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Formação e

Profissão
Docente
organizadores

Célia Maria Guimarães UNESP - Brasil


Pedro Guilherme Rocha dos Reis Universidade de Lisboa - Portugal
Abdeljalil Akkari Universidade de Genebra - Suíça
Alberto Albuquerque Gomes UNESP - Brasil

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA


Faculdade de Ciências e Tecnologia
Campus de Presidente Prudente junqueira&marin
editores
....................................................................................................................................................................
Coordenação: Prof. Dr. Dinael Marin
Impressão: Gráfica Viena
Produção: ZEROCRIATIVA - capa elaborada a partir de fotografia de Célia Maria Guimarães: esculturas
localizadas nos Jardins da Universidade de Aveiro - Portugal.
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Conselho Editorial da Junqueira&Marin:

Profa. Dra. Alda Junqueira Marin


Prof. Dr. Antonio Flavio Barbosa Moreira
Profa. Dra. Dirce Charara Monteiro
Prof. Dr. José Geraldo Silveira Bueno
Profa. Dra. Luciana Maria Giovanni
Profa. Dra. Maria das Mercês Ferreira Sampaio
Profa. Dra. Maria Isabel da Cunha
Prof. Dr. Odair Sass
Profa. Dra. Paula Perin Vicentini
Profa. Dra. Suely Amaral Mello
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CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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F2

Formação e profissão docente / organizadores, Célia Maria Guimarães... [et al.]. - Araraquara, SP :
Junqueira&Marin, 2011.
304 p. ; 21 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-86305-95-5

1. Professores - Formação. 2. Educação permanente. 3. Prática de ensino. 3. Educação comparada. I.


Guimarães, Célia Maria, 1960-.

11-6017. CDD: 370.9


CDU: 37(09)

13.09.11 21.09.11 029709


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Esta edição recebeu apoio da UNESP - Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”
- Faculdade de Ciências e Tecnologia - Campus de Presidente Prudente por meio da FUNDACTE -
Fundação de Ciência, Tecnologia e Ensino.
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Verificar no site da Editora, na página deste livro, eventuais erratas elaboradas pelos Organizadores/
Autores.
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Todos os textos estão idênticos aos originais recebidos pela editora e sob responsabilidade dos
Organizadores/Autores.
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Proibida a reprodução total ou parcial desta edição, por qualquer meio ou forma, em língua portuguesa
ou qualquer outro idioma, sem a prévia e expressa autorização da editora.
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Impresso no Brasil
Printed in Brazil
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DIREITOS RESERVADOS:
JUNQUEIRA&MARIN EDITORES
J.M. Editora e Comercial Ltda.
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CEP 14802-205 Araraquara - SP
Fone/Fax: 16-33363671 www.junqueiraemarin.com.br
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agradecimentos

Os organizadores agradecem aos avaliadores


externos que emitiram parecer aos textos:

Dora Lilia Marín Díaz


Universidade Federal do Rio grande do sul – Brasil

Edson do Carmo Inforsato


Universidade Estadual Paulista – Brasil

Gilza Maria Zauhy Garms


Universidade Estadual Paulista – Brasil

Juliana Gonçalves Diniz Fernandes


Secretaria Municipal de Educação de Florianópolis/SC – Brasil

Maévi Anabel Nono


Universidade Estadual Paulista – Brasil

Maria Suzana De Stefano Menin


Universidade Estadual Paulista – Brasil

Monica Fürkotter
Universidade Estadual Paulista – Brasil

Silvia Adriana Rodrigues


Universidade Federal do Mato Grosso do Sul – Brasil

Zilma de Moraes Ramos de Oliveira


Universide de São Paulo – Brasil
sumário

Prefácio
Maria Do Céu Neves Roldão
9

Aliando Pesquisa E Formação Continuada De Professores 15


Do Ensino Fundamental: Rumo À Teorização
Alda Junqueira Marin;
Luciana Maria Giovanni
& Maria Regina Guarnieri

Como As Identidades Configuram A Formação – 34


Uma Análise A Partir Da Opinião De Professores
Portugueses Sobre Efeitos Da Formação Contínua
Maria Amélia Da Costa Lopes
& Maria De Fátima Carneiro Ribeiro Pereira

Ligação Escola-Universidade: Uma Experiência 60


De Colaboração Promotora Do Desenvolvimento
Profissional Dos Professores
Pedro Guilherme Rocha Dos Reis;
Cláudia Barreiros Macedo De Faria;
Cecília Galvão
& Ana Sofia Martins Silva Freire Dos Santos Raposo

Educação Profissional Na Ibero-América: 80


Um Estudo Do Programa Iberfop
Ramon De Oliveira

La Tarea Incumplida En La Formación De 100


Docentes De Educación Básica En México
María Teresa Yurén Camarena

A Inserção Profissional No Ensino: 124


Alguns Pontos De Referência Sobre
Uma Realidade Complexa
Abdeljalil Akkari
& Maurice Tardif
142 Iniciação À Prática E Desenvolvimento
Profissional Nos Cursos De Educação Básica Da
Escola Superior De Educação De Santarém (Eses):
Lógicas, Configurações E Dinâmicas
Gracinda Maria Nunes Costa Hamido;
Helena Maria Ferreira Moreno Luís
& Isabel Alexandra Damasceno Piscalho

167 Contributos Da Primeira Implementação Do


Período Probatório Para O Desenvolvimento
Profissional Dos Professores Portugueses
Teresa N. R. Gonçalves;
Pedro Guilherme Rocha Dos Reis
& Luciana Mesquita Da Silva

187 A Profissionalização Dos Professores:


Debates Internacionais E As Implicações No Brasil
Ana Sheila Fernandes Costa
& Abdeljalil Akkari

206 A Pedagogia Ontopsicológica E A


Formação Do Pedagogo
Estela Maris Giordani
& Adriane Maria Moro Mendes

224 O Lugar Da Experiência Nas


Práticas Educativas
Divino José Da Silva

243 Alma E Corpo – Ética Deontológica Da


Profissão Docente – Um Constructo Identitário
Maria Teresa De Carvalho Gonçalves Samora Macara;
Maria Clara Correia Ferreira Lino
& António Das Neves Duarte Teodoro

261 Educação Em Valores E Representações


Docentes: Quem Educa O Professor?
Maria Suzana De Stefano Menin;
Patricia Unger Raphael Bataglia
& Alessandra De Morais Shimizu

282 Representações Sociais Dos Formandos


Dos Cursos Efa Sobre Cidadania Digital
Ana Paula Pedro
& Marta Filipa Soares Da Conceição
prefácio

O livro que tenho a honra de prefaciar, coordenado por


Célia Maria Guimarães e Alberto Albuquerque Gomes (UNESP-
Brasil), Abdeljalil Akkari (Univ. de Genebra-Suiça) e Pedro
Guilherme Rocha Reis (Univ. de Lisboa-Portugal), reúne dois
factores particularmente relevantes na abordagem investigativa
e teorizante da problemática da docência e da formação de
docentes nos dias de hoje: (1) por um lado, a transversalidade
institucional e de pertenças que congrega um conjunto de
valiosos contributos de diversos pesquisadores e instituições ,
de vários países e com diversas tradições, de Portugal a Brasil,
da Suiça ao México e ao Canadá; (2) por outro, reúnem-se neste
livro abordagens com enfoques diferenciados mas convergindo
para um objecto comum complexo – a clarificação deste duplo
objecto de estudo – a docência e a formação dos docentes -
numa sociedade que configura realidades novas neste domínio.
A própria estrutura e selecção adoptada pelos organizadores
traduz de forma feliz essas diferentes dimensões , incorporando
eixos centrais como a relação teoria-prática, o lugar formativo
da pesquisa, as dimensões éticas da profissão, a complexidade
dos problemas identitários na história e actuação social dos
docentes, a própria problematização diacrónica da ideia de
profissão e profissionalidade nas últimas décadas.
Nos textos que aqui se apresentam podemos identificar
uma tensão dialéctica – que de alguma forma incorpora os
processos de mudança e de alguma conflitualidade e angústia
com que os próprios professores de hoje se confrontam no dia-
a-dia do seu agir profisssional – entre um tempo e um modo
e ser professor que caracterizou a história da profissão até aos
anos 60-70 do século XX , e o exercício e vivência da mesma
função de ensinar numa realidade socioeducativa muito
diferente, que irrompeu e se enraizou a partir da massificação
e expansão da escolarização. Esta transformação vem-se
desenvolvendo no quadro de transformações sociais profundas
e de processos políticos globais, gerando o que alguns designam
de crise e vêem como problema, mas que prefiro designar como

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

uma pressão histórica geradora de condições – e exigências


- novas que podem permitir operar um salto qualitativo no
desenvolvimento profissional dos docentes e uma oportunidade
a não perder da sua maior afirmação social. Essa possibilidade
de um passo em frente no desenvolvimento profissional docente
depende da melhoria da qualidade do desempenho que o grupo
conseguir oferecer às comunidades que serve, ressignificando
a relevância da função social que desempenha, mediante
ganhos de qualidade e eficácia da mesma. Esta ressignificação
desejável e possível, mas não garantida, depende, por um lado,
da melhoria articulada entre os vectores da qualidade e da
equidade do ensino, correlativas da melhoria e aprofundamento
da aprendizagem dos alunos, que afirmamos ser um direito
de todos e, por outro, requer a reconfiguração das lógicas e
contextos da formação dos docentes. Os textos aqui reunidos
abrem numerosas janelas e geram uma frutuosa conversação no
sentido dessa ressignificação.
A leitura deste conjunto de textos suscita-me a
identificação de alguns eixos teóricos e investigativos actuais, em
que o livro se movimenta, pela voz polifónica dos seus autores.
Eles traduzem os campos de tensão praxiológica no interior da
profissão docente, tensões que atravessam também a produção
teórica e investigativa actual, no duplo campo de estudo que
constitui o cimento deste livro – docência e formação - e um dos
factores maiores do interesse da sua leitura
Partilho assim, com os autores e os leitores, a minha
leitura deste conjunto de eixos problematizadores que os
textos, de maneira diferente, convocam perante o nosso olhar.
Proponho centrar esta análise em dois conjuntos de coordenadas
que enquadram a profissão docente e, consequentemente, a
formação dos seus actores.
Nessas coordenadas podemos distinguir um primeiro
bloco, que designo por coordenadas estruturantes e se
reportam à própria natureza da função do professor, embora
modeláveis e plásticas. São elas uma constelação de elementos
que se agregam em torno da centralidade do saber ensinar
como o legitimador histórico da emergência, afirmação e
desenvolvimento do grupo profissional dos docentes. Desses
elementos constitutivos da profissão, e consequentemente
orientadores da sua formação, destacam-se como centrais os

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

que se reportam (1) à relação do docente com o currículo com


que trabalha , seus conteúdos e intencionalidades, que requerem
um sólido saber conteudinal substantivo, proveniente da ciência
e da cultura de cada época e da análise de cada contexto, e
(2) os referentes aos saberes implicados directamente no agir
profissional na sua operacionalização pedagógico-didáctica.
Esta operacionalização no agir quotidiano e singular configura-
se por sua vez à luz do conhecimento dos sujeitos aprendentes
e dos seus contextos, onde convergem os saberes provenientes
das ciências da educação na sua pluralidade. Podemos de
algum modo afirmar que ser professor implica sempre estes
elementos, de forma transversal aos tempos e às circunstâncias.
Por isso designei este primeiro conjunto de coordenadas como
estruturantes da profissão e da formação.
Mas o exercício real da docência é configurado por um
segundo conjunto de coordenadas enquadradoras da acção
docente que designo como coordenadas mutantes, que se
relaciona com as dimensões contextualizadoras da acção
profissional de que, no tempo actual , se podem destacar, pela
sua centralidade, as dimensões seguintes, que de formas diversas
e com olhares diferentes os textos deste livro contribuem
também para clarificar, sobretudo nas suas implicações para os
processos formativos:
A relação da função docente com a sociedade - ensinar
tornou-se uma função muito mais complexa desde que a
educação se transformou , ou vai transformando , num efectivo
direito de todos, trazendo para o interior da escola a diversidade
social e cultural dos cidadãos que somos. Este “salto” histórico
resultante da massificação-expansão, que se quer associado a
um direito de todos a um ensino de qualidade, coloca ao docente
e à escola um novo conjunto de desafios face aos quais a maioria
das formações permanece pouco sensível. Transporta para o
interior do agir docente, e para o interior da organização escolar
e da instituições formativas, um conjunto de contradições
existentes no statu quo do ensino e da formação, que só podem
ser resolvidas através de um repensar dos modos de organizar
o trabalho de ensinar e aprender, e um consequente re-teorizar
do trabalho da formação, muito bem documentados em vários
dos trabalhos deste livro, de que peço permissão para destacar
os de Pedro Reis e outros, e Gracinda Hamido e outros, nestes

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

casos com base em pesquisa desenvolvida em Portugal sobre


experiências e projectos direccionados no sentido de repensar
a docência, e de conceber a formação como um processo de
construção de saber e saber agir alimentados na teorização da
própria acção profissional
A relação do professor consigo e com os seus pares –
outra linha mutante no enquadramento da acção de ensinar
prende-se cm a ruptura com os modos organizativos dominantes
nas culturas docentes, que Andy Hargreaves há mais de uma
década caracterizou como predominantemente pautada
pelo individualismo ou pseudo-colegialidade (1998). As
circunstâncias e a complexidade actuais da função de ensinar não
se podem orientar para a melhoria das aprendizagens, cada vez
mais socialmente necessária, sem que uma ruptura se processe
nesta cultura, em favor de lógicas colaborativas e docência
realizada em, com e por equipas de trabalho, potencializando
também os recursos e possibilidades tecnológicas do tempo
actual, e que sustentam algumas das análises que integram
este livro . A esta transformação estrutural do exercício
da docência associa-se uma dimensão ético-deontológica,
ainda débil no interior do corpo profissional docente e nas
filosofias da formação, que se traduz na assunção plena da
responsabilidade social dos docentes no dever de garantir a
todos a melhor aprendizagem possível. Algo que ambiciono
homólogo ao que na profissão médica tem o seu referencial no
juramento de Hipócrates, repensado aqui para a ética do ser
docente enquanto conjunto de referentes do dever profissional
de ensinar bem, e não apenas generosidade, ética de relações
no agir moral da pessoa individual de cada docente, como
muitas vezes é entendido pelo senso-comum. Esta dimensão
deontológica, que também atravessa alguns dos textos aqui
publicados, que se quer partilhada pelo colectivo profissional
que a produz e assume como sua, constitui um passo difícil
num corpo profissional historicamente muito funcionarizado,
desde logo pela sua larga dependência dos poderes políticos
que gerem a educação. Mas tal passo, ainda adiado no interior
da profissão docente, é certamente necessário ao reclamado
reforço da profissionalidade do docente.
A relação do docente com o seu saber - todas estas
coordenadas “mutantes” que envolvem o ser professor hoje

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

implicam desconstruir e reconstruir as representações sociais


sobre o professor e no interior do próprio professorado, no que
respeita a uma reconceptualização do carácter distintivo do
seu saber profissional. Um docente deste tempo e do futuro
próximo, na perspectiva que defendemos, só poderá exercer
o ensino com eficácia e equidade face aos seus aprendentes
mediante um reforço substantivo da natureza analítica e
teorizadora do saber que mobiliza para o exercício da sua prática.
Implica isso assumir-se como profissional de uma prática social
relevantíssima e por isso necessariamente questionadora,
teorizante e produtora de saber próprio. Implica assumir-
se o docente como um profissional de cultura, um intelectual
habilitado à análise realização da sua práxis para a reorientar
e melhorar. Implica não se representar como alguém que age
segundo o que outros pensam ou determinam, mas que sabe
agir segundo o que analisa e sabe e mobilizando o saber que se
reconstrói no seu grupo de pares. Implica, de alguma maneira,
fazer o luto do professor como prático, para poder desenvolver
uma melhor prática de ensino.
As implicações dos trabalhos aqui reunidos para a
formação de docentes são claras. Trata-se de as sustentar num
conceito de profissional de ensino situado no seu tempo e na sua
circunstância, parafraseando a expressão intemporal de Ortega
Y Gassett, e confrontado com um processo de desenvolvimento
profissional complexo mas enriquecedor.
Induz-se uma reorientação dos processos formativos,
de vários tipos e em vários momentos da vida do docente – a
formação inicial, o apoio formativo ao professor principiante,
a formação como elemento estruturador da progressão do
trabalho dos docentes ao longo da vida e em diferentes
contextos - em duas direcçoes que me parecem evidenciadas
nos estudos aqui publicados: (1) a centração da formação num
perfil profissional, estruturado na construção e desenvolvimento
permanentes do saber e das competência requeridas para
saber ensinar e desenvolvidas e mobilizadas nos contextos de
trabalho, e (2) a reconfiguração das relações entre as escolas,
enquanto organizações implicadas no ensino e educação onde
os docentes exercem a sua acção, e as instituições implicadas na
formação dos docentes –as universidades, institutos ou escolas
de formação. Importa, para desenvolver este profissional

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docente do futuro, que sirva com mais equidade o direito de
todos a aprender, que estas duas instâncias se tornem parceiras
efectivas , numa lógica de parceria permanente e não pontual,
constitutiva de novas redes de construção e reconstrução
identitária de profissionais docentes.
Aos autores o muito obrigado de quem, lendo, aprendeu
mais. Aos leitores, o incentivo para que ensinando, investigando
ou formando, ajudem a repensar a profissionalidade e as
identidades deste corpo social que se quer de elite, porque
construtor da real democratização da aprendizagem. ⌂

Maria do Céu Roldão


Professora convidada da Universidade Católica Portuguesa - PT
Curitiba, março de 2011

14 junqueira&marin editores
aliando pesquisa e formação
continuada de professores do ensino
fundamental: rumo à teorização

Alda Junqueira Marin PUC/SP - BRASIL


Luciana Maria Giovanni PUC/SP - BRASIL
Maria Regina Guarnieri UNESP - BRASIL

introdução
Com a criação da Universidade Estadual Paulista Julio de
Mesquita, a UNESP, em 1976, várias unidades sofreram alterações
organizativas, originando novos departamentos. Em Araraquara,
as Ciências Humanas passaram a denominar-se Instituto de Letras,
Ciências Sociais e Educação (ILCSE) criando-se três departamentos
na área de Educação, em lugar de apenas um anterior.
No Departamento de Didática, recém criado, no final
da década de 1970 e início da década de 1980, professores
definiram o tema Trabalho Docente como o norteador das
atividades acadêmicas. Decorreu dessa decisão, também, a
criação de um grupo de pesquisa cadastrado no CNPq com o
título “Trabalho docente, suas relações com o universo escolar
e a sociedade”.
No início do ano de 1983, um grupo de professores desse
departamento foi procurado por uma professora que assumira a

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

coordenação pedagógica de uma então escola pública estadual


de 1º grau, solicitando ajuda para a parte pedagógica do trabalho
escolar, a partir de interesse das demais colegas da escola
para enfrentar as dificuldades sentidas com as quatro séries
iniciais. Esse pedido marcou decisivamente a vida acadêmica
desse grupo de professores do Departamento de Didática, que
resolveu se dedicar, de fato, à pesquisa e ao atendimento de
necessidades formativas de professores dessa esfera escolar.
Tratava-se de rara situação em que, conjunto de profissionais, de
nível e formação diferenciada – 1º grau e universidade – deteve-
se a analisar, em conjunto, o âmago da relação entre a teoria
e a prática pedagógica: o professor em sua prática docente,
estudada, discutida, reformulada por profissionais que passam
a exercer, também, atividades de reflexão, de pesquisa.
A relevância desse momento advém, ainda, da
oportunidade de gerar proposta alternativa para trabalho com
professores em serviço, a partir de pressupostos claramente
estabelecidos, algo que ainda hoje continua a ser proposto
como meta, que poucos conseguem efetivar de fato.
Este texto relata alguns dados do início das atividades
desse grupo de pesquisa, contendo as bases de um trabalho
coletivo que perpassou duas décadas, embora com grupos de
professores diversificados e com instâncias variadas da rede
escolar pública no estado de São Paulo, sobretudo na região de
Araraquara, SP. Conjunto de estudos, projetos e tarefas, como se
pode antever nessa breve introdução das origens, não é tarefa
fácil, seja pelas características do trabalho universitário – que
em geral obedece à individualidade, tanto na execução quanto
nos interesses – seja pelas “intempéries” que se abatem sobre
as pessoas que compõem o grupo de profissionais de ambas
as instituições, sempre sujeitos a exigências e pressões da vida
privada e institucional.
Este não é um texto de apresentação de resultados
específicos de pesquisas nos moldes tradicionais, falando de
números ou de características qualitativas, mas é um esforço
de teorização a sintetizar muito do trabalho que foi sendo
sistematizado, mas ainda pouco divulgado.
No primeiro conjunto de informações está o relato
de decisões tomadas a partir de insatisfações em relação ao
quadro de referências sobre como ocorriam as pesquisas e

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

sobre os atendimentos aos profissionais da educação por parte


das universidades e dos órgãos de governo. A seguir estão
alguns princípios, diretrizes, fundamentos que balizaram todo
o percurso do grupo em diferentes momentos de atuação. No
terceiro bloco estão algumas ideias gerais sobre o método de
trabalho. Tais considerações vão ao encontro da necessidade
de reafirmar a presença do desafio constante que é a formação
de professores, tanto inicial quanto continuada, assim como a
pesquisa nessa área e os procedimentos didáticos para realizá-la.

algumas insatisfações
Ao nos determos para estabelecer claramente os
pressupostos, começamos por identificar, desde logo, a
necessidade de repensarmos um trabalho como esse,
eliminando as bases de individualismo e buscando a realização
constante do trabalho coletivizado. Assim, começamos por
identificar algumas insatisfações em relação a essa temática.
Tais insatisfações podem ser consideradas, então, como origens
das mudanças propostas, pois foram assumidas como base para
o trabalho.
A primeira insatisfação detectada referia-se à forma
de abordagem do tema atendimento ao professor em serviço
vigente não só no país como no exterior, a partir dos estudos
que a equipe fazia sobre formação de professores. Por um
lado, verificamos que a bibliografia apresentava o tema na
época (e ainda hoje o faz), como um ideal a ser perseguido
(cf. PINHEIRO & PINHEIRO, 1969; LIEBERMAN, 1986, 1992;
SIROTINIK & GOODLAD, 1988; PEREIRA, 2002; ESTRELA et al.,
2005; CRAHAY, 1988; FULLAN & HARGREAVES, 1992; GATTI,
2008). Por outro lado, do ponto de vista do exame da realidade
educacional, tínhamos a percepção clara de que este constituía,
e ainda constitui um problema educacional brasileiro a ser
resolvido e, portanto, da necessidade de medidas para resolvê-
lo. Na época, e agora igualmente, detectamos a inoperância
histórica dos mecanismos, medidas e órgãos criados pelas redes
educacionais para fazer face a tais necessidades. Alguns tiveram
vida efêmera; outros demonstraram resultados muito restritos;
outros ainda persistem, embora não tenham encontrado a forma
mais adequada de atuação para obter a almejada melhoria da

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

qualidade de ensino para redes inteiras. (FERNANDES, 2004,


2008)
De outra perspectiva, ainda em relação à questão da
formação do professor em serviço, identificamos a ausência de
ações políticas globais das universidades em relação aos então
ensinos de 1º e 2º graus, na época com atuações pontuais. Tal
situação era compreendida pela equipe como descompromisso
daquelas em relação a estes, algo que posteriormente foi
revertido, por exemplo, tornando-se alvo da própria UNESP,
com a criação de instância denominada Núcleos de Ensino na
década de 1980 (MENDONÇA, BARBOSA e VIEIRA, 2010) e pelo
incentivo da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São
Paulo (FAPESP) ao criar o Programa Sobre Melhoria de Ensino
Público, na década de 1990, que vem sendo efetivado por
projetos de universidades paulistas nos últimos quinze anos.
A segunda insatisfação se instalou a partir da verificação da
ausência de estudos sistemáticos e abrangentes sobre a atividade
didática, quer do ponto de vista do exame da realidade, quer do
ponto de vista de propostas adequadas a essa realidade. Desde a
década de 1970 houve divulgação de inúmeras reflexões sobre a
realidade escolar brasileira abordando seus problemas (NAGLE,
1976a); questões referentes à ampliação de oportunidades
e democratização do acesso à escolaridade (AZANHA,1987a;
RODRIGUES, 1983; GARCIA,1984; SCHEIBE,1987). Encontramos
ainda alguns processos realçados dessa realidade escolar como,
por exemplo, denúncias e propostas de princípios que regem a
avaliação educacional (LUCKESI, 1986) ou a questão da autonomia
da escola (AZANHA, 1987b; SILVA, 1985). Outra frente aberta,
ainda em relação à realidade da educação no Brasil, se refere
a reflexões sobre problemas das áreas pedagógicas, analisando
a literatura (NAGLE, 1976b) ou, então, tendências pedagógicas
predominantes (SAVIANI, 1984; LIBÂNEO, 1985).
Nesse conjunto, a área de Didática, mais próxima de
nossos interesses, fez esforços para se rever, analisando sua
literatura, suas práticas, suas necessidades principalmente
a partir de 1982 e 1983 com resultados iniciais publicados
especialmente em Candau (1984).
Se nesse quadro todo, do ponto de vista dos princípios
e análises, alguns autores avançaram na detecção de
problemas, explicitação de fundamentos doutrinários, visões

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

político-ideológicas – que sem dúvida trazem um elemento


fundamental para nortear a área pedagógica – entretanto,
do ponto de vista da Didática, o esforço para concretizar tais
princípios não teve o mesmo ritmo, não acompanhou as
discussões, sobretudo uma Didática voltada para formação de
professores em serviço. Em outras palavras, tínhamos alguns
problemas didáticos concretos a enfrentar, com a formação
dos professores dos anos iniciais da escola básica e para
eles atuarem, e pouquíssimos recursos para um trabalho de
assessoria com tal visão crítica.
A discussão dos pressupostos, então, teve sentido para
orientar o trabalho, da assessoria e da pesquisa, a partir das
constatações apontadas nos parágrafos anteriores. Buscamos
novas formas de efetivar a formação do professor “em serviço”,
mas com consequências para a área Didática, obtendo dados de
pesquisa, que nos auxiliassem na sua reconstrução, auxiliando
os professores. E, então, permaneceu clara a questão:
Como fazer a pesquisa e o atendimento a professores que
estão desenvolvendo suas atividades no ensino fundamental e
com quais fundamentos?
Como se vê, o questionamento deixou de ser apenas
sobre como vem sendo feito o atendimento ou detecção das
necessidades de professores na sala de aula, para se tornar
um questionamento sobre o tipo de trabalho a ser feito para
atender a essas necessidades. Como resultado, conseguimos
explicitar princípios, diretrizes, fundamentos para reverter a
situação inquietante.

diretrizes básicas, princípios e fundamentos


As diretrizes, ou seja, o conjunto de indicações para levar
avante o trabalho (FERREIRA,s/d) foram poucas, e de caráter ope-
ratório, válidas para todas as atividades desenvolvidas desde então:

1)Discutir questões e assessorar professores nos aspectos


referentes ao trabalho docente;
2)Realizar um trabalho de ação conjunta entre a universidade
e a escola de 1º grau;
3)Trabalhar de forma sistemática e não esporádica;
4)Realizar trabalho voltado às dificuldades específicas de

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

cada escola, buscando a superação das mesmas, mas de


maneira a não perder o contexto mais amplo.

Para a realização de um trabalho com tais diretrizes foram


sempre estipulados objetivos bi-laterais, isto é, para o grupo de
professores da UNESP e para o grupo de professores da escola
de 1º grau.
Como decorrência, os princípios entendidos como
proposições diretoras, elementos tomados como pressupostos
orientadores na constituição de um corpo orgânico
(FERREIRA,s/d) de todos esses anos foram:

Tomar as insatisfações como motores para soluções, como



bases para evoluções e não como fatores imobilizadores;
Considerar a atividade didática como ponto de partida e de

chegada. O sentido aqui é o mesmo apontado por LEFEBVRE
(1970). Diante das características identificadas na Didática,
nos estudos críticos realizados – excesso de formalismo,
perspectivas reduzidas para tratar os seus temas, perda de
seu conteúdo – e a necessidade de se voltar a apreender
o conteúdo (nosso projeto), por meio da chegada a esse
conteúdo (o trajeto), partimos do conhecimento que
tínhamos – a atividade didática abstratamente tratada e
neutramente considerada – para a busca da didática real,
sem cortes, com nuances e diferenças, inserida em espaços
e tempos social e historicamente definidos;
A ação interventiva passa pela investigação da ação didática,

para, conhecendo-a, encaminhar o trabalho de análise e
de alteração, situando-a no momento histórico e contexto
social em que se insere. É no curso desse processo que o
saber vem apreender o conteúdo didático, realizando o
projeto do conhecimento didático, pelos professores e por
nós;
Respeitar o conhecimento dos professores e sua atuação,

pois conquanto estes sejam focos disponíveis para estudo
mais sistemático, por sua natureza mesma, impõem
constantes situações de revisão e direção, oportunidades
em que os professores criam soluções, alteram padrões de
trabalho. Em outras palavras: os professores acumulam
um saber que precisa ser respeitado e, em muitos casos,

20 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

acolhido, até porque (vimos alguns parágrafos atrás) as


soluções e alternativas não são tantas para, levianamente,
se abolir o que vem sendo feito e nada ter para colocar em
seu lugar. Esse respeito se traduz na ação, em cada fala,
em cada atividade programada, nas atitudes, e não no
mero discurso, estabelecendo base para algumas fases
conforme apontadas por Nagle (1976a, p. 13): inovação,
disseminação e integração;
Buscar a identificação de aspectos comuns, gerais do

trabalho do professor, essenciais à função docente, embora
apontando os aspectos variados: tempo de formação,
série em que se trabalha, características do grupo classe,
conteúdo trabalhado, contexto em que se insere a escola.
Estes são alguns elementos importantes, fundamentais
mesmo na compreensão do trabalho docente, mas que
devem ir se especificando a cada circunstância, a partir de
um quadro geral. Novamente Lefebvre (1970, p. 42) nos
auxilia aqui: “(...) a noção de complexidade ou, melhor
dizendo, de complexificação, a idéia segundo a qual o
pensamento vai do complexo (analisado por redução) ao
mais complexo (captado por re-produção), igual à própria
prática social (...)”;
Trabalhar segundo a noção de um tempo dialético, que

implica agir e compreender simultâneos, com retorno
imediato a todos os participantes do processo, enlaçando
as múltiplas funções;
Aceitar a possibilidade de reconstruir sempre o

conhecimento, unindo informações empíricas,
submetendo-as à razão, num mesmo processo, sem
dicotomias, de tal forma que a própria empiria se altere.
Mais uma vez nos remetemos a Lefebvre (1970, p. 43) para
uma consideração a esse pressuposto: “Qual o alcance
operatório? É global, isto é, político”;
Estabelecer um compromisso firme com as questões da escola

pública e gratuita. Nesse sentido busca-se a re-elaboração
do saber pedagógico, voltado para atender nossas condições
e necessidades sócio-culturais e educacionais.

Diante de tais pontos, aceitamos que era, e é preciso,


buscar novas bases, não as vigentes. Explicitam-se, portanto,

junqueira&marin editores 21
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

aqui, os fundamentos, conforme define Ferreira (s/d), ou


seja: os alicerces, argumentos, conhecimentos, razões e
justificativas para o trabalho, compondo esse quadro de
referências.
Na época, alguns membros da equipe de pesquisadores
haviam estudado alguns textos de autores com fundamentos
sócio-educacionais, tais como Pierre Furter (1968) e John Dewey
(1965; 1971; 1979). Essas leituras não são diretamente citadas
aqui, porém, estão presentes nos fundamentos que estipulamos
para nossos trabalhos.
A ideia de que os seres humanos são inacabados e
continuamente educados sempre esteve presente com papel
positivo e criativo ao se pensar na educação acompanhada da
preocupação de que toda alternativa de ação devesse:

Pressupor e desencadear um esforço para a consciência



reflexiva sobre o trabalho pedagógico e crescente
universalização do conjunto de informações pelo diálogo;
Constituir fundamento para a mudança;

Representar sempre uma possibilidade, uma forma de

entender a realidade não definitiva e, portanto, devendo
aceitar controle científico, análise de dados sobre a
realidade.
Apresentar como uma simplificação do real, elaborada

em função de objetivos concretos definidos pelos que
partilham do processo.

Uma das mudanças previstas nesse conjunto foi


a de desmistificar a docência como vocação ou missão,
encaminhando nossos esforços para a perspectiva da importância
do profissionalismo na educação. A concretização dessa
perspectiva nos parece sempre possível pela oportunidade de o
professor repensar o que faz, de ter uma educação continuada
por meio de um processo que permita a ele “fazer-se docente”,
buscando a competência entendida como preparo, aquisição
de conhecimentos e domínio de habilidades, não ignorando a
condição pessoal de cada um, porém evitando, ao máximo, as
análises personalistas tão rotineiras na escola.
Evidentemente essa possibilidade de aperfeiçoamento
docente, de forma diferente da que está posta nos cursos

22 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

tradicionais, exige a clareza do argumento que tem o professor


como sujeito desse processo, por meio de outras formas
que não sejam o mero “assistir palestras” (que muitas vezes
ignoram a realidade dos professores presentes), sem que, com
isso, não deixemos de fazer as apresentações teóricas quando
necessário. Tal aperfeiçoamento precisa, necessariamente, levar
os professores a se situarem na realidade, explicitando dúvidas
para o que as pesquisas e a teoria dão suporte.
Tratava-se então, e se trata ainda hoje, de romper com
a relação hierárquica entre universidades e escolas dos demais
graus de ensino e com a perspectiva de professores como meros
informantes/fornecedores de dados para a pesquisa ou como
simples consumidores das pesquisas feitas na universidade, para
concebê-los como participantes ativos, co-autores de pesquisas
ou autores de suas próprias pesquisas em sala de aula.
Aproveitar parte das experiências e conhecimentos que
os professores possuem permite criar as condições para iniciar
a participação, a interação entre profissionais da universidade
e das escolas nas atividades. Esse é um dos fundamentos
da possibilidade de reconstrução criadora da escola pública,
contando com os recursos que ela já tem: professores,
alunos e auxiliares técnico-pedagógicos. Uma das razões
desse fundamento é que quando trabalhamos com adultos,
sobretudo, há um acúmulo de experiências a serem trazidas
ao debate, algumas a serem discutidas e negadas, outras a
serem realçadas. Resgata-se a idéia de que são os envolvidos no
trabalho pedagógico que cuidam dele. Podemos (universidade e
outros órgãos) fazer com eles, mas não por eles, a melhoria de
tal trabalho.
Aceitar essa possibilidade de reconstrução, de
desenvolvimento, representa concepção no processo de
conhecimento e da experiência que não é só física, mas
fundamentalmente uma postura política de compromisso
voltado para atender nossas condições e necessidades
socioculturais e educacionais.
Tais considerações impõem que se apresentem
os conhecimentos disponíveis sobre a possibilidade de
criatividade, flexibilidade e harmonia do ser humano quando
são dadas as condições. A criatividade, pensada com traços
de originalidade, de flexibilidade e de adequação de soluções

junqueira&marin editores 23
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

perante as necessidades de qualquer situação ou problema, é


uma característica que enriquece a vida do dia a dia da escola,
rompendo com as soluções tradicionais, que às vezes são
necessárias, mas que, frequentemente precisam ser superadas
porque vivemos hoje outras circunstâncias, com crianças de
origens diversas, escolas em lugares diversos, professores com
diversificadas formações.
Assim, a flexibilidade, característica nitidamente
intelectual, contrária à rigidez, caminha ao lado da humildade,
permitindo que existam visões e perspectivas diferentes, fruto
das diferenças individuais e históricas num conjunto de pares,
como condição para existência das demais características.
A obtenção de um trabalho com tais características e
fundamentos ainda se completa com outra justificativa, também
fundamental. Trata-se da harmonia, não pensada como ausência
de conflitos, inerentes ao debate suposto nesse conjunto. Aqui
a harmonia é entendida como a disposição bem ordenada entre
as partes de um todo, fornecendo ordem, proporção, segundo
Ferreira (s/d) e, ainda, equilíbrio e unidade na variedade (NUNES,
1966). É esse mesmo autor que apresenta o sentido pragmático
do harmônico. Trata-se da exata função com que cada coisa é
proposta ou criada. Nessa linha de raciocínio, tal conceito – antes
de ser racional, um meio, um recurso ou técnica dentro deste
trabalho – vem imbuído desta característica: sua adequação
harmônica para a finalidade a ser obtida, equilibrando-se as
formas e os ritmos para se realizar os momentos de trabalho,
mantendo o prazer de sua execução.

explicitando o método
Estão expostas, neste item, algumas ideias sobre o método,
numa síntese anunciadora de detalhes. Estão apresentados aqui
os passos, momentos e fases seguidos pela equipe.
O primeiro passo, em fase ainda de planejamento,
consiste na tomada de consciência da situação a ser enfrentada,
no levantamento das condições existentes: trata-se de mapear
condições e intenções diante de um compromisso educacional
específico. É neste momento que a equipe coleta dados relativos
à situação a ser vivida: quem são as pessoas com as quais o
trabalho será realizado; quem é esse profissional real que está

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

na vida das escolas; que tarefas desempenham e com que tipo


de formação; em que ambiente ocorrerá o trabalho, quais
os recursos disponíveis e prováveis para uso; que condições
facilitarão o trabalho, quais as previsões e empecilhos e,
consequentemente, como otimizar as primeiras e tentar inibir
os últimos. Trata-se da fase diagnóstica em que se concentram
as ações de reconhecimento da situação da escola, de seus
professores, das condições de exercício do trabalho docente, do
perfil do alunado e dos professores.
Mobiliza-se, nesse momento, todo o conjunto de
conhecimentos adquiridos a partir de contatos com a realidade
da escola de 1º grau e com a sistematização de informações
sobre a situação em foco. Tal quadro de referências torna
possível definir as alterações pretendidas e as questões de
pesquisas a serem propostas. Trata-se de explicitar ao grupo
as expectativas quanto ao processo a ser desencadeado,
antecipando as produções ao final de cada atividade e possíveis
encaminhamentos. Parte-se do real, da situação inicial existente
(considerada problemática pelos próprios professores), para
caminhar no sentido de ampliar a compreensão das tarefas
pedagógicas com seus fatores intervenientes (na escola e fora
dela) e sensibilizar para as possibilidades de modificações
no âmbito interno dessas tarefas (situação final desejada e
projetada por todos) e suas consequências para a escola e
contexto.
A seguir, ainda na fase do planejamento geral, a equipe se
mobiliza para a formulação e ordenação de passos do processo
todo, desdobrando itens para abranger as questões básicas
de qualquer projeto educativo, ou seja, como começar, como
desenvolver, como encerrar. Trata-se de projetar um mapa mental
da intervenção, com seus elementos previsíveis e seus fluxos.
O conjunto de decisões oriundas do fluxo do trabalho
organiza-se em torno de dois eixos ou momentos básicos
durante todos os tipos de trabalho: momentos de expressão e
comunicação e momentos de análise e síntese, realizados ora de
forma individual e ora de forma coletiva.
Os momentos de expressão e comunicação caracterizam-
se por permitir o conhecimento daquilo que sabem, pensam e
sentem os profissionais sobre determinados temas ou situações
relacionadas a tarefas que desempenham e que estão em foco.

junqueira&marin editores 25
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Trata-se da fase em que os resultados obtidos com o diagnóstico


são socializados e discutidos e em que as práticas e temáticas
consideradas relevantes e prioritárias se tornam objeto de
reflexão e problematização. São oportunidades para exprimir
a realidade vivida, as dificuldades e problemas enfrentados,
a percepção de partes específicas do trabalho pedagógico,
alternativas de soluções para os conflitos já enfrentados, bem
como a visão do processo de reflexão que os professores
vivem. Constituem diferentes circunstâncias para contribuições
pessoais e coletivas no sentido de construir mentalmente, para
exprimir e socializar avaliações a respeito do tema em questão,
compondo conjunto de dados a ser explorado, posteriormente,
para organizar quadro comum a todos.
Os momentos de análise e síntese constituem o caminho
para a racionalidade, de modo a suplantar a emoção que muitas
vezes acompanha a grande quantidade de informações surgidas
nos momentos de expressão. Estes dois elementos associados
– emoção e profusão de informações – compõem um quadro
em que há certa perda da transparência, não permitindo aos
professores distinguir com clareza o objetivo em estudo. É
importante, então, “limpar o terreno”, ou seja, analisar, separar,
isolar, interpretar, inferir, buscar características, entender as
formas de interpretação, os ângulos que emergiram, detectando
o comum, o coletivo, o partilhado, mas também atentando para
o singular que frequentemente enriquece as interpretações
e, sobretudo, pondo em destaque os fatores históricos,
sociais, culturais, intervenientes na realidade que esses dados
expressam. É o momento da reflexão mais aprofundada. Nesses
momentos de análise e síntese ocorre a seleção, o afunilamento
das informações para buscar, em seu conjunto, o dado
fundamental para a atividade do grupo no momento. O processo
permite, assim, “enxugar” o conjunto de informações, não para
“secá-lo” completamente e eliminar os pontos levantados, mas
para se ter condições de focalizar nitidamente o fazer docente,
mantendo os demais dados como parte do cenário em que este
fazer se insere.
Um trabalho com tais características corre riscos de
dispersão e sua consecução depende de certas garantias de
envolvimento dos participantes nas atividades. As diferenças
individuais emergem e são diferenças de atitudes, de

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

comportamento, de competência e até de humor, que não se


pretende anular, tampouco destacá-las em demasia. O desafio é
o de trabalhar com tais diferenças, que ganham sentido quando
orquestradas. Parte-se da pluralidade para a constituição de
grupos de trabalho, em busca da unidade de propósito para
tratar as questões, quaisquer que elas sejam.
O conjunto de todos os participantes do processo tem sido
denominado de grande grupo. São todos os que, mobilizados,
discutem, analisam, estudam, pensam, reafirmam, retomam,
criticam, reclamam, observam, questionam, descrevem,
executam tarefas, partilham, aplaudem, riem, aprendem,
decidem, põem em ação, ensinam.
Mas, se todos são a orquestra, deve haver um maestro.
Trata-se do pequeno grupo. São os que exercem a função
de coordenar – em geral assumida pelos professores da
universidade, algumas vezes acompanhados de professores
e outros profissionais das escolas. Essa função em geral fica
centrada na equipe encarregada de coordenar as atividades,
que são de natureza variada. Essa equipe analisa, discute, cuida
da intervenção ao nível do pensamento e da ação concreta,
trabalhando ora coletivamente, ora dividindo as tarefas entre
seus membros para não sobrecarregar sempre as mesmas
pessoas e respeitar as facilidades e limites de cada um.
Assim é que essa equipe organiza dados; providencia
material; elabora roteiros; seleciona “falas”, organiza os
“retornos” para o grande grupo; planeja em detalhes as
ações; prevê resultados; elabora e analisa mapas e quadros
de informações; realiza levantamentos, pois “vai atrás” de
procedimentos e de bibliografia; apresenta sínteses de leituras
realizadas; identifica pessoas que possam ajudar; está atenta
a tudo que possa favorecer ou prejudicar o trabalho; cuida
do registro sistemático; dá suporte (um ao outro) quando o
trabalho desencadeia momentos de desânimo e divide alegrias
entre si quando o trabalho “está em alta”; além de pensar
nos “ganchos” entre um encontro ou atividade e outro, que
garantem a continuidade do trabalho.
Trata-se, evidentemente, de um processo diretivo, não
com a conotação negativa que frequentemente acompanha
esse termo. Mas diretivo, sim; um processo organizado, sem
dúvida, com finalidades previstas e planejadas.

