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Poeta em
Destaque:
Júlia Lemos
Nota: Tenho buscado, nas seções de contos e poesia, efetuar um rodízio de autores. Assim, temos nesta edição em
sua grande maioria autores não publicados na edição anterior. Com isso buscamos dar voz a tantos quanto possí-
vel, e apresentar aos leitores sempre um melhor panorama da grande e boa produção de nossos irmãos.
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OFEREÇO A MINHA MORTE
Prenda
J.T.Parreira
Karla Waters
Ofereço a minha morte. Levanto
O meu sangue no silencio das feridas. Das entranhas
As estranhas
As maos abrem-se rasgadas, sao duas
Dos meus labios
Cartas abertas de amor. Para os teus
Um horizonte, o meu lado esquerdo
Abre-se para o voo do meu coraçao No ventre
Abandonado por Deus, ofereço a minha morte De minh'alma
É que a poesia
Serei retirado da cruz por maos amorosas.
Se concebeu
Das cortinas
NÔVO ! Dos meus veus
Helena Branco Da materia uterina
o som trazia Ate os ceus
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sofrimentos deste tempo. Éle nao poderia ao po. Semeia-se um corpo corruptível, res-
mudar o escopo de sua pregaçao, so porque suscitara um corpo espiritual. Juntos, final-
os rostos do pessoal pareciam espelhar co- mente, todos oraram a oraçao do Senhor, e
moçao e admiraçao. Éle parecia perturbado, depois foram despedidos com a costumeira
sim, pelo fato de os presentes, pelo que pa- bençao.
recia, ja terem antecipado a segunda parte A maior parte dos velhos voltara ao asi-
de seu sermao, antes que ele tivesse falado lo, logo apos a cerimonia. So ao redor de
uma palavra sequer da gloria que em nos Fridolino se havia formado um grupo que
devera ser revelada. se envolvera numa discussao com ele.
Por alguns momentos, admirado da co- Fridolino insistia que o arco-íris tinha
moçao refletida nos rostos dos velhinhos, o sido um sinal de Deus; o proprio pastor o
pregador chegou a silenciar. Foi aí que uma tinha confirmado. É vinha escrito na Bíblia:
voz quebrou o silencio: "Pastor, olhe para Deus havia colocado o arco no ceu, apos o
suas costas, olhe para o ceu — O Sinal da diluvio, para que servisse de eterno sinal da
Aliança!" Éra Fridolino, que ousara inter- aliança estabelecida entre Éle e os huma-
romper o solene ritual, apontando para o nos.
espetaculo celeste. O pastor, em sua convi- Mas ele nao admitia que tambem o canto
vencia com os velhinhos, se acostumara a do sabia era parte desta aliança. Nada se
muitas esquisitices e atitudes excentricas encontrava na Sagrada Éscritura a respeito
proprias de gente idosa, assim atendeu o de aves que tinham a tarefa de dar recados
pedido de Fridolino olhando na direçao in- aos humanos atraves de seu canto. A pomba
dicada. que carregara no bico a folha de oliveira,
É entao tambem ele passou a ver a glo- nao havia arrulhado nada para Noe, o corvo
ria. É se deu conta de que o proprio Deus que havia trazido pao e carne a Élias, na
havia assumido a parte do seu sermao que margem do arroio de Querite, nao havia
tratava da gloria a ser revelada em nos. As- grasnado nenhuma mensagem para o pro-
sim ele limitou-se a dizer: "Sim, Fridolino feta. Seu serviço fora mudo. Deus nao falava
tem razao. O Sinal da Aliança." atraves de passarinhos, e o canto deles nao
É assim aconteceu que, na hora do se- tinha nenhum significado para nos.
pultamento de Irmingard, pastor e comuni- Um dos circunstantes alegava que o galo,
dade quedavam-se em silencio, ao lado da que, afinal, tambem era ave, por certo tivera
sepultura aberta, abrindo-se ao fulgor que um recado a dar a Pedro, na noite em que
irradiava do arco da aliança de Deus. este negara a seu Mestre. Mas Fridolino nao
É enquanto paravam, silenciosos, bem se deu por achado. O galo tinha cantado,
de manso, do beirado da floresta proxima, mas era hora de ele cantar de qualquer jei-
começou a trinar um sabia preto. Éle canta- to, ele nem sabia porque estava cantando e
va como que de voz contida, assim como os que seu canto poderia ter um significado
sabias pretos costumam cantar ao lusco- pala Pedro. A gente facilmente se tornava
fusco do dia. Cantou por uns dois minutos, e vítima de fantasias, ao querer dar as coisas
quando enfim silenciou, igualmente o arco- da natureza uma interpretaçao espiritual.
íris foi perdendo o seu fulgor. Alguns do grupo nao concordavam com
Ao fim, o pastor voltou a encarar a co- ele, mas ninguem costumava argumentar
munidade. Falou da esperança dos que com o velho Fridolino sobre questoes que
adormeceram em Cristo Jesus, falou da glo- envolviam a Bíblia, e assim sua opiniao pre-
ria da vida eterna — e tudo correu segundo valeceu.
a ordem costumeira. O esquife foi baixado a Mas por ocasiao da janta, Fridolino se
sepultura: Terra a terra, cinza a cinza e po mantivera calado, como que contrariado, e
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quando todos abandonaram o refeitorio, ele tanto era um recado bem pessoal de Deus
reteve alguns de seus amigos, com os quais para todos eles.
havia discutido pouco antes no cemiterio, e Éu penso que poderemos concordar com
humildemente lhes pediu perdao. Éle se ha- o velho Fridolino, aceitando sua interpreta-
via enganado. O sabia fora mensageiro de çao da Éscritura tambem em nossa propria
Deus, sim. Éle havia conferido na Bíblia; vida. É talvez que nesta interpretaçao se re-
constava no Salmo 148, com toda clareza: vele o mais profundo segredo de Irmingard:
Éntre feras, gados e repteis estavam tam- o louvor a Deus havia secado em seu cora-
bem os volateis, isto e, os passarinhos - to- çao aquela fonte amarga da qual se alimen-
dos sendo convocados para louvarem a ta a solidao humana, fazendo nascer em seu
Deus. É aí o sabia preto nao podia ficar de lugar a vertente vivificante do amor. Com
fora. É como ele poderia louvar a Deus, a isso sua propria vida, e a vida de muitas ou-
nao ser com seu canto? tras pessoas, tinham sido transformadas.
É talvez em realidade o canto do sabia
tinha uma coisa a ver com o fato de a faleci- Lindolfo Weingärtner nasceu em 1923 em
da Irmingard ter tocado e cantado para a Águas Mornas - SC. É pastor luterano, pro-
gloria de Deus, enquanto ainda fora capaz fessor, escritor e poeta. Possui 27 livros pu-
de faze-lo. É tambem constava no Salmo blicados, dentre os quais O Canto do Sabiá e
148 que os velhos junto com os jovens devi- outros contos cristãos (Blumenau: Gráfi-
am louvar a Deus, e que isto era uma coisa ca e Editora Otto Kuhr, 2003), de onde retira-
que Irmingard sempre havia falado, e por- mos o presente texto.
L
U “Aslam”,
de Joana Cristina.
M Conheça mais
AQUI.
I
N
A
R
E
S
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A Morte da Encrenqueira dose de maldade, comentou que ela havia
Judson Canto morrido de ansiedade por nao conseguir
colocar as fofocas e murmuraçoes em dia.
Sabe a irma encrenqueira, aquela infati- A notícia de sua morte se espalhou, e
gavel promotora de confusoes na igreja, que gente de toda a cidade, em numero suficien-
pode ser definida como o friozinho na espi- te para encher a arca de Noe, vítimas de su-
nha do pastor ou a dor de dente as intrigas, correu para a igreja, espremen-
da congregaçao? Éssa era Porfí- do-se nos bancos e corredores
ria, talvez o equivalente a mui- em silenciosa confraternizaçao.
tos tratamentos de canal. Alguns, desconfiados da sorte,
— Mas ela era tao terrível beliscavam disfarçadamente o
assim? cadaver, para ver se ela nao es-
O diacono Padilha, que re- tava fingindo. Depois se belisca-
passava a um novo convertido vam para ver se nao estavam so-
curioso a biografia da encren- nhando.
queira, balançou a cabeça confirmando. Éle ***
proprio fora uma das vítimas daquela lín- No cemiterio, o pastor Rodolfo pi-
gua muitas vezes comparada a uma víbora, garreou, ajeitou o no da gravata e começou:
so que — todos concordavam — mais vene- — Irmaos, estamos aqui neste culto de
nosa. Éla havia cismado que fora ele quem açao de graças — todos fingiram nao perce-
lhe dera o apelido de Morte na Panela, e nao ber a gafe — pelo passamento da irma Por-
poupava o coitado. Se ele se demorava um fíria…
pouco mais no cumprimento a uma mulher, Atras dele, um coral de cochichos com-
ela puxava alguem pelo braço e cochichava: posto por irmaos ansiosos para enterrar o
“Ja vi esse filme…”. Se ele abraçava um velho passado instigava:
amigo com maior efusao, ela comentava: — Anda logo! Anda logo!
“Nao sei nao…”. — Vamos ler uma passagem da Bíblia,
— Éla costumava encarar a pessoa bem no Évangelho de Joao, capítulo onze…
de perto, e entao começava a falar mal de É novamente o coral de cochichos, com
alguem, sempre repetindo: “Nao acha que expressao de pavor:
eu tenho razao?”. É a pessoa que nao con- — Le outra! Le outra!
cordasse! — acrescentou o diacono Padilha, Finalmente a sepultaram. Os irmaos
explicando o principal metodo da fofoquei- nem haviam ainda deixado o cemiterio
ra. — Depois ela procurava o irmao ou irma quando o ceu enegreceu e um raio fendeu a
de quem havia falado mal e dizia quem in- escuridao de alto a baixo. Ém seguida, um
ventara aquelas coisas fora a outra pessoa. trovao fez estremecer o lugar.
Porque, se voce concordava, e como O diacono Padilha olhou para o alto e ex-
se tambem tivesse dito, nao e? clamou:
— Nao posso imaginar nada pior. — Ih! Éla ja chegou la.
— Pois imagine. Éla tinha mau halito.
O diacono Padilha e o novo convertido
estavam conversando no velorio de Porfíria. Judson Canto é editor, escritor, revisor e tra-
Sim, ela adoecera meses antes. É, depois dutor. Mantem o blog O Balido.
uma subita melhora, ate voltara a frequen- Do autor, baixe em formato pdf o conto
tar os cultos, porem morreu passados al- ilustrado Ate os Confins da Terra. CLIQUÉ
guns dias, de forma tao repentina quanto AQUI.
fora a sua recuperaçao. Alguem, com certa
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Jardim dos Clássicos
Eça de Queirós (1845 - 1900) nasceu em Póvoa de Varzim, no norte de Portugal. Foi
um dos maiores prosadores de nossa língua, filiado ao Realismo português. Iniciou sua
carreira nas Letras publicando no Jornal Gazeta de Portugal. Autor de diversas obras, tais
como os romances A Ilustre Casa de Ramires, A Capital, O Crime do Padre Amaro, O Pri-
mo Basílio e A Relíquia, dentre outros. Suas obras estão traduzidas para mais de vinte idi-
omas. O presente conto foi publicado originalmente em 1898, na Revista Moderna.
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O Poeta do Salmo exilado Tinha as sandalias cheias de lama, por-
que costumava percorrer os montes de ter-
J.T.Parreira ra que bordejavam as aguas do rio.
