, e só aplicando as
noções aprendidas se livrará da situação embaraçosa.
Emílio é verdadeiramente um «pequeno selvagem», de reacções elás­
ticas e prontas, capaz de se livrar de embaraços por si só, felizmente
ignorante de todas as coisas que não tenham ligação com tudo o que ele
pode julgar útil. Ignora o que seja a emulação; não é émulo senão « de
si próprio» . Já sabe fazer todo o tipo de trabalho manual, e por isso está
em condições de aprender ràpidamente também um ofício verdadeiro e
adequado ( o de carpinteiro ) , e de tal maneira bem que poderia, se fosse
necessário, ganhar a vida com ele.
Mas com o sobrevir da i dade da razão, a educação de Emílio desen­
volve-se segundo dimensões até aí ignoradas. À pura «razão sensitiva»
sucede a razão verdadeira e pràpriamente dita, que se exprime na facul­
dade de formular juízos implicativos de ideias abstractas; ao puro ins­
tinto sucede a consciência moral. É a idade das biografias, da história,
dos estudos linguísticos e científicos aprofundados: Emílio tivera, afirma
Rousseau, como que um « segundo nascim,ento».

211. O NATURALISMO E UDEMONÍSTICO.

E sem dádiva nem a passagem para a racionalidade e para a mora­


lidade está em contradiçã.o com o princípio fundamental da continui­
dade natural sobre o qual se apoiam as concepções de Rousseau.
A peculiaridade e a relativa autonomia das várias fases de desenvol­
vimento não devem fazer-nos perder de vista a sua unidade substancial.

. . . cada idade tem as suas molas que a fazem mover, mas


o homem é sempre o mesmo . . . Assim como apenas as graves
doenças são capazes de produzir uma solução de continuidade
na memória, da mesma forma só algumas grandes paixões a
produzem nos costumes.

E de resto as próprias paixões « grandes», quer no bem, quer no


mal, encontram a sua génese, segundo Rousseau, numa única paixão fun­
damental, o « amor de si próprio».
O homem tende para a sua própria felicidade, não é possível que
seja movido por outros móbiles. Mas esta tendência pode degenerar em
478 HISTóRIA. DA PEDA GOGIA

« amor-próprio » e em todas as paixões daninhas e anti-sociais que dele


derivam. Por outro lado, é do « amor de si próprio» que derivam também
os sentimentos mais puros e as disposições morais mais elevadas , através
essencialmente do sentimento de piedade, que consiste em ensimesmar-se
com o próximo e em sentir como próprios os sofrimentos alheios. Ama­
durecer uma tal disposição para a piedade é uma coisa absolutamente
natural, quando não intervenham elementos perturbadores. Esta ati­
tude é o melhor exemplo do estreitíssimo nexo que existe em Rousseau
entre a continuidade naturalística e o eudemonismo moral .
O eudemonismo 'rousseauniano é talvez o mais importante e o
mais constante de todos os seus critérios educativos. Até quando, insatis­
feito talvez com algumas das suas aplicações particulares, procura outros
fundamentos para a moralidade na fé religiosa, a justificação desta última
(contida na «Profissão de fé do Vigário Saboiano» ) permanece no fundo
nItidamente eudemonística. O homem tem necessidade de acreditar num
Deus criador e providente e em recompensas e prémios ultraterrenos
para se sentir mais à vontade neste mundo, para deixar de ser atormen­
tado pelo problema do mal. A demonstração da existência de Deus , de
inspiração meio cartesiana, meio tomista, que Rousseau nos dá, não é
muito original, mas para ele o que conta verdadeiramente é o testemunho
da consciência.
O conceito que Rousseau tem da consciência, ainda que impreciso,
não é decerto o racionalístico e rigorístico de Kant. Trata-se antes de
um « sentimento que é inato » graças ao qual «o homem é sociável por
sua natureza, ou pelo menos é feito para se tornar sociável» , muito
embora as comuns necessidades instintivas o disponham mais em sen­
tido contrário; mas a consciência é por sua vez um « instinto» , « instinto
divino» , mais potente que a razão, apto a libertar-nos de « todo este for­
midável aparato de filosofia» . A sua força não reside noutra coisa senão
no prazer que dá o obedecer à sua voz. A « tentação» de acreditar nela
«é tão natural e tão doce que é impossível resistir-lhe sempre; e a lem­
brança do prazer que ela produziu uma vez é o suficiente para a reclamar
sem descanso».
É necessário distinguir em Rousseau o motivo eudemonístico do
utilitarista. O critério utilitário, muitas vezes evocado, não é o definitivo,
porque tende a sacrificar o presente ao futuro, e, de qualquer forma, a
enredar-se num complicado cálculo dos prazeres de desconfortante aridez.
O eudemonismo visa de preferência a plenitude da satisfação presente,
em que as perspectivas futuras têm lugar apenas como um enriquecimento
ulterior dos significados da actividade actualmente apreciados. Esta con-
RO USSEA U 479

cepção comporta precisas e importantes consequências no plano peda­


gógico.
Uma criança sabe que é feita para se tornar homem, todas
as ideias que pode ter sobre o estado do homem são ocasiões de
instrução para ela, mas sobre as ideias relativas a tal estado
que não estão ao seu alcance ela deve permanecer numa igno­
rância absoluta.