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Embora de responsabilidade do pequeno grupo, vale


observar que tais atividades são, em seguida, claramente
explicitadas ao grande grupo, para garantir clareza, consciência,
intencionalidade, a todos, a cada passo dado. Assim, nesse tipo
de trabalho, forma e conteúdo estão igualmente presentes e são
analisados em todo o processo.
De modo geral, e bem simplificado, é possível dizer que a
dinâmica desse conjunto é composta por esses dois momentos
que se alternam, funcionando de modo cíclico.
Os momentos de expressão e comunicação e os de
análise e síntese podem, ainda, ser subdivididos em cinco fases
presentes no interior do trabalho dos dois grupos, quer nas
situações de pensar sobre o processo, quer nas situações de
operar com todo o conjunto.
A primeira fase é sempre aquela em que ocorre o
mapeamento. Os temas e atividades selecionadas para efetivação
desta fase oportunizam a expressão dos professores. É nessa
fase que as dificuldades didáticas, as práticas pedagógicas, os
conteúdos ministrados, os fatores intervenientes na atividade
educativa, as expectativas pessoais e profissionais compõem o
mapa de trabalho dentro e fora da escola.
A segunda fase consiste na análise das informações que
emergiram na fase anterior, de expressão. Esta segunda fase,
a da exploração e organização, é realizada pelo grande grupo,
mediada pela análise e discussão realizada previamente pelo
pequeno grupo. O retorno às informações, propiciado por esta
fase, é considerado um elemento fundamental, por constituir,
já nesse nível, modificações no quadro de referências daqueles
que as exprimiram. É o enfrentamento das situações reais
ou representadas, o confronto com o que foi expresso pelos
componentes do grupo.
A terceira fase é a da escolha, dentre os pontos mapeados
e analisados, quais os mais prementes e a sequência em que
devem ser tratados. Essa fase, realizada pelo grande grupo,
indica todo o conjunto da intervenção, definindo o projeto de
trabalho a ser enfrentado.
A quarta fase é desencadeada a partir das decisões
tomadas. Caracteriza-se por privilegiar informações, pesquisas
e fundamentos. É uma fase cumprida por todo o grande
grupo, com especial ênfase pelo pequeno grupo. Trata-se,

28 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

na verdade, de todo o conjunto de um trabalho de ensino,


ou re-ensino, já que se trabalha com pessoal “em serviço”.
É preciso elaborar, adequar o conteúdo à clientela, prever e
preparar procedimentos e recursos de ensino e controle. A
participação do grande grupo se faz por meio de releitura dos
dados iniciais à luz do referencial teórico fornecido.
A quinta fase é a que permite o exercício da
incorporação das reflexões e informações que auxiliam a
reverter o quadro que se esboçou nas fases anteriores. É
nesse momento que o grande grupo intensifica a busca de
soluções: re-elaborar suas vivências com os conhecimentos
incorporados. Os integrantes podem, então, gestar projetos,
organizar atividades de ensino e aprendizagem em novas
bases. Projetam mudanças de atitudes e ações. São capazes
de uma nova síntese, na acepção dialética da palavra. É uma
fase cumprida tanto pelo pequeno, quanto pelo grande
grupo. No movimento do processo, ela encerra o ciclo, para
dar lugar a nova sequência, cumprindo as mesmas fases, com
novo foco de atenção.
Tempo e número de encontros para cada fase são
decisões que aos grupos pertencem. É o feeling do trabalho
que as condiciona, bem como o diálogo que determina
sua continuidade ou evolução. É importante acrescentar
que o diálogo, muitas vezes estabelecido por perguntas,
acompanha os diferentes momentos e fases do método e
permite a todos se manifestarem a cada situação posta.
As perguntas se tornam centrais, são desencadeadoras de
procedimentos de pesquisa e de encaminhamentos de ações
junto aos professores.
Cabe, finalmente, destacar que, para que as
aprendizagens profissionais ocorram alguns elementos
e condições essenciais, sistemática e intencionalmente
buscados, precisam estar presentes: consciência e
intencionalidade do processo; dimensão individual e coletiva;
registro intensivo de todas as atividades (escrito, fotográfico,
plástico, em vídeo); produção do conhecimento por todos
os envolvidos; caráter prospectivo; pensar simultaneamente
formação dos professores e gestão das condições de trabalho
e mudanças na escola; possibilidade de trabalhar em grupo
em torno de projetos específicos considerados prioritários.

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

concluindo...
Organizar todo esse trabalho é sempre um grande desafio
que implica várias decisões e atitudes. Muitos de nossos estudos
e pesquisas foram divulgados ao longo desses anos, contendo
resultados em diversas circunstâncias de sua utilização como
geradoras de dados para a pesquisa e relatos do que se obteve
no interior das escolas. (DIAS DA SILVA, 2001; GIOVANNI, 1994,
2003; MONTEIRO,D. C.; GIOVANNI, L. M. e GUARNIERI, M. R.,
1995; MARIN et al. 1985, 2000, 2005; MARIN e GUARNIERI,
2002; MARIN, GIOVANNI e GUARNIERI, 2009) .
Para além desses resultados, que ainda estamos
organizando para divulgação, o grande saldo, nos parece, é
que, a formação continuada de professores, mesmo nas ações
realizadas em serviço, ainda constitui enorme desafio, pela
sua dificuldade, seja com as condições materiais desse mesmo
serviço que sempre constituem limites fortes, seja com as
oscilações das ações políticas a cada governo que se instala. Além
disso, hoje em dia, a formação mais precária dos professores
quase nos leva a dizer que não se trata de dar continuidade à
formação, mas, de fato, formá-los.
A experiência de formação continuada de professores
em espaços coletivos de trabalho na instituição escolar, pode
se tornar situação de aprendizagem significativa para os
profissionais envolvidos e para a instituição, quando responder
a necessidades do grupo e da escola e quando permitir partilha,
(re)leitura de experiências, ambiente de reflexividade, confronto
de processos e resultados (AMIGUINHO et al, 1997). Ou seja,
esse tipo de experiência pode, gradativamente, instaurar
entre os professores o hábito do trabalho coletivo, alterando
o exercício profissional tradicionalmente isolado, rompendo
a conformidade passiva em relação a normas e teorias e
impulsionando o desenvolvimento pessoal e profissional
ao desencadear questionamento e crítica de convicções e
transformação de perspectivas.
Finalmente, aprender a trabalhar em grupo, articulando
esforços em torno de um projeto em comum, constitui mudança
que os próprios professores têm reconhecido como significativa
em seus contextos de trabalho, ao mesmo tempo em que
favorece o processo que os diferentes autores aqui mencionados

30 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

denominam de “institucionalização da cultura de colaboração


na escola”, reconfigurando, ao final, a própria profissionalidade
docente. ⌂

Nota: Este texto foi organizado pelas autoras a partir de muitas discussões
parciais ao longo dos anos por um grupo de colegas constantes que não
podemos de deixar de mencionar, com a certeza de termos sido fieis
em nossos apontamentos: Cilene Ribeiro Sá Leite Chacur, Dirce Charara
Monteiro, Maria Helena Galvão Frem Dias da Silva, Mauro Carlos
Romanatto. A eles agradecemos a convivência em todos esses anos.

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Maria de Fátima Carneiro Ribeiro Pereira

UNIV. DO PORTO - PT

apresentação
A formação de professores é há muito um dos campos
mais prolixos da produção científica em educação, sem que
as suas recomendações e injunções provoquem alterações
rápidas e evidentes na prática dos professores e na vida das
escolas. Neste contexto, a formação de professores, tal como
dizia Jennifer Nias (1987) sobre a mudança em educação,
corre o risco de se tornar um truísmo. Se parte desta situação
se deve ao carácter inevitavelmente lento da mudança real
em educação, dado o seu carácter inevitavelmente colectivo,
sistémico, histórico e projectual, é também certo que os cursos
e as acções de formação muitas vezes se multiplicam sem que se
discuta a especificidade da profissão docente e do que implica
ser professor, sem que sejam explicitados e justificados os
objectivos e métodos da formação e sem que os seus efeitos e
respectivas variáveis sejam apreciados. Sobretudo, numa época
em que tanto se continua a falar de identidade profissional dos
professores, poucas vezes as análises sobre a formação levam

34 junqueira&marin editores
em conta os enredos de que ela se tece para melhor ler as suas
peripécias.
Neste texto, é nosso objectivo enquadrar, apresentar
e discutir alguns resultados de um projecto de pesquisa –
Avaliação dos Efeitos da Formação (AEF) - cujo objectivo central
consistiu em apreciar os efeitos da formação contínua de
professores em Portugal, desde o ano da sua implementação
(1992) até 20071.
Os resultados em foco neste texto dizem respeito
à opinião de professores, recolhida por questionário
organizado em função dos Termos de Referência para a
avaliação do sistema de formação contínua de professores.
Esses Termos de Referência foram elaborados, em 1999,
pelo Conselho Científico Pedagógico da Formação
Contínua de Professores (CCPFC), órgão com as funções
de acreditar as entidades formadoras e as acções de
formação e que, ao longo do período de formação em
análise, no âmbito das suas funções, produziu diversas
orientações para o desenvolvimento da formação
contínua em Portugal.
O conceito de construção de identidades profissionais
docentes (CIPD), que temos vindo a desenvolver a partir do
conceito de construção de identidades sociais e profissionais
de Claude Dubar (1997, 2002) e de investigação empírica
realizada junto dos professores (LOPES, 2001, 2008 a e b,
e 2009; PEREIRA, 2001 e 2010), servir-nos-á de grelha de
análise.
Começaremos por enquadrar os dados a serem
apresentados, referindo-nos às características mais relevantes
do Sistema de Formação Contínua de Professores (SFCP) em

1. O projecto foi financiado pelo Ministério da Educação e desenvolvido de 2008


a 2009, com base em protocolo estabelecido entre o Conselho Científico-
Pedagógico da Formação Contínua (CCPFC) e o Centro de Investigação e
Intervenção Educativas (CIIE) da Faculdade de Psicologia e de Ciências da
Educação da Universidade do Porto.

junqueira&marin editores 35
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

que os professores respondentes se formaram e a algumas


dimensões-chave do referencial que inspirou conceptualmente
os debates sobre ela ao longo do seu desenvolvimento. Faremos,
então, uma apresentação breve das principais dimensões do
conceito de CIPD. Depois de expormos sumariamente sobre
o meio de recolha de dados, passaremos à apresentação
dos resultados. Terminaremos com uma discussão sobre as
tendências centrais expressas nos resultados evidenciando
como as identidades dos professores influenciam os efeitos
formativos.

1. o sistema de formação contínua


de professores em portugal

Uma vez institucionalizada, a formação contínua de


professores constituiu-se num direito e num dever para os
professores e condição necessária para a sua progressão na
carreira profissional. A legislação que regulamentou essa
institucionalização estabeleceu como objectivos fundamentais
da formação contínua “a melhoria da qualidade do ensino, o
aperfeiçoamento da competência profissional e pedagógica
dos docentes, o incentivo à autoformação, à prática de
investigação e à inovação educacional, e a viabilização da
reconversão profissional” (SANTOS, 2009, p. 15). A par da
definição das modalidades e das áreas de formação que se
deveriam contemplar na organização da formação, criaram-se
os Centros de Formação de Associação de Escolas (CFAE) que
tinham por missão gerir a formação contínua de professores de
modo articulado com os projectos educativos das escolas e as
necessidades de formação dos professores.
A criação dos CFAE insere-se no âmbito das políticas
de formação contínua de professores dos anos 1990 e, mais
especificamente, na institucionalização desta formação através
do Decreto-Lei nº 249/92 de 9 de Novembro que define o
Regime Jurídico da Formação Contínua de Professores (RJFCP)
e que consagra a constituição destes centros, atribuindo-lhes
uma organização e mandatos socioeducativos específicos. O
RJFCP institucionalizou, também, outras entidades formadoras
como os Centros de Formação de Associações de Professores,

36 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

as instituições de ensino superior e os serviços de administração


central e regional. No entanto, os CFAE constituem as entidades
hegemónicas no desenvolvimento da formação contínua de
professores (com um volume de formação superior a 70%) e, por
isso, a análise das suas políticas e práticas de formação contínua
é fundamental para a compreensão do desenvolvimento do
SFCP em Portugal. Os dados a serem apresentados neste texto
referem-se à formação frequentada em CFAE e ao lugar que os
professores lhes reconhecem na sua formação.
Ao longo do desenvolvimento do SFCP introduziram-se
algumas mudanças de modo a agilizar o sistema e a torná-lo
mais adequado às políticas educacionais e aos mandatos sociais
que se fizeram sentir sobre a escola e o trabalho dos professores.
Essas mudanças relacionaram-se também com a evolução
do campo conceptual da formação contínua, mas sobretudo
estiveram dependentes das políticas de financiamento da
educação contínua no país e na Europa. Actualmente, o SFCP
prevê a possibilidade de desenvolvimento da formação nas
modalidades de: curso/módulo de formação, projecto, estágio,
círculo de estudos, seminário, disciplinas singulares do ensino
superior e oficina de formação.

2. os referenciais conceptuais da formação


Em Portugal, a implementação e o desenvolvimento,
sobretudo na década de 1990, do SFCP, coincidiu com a
implantação e florescimento da formação e da investigação
em ciências da educação, a qual, por sua vez, foi fortemente
influenciada e enriquecida pelas transformações nos
fundamentos epistemológicos das ciências sociais e humanas
a ocorrerem por todo o mundo. A formação contínua de
professores emergiu, nesse contexto, como um dos campos
mais investidos nos estudos e reflexões, a partir dos quais é
possível explicitar um conjunto de referenciais conceptuais que
configuraram discursos e justificações públicas sobre as políticas
e as práticas de formação contínua.
Uma das concepções mais mobilizadas na análise da
formação contínua refere-se à possibilidade de através da
formação se produzirem sinergias provocadoras de mudanças
educacionais gerais. A esse propósito Amiguinho e Canário

junqueira&marin editores 37
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

(1994), numa obra que pretendeu contribuir para o debate e a


reflexão científicos sobre os CFAE, referiam como problemática
subjacente a esse debate a “articulação entre processos
formativos e produção instituinte de mudanças, nas escolas” (p.
10), realçando a crítica à racionalidade técnica e a valorização
da formação articulada com os contextos de trabalho, capaz
de “fazer emergir novos saberes profissionais” (ibid.). Ficava
desde logo claro que o que se desejava e procurava era uma
mudança da qualidade do sistema de educação e não apenas
a formação individual dos professores. Quando destes se
tratava, pretendia-se ir para além da formação em sentido
estrito, defendendo-se que a formação se devia basear em
processos que contribuíssem “para um processo de (re)
construção da profissionalidade docente que [contrariasse]
a sua crescente «funcionarização»” (CANÁRIO, 1994, p. 17).
Conceitos como o de «formação centrada na escola» (cf. ibid.;
NÓVOA, 1991), de «profissional reflexivo» (cf. SCHÖN, 1983;
ZEICHNER, 1993) e «professor investigador» (cf. STENHOUSE,
1993) iriam emergir de forma recorrente na análise crítica aos
processos de formação contínua de professores, sobretudo
na segunda metade da década de 1990.
Quando se tratava dos contextos de trabalho,
introduzia-se uma dimensão organizacional no debate,
salientando-se a importância de a formação contínua
“[remeter] para o estabelecimento de ensino, enquanto lugar
de produção colectiva da profissão docente [assim como para]
uma dimensão territorial articulada com a constituição de
«redes» de escolas, correspondentes a «redes» de formação,
que [equacionasse] um processo de «relocalização» (NÓVOA,
1992) das práticas docentes” (CANÁRIO, 1994, p. 18). É
neste sentido que Barroso e Canário (1999) justificam
a pertinência de uma concepção sobre os CFAE que os
identifica como dispositivos de apoio às escolas, “no sentido
de as ajudar a pensar e a melhorar o seu funcionamento”
(p. 14), por referência a três eixos de análise: a dimensão
da gestão; a dimensão da mudança; e a dimensão da
formação. Assinalando uma tendência a nível europeu para
se considerar o estabelecimento de ensino como o centro
da acção educativa, Barroso e Canário (ibid.) advogam o
desenvolvimento de modalidades de formação «centradas na

38 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

escola» e desenvolvem uma argumentação que conceptualiza


a formação contínua como socialização profissional
docente: a formação “enquanto processo organizado e
intencional, corresponde a um aspecto particular e parcelar
de um processo contínuo e multiforme de socialização que
coincide com a trajectória profissional de cada um” (LESNE
& MYNVIELLE, 1990, cit. in ibid., p. 156). Na linha de Liston
e Zeichner (1991) quando advogam a necessidade de se
pensar as relações entre a formação contínua de professores
e as condições de realização do trabalho docente, os autores
continuam dizendo que a produção (transformação) das
práticas profissionais deverá estar implicada nos processos
de socialização profissional que se vivem nos contextos de
trabalho nos quais “coincidem, no espaço e no tempo, uma
dinâmica formativa e um processo de construção identitária”
(ibid., p. 157).
No estudo temático sobre a formação de professores
realizado por Correia, Caramelo e Vaz (1997), destacando-
se a permeabilização da formação de professores aos
contextos sociopolíticos da escolarização - designadamente
às transformações dos dispositivos de gestão dos sistemas
educativos e às articulações entre as diversas entidades
educativas de decisão - advoga-se que os sistemas
de formação não podem ser analisados apenas como
instâncias de socialização profissional, mas devem também
ser considerados como “espaços sociais de formação da
própria profissão” (ibid.). Por essa razão, a formação não
pode organizar-se segundo uma racionalidade cognitivo-
instrumental que apenas a equacione numa relação com
os saberes e as competências individuais, mas tem que
integrar uma dimensão sócio-relacional que contribua para
a produção de lógicas institucionais criadoras de novas redes
profissionais e de novos colectivos do exercício do trabalho
docente (ibid.). O estudo enfatiza, por isso, as dimensões
relacionais e institucionais da formação, interrogando
a formação contínua quanto ao seu contributo “para a
produção social de actores educativos que transcendem a
individualidade dos docentes (a escola, o projecto educativo,
o partenariado educativo, etc.) e para o desenvolvimento de
práticas de gestão e decisão educativas (…) (nomeadamente

junqueira&marin editores 39
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

as práticas de decisão que se apoiam numa reterritorialização


dos Sistemas Educativos)” (ibid., p. 10).

3. a construção de identidades
profissionais docentes - cipd

Construído teoricamente a partir da teoria sociológica


da construção de identidades sociais e profissionais de Claude
Dubar (1997, 2002), em articulação com teorias da identidade
no contexto da Ego Psychology e da Psicologia Social inspiradas
no interaccionismo simbólico, e empiricamente através de
projectos de investigação-acção-formação (ver RIBEIRO et
al. 1997, LOPES & RIBEIRO 2000a; LOPES & RIBEIRO, 2000b,
LOPES, 2001 e PEREIRA, 2001) e de pesquisas de tipo biográfico-
narrativo (LOPES, 2008a e b; LOPES, 2009, PEREIRA, 2010), o
conceito de CIFD diz respeito a uma estrutura, a uma dinâmica
e a um conteúdo.
Estruturalmente, considera-se a identidade docente
uma identidade individual e uma identidade colectiva; a
identidade profissional é uma das identidades sociais da
pessoa onde convergem emoções e interpretações pessoais
e representações e interpretações colectivas; se do ponto de
vista individual a identidade profissional é inseparável quer
das outras identidades sociais da pessoa, quer da identidade
pessoal, do ponto de vista colectivo a identidade profissional
diz respeito quer às representações sociais partilhadas sobre a
profissão (podem existir várias nos professores de uma mesma
escola), quer à acção colectiva que corresponde à concatenação
de acções na base de uma interpretação partilhada sobre a
situação.
Os conteúdos da identidade docente dão significado social
e educativo às perspectivas, representações e interpretações
referidas e dizem respeito sobretudo às duas dimensões
centrais do processo de profissionalização da actividade docente
identificadas por Nóvoa (1987): a dimensão do conhecimento e
das técnicas e a dimensão das normas e dos valores.
Do ponto de vista dinâmico, a identidade docente é
um processo de comunicação (de socialização), implícito ou
explícito, que tem por núcleo uma dupla transacção identitária,

40 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

a que pode/deve juntar-se um processo de negociação; a


transacção é dupla porque congrega a transacção biográfica
- do indivíduo consigo mesmo, entre o que foi e tem sido
e o que quer ser - e a transacção relacional - entre o que o
indivíduo quer ser e as condições/possibilidades que lhe são
oferecidas nos contextos que habita. É nesta dupla transacção
que se desenvolvem estratégias identitárias. Se os contextos
são suficientemente fortes para impor ou propor uma
identidade diferente, os indivíduos desenvolvem estratégias
de acomodação às identidades propostas; caso contrário, os
indivíduos assimilam as identidades propostas às identidades
que reivindicam para si.
Esta dinâmica - que tem uma componente diacrónica ou
histórica e uma componente sincrónica ou relacional, quer para
os indivíduos, quer para os grupos, quer para as instituições -
desenvolve-se com base nos conteúdos possíveis tendo em
conta a estrutura identitária que referimos, de que se destaca
o facto de a identidade docente ser estruturalmente uma
identidade simultaneamente individual e colectiva.
Sendo os contextos sociais e culturais actuais
diversos, a identidade colectiva expressa-se através de
formas identitárias (DUBAR, 1992) que reúnem indivíduos
com trajectórias e perspectivas semelhantes ainda que
diferentes na sua individualidade.

4. recolha e análise da opinião dos


professores sobre a formação que
frequentaram

O questionário aos professores/formandos pretendia,


em consonância com os termos de referência para a
avaliação do SFCP no que respeita aos formandos (CCPFC,
1999), obter informação sobre: i) as características dos
sujeitos respondentes; ii) as acções de formação contínua
frequentadas; iii) as razões da escolha de formação
contínua; iv) a importância de outros critérios na escolha da
formação contínua; v) a apreciação da formação contínua
disponibilizada pelo Centro de Formação; vi) a satisfação
com a formação contínua realizada; vii) as fragilidades

junqueira&marin editores 41
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

encontradas na frequência das acções de formação


contínua; viii) mudanças ocorridas na prática profissional
resultantes da formação contínua frequentada; ix) as
mudanças ocorridas na vida das escolas, resultantes da
formação contínua frequentada; x) a apreciação do trabalho
desenvolvido pelo CFAE; xi) os desafios que se colocam
à formação contínua de professores; e xii) o impacto da
formação contínua no desenvolvimento profissional.
O questionário era de tipo semi-aberto. Às
questões fechadas de escolha exclusiva ou múltipla,
foram acrescentadas, para alguns assuntos, escalas de
variação de importância com cinco níveis. Nas questões
abertas solicitava-se aos professores que seleccionassem
uma acção frequentada até ao presente que, em sua
opinião, tivesse contribuído decisivamente para o seu
desenvolvimento profissional. Foram analisados 967
questionários, dos quais 547 incluíam respostas às
questões abertas. Na análise, recorreu-se a ferramentas
informáticas de tratamento de dados distintas, tendo sido
usado o SPSS para os dados quantitativos e o NVivo, versão
8, para os dados qualitativos.

5. a opinião dos professores


De entre os diversos resultados a apresentar,
seleccionámos aqueles que informam sobre expectativas em
relação à formação, o seu modo de concretização e sobre
os efeitos percebidos nas práticas individuais e no colectivo
escolar. Estes resultados serão apresentados na sua relação
com variáveis de inserção dos professores, tais como o nível
de ensino em que leccionam, a área de formação de base ou
outras, que se manifestaram significativas.

5.1. características dos professores


respondentes e formação frequentada

Os questionários analisados foram respondidos por


professores de todas as regiões de Portugal Continental e de
todos os níveis de ensino: 94 educadores de infância; 273 do 1º

42 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Ciclo do Ensino Básico (CEB) - do 1º ao 4º ano do ensino básico;


93 são do 2º CEB – do 5º ao 6º ano do ensino básico); 30 são
do 2º e do 3º CEB (do 7º ao 9º ano do ensino básico); 96 são
3º CEB; 122 são do 3º CEB e Secundário (10º, 11º e 12º ano
do ensino secundário); e 117 são do Ensino Secundário; 32 não
mencionaram o nível de ensino em que leccionam.
A média de idades dos respondentes situa-se nos 42,79
anos (desvio padrão: 8,43). Os educadores de infância possuem
a média de idades mais elevada (45,41) e os professores do 2º
e do 3º CEB possuem a média de idades mais baixa (39,50).
O sexo feminino domina a amostra, com um valor percentual
de 76,4, muito próximo do da população docente de Portugal
Continental em 2007/2008 (76,6%) (cf. GEPE, 2009).
No que diz respeito à formação de base destaca-se
a formação em Ciências da Educação – área em que foram
agrupados os respondentes com licenciaturas em Ciências da
Educação, os educadores de infância e os professores do 1º CEB
–, a que se seguem, por ordem de frequência, os respondentes
com formação de base em Ciências Exactas, Línguas e Literaturas,
e Ciências Humanas. Os “professores de turma” - usamos aqui a
terminologia Campos (1995) para nos referirmos aos educadores
de infância e professores do 1º CEB - realizaram a sua formação
sobretudo em instituições do ensino superior politécnico e os
“professores de disciplina” (Ciências Humanas, Ciências Exactas
e Educação Física) realizaram-na sobretudo em universidades
públicas.
Os respondentes frequentaram, entre 1993 e 2008, no total,
5.441 acções de formação. A modalidade de Curso de Formação –
a modalidade mais próxima de uma visão tradicional da formação
- predomina claramente ao longo de todo o período em análise,
sendo seguida pela de Oficina de Formação. O percurso da amostra
no que respeita às modalidades de formação frequentada ao
longo do período em análise é paralelo ao da população docente
portuguesa em geral: a modalidade curso é sempre dominante
embora sofra um decréscimo entre 1999 e 2002; a Oficina de
Formação adquire uma maior incidência entre 2004 e 2007. As
áreas de formação predominantes das acções frequentadas
são, primeiro, as Ciências da Especialidade (Matemática, Língua
Portuguesa, etc.), depois, a Prática de Investigação Pedagógica e
Didáctica, e, finalmente, a área das Ciências da Educação.

junqueira&marin editores 43
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

5.2. missão da formação contínua:


o desenvolvimento profissional do professor
Quando inquiridos sobre os desafios que se colocam à
formação contínua, as respostas dos professores expressam
as suas percepções sobre a missão da formação. As
possibilidades que lhes foram apresentadas encontram-se no
Quadro 1:

Quadro 1. Itens relativos aos desafios que se colocam à formação contínua


1. Manter/ estimular a proximidade às escolas e às necessidades de
formação detectadas
2. Promover, de facto, o desenvolvimento profissional dos
professores
3. Legitimar a progressão na carreira profissional
4. Adequar-se às exigências de promoção do sucesso educativo dos
alunos
5. Constituir-se um pólo dinamizador da comunidade educativa e
produtor do desenvolvimento social local

Se nos itens 3 (Legitimar a progressão na carreira


profissional) e 5 (Constituir-se num pólo dinamizador da
comunidade educativa e produtor do desenvolvimento social
local) é elevado o grau de dispersão das respostas, o item
2 (Promover, de facto, o desenvolvimento profissional dos
professores) reúne grande consenso e adesão.
Percebe-se, portanto, que, para os professores
respondentes, a formação deve preferencialmente
focalizar o desenvolvimento profissional, o qual não se
relaciona obrigatoriamente com a carreira profissional
e com a intervenção na escola ou na comunidade
educativa.
Esta representação da missão da formação contínua
ligada ao desenvolvimento profissional individual e, portanto,
sem relação obrigatória com a intervenção na escola e/ou
na comunidade educativa parece estar na base das razões,
concretizações e apreciações da formação contínua por parte
dos professores respondentes.

44 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

5.3. razões para frequentar a formação contínua


O que levou os professores a procurar formação? No
Quadro 2 apresentam-se as possibilidades de resposta dadas
aos professores através do questionário.

Quadro 2. Itens relativos às razões da escolha da formação


1. Melhorar a minha intervenção a nível da escola onde lecciono
2. Melhorar o meu trabalho com os alunos a nível da sala de aula
3. Colmatar lacunas da minha formação inicial
4. Aprofundar a minha formação na minha área de docência
5. Actualizar-me pedagogicamente
6. Progredir na carreira (obter créditos)
7. Intensificar relações profissionais com os colegas
8. Participar num projecto a desenvolver em contexto escolar
9. Preparar-me para outras funções educativas não docentes
10. Procurar apoio e “saber fazer”, necessários à inovação em contexto
escolar
11. Fazer currículo profissional

Os resultados globais indicam que os professores frequentaram


formação sobretudo com vista a actualizarem a sua formação inicial
e pedagógica e a intervir na escola. Mas as respostas dos professores
variam significativamente em função do nível de ensino e da formação
de base. No que concerne o nível de ensino, verifica-se que a
actualização da formação inicial e pedagógica, a intervenção na escola
e a intensificação das relações com os colegas foram as principais razões
que levaram os professores do 1º CEB e os educadores de infância a
frequentar formação, razões em que se diferenciam significativamente
dos professores do 2º CEB, do 3º CEB e do 3º CEB e Secundário.
No que concerne a formação de base, verifica-se que os
professores com formação de base em Ciências da Educação (na
maioria, educadores de infância e professores do 1º CEB) frequentaram
formação sobretudo por razões ligadas à actualização pedagógica, à
intervenção na escola e às relações com os colegas. Para os professores
com formação de base em Ciências Exactas e Educação Física estas
razões foram significativamente menos importantes.

junqueira&marin editores 45
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Em resumo, se os professores respondentes não se diferenciam


de forma significativa e relevante no que diz respeito à missão da
formação contínua, o mesmo já acontece quando se indaga sobre
as razões para frequentar a formação, nas quais se identificam dois
grupos: um constituído sobretudo pelos “professores de turma” – que
valoriza a actualização da formação inicial e pedagógica, a melhoria da
intervenção na escola e a intensificação da relação com os colegas – e
o dos “professores de disciplina” – que valoriza menos essas mesmas
razões.

5.4. características das acções


frequentadas consideradas relevantes

A análise de conteúdo das respostas dos sujeitos sobre a acção


frequentada considerada mais relevante deu origem a um sistema de
codificação composto por três dimensões: “temática ou conteúdo”
da acção (623 ocorrências); “efeitos da formação” (502 ocorrências);
e “aspectos metodológicos e relacionais” (114 ocorrências).
De forma convergente com os resultados relativos às
características das acções frequentadas, é superior o número
de ocorrências relativas à formação relevante por razões ligadas
à temática/conteúdo da acção. Nessa dimensão, “temática ou
conteúdo”, encontram-se as seguintes categorias: “centrada na
organização escolar”; “centrada nas disciplinas”; “centrada nas
questões curriculares e pedagógicas”; “centrada no desenvolvimento
de competências dos alunos”; centrada nos processos”; e “centrada
nas tecnologias da informação e comunicação”.
O número de acções realizadas em áreas temáticas disciplinares
é bastante superior aos das demais áreas, o que concorda com o
facto de estes professores terem frequentado maioritariamente
acções das Ciências da Especialidade. Entretanto, constata-se que,
depois dessas, são as acções centradas na área de Tecnologias da
Informação e da Comunicação as consideradas mais relevantes.
Depois das razões relativas ao “conteúdo/temática”, a acção
referida como “a melhor” situa-se preferencialmente ao nível do
“impacto da formação” (com um total de 502 ocorrências), onde se
identificam três categorias: “impacto nas práticas profissionais” (280
ocorrências); “impacto nos alunos e na escola” (125 ocorrências);
“impacto nos conhecimentos do professor” (97 ocorrências). Um

46 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

primeiro grupo de argumentos aduzidos pelos respondentes para


justificar a relevância da acção diz respeito aos efeitos daquela
nas práticas profissionais, quer se tenham circunscrito a uma
aplicabilidade imediata, quer tenham conseguido produzir uma
ruptura entre modos de fazer antigos e novos. Entre estas duas
situações extremadas, alguns professores valorizaram apenas a
produção de materiais e outros a oportunidade de reflexão sobre o
que faziam antes. Um segundo grupo de argumentos, “efeitos nos
alunos e na escola”, valoriza a acção em virtude da sua relevância para
os alunos com que o professor se relacionava na altura da formação
ou, em menor número, pela possibilidade concretizada de melhorar
as aprendizagens dos alunos. Para 21 dos respondentes a acção é
relevante por ter melhorado a aprendizagem dos alunos. Finalmente,
22 professores consideraram que outras tantas acções de formação
tiveram um efeito decisivo no desenvolvimento de projectos na
escola. Um terceiro nível refere-se à profissionalidade em geral do
professor, que através da acção de formação melhora sobretudo o
seu “conhecimento de conteúdo” (SHULMAN, 1986), mas também
a sua postura profissional em geral, ao mesmo tempo que colmata
lacunas da formação de base.
Nas características das acções consideradas relevantes devido
a aspectos relacionais e de metodologia, a dimensão do outro, como
oportunidade de partilha da circunstância formativa, marca uma
presença forte. As questões de método também são importantes,
bem como a opção pela dimensão mais prática (menos teórica), que
pode ser lida no mesmo sentido.
Em resumo e em termos de construção idealtípica, uma
acção relevante, do ponto de vista dos professores respondentes, é
uma acção que melhora os conhecimentos científicos do professor
e lhe permite agir na sala de aula em conformidade, seja aplicando
materiais ou estratégias resultantes da formação, seja mudando as
suas práticas lectivas; é ainda uma acção que permite a partilha de
experiências profissionais com pares e que está adequada ao nível
dos alunos com que se trabalha.

5.5. mudanças nas práticas profissionais


e na vida das escolas
Dos resultados até agora apresentados, podemos afirmar que
os professores procuram formação para melhorar as suas práticas

junqueira&marin editores 47
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

profissionais lectivas, preferindo as acções ligadas ao conhecimento


de conteúdo ou à aquisição de estratégias e instrumentos a utilizar
nas aulas, nomeadamente ligados às tecnologias da informação e
da comunicação. Que relação existirá entre a formação preferida,
frequentada e/ou relevante e a opinião dos professores sobre os
efeitos da formação na mudança das suas práticas e na vida das
escolas?
As secções do questionário aos professores relativas à
mudança das práticas profissionais e à mudança da vida das escolas
eram constituídas por itens semelhantes, ainda que num caso eles se
referissem ao professor e no outro à vida das escolas (Quadros 3 e 4).
Quadro 3. Itens relativos a mudanças nas práticas profissionais individuais
1. Intervenho de forma mais consistente na vida da minha escola/
agrupamento
2. Organizo melhor as tarefas curriculares que proponho aos meus
alunos
3. Tenho uma visão diferente do meu papel de professor/a
4. Possuo competências de reflexividade que antes não mobilizava
5. Dinamizo estratégias pedagógicas diversas com mais facilidade
6. Realizo mais trabalho colaborativo com os meus pares
7. Promovo e/ou dinamizo mais projectos relevantes para a escola
8. Promovo mais trabalho interdisciplinar
9. Uso as TIC com proficiência em sala de aula ou para promover a
aprendizagem dos meus alunos

Quadro 4. Itens relativos a mudanças ocorridas na vida das escolas


1. Melhorias na intervenção dos professores na vida da escola/
agrupamento
2. Melhorias nas tarefas curriculares que são propostas aos alunos
3. Os professores reconhecem outras visões sobre os saberes
escolares
4. Os professores adquiriram competências de reflexividade que
antes não mobilizavam
5. Melhorias na relação entre docentes de diferentes níveis de ensino
6. Mais trabalho colaborativo entre os professores

48 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

7. Maior relevância e cuidado na dinamização de projectos na


escola/agrupamento
8. Mais trabalho interdisciplinar na escola/agrupamento
9. Utilização das TIC com mais proficiência em sala de aula ou para
promover a aprendizagem dos alunos

O estudo da correlação (r de Pearson) entre as respostas


aos itens da categoria “mudanças na prática profissional” e as
respostas aos itens da categoria “mudança na vida das escolas”
revelou a existência de uma correlação positiva e elevada
– 0.99 –, à excepção das respostas ao item 5. No entanto, os
itens relativos à vida das escolas recebem valores inferiores
aos relativos à mudança das práticas profissionais - metade dos
professores atribui o valor três, ou inferior a três, à maioria dos
itens, o que revela que os professores reconhecem menos a
existência de mudanças ao nível da vida das escolas.
As Tecnologias da Informação e da Comunicação ocupam
um lugar de destaque no que diz respeito ao reconhecimento
pelos professores de mudanças simultaneamente ao nível
pessoal e da vida das escolas provocadas pela frequência de
formação contínua.

5.5.1. mudanças nas práticas profissionais


No que concerne a distribuição das respostas aos itens
relativos às mudanças nas práticas profissionais, observa-se
que os níveis de maior concordância se situam nos itens: 2.
Organizo melhor as tarefas curriculares que proponho aos
meus alunos; 5. Dinamizo estratégias pedagógicas diversas
com mais facilidade; e 9. Uso as TIC com proficiência em sala
de aula ou para promover a aprendizagem dos meus alunos.
Estes três itens referem-se a mudanças no trabalho que cada
professor realiza na sua sala de aula, nomeadamente ao nível
da gestão do ensino na turma. As mudanças que implicam um
trabalho colectivo são as menos registadas: 1. Intervenho de
forma mais consistente na vida da minha escola/agrupamento;
6. Realizo mais trabalho colaborativo com os meus pares; 7.
Promovo e/ou dinamizo mais projectos relevantes para a
escola; e 8. Promovo mais trabalho interdisciplinar.

junqueira&marin editores 49
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Existem diferenças significativas nas respostas dos


professores em função do nível de ensino e da formação de
base: são os professores do 1º CEB os que mais reportam
mudanças provocadas pela formação contínua, diferenciando-
se, a esse respeito, significativamente, dos restantes
professores. Os professores de Ciências Exactas e de Educação
Física reconhecem menos mudanças provocadas pela
formação contínua, no que se distinguem significativamente
do conjunto de professores com formação de base em Ciências
da Educação, em Ciências Humanas, em Línguas e Literaturas,
e em Artes.