O rio nao parecia correr no seu leito O rosto evidenciava, com rugas, que ha-
natural, circulava pela via percorrido uma es-
cidade, por entre as casas trada na vida que nao
e dava a impressao de fora atapetada de lírios.
estar ao nível das Tinha, no entanto,
construçoes mais uma boa figura, e as
rectangulares, reflectindo maos, quando andava,
as faces dos edifícios. pareciam imprimir
Gedalias, um anciao calma a todo o corpo.
de olhar ja acomodado, Vivia num lugar que
sentava-se ao lado de as autoridades babiloni-
Quebar, um canal navega- cas tinham destinado
vel, a jusante do Éufrates, aos judeus deportados.
e via subir e descer com o Éstes viviam em casas
vento, ate arrastarem as proprias, alguns ate ha-
folhas mais altas nas viam enriquecido com o
aguas, os juncos que se esforço da sua acultura-
pareciam com saltadores çao e integraçao, viven-
no momento do mergu- do nao como escravos,
lho. mas semi-livres, em
Nas pedras, junto de si, tinha Michele Myers pontos estrategicos um
pousada uma tabua de barro com inscri- pouco acima das margens do Quebar. A sua
çoes da historia recente e um papiro enve- casa e a da família estava ao lado de um
lhecido no qual se via que ja inscrevera al- grande salgueiro, que em fins de tarde sem
gumas frases em aramaico. O velhinho vento dava bastante calma ao olhar, embo-
olhava-as, e quando o fazia espaçadamente ra nao acrescentasse nenhuma novidade,
era com uma tristeza nos cantos da boca, por isso nos olhos de Gedalias havia, por
como se alguma coisa tardasse em chegar. vezes, uma certa acomodaçao.
É afirmava a si proprio: «Éstes versos Mas, na maior parte do tempo em que
serao feitos como se esculpisse o sentir da estava sozinho, os olhos iam buscar ao fun-
tristeza, a lamentaçao certa ha-de chegar do do rio sentimentos tristes, e, no entanto,
perfeita, do meu estado de espírito.» davam a impressao de estarem a acompa-
Éra um velho que trajava um longo ves- nhar o subtil curso das aguas.
tido gasto, com motivos sumerios, e abriga- Como quase sempre podia fazer, estava
va-se da humidade do ar com uma pele de sentado ao lado do rio, e a luminosidade
carneiro surrada, «Apesar das aparencias, que vinha da agua, compartilhava-a no seu
sou um cativo muito bem tratado» – pensa- rosto. Nesses momentos baixava a cabeça e
va, varias vezes, com algum reconhecimen- olhava em direcçao do seu manuscrito.
to, e poucas vezes falava de vingança. Trouxeram-nos, um dia, por volta do
Fizera parte da primeira deportaçao, anoitecer, das suas terras da Palestina, ao
era um bom artífice, a quem reconheceram velhinho com uma dezena de milhar de
a sua valia profissional para trabalhar em outros judeus, e a partir de entao aqueles
artes decorativas. Agora, porem, ja nao tra- canais da Babilonia eram como uma praça
balhava. onde juntavam os soluços e as palavras
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castradas. pre que se animava com uma possível lon-
Lembrava-se perfeitamente do dia, Jeru- gevidade.
salem apos um cerco breve capitulou no dia Havia rumores de que os persas, sob o
16 de Março de 597, sem resistencia digna mando de Ciro, poderiam estar perto de in-
de nota. vadir Babilonia. É esses nao eram propria-
O rio possuía recantos aprazíveis e os mente barbaros. É no que dizia respeito aos
salgueiros quando se reflectiam no retrato judeus, a sua relaçao com estes nao era as-
criado no espelho das aguas, faziam-no de sim tao complicada politicamente.
margem a margem em alguns pontos. Mas um poema sobre o exílio obcecava-o
Uma parte do seu estado de espírito e estava dentro das suas prioridades de an-
quereria fazer caber esse sentimento ciao.
estetico no que viesse a escrever, a outra, Pensava muito no assunto, e talvez por
era mais dramatica, prendia-se com o saber que o mesmo nao acontecia com ou-
aviltamento natural do seu estado de tros da sua idade, e, sobretudo, com alguns
exilado judeu, prendia-se com a religiao. muito mais novos, que ja haviam nascido
— Se eu fosse o nosso grande rei David, em terra estranha, muito mais pensava num
o salmo ja arderia de beleza em todas as retrato poetico do exílio, numa forma que
suas palavras. — Disse, um dia, a um moço sintetizasse a tristeza e o orgulho nacionais.
que lhe perguntara o destino que daria ao Foi nesse instante que um dos filhos, o
manuscrito. mais velho, lhe interrompeu o que estava a
— Éu sou apenas um velho que quer pensar. Éle falava de um modo pacificado e
deixar um pedaço de historia para la das parecia inquieto, mais no olhar do que na
nossas ruínas. Mas talvez seja ja muito voz.
tarde. — Arrematou, voltando de novo a sua
contemplaçao. — Pai, queria que me desse uns momen-
— Venha, meu pai. — Julgar-se-ia que a tos da sua atençao.
filha o teria acordado, quando o veio Ésse seu filho era o predilecto, nao por
chamar. — Venha preparar o Shabat, que ser o primogenito, mas por ser rigoroso
apesar de estarmos em terra estranha, com a sua vida secular, com ortodoxia de
temos aqui de perpetuar Siao. princípios para com a comunidade, cumpri-
A noite caía sobre o Éufrates e o Quebar dor da lei Mosaica e um excelente musico.
como uma peça unica, compacta, a propria Tocava lira na perfeiçao.
sombra tenue dos salgueiros ja nao se dis- — Ja decidi, ha muito tempo, que nao
tinguia, mais tarde seria somente o murmu- vou tocar lira para a festividade dos nossos
rar das aguas que indicariam, no escuro, o opressores. No entanto, insistem. Vou deba-
volume espesso dos rios. ter-me com problemas.
Émbora nao desse excessiva importancia — Deus reservou-te uma tarefa, que nao
a idade, como limite para produzir uma sera certamente tocares o cantico do
obra salmodica, pensava com frequencia Senhor em terra estranha. — Anuiu o velho
que ja nao teria muito tempo, que talvez pai, enquanto com a cabeça procurava o
fosse ja muito tarde. exacto ponto cardeal para olhar, no vazio,
— Ainda quero sair daqui, regressar a rumo a Jerusalem.
minha terra. — Desejava sempre que a con-
— Nao sou o unico a pensar desta
versa se metia por aí, embora la nao tivesse
maneira — informou o filho — Ha muitos
as margens de um rio como aquele onde se
judeus a pensarem o mesmo.
poderia sentar. Sentar-se-ia debaixo do al-
pendre de uma casa. É pensava assim sem-
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É, no entanto, estavam todos aflitos com religiosidade e tambem um sentido comuni-
a situaçao. Éra uma honra que os babilonios tario. Fizera bem em referi-lo, porque o ve-
os considerassem muito bons musicos e se lho concluiu os versos com «lembrando-nos
deliciassem a ouvir as liras dedilhadas por de Sião.»
uns dedos que so sabiam, agora, contar Depois veio aquela referencia aos sal-
salmos de angustia e tristeza, mas sempre gueiros. Havia inumeros, junto as colonias
com aquele ritmo vivo que um dia fizera oferecidas aos judeus, nas margens do rio
Miria executar uma remota dança ou David Quebar. «Nos salgueiros penduramos nos-
saltar a frente da Arca. sas harpas.»
— Talvez. — Concordou o velho — Mas Mas como uma centelha que sai do fundo
sempre e o cantico do Senhor em terra es- da fogueira que parece extinta, e revigora
tranha. Por muito que ambicionemos nao todo o fogo, Gedalias recordou que nos pri-
poderemos tirar desta terra um cantico pa- meiros anos de cativeiro, e mesmo muitos
ra o Senhor. — Repetiu, enquanto um vento anos depois, os babilonios insistiam para
inesperado fez uma passagem rapida pelos que cantassem as suas cançoes. Éra verda-
salgueiros, como uma musica agreste, de- de, que tinham permissao para celebrar as
frontando as ramagens. É entre as suas pal- suas festas, embora so cultivassem uma, a
pebras, ja muito flacidas, começaram a bri- Festa das Lamentaçoes aliada ao novo cos-
lhar umas pequeníssimas perolas. tume de orarem com os olhos voltados para
Uma nuvem mais branca, queria agora Jerusalem, mas tocar para aqueles que os
instalar-se entre as mais escuras que corri- levaram ao exílio, jamais.
am, ja havia um bocado, pelo ceu. Éra uma É, assim, começou a escrever:
nuvem muito simples, que nao se parecia «Porquanto aqueles que nos levaram cati-
com nada, nem suscitava qualquer desenho vos, nos pediam uma canção; e os que nos
a imaginaçao. destruíram, que os alegrássemos, dizendo:
O velho talvez pudesse agora voltar para Cantai-nos um dos cânticos de Sião.»
o seu sítio ao lado do rio, e levar os seus ins- Mas como numa terra impura, o homem
trumentos de escrita onde esperava ainda se guarda de contaminar o corpo, sem lugar
escrever alguma coisa a favor do mundo de culto, sem referencias físicas para situar
que lhe roubaram. A lua era uma quilha de a sua religiao, a nao ser no plano dos costu-
um barco a subir e a descer na luminosida- mes, dando maior importancia ao Sabado e
de de espuma, quase alva, de algumas nu- a Circuncisao, o velho e todos os outros ju-
vens. Nessa noite, cheia do rumor com que deus que puderam, enfim, regressar a Jeru-
as aguas, as vezes, substituem a ventania, salem, tinham imenso orgulho em poder
sentia-se com pensamentos inspirados. afirmar, como as palavras desse poema, a
— Junto dos rios da Babilónia nos assen- sua recusa: «Mas como entoaremos o canti-
tamos e choramos — disse em voz alta, e co do Senhor em terra estranha?».
achou que este começo do poema condizia ____________________________________________________
com a verdade, porque ja presumia a liçao
Do livro Como quem ia para longe. Baixe gratuita-
de quanto mais poetico mais verdadeiro.
mente seu exemplar AQUI.
Poderia ser mais narrativa que poesia, mas
era a verdade sentida.
— Filho — olhou para o primogenito — J.T.Parreira é poeta, escritor e ensaísta português.
Nao cres que esta e a melhor posiçao que Autor de seis livros de poesia e diversos e-books.
actualmente nos retrata, como um povo? Éscreve desde 1964 na revista Novas de Alegria.
Havia no entanto, que meter dentro do Mantem o blog Poeta Salutor.
paragrafo, dissera-lhe o filho, a saudade, a
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RECIFE- MENINO POR AMOR
Ao toque do cada sino Foi tanto o vexame,
remeto à vida do meu Recife - menino. lado a lado com dois vagabundos
Nos quintais quase todos os frutos: expulsos fora de portas.
os que do oriente foram trazidos Mais que tudo:
e os que já se encontravam sendo o pior de todos eles.
no chão do descobrimento, Chistes, esgares, - porque te
as cores dos frutos nos quintais das casas apanharam?
celebravam a vida em todas as nuances
e eu adormecia sob aquele manto cintilante. Desfeito de formas
diante de estranhos homens
De tempos em tempos de fala obscura.
floriam as mangabeiras, Um deles me lançou uma praga alucinado
depois era a vez das mangas de rir uma risada sem dentes,
de amarelo, rosa e verde vestidas, até que se exumou de vez.
também as goiabeiras, os laranjais e abacateiros.
