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Por: Renata Fonseca Ferrari

Advogada. Especialista em direito processual civil pela Universidade de São Paulo (USP). Membro
do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO). Coordenadora da Comissão de Processo
civil da OAB/SP – 12ª Subseção. Integrante da coluna Processualistas.

O mantra da racionalidade, convertido em método de tomada de decisão, é entoado ao longo da


evolução do direito como um instrumento de contenção de arbitrariedade e garantia de
imparcialidade.

Tradicionalmente, o modelo racional de deliberação judicial reduzia-se à famigerada lógica da


subsunção. Ou seja, a solução jurídica adequada resultaria da contraposição silogística entre a
previsão normativa e os fatos apurados. No início, a discricionariedade do intérprete na aplicação do
direito era irrisória, razão pela qual logo se revelou sintomática e ineficiente. Com a constatação da
insuficiência de um recurso deliberativo mecânico – descortinada em grande medida pelo fenômeno
da textura aberta desenvolvido Hart[1] – a ampliação das atribuições intelectivo-prescritivas do
julgador ganhou combativos defensores. Todavia, essa tentativa de suplantar o sistema decisório
tradicional desaguou numa espécie de limbo metodológico: terreno fértil para aflorar a criatividade
ilimitada de nossos magistrados. Com efeito, a exacerbada abertura interpretativa tornou-se alvo de
duras críticas hermenêuticas; outrora aclamada, hoje reavia o clamor pelo emprego de técnicas mais
racionais de tomada de decisão.

Em termos práticos, atualmente a incolumidade da judicatura é atrelada à apreciação desafetada do


litígio, cuja construção interpretativa só legitimaria o provimento jurisdicional se adstrita a
argumentos racionalmente justificáveis. Eventual fórmula que extrapole os limites lógicos dessa
equação quase matemática e acresça à tomada de decisão contornos de subjetividade é vista como
temerária. Isso ocorre porque se cultua no âmbito jurídico a falsa compreensão de que toda
inferência emotiva no processo decisório jurisdicional compromete a virtuosa imparcialidade do
magistrado.

Assim, passou-se a atribuir ao direito uma função saneadora das emoções, que neutraliza ou
minimiza as interferências indevidas de certos sentimentos supostamente irrefletidos. No texto
Direito & Emoções: uma proposta de cartografia, Noel Struchiner e Rodrigo de Souza Tavares
elencam alguns exemplos encontrados no ordenamento jurídico que elucidam essa presunção. No
direito penal, a emoção é considerada um desequilíbrio psíquico capaz de atenuar a condenação em
delitos praticados sob a influência de fortes perturbações emocionais (Código Penal, artigo 65,
inciso III, alínea c). No direito processual, o enunciado mais notório talvez seja a regra contida no
inciso I do artigo 145 do Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15), cujo teor estabelece que: “há
suspeição do juiz amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados”[2].

As nuances e particularidades da interface entre direito e emoções são marcadas por uma visão
dualista em que se exalta a razão em detrimento da emoção. A origem dessa dicotomia pode estar
associada ao pensamento predominante na antiguidade[3]. No diálogo A República, por exemplo,
Platão retrata o mito da caverna como uma alegoria às distorções cognitivas ocasionadas pelo medo
que os habitantes sentiam e que os tornava reféns da própria consciência[4]. A convicção socrático-
platônica de supremacia da racionalidade sobreviveu em Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino,
Descartes, Kant, Hegel etc., permanecendo inquestionável até meados de 1600, época em que
Spinoza começa a desmistificar o dogma. Mas é David Hume quem decreta a soberania dos
sentimentos sobre a razão quando anuncia, no Tratado da Natureza Humana, que a “razão é escrava
das paixões”.

Para Hume, o sentimento constitui-se em energia vital, sendo a razão uma mera atividade do corpo
que precisa da energia para acontecer. A rivalidade entre ambos é tão absurda quanto uma briga
entre o motor e a gasolina, uma vez que o sentimento é o combustível que dá vida ao pensamento.
Ele dizia que a razão, enquanto atributo do corpo, serve para conter os desejos e justificar os afetos,
porquanto nem toda energia é aceita, nem todo desejo é satisfeito e nem toda alegria é possível. É
dentro dessa filosofia das emoções que o homem entende pela primeira vez que nem sempre é
senhor de si mesmo.

As ideias do filósofo escocês revolucionam o pensamento da metafísica e lançaram as bases da


corrente emotivista que mais tarde se consolidaria no realismo jurídico norte-americano. No
entanto, a preeminência da racionalidade no direito apresentou os primeiros sinais de declínio no
período em que o feminismo jurídico se fortaleceu nos Estados Unidos. Nas palavras de Noel
Struchiner e Rodrigo Tavares, os ensaístas desse movimento se insurgiram contra à marginalização
do papel das emoções na construção das teorias jurídicas. Alegavam que o modelo hegemônico da
racionalidade judicial era indiferente à sensibilidade feminina[5], historicamente interpretada como
sintoma de fragilidade e atestado de inferioridade. Na verdade, a manifestação de certas
sentimentalidades, muito mais propícia nas mulheres, é um indicativo auspicioso de que os conflitos
– jurídicos ou cotidianos – podem ser resolvidos de maneira mais humana.