5.5.2. mudanças na vida das escolas


As diferenças entre as respostas a estes itens e as
respostas aos itens que lhes correspondem no grupo de
questões sobre a mudança das práticas profissionais são
significativas nos seguintes casos: 1. Melhorias na intervenção
dos professores na vida da escola/agrupamento; 2. Melhorias
nas tarefas curriculares que são propostas aos alunos; 5.
Melhorias na relação entre docentes de diferentes níveis de
ensino; 6. Mais trabalho colaborativo entre os professores;
8. Mais trabalho interdisciplinar na escola/agrupamento; e 9.
Utilização das TIC com mais proficiência em sala de aula ou
para promover a aprendizagem dos alunos.
Encontram-se aqui, também, diferenças nas respostas
dos professores em função do nível de ensino a que
pertencem e da sua formação de base. No que respeita
ao nível de ensino, agora, é o conjunto dos educadores de
infância, professores do 1º CEB e do 2º CEB que se diferencia
significativamente (reportando mais a existência de
mudanças na vida das escolas) do conjunto dos professores
do 3º CEB e do Secundário. No que concerne a formação de
base, os professores da área de Ciências Humanas e com
formação Tecnológica incluem-se agora também no conjunto
dos professores das Ciências Exactas e da Educação Física,
conjunto que valoriza significativamente menos as mudanças
na vida das escolas provocadas pela formação contínua do
que os professores com formação em Ciências da Educação,
em Línguas e Literaturas, e em Artes.

50 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Enfim, os “professores de turma” (variáveis nível de


ensino e formação de base) valorizam significativamente mais
que os “professores de disciplina” as mudanças ocorridas na
vida das escolas.

5.6. satisfação e aspectos positivos


da formação contínua

De forma concordante com a percepção sobre a missão


que os professores reconhecem à formação contínua, as razões
por que frequentaram formação, o tipo de formação frequentada
e as características das acções que consideram mais relevantes,
as percepções dos professores sobre as mudanças provocadas
pela formação contínua incidem nas práticas profissionais
individuais que dizem respeito ao trabalho que cada professor
realiza na sua sala de aula, nomeadamente ao nível da gestão
do ensino na turma – à excepção das mudanças provocadas pela
frequência de acções em TIC, que os professores reconhecem
terem tido efeitos individuais e colectivos.
O balanço que os professores fazem da formação que
frequentaram é mais positivo (212 referências) que negativo
(116 referências), devido ao desenvolvimento profissional
conseguido, visto, a maior parte das vezes, como resposta
a projectos e interesses individuais dos professores. Esta
perspectiva sobre o desenvolvimento profissional parece
também estar subjacente às respostas dos professores quando
inquiridos sobre o seu grau de satisfação com a formação
contínua frequentada. As possibilidades de resposta estão
patentes no Quadro 5.

Quadro 5. Itens relativos à satisfação com a formação contínua realizada


1. Melhorei a minha intervenção a nível da escola onde lecciono
2. Melhorei o meu trabalho com os alunos a nível da sala de aula
3. Colmatei lacunas da minha formação inicial
4. Aprofundei a minha formação na minha área de docência
5. Actualizei-me pedagogicamente
6. Intensifiquei relações profissionais com os colegas

junqueira&marin editores 51
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

7. Adquiri competência para participar em projectos a desenvolver


em contexto escolar
8. Fiquei preparado(a) para desempenhar outras funções educativas
não docentes
9. Adquiri apoio e “saber fazer”, necessários à inovação em contexto
escolar

Melhorar o trabalho com os alunos ao nível da sala de


aula (item 2) é a principal característica da formação com
impacto na satisfação. Já a preparação, através da formação
contínua, para desempenhar outras funções educativas não
docentes não parece relevante em termos de satisfação.
A análise factorial por componentes permitiu identificar
duas categorias de resposta: a relacionada com a aquisição
de capacidades individuais – que explica 38% da variância e é
constituída pelos itens 1, 2, 3, 4 e 5 – e a que correspondem
valores mais elevados de satisfação; e a relacionada com
o trabalho colectivo – que explica 27% da variância e é
identificada pelos itens 6, 7, 8 e 9.
Em todos os itens das duas categorias há diferenças
significativas entre os professores com formação de base em
Ciências da Educação e os com formação de base em Ciências
Exactas, com os primeiros a valorizarem mais todos os itens.
No que se refere ao nível de ensino, encontramos diferenças
significativas em todos os itens de satisfação das duas
categorias entre os professores do 1º CEB e os professores do
2º e 3º CEB e Secundário, sendo que são os professores do 1º
CEB que se declaram mais satisfeitos.
Enfim, a satisfação parece estar directamente associada
à missão que os professores consideram ser a da formação
contínua de professores. Ela está mais ligada a aspectos do
desempenho individual que colectivo e são os professores com
formação de base em Ciências da Educação e do 1º CEB que se
manifestam mais satisfeitos.

discussão e conclusão
Nesta discussão não nos interessa tanto saber se a
formação atingiu os seus objectivos (essa discussão é feita

52 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

em Lopes et al., no prelo), mas sobretudo, à luz do conceito


de construção de identidades profissionais docentes, apreciar
como as inserções dos professores configuram os efeitos
formativos que efectivamente viveram ou que percepcionam.
Os resultados que apresentámos espelham uma
identidade dos professores em geral e formas identitárias.
Nesta análise diferenciaremos, por isso, entre tendências
gerais dos resultados – expressivos das percepções dos
professores em geral – e tendências variáveis em função
de inserções e especificidades de grupos de professores
respondentes.
Vistos no seu conjunto, os resultados indicam que
predomina nos professores uma visão do desenvolvimento
profissional de tipo individual, de que estão genericamente
ausentes preocupações ou visões associadas às condições
colectivas do desenvolvimento profissional dos professores e
da profissão que, como vimos, inspiraram grande parte dos
estudos e reflexões da comunidade científica ao longo da
implementação e desenvolvimento do SFCP. Aparentemente,
a força assimiladora das identidades iniciais prevaleceu sobre
a estimulação de acomodação que os referenciais conceptuais
da formação pareciam prometer.
Ainda que individualista, esta perspectiva é genuína,
ou seja, verdadeiramente expressiva de uma identidade
(envolvendo profissionalidades, desejos e necessidades).
A obtenção de créditos para progressão na carreira não é
considerada pelos professores como o principal objectivo da
formação, o que desvaloriza uma das maiores críticas feitas ao
SFCP português desde o início da sua implementação, segundo
a qual a associação da formação à atribuição de créditos para
progressão na carreira, faria correr o risco de se colocar a pura
e simples contabilização de créditos à frente da formação
efectiva e das mudanças individuais e escolares que ela pudesse
provocar.
As perspectivas dos professores parecem, realmente, ser
mais a expressão de identidades reivindicadas, que traduzem
uma concepção própria de bom professor ou de professor eficaz,
dentro das fronteiras que o SFCP lhes oferece, do que produtos de
uma ou outra visão estritamente estratégica ou interesseira ou de
uma visão transformadora da educação. A procura de formação,

junqueira&marin editores 53
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

mesmo que obrigatória, transportou consigo uma vontade de


ser e fazer melhor, dentro de uma concepção que os professores
já possuíam ou que a formação ajudou a configurar, e que agora
serve para a apreciar. Ficaram por realizar, pelo menos na sua
completude, alguns dos desejos que inspiraram o referencial
conceptual da formação: a transformação da educação em geral
através da formação, a aliança entre socialização profissional e
formação e entre formação e fortalecimento da profissionalidade
docente, e ainda a transformação das relações sociais na escola
e da escola. Aparentemente, entre as identidades prometidas
e as identidades de partida faltaram processos de mediação
capazes de fomentar o processo comunicacional necessário à
verdadeira negociação identitária. Faltou também, com certeza,
uma gestão do tempo para os fazer emergir – os ritmos dos
concursos a financiamento não se compadecem com o tempo
exigido pelos processos comunicativos transformadores, como
há muito avisou Habermas (1987).
As razões apontadas pelos professores para frequentarem
formação, onde se destaca a vontade de actualização da
formação inicial, se possibilita pensar-se que predomina nos
professores uma visão carencialista da formação (segundo a
qual a formação serviria para dar aos professores o que eles
não têm e não para, a partir do que eles têm, transformar
as relações sociais na escola e da escola, outro referencial
inspirador da formação identificado no ponto 2), parece ser,
também e sobretudo, a expressão desse carácter genuíno. Com
efeito, a formação contínua em Portugal, surgiu para muitos
professores como uma formação inicial, na medida em que
essa formação era, no início da implementação do SFCP, em
alguns casos inexistente (sobretudo para muitos professores de
turma) e noutros incipiente. Este resultado é por isso, também
e mais uma vez, a expressão de uma identidade reivindicada
que procura fundar o afazer docente num conhecimento que o
sustente.
A vontade de aquisição de um sentimento de eficácia
(que traduz a sua inexistência) no trabalho de sala de aula está
na base das características de uma acção relevante - aquela
que melhora os conhecimentos científicos do professor e lhe
permite agir na sala de aula em conformidade, seja aplicando
materiais ou estratégias resultantes da formação, seja mudando

54 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

as suas práticas lectivas; é ainda uma acção que permite a


partilha de experiências profissionais com pares e que está
adequada ao nível dos alunos com que se trabalha. Aqui está
o centro da acção docente e a principal fonte de bem-estar e
satisfação. A formação que a promove centra-se nos conteúdos
a ensinar, adequados às idades dos alunos, e nas formas da sua
instrumentalização - métodos e procedimentos que permitem
“ensinar bem”. As Tecnologias da Informação e da Comunicação
exemplificam cabalmente essas formas de instrumentalização.
E, como elas transformaram objectivamente a vida das escolas
(nomeadamente através de quadros interactivos), é através
delas que as mudanças provocadas na vida das escolas devido à
formação são reconhecidas.
A identidade dos professores que leu, traduziu e significou
as ofertas de formação aparece assim como uma identidade de
necessidades básicas. Os professores centram-se no que para eles
é nuclear e urgente para darem conta da essência da sua tarefa.
Mas se as tendências gerais dos resultados permitem esta
construção idealtipica as diferenças significativas identificadas,
sobretudo por relação com a formação de base e o nível de
ensino, permitem-nos falar em diferentes tipologias identitárias
correspondentes por sua vez a formas identitárias. Estas variáveis
distinguem no fundo os professores de turma dos professores
de disciplina, sendo os primeiros especialmente representados
pelos professores do 1º CEB e os segundos pelos professores do
3º CEB e secundário e de ciências exactas (como se de dois pólos
se tratasse).
Os professores de turma frequentaram mais que os outros
a formação também por razões ligadas à intervenção na escola
e à relação entre colegas, reportam significativamente mais
mudanças de práticas individuais provocadas pela formação
contínua e estão significativamente mais satisfeitos com a
formação. Os professores de disciplina frequentaram menos
que os outros a formação por razões ligadas à intervenção na
escola e à relação entre colegas, reportam significativamente
menos mudanças de práticas individuais e da vida das escolas
provocadas pela formação contínua e estão significativamente
menos satisfeitos com a formação.
Estes resultados sugerem uma reflexão sobre a
especificidade da identidade dos professores de turma e de

junqueira&marin editores 55
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

disciplina, na qual a realidade portuguesa, na sua actualidade e


na sua história, tem importância interpretativa.
Como demonstram alguns estudos (cf. LOPES, 2004), os
professores de turma e de disciplina possuem fortes diferenças
nas dinâmicas de construção identitária que se prendem com:
os contextos de trabalho (escolas secundárias ou primárias,
no passado que ainda hoje se faz presente); a organização das
suas tarefas (professores de uma disciplina e não generalistas,
que uma relação menos vinculativa com os alunos); a formação
inicial - até meados dos anos 1980, quase inexistente e, depois,
mais centrada nos conteúdos disciplinares (conhecimento
de conteúdo), realizada sobretudo nas universidades e
atraindo pessoas de estratos sociais mais distantes das classes
populares.
Por relação com a própria formação contínua realizada
nos CFAE, interessa salientar que estas características são
efectivamente a expressão de uma identidade que, nos seus
desejos, necessidades e profissionalidades, se posiciona a uma
distância considerável da identidade oferecida pela formação
desenvolvida no âmbito do CFAE.
No seu conjunto, estes resultados lembram que um
sistema de formação de professores não pode ser configurado
independentemente das identidades daqueles que dele podem
aproveitar, pois se confirma que “ninguém educa ninguém,
ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si,
mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 1987, p.13). Para serem
outros os pontos de chegada, as propostas e as condições
formativas devem possuir o poder de reconfigurar esses desejos,
representações e percepções, os quais, nessa reconfiguração,
serão ainda reconhecidos como seus, o que só é possível
através de um processo de negociação entre pedidos e ofertas
de identidade.
Na organização dos sistemas de formação de professores
há que dar atenção à necessária relação entre mudanças
estruturais, instrumentais e objectivas e mudanças subjectivas,
relacionais e identitárias, e ainda à articulação entre mudanças
individuais e mudanças colectivas. Num texto já antigo,
intitulado “Mudança individual e mudança colectiva”, Michel
Crozier (1982) afirmava não só que mudar é aprender a ser
diferente colectivamente, mas também que só se pode mudar

56 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

a partir das capacidades actuais dos actores. Porque as práticas


correntes são a expressão de soluções encontradas para fazer
face a certos problemas com os recursos e as capacidades então
disponibilizáveis, a mudança corresponde a uma transformação
destas práticas colectivas com novos recursos e capacidades e
exige um processo de aprendizagem colectivo.
Articular o passado e o futuro (as capacidades actuais e
as novas), uns e outros, aspectos estruturais e dinâmicos, num
mesmo projecto transformativo consciente são, efectivamente,
condições incontornáveis de um processo de monitorização da
mudança através da formação. ⌂

referências

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junqueira&marin editores 59
ligação escola-universidade:
uma experiência de colaboração
promotora do desenvolvimento
profissional dos professores

Pedro Guilherme Rocha dos Reis


Cláudia Barreiros Macedo de Faria
Cecília Galvão
Ana Sofia Martins Silva Freire dos Santos Raposo
UNIV. DE LISBOA - PT

resumo
Face às características das sociedades actuais, urge
desenvolver currículos de ciências, enfatizando a relevância
do conhecimento para as questões do dia-a-dia e fomentando
a consciência das interacções entre ciência, tecnologia e
sociedade. Tendo em conta este contexto, e a necessidade de
aumentar o interesse dos alunos pelas disciplinas de ciências,
o PARSEL (Popularity and Relevance of Science Education for
Scientific Literacy) teve como principais objectivos desenvolver
um conjunto de materiais curriculares (módulos) relevantes
e populares entre os alunos e facilitar o desenvolvimento
profissional de oito professores. O objectivo do presente artigo
é identificar que factores facilitaram o seu desenvolvimento
profissional. Foram recolhidos dados (através de entrevistas
e documentos escritos) sobre as concepções acerca da
educação em ciências, atitudes em relação ao projecto PARSEL,
expectativas e apreciação global sobre os módulos e o modo
como foram apropriados. Os resultados sugerem como factores

60 junqueira&marin editores
importantes a ligação escola universidade, a possibilidade dos
módulos serem utilizados em classes regulares e o seu grau de
abertura.

PALAVRAS-CHAVE: Educação em ciências; Formação de


professores; Inovação curricular

introdução
A mudança tecnológica acelerada e a globalização do
mercado exigem indivíduos com competências em áreas
diversas, flexibilidade, capacidades de comunicação e a
capacidade de aprendizagem ao longo da vida (GALVÃO, 2004).
Nesse sentido, deverão ser desenvolvidos novos currículos,
que dêem maior ênfase à relevância do conhecimento para as
questões do dia-a-dia e fomentem a consciência das interacções
entre ciência, tecnologia e sociedade, e ser implementadas
estratégias de ensino que promovam um ambiente de
aprendizagem motivador, estimulante e potenciador de uma
maior autonomia, nomeadamente através de actividades
de resolução de problemas e de tomada de decisão (AUTIO,
KAIVOLA E LAVONEN, 2007; OSBORNE e DILLON, 2008; UNESCO-
ICSU, 1999).
No entanto, promover nos alunos o papel de construtores
de ideias e conhecimento, fazer com que os alunos utilizem
também como fontes a realidade envolvente, em vez de se
limitarem ao professor e ao manual escolar, impõe mudanças
profundas na acção docente, no perfil de competências do
professor e nas suas atitudes perante a ciência e o seu ensino
(OSBORNE & DILLON, 2008). De acordo com Galvão e Abrantes
(2005), qualquer mudança de práticas que envolva uma
reformulação na nossa visão acerca da educação tem como
principais obstáculos: (i) a pressão da tradição, i.e. passar de
uma organização em que as decisões e a responsabilidade são

junqueira&marin editores 61
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

assumidas a nível central para uma organização em que as


decisões e a responsabilidade são assumidas a nível local; (ii) a
dificuldade em aceitar um conceito mais lato de competência,
que não seja apenas usado no sentido estrito de comportamento
observável; e (iii) a tensão entre a autonomia e a segurança,
i.e. a maioria dos professores reage negativamente perante
a incerteza, pelo que a criação do seu próprio ambiente de
aprendizagem contextualizado pode ser dificultada, havendo
a tendência para se seguir modelos e iniciativas já vivenciados.
Face à dificuldade de mudança, muitos autores têm
vindo a advogar modelos de formação que apelem ao
envolvimento dos professores nas próprias mudanças, que
assentem na integração da teoria e prática, promovendo
um questionamento e reflexão constantes sobre a prática
profissional, as concepções subjacentes e as novas propostas
(CONNELLY & CLANDININ, 1988; LEANDER & OSBORNE, 2007;
MARTINS ET AL., 2006; REIS, 2004), o que passa pelo seu
envolvimento reflexivo e pela sua apropriação e transformação
do próprio currículo. Segundo Osborne (2003), os professores
têm não só de ser apoiados, como deverão ser envolvidos no
desenvolvimento de novas práticas, novos materiais e novas
estratégias pedagógicas que sirvam de alicerce à consecução
destas novas finalidades preconizadas para a educação.
O que assim se desenha é uma nova visão do professor
como agente de desenvolvimento curricular (CLANDININ &
CONNELLY, 1992; CONNELLY & CLANDININ, 1988; LEANDER
& OSBORNE, 2007; ROLDÃO, 2000). O currículo deixou de
ser entendido como um conjunto de prescrições que os
professores têm de seguir, passando a ser entendido como
proposta, a partir da qual os professores e os alunos poderão
criar uma grande variedade de currículos, isto é, como um
eixo de desenvolvimento, um espaço constante de deliberação
curricular (GASPAR & ROLDÃO, 2007). Esta nova ênfase
curricular pressupõe interacção entre professores, podendo
quebrar com o seu tradicional trabalho isolado, permitindo-
lhes a decisão na gestão de conteúdos e a planificação conjunta
das actividades para os alunos (GALVÃO ET AL., 2004).
O objectivo deste artigo é o de e analisar uma
experiência de inovação curricular, inserida num projecto
Europeu, o projecto PARSEL, e identificar os principais factores

62 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

que facilitaram o seu desenvolvimento e apropriação pelos


professores.

2. projecto parsel
O projecto Europeu PARSEL (Popularity and Relevance
of Science Education for Scientific Literacy) (www.parsel.eu)
baseia-se em duas ideias chave: relevância e popularidade do
ensino das ciências. Relevância tem a ver com a percepção,
por parte dos alunos, acerca da utilidade das actividades e dos
temas estudados para a sua vida. Os alunos compreendem,
assim, o significado e a importância de estudar ciências.
Popularidade prende-se com questões emocionais: os alunos
gostam das actividades ou dos tópicos em estudo e por
esse motivo querem continuar a aprender mais sobre eles
(HOLBROOK, 2008).
O principal objectivo do projecto, que terminou em 2009,
era o de tornar a ciência interessante aos olhos dos alunos e
consequentemente envolvê-los no seu estudo. Com vista a
atingir este objectivo, foi desenvolvido um conjunto de módulos
que obedecem a uma série de características e que assentam
numa abordagem inovadora de ensino aprendizagem – o
modelo dos três estádios.
No que diz respeito às características particulares
dos módulos, há a salientar a facilidade de utilização, sendo
acompanhados de informação orientadora para o professor
e para o aluno, e o facto de serem suficientemente abertos,
facilitando a sua articulação com o currículo e a sua adaptação às
características e necessidades dos alunos. Finalmente, veiculam
actividades contextualizadas, envolvem uma componente
prática marcada, centram-se no questionamento e envolvem
sempre uma componente de resolução de problemas e de
tomada de decisão.
No que diz respeito ao modelo de três estádios, os
módulos iniciam-se com um primeiro estádio (Construção de um
cenário), seguindo-se a actividade investigativa baseada numa
aprendizagem por resolução de problemas científicos (segundo
estádio) e, finalmente, o terceiro estádio, de tomada de decisão
sócio-científica (ver Anexo para uma descrição pormenorizada
de um módulo).

junqueira&marin editores 63
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Este modelo assenta na ideia de que toda a aprendizagem


deve ser contextualizada, sendo essencial estabelecer uma
ligação clara entre a ciência e sociedade. Assim, os módulos
iniciam-se com uma tema social (estádio 1), ligado ao dia-
a-dia dos alunos e às suas preocupações, tema esse que irá
ser analisado quer por meio de procedimentos científicos,
quer com recurso a conhecimentos e conceitos científicos.
Ao contextualizar a actividade, o professor está a torná-la
relevante aos olhos do aluno e, logo, a aumentar o interesse
dos alunos pelo tema (OSBORNE e COLLINS, 2001; SCHRAW et
al., 2001; SWARAT, 2008). Este estádio desempenha um papel
extremamente importante no desencadeamento de um estado
de alerta e motivacional, que leva os alunos a quererem saber
mais sobre o tópico e a desenvolverem acções nesse sentido. É
também neste estádio que o professor pode fazer um diagnóstico
dos conhecimentos dos alunos e das suas necessidades para
concretizarem a actividade.
Depois deste momento de envolvimento na actividade, os
alunos são levados a planear e a implementar uma actividade de
investigação de forma a responder à questão levantada (estádio
2). Estas actividades podem ser actividades laboratoriais,
mas podem também envolver pesquisa, experimentação,
modulação matemática, role-playing, leitura e análise de
textos, leitura e interpretação de gráficos, procura de solução
para problemas específicos, construção de questionários.
Um aspecto importante das actividades propostas é que elas
tenham um objectivo claro aos olhos dos alunos, que estes
vejam um sentido nas actividades que estão a desenvolver. Este
aspecto é particularmente importante, já que inúmeros estudos
demonstram que experiências de aprendizagem autênticas,
significativas, desafiantes e que envolvam a tomada de decisão
e escolha, aumentam a motivação intrínseca dos alunos para
aprender ciências (KOBALLA e GLYNN, 2007; ROCARD, 2007;
SCHREINER e SJOBERG, 2004, YAIR, 2000) e melhoram as
atitudes dos alunos em relação às ciências como também a sua
aprendizagem (SHERZ e OREN, 2006).
O último estádio (estádio 3) consiste na tomada de decisão,
com base nos resultados da actividade que desenvolveram.
Este estádio é, também, muito importante, já que ao pedir aos
alunos para tomar uma decisão sócio-científica em relação a

64 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

um determinado problema, o professor está a criar condições


para os alunos argumentarem, apresentarem as suas posições,
comunicarem os resultados das suas acções (experimentação,
pesquisa bibliográfica), que são essenciais para consolidarem
as suas ideias e construírem novos significados (ABELL ET AL.,
2000), desenvolvendo uma série de competências cognitivas
complexas, comunicacionais e sociais. Finalmente, este estádio
permite, em alguns módulos, aprofundar a compreensão que os
alunos têm da ciência e do conhecimento científico e das suas
ligações ao contexto social e histórico.
Para além da criação de materiais curriculares, o projecto
pretendeu promover a mudança nas práticas dos professores.
Com esse objectivo, procurou-se envolver profundamente os
professores na implementação destes módulos nas suas salas
de aulas, através do estabelecimento de parcerias entre a
Instituição de Ensino Superior e equipas de professores. Uma
característica importante do projecto prende-se com o facto de
os módulos terem sido desenvolvidos para serem implementados
em aulas regulares, no âmbito do plano do professor, devendo
ser articulados com o currículo. Assim sendo, cada professor
foi livre de escolher os módulos que queria implementar, de
acordo com os seus interesses e necessidades e de acordo com
as características do currículo e dos seus alunos.

3. metodologia
3.1. participantes
No âmbito do trabalho desenvolvido em colaboração
com o projecto PARSEL, participaram oito professores: seis
numa fase inicial e dois posteriormente integrados. Um dos
professores desta segunda fase trabalhou em parceria com
um dos professores do grupo inicial na implementação de dois
módulos, e um outro implementou um dos módulos sob a
orientação de um dos professores da equipa inicial. O projecto,
assim como os módulos foram apresentados e discutidos numa
sessão colectiva, tendo os professores sido apoiados nas suas
decisões sobre que módulos implementar.
O grupo de professores participantes foi seleccionado
com base nas suas ligações à equipa de investigadores da
Universidade (amostra de conveniência). Os professores

junqueira&marin editores 65
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

participantes, exceptuando dois, encontravam-se a realizar


o mestrado ou o doutoramento em Didáctica das Ciências,
ou colaboravam com a Universidade a nível da supervisão
de estágios. Relativamente à sua formação profissional, três
professores (Alice, João e Pedro) tinham formação de base em
Biologia/Geologia, uma professora (Clara) em Biologia, três
professores (Margarida, Octávio e Lara) em Físico/Química e um
(Francisco) em Filosofia. A sua experiência profissional variava
entre 2 e mais de 30 anos de serviço.
Os professores implementaram 13 módulos, tendo
envolvido 234 estudantes, dos quais 12% frequentavam o
9º ano de escolaridade, 10% frequentavam o 10º ano de
escolaridade, 34% frequentavam o 11º ano de escolaridade e
28% frequentavam o 12º ano de escolaridade. Além disso, alguns
estudantes (16%) frequentavam o 12º ano de escolaridade de
um curso de educação e formação, desenvolvido para alunos
em risco de abandono escolar. Assim, maioria .dos estudantes
encontrava-se a frequentar programas de ciências, excepto os
alunos do 9º ano que se encontravam a frequentar o ensino
básico.

3.2. métodos de recolha de dados


Para a recolha de dados foram utilizadas entrevistas semi-
estruturadas, realizadas a cada professor no final da aplicação de
cada módulo ou do conjunto dos módulos, que visaram recolher
informação sobre as percepções, vivências, e dificuldades dos
professores na implementação dos módulos, assim como a sua
percepção sobre o impacto dos módulos implementados nos
alunos. Esta entrevista foi organizada em duas partes. Uma
parte visou recolher informação sobre:

- O professor, os alunos e a escola,


- Concepções acerca da educação em ciências,
- Atitudes em relação ao projecto PARSEL,
- Questões relacionadas com os módulos (expectativas,
apreciação global, recomendações).

E uma parte mais estruturada que visou recolher


informação específica sobre o modo como foram implementados

66 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

os módulos (modificações, dificuldades e formas de avaliação).


Além disso, foi também solicitado aos professores que
realizassem uma reflexão escrita, um ano após o término do
projecto, sobre os contributos da participação no projecto no
seu desenvolvimento profissional.

3.3. análise dos dados


Na análise das entrevistas e das reflexões escritas foi
utilizada a análise de conteúdo (MILLES e HUBERMAN 1994),
através um processo iterativo de leitura e releitura das respostas,
de forma a atribuir categorias segundo os diferentes significados
presentes. As categorias iniciais basearam-se nas questões
colocadas inicialmente, mas através do processo de releitura,
estas foram sendo mais exploradas e aprofundadas, tendo
surgido novas categorias da própria análise. A exploração dessas
categorias e a interligação entre elas permitiu-nos compreender
a complexidade das percepções dos professores no que diz
respeito às suas concepções e práticas. As categorias de análise
utilizadas neste trabalho foram:

(a) Complementaridade entre as finalidades do ensino das


ciências e o projecto PARSEL;

(b) Possibilidade de explorar novas práticas;

(c) Ligação à Universidade.

4. resultados
4.1. complementaridade entre as finalidades
do ensino das ciências e o projecto parsel
A maioria dos professores participantes, provavelmente
pelo facto de se encontrarem estreitamente relacionados com
a Universidade (frequência de um mestrado ou programa de
doutoramento na área da educação), estava já familiarizada
com as recentes discussões sobre a educação em ciência. Assim,
quando questionados sobre as finalidades do ensino das ciências,
expressaram a importância da dimensão CTS-A, a importância
de contextualizar o conhecimento científico, e a importância da

junqueira&marin editores 67
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

introdução de questões relacionadas com a natureza da ciência.


De um modo geral, os professores consideraram que a educação
em ciência deve ter como finalidades o desenvolvimento de
competências processuais, de comunicação e de pensamento
reflexivo, bem como desenvolver atitudes positivas em relação
à ciência.
No que se refere à importância do projecto PARSEL, uma
professora refere que,

O PARSEL… O objectivo do PARSEL é útil para o ensino. E quanto a isso


eu acho que é interessante: Está-se a formular problemas, a pensar,
a observar, eu acho que tudo isso é importante. Porque eles [alunos]
estão muito pouco habituados a essas etapas. E depois é interpretar,
que ainda é o mais difícil. E por isso eu penso que … que é um projecto
importante. (Alice, entrevista, Outubro de 2008).

Na opinião dos professores entrevistados, existe uma


complementaridade entre as finalidades do ensino das ciências
e o projecto PARSEL. Um dos objectivos centrais do ensino das
ciências, que transparece neste projecto, é o de desenvolver
os conhecimentos dos alunos acerca dos aspectos sociais
e tecnológicos da ciência, facilitando a tomada de decisões
fundamentadas sobre questões relacionadas com aspectos do
dia-a-dia. Segundo um dos professores,

Sim. Principalmente porque esta vertente CTS, eu acho que está cada
vez mais marcada no ensino das ciências. E eles [alunos] conseguirem
aplicar melhor o conhecimento científico, não se limitarem à mera
opinião, só porque acham que sim ou que não. E, portanto, isto [o
projecto PARSEL] veio contribuir imenso para me ajudar a mim,
também, a perceber … para já a importância (…) deles falarem bem
ciência. Portanto, eu acho que a finalidade é essa. Eles conseguirem
aplicar na vida diária algum conhecimento científico. E a estrutura
deste projecto foi isso que veio fazer. Foi conseguirem aplicá-lo às
coisas mais quotidianas. (João, entrevista, Julho de 2008)

De acordo com outro professor,

Esta relevância social que o projecto PARSEL tenta dar, acho que é
fundamental para os alunos perceberem um pouco que aquilo que

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

estão a aprender na escola não é nunca desligado da vida diária deles


e está relacionado com o mundo lá fora, e que há um contexto. (Pedro,
entrevista Maio de 2008)

Embora com concepções um pouco diferentes, todos


os professores concordam que o projecto PARSEL foi um meio
importante para alcançar o que consideram ser os objectivos
da educação em ciência. Mesmo aqueles professores que
não se encontravam tão estreitamente ligados à Universidade
transmitiram a ideia de que o PARSEL pode de facto ajudar a
atingir metas da educação em ciência. Como afirmou uma
professora, “As metas de educação em ciência são o PARSEL”
(Lara, entrevista Outubro de 2008).
Na sua perspectiva, este projecto constitui um óptimo
processo para atingir estas finalidades, não só pela natureza das
actividades propostas, mas também pelo modelo de ensino e
aprendizagem desenvolvido. Como dois professores referem:

Porque nós temos que ter acesso à informação… mas depois também
essa informação não pode ser uma informação descontextualizada,
científica “pura e dura”, tem que ser contextualizada para que, se um
dia tivermos que tomar uma decisão relativamente a nós próprios,
a possamos tomar de forma consciente e fundamentada. (Pedro,
entrevista, Maio de 2008)

E que esta parte de podermos ligar ao dia-a-dia. Estas


actividades estavam muito viradas para a ligação ao dia-a-dia,
o que promove a literacia dos alunos e permite alertá-los para
situações que de outra forma não conseguiríamos. Porque
eu poderia dar as características do planeta Marte e eles não
achavam, provavelmente, graça nenhuma. Assim, ficaram
a perceber qualquer coisa sobre o planeta Marte e quando
precisarem podem ir buscar mais informação. E portanto acho
que, antes de mais, uma das finalidades do ensino das ciências
deve ser saber chegar aos alunos. Como? Eles aprenderem de
forma a serem eles a participar nas suas próprias aprendizagens
e não tanto ser o professor a dizer… “agora vamos falar sobre”…
(Margarida, entrevista, Julho de 2008).
Juntamente com a ênfase dada pelos professores à
contextualização e à ligação da ciência às questões quotidianas,

junqueira&marin editores 69
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

alguns professores salientaram a visão global veiculada pela


ciência. Como um dos professores menciona,

Acho que estes alunos poderão mais facilmente perceber que as coisas
não estão tão espartilhadas como o ensino secundário ainda está
de facto organizado. Essa mais valia pode vir de um projecto destes.
[Penso] Que as coisas se interligam todas e que a ciência é unificadora
a esse nível. (Clara, entrevista, Julho de 2008)

4.2. possibilidade de explorar novas práticas


De uma maneira geral, os professores referem como
aspecto bastante positivo do PARSEL as suas aprendizagem,
decorrente da possibilidade de explorarem novas práticas ou
de reapreciarem práticas antigas, tendo apontando aspectos
diferentes. Segundo palavras de Margarida,

Efectivamente, apesar de antes da introdução dos módulos já


implementar estratégias de ensino na sala de aula que valorizam o
papel activo do aluno, não procedia sistematicamente à avaliação
do seu contributo para as aprendizagens dos meus alunos, tendo
a participação no projecto dado oportunidade de analisar, avaliar
e questionar a minha própria prática docente. Ao reflectir sobre a
forma de colocar em acção os diferentes estádios, que constituíam
os módulos, foram surgindo várias questões que facilitaram a minha
própria aprendizagem. (Margarida, Reflexão escrita)

Alguns professores referem que o PARSEL facilitou o contacto


com práticas de ensino - aprendizagem inovadoras. Por exemplo,
um dos professores refere que,

Achei que… Fiquei um bocado obcecado com isto. Obcecado no bom


sinal. Porque achei que este primeiro estádio permite fazer com que
eles percebam perfeitamente o que vão fazer na fase seguinte. Era
uma coisa que não me passava pela cabeça. Introduzia-lhes o tema
e pronto. Agora vamos fazer isto. E ao longo da estratégia, eles iam
percebendo o que era para fazer. Aqui não. O facto de terem o primeiro
estádio, que é a motivação, faz com que eles percebam muito bem o
que vão fazer na aula seguinte e depois o fim é muito mais fácil, não é?
(João, entrevista, Julho de 2008)

70 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

De acordo com Clara e Francisco, este projecto foi


também importante pela possibilidade que lhes deu de trabalhar
colaborativamente e interdisciplinarmente. Segundo palavras
suas,

A nível do trabalho docente o PARSEL mostrou que pensar


interdisciplinarmente um tema/projecto, planificando e organizando
a sua abordagem, em vez de esvaziar o peso que cada “disciplina”
tradicionalmente reclama para si, faz com que cada disciplina tome
a sua “grandeza” natural, porque assim os seus campos de estudo
específicos se tornam mais claros e evidentes para os alunos. (Clara e
Francisco, Reflexão escrita)

A colaboração entre estes professores surgiu de forma


espontânea. Ambos os professores já tinham trabalhado em
colaboração em alguns projectos extra-curriculares. Essa tinha
sido uma experiência bem sucedida, no sentido em que tinham
observado que os alunos tinham aprendido bastante. Contudo,
ao comentarem as suas experiências, ambos continuavam a
considerar que os alunos podiam ir mais longe, que tinham ainda
mais potencialidades. Quando Clara contactou com o PARSEL e
os módulos, considerou que esta poderia ser uma possibilidade
de desenvolver um trabalho em parceria com o professor de
filosofia. Segundo a perspectiva de ambos,

O que é o método Científico, como trabalham os Cientistas, o que é


a Engenharia Genética e que implicações têm a criação de novos
organismos na Sociedade não são assuntos que pertencem a uma
única Ciência. São temas que podem ser abordados de um modo
interdisciplinar e que permitem desenvolver atitudes de carácter social.
Quando se pratica Ciência deve-se ter consciência da sociedade em
que se vive, a única via de se poder vir a ter consciência de si mesmo.
Não se é apenas uma peça da engrenagem, não se é mais um professor
ou mais um médico, e é a engrenagem que faz funcionar o sistema.
(Clara e Francisco, Reflexão escrita)

Assim, os módulos foram analisados e escolhidos tendo


em conta as possibilidades de colaboração e de integração
curricular, com ambas as disciplinas. Tal como explica o professor
de filosofia,

junqueira&marin editores 71
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Até me dava jeito porque tinha que tratar desses assuntos nesta
disciplina. Era uma forma de fazer. Calhou bem este ano porque
consegui organizar o ano, de forma a ter tempo suficiente no
final para poder fazer isto de outra maneira que não fosse dar a
matéria só por dar. Porque o tempo que é aí proposto não chega.
(Francisco, entrevista, Julho de 2008).

Além da oportunidade de concretizarem as


potencialidades que visionavam do trabalho colaborativo,
o PARSEL também lhes permitiu contactar com outras
abordagens de ensino-aprendizagem, nomeadamente a
escrita e o trabalho colaborativo entre os alunos, que,
na sua avaliação, promoveu a autonomia e facilitou o
desenvolvimento de atitudes mais positivas em relação à
ciência. Uma outra vantagem desta forma de trabalhar foi
ter-lhes possibilitado desenvolver uma visão mais holística
dos seus alunos, menos centrada no desempenho académico
e nas notas. Segundo palavras de Clara,

Mas depois lemos as histórias [sobre como trabalham os


cientistas] e ficámos muito contentes por afinal aparecer ali
tanto deles. Nós que conhecemos estes alunos há já dois anos
e deixamo-nos, de facto, de encantar, um pouco, por eles. E, de
facto, quando começamos a ver que eles não correspondiam nas
notas, começámos a ficar um pouco aflitos. Mas este projecto
ajudou a mostrar um bocadinho que eles têm valor, na mesma
(…). Que eles conseguem fazer as coisas. (Clara, entrevista, Julho
de 2008)

Outros professores referiram que o mérito do PARSEL


foi tornar explícito o conhecimento que já possuíam e validar
algumas das suas práticas. O modelo dos três estágios foi
especialmente salientado. De acordo com dois professores,

Porque, pelo menos a mim, me deu uma consciência que, talvez,


antes de introduzirmos uma actividade é muito importante antes
contextualizá-la e depois vem a avaliação. Sim senhora, fizemos
a actividade, mas será que a actividade deu resultados? É muito
importante a avaliação. Portanto, a divisão dos três estádios foi
óptimo. (Margarida, entrevista, Julho de 2008)

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

(…) é importante nós, que estamos no terreno a trabalhar com os


miúdos, que sintamos algum apoio, algum suporte de background
porque trabalhamos um bocado sozinhos. E é importante que perceba
que aquilo que estou a fazer, haja alguém que valorize e que torne a
tarefa… que valide, digamos assim, que valide a prática. E depois, voltei
a fazer, reconstruí alguns instrumentos de avaliação e esta aplicação
das três fases [estádios], esclarecer as três fases, perante os alunos,
acho que também os ajuda a desenvolver o seu trabalho. Sobretudo
isso, porque, se calhar, as tarefas que eu fazia anteriormente, apesar de
estarem faseadas, eu não sei se era suficientemente claro, ou se eram
mais implícitas naquilo que eu dava. Este faseamento, vamos dividir
isto em três partes, ou em quatro se for caso disso, e a importância que
se dá a isto… acho que vou dar mais importância a esta dimensão no
futuro. (Octávio, entrevista, Julho de 2008)

4.3. ligação à universidade


Um dos aspectos referidos pelos professores como tendo
facilitado a sua adesão ao projecto foi a estreita parceria que
se estabeleceu com a Universidade. Os professores receberam
suporte não apenas durante a fase inicial de familiarização
com o projecto, como também durante todo o processo de
implementação dos módulos, tendo sido mesmo referido
por uma das professoras participantes a importância da sua
continuidade após a implementação do projecto,

Mas isto é importante. O criarem este material é muito importante.


Mas, de facto, depois não nos podem abandonar. A ligação entre
a Faculdade e a escola tem que continuar a existir. Porque senão,
parece que lá de cima [Faculdade] fazem uma coisa que nós vamos
aplicar e depois não há a contrapartida de continuarmos este diálogo.
Portanto, as coisas não podem ser… para isso temos o ministério. E a
Faculdade e as escolas têm que continuar a estar ligadas. O projecto
pode autonomizar-se, mas tem que continuar a estar ligado. Isto é
muito importante. Não é só nos dias abertos que vamos espreitar a
Faculdade e depois acabou. Tem que ser através de projectos que têm
continuidade (Clara, entrevista, Julho de 2008)

A colaboração entre a Universidade e as escolas foi


encarada como uma oportunidade de os professores quebrarem

junqueira&marin editores 73
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

o seu tradicional isolamento profissional, e aderirem a um espaço


de reflexão onde puderam trocar ideias, discutir dificuldades e
soluções, aprendendo uns com os outros. Para além disso, esta
colaboração também lhes forneceu um suporte importante para
o desenvolvimento de práticas inovadoras. De acordo com as
palavras de um dos professores,

[A colaboração entre a Universidade e a escola] deu-me mais segurança.