Vivíamos sob a exuberante copa dos jambeiros, Lágrimas em óleo quente.
e à espera de colher as bananas d’água, da prata e do ouro. Mais que as lanças rasgando-me juntas
e descolando carne da carne,
Recife era umidamente adornada. era a vergonha absoluta.
Outros frutos como araçás
pitombas e cajás enfeitavam Entardecia, virava-me
as mesas tropicais de Dezembro. o sol as costas. Monções de poeira
Em junho, sopravam para longe
a chuva caía fina como uma oração. toda-paixão pelos homens.
As ruas da cidade ficavam limpas Meu ouvido dizia: adormece !Yeshua!
exibindo um fulgor quase. Até que as cordas do coração
As águas escorriam das biqueiras, me soltaram e a descer, a descer,
e era um banho dos fluidos celestiais
feitos na maior brincadeira. vertiginoso preparo
para a permanência na
As tardes recebiam o enfeite das flores, região do silêncio sem respostas
bom dia, boa tarde, boa noite,
buganvílias, jasmins, margaridas, A noite desceu compacta e
dálias e sempre-vivas. Jerusalém mergulhava escura
Sempre as trazia comigo, pois as amava no sangue de um homem sem culpas
e as flores gostam de nossos amores.
Entre as famílias
a morte quando chegava A VISITAÇÃO
era por natural decorrência
Existe um perfume onde Tu estás,
e sem violência levava quem ela queria.
fragrância de rosas, alguma nota cítrica:
Um véu de estrelas forrava todo o firmamento. toques leves de malva e cássia.
Era augusto este recorte que uma menina via.
Além do perfume com que te anuncias,
Na varanda ficavam o pai, a mãe, tios e avós
uma luz diáfana. Vens assim
a discorrer sobre fatos decorridos ou imaginários.
Do tempo dessa casa antiga em suave aragem pela minha sala.
para mim ninguém partiu definitivamente. em suave aragem pela minha sala.
Eles continuam a existir no meio dessa paixão
da qual as estrelas são permanentes testemunhas. 21
UM OLHAR INEXTINGUÍVEL CANDEIA
O olhar soturno que Deus me deu
Deus se amplia, não é para ferir o mundo
além do meu espaço, mas para amá-lo.
meu gueto, meus guias. Amo-o com a candura
Ele vai muito além dos olhares límpidos
de meus esquadros, e subo ao mais alto edifício
usando régua e compasso de onde eu possa ser a candeia
que desconheço. que ilumine toda a cidade.
DIANTE DO TRONO
Julia Lemos é natural de Caruaru, interior do estado de
Pernambuco, nordeste do Brasil. Radicada no Recife, tem forma- Quando cessarem
ção em Comunicação Social, nas áreas de Publicidade e Propa- as esperanças
ganda e Jornalismo, pela Universidade Federal de Pernambuco, e o quartzo não mais refletir
atuando como Coordenadora de Comunicação Social do Ministé- meu rosto prismático,
rio da Saúde, bem como repórter e redatora no Jornal do Comér- quando todos os venenos
cio e na Televisão Universitária . para curar ou para ferir
acabarem
Atriz, estreou no teatro infantil em 1977 com “Pedacinho de Lua” (de Tonico Aguiar). vou-me para diante de ti.
Em Olinda, fez parte do grupo de estudos do teatro de Bertold Brecht do Teatro Hermilo
Borba Filho, atuando em diversas encenações. Havendo de chegar
não lhe farei perguntas.
Co-autora do livro de receitas A Cozinha Estrangeira na Terra do Caju, com prefácio
de Gilberto Freyre, 1985; publicou os livros de poesia Carmem Antonio Migliacchio En- - Pai,
louqueceu (Edições Pirata- Fundação Gilberto Freyre), e A Casa Estrelada, pela Fundação respondi tudo de forma
de Cultura de Pernambuco, através da CEPE. Participou de diversas antologias. poética. Minha vida
foi de boemias frasais,
É pós-graduada em Literatura Brasileira pela Faculdade Frassinetti do Recife e mestra e fiz muitos amigos assim.
em Estudos Brasileiros pela Universidade de Lisboa. Tem inédito o livro de poesias A Ex-
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posição dos Sóis e Poemas ao Rei.
cobras & lagartos Múmia
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veio ao seu encontro uma velha de aspecto avançou ate o parapeito da varanda exami-
medonho. Curvada e cheia de reumatismo nando as redondezas. Éurico fez enorme es-
ela parecia nao ter sequer um osso que nao forço para sair de seu estado quase catato-
fosse deformado. Érgueu o rosto para Éuri- nico.
co e o fitou com superioridade. O anciao tre- — Posso ajuda-la de alguma forma? —
meu sem querer. perguntou com educaçao.
O rosto da velha era de tal forma enruga- A velha o mirou de novo com aquele
do e cheio de espinhas e pontos negros que olhar gelado e desdenhou:
so o fixa-lo ja era penoso. O nariz de propor- — Nao e voce que quero! — respondeu
çoes significativas era peludo e torto. A boca secamente.
irregular de labios secos. Da cabeça quase — Éntao, quem e? — insistiu o anciao ja
careca saíam uns poucos fios de cabelo gri- com seus pressentimentos.
salho em total desalinho. A mulher trazia A mulher parecia incomodada com a
uma roupa toda negra e esfarrapada condi- presença e a insistencia do homem e pare-
zente com seu aspecto físico. Sua presença ceu ataca-lo. Voltando-se com rapidez sur-
causava repulsa e medo, tremor e asco ao preendente o questionou:
mesmo tempo. — Nao tem medo de mim?
Depois do primeiro susto Éurico tentou Desta vez foi Éurico que ficou firme e
se recuperar. Pensou que fosse alguem da com olhar tranquilo e seguro sorriu e res-
família do homem morto que permanecia pondeu:
no extremo do terraço e tentou ser gentil: — Deveria ter?
— Boa tarde, senhora. Veio pelo moço — A grande maioria dos homens tem…
acidentado? — perguntou apontando o ca- — disse a velha com segurança.
daver. — Parece ter muita experiencia! — refle-
— Acidentado? — pronunciou a velha tiu Éurico.
com sarcasmo. — Alguma... — devolveu a outra com
Sua voz era metalica e grave. Um tanto sarcasmo.
inesperado. Causava arrepios na medula e — É esta procurando... - sugeriu o an-
parecia penetrar os ossos. Nao parecia ser ciao.
humana. — Édmilson - declarou a velha de forma
— Acidentado? — repetiu a velha. seca e voltou a perscrutar a vizinhança.
— Bem — titubeou Éurico sem jeito — Éurico ficou abalado com a revelaçao e
eu, na verdade, nao sei. Quando cheguei se aproximou corajosamente da velha ape-
aqui ja estava morto. sar de que o frio que ela transmitia ser a ul-
A velha parecia nao estar interessada no tima coisa do mundo que queria experimen-
que ele dizia. Aproximou-se do anciao e o tar de novo. De subito, sentiu-se cheio de
rodeou examinando cada detalhe dele e em ousadia para lutar pelo jovem que pretendia
especial a Bíblia em sua mao. A sua aproxi- ver salvo, e pressentia que esta ancia so po-
maçao Éurico experimentou um fenomeno dia trazer mas notícias. Chegou-se com con-
de todo inusitado. O chao parecia ter se tor- vicçao e disparou:
nado frio. Como se a temperatura a volta da — Quem e a senhora?
mulher fosse bem mais baixa que o resto do A velha olhou Éurico com um misto de
ar. A tal ponto se fez sentir isso que o pobre admiraçao e desprezo e sorriu. Um sorriso
homem quase tremia de frio e segurava o que faria gelar o coraçao do mais corajoso.
queixo para que nao batesse. De sua boca disforme se viam uns poucos
A velha tornou a se afastar dele sem pa- dentes amarelo-acastanhados e a risada
lavras como se tivesse perdido o interesse e qual grito de hiena na noite africana parecia
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vindo de outro mundo. A mulher, olhando o ciao - Éle nao esta pronto para ir. Precisa de
homem no fundo dos olhos, pronunciou cal- mais tempo. O amor de Deus ha de vencer
mamente: em sua vida, mas precisa de mais tempo.
— Sou a Morte! — É e esse tempo que voce quer com-
— Nao pode leva-lo! — foi a reaçao ime- prar para ele? — sugeriu a velha rindo.
diata e quase impensada do anciao. — Se for possível… — clamou ele.
A Morte mostrou surpresa, franzindo o — Possível e… — disse ela — Nao seria a
sobrolho que logo abriu em novo sorriso primeira vez. Tem-se feito muitas vezes e
desdenhoso. creio que ainda se farao muitas mais.
— Voce vai me impedir? — É ele tera tempo suficiente? — quis
— Nao posso... — reconheceu Éurico — saber o homem ansioso.
Mas ele nao esta pronto! — Isso nao pode saber. So o Todo Pode-
— Isso nao e problema meu. — deu de roso sabe essas coisas. Pode ser que sim.
ombros a velha — Cumpro minhas obriga- Pode ser que nao. Acha que vale a pena
çoes e chegou a hora do rapaz. Se nao se mesmo assim? Morrer sem ter a certeza?
preparou para me receber e problema dele. Pode ser em vao… — tentou a morte ma-
— É meu tambem. — protestou o ho- treira.
mem — Éu assumi a responsabilidade por — O amor nunca e em vao! - sentenciou
ele. Éurico — Éstou disposto a dar a Édmilson
— Ninguem pode assumir a responsabi- mais uma oportunidade, nem que seja a ul-
lidade por outro. — devolveu a Morte — Ca- tima!
da um tem que me enfrentar sozinho e a ho- A morte balançou a cabeça e chegou-se
ra de Édmilson e chegada. ao fim do terraço aonde se via toda a favela.
— Éntao, me leve a mim. — tentou Éuri- Suspirou com ar cansado e olhou mais uma
co ja desesperado — Éu posso ir ja, estou vez com seus pequeninos olhos negros o
pronto. Nao tenho medo de voce. Leve-me homem que a observava em suspense.
no lugar dele! — Tanto trabalho a fazer... Voltarei por
Agora o homem parecia pela primeira voce... Amanha!
vez ter conseguido a total atençao de sua Antes que Éurico pudesse dizer qualquer
interlocutora que o examinava com mais coisa uma nevoa vinda nao se sabe de onde
cuidado ainda. A morte aproximou-se nova- encobriu a velha e a sua figura fantasmago-
mente e o frio glaciar de ainda a pouco vol- rica desapareceu.
tou a gelar Éurico de forma desagradavel e O homem ficou muito tempo ali em pe
quase insuportavel. Tudo nele clamava por sem saber bem o que se passara com ele.
se ver livre dessa sensaçao, mas ficou quie- Fora sonho? Fora visao? Fora real? Como sa-
to, em seu interior lutando pela alma de seu ber a verdade? O anciao sentia-se confuso.
protegido. Seria genuíno que ele negociara com a mor-
A morte percebeu a luta do homem e sua te e se oferecera para ir ao lugar de Édmil-
forte resoluçao e se afastou lentamente. son? Isso seria possível? Seria aceito? No
— Tem a certeza do que me propoe? — dia seguinte seria a sua vez? Éstaria real-
questionou tentando verificar a certeza do mente tao preparado como se julgava?
homem. Com esses pensamentos na cabeça ele
— Sim! — afirmou Éurico com total con- deixou o local e a medida que descia do
vicçao. morro notava toda a agitaçao típica do fim
— É porque faz isso? — quis saber a de dia, mas algo mais do que era normal. Fi-
morte. nalmente um jovem o informou. A polícia
— Pela salvaçao dele. — explicou o an- havia estado no morro durante a tarde. Ti-
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nha havido troca de tiros e Édmilson fora do — É era horrível!
baleado. Éstava no hospital. — Éu sei. — balançou a cabeça o anciao
Éurico estremeceu. Tinha que verificar. — Mas nao precisa ter medo dela agora. Vo-
Sentia-se cansado. Na verdade exausto, mas ce vai viver. Mas o quanto e como vai depen-
nao teria paz sem confirmar o que sucedera. der de onde voce vai colocar o coraçao.