Nada de deveres abstractos, nada de excessiva preocupação com o


futuro, mas dedique-se todo o cuidado a que a criança possa gozar a sua
vida de criança, e não se ceda ao estúpido preconceito que pretende que
desse modo ela empregaria os primeiros anos « a não fazer nada».

Como é que não é nada ser feliz? Nada j ogar, saltar, correr
todo o dia? Em toda a sua vida nunca estará tão ocupado.

o mesmo critério preside a todo o enriquecimento cultural:

Não se trata já de ensinar-lhe as ciências, mas de lhe for­


necer o gosto de as amar e os métodos para as aprender
quando este gosto estiver mais desenvolvido.

Por consequência, é necessário conhecer o melhor possível os inte­


resses actuais de cada criança, e as suas possibilidades de desenvolvi­
mento. É necessário conhecer, pois, «o génio particular da criança», é
necessário desenvolver a « arte de observar as crianças », em suma, é
necessária uma psicologia da idade evolutiva, como diríamos nós hoje.
Fazer finca-pé no presente, e não num futuro incerto e ainda irreal,
eis a mais importante consequência do naturalismo eudemonístico:

o interesse presente, eis o grande móbil, o único que con­


duz seguramente para longe !

As finalidades educativas são não só internas a cada indivíduo, mas


também próprias de cada idade:

É preciso considerar o homem no homem, e a criança na


criança.

Rousseau arremete com violência contra aquela «bárbara educação»


que pretende sacrificar o presente ao futuro e que obtém somente que
480 HISTóRIA DA PEDA GOGIA

as crianças possam «morrer sem lamentar a vida de que só conheceram


os tormentos». É uma «falsa sabedoria» essa que «nos lança incessante­
mente fora de nós, que não considera nunca para coisa nenhuma o pre­
sente e, perseguindo um futuro que foge diante nós enquanto avançamos,
à força de nos transportar aonde não estamos, nos transporta aonde
nunca estaremos » .
A educação profícua e digna d e tal nome não é aquela que constrange
e atormenta, mas aquela que liberta, desenvolve, torna feliz. Isso não
significa de modo algum que se deva evitar o esforço; pelo contrário,
não devemos deixar-nos enganar pela aparente facilidade infantil de
aprender mais ou menos de cor os nossos preceitos e as nossas fórmu­
las, e pelo sucesso que este ou aquele método pode conseguir a propó­
sito. O que se aprende com meios desse tipo nunca é verdadeiramente
assimilado.

Entre tantos admiráveis métodos para abreviar o estudo


das ciências teríamos grande necessidade de alguém que nos
desse um método para aprender com esforço.

o esforço, por conseguinte, não se opõe ao interesse, mas é até um


aspecto substancial dele. Rousseau mostra-se aqui claramente um pre­
cursor ( como em boa parte das suas posições de fundo) da pedagogia
contemporânea mais avançada.

212. CONCLUSAO.

o Contrato Social e o Emílio consideram respectivamente o homem


na sociedade e a formação do homem fora dela ( mas para ela ) . Con­
temporâneamente Rousseau tinha posto A Nova Heloísa, história român­
tica de um amor infeliz em que são abordados os problemas da forma­
ção do valor da família. Vimos que o isolamento dos três motivos é
provisório, porque o homem real forma-se e vive contemporâneamente
na sociedade e na família. O quinto livro do Emílio reúne as três ordens
de considerações, fornecendo uma reexposição sintética de O Contrato
Social e encarando o problema da educação feminina e do matrimónio.
Sobre estes últimos argumentos não faltam as observações felizes.
Rousseau reconhece nas mulheres capacidades de intuição e de sen­
sibilidade superiores às do outro sexo. Mas, exactamente por isso, limita
um tanto a educação feminina, talvez por reacção ao grande número
de mulheres de salão com poses intelectuais de que fazia alarde o seu
ROUSSEA.U 481

século. A mulher deve sab er sujeitar a sua conduta a três regras : a da


opinião pública e a do sentimento interior, entre as quais fará de árbi­
tro a razão. A educação feminina deve tender sàmente a fazer amadu­
recer estas disposições. Com isso Rousseau julga salvaguardar o género
de relações que a natureza instituiu entre os dois sexos e permitir assim
a constituição de uma família em que reine perpetuamente a mais afec­
tuosa harmonia. Mas depois ele próprio, como para chamar a atenção
do leitor para a artificialidade da sua construção (como observará Gino
Capponi), num suplemento do Emílio escrito mais tarde (Emílio e Sofia,
ou os Solitários) , imaginou um fracasso daquele matrimónio.
Na realidade, as exigências prospectadas por Rousseau nas suas
três obras mais importantes, embora não sendo contraditórias, como
muitos dos seus críticos pretenderam, não permitem nenhuma fácil
conciliação. A conciliação efectiva pode acontecer sàmente na realidade
do devir histórico, através daquela maturação de uma consciência civil
e educativa mais alta para cuj a formação o pensamento de Rousseau
não cessou ainda de contribuir.
a optimismo pedagógico de Rousseau diz respeito ao aluno isolado,
isto é, a um caso impossível, que ele próprio reconhece como tal. Torná-lo
possível significa promover formas verdadeiramente democráticas de
convivência humana, formas aptas a favorecer, e não a coarctar, o livre
desenvolvimento das personalidades individuais. Este, e não outro, é o
problema, ainda em grande parte por resolver, que Rousseau nos trans­
mitiu, constituindo tesouro da experiência amadurecida no decurso da
sua errante, contraditória e infeliz existência.

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