Eu reflecti acerca da implementação deste tipo de actividades na sala
de aula, e reformulei-a. Às vezes é importante para nós, que estamos
o terreno, a trabalhar com os miúdos, sentirmos algum apoio, algum
suporte porque trabalhamos um bocado sozinhos. E é importante que
eu perceba que aquilo que estou a fazer é compreendido por alguém,
que haja alguém que o valorize e que torne a tarefa… que a valide,
digamos assim, que valide a nossa prática. (Octávio, entrevista, Julho
de 2008)

Esta relação colaborativa criou também um contexto que


favoreceu a disseminação entre os professores das novas ideias
e práticas. Tal como já foi referido o projecto iniciou-se com
um grupo de seis professores, que foi posteriormente alargado
a mais dois, que se quiseram integrar na equipa ao tomarem
conhecimento do projecto através dos colegas.

5. discussão
Os professores participantes fizeram uma apreciação
extremamente positiva do projecto PARSEL, tendo-se
criado um contexto em que os professores se sentiram
confiantes num processo de mudança. A participação neste
projecto parece ter tido fortes impactos positivos ao nível do
desenvolvimento profissional destes professores, envolvendo-
os no desenvolvimento de práticas pedagógicas inovadoras e na
construção e adaptação de novos materiais curriculares.
A existência de materiais curriculares, facilmente
utilizáveis e disponíveis, que facilitem o ensaio e o confronto
com novas práticas, novas formas de ensinar e de avaliar é
fundamental (MARTINS, 2002; MARTINS et al., 2006). Contudo,
não basta fornecer materiais curriculares inovadores, é
necessário apoiar de forma efectiva os professores no processo

74 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

de mudança (GALVÃO, 2002; OSBORNE, 2003; REIS, 2004, 2008).


Estes novos materiais podem constituir o ponto de partida
para os professores saírem do seu terreno seguro e ousarem
novas práticas, mas as parcerias com as universidades poderão
constituir-se como os espaços seguros, nos quais os professores
vão ensaiar novas estratégias, confrontar-se com dificuldades
e obstáculos e explorar soluções (CANÁRIO, 2007; CE, 2007;
NÓVOA, 2007).
Uma das características importantes do PARSEL terá sido o
facto de todos os módulos terem sido pensados de forma a que
pudessem ser utilizados em classes regulares e ser integrados
no currículo de ciências em vigor, providenciando informação
que por um lado pudesse funcionar como guia para o professor,
mas por outro, fosse suficientemente aberta para facilitar
qualquer alteração sentida como necessária. Estes dois aspectos
poderão ter servido como facilitadores da apropriação dos
módulos pelo professor, que podia assim introduzir qualquer
alteração de forma a adaptá-los às suas características, às
características dos estudantes e às características dos currículos.
Esta apropriação dos módulos pelo professor, a compreensão
da sua relevância e integração curriculares, e o conhecimento
das estratégias desenvolvidas, foram provavelmente o aspecto
essencial de todo este processo de mudança. Tornou-os agentes
de desenvolvimento curricular.
No entanto, para que qualquer processo de mudança
tenha sucesso será necessário envolver os professores em
continuidade (FULLAN, 2001; OGBORN, 2002; OSBORNE, 2003),
apoiá-los, ouvir os seus pontos de vista, oferecer alternativas,
e valorizar as suas conquistas. Todos estes aspectos terão sido
conseguidos através da estreita ligação Escola-Universidade
desenvolvida neste projecto. De acordo com vários autores
(LOUCKS-HORSLEY et al., 1998; PUTTMAN e BORKO, 2000;
REIS e GALVÃO, 2009) é essencial a criação de redes entre as
Universidades e os professores, onde estes possam trocar
ideias e experiências, e possam encontrar explicações teóricas
que fundamentem as suas práticas e validem algumas das suas
experiências educacionais. A estreita relação estabelecida,
associada à familiaridade dos professores com algumas das
ideias orientadoras propostas pelo PARSEL, terão permitido
o desenvolvimento de um sentido de “pertença” ao projecto

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

(OGBORN, 2002) que terá validado e assegurado as novas


práticas implementadas pelos professores, desempenhando um
papel essencial no seu desenvolvimento profissional.
Coloca-se no entanto a questão de como irão os
professores lidar com todas estas mudanças após o término do
projecto. Serão os professores capazes de lidar com as pressões
e dificuldades de gestão curricular no futuro, quando esta ligação
se quebrar? Esta questão aponta para a responsabilidade que as
instituições de formação de professores têm no desenvolvimento
destas relações colaborativas como um caminho essencial para a
promoção das mudanças tão necessárias na prática docente. ⌂

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Dificuldades e Dilemas. Gazeta de Física, p. 12-19, 2003.

junqueira&marin editores 77
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

OSBORNE, J.; COLLINS, S. Pupils’ views of the role and value of the science
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OSBORNE, J.; DILLON, J. Science Education in Europe: Critical Reflections.
King’s College London: The Nuffield Foundation, 2008.
PUTTMAN, R.; BORKO, H. (2000). What do New Views of Knowledge and
Thinking Have to Say about Research on Teaching Learning? Educational
Researcher, v. 29, n.1, p. 4-15.
REIS, P. Controvérsias sócio-científicas: Discutir ou não discutir? Percursos
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Dissertação (Doutorado em Educação) - Universidade de Lisboa 2004.
REIS, P. A escola e as controvérsias sociocientíficas: Perspectivas de alunos e
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ROCARD, M. Science education now: A renewed pedagogy for the future of
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ROLDÃO, M.C. O currículo escolar: da uniformidade à contextualização -
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SCHREINER, C.; SJØBERG, S. ROSE – The relevance of science education. Oslo:
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SHERZ, Z.; OREN, M. How to change students’ images of science and technology.
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learning experience. British Educational Research, v. 26, n.2, p. 191-210,
2000.

78 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

anexo

MODELO PARSEL PARA OS MATERIAIS


DE ENSINO-APRENDIZAGEM ASSOCIADO AO MÓDULO

ANÁLISE DE NOTÍCIAS DE JORNAL SOBRE ASPECTOS SÓCIO-CIENTÍFICOS

ESTÁDIOS ESTRATÉGIA DE ENSINO- APRENDIZAGEM DE EDUCAÇÃO DE CIÊNCIA


APRENDIZAGEM

ESTÁDIO 1 Material apresentado através 1. O professor constrói o cenário, apresentando


de um título e cenário reais. O desenvolvimentos recentes e controversos da ciência.
Construção do cenário constitui um estímulo 2. Os alunos familiarizam-se com o cenário, ao lerem notícias
cenário para a aprendizagem de jornais e revistas sobre aspectos controversos
subsequente. relacionados com Ciência, Tecnologia, Sociedade e
(1 aula) Ambiente.
ESTÁDIO 2 Materiais de aprendizagem 1. Os alunos formam grupos. Cada grupo escolhe três artigos
guiados pelos professores e para analisar em detalhe. Posteriormente, os alunos
Actividade centrados nos alunos incluem planeiam a apresentação da sua análise à turma.
investigativa resolução de problemas, 2. O professor guia a análise dos alunos, fornecendo-lhes
baseada numa aprendizagem conceptual algumas questões orientadoras (por exemplo, que aspectos
aprendizagem relacionada com ciência e/ou controversos são apresentados no artigo?).
por resolução aprendizagem sobre a 3. Ao avaliar continuadamente o trabalho dos alunos, o
de problemas natureza da ciência. professor pode compreender que termos e conceitos estão a
científicos Consolidação da aprendizagem ser usados e a sua correcção, bem como a qualidade da
conceptual através de uma análise. Através de feedback adequado, o professor promove
avaliação formativa adequada a aprendizagem dos alunos, pois permite-lhes reorientar as
(2 aulas) suas acções e pensamento, se necessário.
ESTÁDIO 3 Materiais de aprendizagem 1. Cada grupo apresenta a sua análise à turma.
guiados pelos professores e 2. O professor guia a discussão na turma, assegurando que
Tomada de centrados nos alunos incluem todos os alunos participam.
decisão sócio- tomada de decisão (sócio-) 3. Ao analisarem notícias sobre aspectos científicos
científica científica fundamentada e controversos, os alunos estão não só a tornar-se conscientes
consolidação da aprendizagem das tensões correntes que existem entre Ciência, Tecnologia,
conceptual relacionada com Sociedade e Ambiente e das potencialidades e limites
ciência através de uma inerentes à iniciativa científica, como também estão a
avaliação formativa adequada. aprender conceitos científicos (aqueles veiculados pelas
(1 aula) notícias).

junqueira&marin editores 79
educação profissional na
ibero-américa: um estudo do
programa iberfop2

Ramon de Oliveira UFP - PERNAMBUCO - BRASIL

A década de 90 do século passado representou um


momento fundamental no referente à valorização da educação
como elemento propulsor do avanço econômico das nações em
desenvolvimento. As nações em estágio de desenvolvimento
econômico inferior vislumbraram, na adoção de reformas
educacionais e no atrelamento da educação ao setor produtivo,
a possibilidade de eliminação das altas taxas de pobreza e o
aumento da competitividade econômica. Influenciadas, em
sua maioria, pelas recomendações das agências multilaterais,
implementaram um conjunto de reformas que, em sua maioria,
objetivaram fazer da prática educativa um instrumento para
minorar as suas grandes desigualdades sociais (OLIVEIRA,
2006a).
Em cenário de forte competição econômica e de aumento
da necessidade do estabelecimento de articulações políticas e
econômicas – visando responder ao papel secundário ocupado

2. Pesquisa financiada com recursos do CNPq.

80 junqueira&marin editores
por algumas nações –, estruturaram-se discursos e práticas
objetivando levar os países da América Latina e Caribe a
ocuparem uma posição diferenciada na economia mundial.
Marcas destas ações foram as publicações da
Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal):
Transformación productiva con equidad (1990) e Educación
y conocimiento: eje de la transformación productiva
con equidad (1992). Ambos os documentos evocavam a
necessidade de um entendimento nacional no interior dos
países desta região, bem como um conjunto de mudanças na
atuação dos Estados, de forma a tornar as nações competitivas
na economia global.
Seguindo uma lógica não muito distinta de aproximação
dos países da região, ações, como a criação do Mercosul, foram
estabelecidas na década de 90, visando o enfrentamento das
dificuldades impostas pelo modelo de desenvolvimento em
nível global, determinado pelas nações industrializadas. Estas
ações, potencialmente contestadoras do modelo global de
desenvolvimento capitalista, na maioria das vezes, resumiram-
se ao estabelecimento de um pensamento único no âmbito
da gestão das políticas econômicas destas nações, haja vista a
reduzida variabilidade das ações dos seus dirigentes, os quais
seguiram a mesma cartilha de privatização e de reestruturação
do Estado, sob a égide da filosofia neoliberal (GENTILI, 1998a,
1998b). Neste cenário, realizou-se em 1989, na cidade de
Havana - Cuba, a I Conferência Ibero-americana de Educação,
que representou um encontro entre todos os Ministros de
Educação dos países ibero-americanos. Tendo como referência
a crise estrutural que afetava diversos agentes econômicos,
os Estados e as economias das diversas nações, objetivou-
se, a partir dessa conferência, o estabelecimento de ações de
cooperação para a implementação de políticas amenizadoras
das severas repercussões impostas pelo cenário econômico à
produção, ao emprego e aos níveis de consumo das populações
(ORGANIZACIÓN DE ESTADOS IBEROAMERICANOS PARA LA

junqueira&marin editores 81
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

EDUCACIÓN, LA CIENCIA Y LA CULTURA (OEI). I Conferência


Iberoamericana de Educación, 1989).
Com o mesmo objetivo de aproximação dos governos
ibero-americanos realizou-se, em 1991, na cidade de Guadalajara
– México, a I Reunião Ibero-americana de Chefes de Estado,
tendo sido realizadas, desde aquele momento, reuniões anuais.
Em linhas gerais, podemos dizer que ambas as reuniões
objetivaram discutir e estabelecer relações de cooperação entre
os países ibero-americanos.
Durante a quinta reunião entre chefes de Estados,
realizada na Argentina, os chefes de governo acataram a sugestão
dos Ministros da Educação, os quais, reunidos entre os dias 7
e 8 de setembro de 1995, na V Conferência Ibero-americana
de Educação, sediada naquele mesmo país, apontaram a
necessidade de criação do Programa Ibero-americano de
Cooperação para o Desenho Comum da Formação Profissional
(IBERFOP).
Considerando a importância deste Programa para os países
ibero-americanos, entre eles o Brasil, e por entendermos que
os pressupostos e objetivos presentes no IBERFOP aproximam-
se do conteúdo da reforma implementada no Brasil, durante a
gestão do presidente Fernando Henrique Cardoso, relatamos
neste texto os resultados da investigação, que objetivou analisar
as ações de cooperação estabelecidas a partir do IBERFOP, e suas
repercussões na definição das políticas de formação profissional
dos países ibero-americanos.
Destacaremos também o projeto de educação profissional
que o IBERFOP perseguiu e as implicações desse programa de
cooperação para a educação profissional nos diversos países em
destaque.
Os resultados aqui apresentados são frutos do
levantamento e análise da documentação produzida durante
a vigência do programa IBERFOP, disponibilizada no site da
Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a
Ciência e a Cultura (OEI).

o programa iberfop
O programa IBERFOP foi estruturado tendo por base
referenciais segundo os quais era necessária uma mudança

82 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

nos modelos de formação profissional executados nos países


envolvidos. Segundo o documento final da I Reunião Ibero-
americana de Chefes de Estado ― em virtude da complexidade
das questões consideradas para a definição do perfil do
profissional a ser formado, visando o atendimento do mercado
de trabalho―, havia uma grande obsolescência dos modelos
de formação até então vigentes, principalmente no referente à
capacidade de prever, com precisão, o que era requerido pelo
mercado de trabalho.
A referência a ser seguida pelos países participantes
seria exatamente o modelo de formação adotado pelo governo
espanhol, em 1991. E seguir o modelo da reforma implementada
na Espanha não representava seguir um receituário estrangeiro,
mas, sim, o estabelecimento de uma cooperação, de forma a
receber assistência técnica no campo da educação profissional.
Este fato transformou-se em justificativa para a implementação
do projeto IBERFOP:

Son varios los países del área Iberoamericana que han solicitado
asistencia técnica para diseñar un nuevo modelo de formación técnico
profesional siguiendo el proceso metodológico y procedimental
realizado en España, dando continuidad a las políticas ya emprendidas
de alfabetización (El Salvador y República Dominicana) y desean
alcanzar información sobre metodologías de análisis del mercado
de trabajo para abordar reformas en profundidad de sus sistemas
formativos para jóvenes. (OEI. IBERFOP: antecedentes, 2008a).

Entre os objetivos do IBERFOP, destacamos aqueles,


os quais, no nosso entendimento, sintetizam a finalidade do
Programa:

1. Melhorar a qualidade dos processos de modernização


da educação profissional nos países ibero-americanos,
através do estabelecimento de estratégias de cooperação,
na transferência de metodologias para a formação
baseada em competências;
2. Impulsionar o uso de metodologias que ajudem no
desenvolvimento de perfis de formação técnico-
profissional adequados aos requerimentos do mercado
de trabalho de cada país;

junqueira&marin editores 83
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

3. Desenvolver metodologias que contribuam para o


estabelecimento de parâmetros de comparação das
titulações obtidas no processo de formação profissional
entre os países ibero-americanos;
4. Sensibilizar os dirigentes educacionais e empresários
sobre as vantagens da formação por competências
visando a definição de políticas neste setor.

De acordo com os objetivos acima expressos constata-


se a preocupação do Programa com a adequação da educação
profissional ao conjunto das transformações ocorridas no âmbito
do processo produtivo. A ascensão da produção de caráter
flexível, em substituição ao modelo taylorista-fordista (HARVEY,
1996), parece ser um dos pontos de referência da constituição
dos objetivos do Programa IBERFOP.
Evidencia-se, entre os objetivos, a clareza de que as
transformações ocorridas no processo de produção de mercadorias
são acompanhadas do aumento de dificuldade de inserção no
mercado de trabalho. Logo, há um movimento objetivando a
confecção de políticas públicas que possam confrontar-se com a
problemática da diminuição dos postos de trabalho.
A preocupação de valorizar os saberes adquiridos
pelos trabalhadores em espaços não formais de qualificação
profissional expressaram claramente que o novo modelo de
formação profissional deveria ser pautado pelo desenvolvimento
de competências laborais adequadas aos interesses do
mercado de trabalho. Por isso, justifica-se a valorização dos
conhecimentos não adquiridos no sistema formal de ensino,
pois a escola não é o único e, em muitas situações, o melhor
local para o desenvolvimento das aprendizagens referentes ao
desempenho profissional.
Há no interior do IBERFOP a preocupação de estabelecer
parâmetros de comparações das certificações obtidas no processo
de formação profissional, objetivando maior mobilidade dos
trabalhadores no interior dos países assistidos pelo programa.
Por um lado, este objetivo representa a tentativa de garantir
que o processo de globalização atingisse positivamente a
força de trabalho. Ou seja, permitir ao trabalhador, ao ter sua
competência reconhecida, o direito de deslocar-se e estabelecer
novas estratégias de sobrevivência. Por outro, esquece-se que

84 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

não basta garantir o reconhecimento dessas competências para


o trabalhador poder empregar-se.
O processo de globalização, ao articular-se à retração
do Estado das áreas sociais, e a persistente crise do emprego,
vem impondo para muitos trabalhadores a necessária busca
de novos mercados de trabalho. Entretanto, na mesma lógica,
a globalização tem sido a responsável direta pelo surgimento
de ações de xenofobismo e de várias formas de intolerância.
Práticas essas, muitas vezes, estimuladas pelos partidos de
extrema direita que, além de serem os principais responsáveis
pelas políticas de desagregação social, implementadas sob a
lógica neoliberal, nutrem-se do empobrecimento sofrido pelos
setores afetados pelas políticas de restrição orçamentária e de
corte de gastos públicos, bem como do aumento do desemprego.
Nesse sentido, a possibilidade dos trabalhadores
deslocarem-se para novos mercados tem se tornado, cada vez
mais, uma tarefa marcada pelo risco de morte e quando não,
precarização de sua vida e de seu trabalho.
Além dos pontos anteriormente destacados, no que diz
respeito aos limites existentes para os trabalhadores poderem
deslocar-se na busca de um emprego, é importante ressaltar
que muitos outros fatores são definidores da entrada e da
permanência dos trabalhadores no mercado de trabalho. Para
a quase totalidade dos países signatários do IBERFOP a garantia
da globalização da força de trabalho não pode ser obtida
apenas com o reconhecimento das competências adquiridas
pelos trabalhadores, nem é suficiente para a diminuição dos
empecilhos internacionais à circulação da mão-de-obra. É
necessário modificar o papel que a maioria dessas nações
desempenha na divisão internacional do trabalho. Esse fato
determinará o quantitativo e a qualidade dos postos de trabalho
gerados. Determinará também a possibilidade de inserção dos
trabalhadores no mercado de trabalho.
O objetivo de sensibilizar os responsáveis pelas políticas
de qualificação profissional sobre as vantagens da formação
profissional, talvez seja aquele que se configura como de maior
importância para o Programa IBERFOP. O Programa não concebe
outra formação que não seja estruturada curricularmente para o
desenvolvimento de habilidades e competências, demandadas
por um mercado de trabalho em processo de mudança.

junqueira&marin editores 85
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Podemos, então, sintetizar, dizendo que a finalidade


maior do IBERFOP foi favorecer o processo de cooperação
entre os países ibero-americanos, tendo em vista a confecção
de um modelo comum de formação entre os países membros
e o direcionamento das suas ações de formação profissional,
baseando-as no desenvolvimento de competências laborais,
articuladas aos interesses do setor produtivo.
Foi exatamente no ano de 1997 que o IBERFOP passou
a contar com atividades mais sistemáticas visando sua
concretização.
A primeira Reunião do Comitê Executivo formado por
Argentina, Chile, México, Espanha e a OEI ocorreu em Madri,
em junho de 19973. Nesta primeira reunião do Comitê foram
definidas as três linhas de cooperação a serem desenvolvidas no
âmbito do IBERFOP:

1. Sensibilização, capacitação e formação de técnicos da


área de formação profissional em temas referentes à
formação por competências;
2. Assistência técnica aos projetos de modernização da
formação profissional enfocando as competências;
3. Produção editorial.

O processo de sensibilização, capacitação e formação se


efetivaria a partir de duas ações: da criação do Fórum anual Ibero-
americano de Formação Técnico Profissional – direcionado aos
dirigentes da área de formação profissional dos países envolvidos –,
no qual seriam discutidos os avanços obtidos na área de formação
profissional, bem como as novas tendências da área; e de cursos sub-
regionais, objetivando a capacitação de técnicos em temas referentes à
formação técnica profissional baseada na pedagogia das competências.
Fruto dessa definição, foram realizados cinco seminários
sobre a formação profissional; três cursos sobre a formação por

3. Los informes, hasta 1985, se consultaron en la obra Los presidentes de México


ante la Nación (CÁMARA DE DIPUTADOS, 1985). Los informes de 1986 en
adelante se consultaron en las páginas de Internet del Poder Ejecutivo. En
adelante, sólo se indicará la abreviatura ‘Inf.’ y se agregará la fecha del informe
correspondiente.

86 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

competências e dois fóruns sobre a formação e certificação por


competências. Os seminários, os cursos e os fóruns contaram com
presença de enviados dos ministérios da educação de diversos
países, bem como de pessoas ligadas às principais instâncias
responsáveis pelas ações de qualificação profissional.
A segunda linha de cooperação no âmbito do IBERFOP refere-
se à assistência técnica. Nessa, estariam incluídas tanto as ações
objetivando a capacitação e desenvolvimento de equipes técnicas
no interior de cada país; como práticas de consultoria às atividades
a serem implementadas no âmbito da formação profissional.
A terceira linha de ação do IBERFOP, a de produção
editorial, objetivou elaborar documentos de apoio ao processo
de modernização dos sistemas de formação profissional, na
perspectiva de orientar na sensibilização, no aprofundamento
conceitual e no desenvolvimento de metodologias de trabalho na
formação profissional baseada nas competências.
O financiamento do Programa estruturou-se em função da
modalidade de participação de cada país associado. As modalidades
variavam desde um financiamento direto do programa – via uma
cota anual de setenta mil dólares –, garantindo ao associado uma
posição de destaque no referente ao recebimento de assistência
técnica, bem como ter um maior poder de decisão no âmbito
do Programa, tendo inclusive, participação no comitê executivo
(Argentina, Espanha e México). Como também havia participações
financeiras mais modestas – no valor anual de dois mil e quinhentos
dólares (Bolívia, Costa Rica, Cuba, República Dominicana, Equador,
El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá e Paraguai)
ou cinco mil dólares (restante dos países) –, que garantiam aos
associados apenas o custeio para a participação de, no máximo,
cinco técnicos nas atividades de capacitação (OEI. IBERFOP:
modalidades de financiación de los programas aprobados en las
cumbres de jefes de Estado y de Gobierno, 2008b).

o projeto de educação profissional do programa


iberfop e suas implicações nos países membros

O IBERFOP objetivou garantir uma identidade comum


às práticas de oferta de educação profissional, mas em
nenhum momento assumiu uma postura de buscar construir

junqueira&marin editores 87
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

um modelo único de oferta para tais práticas. Entre as


características do modelo proposto destacam-se: a busca de
proximidade entre o sistema de formação profissional e o setor
produtivo, a flexibilidade nas práticas de formação profissional
e a estruturação dessas práticas, tendo como referência o
desenvolvimento de competências laborais.
O livro, Análisis ocupacional y funcional del trabajo
produzido pelo Consejo de Normalización y cerficación de
competência Laboral (CONOCER), uma instituição Mexicana cujo
objetivo, além do explícito no seu próprio nome, é estabelecer
um regime de certificação em todo o México, nos ajudou a
elaborar uma síntese a respeito da proposição do IBERFOP
para constituição do projeto de formação profissional a ser
seguido nos países ibero-americanos. De acordo com este livro
– importante por ser um trabalho encomendado pelo Comitê
Executivo do Programa:

(...) el nuevo modelo de formación y capacitación tendrá que ser flexible,


no sólo en cuanto a su estructura, sino en su capacidad para incorporar
de manera organizada diversas formas de aprendizaje. Para alcanzar la
flexibilidad requerida, el modelo debe ser capaz de reconocer y otorgar
validez a formas de aprendizaje diferentes de aquellas que son producto
de la escuela y la capacitación tradicional en los centros de trabajo.
La flexibilidad, el establecimiento de equivalencias entre capacidades
alcanzadas por diversas vías y la posibilidad de alternar estudio y trabajo
toda la vida serían imposibles sin un referente claro que establezca
paridad de conocimientos, habilidades y destrezas, con independencia
de la forma en que hayan sido adquiridos, es decir, en relación con las
llamadas competencias laborales (CONOCER, 1998, p. 14).

Reconhecemos ter havido, por parte dos representantes


dos diversos países participantes dos eventos promovidos pelo
IBERFOP, a explicitação da dificuldade de construir um modelo
de formação profissional pautado sob a lógica das competências.
Entretanto, não podemos afirmar ter havido um vácuo para o
qual o Programa IBERFOP se direcionou.
Na primeira reunião do comitê executivo do Programa,
definiu-se que as três primeiras linhas de ações referiam-se a:
1) elaboração de documentos de apoio à modernização dos
sistemas de formação profissional, objetivando a sensibilização

88 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

para o desenvolvimento de metodologias para a formação


profissional baseada em competências; 2) formação de técnicos
dos países membros para o trabalho com competências e 3)
assistência técnica aos países membros em ações voltadas para
a formação sob a lógica das competências. (OEI. I reunión del
comité ejecutivo de IBERFOP, 2008c).
Como o fruto direto dessas definições realizou-se, em
março de 1998, o Seminário-Taller, objetivando a apresentação
dos textos encomendados pelo comitê executivo e a socialização
das experiências que estavam sendo travadas em cada país no
referente à educação profissional (OEI. IBERFOP: Seminário-
Taller, 2008d).
As linhas de ações definidas pelo comitê executivo
evidenciam qual o modelo de formação profissional a ser
universalizado. No entanto, os países que apresentaram
no Seminário-Taller o movimento de redefinição, pelo
qual passavam suas políticas de qualificação profissional
(Argentina, Colômbia, Espanha e México), evidenciaram que
a existência de semelhanças em seus modelos de educação
profissional não decorria do Programa IBERFOP, mas de uma
compreensão, quase universal, da necessidade da educação
profissional ser impulsionada pela busca de elevação da
competitividade industrial. Por conseguinte, deveria ter como
pilares de sua nova estruturação: o enfoque nas demandas do
mercado, a formação por competência, o desenvolvimento
da empregabilidade e a criação de um sistema nacional de
certificação de competências.
O objetivo do IBERFOP de desenvolver um modelo
comum de formação profissional baseado no desenvolvimento
de competências laborais, vinculadas aos interesses do
setor produtivo, já vinha sendo estruturado em todos os
países participantes do Programa, embora em estágios
diferenciados.
Tal constatação evidencia-se nas apresentações feitas
pelos representantes do Uruguai, Peru, Venezuela, El Salvador,
Brasil e Portugal nos seminários, fóruns e cursos realizados,
bem como foi evidenciado no livro Procesos de acreditación
y certificación de la competência laboral (ANTA, 1998). Este
livro resultou de uma pesquisa encomendada pelo IBERFOP, na
primeira reunião do seu comitê executivo, cujo objetivo foi, como

junqueira&marin editores 89
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

expressa seu título, diagnosticar o estágio no qual se encontram


alguns países ibero-americanos no referente à certificação das
qualificações e das competências profissionais.
Anta (1998), ao relatar os dados de sua pesquisa na
República Dominicana, Venezuela, Uruguai, Peru, Nicarágua
e Bolívia, evidenciou o fato de todos esses países estarem
reestruturando sua educação profissional, e que os perfis dessas
reestruturações não estavam referenciados em um modelo
exclusivo.
O objetivo do IBERFOP de sensibilizar os dirigentes
educacionais e os empresários sobre a vantagem de formação
por competências parecia não ser mais necessário. Isto não quer
dizer que os países participantes não mostrassem dificuldades
para a implementação desses projetos, como pode ser visto
no conjunto de questões apresentadas pelos participantes ao
final do Seminário-Taller (1998), entre as quais destacamos:
Como desenvolver um currículo estruturado sob a lógica das
competências? Como articular os Ministérios da Educação e
do Trabalho na implementação da nova oferta de educação
profissional? Como superar as dificuldades de formação de
professores para a o trabalho com a formação baseada em
competências etc? (OEI. IBERFOP: Seminário-Taller, 2008d).
Tal preocupação parece evidenciar que, se por um lado,
os países já haviam se definido por um modelo de formação
profissional, por outro, não haviam criado as competências
necessárias para desenvolvê-lo.
O consenso no campo da relação entre qualificação
profissional e desenvolvimento econômico, com a marca
singular da formação por competência, é expressão de um novo
desabrochar da influência dos referenciais monetaristas da
educação, estruturados pela teoria da capital humano que vem
influenciando as políticas educacionais desde os anos de 1960.
Como destacou Fonseca (2006, p. 208), para esse referencial:
O sentido de educação passa a ser o de investimento,
atendimento às necessidades do desenvolvimento econômico,
integração empresa/escola, a necessidade de qualificar recursos
humanos para atender às demandas do mercado de trabalho, no
sentido da valorização do trabalhador e de promoção social, pela
via de qualificação profissional, evidenciando a educação como
um apêndice da aceleração do desenvolvimento econômico.

90 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Entre os fatores impulsionadores dessa nova


consensualidade para a educação destaca-se a certeza de que
as mudanças na economia, em nível global, estabeleceram um
novo cenário, no qual destacavam-se mudanças no processo de
produção de mercadorias e a exigência de um novo perfil de
trabalhador.
Embora tenha se tornado senso comum a certeza de
que a nova realidade econômica demandar novo perfil de
trabalhador, faz-se necessário o questionamento do quanto
vivemos a unicidade, no que diz respeito ao estágio de
desenvolvimento econômico, às modificações no processo de
produção de mercadorias, à reestruturação empresarial em
direção à produção de caráter flexível etc. Tal questionamento
decorre, entre outros fatores, do reconhecimento das
economias nacionais, bem como regiões no interior de cada
nação, desempenharem papéis distintos na divisão do trabalho.
Nesse sentido, é um equívoco acreditar que em todos os locais
demanda-se um perfil semelhante de trabalhador, como se
todos os locais estivessem vivenciando um estágio semelhante
no referente ao processo de gestão e produção de mercadoria.
Fernando Vargas Zúñiga4, assessor do Cinterfor, ao referir-
se à América Latina, destacou que as políticas de formação
profissional têm sofrido modificações, em virtude da globalização
econômica, das mudanças tecnológicas e da repercussão desses
fatores nas empresas, obrigando-as a passarem por processo de
reestruturação, ocasionando, entre outros fatores, a diminuição
da distância entre os que pensam e os que executam. Tal
realidade impõe um novo perfil de trabalhador, não só na sua
intervenção no interior da empresa, mas também esse novo
perfil é fundamental para que o trabalhador possa atuar no
novo mercado de trabalho. De acordo com Zúñiga, essa nova
realidade determinou a superação do conceito de posto de
trabalho pelo de área ocupacional. Nas palavras do autor:

El restringido concepto de puesto de trabajo ha dado paso al más


amplio y expresivo concepto de área ocupacional. Estas ya no se

4. Los mapas curriculares analizados se encuentran en archivos de la Dirección


General de Educación Superior para Profesionales de la Educación y de la
Universidad Pedagógica Nacional.

junqueira&marin editores 91
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

corresponden con un grupo de tareas aglomeradas en operaciones y


en funciones; son conjuntos más abiertos en los que convergen los
conocimientos básicos de una área con la característica de poder ser
transferidos en el ejercicio de varios empleos (OEI. IBERFOP: seminário
sobre formación y empleo, 2008e).

Ainda, no entender de Zúñiga, não é só uma mudança


de postura profissional ou de formação que o momento atual
demanda dos trabalhadores. As empresas passam a demandar
novas relações entre os trabalhadores.
As práticas nas quais os trabalhadores produzem
isoladamente, próprias do taylorismo-fordismo, dão lugar a
novas relações, nas quais o fundamental é o estabelecimento
de uma postura mais coletiva, objetivando o fortalecimento
de relações mais grupais entre os trabalhadores. No entanto,
para ele, as inovações no gerenciamento da produção não
estabelecem apenas novas exigências para os trabalhadores;
essas modificações são acompanhadas do enriquecimento das
práticas que os trabalhadores desenvolvem no processo de
produção. Ou seja, as ações dos trabalhadores tornam-se mais
intelectualizadas, bem como cria-se a possibilidade de uma
intervenção mais cidadã no local de trabalho.
Para Zúñiga, diante dessa nova realidade, o trabalhador
deve ter desenvolvido sua capacidade de inserir-se ou permanecer
empregado (empregabilidade) e, nesse sentido, a formação
profissional tem um papel importante. No entanto, para que
isso possa acontecer, é necessário que os espaços de formação
profissional sejam capazes de desenvolver entre os educandos,
competências que facilitem sua mobilidade entre diferentes
empregos. Dentre essas competências o autor destaca:

1. Competências vinculadas ao pensar: leitura, escrita,


domínio das operações matemáticas;
2. Habilidades para prever e resolver problemas e tomar
decisões;
3. Flexibilidade mental, pensamento reflexivo, sentido de
antecipação;
4. Atitudes criativas e proativas;
5. Formação de base ampla (Física, Química, Matemática,
Ética);

92 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

6. Capacidade de comunicar-se, negociar, conciliar pontos


de vista, saber escutar;
7.
Auto-estima, buscar desafios, trabalhar em grupo
(Formación profesional en América Latina. (OEI. IBERFOP:
seminario sobre formación profesional y empleo, 2008e).

Para Zúñiga, justifica-se ter atenção em relação à


empregabilidade, em virtude de vivenciarmos uma contínua
instabilidade nos locais de trabalho, no sentido de haver uma
constante mudança nos locais de produção. Conseqüentemente,
para esse autor, faz parte do passado a relação direta entre
formação e emprego. Em outra palavras, não há mais sentido
formar para um posto de trabalho específico.
Entendemos serem pertinentes algumas considerações
sobre a posição de Fernando Zuñiga, relativas ao fim da
superação entre o pensar e o fazer; sobre enriquecimento
das tarefas em virtude do fim das práticas fragmentárias do
taylorismo-fordismo, bem como a afirmação de que o trabalho,
com a produção flexível, tornou-se mais intelectualizado.
Essas afirmações não encontram sustentação, em virtude
de elas deixarem de levar em consideração elementos inerentes
à produção capitalista, e não modificados com a ascensão do
modelo toyotista. Há um movimento histórico do capital de
buscar ter total controle do processo de produção. Nesse
sentido, é ilusão acreditar que há o enriquecimento das tarefas
e que, no processo de produção, está havendo a recomposição
do controle da produção por parte do trabalhador. Aqui estamos
usando o termo controle no aspecto de superar o processo de
alienação instaurado no capitalismo, em virtude da radicalização
da divisão do trabalho (BRAVERMAN, 1987).
Se aceitássemos as afirmações feitas por Fernando
Zúñiga, sobre o enriquecimento das tarefas no processo de
produção, poderíamos chegar à ideia extremamente equivocada
de que o projeto de educação profissional que interessa aos
trabalhadores ser também aquele almejado pelos patrões. Ou
seja, chegaríamos à compreensão de não existir cisões entre
patrões e empregados, que as questões educacionais, não só
no que diz respeito a seu conteúdo, mas também em relação ao
seu financiamento, não podem mais ser vistas a partir da análise
de interesses e de projetos societais antagônicos. Nesse sentido,

junqueira&marin editores 93
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

acho importante destacar a afirmação de Oliveira (2006b) sobre


a diferença de projetos educativos que têm trabalhadores e
patrões, reforçando nossa discordância em relação a Fernando
Zúñiga:

A impossibilidade de consensualidade entre trabalhadores e patrões


é definida, entre outros fatores, pela clareza por parte da classe
trabalhadora de que a idéia de formação e de qualificação assumida
pelos representantes do capital pressupõe a exclusão dos assalariados.
A requalificação, ou a aquisição de novas competências verbalizadas e
defendidas pelo setor empresarial, não pressupõe a criação de novas
formas de incorporação dos trabalhadores à dinâmica produtiva; não
se estabelece como um movimento de maior participação inclusiva
dos mesmos, muito menos como co-gestores das novas dinâmicas
do processo de produção. Ocorre o estímulo à competição e à
individualização dos empregados objetivando o aumento, em escala
crescente, dos índices de produtividade (OLIVEIRA, 2006b, p. 62).

Oliveira, em outro trabalho (OLIVEIRA, 2003), destaca o


fato de que a própria forma de contratação de trabalhadores,
estabelecida na produção de caráter flexível, é a expressão do
movimento do capital de tornar-se cada vez mais autônomo e
ter controle sobre o processo de produção. A contratação de
trabalhadores temporários e a tercerização da mão-de-obra
empregada expressam uma nova tentativa de esfacelamento
do aparato sindical, como forma de minar toda e qualquer
resistência dos trabalhadores ao domínio do capital sobre o
processo de produção.
As novas formas de relacionamento entre capital e
trabalho têm consequências nos aspectos éticos, políticos e nas
práticas de sociabilidade vivenciadas pelos trabalhadores no
interior dos locais de trabalho. É importante registrar que essa
nova sociabilidade baseia-se num processo de subordinação/
acatamento por parte do trabalhador, por medo ou receio de
perda de emprego.
O capital desenvolve estratégias de esfacelamento das
práticas de contestação à nova ordem, não importa se pela
utilização de mecanismos de cooptação do movimento sindical
ou dos trabalhadores, ou por uma ação explicitamente violenta
direcionada àqueles que questionam essa nova ordem. De

94 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

qualquer forma, evidencia-se uma nova hegemonia do capital. Em


posição contrária a Zúñiga, questionamos o quanto a produção
de caráter flexível efetivamente promoveu o enriquecimento
das tarefas, o quanto diminuiu a alienação dos trabalhadores,
o quanto contribuiu para recompor o controle do processo de
trabalho nas mãos dos trabalhadores e o quanto pôs fim ao
trabalhador típico do taylorismo-fordismo, principalmente nos
aspectos ético e político.
Por último, queremos destacar que o desemprego não
é algo a ser enfrentado apenas com a mudança no foco ou
no processo de qualificação profissional, mas principalmente
pela elaboração de políticas públicas ou pela definição de um
projeto de desenvolvimento econômico capaz de gerar mais
postos de trabalho. Nesse sentido, ainda que concordemos com
a necessidade de repensarmos os modelos atuais de formação
profissional, não podemos deixar de evidenciar o quanto é
urgente a implementação de políticas geradoras de postos de
trabalho, inclusive para setores com baixo nível de escolarização
e de pouca qualificação profissional, que não são poucos em
toda a América Latina.
Não arriscaríamos dizer se foi a existência de um
consenso sobre a nova identidade da educação profissional por
parte dos países iberoamericanos, ou se foi a compreensão da
pouca efetividade das ações do Programa IBERFOP para ajudar
a superar suas dificuldades, o fato é que constatamos uma
participação muito pequena dos países da região nas ações
efetivamente colocadas em prática. Para se ter uma idéia do teor
desta participação, constatamos que, dos 23 países participantes
da OEI, apenas 10 realizaram alguma apresentação, nos nove
encontros realizados. Na prática, apenas Argentina, Colômbia,
Espanha e México tiveram uma participação efetiva nesse
Programa.
Observamos, ao analisarmos o conjunto de textos
apresentados, e exposições realizadas nos diversos seminários,
fóruns e cursos, que eles, em sua maioria, voltaram-se para a
apresentação das experiências de cada nação. O Programa,
se na sua concepção teria uma preocupação em garantir
ações de cooperação, marcadamente pelas transferências de
metodologias e desenvolvimento de sistemas de formação
profissional, resumiu-se a ser muito mais um espaço de relatos

junqueira&marin editores 95
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

de experiência e bem menos um instrumento de formação


de
e deexperiência
qualificação técnicaeparabem menosdeum
a consolidação umain-nova
institucionalização da educação profissional.
strumento de formação
Das 58 apresentações que analisamos,e de quali-
apenas 10 foram
efetuadas por assessores ou por profissionais convidados
ficação técnica
para desenvolver para ade consolidação
uma atividade cunho mais formativo,
evidenciando o fato que o IBERFOP terminou por ser esvaziado,
de
tantouma nova
no referente institucionalização
à participação da
de representantes dos países
membros da OEI, quanto ao seu papel de espaço formativo
educação
e disseminador profissional.
de um modelo institucional de educação
profissional.
DasConcluímos
58 apresentações
que, embora o ProgramaqueIBERFOP
analisa-tenha sido
criado com o objetivo de melhorar e garantir um modelo comum
mos, apenas
de formação 10entre
profissional foram
os paísesefetuadas
ibero-americanos,por
teve
uma influência muito diminuta no interior dessas nações. Como
assessores ou por
seu projeto de educação profissionais
profissional con-
pautava-se no atendimento
às exigências do setor produtivo, seu intuito já vinha sendo
vidados
perseguido porpara desenvolver
quase todas uma
as nações, não só no que dizativi-
respeito
à educação profissional e à educação básica, mas também pelo
dade
conjunto de cunho
de ações mais
promovidas pelosformativo, evi-
governos nacionais, como
forma de garantir que as políticas educacionais se adequassem
denciando
às reestruturações o fato
pelos quaisque o IBERFOP
os Estados nacionais passaram,
visando atender às exigências do capital internacional, sob a
terminou
forte ofensiva das por ser internacionais
agências esvaziado, tanto
de financiamento
(OLIVEIRA, 2006a) . 5

no referente
Essa constatação à participação
nos leva a crer quede rep- de
o desejo
transformar as economias dessas nações mais competitivas,
resentantes
principalmente a partirdos das países
preocupações membros
expressas peladaCepal
no início da década de 90 (CEPAL, 1996, CEPAL/UNESCO, 1992),
levou-as a, acriticamente, incorporarem referências de formação
profissional e a tomarem como inadequado os modelos de
formação profissional existentes. Essa incorporação terminou

5. Embora não tenham se preocupado em fazer uma análise crítica dos motivos
que levaram os países latino-americanos a desenvolverem reformas nos seus
sistemas educacionais, uma vez que esse trabalho foi financiado pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), o livro de Carnoy e Castro (1997) é
um trabalho de referência para visualizar o conjunto de ações implementadas
pelos governos nacionais da América Latina, na perspectiva de atender ao que
Gentili (1998a, 1998b), com muita razão, chamou de Consenso de Washington
na educação.