Questionou sobre o hospital em que o jo- Na entrada do quarto uma enfermeira
vem estaria internado e foi ate la, chegando fez sinal ao anciao que era hora de se reti-
ja noite cerrada. Procurou o medico que rar. Édmilson segurou o braço dele com an-
atendera Édmilson. O clínico sentou com o gustia. Ém seus olhos ele via agora todo o
anciao e parecia confuso. vazio de seu coraçao, toda a busca de sua
— Foi algo muito estranho. — disse o alma.
medico — O rapaz foi baleado tres vezes no — O que e que eu faço? — perguntou
abdomen, na regiao do fígado. Chegou aqui com voz embargada.
com hemorragia interna incontrolavel. Nao Éurico o olhou com carinho. Colocou sua
havia nada que pudessemos fazer. Nem se o Bíblia na cabeceira. Éra a sua velha Bíblia.
tivessemos recebido logo apos os tiros. Mas Companheira de tantos anos. Ganhara aque-
tinham passado mais de duas horas! Éle es- le livro do homem que o levara a Cristo. Éra
tava a morte! O pulso estava indo e todos seu mais precioso tesouro. Mas sentia que
nos preparavamos para deixa-lo cadaver agora o rapaz precisava mais dela do que
quando, de repente, o sangue parou. O cara ele. Sorriu de leve e acrescentou:
se recuperou bem ali, a nossa frente. Olha, — Comece lendo o livro onde esta mar-
se eu nao tivesse visto, nao acreditaria. Se e cado. Depois, quando sair daqui procure o
que existe essa coisa de milagre, este foi pastor Joao da igreja la da favela. Éle sabera
um! te ajudar. Nao desperdice seu tempo, meu
Éurico ouviu tudo com lagrimas nos filho! A vida e curta! Voce nao sabe o que
olhos e sentindo que, afinal, tudo o que vi- vem amanha.
vera fora verdade. Cheio de convicçao e cer- — Voce vira me visitar? — quis saber o
teza conseguiu autorizaçao e chegou a cabe- moço.
ceira do moço por quem se dispusera a — Nao sei. — respondeu o velho com o
morrer. O jovem orgulhoso e cheio de anti- olhar perdido — Tenho amanha um com-
patia que ele vira no começo do dia ja nao promisso muito importante. Logo voce sa-
estava ali. Édmilson tinha um ar assustado bera.
de garoto pobre que era o verdadeiro esta- Com uma breve oraçao ele se despediu
do de sua alma. Olhou Éurico com vergonha do moço e saiu. Trazia o coraçao em paz.
e uma pitada de esperança. Tremia ao lhe Sentia que aquele jovem estava a caminho
contar. da recuperaçao. Seria difícil o caminho e
— Foi uma emboscada. O meu pessoal muito espinhoso. As tentaçoes seriam mul-
me traiu. O desgraçado do Mendes queria a tiplas e a luta tremenda. Mas ele queria
minha posiçao. Miseravel! Vai pagar caro! — acreditar. Éra tudo que precisava. Fizera a
dizia com o rosto se contorcendo de dor e sua parte. Talvez ate demais. É com esse
raiva. pensamento enchendo sua mente chegou a
— Ainda odiando? — interrompeu Éuri- casa finalmente e dormiu um sono pesado,
co — Isso nao te trouxe nada de bom. sem sobressaltos, cheio de paz.
O moço parou de falar e o olhou triste. No dia seguinte, levantou-se a hora habi-
Desta vez parecia reconhecer a verdade nas tual. Fez tudo como em qualquer outro dia.
palavras do velho. Por que seria diferente? Foi o que pensou. O
— Éu vi a morte! — disse entao tremen- dia inteiro, porem, esperava sentir aquela
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presença gelada que o envolvera no dia an- — Ah! — riu ela e se aproximou esten-
terior e que certamente o viria buscar. Mas dendo a xícara de cha fumegante e cheiroso.
nada aconteceu de manha e a tarde ia ja A sua aproximaçao ele sentiu o frio que
avançada quando se sentou em seu sofa de lhe percorrera o corpo no dia anterior. Mas
leitura e adormeceu com um velho livro de este nao era o mesmo tipo de frio. Nao gela-
poesia no colo. va. Nao fazia tremer. Éra mais um tipo re-
Acordou com uma sensaçao estranha e frescante, qual brisa gostosa em tarde aba-
imediatamente sentiu que nao estava so. fada.
Um arrepio percorreu sua espinha, mas re- A moça fez sinal e ele tornou a sentar-se
cuperou depressa e levantando-se deu de no sofa. Éla foi postar-se nao muito longe,
cara com uma moça que, sentada a mesa da bem em frente a ele.
sala, preparava um cha. — Na verdade foi comigo que falou on-
Éra jovem e extremamente bela. Alta e tem. — continuou a morte — Mas ontem vo-
esbelta, de feiçoes finas, rosto pequeno ce me viu como Édmilson me veria. Ontem
emoldurado por abundante cabelo castanho eu era a morte aos olhos dele. Hoje estou di-
claro, olhos enormes de um verde enigmati- ferente, ou talvez nao. Na verdade nao mu-
co, labios bem desenhados e um queixo ar- do. O que muda e a maneira como as pesso-
tístico. Éra branca, muito branca e dela pa- as me veem.
recia emanar um perfume doce inebriante Éurico abanou a cabeça. Fazia sentido.
que o anciao sentiu ser delicioso demais. Éra mesmo bastante logico. Sorriu. Nao po-
Éurico sorriu diante de tal visao e lim- dia evita-lo. Como temer uma morte com es-
pando a garganta, se desculpou: ta cara?
— Peço desculpa nao a vi entrar, estava — Ésta preparado?
lendo e creio que cochilei. — Sim! — disse prontamente o homem
— Nao tem problema, eu tenho tempo. sem hesitar — É Édmilson?
— ela respondeu numa voz maviosa e musi- — Tera sua oportunidade.
cal. — É sera suficiente? - insistiu ele.
É as palavras foram acompanhadas de — So o Todo Poderoso sabe! — decretou
um sorriso que trazia a beleza sombria de ela — Tome seu cha. Voce ja fez sua parte.
uma noite de luar. Éurico nao pode evitar
um novo arrepio, mas nao sabia como rea- Novo sorriso encheu o ar de parte a par-
gir. te. Éle bebeu o cha e encostou a cabeça na
— Ém que posso servi-la? — quis saber, poltrona. Fechou os olhos sentido o perfu-
sempre educado. me que enchia o ar. Logo estava dormindo.
— Temos encontro marcado. - lembrou a No outro dia de manha corria a notícia
moça com certo ar de surpresa no rosto — na favela. O velho Éurico morrera na tarde
Certamente nao esqueceu! anterior enquanto dormia e o barbeiro que
O anciao recuou um passo e parou. Ésta- costumava cortar-lhe o cabelo comentava:
va confuso e admirado. Balançou a cabeça e — Isso e que e uma Bela Morte!
fixou melhor o olhar. Baseado em João 15:13:
— Tenho encontro marcado com a... — “Ninguém tem maior amor do que este: de dar
nao foi capaz de dize-lo. alguém a própria vida em favor de seus amigos."
— Comigo! — completou a moça.
— Nao pode ser! — continuou estra- Joed Venturini é Pastor da Terceira Igreja Batista de
Lisboa, Mestre em Missiologia, Medico especialista
nhando o velho.
em Medicina Tropical e Éscritor.
— Porque nao? — insistiu ela. Leia mais do autor em:
— Nao foi voce que vi ontem! http://joedventurini.blogspot.com.br/
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Galeria Lya Alves
Acrílica sobre papel - 21x30 cm - ano 1998
"Batuque"
Grafite no
‘Galerio’, enor-
me painel ao ar
livre que fica
entre a estação
Coelho Neto e a
Estação Colé-
gio, na cidade
do Rio de Janei-
ro.
30
Lya Alves Nasceu em São
Gonçalo e vive em Niterói -
RJ. Começou a pintar em
1998, e a grafitar em
2008. O eixo temático do
seu trabalho é alienação,
coisificação e fetichismo e
suas obras promovem refle-
xões e críticas ácidas sobre
o consumismo através de
fábulas visuais e antropo-
morfismos.
Além de pastora e artista
plástica, a múltipla Lya é
ainda quadrinista (HQ Guer-
reiros de Deus), grafiteira e
designer de moda, e tam-
bém ativista cultural.
Conheça mais do trabalho
“Anastácia" da autora em Págiina em P/B da HQ Guerreiros de Deus
Acrílica sobre tela - 60x40 cm - ano 2008
lyaalves.blogspot.com.br/
Em sentido ho-
rário: Lya grafi-
tando um de
seus temas
prediletos, a
Águia; Grafite;
grafitando uma
rosa; Águia de
Fogo (ilustração
digital).
31
laborar com a obra dela, uma vez por mes
levava um saco de raçao para de alguma
Sammis Reachers maneira somar nas despesas. Nesses dias
ela convidava-me para entrar, e passei a fa-
Sabia o nome dela das notas de entrega: miliarizar-me tambem com os caes.
Norma ou Dona Norma. Nunca conversava- Éra professora aposentada da USP. Tinha
mos muito, – Boa noite, oi meu filho, e voce, um filho apenas, funcionario de uma agen-
que bom, voce e o mais simpatico, cia do Banco do Brasil nos ÉUA.
aquele outro rapaz e meio É assim nossa amizade foi es-
grosso... treitando-se, tanto entre mim
– Éle e gente boa, dona e dona Norma, como com
Norma, veio do interior, e os caes.
mais assustado do que Havia em sua casa um
grosso... – Éssa foi nossa patio coberto que servia
maior conversa. de quintal, onde ela fizera
Um dia encontrei-a na pequenas celas de canil, de
rua Bras Cubas, proxima a Acli- um lado e outro. Os animais
maçao, a longos quilometros de sua casa. mais ferozes, ou que sempre arruma-
Éu estava indo para meu turno na pizzaria, vam encrenca, permaneciam presos a maior
que ia das 15h00 as 23h30. Éla tentava apa- parte do tempo, e eram liberados apenas
nhar um caozinho que estava embaixo de quando os demais estavam nas celas. Den-
um carro estacionado. Parei a moto e fiquei tre eles, Drago, um pitbull que matara tres
observando-a. Éla ja idosa, tinha dificulda- cachorros e ainda ferira um homem que o
des. Desmontei para ajuda-la. tentara matar, e que ela salvou de ser poste-
– Ola dona Norma! Quer ajuda aí? – disse riormente sacrificado; Lonlon, nome singelo
-lhe, ja me agachando do outro lado do veí- para um dogue alemao especialmente hos-
culo e chamando o cachorrinho. Consegui til; e a cereja do bolo: Sem Matilha, um lobo
apanha-lo, era bem mansinho e magricela. Guara, com a aparencia marcial, marcado de
Éla o colocou numa dessas caixas especiais combates, que ela adotou quando o circo
para o transporte de pets. que o mantinha, impedido de continuar
Sempre imaginara que ela era uma pro- com animais selvagens devido a uma lei de
tetora de animais, dados os muitos latidos 2005, foi obrigado a desfazer-se dos mes-
que ouvia, disparados de dentro de seu mos. O dono do circo, como ela gostava de
quintal, mas nunca tive certeza. Perguntei: dizer, ‘espanhol morenao de Zaragoza’, de-
– Éste tambem e da senhora? Ésta longe veria doa-lo para um zoologico, como a mai-
de casa hein! oria dos demais animais. Mas nao apareceu
– Nao, meu filho, este esta abandonado. zoologico algum interessado em apanhar o
Éu sempre que posso recolho elezinhos e lobo, os dias foram passando e o dono do
levo pra casa... mesmo resolveu da-lo para dona Norma.