Esse despertar afetivo no mundo do direito impulsionou as ciências cognitivas a investirem em


pesquisas que buscassem desvendar o mistério que ronda a interferência emocional na racionalidade
das faculdades mentais. Inspirados nos resultados desses estudos, os teóricos modernos passaram a
reconhecer um caráter cognitivo nas emoções, que pode ser definido como inteligência emocional.
Isso significa que as sensações e os sentimentos atuam, em certa medida, como substitutos da razão
no processamento das informações[6].

Grosso modo, no processo de tomada de decisão, dois sistemas distintos de processamento das
informações são ativados no cérebro humano. São conhecidos como sistema intuitivo e sistema
deliberativo. No sistema intuitivo, a informação é processada com base nas experiências vividas
pelo indivíduo, marcadas por sensações, sentimentos, valores, preconceitos, inclinações ideológicas,
convicções religiosas etc., produzindo respostas (decisões) de maneira rápida, automática e
inconsciente. Em contrapartida, no sistema deliberativo, o processamento da informação decorre de
um esforço cognitivo que constrói respostas de forma lenta, gradual e reflexiva[7].

Quando ativado, o sistema deliberativo também se torna responsável por controlar o sistema
intuitivo, eliminando ou minorando as possíveis distorções que as intuições humanas podem
provocar; contudo, não é capaz de desativá-las e tampouco de neutralizá-las[8]. O sistema intuitivo
deve permanecer ligado porque nele se concentra a razão da existência do homem, cujas tendências
naturais e instintivas são as responsáveis pela preservação da espécie[9]. Por isso, ainda que se
busque refletir sobre as influências indevidas dos sentimentos no juízo processado, nem sempre é
possível se livrar deles.

Não é difícil perceber que as emoções estão intimamente ligadas ao sistema intuitivo. Assim,
constituem respostas imediatas às interações do indivíduo com o mundo. Em outras palavras, são
causadas por estímulos externos (excitações físicas ou intelectuais) que ao serem internalizados
provocam sensações ou sentimentos involuntariamente determinados pelas inclinações íntimas do
indivíduo.

Tais pesquisas trouxeram à baila a necessidade de se explorar cada vez mais o papel das emoções
como fator causal da tomada de decisão. No Brasil, as investigações acerca das relações entre
direito e emoções ainda são muito incipientes. Em linhas gerais, os estudos mais frequentes sobre o
processo deliberativo das decisões judiciais resumem-se às teorias normativas da tomada de
decisão, fundadas nas técnicas da ponderação e da racionalidade da argumentação jurídica. A
exceção fica a cargo da produção científica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Janeiro
(PUC-Rio), cujo trabalho de cunho empírico-descritivo realizado pelo grupo de pesquisa NERDS
(Núcleo de Estudos sobre Razão, Direito e Sentimentos Morais), coordenado pelo professor Noel
Struchiner, tem rendido valorosas contribuições[10].

De outro lado, por mais inverossímil que se revele a dicotomia razão/emoção, seria um equívoco
aprofundar a abordagem cognitiva das emoções na seara jurídica ignorando as tradicionais
preocupações com a interferência da emotividade. Daí por que a importância ao dever de
fundamentação dos provimentos jurisdicionais se torna ainda mais evidente. Pensando assim, os
incisos do § 1º do artigo 489 do CPC/15 cumprem bem o papel de reforço ao dever de motivação.

Considerando-se que o processo de tomada de decisão tende a ser mais intuitivo-descritivo do que
lógico-dedutivo, não seria errado afirmar que o script delineado pelo aludido dispositivo
configuraria um estímulo às reações do sistema deliberativo de processamento das informações. Isto
é, o rigor exigido na fundamentação das decisões judiciais funcionaria como um mecanismo que
aciona o módulo deliberativo da cognição. Noutros termos, as exigências do artigo 489 do CPC/15
poderiam induzir a produção de decisões proferidas por meio de um processo controlado de
inferência.

Mas, até que o enunciado seja assimilado corretamente, resta aos operadores do direito perdoar
(sem deixar de reagir) os “pecados jurídicos” cometidos por alguns juízes que julgam de forma
impensada e produzem decisões, no mínimo, extravagantes. Afinal, nem sempre eles sabem o que
fazem.

[1] HART, Hebert. L. A. O conceito de direito. 1. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 161-176.

[2] STRUCHINER, Noel; TAVARES, Rodrigo de Souza. Direito & Emoções: uma proposta de
cartografia. In: ______; ______ (Org.); Novas fronteiras da teoria do direito: da filosofia moral à
psicologia experimental. 1. Ed. Rio de Janeiro: PoD; PUC-Rio, 2011, p. 110-111.

[3] Idem. Ibidem, p. 109-110.

[4] PLATÃO. A República. 1. Ed. São Paulo: Martin Claret, 2000, livro VII.

[5] STRUCHINER, Noel; TAVARES, Rodrigo de Souza. Op. Cit., p. 115-116.

[6] POSNER, Richard A. Fronteiras da teoria do direito. 1. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011, p.
283-284.

[7] STRUCHINER, Noel; BRANDO, Marcelo Santini. Como os juízes decidem os casos difíceis do
direito? In: ______; ______ (Org.); Novas fronteiras da teoria do direito: da filosofia moral à
psicologia experimental. 1. Ed. Rio de Janeiro: PoD; PUC-Rio, 2011, p. 188-190.

[8] Idem. Ibidem, p. 189.

[9] Sobre a importância das intuições, p. Ex.: BERGSON, Henri. Aulas de psicologia e de
metafísica. 1. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 53.

[10] STRUCHINER, Noel; TAVARES, Rodrigo de Souza. Op. Cit., p. 117-118.

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