96 junqueira&marin editores
FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

por fazer com que reformas fossem implementadas, sem o


consentimento e a aprovação daqueles que materializam essa
formação no chão da escola. Ou seja, as ações de resistência
(RAMOS, 2001, CORDEIRO, 2004, GOUVEIA, 2005), ou de
adequação do modelo de competências às práticas tradicionais
de formação profissional (NUNES, 2006), terminam por ser
uma consequência da aceitação (subordinação) de proposições
educacionais estranhas aos modelos, às culturas e às histórias
da formação profissional dos países latino-americanos.
Considerando particularmente o Brasil e sua relação com
o IBERFOP, constatamos que sua participação foi insignificante.
Sua larga experiência no campo de formação profissional, não só
em virtude da expressiva quantidade de pessoas formadas pelo
Sistema S, mas também por ter uma rede pública de educação
profissional de reconhecida qualidade, deveria tê-lo levado a
atuar de forma mais incisiva nas discussões travadas durante a
vigência do Programa. ⌂

referências

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junqueira&marin editores 99
la tarea incumplida en la
formación de docentes de
educación básica en méxico6

María Teresa Yurén Camarena


UNIVERSIDAD AUTÓNOMA DEL ESTADO DE MORELOS - MÉXICO

En este trabajo se examinan los cambios en las políticas y


el currículo para la formación de docentes de educación básica
ocurridos en México a lo largo de 125 años. Dichos cambios se
contextualizan en los respectivos proyectos nacionales en los que
se inscriben, a fin de mostrar el modo de ser docente y la peculiar
articulación entre la teoría y la práctica que se favorecieron en
cada momento histórico.
La argumentación corre en dos vías complementarias. La
primera apoya la tesis de que, a pesar de los cambios curriculares,
no se ha logrado el equilibrio entre teoría y práctica que es
necesario para formar a los docentes como agentes de la praxis
educativa. La segunda pone el acento en que el modo de ser
docente no responde a las exigencias del mundo de la modernidad
líquida porque varios de los rasgos que lo caracterizan fueron
gestados en los proyectos de la modernidad sólida.

6. En este trabajo se retoma y complementa un artículo de la revista Educaçao


& realidade (cf. YURÉN, 2009). La versión que aquí se presenta fue organizada
específicamente para este libro y es inédita. Contiene datos actualizados sobre
el tema y un examen de aspectos no tratados en el artículo aludido.

100 junqueira&marin editores


Los datos se obtuvieron de: a) los informes de gobierno7
en los que se reportan las políticas y programas ejecutados;
b) los planes gubernamentales para el sector educativo en los
que se expresan implícita o explícitamente las finalidades y
estrategias previstas, y c) los mapas curriculares (“matrizes”) de
la educación normal producidos entre 1887, fecha en la que se
creó la Escuela Normal para Profesores, y 1997 que corresponde
a la última reforma8.
Para la contextualización de todos estos elementos, nos
basamos en un trabajo previo de reconstrucción y periodización
de los proyectos educativos (YURÉN, 2008), y para argumentar
en torno al modo de ser del docente tomamos como base los
trabajos de Z. Bauman (2000, 2007).
El método aplicado siguió lineamientos de la arqueología
y la genealogía de Foucault (1987, 1992) que nos orientaron a
buscar en el pasado las condiciones que explican lo que somos
hoy y a reconstruir los proyectos educativos con base en las
tramas de creencias, valores y relaciones de poder que reveló el
análisis (YURÉN, 2002).

la praxis y los proyectos educativos:


algunas precisiones
Una práctica es un conjunto de actividades, pero no
todas las actividades tienen el mismo nivel de conciencia y
creatividad. Seguimos a Sánchez Vázquez (1980) quien afirma

7. Los informes, hasta 1985, se consultaron en la obra Los presidentes de México


ante la Nación (CÁMARA DE DIPUTADOS, 1985). Los informes de 1986 en
adelante se consultaron en las páginas de Internet del Poder Ejecutivo. En
adelante, sólo se indicará la abreviatura ‘Inf.’ y se agregará la fecha del informe
correspondiente.

8. Los mapas curriculares analizados se encuentran en archivos de la Dirección


General de Educación Superior para Profesionales de la Educación y de la
Universidad Pedagógica Nacional.

junqueira&marin editores 101


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

que, a diferencia de las actividades meramente biológicas, la


praxis es la actividad en la que “los actos dirigidos a un objeto
para transformarlo se inician con un resultado ideal, o fin, y
terminan con un resultado o producto efectivos, reales” (ibid,
p. 246). En ella se lleva a cabo la dialéctica sujeto-objeto: “la
actividad teórica, subjetiva, de por sí no es praxis, tampoco
lo es una actividad material del individuo […si] falta en ella el
momento subjetivo, teórico” (ibid, p. 247).
Mientras que la praxis social se orienta a la transformación
de la sociedad, la praxis educativa busca contribuir a que los
sujetos se transformen a sí mismos gracias a sus objetivaciones
e interacciones. Una buena praxis educativa requiere una
adecuada articulación entre la práctica y la teoría en la que se
conjuntan finalidades, principios y saberes que sirven de base
a la acción. La praxis educativa se vuelve imposible cuando
predomina:

a) la práctica reiterativa, que tiene lugar cuando el proyecto


se considera perfecto y opera como entidad platónica
inmutable, de modo que la práctica que responde a
ese proyecto se reitera de manera acrítica (ibid) y, en
ocasiones, se ritualiza;

b) la práctica burocratizada en la que el proyecto deja


de alimentar la actividad, por lo que ésta se realiza
mecánicamente, sin un sentido que la anime (ibid);

c) el teoricismo que se funda en la creencia de que basta


acumular conocimientos teórico-disciplinares para
generar una buena práctica docente, y

d) la práctica alienada que tiene lugar cuando la lógica que


guía las acciones es de carácter instrumental y los fines
que guían la práctica son ajenos a los fines propiamente
educativos.

La praxis educativa es superación de esas formas de asumir


la relación teoría y práctica, pues, además de estar animada
por un proyecto que es asumido y orientado por teorías que se
someten a crítica constante, es una forma de objetivación que

102 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

transforma a los sujetos a la vez que contribuye a desencadenar


en otros diversas formas de praxis. La praxis educativa es
básicamente creativa, pues no hay recetas ni fórmulas fijas para
realizarla.
La articulación entre teoría y práctica en la formación de
docentes está condicionada por el proyecto educativo nacional
que consiste en un conjunto de fines, principios y políticas
organizados en torno a un valor central. Esta organización es
resultado de las relaciones de fuerza, en un momento histórico
determinado, y opera como parte de una estrategia, en la que
de manera más o menos estable, se integran y estructuran, sin
armonizarse, diversos poderes y resistencias (FOUCAULT, 1992).
Los proyectos educativos nacionales a los que aludimos
son: el positivista (1867-1910), el revolucionario (1911-1940), el
desarrollista (1941-1981) y el modernizador (de 1982 hasta la fecha)
(YURÉN, 2008). Mientras que los tres primeros son manifestación
de la modernidad sólida que se caracterizó por el modelo fordista
de industrialización, acumulación y regulación, en el que el capital
y el trabajo estaban fijados a un lugar e inmovilizados, el proyecto
actual es expresión de la modernidad líquida en la que el capital se
mueve todo el tiempo y se desmantelan las redes e instituciones
que protegían a los individuos (BAUMAN, 2000).

los cambios curriculares a través del tiempo:


un resumen
Aunque el currículo es un proceso complejo que no
se reduce a la formulación de un instrumento prescriptivo
(GIMENO, 1992), aquí sólo nos interesa destacar los contenidos
teóricos y prácticos que, en su momento, se juzgó relevante y
pertinente seleccionar, de acuerdo con las políticas y finalidades
prevalecientes derivadas del proyecto que les da sentido, con la
finalidad de mostrar cómo se va modificando a lo largo del tiempo
la articulación de estos contenidos en el currículo.
En la tabla 1 se aprecia la distribución de los contenidos
curriculares (UC). En ella se aprecia que la escolaridad que
se determinó como requisito (columna R) para ingresar a la
formación docente inicial fue, entre 1887 y 1958, la educación
primaria, a partir de 1959 fue la educación secundaria y, desde
1984, el bachillerato (B).

junqueira&marin editores 103


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Tabla 1. Resumen del examen de los mapas curriculares de formación docente inicial.9
PE Año R D HS UC T % P % FG % C % CEP %
Positivista 1887 4 nd 56 4 7 5 9 9 16 4 7 34 61
a
1902 6 nd 71 8 11 0 0 14 20 5 7 44 62
P a
1909 5 22 46 4 9 3 7 5 11 6 13 28 61
a
Revolucionario 1923 5 31 44 3 7 8 18 5 11 5 11 23 52
a
1936 6 32 73 11 15 11 15 18 25 3 4 30 41
a
Desarrollista 1945 6 34 38 11 29 6 16 10 26 7 18 4 11
a
1959 3 32 28 8 29 6 21 4 14 2 7 8 29
a
1969 S 4 36 40 12 30 2 5 9 23 4 10 13 33
a
1972 32 96 11 11 12 13 12 13 2 2 59 61
1975 31 70 6 9 6 9 12 17 8 11 38 54
1977 8 32 76 7 9 8 11 14 18 10 13 37 49
Modernizador 1984 s 30 62 8 13 8 13 11 18 2 3 33 53
1997 B 32 45 6 13 10 22 9 20 4 9 16 36
PE: Proyecto educativo
R: indica los estudios previos señalados como requisito en cada mapa curricular: primaria (P),
secundaria (S) y bachillerato (B).
D: duración de cada plan de estudios en años (a) o en semestres (s).
HS: total de horas por semana de actividad escolar.
UC: total de unidades curriculares (cursos, talleres, prácticas, etc.) en cada mapa.
T: unidades con contenidos básicamente teóricos psicopedagógicos.
P: unidades referidas a la práctica docente y la observación de la misma.
FG: unidades para la formación general (no profesional) del estudiante, con un fuerte peso
teórico.
C: unidades centradas en competencias para la interacción, la reflexión y la crítica.
CEP: unidades para la formación en los contenidos de la educación primaria, con énfasis en la
teoría.
Tabla tomada de Yurén (2009, p. 36), con algunos ajustes.

La tabla también revela que, a diferencia de la tendencia


al incremento paulatino en los requisitos de escolaridad para
cursar la formación docente inicial, se observan oscilaciones en
la duración de los estudios (columna D) y en el número total de
unidades curriculares (columna UC), así como en los porcentajes

9. Hasta 1992, educación básica era equivalente a educación primaria. En 1993 se


reformó el Artículo 3º. Constitucional para establecer que la educación básica
obligatoria incluiría la primaria y la secundaria; en 2002, otra reforma incluyó
también la educación preescolar (cf. PODER EJECUTIVO, 1993, 2002). En tabla
sólo incluimos datos de la formación de profesores de primaria.

104 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

correspondientes a los grupos de asignaturas distinguidos.


Las variaciones a lo largo del tiempo son explicables como
resultado de las políticas que orientaron el diseño curricular
y la articulación teoría-práctica. A su vez, dichas políticas son
expresión de la manera en la que se resolvieron las tensiones en
cada momento. Esto hace explicable que cada reforma busque
revertir decisiones curriculares previas, eliminando asignaturas
de un tipo e incrementando otras. Por ejemplo, en la reforma
de 1969, se criticó el exceso de conocimientos pedagógicos en
detrimento de las disciplinas que se enseñaban (CURIEL, 1981,
p. 457), mientras que en la reforma de 1997, la Secretaría de
Educación Pública (SEP) destacó que el plan de 1984 hacía un
“énfasis excesivo en el estudio de disciplinas teóricas”, y que
su orientación a la investigación-acción contribuía poco a “la
formación de un maestro con […] las destrezas culturales básicas,
la capacidad de aprendizaje autónomo [y] la formación científica
para manejar con seguridad los contenidos de la enseñanza”
(SEP, 1997, p. 12).
En los siguientes apartados examinaremos el sentido
que adquieren las reformas curriculares en el contexto de los
proyectos educativos en los cuales se inscriben y la articulación
entre teoría y práctica que se da en cada uno de ellos.

el docente guardián del orden y la


verdad científica en el proyecto positivista
El proyecto educativo positivista estuvo vigente entre
1867 y el estallido de la Revolución mexicana en 1910. “Orden
y progreso” fue su divisa, y las condiciones estructurales en las
que se desarrolló fueron las de un capitalismo dependiente y un
Estado nacional que surgía con una contradicción de base: era
liberal en las relaciones jurídico-políticas, pero era oligárquico
en la conducción de los asuntos públicos. Se insistía en que
cada individuo e institución tenía una función específica en
la conservación del organismo social y se consideraba que
la finalidad de la educación consistía en lograr orden en la
conciencia para tener orden en la sociedad, forjando una moral
social para fortalecer las instituciones sociales -patria, familia y
propiedad- y emancipar las mentes respecto de dogmatismos y
fanatismos (YURÉN, 2008).

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

En relación con los docentes, la política estableció su


profesionalización para conseguir “la perfecta uniformidad en la
enseñanza primaria” (Inf. 1883) y la contribución del magisterio
en “la obra patriótica de ilustrar al pueblo y de inspirarle
virtudes cívicas” (Inf. 1886) así como en la conformación de
un fondo común de verdades y valores. Se sentaron las bases
de una educación normal crecientemente uniformizadora y se
fundaron instituciones como la Escuela Normal para Varones
(1887), la Escuela Normal para Profesoras (1890) y la Dirección
General de Enseñanza Normal (1901).
En congruencia con los idearios liberal y positivista, con
las reformas curriculares de ese período (1887, 1902 y 1909) se
incorporó la educación cívica y moral, desligada de la religión, y
se puso énfasis en las disciplinas por enseñar en detrimento de
las prácticas. La presencia de UC dedicadas a ejercicios militares10
da idea de que se buscaba formar al ciudadano como “soldado al
servicio de la Patria” y fomentar la obediencia como virtud, para
generar un orden social que supuestamente conduciría al progreso.
En resumen, en el marco del proyecto positivista, el
docente se formó con la misión de ser guardián del orden y del
pensamiento uniforme, y el currículo privilegió el teoricismo
centrado en las disciplinas y, en consecuencia, no favoreció la
praxis educativa.

la docencia como apostolado


en el proyecto revolucionario
El movimiento revolucionario que detonó en 1910
transformó las condiciones estructurales del país. Al finalizar
la lucha armada, el Estado devino interventor en el plano
económico; en el político, se reconstituyó sobre la base de los
derechos sociales y se perfiló como nacionalista, presidencialista
y semi-corporativista. Se buscaba combinar las demandas
expresadas en los lemas revolucionarios: el de los liberales
“sufragio efectivo, no reelección”, y el de los zapatistas “tierra y
libertad” (YURÉN, 2008).

10. Los ejercicios militares estaban destinados a los varones. Las mujeres realizaban
labores domésticas, lo cual muestra que el “orden” esperado en la sociedad
incluía roles de género.

106 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

El proyecto educativo (1911-1941) combinó la cultura de


origen oligárquico con la cultura de las masas. El valor central
que organizó los fines y principios de la educación fue la justicia
social. La educación se veía como un proceso que liberaba
energías, socializaba y capacitaba para el trabajo productivo;
era también un instrumento de concientización. Los principios
de libertad, laicidad y gratuidad de la educación se refrendaron
en la Constitución de 1917, arropados por una mística cultural
que confería al maestro la calidad de apóstol. La lucha contra
el analfabetismo, la atención a la educación de la población
indígena y rural y la educación técnica caracterizaron el periodo
(ibid).
En 1921, se creó la Secretaría de Educación Pública y en
todo el periodo fue patente el interés por mejorar la situación
económica y laboral del maestro. La educación rural se
impulsó fuertemente; se multiplicaron las misiones culturales
en poblados y rancherías (Inf. 1924), aumentaron las plazas
docentes y se fomentó la formación de maestros rurales (Inf.
1928). En el primer plan sexenal (1934-1940), se incluyó la
creación de un Consejo de Educación Rural y se establecieron
como principios educativos: la actividad, la utilidad y la relación
de los contenidos de aprendizaje con la vida (SECRETARÍA DE
PROGRAMACIÓN Y PRESUPUESTO, 1985). También, se procuró
que la educación contribuyera a resolver los problemas que
afectaban a la comunidad y formara hábitos de trabajo y
cooperación (Inf. 1940).
En los planes de este periodo hubo un esfuerzo por
combinar la teoría con la práctica. En el plan de 1923 se
establecieron nueve asignaturas en las que se combinaba el
conocimiento de las disciplinas con la práctica (“Psicología y
su práctica” y “Prácticas agrícolas”, por ejemplo). Sin embargo,
la preocupación por ideologizar y el persistente teoricismo
provocaron que la relación teoría-práctica quedara reducida
a una práctica reiterativa en la que el proyecto se veía como
incuestionable.
Además, se sentaron las bases para que la actividad
profesional se ejerciera no como praxis creativa sino como
práctica ritualizada, pues el perfil profesional que se perseguía
quedó matizado por la figura del maestro misionero, del apóstol,
no sólo porque el proceso formativo lo hacía poseedor de una

junqueira&marin editores 107


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

verdad que debía transmitir, sino también porque debía ir en


misiones culturales para redimir a otros de la ignorancia. Esto
trajo consigo una forma de articulación de la teoría y la práctica
que no contribuyó a la praxis educativa y, en cambio, favoreció
una práctica profesional que, por haber adquirido un carácter
cuasi-sagrado, se hizo resistente al cambio, a la crítica y a la
autocrítica, lo cual favoreció la práctica burocratizada.

el docente como técnico


en el proyecto desarrollista
Durante el periodo que va de 1941 a 1981, se aplicó en
el plano económico una política que favorecía el desarrollo
capitalista de tinte nacionalista. En lo político, se vivió el
surgimiento del segundo Estado nacional, caracterizado como
Estado-patrón, semi-corporativo y presidencialista. También
fue Estado-árbitro, pues por encima de los conflictos buscaba
conciliar intereses, ser la fuente del derecho y velar por los
derechos sociales. Por su parte, el proyecto educativo se organizó
en torno a la idea de que se requería el desarrollo económico
como vía para la paz y la felicidad de todos. Para legitimarse, el
Estado combinó, no sin contradicciones, el liberalismo social, el
populismo y una democracia restringida al ejercicio del voto, y
asentada en la idea de armonía social y unidad nacional (YURÉN,
2008).
Fue un periodo caracterizado por un reacomodo de las
fuerzas políticas como consecuencia de la segunda guerra mundial
y la guerra fría, así como de los movimientos revolucionarios
latinoamericanos, el surgimiento del sindicalismo independiente
y el movimiento estudiantil de 1968. En ese contexto, se
abandonó todo aquello que pudiera interpretarse como
socialismo y se impulsó la idea de que la educación contribuía al
desarrollo armónico de las facultades del ser humano y, al mismo
tiempo, era como un proceso de capacitación para convertir a
los individuos en factor de progreso. La educación se consideró
como una inversión y se presentó como un medio de selección y
ascenso social. Las finalidades que se hacían explícitas oscilaban
entre la promoción de hábitos y valores adecuados a la sociedad
moderna y la formación de ciudadanos que contribuyeran a
mantener la independencia política y económica, acrecentar la

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cultura y promover la democracia. De acuerdo con los tiempos


que corrían, a la obligatoriedad, la gratuidad y el laicismo,
se agregó como principio educativo el reconocimiento de
la pluralidad étnica, lingüística y cultural, aunque se siguió
aplicando el de homogeneidad de los contenidos en la educación
básica (YURÉN, 2008).
La dinámica del crecimiento demográfico y la consecuente
expansión de la educación básica provocó, por un lado, el
crecimiento de la matrícula de las escuelas normales y la
multiplicación del número de éstas, especialmente en el medio
rural; por otro, la creación de nuevas instituciones dedicadas a
la formación de profesores y la diversificación de las funciones
de las instituciones que se ocupaban de esa formación11. Más
tarde, al conjunto de estas instituciones se le llamó “sistema de
educación normal”.
Los cambios cuantitativos en la educación normal se
acompañaron de cambios cualitativos. Se diseñó un plan de
estudios por especialidades para profesores de educación
secundaria, se estableció la primera escuela normal para la
formación de maestras de jardines de niños y se fundó la
primera escuela normal de especialización. Se procuró reducir
“el peso que la formación ideológica y política tenía en los
planes anteriores” (SEP, 1997, p. 12), pero paradójicamente,
la desideologización se tradujo en una ideologización distinta,
que favoreció una desigualdad social fundada en una frágil
democracia y sentó las bases para la posterior instauración de
las políticas neoliberales.
Pese a la expansión de la educación normal, en las zonas
rurales hubo necesidad de incorporar a la tarea educativa a
jóvenes sin formación normalista. Para atender a diversos tipos
de poblaciones se crearon centros regionales de educación
normal y escuelas normales experimentales, así como normales
con internados. En 1942 se creó el Instituto Federal de
Capacitación del Magisterio con el fin de que los profesores en

11. En 1943 se crearon 30 misiones culturales y en 1947 habían aumentado a 67.


En 1944 se creó el Instituto Federal de Capacitación del Magisterio y en 1947 la
Dirección General de Enseñanza Normal. El Instituto Nacional de Pedagogía se
reorganizó en 1945 y 1947.

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servicio no titulados realizaran estudios para obtener el título


de licenciatura (SEP, 1945) y se pusieron en funcionamiento
26 radiodifusoras para transmitir cursos de perfeccionamiento
profesional (Inf. 1960).
En la década de los setenta pasó a un primer término, en
el nivel del discurso, la dimensión cualitativa de la educación,
junto con la descentralización de los servicios y la organización
académico-administrativa, además de la vinculación de la
formación de docentes con la investigación. Se inició, entonces,
la política de restricciones de matrícula que años más tarde se
tradujo en falta de profesores para las zonas rurales. En 1979 se
creó la Universidad Pedagógica Nacional que, además de ampliar
las opciones de formación de profesionales de la educación,
ofreció estudios de licenciatura a distancia para los maestros en
servicio que no contaban con formación de nivel terciario.
En esos años, la matrícula de las escuelas normales tuvo
un crecimiento acelerado y sin control que la llevó de 111,000
alumnos, en el ciclo 1973-1974, a 333,000 en el ciclo 1981-
1982, el punto más alto de su crecimiento (SEP, 1997, p. 13). El
incremento en la demanda se atribuyó a que resultaba atractivo
que con ocho semestres después de la secundaria se tuviera la
garantía de contar con una plaza al egresar de la escuela normal
pública. Incluso los egresados de las normales particulares
obtenían fácilmente empleo en las escuelas12.
Durante las cuatro décadas de este periodo se efectuaron
seis cambios curriculares que, vistos en retrospectiva, pueden
identificarse como avances paulatinos en el proceso de
constitución de la profesión docente. En 1945 se reorganizó la
educación normal al distinguir en ella dos ciclos de tres años
cada uno: educación secundaria y formación profesional; cabe
señalar, sin embargo, que de las 38 asignaturas del segundo ciclo,
17 seguían siendo de formación general y poco se relacionaban
con la práctica docente.
A partir de 1959 las escuelas normales se ocuparon sólo
del ciclo de tres años de formación profesional, a la vez que
se estableció la educación secundaria como requisito para el

12. En el ciclo 1981-1982 las normales particulares contaban con 65,200 alumnos, lo
que representaba el 41% de la matrícula total (SEP, 1997).

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ingreso. Diez años después un cambio curricular aumentó a


cuatro años la duración de la educación normal, pero ésta siguió
teniendo como requisito la secundaria, y así se mantuvo a lo
largo de un cuarto de siglo.
En la representación social, la docencia aparecía como una
sub-profesión de carácter técnico. A ello contribuyó en buena
medida el alto número de materias dedicadas a los contenidos
disciplinares y a la formación general, propia del bachillerato,
que fue en detrimento de la formación específica del docente
(SEP, 1997, p. 14) y significó una reducción en los contenidos de
teoría pedagógica y un tratamiento de la práctica docente más
como un ejercicio didáctico de carácter técnico que como una
praxis educativa.
Así, los planes de estudios del periodo obedecieron a una
lógica instrumental, la actividad del profesor devino práctica
burocratizada y la figura del docente se redujo a la de un técnico
al servicio del desarrollo, que poco tenía que ver con la finalidad
explícita del proyecto educativo que buscaba forjar profesionales
creativos, críticos y autocríticos. Por ello, estos planes de estudio
tampoco formaron agentes para la praxis educativa.

el docente como competidor


en el proyecto modernizador
A partir de 1982 México empieza a entrar de lleno a la
globalización, entendida como una serie de procesos que conducen
a una sociedad mundial sin Estado mundial y sin gobierno mundial,
en la que no existe ningún poder hegemónico visible ni ningún
régimen internacional, pero sí un capitalismo desorganizado (BECK,
1998). El capital queda liberado de los corsés que le imponían el
Estado y las leyes del trabajo, y los Estados nacionales soberanos
quedan entremezclados con actores transnacionales y “con sus
respectivas probabilidades de poder, orientaciones, identidades y
entramados varios” (ibid, p. 29).
Las políticas dictadas por organismos financieros mundiales
como el Fondo Monetario Internacional y el Banco Interamericano
de Desarrollo se concretaron en un sistema de financiamiento
condicionado a la evaluación de la productividad, que se
acompañó de una descentralización de las responsabilidades y
una centralización de la rendición de cuentas.

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Como efecto de esa política, propia de la modernidad


líquida, las instituciones educativas se ven sometidas al juego
de la competencia, que hace inestables e inseguros el empleo,
los ingresos que se perciben, los recursos con los que se cuenta
para realizar el trabajo y los programas y proyectos que se
echan a andar. Los salarios y los financiamientos se castigan
hasta el punto de permitir apenas la sobrevivencia y, en cambio,
se ofrecen estímulos por productividad, que se aplican tanto
a las personas como a las instituciones. Estos estímulos, que
dependen de evaluaciones periódicas, han ido sustituyendo
no sólo las prestaciones de antaño sino también el salario.
Los trabajadores de la educación, al igual que el resto de los
trabajadores, se ven sometidos a la incertidumbre. Si tienen
una plaza definitiva saben que difícilmente la perderán, pero
deben concursar para aumentar sus ingresos, a sabiendas de
que cualquier eventualidad que les impida participar en los
concursos (por ejemplo, una enfermedad) haría caer por tierra
su ingreso familiar. El trabajador de la educación se ve, en el
mejor de los casos, en la alternativa de tener dos o tres trabajos
o someterse a la evaluación constante.
Para entrar de lleno en la globalización se requería
modernizarse y ello implicaba elevar la productividad y la
eficiencia. De este modo, la modernización apareció como el
criterio axiológico del proyecto educativo, la productividad
como principio rector de las políticas, y la eficiencia como una
finalidad que se sobrepuso a otras finalidades sociales –como la
equidad y la democracia- que también se presentaron, a nivel
del discurso, como valores. El mecanismo idóneo para lograr
la aplicación de los principios y el logro de los fines ha sido la
competitividad. A partir de los años ochenta, en los diversos
niveles educativos se han implantado estrategias y mecanismos
para concursar y obtener recursos. Todo se evalúa (las escuelas,
los programas, la organización, la productividad académica y la
vinculación con la sociedad) y el financiamiento depende de la
evaluación.
Desde la perspectiva oficial, había más profesores de los
que se requerían y ello amenazaba convertirse en conflicto. Esto,
aunado a las deficiencias que se observaban en la formación de
los docentes, hizo necesarias reformas de fondo. Las primeras
medidas tomadas fueron la descentralización educativa y la

112 junqueira&marin editores


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restricción de la matrícula en las especialidades saturadas en la


educación normal (Inf. 1983).
En la misma línea, en 1984 un acuerdo presidencial
impulsó el cumplimiento de la norma que establecía que la
educación normal formaba parte de la educación de tipo
superior13. El acuerdo determinó que la educación normal
tendría en lo sucesivo el nivel académico de licenciatura y el
bachillerato como requisito de ingreso. También obligó a las
instituciones formadoras de profesores a ocuparse, al igual que
las universidades, de las funciones de investigación y difusión de
la cultura.
Como consecuencia del acuerdo mencionado, se elaboró
un nuevo plan de estudios para las escuelas normales y en ellas
se efectuaron cambios en su organización y funcionamiento,
en la asignación de responsabilidades y en las condiciones
laborales del personal académico. Al poner al bachillerato como
requisito de la educación normal hubo una disminución drástica
de la demanda, que tradicionalmente había sido alta, con la
consecuente reducción de la planta docente de las escuelas
normales.
Después de un periodo de contracción de siete años, la
matrícula comenzó a crecer de manera sostenida (SEP, 1997).
Sin embargo, mientras algunas entidades prepararon más
profesores que los requeridos por sus sistemas escolares, otras
tuvieron que contratar maestros formados en otras entidades
e, incluso, habilitar bachilleres como profesores de educación
primaria, especialmente para atender las zonas rurales de alta
marginación (ibid).
Al evaluar el plan de 1984, se dijo que en él se habían
incluido contenidos teóricos que hasta entonces no eran
estudiados en las escuelas normales, con el propósito de
incorporar los resultados de la investigación a la actividad
docente, pero que no se habían logrado los resultados previstos
porque no se había resuelto adecuadamente el aprendizaje de
la teoría y su relación con el ejercicio de la profesión, y no se
había establecido con suficiente claridad el tipo de conocimiento

13. Artículo 18 de la Ley Federal de Educación (PODER EJECUTIVO, 1973).

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requerido para la investigación educativa. Se concluyó que, al


incluir un número excesivo de objetivos formativos de realización
compleja, el plan de 1984 debilitó el cumplimiento de la función
central y distintiva de las escuelas normales: formar para la
enseñanza y para el trabajo en la escuela (ibid)14.
Con el plan de 1997, se pretendió superar los problemas
detectados; en especial la desvinculación entre los contenidos
de las asignaturas pedagógicas y didácticas, así como su
aplicación en el desempeño del maestro. Este plan, actualmente
vigente, se organiza en tres conjuntos de UC que configuran sus
áreas curriculares: a) actividades principalmente escolarizadas;
b) actividades de acercamiento a la práctica escolar, y c) ejercicio
docente.
El currículo de 1997 tiene varias ventajas sobre los
anteriores, pero no logra superar del todo ciertas tendencias
que obstaculizan la construcción de una praxis educativa.
Mencionaremos tan sólo tres de ellas:

1. Aunque al plantear el perfil de egreso se indican cinco


tipos de competencias15 que habrá de adquirir el futuro
profesor, el plan de estudios está atravesado por la lógica
curricular que pone el acento en los contenidos, más que
en las competencias por adquirir.

2. Para superar el teoricismo, el plan organiza las actividades


de manera que el estudiante pase más tiempo en el medio
escolar; se proponen “programas modestos […] que no
pretenden revisar un campo teórico […] pero que […]
ofrecen al alumno una experiencia intelectual genuina,
una ocasión para la reflexión personal” (SEP, 1997, pp. 43-
44). Lo que de aquí resultó fue un tratamiento insuficiente

14. El plan de 1984 incluía nueve UC dedicadas a la práctica educativa, pero la mayor
parte del tiempo se trabajaba en las instalaciones de las escuelas normales y no
en los planteles de la educación básica.

15. Habilidades intelectuales específicas; dominio de los contenidos de enseñanza;


competencias didácticas; identidad profesional y ética, y capacidad de
percepción y respuesta a las condiciones de sus alumnos y del entorno de la
escuela.

114 junqueira&marin editores


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de la teoría para dotar al estudiante de los recursos que le


permitirían romper con las respuestas del sentido común
y hacer un examen crítico de la realidad educativa para
orientar su práctica docente.

3. Se reconoce que las actuales condiciones demandan


del maestro una intervención educativa “sensible a las
condiciones distintas de alumnos y grupos escolares,
creatividad y adaptabilidad y, evidentemente, el
dominio sólido de las mismas competencias que debe
fomentar en sus alumnos” (ibid, p. 20). Sin embargo, esa
intención quedó mediatizada por un plan de estudios
que se desarrolla en el marco de un proyecto educativo
atravesado por la lógica instrumental, que busca
productividad y eficiencia por encima de una práctica
creativa, reflexiva y autocrítica, animada por un sentido
de equidad.

En el Programa Nacional de Educación 2001-2006


(PODER EJECUTIVO FEDERAL, 2001) se planteó la evaluación y
consolidación de la renovación curricular en las licenciaturas
para la formación de maestros y la necesidad de normas
académicas para el ingreso y la permanencia de los profesores,
conforme a los perfiles académicos y el desempeño profesional.
La anunciada renovación curricular no se llevó a cabo y
siguen vigentes los planes que se diseñaron para la formación
de profesores de educación preescolar, primaria y secundaria en
1996, 1997 y 1999, respectivamente. En lugar de la renovación, se
ha optado por una estrategia de formación continua consistente
en un conjunto de cursos cortos impartidos masivamente, cuya
intención es familiarizar a los profesores con la reforma de la
educación básica que se instrumentó en los primeros años del
siglo XXI16. Dicha estrategia, impulsada conforme al programa
para el sector educativo 2007-2012 (PODER EJECUTIVO FEDERAL,

16. Un ejemplo de ellos es el “Curso Básico de Formación Continua ‘El Enfoque


por Competencias en Educación Básica’ que se desarrolló los días 19, 20 y 21
de agosto de 2009 con la participación de 863,528 maestros, asesores técnico-
pedagogos y directivos” (Inf. 2009).

junqueira&marin editores 115


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2007), dista mucho de resolver el problema de la inadecuada


articulación entre la teoría y la práctica y más bien parece reducir
el proceso formativo a un conjunto de fórmulas simples que se
aplican a manera de recetas y que se transmiten en tiempos
tan breves que no admiten ni una reflexión profunda, ni una
fundamentación teórica.
En cambio, las normas para el ingreso y permanencia de
los profesores se instrumentaron, aunque con cierto retraso:
en 2008 se instrumentó una estrategia de evaluación de
maestros, directivos y centros, junto con un concurso nacional
de oposición y estímulos a docentes que obligan al profesor de
educación básica a someterse a las reglas de la competencia
para sobrevivir en su profesión. Desde luego, esto también se
aplicó al ámbito de la formación de docentes, de modo que los
profesores de educación básica son formados en un ambiente
en el que la evaluación y la competencia imponen sus reglas.
Por ello, los planes de estudio del proyecto de la modernización
lejos de favorecer una praxis educativa, promueven una práctica
alienada que atiende a los criterios de eficacia y productividad,
sin que ello signifique que se atiende a los retos del mundo
actual, como veremos a continuación. más que a las necesidades
sociales.

los sedimentos del pasado en


el modo de ser del docente actual
El modo de ser docente que se propició en cada momento
histórico no desapareció mágicamente con la subsecuente
reforma curricular. Por el contrario, los distintos modos de ser
que se valorizaron en un determinado periodo se arraigaron en la
cultura docente y se convirtieron en creencias, valores y modos
de práctica sedimentados que se manifiestan como rasgos del
modo de ser del docente en la actualidad. Haremos referencia
solamente a tres de esos rasgos que se resumen en las siguientes
creencias: a) el profesor es el enseñante de conocimientos
ciertos, seguros y duraderos; b) es el socializador por excelencia,
que contribuye a incorporar a los/as niños/as y jóvenes a las
instituciones, funge como depositario de los valores que se
heredan a las generaciones jóvenes y como transmisor de las
creencias y tradiciones que dan unidad y cohesión a la nación,

116 junqueira&marin editores


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y c) es el forjador de personalidades firmes, con un proyecto


de vida pleno de sentido. Estos rasgos aparecen especialmente
fuertes en los currículos del proyecto positivista y del proyecto
revolucionario. Lo que el proyecto desarrollista agrega es la
creencia en que es posible contar con fórmulas técnicas más o
menos simples para realizar este modo de ser. La persistencia de
esos rasgos gestados en los proyectos de la modernidad sólida,
se vuelve problemática cuando se analizan las condiciones que
impone la modernidad líquida al trabajo del profesor en la
actualidad.
Bauman (2007) advierte que en la modernidad sólida el
conocimiento era una especie de propiedad y la educación tenía
valor en la medida en que se ofrecía conocimiento duradero.
Se suponía que se podía aprender todo aquello que se requería
para un determinado empleo y para moverse en el propio mundo
de la vida, pero en la modernidad líquida el lapso de vida del
saber se ha encogido: el saber es reemplazado todo el tiempo
por otras versiones nuevas y mejoradas. A lo anterior hay que
agregar que lo desconocido ha cambiado de posición: ahora
se encuentra en el ciberespacio, donde se vuelve inasimilable.
Todo está ahí, accesible y al alcance de la mano, pero ajeno, más
allá de toda esperanza de ser comprendido cabalmente alguna
vez. En esa masa de información se derrumban los mecanismos
ortodoxos de ordenamiento (relevancia, utilidad, autoridad) y
los contenidos parecen uniformemente descoloridos. Es difícil
asignar importancia a las diversas porciones de información; la
regla empírica consiste en guiarse por la relevancia momentánea
del tema.
Dados estos cambios, es claro que la experticia del profesor
no radica tanto en las certezas que posee, como en la manera
en la que aprovecha los conocimientos que ha construido para
seguir en la vía de problematizar, indagar, reflexionar y producir
nuevos conocimientos. En estas condiciones, no queda sino
admitir que resulta urgente resignificar el papel del profesor
como enseñante. Ante la explosión de información, más que
ser un transmisor de saberes, el profesor tendría que facilitar
a los educandos la adquisición de habilidades para allegarse
información, seleccionarla y organizarla, auxiliándose de las
tecnologías a su alcance. También tendría que contribuir a
que los niños/as y jóvenes fueran capaces de distinguir la paja

junqueira&marin editores 117


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del trigo, es decir, el conocimiento relevante y objetivo de


todo aquello que no lo es. Más aún, tendría que apoyar a sus
alumnos en la tarea de procesar y elaborar conocimientos, para
lo cual habría de abonar el terreno para la problematización y la
crítica. Esto último no resulta sencillo pues alumnos críticos son
alumnos cuestionadores, que ponen en tela de duda lo dicho
por el profesor. Tampoco resulta fácil abandonar la figura de
poseedor de saberes ciertos y seguros, para incluirse junto con
los educandos en la vía de la duda, la pregunta, el problema y
el proyecto.
Si el papel del profesor como enseñante tendría que
modificarse, esto resulta aún más urgente por lo que se refiere
a su papel como agente socializador, transmisor de tradiciones
y depositario de los valores legítimos. Jugar este papel le era
posible en la modernidad sólida porque se tenía claridad
sobre los valores-fines que se asumían como universales; la
incertidumbre, si la había, era sólo acerca de los medios. Los
aparatos de autoridad se encargaban de determinar los fines y
velar porque las personas no se desviaran del camino. La forma
de lograrlo era el control, que implicaba los actos de vigilar y
castigar, y cuyo símbolo, era el panóptico. El mundo de la
modernidad sólida era el mundo de los legisladores, los creadores
de rutinas y los supervisores, –dice Bauman (2000); se tenía un
proyecto explícito y se avanzaba hacia él guiados por líderes.
En cambio, continúa este autor (BAUMAN, 2007), “en nuestro
volátil mundo de cambio instantáneo y errático, las costumbres
establecidas, los marcos cognitivos sólidos y las preferencias por
los valores estables, aquellos objetivos últimos de la educación
ortodoxa, se convierten en desventajas” (ibid, p. 37). Los valores
son innumerables y cambiantes. La incertidumbre ahora es por
los fines, pues son muchas cosas las que son objeto del deseo.
A diferencia de la jerarquización de valores que caracterizaba a
la modernidad sólida, en la modernidad líquida todo lo que se
desea fluye de la misma manera, todo parece tener el mismo
valor (id, 2000). La añoranza de los viejos fines perdidos es el
signo de la sobresaturación de valores; sobre el capitalismo
liviano “pende la condena de estar obsesionado por los valores”
dice Bauman (ibid, p. 67), pero ahora lo valioso no es lo que
se persigue, sino el desear permanente, la búsqueda constante.
Como lo que se desea es venal, entonces la búsqueda se traduce