Com o tempo, ja nao me estranhavam, e
*** passei a alimenta-los tambem.
Notas Culturais
Em outubro a escritora Joice Lourenço lançou seu novo romance, O Grito de Sobrevivência. Confira
AQUI. Em novembro, a Editora Ultimato fez o pré-lançamento da ficção Século I - O Resgate, de
Cayo César Santos. Confira AQUI. Ainda em novembro, realizou-se na Primeira Igreja Batista de
Pinheiros, em São Paulo, o Primeiro Encontro de Artistas Visuais Cristãos, uma iniciativa do artista
gráfico Lemuel Massuia. Leia AQUI um panorama do evento. Em dezembro, os autores A.P. Alen-
cart e Luis Cruz-Villalobos organizaram a antologia poética CARNE DEL CIELO (Versos de Navidad),
reunindo poemas sobre o Natal, de lavra de 47 poetas ibero-americanos, incluindo brasileiros e por-
tugueses. A antologia, em espanhol, pode ser baixada AQUI. A Editora Mundo Cristão lançou a
ficção com foco em adolescentes Lily na Passarela, de Nancy Rue. Confira AQUI. O poeta e missi-
onário Gilberto Celeti lançou em dezembro, pela Bunker Editorial, seu livro de poemas O Mistério do
Natal. Confira AQUI. O autor André Filipe Aefe Noronha (Aefe) está publicando em capítulos sua
divertida série missionária/ficcional/folhetinesca Patranha contra o Dragão do Oriente, no site
Wattpad. Confira AQUI. Falando em boas séries, o autor Marvin Cross chegou ao fim da segunda
temporada de sua série ficcional Desapaixonante. Enquanto a nova temporada não se inicia (está pre-
vista para este mês!), você pode acompanhar a série desde o início AQUI. A Rede de drogarias Pa-
checo (RJ) mantém a revista Ponto de Encontro, e nesta, a seção de poesia Final Feliz. Você pode enviar
poemas para lá, através do e-mail: pontopacheco@profashional.com A Revista Philos, iniciativa
literária da Camará Cartonera, recebe originais (conto, poesia, crônica, textos experimentais etc.) pa-
ra as edições da revista. Informe-se AQUI.
Concursos Literários: Prêmio SESC de Literatura 2016 para livros de Conto e Romance. Até 12 de Fe-
vereiro. Informações AQUI. Concurso AFEIGRAF (Livros: Infantil, ficção, não-ficção e poesia).
Até 31 de Março. Informações AQUI.
37
CINEMA
Terceiro Festival Nacional de Cinema Cristão
Em novembro de 2015, nas dependências do tradicional Cine Odeon, no Rio de Janeiro, aconte-
ceu a terceira ediçao do Festival Nacional de Cinema Cristao. A iniciativa, tornada real pelo merito de Ve-
ronica Brendler (que entrevistamos na ediçao anterior de AMPLITUDÉ), visa promover o desenvolvi-
mento de nosso cinema, e reconhecer o trabalho daqueles que se tem dedicado ao cinema cristao.
O FNCC recebeu ao todo 90 filmes, 74 filmes inscritos sao nacionais e 16 filmes sao estrangeiros.
A Comissao Julgadora composta por grandes profissionais de cinema, selecionou os tres melhores filmes
de cada categoria (longas metragens, medias, curtas, documentarios, animaçao, humor cristao, series e
filmes estrangeiros) que concorreram a premiaçao no dia 25 de novembro.
Foi grande a expectativa dos diretores e suas equipes quanto a premiaçao e que vieram das 5 regioes do
país e exterior.
Confira abaixo a lista de ganhadores de 2015:
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O HÓSPEDE irma a chamava.
Marta teve que ir ter com ela e em
Florbela Ribeiro surdina disse-lhe:
– Maria que fazes aqui sentada aos pes de
Aquele hospede chamou a atençao do Jesus, quando ha ainda tanto trabalho para
povoado. fazer?
Ninguem conseguiu ficar indiferente a – Éscuto o Mestre, minha irma, e suas
passagem de Jesus por ali. sabias palavras, que tanto falam ao meu
Os milagres e a forma eloquente dos seus coraçao – respondeu-lhe Maria.
discursos abriam as bocas de espanto, o que – Ora, ora Maria deixa-te de desculpas e
Éle fazia acontecer e dizia, corria vem ajudar-me. Palavras que falam ao
velozmente nos labios de todo o coraçao, pois sim – disse Marta
povo. com um ar arreliado – queres
Mas foi Marta quem teve o esquivar-te ao trabalho nao e
privilegio de o hospedar em verdade?
sua casa. Maria olhou indignada para
Como boa anfitria que era Marta e com tristeza disse:
nao queria descurar nenhum – Nao sejas injusta para
pormenor para a melhor e comigo Marta, sabes bem que
mais acolhedora recepçao ao sempre te ajudo e nunca me
Mestre. nego a nenhum serviço, porque
Apos a casa devidamente limpa haveria de o fazer hoje? Se ficasses
e as coisas no seu lugar, iniciou os aqui um pouco a escutar o Mestre
preparos da refeiçao. Seleccionou as verias como tenho razao naquilo que digo.
melhores carnes, as melhores ervas As duas irmas tinham diferenças de
aromaticas para o tempero, o melhor vinho, opiniao sobre o aprender e a azafama do
e e claro que nao esqueceu a sobremesa. O quotidiano, entre viver de acordo com o que
pormenor da sobremesa era importante. se deve aprender de Jesus e o cumprir
Teria de ser preparada com todo o requinte meras tarefas diarias. O que e eterno e o
e muito carinho. que tem apenas vinte e quatro horas. Isso as
Sim, porque para fazer uma boa distinguia.
sobremesa e indispensavel um toque de – Maria, Maria tenho imenso trabalho
carinho e muita ternura. Dir-se-a ate que o para fazer, e nao quero atrasar-me na
doce perde o sabor se nao tiver uma boa preparaçao do almoço, queres tu que o
pitada de amor. Mestre fique com ma impressao nossa,
Para isso, Marta contava com a preciosa vendo que somos mas anfitrias? - Disse
ajuda de Maria, para a elaboraçao de um Marta com alguma tristeza na voz.
almoço tao requintado. – Porque diria o Mestre que somos mas
Havia tanto trabalho a fazer ainda, mas… anfitrias minha irma? Acaso achas que o
Maria nao se aproximava para a ajudar. Mestre esta preocupado com isso? Nao
Ém vez disso mantinha-se na sala estara Éle mais preocupado com o estado
escutando os ensinos de Jesus. do teu coraçao e da tua alma? – Tentava
A irresponsabilidade da irma arreliava Maria fazer compreender a Marta.
Marta, abeirou-se da porta e acenou-lhe – Mas que tens tu hoje Maria, que ainda
para que esta se aproximasse. Absorta como nao me disseste nada com sentido? É claro
estava aos pes das palavras do hospede que o Mestre espera que o sirvamos com o
especial, Maria nem se apercebeu que a sua melhor… – É a propensao de Marta para
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entender as coisas do espírito, começava a afazeres.
ceder. Bailavam agora na sua mente muitas
– Disseste bem minha irma. – perguntas, devido as palavras do Mestre.
Interrompeu-a Maria. - Mas acredita que o – Que queria Éle dizer com “uma so e
melhor para o Mestre, nao e o almoço que necessaria”? – Pensou, pensou e so as coisas
com tanta azafama estas a preparar. terrenas acudiam a sua mente perplexa.
No decorrer desta pequena discussao Acaso o trabalho nao e necessario? Se
entre ambas, Jesus ia avaliando aquilo a que ambas permanecessem sentadas aos pes de
cada uma dava prioridade. Jesus quem faria o serviço? Éram as
Finalmente, Marta resolveu pedir auxílio questoes mais naturais que agora bailavam
ao Mestre na certeza de que Éle a ajudaria, a dentro das suas ideias sobre o assunto.
repreender a sua irma. Pois ja estava Maria, apercebendo-se da agitaçao em
cansada de argumentar e nao entendia que se encontrava a sua irma, dirigiu-se-lhe:
porque razao nao obtinha nenhum – O Mestre nao censurou a tua dedicaçao
resultado. e o teu zelo ao trabalho. O problema e que
– Marta, Marta estas afadiga e ansiosa tu procuraste ser-lhe util sem primeiro
com muitas coisas. Mas uma so e buscares compreender o que Éle deseja de
necessaria: e Maria escolheu a melhor ti. Minha boa irma se a nossa alma e o nosso
parte, a qual nao lhe sera tirada. - coraçao estiverem vazios do amor de Deus e
Respondeu-lhe Jesus, marcando cada do seu ensino, que proveito tiraremos nos
palavra com a sua voz mansa, mas firme, da azafama desta vida?
como um favo de mel. Marta sorriu ao ouvi-la.
Marta ficou sem palavras. ___________________________________________________________
Para grande surpresa sua, Jesus nao so
Florbela Ribeiro é escritora e poeta portu-
nao atendeu ao seu pedido, como em vez de
guesa.
repreender a sua irma, repreendeu-a a ela.
Mantém o blog Doce Aroma.
Silenciosa e pensativa, regressou aos seus
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a sociedade, que poderiam ter morrido em
O MENINO lugar de meu filho. Por que Deus teria que
buscar exatamente o meu menino com
Myrtes Mathias
apenas dez anos? Senti vontade de esmur-
rar alguem, de gritar, de morder, de des-
Quando me trouxeram, numa urna pe-
truir, de fazer a outros o que a vida me fi-
quena, aquilo que fora Geraldo Filipe, a
zera. No entanto, nada podia fazer a nao
tristeza foi apenas uma faixa estreita aper-
ser ficar ali deitada, impotente e desgraça-
tada entre o espanto e a raiva. Simples-
da, solitaria e sem razao de viver.
mente eu nao podia crer, nao podia aceitar
Dias depois, quando resolvi deixar que
que aquele corpo sem vida, de rosto
alguem me visitasse, que permiti fra-
escuro e intumescido, fosse o meu
quejar a minha muralha de silen-
rapaz que saíra tres dias antes,
cio e odio, uma amiga, tipo de re-
orgulhoso do seu novo unifor-
signaçao e amor, aconselhou-
me azul, das condecoraçoes
me:
nas mangas e bolsos da gan-
— Rosalia, eu entendo a
dola, as duas fitas amarelas
sua dor. Sei que lhe e difícil re-
do «primo» nas mangas cur-
agir, mas Geraldo nao gostaria
tas, as duas estrelas no bone
de ver a criatura que mais
tipo joquei. Para o Aquela era
amou assim sofrendo, destruin-
seu melhor Lobinho, para sua
do-se. É preciso que voce reaja,
Matilha era o Primo, «sempre
por amor dele mesmo ou, pelo
alegre», mas para mim era o filho
menos, por amor a mae que ele
unico que a vida me deixara, minha
amava...
razao de viver, meu orgulho, quase meu
Éu quis falar, gritar, mas ela interrom-
ídolo.
peu com um gesto firme:
A excursao fora ao Sítio do Sossego, on-
— Ha tanta criança sofrendo por aí, pre-
de o rio do mesmo nome era o ponto alto,
cisando de pelo menos uma parcela disso
maravilhoso. Na hora da “caça livre” era o
que seu coraçao anseia por dar...
grande momento de meter o short e mer-
Gritei que nao era amor que eu tinha no
gulhar, nadar, brincar. O que o Aquela nao
coraçao, mas odio, revolta, vontade de fazer
podia explicar era como Geraldo Filipe, o
outros infelizes tambem. Magda nao repli-
melhor nadador, pudera morrer assim. O
cou. Ouviu-me em silencio e despediu-se
choque fora grande demais para que al-
finalmente:
guem pudesse explicar alguma coisa. So a
— Orarei por voce, Rosalia.
consternaçao geral conseguiu minorar o
Depois que ela saiu, comecei a pensar se
meu desespero. Éle era querido, mas que
nao teria razao. Éu nao seria digna de meu
significava tudo isso depois que todos se
filho se me matasse.
foram e eu voltei para dentro da casa,
Éle fora corajoso e procurara, dia apos
enorme sem ele, o quarto impecavelmente
dia, fazer o seu "melhor possível". Qual se-
arrumado, os livros bem organizados na
ria o meu melhor possível naquela situa-
estante, as flamulas ridículas agora nas su-
çao? Lembrei-me de um antigo desejo. Éu
as cores vivas, os trofeus alinhados na pe-
havia me casado bem tarde e, como sempre
quena prateleira que ele mesmo fizera na
acontece com as pessoas sos, eu havia pla-
parede.
nejado, caso nao me casasse, dedicar-me as
Foi aí que senti raiva. Havia uma multi-
crianças sem recursos, dando-lhes uma fes-
dao de inuteis, de verdadeiros pesos para
ta de Natal todos os anos. Éra uma sublima-
41
çao de minha infancia passada num lar mos algumas, outras de tranças. Nao havia
pauperrimo, sem bonecas e sem doces no meninos. Nem um sequer para simbolizar
Natal. No Natal, apenas meu padrasto be- Geraldo Filipe. Fiquei revoltada, mas fiz o
bia um pouco mais, o que nao tornava, de possível para representar o meu papel de
forma alguma, mais alegre a nossa noite "senhora boa, digna de ser imitada, digna
santa. Mas quando eu ja estava, entao, num das bençaos de Deus", do mesmo Deus
trabalho que me proporcionaria os recur- que havia levado meu filho. Senti vontade
sos necessarios para o que idealizara, co- de soltar uma gargalhada ou uma blasfe-
nheci Filipe, um colega de trabalho e desti- mia. A falta de fe aumentava meu sofri-
no. Casamo-nos com simplicidade e sem mento. As musicas de Natal e outras de
grandes festas. Nossa casa era confortavel, crianças sucediam-se em "alta fidelidade",
mas sem exageros de luxo, como nos mes- as crianças riam, contentes e agradecidas,
mos. Um ano depois, nascera Geraldo Fili- a Diretora e as auxiliares estavam encanta-
pe, e todo o amor que havia dentro de das, as vizinhas e amigas elogiavam a bele-
mim, desde a boneca que nao tivera na in- za da ornamentaçao e o sabor dos doces.
fancia, encontrou o seu objeto. Filipe mor- No final da festa, cada menina recebeu
reu dois anos depois. Deixou-me recursos uma boneca e um livro ilustrado. Os pre-
para viver sem preocupaçoes, para dedicar sentes que eu mais desejara quando meni-
-me inteiramente a meu filho. Fora um ho- na. As dez horas, começaram a sair as cri-
mem bom em minha, vida, nada mais. Um anças, a Diretora, as auxiliares, as vizinhas,
homem que me dera um filho, uma criatu- as amigas. A casa grande ficou maior ainda
rinha capaz de livrar-me de todas as mas no seu silencio, ornamentada de raminhos
lembranças de minha infancia. verdes e fitas vermelhas. Passeei pela casa
Agora, agora... eu estava sozinha outra toda, olhei as mesas cheias de pratos vazi-
vez. Mais so que antigamente, porque ago- os, de forminhas de papel prateado, de pe-
ra ja havia conhecido o prazer de ser que- dacinhos de bolo. Havia gasto todo o di-
rida, insubstituível. Sera que ainda havia nheiro que tinha em reserva. A festa fora
dentro de mim alguma força capaz de rea- maravilhosa, mas nao havia paz nem ale-
gir? Porque em Deus eu nao acreditava gria dentro de mim. Éu tentara provar que
mais. É, para provar que poderia existir era capaz de ser feliz sozinha, mas perde-
sem precisar dele, levantei-me e comecei a ra.
planejar a festa que daria aquele ano. Seria Éxausta e frustrada, deixei-me cair no
no Natal, apenas para aproveitar o espírito diva, a luz acesa, assim mesmo vestida, sem
da epoca. saber o que fazer amanha, sem presente e
Telefonei a Diretora de uma casa de cri- sem futuro, apenas o passado reinando
anças orfas, minha amiga, que eu sabia es- prepotente.
tar em dificuldades. Disse-lhe que desejava Devo ter dormido, porque foi entao que
fazer o Natal de suas 50 crianças. o vi chegar. Saiu de um canto da sala e pa-
— Deixe tudo por minha conta, confir- rou diante de mim. Éra moreninho, de uma
mei. cor dourada, como se fosse sempre a praia;
Éla pareceu encantada. É comecei a me vestia um calçao quadriculado de preto e
movimentar. Uma atividade doentia, anor- branco e a camisa de malha ordinaria esta-
mal. Uma fuga, simplesmente. va toda puída, deixando ver a pele morena,
Na tarde do dia 24 de dezembro, as cri- atraves de centenas de furos minusculos. O
anças chegaram. Éu ja havia mandado rou- cabelo preto estava bem penteado para um
pa nova para todas. Éram meninas escuri- lado e os olhos eram mais lindos que os do
nhas, louras, morenas, de cabelos curtíssi- meu filho. Mas eram profundamente tris-
42
tes. Éstendeu-me a mao magra: demais. Apertei a medalha, puxando-a de
— Éu nao ganhei presente... tal forma que o cordao me feria o pescoço.
Sentei-me de um salto: — Nao. Isto nao posso. Nao tenho nada
— Onde voce estava? nao o vi. Nao ha- para voce.
via nenhum menino na festa. Éle me olhou ainda por algum tempo, o
Continuou a olhar-me em silencio, a dedinho erguido ainda e, depois, voltando-
tristeza crescendo nos olhos negros. se para sair, murmurou:
— Voce nao me viu — afirmou — e eu — Éra isso que eu queria.
queria tanto um presente... Quis segui-lo, mas uma força estranha
Começou a chorar. Um choro manso, si- prendia-me ali sentada:
lencioso, que me atravessava a alma. És- — Por favor, volte. Quem e voce? Toma...
tendi-lhe os braços, mas nao consegui toca Sem se voltar, ele gritou, descendo a es-
-lo: cada:
— Juro que nao o vi, meu bem! (Por que — Éu sou o Menino do Natal...
me chamava voce? Meus cabelos estavam Acordei, suando, as maos crispadas na
quase totalmente brancos. No entanto, nao medalha, as lagrimas correndo beneficas
havia arrogancia no seu modo de falar, de corno urna purificaçao.
pedir, de exigir quase.) "Éu sou o Menino do Natal... eu quero o
Continuava ali parado, o olhar fixo em coraçao... voce nao me deu nada..." Éle viera
meu rosto, depois descendo e parando na substituir, consolar, cumprir sua missao.
altura do coraçao, onde brilhava a medalha Ajoelhei-me ali mesmo, na sala silencio-
que fora de Geraldo Filipe. Éra um coraçao sa, mas aonde chegava a melodia da Noite
com seu nome gravado. Seu pai lhe havia Santa, vinda nao sei de que alto-falante:
dado em seu primeiro aniversario e, desde "Nasceu o Rei da Paz, num berço humilde
entao, o usara. So deixou de estar com ele jaz, nas asas desse amor, conforto a todos
depois de morto, quando o retirei e guar- traz; direi em alta voz, que Cristo satisfaz:
dei-o comigo, como lembrança. O garoti- Nasceu o Redentor!..."
nho ergueu o dedinho moreno: ________________________________________________________
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serão investidos em melhorias na própria revista, tais como a contratação de
ilustradores, designers etc.
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43
Nao desejes ser elogia- Mata o pavor com o
do por aquilo que tens amor e nao o amor com o
de fazer por servidao. Ramon Llull (Lúlio) pavor.
Ama a paciencia para Nascido em Palma de Maiorca, na Espa- Nenhum homem possui
que a possas sustentar. tanta necessidade quanto
Quem frequentemente
nha, em cerca de 1232, o leigo Raimundo o avaro.
tenta sua mulher fre- Lúlio foi cognominado de ‘Doctor Inspira- Os caminhos da luxuria
quentemente se arre- tus’ pela Igreja Católica, em virtude de veem atraves da visao e
pende. da audiçao, sua casa e a
A besta que nao come
uma experiência mística que alegou ter ex- imaginaçao e seu leito e a
carne nao faz compa- perimentado, que o fez lançar-se numa vida vontade.
nhia a besta que come. de peregrinações, serviço e busca de sabe- Pela ira a vontade perde
Nao ganhes teu amigo a sua liberdade e o enten-
com dinheiro nem o
doria. Foi escritor, poeta, apologeta e mis- dimento a sua delibera-
percas pela ira. sionário (notadamente entre muçulmanos). çao.