118 junqueira&marin editores


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en compra, pero lo que mueve a la compra no es la necesidad,


sino el deseo mismo.
En la modernidad sólida, los líderes y autoridades que
marcaban el camino hacia los fines utilizaban sin cesar los
términos “nosotros” y “bien común”, y asumían la responsabilidad
de guiar a los demás. En la modernidad líquida, no hay líder que
asuma la responsabilidad de la decisión y de sus consecuencias.
Cada individuo es responsable de sí irremediablemente (ibid).
En la modernidad sólida se requería del control. La
modernidad líquida es una sociedad de la seducción. Más
efectivo que el legislador y el vigilante para asegurar la efectividad
de la cambiante eticidad17 existente es la celebridad. Mientras
su efímera fama dura, la celebridad es observada por muchos
y, desde el cuasi-etéreo espacio electrónico, dicta no sólo los
cánones de la moda y de lo que es bello o feo, sino también de
lo que es bueno o malo. Por ello, dice Bauman (ibid), el sinóptico
–es decir, el lugar desde el que unos pocos seducen a muchos-,
substituye al panóptico. Lo que todo esto tiene como efecto es
la privatización de la eticidad. Ésta ya no es ni un producto de la
comunidad originaria, ni el resultado del consenso racional en
búsqueda de los fines del nosotros; no es un producto público,
sino el resultado de deseos, ideas, opiniones, experiencias de los
particulares convertidos en celebridades; deseos instantáneos
y conflictos de vidas particulares que son publicitados en los
medios electrónicos. A diferencia de la modernidad sólida en
la que la esfera privada era invadida y colonizada por la esfera
pública, ahora la vida privada invade la esfera pública.
El profesor era, en la modernidad sólida, una especie de
guardián y paladín de la eticidad existente que era tan sólida como
las jerarquías de valores que se transmitían, por eso no extraña su
nostalgia respecto de los valores que se han perdido, expresada
en frases como “ya no hay valores”. En la modernidad líquida,
el papel del profesor ha de cambiar: más que definir valores,
tendrá que contribuir a que los/as educandos/as construyan, con
autonomía, los criterios que les permitirán distinguir los medios
de los fines; los valores venales de aquellos que dignifican. Una
tarea de gran envergadura para el/la profesor/a es colocar a los/

17. Conjunto de ideas de la vida buena que prevalecen en una comunidad.

junqueira&marin editores 119


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

as educandos/as en el camino de pensar y criticar la eticidad


existente para construir una mejor eticidad para el futuro, más
equitativa, más humana, menos banal. Hacerlo requiere de
capacidad de agencia; por esto, como bien dice Siede (2007), el
profesor tendrá que educar a niños/as y jóvenes en el ejercicio
del poder, facilitarles el uso crítico de los medios de información
y comunicación, y preparar las condiciones para que la escuela
opere como un espacio en el que pueda debatirse y construirse
la “res-publica” (la cosa pública). Las tareas del profesor son
complejas pues tendrá que recuperar el espíritu del ágora para
que desde el ámbito escolar se tiendan puentes entre lo privado
y lo público, y también tendrá que generar las condiciones para
que los y las estudiantes tengan experiencias de vida social que
se caractericen por la inclusión, la solidaridad y el respeto a la
diferencia. La autoridad del profesor radica más en su capacidad
para promover estas experiencias que en ser el poseedor de una
indiscutible sabiduría moral.
En la modernidad sólida se consideraba un deber cuidar la
propia salud y procurar la construcción de una identidad sólida
con un núcleo duro relativamente estable que configuraba el
carácter; el individuo tenía un claro sentido de pertenencia. En la
modernidad líquida, más que cuidar su salud, el individuo busca
mantenerse en forma y el núcleo estable de su personalidad es
reducido; adquiere formas identitarias diversas dependiendo
del lugar y la circunstancia, asume la auto-identificación como
una tarea individual y acepta el estado de incompletud e
indeterminación con ansiedad, pero con la conciencia de que un
estado de plenitud es imposible e indeseable en la medida en
que le resta libertad (BAUMAN, 2000).
En estas condiciones, resulta ilusorio pensar que la
educación contribuye a la preparación para ocupar un empleo
específico y sobre todo a la construcción de una personalidad
sólida con vínculos perdurables. El individuo de la modernidad
líquida difícilmente encuentra un empleo de larga duración;
además elude vínculos durables que siente como restricciones
a su libertad de movimiento. Por ello, dice Bauman (2007), los
procesos educativos que son preferidos en la actualidad son los
que se centran en el arte de “ser uno mismo”. Si no hay identidad
en sentido sólido, sino multiplicidad de identificaciones parciales,
que se reemplazan, se desplazan y se articulan de manera

120 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

desigual y combinada, parece que resulta absurdo imponer


sentidos y creencias que cohesionen. Más bien parece que lo que
conviene es hacer propicia lo que Elliot (1997) llama “apertura
a nosotros mismos”, que no es sino la preocupación que tiene
cada sujeto por hacerse de los recursos necesarios para manejar
con creatividad y autonomía la incertidumbre y la ambivalencia
que le genera lo que vive y la forma en la que lo vive. Además
de forjar competencias para actuar sobre el mundo objetivo e
interactuar con los otros, cada sujeto requiere competencias
para actuar sobre sí mismo, resolver las crisis que origina la
cambiante relación identidad-alteridad y oponer resistencia
tanto a aquello que obtura las experiencias de individuación,
como a la lógica instrumental que obstaculiza la subjetivación y
el sentido del nosotros. Contribuir al cuidado de sí y acompañar
a los educandos en el difícil proceso de conocerse y construirse
en la modernidad líquida es una tarea que demanda del profesor
nuevas competencias para desarrollar una praxis educativa que
atienda a la complejidad del mundo actual.

conclusiones
Como se desprende del examen que hicimos, la tarea de
formar a los docentes de educación básica como agentes de la
praxis educativa permanece incumplida. En el marco del proyecto
positivista la formación del docente quedó caracterizada por el
teoricismo que contribuyó a reforzar la figura del docente como
poseedor y transmisor de la verdad y de valores inmutables; en el
revolucionario, predominó la práctica reiterativa que se ritualizó
favoreciendo la figura del profesor como apóstol y poseedor de
una verdad cuasi-sagrada; en el proyecto desarrollista prevaleció la
práctica burocratizada y, finalmente, en el proyecto modernizador,
perviven de manera contradictoria las tendencias anteriores bajo
la forma de creencias sedimentadas y subordinadas a la lógica
instrumental que produce una práctica alienada, en detrimento
de la praxis educativa.
El docente actual, como agente de la modernidad líquida,
se ve impulsado a adoptar la figura de competidor que anda
en busca de recursos más que de finalidades educativas; sin
embargo, como si se moviera en la modernidad sólida, suele
asumirse como forjador de personalidades firmes y poseedor

junqueira&marin editores 121


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

verdades y valores incuestionables, en los que funda su


autoridad.
Dada la densidad de la trama de creencias y relaciones
de poder que atraviesan los procesos de formación y las
condiciones en las que realiza su ejercicio profesional, no resulta
nada fácil para los docentes encontrar los intersticios que les
permitan ‘fugarse’ de estas condiciones, para articular la teoría
y la actividad en una praxis educativa reflexiva y autocrítica que
le permita enfrentar los retos del mundo actual. ⌂

referencias

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junqueira&marin editores 123


a inserção profissional no ensino:
alguns pontos de referência sobre
uma realidade complexa

Abdeljalil Akkari UNIV. GENEBRA - SUÍÇA


Maurice Tardif CANADÁ

A inserção profissional no ensino suscita um grande


interesse, especialmente com relação às mudanças
ocorridas na formação de professores durante estes
últimos anos e o número relevante de novos professores.

Desde o início, destacamos que esta noção de inserção


profissional refere-se à duas dimensões que frequentemente
foram estudadas separadamente pelos pesquisadores.
Primeiramente, a inserção como processo de procura por um
emprego; esse processo inicia-se já no final da formação e
termina com a obtenção do primeiro emprego estável, ou mesmo
permanente. Em segundo, a inserção como fase de entrada na
profissão docente ou primeira fase da carreira do magistério.
Estamos falando de um período onde o jovem professor aprende
a dominar seu ofício, a descobrir seus próprios recursos e
limites pedagógicos, a constituir uma bagagem de saberes e de
competências procedentes da sua experiência no ofício docente.
A atenção não está aqui voltada para a procura de emprego e no
processo de penetração no mercado de trabalho, mas certamente
na aprendizagem do ofício, uma vez obtido o primeiro emprego.

124 junqueira&marin editores


Certamente, estas duas dimensões se influenciam
mutuamente. Por exemplo, se um jovem professor
ocupa um cargo precário ou um emprego temporário,
sua aprendizagem profissional corre o risco de ser mais
longa, complexa e difícil de ser realizada. Ao mesmo
tempo, a fase de aprendizagem pode ser também uma
fase estratégica de capitalização em termos de emprego:
se um jovem professor, ocupando um emprego precário,
chega rapidamente a deixar sua marca na escola (por
exemplo, junto a um grupo de alunos considerados
difíceis), a direção em um estabelecimento pode querer
que ele permaneça mais tempo. Assim, sua aprendizagem
muda então sua estratégia, calculada ou não, que pode
resultar na obtenção de um emprego.
Neste artigo, vamos abordar sucessivamente
estas duas dimensões de inserção profissional, fazendo
referência às tradições e aos trabalhos de pesquisa que
eles suscitam. Começaremos pela inserção como busca de
um emprego. Abordaremos em seguida a inserção como
fase da carreira. Na conclusão, estarão nossas reflexões
sobre a importância da problemática da inserção na HEP
em termos de formação e de pesquisa.

1. a inserção como processo


de procura de um emprego
Mesmo se a carreira docente é um domínio bastante
explorado, a inserção profissional, como fase de procura
de um emprego no ensino tem sido por muito tempo um
fenômeno negligenciado pela pesquisa em educação. Na
maioria dos países ocidentais, o interesse por este objeto
de investigação surgiu há cerca de vinte anos, quando
a inserção dos jovens professores (as) tornou-se um
processo mais complexo e frequentemente problemática.
Por quê?

junqueira&marin editores 125


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

um novo contexto
A partir do fim da Segunda Guerra Mundial, a demanda
pelos serviços educacionais cresceu de maneira colossal com
a democratização do ensino e a construção e unificação dos
grandes sistemas escolares modernos. O profissional do ensino
então se encontra num momento de crescimento e onde é
fortemente requisitado: estes são os famosos trinta gloriosos
anos da economia ocidental (1945-1975 aproximadamente).
Nesta época, a inserção corresponde na maior parte do tempo a
uma simples passagem linear do sistema educativo ao mercado
de trabalho ou, em outros termos, do estatuto de estudante ao
estatuto de professor com um salário regular e permanente. Em
muitos países, os novos professores eram recrutados na saída
da universidade ou da escola normal ou mesmo durante a sua
formação.
Nos anos de 1980, a demanda pela educação diminui
ligeiramente por toda a parte: a fase de construção dos grandes
sistemas escolares termina; a escola tem “suas salas cheias”,
enquanto a geração baby-boomers (geração do pós-guerra)
ocupa os empregos existentes e reduz consequentemente
as possibilidades de acesso à profissão para os novos e
jovens professores. De outro lado, por meio dos sindicados
e das associações profissionais, a corporação consegue um
sistema de proteção (permanência de emprego, princípio do
envelhecimento, fundos de pensão, etc.) que comprometa,
pelas autoridades escolares, os custos altos e a longo prazo.
Estes custos fazem com que o trabalho docente torne-se
mais oneroso. Os Estados e os governos se esforçam neste
caso, ao longo dos anos de 1980 a 1990, para controlar ou
mesmo reduzir estes custos. Estas décadas são igualmente
marcadas por uma “racionalização” importante do aparelho
educativo estatal, acompanhado de compressões orçamentais
substanciais. Além disso, observa-se também, durante este
mesmo período, uma curvatura na natalidade, que se traduziu
por uma redução dos efetivos escolares na maior parte das
sociedades industrializadas.
Todos esses fenômenos se traduzem, por conseguinte,
em um menor número de empregos na área de ensino. Até
agora, a Suíça não foi muito marcada por esses fenômenos;

126 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

contudo, pode-se levantar a hipótese que vão tomar amplitude


nos próximos anos. Notamos, porém, que, desde o início dos
anos 2000, o contexto mudou rapidamente, porque as gerações
precedentes de professores começaram rapidamente a se
aposentar. É necessário então esperar uma reativação do mercado
de trabalho? Questão complexa porque outros fenômenos
intervêm aqui, como as pressões dos governos pelo aumento
no número de alunos por classe ou prolongar a duração dos
períodos de aprendizagem na sala de aula. As TICs (Tecnologias
de informação e de comunicação) podem igualmente ter um
papel importante a desempenhar neste futuro, porque eles
podem modificar em profundidade a organização do trabalho
docente. Por exemplo, em certos países, alguns professores do
ensino secundário dão atualmente o mesmo curso à alunos de
várias escolas diferentes, graças ao ensino à distância. Para além
dos desafios pedagógicos, está claro que tal prática de ensino
acione as economias mais importantes pelas responsabilidades
escolares, porque podem suprimir os cargos de professores.
Resumidamente, querendo ou não, as TICs terão cada vez mais
impacto sobre a organização do ensino e consequentemente
sobre o mercado de trabalho docente.

transformação das relações de trabalho


O contexto econômico não é a única causa das mudanças
que acabamos de resumir. No mesmo período (anos 1980 e
seguintes) constata-se também que nas sociedades modernas
avançadas ou pós-modernas a relação de trabalho muda
particularmente entre os “jovens”, assim como os valores aos
quais estão tradicionalmente associadas. Alguns sociólogos
falam do advento de um novo ethos: da satisfação pessoal e
da realização de si, substituindo o antigo ethos do dever e do
trabalho. Trabalhar não é mais suficiente para dar todo sentido
à existência. Ao lado da carreira, do esforço e do trabalho
como realização de si aparecem outros valores, eles mesmos
ligados a outros mundos sociais: lazeres, viagens, amigos, o
corpo, a saúde, etc. Além disso, o trabalho, ele mesmo, torna-se
um lugar de realização pessoal: para cada vez mais de jovens
trabalhadores trabalhar não é só uma maneira de obter um
salário ou de ganhar sua vida, mas também uma forma de se

junqueira&marin editores 127


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

realizar e desenvolver suas capacidades no âmbito de um ofício


que vincula as escolhas da vida e as preferências pessoais.
Esses valores não representam uma negação do trabalho,
mas eles conduzem à redefinição e ao seu reequilíbrio em
função de múltiplas e novas orientações de vida. Por exemplo,
não é raro atualmente ver jovens professores deixarem
voluntariamente a sua profissão para viver e experimentar
novas experiências de vida. Além disso, novos professores
querem conhecer a “mudança” em sua carreira e valorizam
uma certa mobilidade profissional e pessoal. Diversas pesquisas
em muitos países ocidentais mostram justamente que as novas
gerações de professores não têm a intenção de passar toda a
sua vida ativa no ensino. É plausível pensar que a precarização
crescente dos empregos esteve parte relacionada com estas
novas orientações. Um emprego temporário, um emprego que
pode-se perder no dia seguinte, um emprego sem segurança
ou estabilidade, ou ainda um emprego em tempo parcial não
suscita necessariamente um vínculo profundo e durável. A
transformação do ethos do trabalho está ela mesma relacionada
à transformação do mundo do trabalho e à emergência de novos
modelos de carreira menos estáveis. É, então, neste contexto
mais vasto que a inserção profissional dos jovens professores
se situa atualmente. Ressaltamos que os professores não são
os únicos afetados por estes fenômenos: trata-se de tendências
globais que afetam o conjunto da organização social do
trabalho assim como todos os ofícios e profissões da sociedade
contemporânea.

a inserção:
uma noção complexa e difícil de definir
Mas o que se entende aqui por inserção profissional?
No sentido estrito, designa-se assim o processo que segue
à saída do sistema de formação docente e que corresponde
ao momento em que o indivíduo vai procurar negociar suas
qualificações adquiridas e sancionadas por um diploma para ter
acesso a um emprego. Ora, como vimos, esse processo é mais
complexo do que anteriormente e é difícil de lhe atribuir, em
muitos casos, uma duração e limites precisos. Por exemplo, se
o primeiro emprego se revela temporário ou em tempo parcial,

128 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

a inserção prossegue-se além e ela pode se alternar com as


fases do emprego, do retorno ao estudo e dos períodos sem
trabalho. No mesmo sentido, o desenvolvimento da esfera da
formação continua tornando mais difícil o corte preciso do
fim dos estudos. Um jovem professor que segue, durante seu
emprego, uma formação continuada para aperfeiçoar suas
competências estaria ele em formação, trabalhando ou os dois?
Resumidamente, observa-se que a noção de inserção remete a
uma realidade dinâmica e complexa.

entre o ator e o sistema:


diversidade das pesquisas sobre inserção
Sob o plano teórico, a inserção representa também um
desafio conceitual e científico importante porque ela reúne
dois níveis da realidade que as ciências sociais e humanas
têm o hábito de separar: o indivíduo e a sociedade ou como
os sociólogos dizem, o ator e o sistema. Na verdade, de uma
parte está a inserção que reenvia ao que se pode chamar de
uma “lógica do ator”, isto é, da pessoa, do indivíduo que procura
obter um cargo. Fala-se do ator, pois este indivíduo (um jovem
professor recém-formado, por exemplo!) é justamente ativo:
ele tem uma história, projetos pessoais e profissionais, desejos,
aspirações e valores, uma visão mais ou menos precisa do seu
futuro, ambições, etc. Procurando um emprego, ele se forma,
ele vai procurar um diploma, e uma vez seu diploma obtido, ele
empreende tentativas para encontrar um cargo, ele mobiliza
todo sua rede de relações sociais e pessoais, elabora estratégias
para contornar as dificuldades, encontra um emprego, o
guarda, defende seu território, conquista seu espaço entre os
colegas mais velhos, etc. Resumidamente, ele se comporta
como todo ser humano ativo. Atualmente um grande número
de pesquisas sobre a inserção se interessa pelo ator, por suas
subjetividades, suas estratégias, sua trajetória profissional,
seus projetos, ambições, crenças, etc. Essas pesquisas se
esforçam em compreender a face subjetiva da inserção, as
representações e ações do indivíduo em inserção. Elas utilizam
diversas metodologias, frequentemente qualitativas: história de
vida trajetória narrativa, análise de estratégias de pesquisa de
emprego, etc.

junqueira&marin editores 129


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Mas a inserção, porque ela é uma inserção em um


mercado de trabalho e em uma profissão (professor), em uma
instituição (escola) e uma organização (um estabelecimento de
ensino), confronta o ator às lógicas do sistema, isto é, às lógicas
sociais e organizacionais que escapam à sua vontade e ao seu
poder de ação.
Assim, essas lógicas do sistema são dotadas de uma
certa objetividade em relação à subjetividade do ator. Elas
correspondem, por exemplo, às “leis” do mercado de trabalho
(oferta e procura, necessidades atuais, a idade média dos
professores em atividade, evolução das aposentadorias, etc),
aos padrões fixados para as profissões para regular o acesso
ao seu território (não se torna um professor que se quer: é
necessário um diploma de tal tipo, com tal duração, com tais
conteúdos, etc). Além disso, o ensino na escola é regido por um
número considerável de leis e de regulamentos (as categorias
de professores, as escalas salariais, etc) que o ator encontra
em qualquer espécie em sua frente e que ele não pode mudar.
Em relação ao ator, o mundo do trabalho é portanto dotado
de uma realidade objetiva (e às vezes de uma opacidade) que
escapa à sua ação direta. Ele deve, pois, em certa medida, ser
hábil o suficiente e tentar negociar seu espaço, lidar com os
constrangimentos e regras estabelecidas, criar suas estratégias
aumentando suas chances de sucesso, etc. Para isso, o ator dispõe
apenas de uma “racionalidade limitada”, isto é, possui somente
algumas informações (e não todas) sobre a realidade social e que
sua inteligência não pode controlar simultaneamente todos os
aspectos desta mesma realidade. Ele elabora, de acordo com o
padrão, imagens simplificadas da realidade e utiliza estratégias
que nunca são satisfatórias. Resumidamente, ele se organiza
como pode com as informações que possui.
Muitas pesquisas sobre inserção se interessam justamente
sobre este encontro entre o ator e o sistema. A grosso modo,
trata-se de conjugar aqui o que chamamos de “racionalidade
do ator” (sua capacidade limitada de elaborar e colocar em
prática as estratégias eficazes para sua inserção) e as restrições
objetivas do mercado de trabalho. Por exemplo, diversas teorias
se interessam pela segmentação ou pela natureza do mercado de
trabalho, pelas suas transformações atuais, por suas dicotomias
mercado interno/externo, mercado aberto/fechado, empregos

130 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

instáveis/estáveis, etc. Outras teorias, por exemplo, aquela


do Job Seach e do capital humano, destacam a racionalidade
econômica e a análise em termos custo-benefício para o ator.
Este breve panorama das preocupações contemporâneas
da pesquisa sobre a inserção como a procura de um emprego
mostra bem que ela não se trata apenas de uma noção e nem
de uma realidade simples à analisar. De fato, a inserção é um
processo multidimensional onde se conjugam todos os recursos
e estratégias do ator, a complexidade do mercado de trabalho
com seus constrangimentos e regras. Abordaremos agora a
inserção como fase da carreira.

2. a inserção como fase da carreira


Esta segunda tradição de investigação é a mais antiga. A
literatura anglo-saxônica sobre o início do ofício do professor
data dos anos sessenta, quando o termo “indução” foi utilizado
para designar a entrada na profissão como professor iniciante.
No Quebec este processo foi designado pela expressão “inserção
profissional” e na Suíça, se adotou a formulação “introdução à
profissão”.
A introdução do professor no ofício foi definida na literatura
científica no que diz respeito ao “período” ou “programa”. Por
exemplo, Blair-Larsen e Bercik (1990, p. 3) propõem a definição
do termo período: “É o período de transição entre o estatuto
de estudante e o profissional durante o qual são oferecidas aos
professores iniciantes supervisão e suporte à medida que eles
se adaptam ao seu novo papel”. Outros autores evidenciam o
caráter formalizado da inserção profissional descrevendo-a
através de programas planificados, estruturados e a curto prazo
oferecidos aos professores iniciantes. A introdução à profissão
pode, portanto, incluir orientações, , reuniões de grupo,
observações guiadas ou team-teaching (VEENMAN, 1984).
O trabalho de Lortie (1975) “School Teacher” é um
clássico no domínio da inserção profissional dos professores.
Esse pesquisador tentou evidenciar o fato que a personalidade
do professor é o fator essencial na sua profissionalização.
Desenvolvendo isso que ele chama de “multidimensionalidade
e a simultaneidade do ensino”, Lortie estima que o que os
professores iniciantes sabem sobre o ensino é baseado mais

junqueira&marin editores 131


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

sobre sua personalidade e intuição do que em princípios


pedagógicos explícitos. Muitas outras pesquisas nos Estados
Unidos, continuaram nesta linha de investigação analisando
as experiências escolares anteriores dos professores. Elas
mostram notadamente que o “saber-ensinar” é, em boa parte,
baseado em crenças e práticas herdadas da época onde o
professor era ainda um aluno! De fato, o professor é o único
trabalhador que vivenciou (como aluno) 15.000 horas no seu
espaço de trabalho (a escola, a sala de aula) antes de começar
a aprender seu ofício. É, portanto, normal que sua experiência
profissional seja fortemente marcada por suas experiências
escolares.
Mais próximo da realidade escolar suíça se encontra a
notável pesquisa feita por Huberman sobre os ciclos de vida
dos professores. Huberman (1989) descreveu o ciclo da vida
profissional dos professores desde seus primeiros anos de
magistério até a sua aposentadoria. Sua análise apresenta
os diferentes estágios que o professor atravessa durante sua
carreira. Este autor propõe cinco fases percorridas na carreira
do professor. A primeira fase, que corresponde à entrada na
carreira, é uma fase incerta que dura aproximadamente três
anos. Ela supõe uma espécie de período de “sobrevivência”
e de descobertas que pode se caracterizar por uma fase de
exploração, dado ao choque da realidade da prática e por
um período de experimentação que representa o entusiasmo
dos novatos. A segunda fase, que se situa entre o quarto e
sexto anos de magistério, é um período de estabilização e de
consolidação do repertório pedagógico. Ela se caracteriza por
um engajamento, uma facilidade, uma descontração e um
conforto psicológico ampliado. A terceira fase se divide em
dois períodos: um período de diversificação e de ativismo e
um período de auto-questionamento, pelo sentimento de
rotina que provoca uma crise existencial. Ela surge entre 07
e 25 anos de magistério. A quarta fase, entre 25 e 35 anos de
magistério, é dividida igualmente em dois períodos: um período
de serenidade e de distanciamento afetivo, o professor é mais
descontraído e menos tenso, é um período de conservadorismo
e de queixas. A última fase, entre 35 e 40 anos de experiência,
representa um desengajamento progressivo do ofício, que o
professor pode vivenciar de forma serena ou amarga.

132 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Em outro estudo, Huberman e Schapira (1989) mostraram


que 20% dos professores identificam como seus melhores anos
de magistério no período do início da carreira, 26% depois de 3 a
5 anos de magistério e 12% depois de 6 a 10 anos de magistério.
O percentual mais elevado, 26%, representa um período de
estabilização durante o qual os professores têm um sentimento
de domínio e de facilidade pedagógica. Os professores
respondem que seus melhores anos são no início da carreira,
porque para 50% deles, ela representa uma fase de estabilização
e experimentação. Para os outros 50% dos professores, isso
depende de outros fatores, como as turmas excepcionais, uma
fase de estimulação intelectual, os bons relacionamentos com
os colegas e um certo bem-estar pessoal.
Nos anos de 1990, o interesse dos pesquisadores
sobre a inserção profissional dos professores se deslocou da
problemática dos “ciclos de vida” para a “profissionalização”.
De fato, a identidade profissional dos professores foi colocado
novamente em questão e em crise em numerosos países
desenvolvidos: crise de especialização, crise da formação
profissional, crise de poder das profissões e crise da ética
profissional (TARDIF & LESSARD, 1999). Essas incertezas foram o
centro das preocupações dos pesquisadores.
Atualmente, os trabalhos sobre a inserção podem ser
divididos em três principais campos de pesquisa: a avaliação
que os novos docentes fazem de sua formação e de suas
experiências iniciais no magistério; a avaliação da eficiência dos
programas estruturados de inserção profissional; a instauração
de comunidades de prática de ensino. Abordaremos brevemente
cada um desses campos.

o desafio dos primeiros anos de exercício:


a construção de um quadro de interação
adequado com alunos
Numerosos autores discutem a atitude dos professores
frente às múltiplas exigências de um trabalho docente cada
vez mais especializado e complexo (TARDIF et al., 2001). Na
França, Esquieu (1996, 2001) mostrou que 86% do professorado
principiante do ensino secundário consideram-se muito ou
suficientemente satisfeitos com sua experiência profissional ao

junqueira&marin editores 133


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

fim do seu segundo ano de exercício do magistério. Ensinar a


disciplina que lhe agrada é o primeiro motivo de satisfação que
o professor do ensino secundário do ensino geral, tecnológico
ou profissional destaca sobre seu ofício, bem antes do contato
com os alunos e da autonomia de trabalho. A indisciplina dos
alunos caracteriza o ensino na zona de educação prioritária
(ZEP) onde mais da metade dos novos professores encontram
frequentemente este tipo de problema. Os professores com
cargo em colégios (com alunos de 12 à 16 anos) ou os professores
de línguas são frequentemente mais confrontados com isso.
Van Zanten e Grospiron (2001) estimam que os
professores em início de carreira experimentam uma
desestabilização inicial e às vezes duradoura. Contrariamente a
outros ofícios no quadro dos quais a aprendizagem se estende
por muitos anos e onde o iniciante passa progressivamente,
de tarefas simples de executar à tarefas mais complexas que
exigem ainda responsabilidades sob a supervisão de pessoas
competentes, os professores assumem frequentemente, de
um dia ao outro, após estágios cuja duração total raramente
excede alguns meses, a responsabilidade integral sobre uma
classe.
A centralidade de alunos aparece com frequência para os
novos professores novatos através da constatação de um fato
banal, mas completamente capital, sabendo que a instrução não
pode ocupar seu lugar senão somente depois da instauração de
um quadro de interação construtiva na sala de aula. A análise
de Van Zanten e Grospiron mostra como as representações e
as práticas profissionais dos professores evoluem em relação ao
olhar que eles têm sobre os alunos e também com as relações
positivas ou negativas que eles possuem entre si no quadro de
sua sala.
Em Quebec, a pesquisa empírica de Bidjang (2005)
efetuada recentemente baseou-se em dois públicos distintos:
os professores novatos no magistério, explorados por
questionários, e os professores associados, investigados com a
ajuda de seus relatórios de avaliação. Os professores iniciantes
são os estudantes que chegaram ao final da sua formação
para o ensino. Quanto aos professores associados, trata-se de
professores que atuaram como supervisores de estágio. Estes
dois públicos foram questionados sobre o nível de domínio de

134 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

conteúdo, para os novatos, e sobre as competências fixadas


pelo Ministério Quebequense de Educação. Os novatos
estimam que as competências adquiridas ao nível das
categorias fundamentais do ato de ensinar e o desenvolvimento
profissional foram estimados muito satisfatórios. Somente
o nível de controle da categoria contexto social e escolar foi
considerado satisfatório pelo conjunto dos entrevistados.
Quanto aos dados dos relatórios de avaliação, eles atestam que
as doze competências profissionais definidas pelo eferencial
do Ministério da Educação foram muito bem adquiridas pelos
futuros professores.

qual a eficácia do acompanhamento


no início da carreira?
Quando se fala em acompanhar a primeira prática
profissional, é o programa de aconselhamento que vem
rapidamente à mente. Em uma análise das pesquisas americanas
sobre o acompanhamento de novatos no magistério, Ingesrsoll
e Kralik (2004) mostram em particular que os programas de
aconselhamento dos primeiros passos no ensino têm um impacto
positivo. Isto mostra às instancias de decisão a pertinência de
instaurar programas específicos e estruturados. Contudo, é
relevante sublinhar os limites metodológicos destes estudos
sobre o impacto dos programas de acompanhamento. Portanto,
é legítimo considerar que o tipo de escola na qual o professor
iniciante trabalha, tem um impacto sobre suas performances
e sobre sua integração profissional. O potencial leadership
do estabelecimento escolar pode igualmente influenciar a
integração dos novatos vindos do corpo docente. Do mesmo
modo, se a pesquisa apoia-se sobre um programa baseado no
voluntariado no recrutamento dos professores novatos, pode-
se avançar na hipótese de que estes professores estão, de toda
forma, engajados na profissão para além disso do que pode
trazer o programa de introdução ao ofício. Além disso, é difícil
de comparar diversos programas diferentes na sua duração e na
sua modalidade de execução.
Por isso, Ingersoll e Kralik (2004) estimam que
numerosas questões permanecem abertas à pesquisa sobre o
acompanhamento:

junqueira&marin editores 135


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

• Quais são os professores que mais aproveitam dos


programas de introdução ao ofício: os professores cuja
formação inicial é fraca ou todos os professores qualquer
que seja a qualidade da sua formação?
• Quais são os elementos dos programas de introdução que
são mais pertinentes?
• Quais são os elementos que contribuem para a
manutenção dos professores na profissão e aqueles que
beneficiam suas performances na gestão da sala de aula e
das aprendizagens?
• Será que a seleção, a preparação, as compensações
financeiras oferecidas ao mentor fazem a diferença em
matéria de inserção profissional? O mentor reprime a
tendência de inovação do professor iniciante sugerindo
métodos de ensino tradicionais?
• Qual é a quantidade de contatos necessários entre
professor e mentor?
• Qual é a duração ideal dos programas de introdução?
• Será que os programas de acompanhamento do início do
ensino têm um impacto sobre a performance escolar dos
alunos?

Todas estas questões estão sob análises cruzadas


de pesquisas que devem, além disso, estar atentas às
particularidades locais da inserção profissional (mercado de
trabalho, política educativa, etc).

a instauração de comunidade de prática educativa


Na América do Norte, cada vez mais os trabalhadores
se apoiam sobre o quadro teórico desenvolvido por Étienne
Wenger para analisar as estratégias de inserção profissional
utilizadas pelos professores novatos nos diferentes meios
profissionais (WENGER, 1998). Considerando o meio de trabalho
como uma “comunidade da prática” na qual o professor novato
deve progressivamente se integrar se tem o desejo de tornar-se
“membro”, Wenger estima que cada comunidade possui formas
particulares de agir, práticas profissionais que a distinguem das
outras, um discurso próprio aos membros que a compõem. Aos
recém-chegados que experimentam um verdadeiro processo

136 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

de inculturação, a comunidade da prática oferece um quadro


adequado de desenvolvimento da identidade profissional e
reduz o sentimento de isolamento (WENGER, et al., 2002).
O estabelecimento de fóruns eletrônicos de discussão
destinados à professores novatos parecem um lugar propício
para a concretização da teoria de Wenger (BREULEUX, et al.
2002). Nault (2004) estima que uma comunidade on line da
prática oferece um certo potencial para suscitar a reflexão sobre
as práticas educativas e assim conduzir os professores novatos a
se desenvolverem sobre o plano profissional. Esta progressão no
nível da reflexão dos professores novatos deixa crer que estes
possuem um novo olhar sobre sua prática cotidiana, ampliando
seu ponto de vista em face de uma situação problemática.

promessas de benefícios
Pensamos que estas diversas pesquisas oferecem
promessas de benefícios, não somente pelos pesquisadores mas
igualmente para os formadores e os estudantes em formação
para o magistério. Elas nos ensinam que os novatos na carreira
do magistério carregam desafios importantes. A diversidade da
clientela escolar, a situação precária de emprego, a sobrecarga
das tarefas, o contexto atual de aplicação das reformas escolares
(centradas sobre os resultados e o controle burocrático) e a
falta de apoio dos alunos em dificuldade são apenas alguns dos
elementos que pontuam a realidade cotidiana das salas de aula
na Suíça e em outros países.
A pesquisa sobre a inserção profissional pode realmente
fazer a diferença em matéria de retenção e de desenvolvimento
profissional do corpo docente. A pesquisa neste domínio
pode dar resultados convincentes, pois ela é habitualmente
realizada em estreita colaboração com o espaço escolar. Além
disso, a possibilidade de traduzir os resultados de pesquisa no
campo prático através instrumentos de acompanhamento e
por uma revisão do currículo das instituições de formação dos
professores é tangível. Esta transposição dos resultados da
inserção profissional pode reduzir a vulnerabilidade evocada
por Gervais (1999, p. 12).
O sentimento de vulnerabilidade vivenciado pelos
professores iniciantes faz com que eles tema pela falta

junqueira&marin editores 137


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

decontrole sobre o que se passa na sala de aula. É compreensível


que, por sobreviver, ele faça frequentemente a escolha de se
limitar aos métodos que lhe parecem mais seguros e que ele
tenha dificuldade mais tarde para se desfazer de procedimentos
frequentemente repressivos. A preocupação de sobreviver pode,
por conseguinte, restringir seu desenvolvimento, impedindo-o
de verdadeiramente aprender com sua prática e limitando toda
tentativa de arriscar uma inovação.
Certos autores insistem sobre a necessidade de combinar
dinâmicas informais e formais na elaboração de modalidades
de apoio aos professores novatos, uma alimentando a outra, e
isto, em benefício do seu desenvolvimento profissional. Nas
considerações coletadas por Caron (2004), junto aos professores
novatos, o autor pôde constatar sensivelmente as mesmas
preocupações, inquietudes e apreensões a respeito de novas
situações vividas. As situações não familiares julgadas como as
mais marcantes por estes jovens professores podem ser divididas
em seis temas:

1. O papel junto aos pais;


2. A gestão do tempo e do material;
3. A relação com os colegas;
4. A avaliação do ensino e do professor;
5. A amplitude da tarefa;
6. O peso da responsabilidade.

Em definitivo, a pesquisa sobre inserção profissional dos


professores coloca em evidência a necessidade de conceber
a formação como um processo durável e não como uma
acumulação ou uma simples justaposição de conteúdos didáticos,
psicopedagógicos ou práticos. Esta evolução se impõe cada vez
mais aos responsáveis pela gestão da formação dos professores.
Esta conduta é mais complexa do que formar os profissionais
autônomos, mas também agentes do serviço público. Em outras
palavras, trata-se de formar profissionais portadores de certos
valores institucionais semos formatar. Como bem relembra
Schneuwly (1996), que a relação entre a formação inicial e a
formação contínua, ou seja, a introdução à profissão, não foi
ainda realizada na maioria das regiões suíças de uma forma
homogênea englobando o corpo docente de todos os níveis e

138 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

de todas as categorias. Ele propõe, por conseguinte, de criar uma


fase institucionalizada de introdução à profissão pelo conjunto do
corpo docente. Equipar esta estruturação institucional desejada
pelos resultados da pesquisa é o grande desafio que esperam os
pesquisadores das Haute Écoles Pégagogiques da Suíça francesa.

conclusão:
a hep-bejune face à problemática da inserção
Sob o impulso da HEP-BEJUNE um importante projeto
de pesquisa realizado para analisar a inserção profissional dos
professores novatos procedentes das HEP da suíça francesa. Esta
pesquisa abordará as três seguintes questões:

• Quais são os principais problemas e obstáculos que


enfrentam os professores da suíça francesa no início de
sua carreira profissional?
• Como se desenrola sua inserção no ofício?
• Quais são os instrumentos pertinentes que foram
adquiridos durante a sua formação e quais são aqueles
que faltaram e o que seria necessário desenvolver à luz de
sua experiência prática na sala de aula?

Os resultados esperados por este estudo se traduzirão não


somente por uma reorientação em matéria de formação contínua
ofertada aos professores, mas também indicará reflexões sobre
os programas de formação inicial.
Além disso, a equipe de direção da HEP considera que
é necessário estabelecer uma melhor articulação entre a
formação inicial e a fase de inserção na carreira docente. Por
quê? Porque a inserção constitui um momento de validação
e do domínio dos conhecimentos e competências para a base
do trabalho docente. Neste sentido a inserção é uma fase de
formação, no sentido forte do termo. Quais condições instaurar
de modo que a inserção torna-se propícia à profissionalização?
Nós acreditamos que a HEP-BEJUNE deveria inclinar-se sob
esta questão justamente com os parceiros educativos e
escolares do Espaço BEJUNE. Uma rede de escolas associadas
(de estabelecimentos formadores) seria, indubitavelmente,
umcampo favorável a uma tal iniciativa. ⌂

junqueira&marin editores 139


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

referências
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junqueira&marin editores 141


iniciação à prática e desenvolvimento
profissional nos cursos de educação
básica da escola superior de
educação de santarém (eses):
lógicas, configurações e dinâmicas

Gracinda Maria Nunes Costa Hamido


Helena Maria Ferreira Moreno Luís
Isabel Alexandra Damasceno Piscalho

ESCOLA SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DE SANTARÉM - PT

resumo
Procuramos neste artigo problematizar o modo como, na
Escola Superior de Educação de Santarém (Portugal) e ao longo dos
últimos doze anos, os cursos de formação de Educadores de Infância
e de Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico se reconfiguraram do
ponto de vista curricular, muito particularmente no que refere aos
Seminários de Iniciação à Prática Profissional, onde se corporiza com
maior acutilância a questão do desenvolvimento profissional dos
formandos (assim como dos formadores).
Num primeiro momento tentaremos clarificar os argumentos
em que, dos pontos de vista conceptual e epistemológico, nos
sustentamos, e que fomos consolidando, ao longo das sucessivas
reformulações curriculares que referimos.
Num segundo momento, enquadram-se essas reformulações
numa análise diacrónica, visando dar conta de algumas das
dinâmicas delas emergentes, assim como de algumas dificuldades já
identificadas.

142 junqueira&marin editores


Palavras-chave: Desenvolvimento profissional dos
professores; Currículos de formação de professores; Prática
Profissional.