Faz um so poder do teu Sua obra, de mais de 250 títulos e abarcan- Um homem e a riqueza
poder e do poder de teu
do diversos temas, exerceu enorme influên- de outro homem.
amigo. Quem e pobre por Deus
Se for inimigo por teu cia em toda a Idade Média e apresenta vali- e rico por graças a Deus.
vício, torna-o amigo osas lições e reflexões nos campos da filo-
com tua virtude. De O Livro dos Mil Pro-
sofia e teologia, principalmente. Seleciona- vérbios
Quem e inimigo da jus-
tiça e inimigo de todas mos trechos de três obras de Llull, publica- * * *
as coisas. das no Brasil pela Ed. Escala: O Livro dos
Se nao ha nada que se
Mil Provérbios e O Livro das Bestas (trad. de (...) Deu--se num país que
possa ganhar com a im- todos os animais concor-
prudencia, nao ha nada Ricardo Costa) e O Livro do Amigo e do daram em oferecer diari-
que se possa perder Amado (trad. de Luiz Carlos Bombassaro). amente um animal ao
com a prudencia. leao para que nao se des-
Com forças espirituais se ao trabalho de caçar.
podes vencer forças espirituais. Com isso ele os deixava em paz. A cada dia os ani-
Ama a finalidade para a qual foi criado e tera for- mais tiravam a sorte e o sorteado entregava--se ao
te coragem. leao, que o devorava. Um dia a sorte recaiu sobre
Primeiramente cre, depois entende. uma lebre que, temerosa de morrer, retardou ate o
Nao deixes ocioso o poder que possuis. meio--dia a hora de ir ao leao. Tomado de fome ex-
A verdade nao tem pavor, e a mentira e a falsida- cessiva, irritou--se muito o leao com o enorme
de nao tem coragem. atraso da lebre e lhe perguntou por que demorara
A teus pes da santos caminhos e a tuas maos san- tanto. Desculpando--se, disse a lebre que havia
tas obras. perto dali um leao que se dizia rei daquele país e
Na oraçao usa todas as forças de tua alma. que tentara apanha--la. Furioso, e cuidando fosse
Todos os demonios nao tem tao grande poder verdade o que ouvia, pediu que ela lhe mostrasse o
quanto uma boa oraçao. leao. Saindo a frente do leao que a seguia, a lebre
Quem nao e leal, e desleal a si mesmo. chegou a uma grande reserva de agua que formava
Quem doa para ser louvado vende generosidade. uma bacia rodeada de altos muros por todos os la-
Sem a perseverança nao podes atingir a finalida- dos. Aproximando--se da agua, as sombras da lebre
de para a qual foste criado. e do leao surgiram na superfície. Disse ela entao:
Nada caminha mais rapido do que a perseveran- - - Senhor, eis na agua o leao que deseja comer
ça. uma lebre!
Persevere teu amor no amor de Deus, e o teu po- Julgando o leao que sua sombra fosse outro
der no poder de Deus. lea o, pulou dentro d’agua e atracou--se em comba-
A cortesia tem amigos em muitos lugares. te com ele: acabou morrendo na agua, graças a as-
Honra mais quem mais honra a Deus. tucia da lebre.
Morre para viver. De O Livro das Bestas
O pecado e a morte da finalidade para a qual foste
criado.
44
O amigo disse ao ama- ragem em todas as coi-
do: “Tu que enches o sas.”
Sol de esplendor, enche Ramon Llull (Lúlio) O amado dizia que o lou-
o meu coraçao de vasse naqueles lugares
amor.” O amado res- onde e mais temido o lou-
pondeu: “Sem a plenitude do amor os teus olhos vor. Pedia ao amigo que o abastasse de amor.
nao estariam em pranto e tu nao terias vindo a Respondia o amado que por amor dele se tinha
este lugar para ver o teu amante.” encarnado e deixado crucificar para morrer. “Diz,
O amigo perguntou ao intelecto e a vontade quem amado: onde esta o teu poder?” Respondeu: “No
estava mais perto do seu amado; ambos corre- poder do meu amado.” “Com que te esforças con-
ram, chegando mais depressa ao seu amado o in- tra os teus inimigos?” “Com as forças do meu
telecto do que a vontade. amado.” “Com que te reconfortas?” “Com os te-
Perguntaram ao amigo por que o seu amado era souros eternos do meu amado.”
glorioso. Éle respondeu: “Porque e gloria.” Per- O amigo experimentou se podia suportar o amor
guntaram-lhe por que era poderoso. Respondeu: no seu coraçao sem que se lembrasse do seu ama-
“Porque ele e poder.” “É por que e sabio?” do; e o seu coraçao deixou de pensar e os seus
“Porque e sabedoria.” “É por que e amavel?” olhos de chorar; e o amor aniquilou-se e o amigo
“Porque e amor.”O amigo pediu ao seu amado que ficou embaraçado e perguntou as pessoas se ti-
lhe pagasse pelo tempo que o servia. O amado nham visto o amor.
contou os pensamentos, os desejos, os choros, os O amado esta muito acima do amor e o amigo es-
perigos e os trabalhos que sofrera o seu amigo ta muito abaixo do amor. É o amor que esta no
por amor dele, e o amado acrescentou, nesta con- meio faz descer o amado ate ao amigo e faz subir
ta, a eterna bem-aventurança; e deu-se a si pro- o amigo ate ao amado. É do descer e subir vive e
prio como pagamento ao seu amigo. tem início o amor pelo qual o amigo sofre e o
O amigo contemplava o lugar onde tinha visto o amado e servido.
seu amado e dizia: “Ah, lugar que me representa “Diz, louco: o que e pecado?” “Uma intençao aves-
os bons costumes do meu amado! Diras ao meu sa e dirigida contra a intençao final e a razao pela
amado que eu suporto, por amor dele, trabalho e qual o meu amado tem criado todas as coisas.”
desgraça.” Respondeu o lugar: “Quando o teu Os trabalhos e as tribulaçoes que o amigo supor-
amado estava em mim, ele sofria por amor de ti tava por amor alteraram-no e inclinaram-no para
trabalho e desgraça maiores do que todos os ou- a impaciencia; e o amado reprovou-o com as suas
tros trabalhos e desgraças que o amor pode dar honras e as suas promessas, dizendo que pouco
aos seus servidores.” sabia de amor aquele que se alterava pelas fadi-
O amado ausentou-se do seu amigo e o amigo gas e pela bem-aventurança. O amigo teve contri-
procurava o seu amado com a sua memoria e o çao e choros e pediu ao seu amado para que nao
seu intelecto para que o pudesse amar. O amigo lhe tirasse os seus amores.
encontrou o seu amado e perguntou-lhe onde ti- “Louco, diz, que e amor?” Respondeu que o amor
nha estado. O amado respondeu: “Na ausencia da e aquilo que torna escravos os livres e liberta os
tua recordaçao e na ignorancia da tua inteligen- escravos. É a questao e qual esta mais proxima do
cia.” amor: a liberdade ou a escravidao.
Perguntaram ao amigo a quem ele pertencia. Éle O amigo pensou sobre a morte e teve pavor ate
respondeu: “Ao amor.” “De que es feito?” “De que se lembrou da cidade do seu amado, da qual a
amor.” “Quem te gerou?” “O amor.” “Onde nasces- morte e o amor sao portas e entradas.
te?” “No amor.” “Quem te alimentou?” “O amor.” Certo dia o amigo estava orando e sentiu que os
“De que vives?” “De amor.” “Qual e o teu nome?” seus olhos nao choravam; e para que pudesse
“Amor.” “De onde vens?” “Do amor.” “Aonde chorar, obrigou o seu pensamento a pensar em
vais?” “Para o amor.” “Onde estas?” “No amor.” dinheiro, mulheres, filhos, comida e vangloria; e
“Tens outra coisa que nao amor?” Respondeu: achou no seu intelecto que cada uma dessas coi-
“Sim, culpas e ofensas contra o meu amado.” “Ha sas tinha mais servidores do que o seu amado. É
perdao no teu amado?” O amigo disse que no seu por isso os seus olhos começaram a chorar e sua
amado havia misericordia e justiça e por isso alma ficou em tristeza e dor.
eram seu abrigo amor e esperança.
O amigo dizia: “Quem nao teme o meu amado, to-
das as coisas lhe parecem amedrontadoras; e De O Livro do Amigo e do Amado
quem teme o meu amado, encontra audacia e co-
45
Os que ainda não ouviram
Jairo de Oliveira O cântico da minha esperança
É difícil de acreditar: Jonathas Braga
Mais de dois mil anos passados,
Ainda existe quem nao ouviu. Éu quero ver o meu Brasil engrandecido
É o nome de Jesus por todos exaltado:
Falo de povos nao alcançados.
Éste imenso Brasil a Cristo convertido
Milhares ainda intocados pela pregaçao É por Cristo tambem um dia transformado.
Jamais viram um profeta do Senhor,
Éu quero ver a luz do Évangelho brilhando
Isolados, esquecidos e desprezados, Por todos os vergeis da terra onde nasci,
Nunca ouviram que Jesus e o Salvador. É muitos coraçoes a Cristo se entregando,
Num milagre de fe que igual eu nunca vi.
Vivem escravos do medo
Perdidos em seus pecados, Éu quero ouvir a voz de inumeras criaturas
Refens nas garras das trevas Que ergam as maos aos ceus em preces comoventes
No espírito estao alienados. É confessem que estao em Cristo salvas, puras,
Cheias do amor de Deus, humildes e contentes.
Jesus nos mandou pregar o evangelho
O Seu nobre amor contempla a terra inteira Éu quero acompanhar esse imenso cortejo
Énvia os Seus discípulos ao mundo De salvos por Jesus, buscando Canaa...
Ate chegarem a ultima fronteira. Parece que num sonho iluminado os vejo,
Na alvorada feliz de uma bela manha.
É a oportunidade dos que nao ouviram?
Sera que terao uma unica chance de crer? Éu quero ouvir a voz de inumeros cantores,
Vamos prestar conta da nossa obediencia Desde a Amazonia verde as fronteiras do Prata,
Num coro sem igual, entre risos e flores,
Ao Deus do ceu um dia teremos que responder. Glorificando a Deus com a mais linda cantata.
Éis a imensa seara, vamos em frente!
Éu lhes quero sentir o gozo transbordante,
Ém um amplo esforço de proclamaçao
Que vibra em cada ser e em cada coraçao,
Ate que o ultimo ouça a boa notícia É os faz entoar assim a aleluia triunfante
Assim cumpriremos a nossa missao. Do Cordeiro de Deus na obra da redençao.
Naquele grande dia os salvos serao reunidos Éu quero entao cantar com eles esse canto
As naçoes estarao diante do Cordeiro, Que traz consigo os sons de estranha sinfonia
Celebrarao pela vitoria conquistada É sai do coraçao que nao conhece o pranto
Ém um coral com gente do mundo inteiro. É da alma que jamais passou sem alegria.
46
Estêvão
Para tempos de perseguição
Em tempos de crescente perseguição contra cristãos – global e também local – é oportuno re-
fletir sobre a figura de Estêvão, sobre seu destemor, seu movimento final e última oração, tão pe-
quena e tão fundamentalmente cristã, rogando o perdão para seus inimigos.
Sua entrega e sua conduta no momento derradeiro foram paradigmáticas, no sentido de que
estabeleceram o modelo e padrão para os santos martirizados ao longo de toda a história da igreja.
Ao longo desta mesma história, a passagem de Estevão, como não poderia deixar de ser, tem
inspirado artistas cristãos a criarem sua arte, de poemas a pinturas, de esculturas a canções.
Não se pretende aqui, longe de nós!, adorar a criatura em lugar do Criador. A Bíblia é clara ao
asseverar que “não há nenhum justo, nem um sequer” (Rm 3.10).
Mas, em tempos duros (no ano de 2015, segundo dados da Missão Portas Abertas, a persegui-
ção religiosa só fez aumentar em todo o mundo), ter em mente tal exemplo de entrega é por de-
mais válido e oportuno.
Com vocês, então, a visão de Estêvão pela pena de seis poetas cristãos, antigos e novos, protes-
tantes e católicos.
47
O MÁRTIR O Martírio de Santo Estêvão
J.T.Parreira
Claudio Sousa Pereira
48
O martírio de Estêvão Mas, também ovaciona os párias e dementes
50
Resenhas
FILME / Quarto de Guerra
Após os filmes de sucesso, Desafiando Gigantes (2006), À
Prova de Fogo (2008) e Corajosos (2011), os irmãos Ken-
drick lançaram o drama cristão “Quarto de Guerra” que fez
sucesso nas bilheterias do cinema, na venda de DVDs, nas
redes sociais da internet e já até recebeu sua versão em
livro.