Numa análise das políticas europeias de formação de


professores, Buchberger (2000) identifica quinze pontos críticos
a exigirem atenção, que aqui sintetizamos em apenas três:

- A necessidade de uma reforma sistémica, focada no


desenvolvimento profissional dos professores em
todas as fases da sua carreira, que articule os “mundos
tradicionalmente separados” dos estudos profissionais,
académicos, da prática docente e o mundo interno dos
docentes (id.ibid., p. 8). Apresentam-se como pontos
sensíveis a integração da prática profissional na formação,
assim como o desenvolvimento de programas de indução,
implicando trabalho colaborativo de investigação e
supervisão entre formadores e entre as instituições de
formação e as escolas;

- Ao nível da formação, a necessidade de mudanças


curriculares e das culturas de aprendizagem que resistam
à “armadilha da inovação”: transferir a formação para o
ensino superior aumentando a sua duração e introduzindo-
lhe componentes académicas não alteraram o núcleo da
formação, que continua a não se focar nos processos de
ensino/estudo/aprendizagem, a não competencializar para
a gestão do conhecimento e a resolução interdisciplinar
de problemas, assim como continua a não questionar os
“jogos de poder” envolvidos na “arena social da formação
de professores” (id.ibid., p. 11);

- A necessidade de debater amplamente a questão das


qualificações e da certificação profissional, envolvendo a
acreditação e a avaliação (interna e externa) da formação,

junqueira&marin editores 143


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

assim como a formação dos próprios formadores (id.ibid.,


pp. 17-18).

Mais recentemente, no âmbito de uma Conferência


promovida pela Presidência Portuguesa do Conselho da
União Europeia, procurou-se fazer um balanço das medidas
desenvolvidas na formação de professores na sequência dos
objectivos da Estratégia de Lisboa e do Programa Educação e
Formação 2010 (CEC, 2003; CCE, 2003; CCE, 2007). Assume-
se, nesses sucessivos documentos, a importância estratégica
de uma formação de professores de qualidade, para assegurar
resposta aos novos e diversos desafios que se levantam aos
sistemas de educação e formação, e a melhoria global das
sociedades. A formação surge consensualmente perspectivada
de modo continuado no tempo, articulada com a modernização
da escola, sustentada na investigação e em práticas
supervisionadas em contextos diversificados e enquadrada por
políticas e princípios comuns de valorização da profissão (com
exigência de qualificação crescente, obedecendo a trajectórias
formativas ao longo da vida, baseada em modos colaborativos
de trabalho, caracterizada pela mobilidade dentro do espaço
Europeu) (Canário, 2007; CEC, 2007). Os referidos documentos
assinalam também, a insuficiência de progressos das políticas
prosseguidas pelos vários Estados Membros, no que se refere
ao abandono e insucesso escolares, claramente ligados,
pelos dados da investigação, aos níveis de desempenho dos
professores. Referem-se estudos da OCDE em que praticamente
todos os sistemas de formação de professores dos vários
países membros reportam dificuldades e pontos críticos:
na competência para lidar com novos aspectos da docência
(classes heterogéneas, preparação para a aprendizagem
autónoma, entre outros), na desarticulação entre formação
inicial e contínua, na inexistência, em cerca de metade dos
países europeus, de dispositivos de apoio ao trabalho docente
(indução, supervisão…).
Mesmo ocupando posição central entre as prioridades
políticas dos Estados Membros e da Comissão Europeia, o
desenvolvimento profissional dos professores, sendo parte da
solução para vários problemas, continua sendo também parte
dos próprios problemas.

144 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

As reformulações dos cursos de formação decorrentes


do processo de Bolonha trouxeram às Instituições formadoras
a urgência, e também a oportunidade, de se repensarem em
muitos sentidos, e de repensarem os currículos de formação.
Para grande parte das instituições, contudo, este processo
ocorreu em plena continuidade com processos anteriores de
reconceptualização curricular que referiremos mais adiante,
numa análise diacrónica que retoma e operacionaliza a discussão
que faremos sumariamente em seguida, e que se prende com a
sua fundamentação epistemológica e conceptual.

modelos e/ou princípios?


As modalidades de conceptualização curricular da
formação de professores diferenciam-se fundamentalmente
não tanto pela forma/estrutura de que se revestem, mas pelos
modos de organizar e implementar a formação em função
de enquadramentos e finalidades epistemologicamente
diferenciadas.
No campo da diferenciação epistemológica básica diríamos
(sem querer polarizar) que a formação de professores se tem
repartido entre formas de racionalidade olhadas (à boa maneira
da modernidade) como alternativas: o técnico e o artista, o
instrumental e o criativo, o agido/passivo e o actor/activo, o
descontextualizado(zável) e o ecológico, o especialista e o perito,
o unidisciplinar e o interdisciplinar, o cognitivo e o emotivo.
Conforme já referimos em outros escritos a propósito da relação
da teoria do currículo com a formação de professores (Hamido,
2005) este olhar dicotómico induz a ideia de incompatibilidade
entre rigor científico e práxico, e alimenta a conotação algo
enganosa, a nosso ver, do técnico ao prévio (não processual) e
do prático ao contextual. No que se refere aos professores, esta
lógica bipolarizante tende a desagregar e opor as dimensões
intelectual, moral, relacional, da dimensão técnica da sua acção
(incorporando saberes científicos, pedagógicos e didácticos)
(Galveias, 2008; Shulman, 1987). Contudo, efectivamente só é
possível fazer emergir e identificar o conjunto destas dimensões
num desempenho real, contextualizado e autónomo.
A formação de professores tende a incorporar efeitos
desta concepção dicotómica do saber e da profissão, ao desenhar

junqueira&marin editores 145


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

curricularmente a formação de modos que globalmente


conferem naturezas e estatutos divergentes às componentes
teóricas e práticas da própria formação. Quer queiramos ou não,
essa dicotomização, com todos os riscos inerentes, continua
sendo quadro de leitura e de posicionamentos face ao desenho
curricular da formação de professores, largamente perspectivado
segundo lógicas mais próximas do positivismo tecnicista ou
mais próximas do construtivismo praxeológico. São as visões
do conhecimento a trespassarem também este domínio: Entre
a verdade fixa/produto e a verdade em construção/processo,
podemos encontrar concepções de formação mais científica,
realçando o papel dos saberes académicos, ou mais profissional,
realçando papel da investigação e produção de conhecimento
profissional com assunção de intervenção ao nível dos processos
de mudança nas escolas, nas suas culturas organizacionais e na
identidade profissional dos próprios formadores (Alonso, 1998;
Amiguinho, 1998; Formosinho, 2001).
Cremos ser possível, e desejável, conceber a formação de
professores num quadro amplo de desenvolvimento profissional,
que não descarte nenhum dos elementos essenciais da complexa
e múltipla matriz de conhecimentos que uma profissionalidade
plena exige. Não nos faz, pois, qualquer sentido pensar em
profissionais que não dominem a sua ciência, ou pensar numa
ciência absolutamente prévia e/ou independente da prática
profissional que pretende iluminar.
A formação profissional em geral, e a de professores em
particular, têm sido objecto de teorizações que importa realçar
(Alarcão, 1996, 1998; Bireaud, 1995; Campos, 1995; Canário,
1999a, 2000; Formosinho, 2001; Fullan, 2000; García, 1999;
Perrenoud et al., 2001; Ribeiro, 1993; Roldão, 2000b, 2001;
Sacristán, 1999, entre outros). O papel e lugar da formação e
do desenvolvimento profissional dos professores têm também
vindo a ser, em particular na última década, e um pouco por todo
o mundo, objecto de profundas e generalizadas análises também
por parte de várias organizações profissionais e governamentais
(Buchberger, 2000; Campos, 2000; CCE, 2003; CEC, 2003;
CERI/OECD, 1998, 1999; Eurydice, 2002; UNESCO, 1996).
Independentemente das particularidades de que se revestem
as modalidades, muito diversas, de abordagem à formação,
parece-nos existir em todos estes documentos e evidências

146 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

da investigação algum consenso em torno da concepção da


formação e do desenvolvimento profissionais como um percurso
que desejavelmente se deve inscrever ao longo de toda a vida
profissional, alimentando-a na sua trajectória, numa articulação
permanente com os contextos de trabalho em que os indivíduos
são chamados a agir. O sujeito assume um protagonismo
decisivo na definição dessa trajectória e a formação tenderá a
deixar de ser concebida aprioristicamente enquanto conjunto
de conteúdos que, uma vez adicionados, dariam origem a
um profissional, passando a sublinhar-se as necessidades de
contextualizar os processos formativos, de criar as condições
para que eles possam ser co-construídos por formandos e
formadores, e de articular, na formação, diferentes formas de
conhecimento:

“A articulação dialéctica entre os saberes adquiridos na acção e os


saberes formalizados, de natureza teórica, proposta pelos autores
que, como Schön, enfatizam a reflexão na acção como processo
de conhecimento, representa o aspecto principal da evolução
teórica e epistemológica que consistiu em estabelecer uma ruptura
com uma epistemologia da prática que a reduz a um estatuto de
“aplicação” da teoria. Esta ruptura implica o reequacionamento do
papel (na produção de novos conhecimentos) dos saberes, prévios
a uma situação de aprendizagem.” (Canário, 1999a, p. 111, aspas no
original)

Não fará sentido, de acordo com estas perspectivas,


conceber a formação profissional como exclusiva de um formato
escolar, de um espaço e tempo próprios, que a circunscrevam
a uma fase apenas inicial do percurso formativo e a desliguem
de uma socialização profissional autêntica. Integrar a
formação no exercício do trabalho implica uma revalorização
epistemológica da experiência (Canário, 2000, 2001) mas,
sobretudo, acentua a necessidade de a repensar tomando esta
última em consideração. A reconceptualização, nestes moldes,
da formação profissional de professores coloca no centro das
nossas atenções a própria natureza da actividade docente, ou
os contornos da profissionalidade docente e, por consequência,
também a formulação curricular da formação, isto é, a definição
das suas finalidades e modos de implementação e avaliação.

junqueira&marin editores 147


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Concordamos com Roldão (2000b) quando define que


a profissionalidade se identifica por

“(...) - uma função social autónoma e reconhecível; - a posse e


produção de um saber específico para o desempenho dessa função;
- o poder sobre o exercício da actividade, ao nível da decisão
apoiada no saber, e legitimada por ele; - a competência reflexiva
– auto-analítica e meta-avaliativa – sobre a própria actividade; -
a reciprocidade e trocas (de conhecimento e de serviços) entre
parceiros de profissão; - a pertença a uma comunidade profissional
com cultura e identidade próprias” (p. 5).

Consideramos que acção (e respectivos contextos),


discurso e relação (consigo próprio, com os outros e com o
saber) são descritores essenciais da identidade profissional,
em que agir, pensar e ser dialogam em permanência. A
questão inevitável, que aliás a citada autora também coloca,
é a de saber como se concebe uma formação neste sentido.
A organização e sistematização de múltiplas tipologias de
formação (Estrela, 2002; Ferry, 1983; García, 1999; Lesne, 1984;
Zeichner, 1983) tem vindo a fornecer-nos um quadro heurístico
de análise. Também a crescente influência de paradigmas
interpretativos e críticos na investigação educacional trouxe
ao domínio do desenvolvimento profissional dos professores
compreensões que questionaram a ideia funcionalista de que a
aprendizagem e socialização dos professores deveria produzir
continuidades de forma reprodutora, desconsiderando a
natureza eminentemente interactiva, complexa, conflitual,
assim como sempre inacabada, do desenvolvimento
profissional (Zeichner & Gore, 1990).
Assumiremos, aliás em concordância com os autores
referenciados, a ideia de que não existe um ‘bom’ modelo
de formação (Campos, 2000; Canário, 2000; Roldão, 2000a).
Não é, portanto, nos modelos/formatos de formação que
pensamos ser desejável focalizar a nossa atenção, mas
sobretudo nos pressupostos epistemológicos e ontológicos,
que subjazem a visões diversas do que é o conhecimento e do
que deva ser a formação. Identificamo-nos conceptualmente
com um conjunto de pressupostos acerca da formação, que
enunciaremos em seguida.

148 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

1º: organizar a formação como projecto


A formação profissional, pela sua própria natureza de
percurso a caminho da profissionalidade, movimenta-se na
produção e não no consumo do saber (Amiguinho, 1998; Canário,
1999a). A concepção de programas de formação numa linha de
engenharia de sistemas (Ribeiro, 1993), com preocupações acerca
de dimensões formais e ênfase nos conteúdos disciplinares,
já provou a sua relativa ineficácia (Campos, 2000). Caminhos
alternativos poderão gerar-se na aceitação plena da ideia de que
o currículo formativo é uma construção social (Alonso, 2000;
Canário, 2000; Fernandes, 2000; Goodson, 1997, 1998), que não se
resume a um programa pronto a consumir, mas deve ser encarado
como um dispositivo, isto é, um “(...) conjunto de condições
materiais, simbólicas e institucionais indutoras de uma dinâmica
reflexiva e investigativa.” (Canário, 1999b, p. 129). Encarado
desta forma, o currículo assume o carácter verdadeiramente
sistémico que lhe pertence. Organizar a formação como projecto
(Amiguinho, 1998; Roldão, 2001), trabalho colectivo em torno
da resolução de problemas emergentes da prática (Nóvoa, 1999;
Perrenoud, 2001), poderá potenciar a ruptura epistemológica
necessária entre o formar e o ajudar a formar-se, de que fala
Nóvoa (1989). A organização do currículo como projecto de
formação (versus plano-mosaico – Roldão, 2001) coloca menor
relevância no jogo das componentes de formação, “(...) os seus
pesos relativos, a sequencialidade ou integração temporal, a
organização de disciplinas ou de áreas integradas” (p. 14). O que
diferencia a formação mosaico do projecto de formação são “(...)
os modos de conceber a finalização/problematização que confere
e fundamenta a unidade da formação (...) a operacionalização
organizativa da relação entre componentes (ou áreas ou sub-
projectos) (...) os modos de funcionamento do trabalho formativo
(...) os modos de regulação da qualidade” (id. ibid., p. 15).

2º: reconceptualizar a relação


entre teoria e prática
Um segundo pressuposto é o de que um paradigma de
formação desta natureza pressupõe a organização de modos
de trabalho pedagógico centrados, já não em objectivos

junqueira&marin editores 149


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

definidos atomisticamente (constituindo-se como fins em si


próprios, em plena concordância com uma lógica aditiva de
disciplinas curriculares), mas antes centrados em competências
integradoras do contributo de várias disciplinas científicas e
potenciadoras da sua mobilização. Inscrevem-se aqui inúmeros
trabalhos de relevância (Alarcão, 2001; Altet, 2000; Canário,
2001; Formosinho, 2001; Perrenoud, 2001; Perrenoud et al.,
2001; Roldão, 1998, 2000; Sacristán, 1999; Schön, 1987).
Transversalmente a todos eles, a procura de uma concepção
estratégica para a formação profissional dos professores,
passando, entre outros aspectos, pela reconceptualização
da relação entre teoria e prática enquanto relação de
problematização recíproca. Esta última torna relevantes duas
outras questões, cuja breve discussão nos permitirá dar conta
de dois outros pressupostos, relacionados com a integração
curricular e o papel dos formadores.

3º: assegurar uma verdadeira


integração curricular
Referimo-nos à integração curricular entre disciplinas do
conhecimento representadas, na abordagem ao currículo de
formação, em matérias ou disciplinas curriculares separadas.
Não olhamos esta questão na perspectiva do formato que tal
integração assume (ou não), mas na perspectiva da análise de
como esse formato constrange ou facilita o acesso à competência
que se pretende desenvolver. Assim, as áreas de conhecimento
(disciplinas científicas) e as áreas de estudo escolar (Beane,
2002) (disciplinas curriculares), embora remetam para corpos
de conhecimento semelhantes

“Servem objectivos diferentes (...) oferecem experiências diversas (...)


possuem noções bastante distintas acerca da fluidez das fronteiras
que supostamente estabelecem as áreas da investigação (...) As
áreas de estudo são, no fim de contas, um caso mais sério de ‘rigidez
das categorias’ relativamente às disciplinas que supostamente
representam” (p. 48).

Daqui decorre, entre outros aspectos, que “(...) as


matérias separadas, e as disciplinas do conhecimento que

150 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

devem representar, são territórios montados pelos académicos


para os seus próprios interesses e propósitos” (id. ibid., p. 50).
Esta questão liga-se a outros aspectos que aqui apenas cabe
realçar: por um lado, a definição do conhecimento válido como
o saber puro derivado de procedimentos científicos particulares,
conducente à desvalorização do conhecimento que se constrói
por processos emergentes da prática. Por outro lado, a restrição
do domínio desse conhecimento válido a um grupo particular
de agentes, cujo estatuto e poder se vêem assim legitimados
(Apple, 2001; Goodson, 1998; Popkewitz, 1994).

4º: repensar o papel dos formadores


As transformações necessárias na organização dos
modos de trabalhar na formação, decorrentes da renovação
epistemológica a que nos temos vindo a referir, tornam
evidente a necessidade de reposicionamento dos professores
formadores, sendo claro que eles próprios têm que se apropriar
das competências que supostamente ajudam os alunos,
futuros professores, a desenvolver. Na verdade, vários autores
evidenciaram a particular relevância que as práticas curriculares
dos professores formadores possuem no processo formativo dos
alunos (Altet, 2000; Bireaud, 1995; Formosinho, 2001; García,
1999). Como afirma Garcia (1999), “A ‘qualidade profissional’
de um programa de formação inicial de professores tem a ver
com o modo como os formadores de professores relacionam
os conteúdos das suas matérias e a prática do ensino” (p. 107,
aspas no original), isto é, com concepções próprias da relação
teoria/prática, e do ensino como ciência aplicada ou como
prática reflexiva, assim como com a sua própria capacidade de
reflectir sobre as suas práticas.
O conceito de currículo de processos (Formosinho, 2001)
parece-nos particularmente apropriado a esta análise. O autor
diferencia as práticas de organização do ensino (por parte dos
formadores) e as suas práticas curriculares. As primeiras dizem
respeito aos tempos da escola, horários, e agrupamento dos
alunos e são a dimensão manifesta do currículo de processos; as
práticas curriculares dizem respeito à concepção dos programas
e também aos seus modos de implementação, o método, os
materiais usados, e constituem a dimensão oculta do currículo

junqueira&marin editores 151


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

de processos, pois não são usualmente assumidas como


componente de formação. Estas duas práticas (organizativas do
trabalho e curriculares) juntamente com a Prática Pedagógica
(esta sendo a única com tradução curricular formal) são
verdadeiramente as três dimensões institucionais que se
tornam relevantes na formação prática dos alunos. As formas
de aprendizagem invisível promovidas de forma processual
desempenham um papel relevante no processo de socialização
antecipatória na profissão (durante a formação inicial). A ausência
de evidências de reflexividade nos formadores, a criatividade
limitada, o uso da teoria confinado a um quadro limitado,
fixo, inquestionado, a acção tendencialmente acomodadora
ou passiva, mais do que transcendência dos constrangimentos
inerentes à profissão, reforçam ao longo de anos de formação
uma orientação do ensino não analítica, não-reflexiva (Hatton,
2001; Roldão, 2004; Sacristán, 1999). A própria formação dos
professores pode, portanto, reforçar esta aprendizagem, quer
por omissão, quando se negligencia a importância destas
aprendizagens, quer por legitimação, quando elas são tomadas
por adequadas no decurso do próprio processo de formação e
supervisão.
O fortíssimo enraizamento histórico-cultural da docência
no ensino superior em matrizes de trabalho individualísticas,
dotadas de grande autonomia e poder sobre a sua própria
acção, tem gerado condições de perpetuação inquestionada
(também, por vezes, considerada inquestionável) de modos de
organizar o trabalho pedagógico que, por um lado, asseguram
a fragmentação da formação e a hipertrofia da dimensão
do saber conteudístico, assegurando também aos docentes
o poder que advém do seu saber disciplinar específico. Por
outro lado, esta circunstância autoriza a manutenção de um
estatuto de prestígio sem fazer perigar, porque não o interroga,
o estatuto de profissionalidade dos formadores, efectivamente
eivado de ambiguidades. Mesmo a produção de saber através
da investigação constitui-se frequentemente como prática
concorrente da prática curricular, desenvolvendo-se paralela e
independentemente dela (Bireaud, 1995; García, 1999; Roldão,
2004).
O peso da tradição intelectualista e do prestígio e poder
a ela associados, largamente contagiantes mesmo das novas

152 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

escolas universitárias e politécnicas, traduz-se num peso de


inércia ou mesmo imobilismo, no que às desejadas competências
dos alunos se refere. Assumir como saber que melhor identifica
a profissão docente aquele que é construído a partir da reflexão
investigativa sobre a sua própria prática, coloca os professores
formadores numa posição duplamente incómoda: por um lado, a
de assumirem que o conhecimento e competência profissionais
que se espera sejam capazes de desenvolver nos seus alunos
só se pode desenvolver/aprender numa estreita relação com a
prática profissional real, cenário sobre o qual os formadores têm
pouco controlo directo. Por outro lado, e em resultado disto, a
de assumirem a interdependência da construção do seu próprio
conhecimento profissional relativamente à dos seus alunos,
entendida esta última como nuclear à sua prática enquanto
formadores. Neste sentido, a assunção de decisões curriculares
nos diversos níveis a que o seu estatuto social e académico dá
acesso e que a assunção da sua profissionalidade exige, torna
os formadores de professores agentes essenciais do sistema de
formação que, mais do que outros agentes, em outros níveis de
ensino, têm o poder (e o dever científico, ético e moral) de, com
a sua acção formativa, supervisiva e investigativa, contribuirem
decisivamente para instituir na formação de professores a
flexibilidade e competência formativa de que ela ainda carece
(Hamido, 2005).

5º: analisar a relação entre cultura


profissional e cultura organizacional
Consideramos, neste ponto, a relevância de considerar
de modo articulado, na formação de professores, as questões
curriculares e as organizacionais (Campos, 2000; Fullan, 2000;
Roldão, 2000), assumindo-se que “A formação é sempre um
processo de mudança institucional [implicando] um contrato
(...) entre as três partes interessadas (equipa de formação,
formandos e instituições)” (Canário, 1999a, p. 21, parêntesis no
original).
As conceptualizações da escola como organização
aprendente (Bolívar, 1997; Santiago, 2000; Sergiovanni, 2000),
bem como os conceitos de aprendizagem organizacional
(Senge, 1990), comunidade de aprendizagem (Sergiovanni &

junqueira&marin editores 153


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Starratt, 2002) ou comunidade de aprendentes (Shulman &


Shulman, 2004), reportam-se à possibilidade de uma mudança
nas representações dos agentes numa organização, através da
aprendizagem que resulta de efeitos combinados de processos
sociais, grupais e relacionais, enquadrados organizacionalmente.
Vários autores referem a estreita ligação que existe entre
a possibilidade de as escolas se assumirem como organizações
aprendentes e a qualidade das aprendizagens dos seus alunos. É
também conhecida a proximidade entre a cultura organizacional
e os contornos que a cultura profissional dos professores possa
assumir, em cada contexto (Fernandes, 2000; Hargreaves, 1998;
Roldão, 2000b). A reclamada ausência de mudança das práticas
dos professores, bem como as alegadas resistências à mudança,
poderão, assim, pelo menos parcialmente, ser engendradas
por uma dinâmica grupal e organizacional que, construindo-
se a partir dos indivíduos, constitui enquadramento aos seus
comportamentos mas também, de certo modo, os modela
(Friedberg, 1995).
É assim que, entre discursos educacionais favoráveis à
inovação/ reconceptualização do currículo, dos papéis dos alunos
e formadores, e as reais concepções e práticas organizacionais,
há por vezes aspectos contraditórios, ambiguidades que
permitem descomprometimento organizacional dos agentes,
emergência de micro-políticas (Blase, 2001) ou formas de
individualismo estratégico (Hargreaves, 1998) que de modos
formais e informais acompanham mudanças curriculares que
apenas recompõem os elementos do currículo formativo
sem mudança de lógicas nem transformação de quadros de
referência. É numa alusão a este fenómeno que Fullan (1993)
se refere à diferença entre reestruturar e reculturar as culturas
organizacionais.
Representar de modo mutuamente compreensivo o
projecto curricular, remete para e envolve vários níveis de
contexto (Bronfenbrenner, 1979; Cole, 1996): as disciplinas
(e docentes), que envolve o plano como um todo, a escola e
as condições de desenvolvimento do projecto, a comunidade
mais vasta de que faz parte a escola, a circunstância e o timing
histórico, socio-político que se vive globalmente na sociedade.
Interagir a propósito do projecto curricular, envolve, pois, todos
esses níveis de contexto.

154 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

A competencialização e desenvolvimento profissional dos


futuros professores e dos seus formadores prende-se não só
com a apropriação de conhecimento mas, também, e talvez até
sobretudo, com a capacidade de construção de conhecimento,
de aprendizagem, enraizada nas práticas sociais específicas
(das acções e discursos docentes e organizacionais) em torno
de um objecto (o curso e o seu projecto curricular). Trata-se,
portanto, de considerar que a instituição formadora poderá, em
maior ou menor grau, promover um modo particular de relação
dos profissionais e da organização com o saber, relação que se
pretende actuante, reflexiva e apropriadora.

o caso da e.s.e. de santarém:


resenha histórica curta
A decisão de requalificação da formação de todos os
Educadores de Infância e Professores do Ensino Básico ao nível
do ensino superior teve um dos seus pontos altos no ano lectivo
de 1998/99, com a passagem dos Cursos a Licenciatura, com
inerente aumento do tempo de formação de 3 para 4 anos e
reorganização dos currículos de formação numa lógica de reforço
da especificidade da função docente, e de valorização das
interrelações entre todas as componentes de formação e, muito
particularmente, do papel da iniciação à prática profissional.
Foi ainda no mesmo ano que se definiu o sistema de
acreditação de cursos que conferiam qualificação profissional
para a docência e que nasceu o INAFOP (Instituto Nacional
de Formação de Professores). Na Deliberação do INAFOP
sobre Padrões de Qualidade da formação inicial, fixados para
acreditação e certificação dos Cursos, reiterava-se a necessidade
de “...haver uma articulação cuidada entre as diferentes
unidades do Curso e actividades desenvolvidas na iniciação à
prática profissional, por forma a sustentar uma relação frutuosa
entre conhecimentos específicos e perspectivas gerais, bem
como o desenvolvimento de uma capacidade crítica em relação
às diferentes áreas do saber.”. (Deliberação nº 1488/2000, D.R.
de 15/12/2000, 2ª série alínea iii), do ponto 3.1.). Ao mesmo
tempo que se iniciavam, a nível nacional, movimentações
de reformulação global das carreiras dos professores, e dos
estatutos das Instituições, decorriam uma avaliação institucional

junqueira&marin editores 155


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

por Comissão Externa de Avaliação, a construção do projecto


quadrienal da Escola, discutiam-se e aprovavam-se, em Junho
de 2001, várias recomendações, no âmbito do órgão de gestão
científica da Escola, no que refere à organização da Prática
Pedagógica, bem como no que refere a aspectos de organização
global da instituição:

I) organizar a distribuição de docentes visando a construção


tendencial de equipas por cursos ou cursos com
afinidades, bem como compatibilizar a distribuição do
número de horas suficientes ao real acompanhamento/
supervisão dos alunos, com a restante distribuição do
serviço docente;
II) procurar garantir, junto de coordenadores de Cursos
e Departamentos Científicos, que a distribuição se
articulasse com a investigação e projectos existentes,
procurando rentabilizá-los;
III) reforçar a centralidade formativa da Iniciação à
Prática Profissional na organização dos cursos, entre
outras formas, envolvendo os docentes do Curso no
acompanhamento, fundamentação e reflexão da Prática
Pedagógica, do 1º ao 4º ano do Curso;
IV) Reforçar as parcerias supervisivas com os profissionais do
terreno (Educadores e Professores cooperantes) visando
melhorar a sua articulação com os docentes da ESES e a
coerência da sua acção no contexto da Prática Pedagógica,
nomeadamente mediante um estreito acompanhamento
formativo dos mesmos e a sua “fixação” através do
estabelecimento de protocolos institucionais e trienais.

Estas medidas vinham sendo tentativamente


implementadas por uma equipa de docentes de várias áreas
científicas (Língua, Matemática, Ciências Naturais, História,
Psicologia, Sociologia, Currículo, Ciências da Educação), que
também desenvolveu todo o processo de acreditação dos cursos
e de implementação destas medidas. Os pressupostos que
referimos na primeira parte deste artigo emergiram de múltiplos
debates, reflexões e conceptualizações realizados pela equipa
ao longo de 5 anos. Alguns desses processos foram objecto de
estudo em vários projectos de investigação orientados e/ou

156 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

protagonizados por docentes envolvidos nos cursos (Campos


& Bento, 2004; Hamido, 2005; Luís & Rodrigues, 2005; Luís
& Campos, 2008; Roldão, Galveias & Hamido, 2005; Roldão,
Figueiredo, Campos & Luís, 2009, entre outros).
Em 2006/2007 inicia-se uma nova reorganização
curricular decorrente dos princípios reguladores da criação do
espaço Europeu do Ensino Superior (Decreto-Lei 42/2005). O
chamado “processo de Bolonha”, remodelava a organização
do Ensino Superior no tocante, quer à definição dos ciclos de
estudos conducentes a habilitação profissional para a docência,
quer à identificação das áreas científicas da formação. O ano
seguinte, 2007/2008, é o primeiro ano de funcionamento do
novo curso de Licenciatura em Educação Básica.
O curso estruturou-se num tronco comum, constituído
pelas unidades curriculares das áreas de “formação na área
da docência”, “formação educacional geral”, “didácticas
específicas” e “prática de ensino supervisionada”. Esta última
componente foi organizada de forma a permitir opções mais
direccionadas para determinados domínios da docência
(correspondentes aos ramos do 2º ciclo de estudos), e
em alternativa a possibilidade de desenvolver a iniciação
à Prática em contextos não formais (ocupação de tempos
livres, Instituições para Deficientes, Comissões de Protecção
de Crianças e Jovens, Centros de Acolhimento, etc)(cf.Nota
explicativa no final do artigo). Este “tronco comum”, 1º ciclo de
formação, com duração de 3 anos, conducente à obtenção de
Licenciatura, não habilita para a docência, considerando-se que
apenas a realização do 2º ciclo de estudos (conferente do grau
de Mestre) permite aos formandos aceder às competências
necessárias. Este 2º ciclo de estudos assume durações
diferenciadas, consoante o formando opte por Educação Pré-
Escolar (2 semestres), Educação Pré-Escolar e Ensino do 1º
Ciclo do Ensino Básico (3 semestres), ou Ensino do 1º Ciclo e
do 2º Ciclo do Ensino Básico (4 semestres).
O processo de transição revelou-se difícil, nos planos
curricular e organizacional, dada a alteração substancial dos
conteúdos e das ponderações das diversas componentes de
formação, e a dificuldade, que com ele se criou, de manter o
equilíbrio teórico-prático e a filosofia de trabalho alimentada e
construída anteriormente.

junqueira&marin editores 157


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Em 2009/2010, o primeiro grupo de alunos que acedeu


a este novo Curso de Educação Básica terminou a Licenciatura
(1º ciclo de estudos). Foi o momento de tentar realizar alguma
síntese e balanço desse processo.

processos de reformulação curricular:


continuidades temporal e conceptual
e questões emergentes
Apesar das assinaláveis diferenças deste último curso em
relação aos planos de formação anteriores, importa referir que:

- Os planos curriculares anteriores assentavam já num


“ensino baseado no desenvolvimento de competências”
e no aperfeiçoamento de um processo iniciado em
2001 que envolveu toda a Instituição e que teve como
referencial os documentos do Inafop (Padrões de
Qualidade e Perfis Geral e Específico), assim como a
reestruturação curricular dos ensinos pré-escolar e
básico.
- Este processo visou e implicou uma mudança de paradigma
na formação de Educadores de infância e Professores do
Ensino Básico: a partir da organização participada de um
projecto formativo e da identificação das competências
necessárias ao desempenho profissional, definiram-
se metodologias, nomeadamente colocando a Prática
no eixo da formação, de modo a promover a formação
centrada num projecto e no perfil do profissional que
pretendíamos formar.

No contexto destes processos geraram-se e foram-se


desenvolvendo e consolidando:

- um quadro de referência para o trabalho: I) conceptual,


pelas múltiplas clarificações ontológicas, epistemológicas
e metodológicas que suscitou; II) pragmático, pelo que
implicou em termos de construção de uma colegialidade
autêntica.
- um quadro de influência: I) sobre vários aspectos da
gestão da escola; II) sobre o desenvolvimento de outros

158 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

projectos formativos; III) sobre os modos de trabalhar de


outras equipas de docentes;
- um quadro de questionamento sistemático, analítico,
reflexivo e teorizante sobre os processos de reconstrução
e desenvolvimento curriculares e sobre os seus corolários
de natureza organizacional, interpessoal e relativos
ao desenvolvimento profissional (de formandos e de
formadores!).

Apesar dos impactos positivos que reconhecemos terem


decorrido dos sucessivos processos de mudança, eles não
foram isentos de problemas e suscitam até agora um conjunto
de questões, que sintetizaremos:

- Questões gerais, relacionadas com a opção institucional


de desdobramento dos cursos em grupos de horário
diurno e nocturno, com níveis de partida dos alunos
muito diversos e por vezes muito baixos; os estudantes-
trabalhadores confrontam-se com a viabilidade de
realização das Práticas Supervisionadas (necessariamente
diurnas); coloca-se, também, para acesso ao 2º ciclo
de estudos, a questão da validação de competências e
da criação de dispositivos formativos que permitam a
transição e acesso ao grau de Mestre, aos alunos que
concluíram as anteriores Licenciaturas.
- Questões relacionadas com o contexto organizacional,
também ele em mudança. A par de alterações
da estrutura funcional e de aspectos da cultura
organizacional, nos últimos anos, e por razões várias,
foram ocorrendo algumas “perdas”de elementos da
equipa nuclear de docentes (regressados ao sistema
de Ensino Básico e Secundário, do qual haviam sido
requisitados; aposentados, etc.), que assim começou a
desmembrar-se e a ocupar um lugar diferente na agenda
de prioridades da Instituição. Apesar de globalmente
se ter mantido a filosofia de organização das equipas
de supervisão (docentes da Escola, alunos e docentes
especialistas do terreno), elas sofreram, contudo, alguma
desvalorização institucional, por exemplo, e entre outros
aspectos, com a retirada da equipa, de vários docentes

junqueira&marin editores 159


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

mais experientes, e a atribuição de pequenas cargas


horárias a vários docentes recentemente contratados;
- Questões relacionadas com a organização e
implementação curriculares: a lógica formativa
decorrente do “processo de Bolonha” teve, do
ponto de vista da filosofia integradora e reflexiva do
desenvolvimento profissional que presidia à formação,
duas implicações principais:
I) No 1º ciclo de estudos apenas foi possível contemplar
tempos mínimos de permanência e imersão nos
locais de estágio (cerca de 15 dias), transformados
em “estágios de observação” visando o suporte a
uma escolha vocacional mais fundamentada, no
final desse ciclo de estudos. Ainda assim, procurou-
se manter o objectivo de criar hábitos de trabalho
reflexivos, formatos dinâmicos de avaliação, e a
visibilização de vários produtos resultantes desse
trabalho, corporizada na organização de Jornadas
de abertura e de encerramento da Prática;
II) A segunda implicação principal prende-se com
a partilha de espaços e de tempos lectivos por
áreas científicas diferentes, mas afins, e pelos
respectivos docentes. Vários conteúdos trabalhados
separadamente nos planos curriculares anteriores
“fundiram-se”, por assim dizer, em um só, gerando
múltiplas dificuldades de integração e apropriação
mútua de conhecimentos, e a tendência ao reforço da
fragmentação curricular. Visibilizou-se a resistência
própria da cultura docente à conceptualização do
seu agir, o que, conjugado com desfasamentos /
desconhecimento de alguns docentes relativamente
ao novo plano de estudos, teve como consequência
mais imediata a desfocagem da natureza compósita
e integradora do saber profissional que tem que
ser situacionalmente mobilizado, e portanto
a “passagem”, no processo formativo, de uma
concepção desarticuladora, ou mesmo opositora,
da teoria e da prática enquanto facetas de um
mesmo processo, de construção e uso continuados
de conhecimento /desenvolvimento profissionais.

160 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Estas e outras questões, que não coube referir no


âmbito deste artigo, continuarão a ser objecto de reflexão e
de intervenção, cientes que estamos de que existe uma clara
interdependência entre o desenvolvimento profissional dos
nossos alunos, a competência formativa da formação, e o
nosso próprio desenvolvimento profissional.

nota:
No Sistema Educativo Português, a Educação Pré-Escolar abrange
crianças com idades entre os 3 e os 6 anos de idade. O 1º Ciclo
do Ensino Básico abrange crianças com idades entre os 7 e os
10/11 anos. O 2º Ciclo do Ensino Básico, crianças com idades
entre os 11 e os 12 anos. As Escolas Superiores de Educação
formam Educadores e Professores apenas para estes níveis de
ensino, estando cometida às Universidades a formação desses
profissionais para os restantes níveis de ensino não superior. ⌂

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166 junqueira&marin editores


contributos da primeira
implementação do período
probatório para o desenvolvimento
profissional dos professores
portugueses

Teresa N. R. Gonçalves UIED / FCT / UNIV. NOVA DE LISBOA - PT


Pedro Guilherme Rocha dos Reis UNIV. DE LISBOA - PT
Luciana Mesquita da Silva UNIV. DE AVEIRO - PT

resumo
O reconhecimento da indução como um elemento chave no
processo de desenvolvimento profissional emergiu recentemente,
a partir da consciência crescente da necessidade de apoiar os
professores recém-formados. Como resultado, vários países
desenvolveram programas para apoiar os professores no início da
sua carreira docente. Em Portugal, a primeira implementação do
período probatório ocorreu em 2009/2010. No presente artigo
apresenta-se a perspectiva dos professores em período probatório
que participaram nessa primeira implementação, através da
análise de dados quantitativos e qualitativos recolhidos durante
o processo – no início, durante e no final. Serão considerados
os contributos do período probatório para o desenvolvimento
profissional dos professores, o papel dos mentores nesse
processo e as necessidades de formação sentidas. A comparação
entre os dados permitirá elaborar algumas considerações sobre o
processo e o seu impacto no desenvolvimento profissional destes
professores.

junqueira&marin editores 167


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Palavras-chave: Indução, desenvolvimento profissional,


supervisão.

introdução
O reconhecimento da indução como um elemento
chave no processo de desenvolvimento profissional emergiu
recentemente, a partir da consciência crescente da necessidade
de apoiar os professores recém-formados. Como resultado, vários
países desenvolveram programas para apoiar os professores no
início da sua carreira docente (KILLEAVY e MURPHY, 2006).
As perspectivas e orientações seguidas relativamente à
implementação de processos de indução diferem de acordo
com os contextos. Em muitos países entende-se que a indução
é distinta do período probatório, uma vez que este último
implica uma função avaliativa, embora período de indução
e período probatório possam coincidir, como foi o caso da
experiência portuguesa.
Em Portugal, no ano de 2009-2010 foi criado um período
probatório obrigatório para os professores que detivessem,
pela primeira vez, funções na categoria de professor de um
quadro de escola (pública ou privada), numa área disciplinar
específica (por exemplo, Espanhol) e/ou nível de ensino (pré-
escolar, básico e/ou secundário) e que tivessem menos de 5
anos de experiência. De acordo com o Despacho n.º 21666/09,
que o instituiu, o período probatório tem a duração de um
ano, destina-se a professores que tenham completado a sua
formação inicial, e ocorre na própria escola onde os professores
são colocados.
Durante este período, o docente em ingresso na carreira
deverá ser acompanhado e apoiado, nas dimensões didáctica,
pedagógica e científica, por um professor já pertencente
ao quadro da escola e detentor de características que se
enquadram num perfil legalmente instituído – o Mentor, na
denominação dada pelo Despacho n.º 21666/09. De acordo
com este documento legal, o acompanhamento do Mentor
visa a integração do novo professor na comunidade educativa
(que tem a escola como centro) e nas funções a desempenhar,
cabendo-lhe também a função de avaliar o seu desempenho
durante o primeiro ano.