A obra traz a história de Tony Jordan (T.C. Stallings), um
vendedor de sucesso, e Elizabeth (Priscilla Evans Shirer),
uma corretora de imóveis. Ambos vivem um casamento
conflituoso e, por causa disso, a pequena Danielle Jordan
(Alena Pitts), de 10 anos, sofre pelas constantes brigas e a
falta de atenção dos pais.
O nome original do filme, “War Room”, nos remete à Sala
de Guerra, local utilizado para definir estratégias de defesa
e ataque durante a guerra. A senhora Clara (Karen Abercro-
mbie), viúva de um estrategista de guerra, durante a venda
de sua casa, explica à Elizabeth que primeiro é necessário
entender quem é seu verdadeiro inimigo. Com isso, a corre-
tora segue o exemplo de sua nova irmã em Cristo e acaba influenciando sua filha e seu esposo a batalharem
em oração. Quando Tony desperta de um pesadelo que o confronta, o relógio marca 7:14h, fazendo alusão
ao versículo tema, II Crônicas 7:14.
No decorrer dos 120 minutos de duração do filme, há um tom de humor, uma trama que envolve e as
‘pregações’, ou os momentos de maior proselitismo das mensagens, são desenvolvidas naturalmente através
de diálogos, seja na academia, na praça, no sofá etc., também ensinando que o filho de Deus tem relaciona-
mento com Ele.
Outro ponto que percebi no filme é que ele não é triunfalista, pelo menos não tanto quanto a maioria dos
filmes evangélicos de sucesso. Ofereço aqui alguns exemplos onde percebi isso: O grupo da Danielle não ga-
nha a competição escolar em 1º lugar; O Tony não volta ao emprego após se arrepender e passa a ganhar
bem menos que antes, quando vivia no erro; Tony, mesmo em cima da hora para um compromisso, faz o
bem ao seu ex-patrão, mas não é aparentemente recompensado por isso; Também, a própria senhora Clara
conta que perdeu o marido mesmo depois que passou a orar. Ou seja, o filme deixa-nos a lição que orar não
é fazer exigências para Deus, mas sim, buscar com que a Sua vontade se cumpra em nós, acima de nossa pró-
pria vontade.
Que os espectadores sejam motivados a atender ao clamor de Clara, que é o de buscar ao Senhor e de ser
um ser humano melhor, ainda mais nesse momento de crises tanto moral como econômica, política e social,
onde o casamento é banalizado e o divórcio aumenta em nossa nação. - J.R.*
*João Rodolfo, evangelista, da Igreja Batista Nova Filadelfia em Vila Metral - Blog: http://
ameabiblia.blogspot.com.br/
51
Resenhas
CD / As Paisagens Conhecidas - Os Arrais
Com este mais recente trabalho, lançado em 2015 e produzido por Leonardo Gon-
çalves, Os Arrais presenteiam seus fãs com um belíssimo EP "As Paisagens Conheci-
das" com cinco faixas. Melodias muito bem trabalhadas com blues e violões exce-
lentes. Suas músicas levam à reflexão e uma adoração mais contemplativa para
aqueles momentos a sós com Deus. A música cristã é referenciada pela Palavra de
Deus, mas para este disco sugiro que você escute com uma Bíblia na mão, porque todas as faixas convi-
dam. E não se esqueça de uma boa caneta e papel.
Na faixa "Outono", uma música de entrega com uma melodia intrigante nos lembra do Salmo 121. Depois
de toda batalha o refúgio é nos braços do Altíssimo e ele é a recompensa maior.
O que vem à memória na faixa "Caneta e Papel" é o Salmo 23. Nas turbulências da vida Deus nos leva para
águas tranquilas e sua vara e cajado nos protegem. Uma letra delicada e sincera que mostra o cuidado de
Deus, que não abandona em tempo algum. Mas também serve para bons amantes que juntos vão para um
novo tempo.
Onde está sua motivação para a sua missão? Na faixa " Fogo", também intrigante e com um blues marcan-
te, impossível não lembrar dos hebreus cativos no Egito. Letra com um ar libertador que impulsiona a con-
tinuar a carreira em direção ao Alvo Eterno.
Numa letra quase apocalíptica, a faixa "Montreal" é introduzida por uma bela narrativa dos Arrais, que
remete ao novo lar, uma nova terra, a Nova Jerusalém. Renova nossas esperanças no novo de Deus. Por-
que nem olhos viram, nem ouvidos ouviram o que Ele tem preparado para nós.
Uma adoração plena e completamente desmedida. Na faixa "O Bilhete e o Trovão" mais uma narrativa an-
tecede esta maravilhosa letra. Ela declara a soberania de Deus e que ele deve sempre ser o Primeiro em
tudo. Uma adoração em Espírito e Verdade sempre valerá mais que mil palavras. - M.S.*
“Arca”, Camilo
Borges Júnior.
Conheça mais
AQUI.
52
Maria Cristina Gama (Chris Amag)
E quando você desiste de procurar, parece que tudo acontece, foi assim quando desisti de engra-
vidar, depois de tentar quase um ano e, só foi desistir, aconteceu! O milagre da vida... Sim, a vida é
feita de pequenos encantos, alguns ainda não têm identidade, nem cheiro, nem o calor da proximi-
dade, mas encantam e tornam os nossos dias mais bonitos, cheios de poesia... Surpresas que che-
gam sem hora marcada, sem avisar... Não me venha falar que é destino, que são coincidências... A
nossa história está escrita, mas o livro tem de ser aberto, lido e apreciado.
E por falar em livro, quero confessar um péssimo hábito que eu tenho: só compro um livro depois
de ler o final da história primeiro, se valer a pena, aí sim, eu leio! Mas, tentar fazer isso com a pró-
pria vida, é pular pedaços importantes que construíram quem somos. Não posso querer saber do fim
sem experimentar cada momento... Pois, se soubéssemos do futuro, deixaríamos de fazer muitas
coisas... Talvez eu não engravidasse e eu não conheceria essa pessoa linda que é o meu filho...
A vida é feita de oportunidades, o tal cavalinho branco não passa duas vezes, lembra? Eu sempre
digo isso... A grama está verde, o caminho está aberto e a água está fresca, vai dar tempo de decidir
sobre ficar ou partir.
E, enquanto tudo ainda são hipóteses, quero viver esse momento delicioso entre o antes e o de-
pois: “a expectativa”, “a espera”; mesmo que depois eu salte, o que sentimos quando temos espe-
rança é o que nos move e nos faz sentir vivos.
Carpe diem!
Quando se aproxima a “Folia de Momo”, o Carnaval, a alegria parece tomar conta das pessoas co-
mo se fosse algo que invadisse suas vidas. Mas será que essa é uma alegria duradoura ou apenas
passageira, com muitos risos soltos?
Alegrar-se com bebidas, batuques, rebolados, pula-pula... e depois vem a ressaca cobrando o pre-
ço da “folia” nos dias do Carnaval - que só pode acabar em cinzas, como na 4ª feira, quando tudo
termina.
O homem vive muitas alegrias na vida, mas parece que a maioria delas não acontece de fato e,
sim, por algum tempo e muito curto ainda por cima.
DEUS tem um plano muito melhor para cada um e deseja trazer a alegria eterna para o HOMEM! E
para ser feliz, não por alguns dias, mas para sempre, e não viver nos prazeres da carne, mas os pra-
zeres divinos em sua existência!
Jesus disse “no mundo terei aflições; mas tende bom ânimo, eu venci o mundo” (João 16.33). O
mestre deseja que levemos uma vida plena de alegria, amor e muita FÉ no Pai que está no céu nos
vendo e nos orientando em tudo.
Um forte abraço, irmãos! E boa viagem ou descanso nestes dias!!!
53
Inauguramos a seçao Al-
bum com a arte de Willi-
am Rosa. Formado em
Arquitetura e Urbanismo
e pos-graduado em Mar-
keting, William e natural
do Rio de Janeiro - RJ. Ho-
je exerce a fotografia pro-
fissionalmente. Sua obra
transita com agradavel
desenvoltura entre pesso-
as e paisagens, o homem e
o meio.
Conheça mais do trabalho
de William Rosa em seu
site:
www.wrfotografo.com
54
H
Caio, O Pardal Pensativo - www.facebook.com/Caioopardal
Q
Vestígia HQ - www.vestigiahq.com.br
55
Parlatorium
“O ato criador é apenas um momento incom- E eu sentia que era isto
pleto e abstrato da produção de uma obra; se o que cada alma, perdida na
escritor existisse sozinho, poderia escrever quan- multidão, desejava: a pala-
to quisesse, e a obra enquanto objeto ja- vra que lhe dissesse a sua
mais viria à luz: só lhe restaria abandonar a pena verdade. Milhões de so-
ou cair no desespero. Mas a operação de escre- fredores, pedindo um poe-
ver implica a de ler, como seu correlativo dialéti- ma. Não, eles não vivem
co, e esses dois atos conexos necessitam de dois só de comida. Os poemas
agentes distintos. É o esforço conjugado do fazem o corpo sorrir e lu-
autor com o leitor que fará surgir esse objeto tar: alimento revigorante.
concreto e imaginário que é a obra do espírito.
Rubem Alves, Gandhi - Ma-
Só existe arte por e para outrem.” gia dos Gestos Poéticos
Jean-Paul Sartre, O Que É Literatura
“Deveríamos nos lembrar de que Cristo não veio para nos tornar Cris-
tãos ou para salvar nossas almas apenas, mas que Ele veio nos redimir afim de
que pudéssemos ser humanos no sentido completo da palavra. Ser novas pessoas
significa que podemos começar a agir em nossa completa e livre capacidade hu-
mana em todas as facetas de nossas vidas. Portanto ser um Cristão significa que
há humanidade, a liberdade de se trabalhar na criação de Deus e de usar os ta-
lentos dados a cada um de nós, para Sua glória e o benefício de nossos próximos.
Desta maneira, se possuirmos talentos artísticos, eles devem ser usados. O Se-
nhor sabe porque os está dando. Paulo em sua primeira carta aos Coríntios
(12:12-27) fala sobre a comunidade Cristã como sendo o corpo de Cristo. Ca-
da um possui sua função específica dentro dele. E ninguém pode ser deixado de
fora. Certamente alguns tocam a música, desenham as semelhanças, fotografam
os movimentos e escrevem as histórias. Estes são os artistas. Eles possuem seu
lugar de direito na família de Deus. Novamente, a vida do corpo de Cristo, e
certamente um renovo, um avivamento, é impossível sem esses membros
chamados por Deus para fazer seus trabalhos.”
H.R. Rookmaaker, A Arte Não Precisa de Justificativa
“Enquanto o poema se apresenta como uma ordem fechada, a prosa tende a manifes-
tar-se como uma construção aberta e linear. Valéry comparou a prosa com a marcha e a
poesia com a dança. Relato ou discurso, história ou demonstração, a prosa é um desfile,
uma verdadeira teoria de ideias ou fatos. A figura geométrica que simboliza a prosa é a
linha: reta, sinuosa, espiralada, ziguezagueante , mas sempre para diante e com
uma meta precisa. Daí que os arquétipos da prosa sejam o discurso e o relato, a especula-
ção e a história. O poema, pelo contrário, apresenta-se como um círculo ou uma esfera:
algo que se fecha sobre si mesmo, universo autossuficiente e no qual o fim é também um
princípio que volta, se repete e se recria.”
Octavio Paz, Signos em Rotação 56