168 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

A implementação deste processo foi monitorizada


e apoiada por uma equipa convidada pelo Ministério da
Educação e coordenada pela Universidade de Aveiro por meio
do Programa de Supervisão, Acompanhamento e Avaliação do
Período Probatório de Professores. Os objectivos desta equipa
foram: a) monitorizar e apoiar o processo através da recolha
das perspectivas dos diferentes participantes e resolver ou
encaminhar os problemas detectados para os órgãos próprios;
b) formar os mentores durante todo o ano lectivo; c) envolver
os directores no processo; d) elaborar orientações e publicações
para apoiarem a actividade dos vários intervenientes; e e)
avaliar e elaborar relatórios sobre o período probatório ao
longo do processo . A equipa definiu também uma agenda de
investigação sobre desenvolvimento profissional de professores
e supervisão, da qual este texto é um resultado.
Relativamente ao Programa supracitado, a primeira
implementação do período probatório em Portugal envolveu
89 docentes em início de carreira, doravante denominados
professores em período probatório (PPP), 85 mentores e 81
instituições de ensino público. Entre as áreas de docência
envolvidas, salientam-se, entre os PPP, o Espanhol (ensinado
por 58% dos PPP), e entre os mentores, o Português (ensinado
por 28% dos mentores). Essa pequena amostra evidencia o
desencontro entre grupos de docência das díades supervisivas
formadas por mentor e PPP: apenas em 6% dos casos o grupo
de docência do mentor era o mesmo que o do professor sob a
sua supervisão.
Atendendo a este panorama, o presente artigo apresenta
as perspectivas dos professores em período probatório através
da análise dos dados quantitativos e qualitativos recolhidos
através da aplicação de três questionários aplicados em
diferentes momentos do processo: no início, sensivelmente
a meio do processo e no final do período probatório. Estas
perspectivas emergiram da análise de conteúdo dos dados
recolhidos e da sua posterior comparação tendo em conta as
expectativas iniciais e a apreciação final do período probatório
pelos professores participantes. A análise de conteúdo teve em
consideração perspectivas demonstradas sobre os seguintes
aspectos: a) os contributos gerais do período probatório; b) o
papel do mentor (e, por extensão, do processo de supervisão); e c)

junqueira&marin editores 169


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

as necessidades de formação durante o processo. A comparação


entre os dados permitiu elaborar algumas considerações sobre
o processo e o seu impacto no desenvolvimento profissional
desses professores.

2. indução e desenvolvimento profissional:


enquadrando a experiência portuguesa
Os primeiros anos de actividade profissional representam
o grande “embate” com a escola real e o “corte do cordão
umbilical” com a faculdade e com o orientador de estágio. São
marcados pelas dificuldades inerentes ao aumento do número
de turmas e de alunos, à diversidade de currículos a leccionar,
ao desempenho de funções de natureza diversa – direcção de
turma, concepção e coordenação de projectos, correcção de
provas de exame, etc. Surgem dificuldades: a) na organização e
gestão da aula; b) na implementação de metodologias activas;
c) na gestão de situações inesperadas no interior da sala de
aula; d) na transição de um pensamento académico para um
pensamento pedagógico (FEIMAN-NEMSER e BUCHMANN,
1986, 1987; GUILLAUME e RUDNEY, 1993; RECRUITING NEW
TEACHERS, Inc., 1999). Nesta fase, a conjugação da eventual
incapacidade de ultrapassar estes problemas com o desgaste
físico provocado pelas novas exigências profissionais pode
conduzir a sentimentos de solidão, desânimo, frustração e
fracasso e, eventualmente, ao abandono da profissão docente.
Mesmo quando os novos professores não desistem da docência,
a falta de um apoio que vá mais além da ajuda pontual de um
colega simpático pode comprometer o desenvolvimento de
competências necessárias a um ensino promotor de uma
aprendizagem profunda e complexa por parte dos alunos
(FEIMAN-NEMSER et al., 1999).
Durante a década de 1960, várias escolas começaram a
despertar para a necessidade de desenvolver esquemas que
ajudassem os professores a ultrapassar as dificuldades do início
de carreira e surgiram os primeiros apelos no sentido da criação
de programas de indução (ERIC, 1986; FEIMAN-NEMSER et al.,
1999). Contudo, o grande desenvolvimento dos programas
de indução ocorre durante a década de 1980 (FLORES, 2000)
perante a necessidade crescente de diminuir a elevada taxa

170 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

de abandono da carreira docente durante os primeiros anos


de actividade (HULING e RESTA, 2001) ou atender a pressões
de órgãos centrais da educação para estabelecer apoios
sistemáticos ao desenvolvimento profissional dos professores à
entrada da carreira (HARFORD, 2009).
Ao longo das últimas três décadas, os programas de
indução para professores evoluíram de palestras introdutórias
– simples sessões informais de boas vindas organizadas
pela direcção das escolas – para programas bastante mais
sofisticados integrando uma variedade considerável de
estratégias. A literatura sobre esta temática permite identificar
uma variedade considerável de estratégias utilizadas em
diversos países (BRITTON, 2003; MOSKOWITZ e STEVENS, 1997;
SERPELL e BOZEMAN, 1999). Contudo, o mentorado tem sido a
estratégia mais utilizada. Existem processos formais e informais
de mentorado. O mentorado formal, como é o caso português,
instituído legalmente, envolve a atribuição de um mentor,
também designado de coach (FLORES, 2000) – um professor
experiente a quem são atribuídas responsabilidades específicas
–, ao professor em início de carreira. O mentorado informal pode
ser atribuído ou seleccionado pelo novo professor, não envolve a
atribuição de responsabilidades específicas e as suas actividades
têm um carácter espontâneo. Os mentores raramente recebem
mais do que uma formação mínima e tendem a ser escolhidos
com base na sua posição profissional ou na sua competência,
neste último caso por sugestão da administração da escola.
Frequentemente, os mentores sentem necessidade de mais
formação. A maioria não recebe uma compensação adicional
mas o desempenho deste papel pode constituir um critério
importante na sua progressão profissional.
As estratégias de indução variam consideravelmente em
objectivos, duração, organização, estratégias e financiamento.
Alguns mecanismos limitam-se a sessões de orientação, de curta
duração, realizadas no início do ano escolar. Outros consistem
em programas plurianuais que envolvem a articulação de
trabalho em equipa, orientação em serviço, mentorado e
workshops. Existem países, como Portugal, onde é o governo
que concebe, financia, implementa e controla os programas de
indução. Na generalidade destes casos, o sistema de indução é
bastante formal, admitindo pouca ou nenhuma variabilidade nos

junqueira&marin editores 171


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

programas implementados e nas estratégias utilizadas. Noutros


países, a concepção e implementação dos mecanismos de
indução são da responsabilidade dos estados ou dos territórios.
Em alguns países, a indução é completamente descentralizada,
cabendo a sua concepção e implementação aos gestores das
escolas, aos professores ou a outros membros da comunidade
educativa. Nestes casos, as práticas tendem a ser mais variadas,
adequando-se às necessidades de determinados professores ou
escolas. Independentemente destes aspectos, os objectivos dos
programas de indução de professores centram-se, geralmente:
a) no estabelecimento de uma ponte de apoio que facilite a
passagem dos “alunos de ensino para o ensino de alunos”; b)
na satisfação das necessidades individuais dos professores; e c)
na avaliação dos novos professores (MOSKOWITZ e STEVENS,
1997). Estes objectivos reflectem-se na grande ênfase atribuída
a determinados tópicos durante a indução: métodos de ensino,
conteúdo curricular, gestão de sala de aula, aconselhamento
de alunos e políticas escolares. Com uma menor frequência,
também são abordadas questões relativas ao relacionamento
com os pais, trabalho administrativo, integração dos professores,
retenção dos professores e desenvolvimento de parâmetros
éticos e profissionais. Outra constatação do estudo de Moskowitz
e Stevens foi a fraca ligação entre os programas de indução e as
instituições de ensino superior onde os professores fizeram a
sua formação inicial. A maioria dos países utiliza a universidade
somente como uma fonte de recursos: especialistas para
seminários e workshops, estudos sobre os processos de
indução, etc. No entanto, muitos dos países analisados neste
estudo reconhecem a necessidade de uma maior ligação entre
as universidades e as escolas que assegure uma sequência de
aprendizagem da qual a indução constitui apenas um passo.
Serpell e Bozeman (1999), numa análise do impacto
dos programas de indução de professores, concluem que a
preparação, o apoio emocional e o desenvolvimento profissional
proporcionados por estes programas têm consequências
positivas na retenção e na eficácia dos professores em início de
carreira. Estes autores acreditam, ainda, que a maior longevidade
dos professores na profissão tem implicações importantes
na aprendizagem dos alunos e na qualidade das escolas: os
professores mais experientes sentem-se mais à vontade com os

172 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

alunos e gerem melhor o tempo e as práticas de sala de aula.


Outros resultados interessantes dizem respeito ao impacto dos
programas de indução sobre o desenvolvimento profissional
dos mentores. As revisões da literatura efectuadas por Serpell e
Bozeman (1999) e por Huling e Resta (2001), identificaram efeitos
positivos do mentorado: a) no desenvolvimento da competência
profissional dos mentores – a proximidade de trabalho com os
professores em início de carreira tem impactos positivos na
qualidade do ensino praticado pelos mentores (a interacção
com os novos professores constitui uma fonte de novas ideias
acerca do currículo e do ensino, de literatura sobre questões
educativas, de técnicas de ensino e de planos de aula); b) na
promoção de uma prática reflexiva – os mentores consideram
que o mentorado os força a serem reflexivos acerca das suas
concepções sobre o ensino, a aprendizagem e os alunos e lhes
proporciona oportunidades de validarem a experiência que
desenvolveram ao longo dos anos e, além disso, acreditam que a
análise e a discussão sobre o ensino permitem aprofundar a sua
sensibilidade e capacidades de ensino; c) na obtenção de novas
energias e no fortalecimento do envolvimento dos mentores
na profissão docente; e d) no desenvolvimento da auto-estima
e da auto-confiança dos mentores. Contudo, estes benefícios
atribuídos ao mentorado não são automáticos, dependendo de
vários factores como, por exemplo, a qualidade dos mentores, o
grau de proximidade entre os mentores e os novos professores
e a compatibilidade entre as suas personalidades (SERPELL e
BOZEMAN, 1999).
A investigação sobre a indução de professores tem
permitido identificar algumas características importantes para
o sucesso dos programas de indução (MOSKOWITZ e STEVENS,
1997; RECRUITING NEW TEACHERS, Inc., 1999). Constata-se
que o sucesso destes programas não resulta directamente da
implementação de uma determinada estrutura de indução mas
da sua adequação às necessidades específicas de determinados
professores e contextos educativos. Entre as várias características
identificadas destacam-se as seguintes:

1) Existência de uma cultura de responsabilidade partilhada


e de apoio – nos programas mais eficazes, os professores
experientes sentem-se colectivamente responsáveis pela

junqueira&marin editores 173


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

integração e pelo desenvolvimento das capacidades de


ensino dos professores em início de carreira de forma
a garantirem a manutenção de padrões profissionais
elevados;
2) Interacção entre professores experientes e em início de
carreira – a interacção revela-se extremamente positiva no
desenvolvimento profissional e relacional dos mentores e
dos novos professores, pelo que, a eficácia dos programas
de indução depende da estimulação da interacção.
Alguns componentes (por exemplo, o planeamento e a
discussão em grupo) revelam-se particularmente úteis
na promoção da interacção. As visitas constantes às aulas
uns dos outros permitem que tanto professores como
alunos encarem esta situação como normal;
3) Noção de indução como parte de um processo de
desenvolvimento – os programas com maior sucesso
tratam os professores em início de carreira como
profissionais, cujas contribuições devem ser valorizadas,
que se encontram no início de um processo de
desenvolvimento profissional. Assim, não esperam que
eles executem o mesmo trabalho ou que evidenciem as
mesmas capacidades de um professor experiente, mas
esperam que eles evoluam ao longo do tempo. Para
tal, a direcção da escola cria condições de trabalho que
apoiam os professores em início de carreira e conduzem
à satisfação das suas necessidades profissionais: por
exemplo, não lhes atribuem turmas problemáticas
nem os sobrecarregam com actividades ou deveres
extraordinários. Os responsáveis pela instituição estão
conscientes, e alertam os restantes elementos das
escolas, da importância de receber bem, orientar e apoiar
os professores em início de carreira;
4) Atenção especial à selecção, treino, compensação, apoio
e avaliação dos mentores – os mentores representam um
aspecto determinante da qualidade de qualquer processo
de indução. Devem ser professores (a) competentes, (b)
com conhecimentos acerca do currículo e das orientações
curriculares, (c) capazes de trabalhar em grupo, comunicar
eficazmente, observar, diagnosticar, aconselhar e
fornecer feedback construtivo, (d) seleccionados através

174 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

de um processo formal, (e) treinados para as funções


que irão desempenhar, (f) dispensados parcialmente
dos seus deveres normais de forma a poderem observar
aulas, exemplificar actividades e reunir com os novos
professores, (g) remunerados de forma a poderem
cobrir as despesas com materiais, livros e inscrições em
congressos e (h) avaliados anualmente;
5) Avaliação da eficácia do programa – A avaliação dos
vários componentes do programa (por exemplo, sessões
de orientação e workshops) e dos mentores assegura a
correcção de linhas de acção e a consecução dos objectivos
propostos. Os programas podem ser avaliados em termos
de: a) retenção na profissão, melhoria de capacidades e
conhecimentos e aumento da confiança e satisfação dos
novos professores; e b) desenvolvimento profissional dos
mentores.

Na sua concepção e regulamentação, a experiência


portuguesa no período probatório de professores procurou
conjugar todos esses factores de sucesso para os programas
de indução. No entanto, é importante analisar essa experiência
sob o ponto de vista dos seus actores, especialmente os que
estiveram directamente envolvidos no processo. Observando
essa importância, este artigo recorre aos professores em
período probatório (PPP) com o objectivo de identificar
eventuais contributos deste processo no seu desenvolvimento
profissional.

3. metodologia do estudo
O presente estudo baseou-se na recolha e análise
das respostas de professores em período probatório a
três questionários disponibilizados on-line em diferentes
momentos do ano lectivo de 2009/2010, concretamente no
início (Outubro a Novembro de 2009), no meio (Janeiro a
Março de 2010) e no fim (Abril a Junho de 2010) do processo
denominado período probatório. Os questionários foram
elaborados de acordo com duas configurações metodológicas
distintas e permitiram a obtenção de dados quantitativos e
qualitativos.

junqueira&marin editores 175


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Os questionários inicial e final apresentavam questões


idênticas (de modo a permitirem estabelecer um paralelo entre
o início e o fim do processo), de resposta fechada, organizadas
em quatro grandes blocos: I) caracterização profissional do
respondente; II) perspectivas sobre contributos do período
probatório e necessidades emergentes de formação; III)
perspectivas sobre o papel a desempenhar/desempenhado
pelo professor mentor; e IV) comentários livres. À excepção
do primeiro e último blocos, as questões apresentadas aos
respondentes tiveram como objectivo registar as atitudes
evidenciadas face a afirmações previamente seleccionadas para
cada questão formulada. Para tal, utilizou-se uma escala do tipo
Likert cujos itens foram organizados entre os pólos “discordo
completamente” e “concordo completamente”, conforme o
exemplo:

Quadro 1: Exemplo de questão apresentada nos questionários inicial e final


O período probatório vai contribuir para:
Não
Discordo Concordo
Discordo concordo Concordo
completamente completamente
nem discordo
O desenvolvimento
profissional
Melhorar o modo de
ensinar

Outra (por favor, especifique).

No questionário intermédio, as questões elaboradas


tiveram o objectivo geral de caracterizar desafios e
oportunidades identificados por professores em período
probatório relativamente ao processo supervisivo a que foram
submetidos. O questionário era curto, com quatro questões
de resposta aberta, que convidavam os professores a indicar:
aspectos positivos da participação no período probatório,
dificuldades e problemas que confrontavam enquanto
professores em período probatório, estratégias que utilizavam
na tentativa de resolver problemas e superar as dificuldades
identificadas e sugestões que consideravam pertinentes para
a melhoria da implementação do período probatório e do seu
processo de acompanhamento.
Os inquéritos inicial, intermédio e final foram
respondidos, respectivamente, por 57, 57 e 54 professores em

176 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

período probatório, o que corresponde uma taxa de retorno


em torno de 60%, considerando que todos os 89 professores
participantes foram contactados e convidados a responder
aos questionários.
Uma análise conjunta das respostas às questões
de resposta fechada dos questionários inicial e final e às
questões abertas do questionário intermédio permitiu o
agrupamento dos dados em três grandes descritores de
análise: a) os contributos gerais do período probatório; b)
o papel do mentor e do processo de supervisão delineado
pelo período probatório; e c) as necessidades de formação
durante o processo.
A conjugação destes três descritores na discussão
apresentada na secção seguinte permite construir inferências
sobre o contributo da primeira implementação do período
probatório para o desenvolvimento profissional dos
professores em início de carreira.

4. apresentação e discussão de resultados


4.1 contributos gerais do período probatório
Os resultados mais relevantes que emergem da
comparação das respostas dos Professores em Período
Probatório aos questionários inicial e final estão relacionados
com o que estes professores identificam como contribuições
deste processo. Depois de terminado o período probatório,
constata-se que as expectativas iniciais dos professores
participantes quanto a eventuais impactos deste processo
foram ultrapassadas nas avaliações finais na quase totalidade
dos itens. As expectativas foram largamente excedidas no
que respeita: a) à apropriação de novos conhecimentos; b)
ao aprofundamento de conhecimentos; c) à melhoria da
prática profissional; d) à melhoria da relação pedagógica;
e) à reflexão sobre a prática; f) ao apoio/fundamentação da
actividade docente; e g) ao desenvolvimento profissional.
Relativamente ao impacto do programa na promoção do
trabalho colaborativo houve, basicamente, uma confirmação
das expectativas iniciais dos professores participantes que,
na maioria, consideraram que o período probatório teve
resultados positivos ou muito positivos neste domínio.

junqueira&marin editores 177


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Tabela 1: Contribuições do Período Probatório segundo os PPP


Opiniões dos PPP quanto às contribuições do Período Probatório
(respostas de “concordo” e “concordo completamente”)
Questionário
Questionário
final
inicial
(Avaliação
(Expectativas)
Final)
Apropriação de novos conhecimentos 32% 55%
Aprofundamento de conhecimentos 34% 55%
Melhoria da prática profissional 32% 43%
Melhoria da relação pedagógica 32% 55%
Reflexão sobre a prática 58% 75%
Apoio/fundamentação da actividade docente 42% 57%
Desenvolvimento profissional 44% 57%
Partilha de experiências/conhecimentos entre profissionais 72% 75%
Experimentação de novas estratégias de ensino 44% 50%
Promoção do trabalho colaborativo entre docentes 68% 66%

Os dados qualitativos obtidos através do questionário


intermédio também valorizam os aspectos relacionados
com a reflexão sobre a prática e a partilha de experiências
e conhecimentos entre profissionais. Estes dados realçam a
importância do questionamento e da reflexão sobre a prática
e do trabalho colaborativo com os colegas na melhoria da
prática profissional: “a formalização da reflexão em torno das
minhas práticas pedagógicas e didácticas” (PPP 44); “partilha de
experiências entre colegas e com outras estruturas organizacionais
(directores de turma, departamentos, sub-departamentos)” (PPP
37); “Trocar experiências e confrontar métodos e soluções é
sempre uma solução e o PP promove isso” (PPP 14); “Partilhar
informação ou pedir apoio a colegas de outras escolas (PPP 15).
Nas respostas ao questionário intermédio, surgem
também algumas críticas ao processo e sugestões para futuras
implementações do programa. O planeamento de processos
para melhorar o seu desempenho como docentes é muitas vezes
desvalorizado e a elaboração de documentos de planeamento
é sentida como uma tarefa burocrática sem relação com
a prática. Também a elaboração de registos e relatórios é
entendida como um acréscimo de trabalho e como uma tarefa
burocrática: “Tem sido muito difícil responder a esta sobrecarga
de trabalho” (PPP 33); “Todo o tempo requerido para elaborar
estes trabalhos/planos/reflexões é retirado ao tempo que
deveria ser dedicado à família, ao descanso e, nalguns casos,

178 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

à preparação de aulas” (PPP 53); “Demasiada burocracia, com


o respectivo excessivo preenchimento de grelhas e inquéritos,
trabalhos de casa...” (PPP 24); “Conciliar o trabalho extra a que
estou obrigada (planos de aula e afins) com todas as tarefas
que cabem desempenhar no dia a dia do meu trabalho.” (PPP
20). Existe também um número significativo de PPP (12) que
consideram que o período probatório não contribuiu para o
seu conhecimento profissional. Estas opiniões surgem entre os
docentes que já possuíam experiência como professores em
regime de contrato temporário. Consequentemente, sugerem
que futuramente o período probatório apenas seja aplicado a
professores sem experiência profissional anterior.

4.2 o papel do mentor


Depois de terminado o período probatório, a avaliação
final que os professores fazem da actuação do supervisor é
bastante positiva (conforme se pode observar na Tabela 2). Os
aspectos mais valorizados na actuação dos mentores são os que
respeitam: a) ao estabelecimento de uma relação de confiança
com os professores; b) à centragem da supervisão num diálogo
construtivo entre pares; c) à colaboração na avaliação das
actividades lectivas; d) ao apoio aos professores de acordo com
as suas necessidades e sempre que estes o tenham solicitado;
e) à colaboração com o professor através da observação e da
análise de situações reais de ensino; e f) ao apoio na elaboração
do seu plano individual de trabalho e na sua monitorização.
Comparando os valores de respostas obtidas nos
questionários inicial e final, constata-se também que as
expectativas iniciais dos professores participantes quanto à
acção do professor mentor durante o acompanhamento da
sua actividade profissional foram positivamente ultrapassadas
nas avaliações finais no que respeita: a) à promoção do
conhecimento das didácticas da disciplina; b) à colaboração na
planificação das actividades; c) à colaboração na avaliação das
actividades lectivas; d) à colaboração com o professor através
da observação e da análise de situações reais de ensino; e) ao
exercício de uma dupla acção, influenciando directamente a
aprendizagem do professor e indirectamente a aprendizagem e
o desenvolvimento dos alunos; e f) à centragem da sua acção

junqueira&marin editores 179


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

na disponibilização de orientações ao professor em período


probatório.

Tabela 2: A acção do professor mentor segundo os PPP


Opiniões dos PPP quanto à acção do professor mentor
(respostas de "concordo" e “concordo completamente”)
Questionário
Questionário
final
inicial
(Avaliação
(Expectativas)
Final)
Promoção do conhecimento das didácticas
50% 63%
da disciplina
Colaboração na planificação das actividades 70% 72%
Colaboração na avaliação das actividades
62% 77%
lectivas
Colaboração com o professor através da
observação e da análise de situações reais 72% 77%
de ensino
Exercício de uma dupla acção, influenciando
directamente a aprendizagem do professor
48% 54%
e indirectamente a aprendizagem e o
desenvolvimento dos alunos
Centragem da sua acção na disponibilização
de orientações ao professor em período 41% 54%
probatório
Apoio na elaboração do seu plano individual
81% 77%
de trabalho e na sua monitorização
Estabelecimento de uma relação de
93% 86%
confiança com os professores
Centragem da supervisão num diálogo
95% 83%
construtivo entre pares
Apoio aos professores de acordo com as
suas necessidades e sempre que estes o 90% 77%
tenham solicitado
Apoio ao desenvolvimento das
competências profissionais necessárias à
76% 69%
resolução de problemas inerentes à sua
actividade docente
Demonstração de modelos, métodos e
69% 60%
técnicas de ensino
Ultrapassagem de dificuldades de âmbito
71% 63%
científico, pedagógico e didáctico

Relativamente aos restantes sete itens, as avaliações


finais ficam um pouco aquém das expectativas iniciais.

180 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Contudo, a avaliação final nunca desce abaixo dos 60% de


respostas de “concordo” e “concordo completamente” e o
maior desfasamento entre as expectativas iniciais e a avaliação
final ocorre em itens com avaliações finais (também no que
respeita a percentagem de respostas de “concordo” e “concordo
completamente”) muito positivas: 77 e 83%.
No seu conjunto, os dados da tabela 2 traduzem
concepções dos PPP relativamente ao tipo de apoio a
disponibilizar pelo mentor, no sentido de uma actuação próxima,
mas não obrigatória ou directiva. A relação de supervisão é
encarada mais como uma relação entre pares, horizontal, em
que o diálogo, a confiança, a colaboração, a ajuda e o apoio por
parte do mentor são os aspectos mais valorizados.
Os dados qualitativos obtidos através do questionário
intermédio sustentam estas perspectivas. A apreciação que os
PPP fazem do papel do mentor é, em geral, positiva. É mesmo
um dos aspectos positivos mais referidos no que diz respeito à
sua participação no período probatório, especialmente no que
se refere à resolução de problemas e à partilha de experiências.
Em muitos casos, independentemente do desfasamento entre
a proveniência científica entre mentor e PPP. A boa relação
estabelecida entre eles é outro dos aspectos referidos. “Considero
que, no meu caso particular, este período não representou
qualquer problema, fruto também de uma relação pessoal
muito positiva que se estabeleceu com a professora mentora.”
(PPP 9); “Houve um diálogo constante entre professor mentor/
professor em período probatório” (PPP 13); “Tanto a PM como
a PPP têm longa prática, quer de ensino quer de supervisão
pedagógica, tendo trabalhado juntas noutras situações, pelo
que a situação presente foi encarada apenas como uma etapa
mais dessa relação profissional” (PPP 8).
Na maioria das respostas, os PPP entendem a supervisão
como apoio e monitorização, especialmente no que diz respeito
à resolução de problemas e à integração do PPP na estrutura
organizacional da escola. Esta perspectiva está também presente
no reconhecimento da importância da supervisão para o seu
desenvolvimento profissional: “(…) o aspecto positivo da minha
participação neste processo é a possibilidade de ter alguém com
quem falar sobre a minha prática (embora este alguém não seja
do meu próprio grupo disciplinar ou semelhante).” (PPP 12);

junqueira&marin editores 181


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

“Uma vez que já conto, no meu currículo, com mais de 10 anos


de serviço, o meu único ganho com esta experiência, e visto que
me encontro numa escola nova, será o contacto mais próximo
com os meus colegas que me têm facultado a assistência às
suas aulas e a partilha de experiências em especial com a minha
Professora Mentora” (PPP 14).
Existem também algumas referências à supervisão como
cooperação, principalmente no que diz respeito à troca de
experiências: “É importante a partilha de experiências com o
mentor, dando-me a oportunidade de reflectir sobre a minha
prática pedagógica.” (PPP 48); “Possibilidade de trocar ideias e de
definir como agir em situações problemáticas ou simplesmente a
organizar uma aula.” (PPP 33); “Muita organização/colaboração
com o Professor Mentor” (PPP 15).
Nas respostas ao questionário intermédio, um número
muito significativo de professores (21) restringe a supervisão
ao período de formação inicial, principalmente ao estágio.
Consideram a supervisão inadequada para professores com
vários anos de serviço: “Sinceramente este período probatório
parece-se mais com um estágio.” (PPP 3); “Pergunto-me qual é a
diferença real entre o período probatório e o estágio.” (PPP 10);
“Eu não entendo porque é que um professor com 12 anos de
experiência (…) tem que fazer o período probatório.” (PPP 14).
Estes comentários evidenciam uma concepção muito limitada
de desenvolvimento profissional, restringindo-o ao início da
carreira e eliminando a possibilidade de aprendizagens ao longo
da vida.

5. conclusões
A indução é, cada vez mais, entendida como uma parte
do processo de desenvolvimento dos professores que não
se limita ao primeiro ano de ensino. Ao longo dos primeiros
anos de serviço, os professores passam por estádios de
desenvolvimento marcados por uma sucessão de necessidades
específicas – sobreviver às dificuldades da gestão de sala
de aula e do comportamento dos alunos, melhorar a sua
eficácia como professores e aprofundar aspectos de reforma
curricular, reforma escolar e avaliação dos alunos. Logo, torna
se extremamente importante que o processo de indução

182 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

acompanhe, apoie e estimule os professores nas primeiras


fases do seu desenvolvimento profissional. Assim, a duração
dos programas de indução tende a ser prolongada por vários
anos (SERPELL e BOZEMAN, 1999; WONG, 2002).
Progressivamente, o foco da indução deverá continuar
a deslocar-se desde uma perspectiva administrativa, que
pretende ajudar os professores em início de carreira a
sobreviver, para uma perspectiva mais pedagógica, preocupada
com a promoção da excelência entre os professores – tanto
novos como experientes.
Os dados recolhidos demonstram que no início do
Período Probatório existia entre os professores uma atitude
bastante crítica e reactiva em relação ao período probatório.
No entanto, embora alguns dos argumentos apresentados
inicialmente se mantenham nas respostas aos questionários
posteriores, verificam-se mudanças significativas na sua
atitude e o reconhecimento de aspectos positivos do
processo, nomeadamente, a supervisão, a troca e partilha de
experiências, a cooperação com outros professores, o apoio do
mentor e a reflexão sobre a prática.
As respostas ao questionário final evidenciam uma
perspectiva geral positiva sobre o período probatório e o
seu contributo para o desenvolvimento profissional dos
professores, assim como uma apreciação bastante positiva
sobre o papel dos mentores. No entanto, existem algumas
ambiguidades nas respostas obtidas que se tornam evidentes
quando se comparam os dados e se complementam os dados
quantitativos com os dados qualitativos.
Uma primeira ambiguidade diz respeito à contradição
existente entre a importância atribuída à supervisão –
principalmente no que se refere à resolução de problemas, ao
apoio e monitorização do processo por parte dos mentores
– e as ideias de que a supervisão deve apenas ocorrer na
formação inicial, apenas fazendo sentido para os professores
principiantes, ou que o período probatório não deveria abranger
professores com vários anos de experiência. Uma segunda
ambiguidade relaciona-se com a atitude crítica relativamente
aos documentos de avaliação e desenvolvimento (planos,
registos, relatórios) produzidos durante o período probatório
e a importância atribuída à reflexão sobre a prática.

junqueira&marin editores 183


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Atendendo a estas contradições/ambiguidades – e


apesar da importância que os PPP atribuem à reflexão sobre
a prática – coloca-se a hipótese da reflexividade entre os PPP
ter algumas limitações. Por isso, seria interessante, através da
análise dos outros dados e documentos recolhidos pela equipa
de acompanhamento do período probatório, tentar aprofundar
as razões destas contradições e as dissonâncias presentes nos
discursos dos PPP, considerando as seguintes questões: Qual o
entendimento de reflexividade subjacente aos discursos destes
professores? O que entendem por prático reflexivo? (SCHÖN,
1983, 1987).
A promoção de processos de supervisão de natureza
mais crítica e de processos reflexivos mais intensos (HARRISON,
2001), assim como de práticas de planeamento que possam ser
vistas não como exteriores à prática profissional dos professores
mas como constitutivas e estruturantes dessa mesma prática
parecem ser uma necessidade. Também parece ser necessário
(re)pensar a natureza e utilização dos documentos elaborados
durante o processo de forma a que possam ser entendidos
como instrumentos de reestruturação do conhecimento,
de reflexão e meta-reflexão, de natureza textual e científica
(CAMPOS e GONÇALVES, 2010) e, como tal, instrumentos de
desenvolvimento profissional relacionados com as dimensões da
acção de ensinar: planificação (concepção), operacionalização,
avaliação e reorientação (ROLDÃO, 2010).
Outros aspectos relevantes emergentes da análise
dos dados são: o papel do mentor e a importância do apoio
individualizado nos processos de indução profissional dos
professores; a importância do trabalho colaborativo e os
benefícios das redes entre pares como fonte de apoio, a relação
entre a dimensão formal – observação de aulas, feedback – e as
situações informais e as condições relacionais dos processos de
indução (MCNALLY & OBERSKY, 2003). ⌂

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186 junqueira&marin editores


a profissionalização dos
professores: debates internacionais
e as implicações no brasil

Ana Sheila Fernandes Costa

Abdeljalil Akkari

UNIV. DE GENEBRA - SUÍÇA

introdução
A convergência internacional sobre a necessidade de
profissionalização docente e o importante papel do professor na
melhoria da qualidade da educação, fizeram deste alvo de discursos
proferidos pelo Ministério da Educação, por associações de
educadores, bem como pelas grandes instituições internacionais:
Banco Mundial (BM), Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE) e Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
Os professores ganharam destaque no contexto das reformas
educacionais realizadas nas últimas décadas, em diversos países,
por se constituirem em uma das categorias de trabalhadores mais
numerosas, representando 60 milhões de professores em todo
o mundo. Sua importância é atribuída especialmente ao custo
político e econômico que eles representam nos orçamentos dos
governos.
A necessidade de profissionalização dessa grande massa
de trabalhores emergiu enquanto importante componente

junqueira&marin editores 187


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

do movimento de reestruturação escolar, mediante os


novos desafios que confrontaram a escola: a diversificação
da população escolar, as tranformações econômicas e
tecnológicas, as novas vias de acesso ao conhecimento,
as tensões entre o crescimento dos serviços privados e
a necessidade de manuntenção do serviços públicos de
educação e, por fim, a ideia de aprendizagem ao longo da
vida (TARDIF & LESSARD, 2004; UNESCO & OIT, 2006).
Essas novas exigências conduziram a uma restruturação
dos modelos tradicionais de formação dos professores,
influenciaram os rumos das pesquisas educacionais e
induziram uma mudança nas relações teoria e prática, entre
pesquisadores, formadores e professores em exercício. Um
novo modelo para a formação docente se desenvolveu
apoiado na ideia de conhecimentos mais eficazes, produzidos
por meio da pesquisa, fundados na prática e conduzidos por
professores experientes (CARBONNEAU & TARDIF, 2002).
No Brasil, as reformas educacionais desencadeadas
nos anos de 1990 contemplaram, em certa medida, tais
tendências. O professor passou a ser considerado uma
prioridade na legislação para assegurar uma educação de
melhor qualidade (LDB, 1996). Esta evolução complexa exigiria
uma formação de professores em um nível mais elevado. A
importância atribuída aos professores deveu-se ainda ao seu
grande número e ao papel dos mesmos na esfera pública.
No que se refere ao discurso sobre a profissionalização
dos professores, estes aparecem como um elemento chave
da qualidade da educação básica. Assim, na América Latina
e no Brasil, a profissão docente foi submetida durante as
últimas décadas a numerosas reformas que atingiram suas
diferentes dimensões. De uma parte, a reconfiguração
dos programas de formação, o estabelecimento de novas
estruturas de formação, estágios práticos mais longos, a
integração da pesquisa e da ideia do prático reflexivo e a
utilização das noções de competências. Por outro lado, os
novos programas de formação deram ênfase às aprendizagens
dos alunos, à utilização das tecnologias de informação e de
comunicação, à necessidade de uma gestão apropriada da
diversidade sociocultural e de colocar em prática a avaliação
das competências.

188 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Tardif e Borges (2009) caracterizam o fenômeno


da profissionalização a partir de suas dimensões menos
controversas: a) a elevação do nível de entrada no magistério
para o ensino médio e o prolongamento do número de anos
para conclusão do curso superior de formação de professores;
b) a integração da pesquisa na formação e a construção de uma
base de conhecimento (knowledge base) ou de um referencial
de competências específicas ao trabalho docente; c) o lugar
reservado à formação prática e aos estágios; d) a colaboração
entre as instituições de formação e meio escolar; e) os modos
controle das aprendizagens e dos níveis de competências.
O objetivo deste texto é de apresentar a evolução do
debate sobre a profissionalização docente e suas implicações
no contexto brasileiro. Para tanto abordaremos em um
primeiro momento a evolução do debate internacional sobre a
profissionalização docente, a seguir analisaremos a emergência
da profissionalização docente nos contexto das reformas
educacionais desencadeadas nos anos de 1990 no Brasil e para
finalizar faremos referência à reconfiguração do trabalho
docente e as novas modalidades de controle desta atividade.
A fim de atender os objetivos propostos realizamos uma
revisão bibliográfica e documental sobre a profissionalização
docente. Realizamos um levantamento em textos acadêmicos
e institucionais produzidos em nível nacional e internacional
a partir dos anos de 1990. No que se refere aos documentos
intitucionais fazemos referência aos textos produzidos por
organizações internacionais tais como Banco Mundial, UNESCO.
Em nível nacional analisamos textos oficiais brasileiros que
orientam a formação de professores.

a evolução do debate internacional


sobre a profissionalização

O debate iniciado nos anos de 1930 no contexto anglófono,


pelos sociólogos funcionalistas, tentou construir a profissão
como objeto teórico, rompendo com os objetos da prática
cotidiana, a partir de estereótipos associados a determinadas
profissões estabelecidas (medicina, direito). O ensino
representava um tipo ideal de profissão onde duas dimensões

junqueira&marin editores 189


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

eram fundamentais: uma base de conhecimentos abstratos e


um ideal de serviço. Nessa perspectiva, a universidade seria o
lugar de criação, transmissão e conservação do conhecimento
(BOURDONCLE, 1991).
Nos anos de 1960 e 1970, a corrente interacionista
analisou as profissões a partir de uma nova perspectiva.
Foram designados como profissionais todos os membros
pertencentes a uma profissão reconhecida pela sociedade.
A profissionalização foi concebida como o processo de
negociação entre um grupo profissional emergente e o
restante da sociedade a fim de obter esta designação, com os
benefícios a ela associados. O conhecimento dos profissionais
emergiu como uma forma de poder adquirido por parte das
profissões (BOURDONCLE, 1993, 1994b). Este período marca
o desenvolvimento do corporativismo na profissão docente.
No início de 1980, outra corrente de pesquisadores
realizou uma análise crítica da noção de profissão precisando
que o estatuto profissional era determinado pelo lugar da
profissão na sociedade. Para este grupo as profissões eram
concebidas não como neutras ou desinteressadas, mas,
sobretudo, como entidades inscritas nas relações de poder e
de reprodução social. Este período marca o início da crise da
profissão docente.
No que concerne a categoria docente, alguns
pesquisadores ressaltaram uma tendência muito maior à
proletarização que à profissionalização, devido a intensificação
do trabalho associado à medidas de maior controle
burocrático da profissão por parte do Estado. Contrariamente
ao debate propalado sobre a profissionalização, estes autores
defendiam que os professores passavam por um processo de
desprofissionalização (POPKEWITZ, 1994; APPLE, 1995).
No debate anglófono, os estudos destacaram ainda o
saber enquanto uma das características centrais e essenciais
da profissão docente. A ênfase foi atribuída à construção e
à centralidade do conhecimento do especialista. A corrente
inspirada em Schön, buscou dar centralidade ao saber
profissional, partindo da competência e da arte já incorporada
na prática dos profissionais experientes e não do saber formal
e racionalizado disponível nas universidades (BOURDONCLE,
1994b). Este saber profissional basearia-se em uma seleção

190 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

cuidadosa de meios técnicos apropriados aos fins desejados,


ou sobre o que Schön (1994) denomina de “reflexão na ação”.
Influenciados pelos trabalhos desenvolvidos no contexto
anglófono, a partir dos anos de 1980 os pesquisadores
no contexto europeu e francófono elaboraram estudos
articulando análises históricas da profissão docente e as
políticas educacionais mais recentes. Nóvoa (1995) aponta
para dois fatores que influenciam a profissão docente no
contexto europeu: a racionalização e a privatização, as quais se
constituem em momentos de um mesmo processo de controle
externo da profissão docente. As políticas educacionais em
busca da qualidade e eficácia dos sistemas apoiariam-se em
processos restritos de avaliação, controle dos conteúdos e dos
resultados das aprendizagens dos alunos.
Por outro lado, o setor privado assume um lugar
importante na educação. Novos mecanismos de aproximação
entre o setor público e privado se estabelecem em um
contexto de estímulo a competição entre as escolas, a uma
maior eficiência na alocação dos recursos e de diversificação
das fontes de financiamento e, por fim, a livre escolha das
escolas pelos pais.
Perrenoud (2009) salienta que a profissionalização da
profissão docente ocorrerá apenas quando os professores
deixarem de ter razão apenas de forma individual e quando
o estado do conhecimento se tornar uma referência coletiva
forte o suficiente para regular os gestos profissionais.
Tardif e Lessard (2008) apontam que o movimento de
profissionalização docente tem por objetivo elevar o nível de
educação e da formação e exercer um maior controle sobre
a qualidade dos professores. Neste modelo, a educação é
concebida como uma atividade profissional de alto nível. A
exemplo das profissões liberais, a profissionalização tem como
referência uma base sólida de conhecimentos agrupados em
referencias de competências. Esta centra-se na interiorização
de uma prática reflexiva transmitida pelas instituições de
formação em relação estreita com a prática profissional dos
professores nas escolas. Este modelo é baseado na ideia de
que a formação é um continuum em que coexistem ao longo da
carreira docente fases de formação inicial, de trabalho e fases
de aperfeiçoamento.

junqueira&marin editores 191


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Mesmo que o contexto anglófono apresente um


movimento de profissionalização mais desenvolvido, verificamos
que no mundo francófono vários países tentaram implementar
este modelo nas políticas e programas de formação, seja por
meio da criação de institutos especializados (Escola Pedagógica
Superior (HEP), Institutos Universitários de Formação de
Mestres (IUFM)) ou pela integração da formação de professores
às Faculdade de Educação. Observamos que nestes diferentes
contextos os objetivos se convergem: elevar o nível intelectual
da formação, integrar a pesquisa à formação, articular os
programas de formação às competências profissionais, reforçar
as relações entre a prática docente e o âmbito escolar (TARDIF
& BORGES, 2009).
Apesar das inicitiavas empreendidas nos diferentes
contextos, as análises realizadas sobre a retradução do
movimento de profissionalização nos programas de formação
não são muito claras: “[...] tais objetivos permanecem muito
gerais, enquanto que a profissionalização se revela, ela mesma,
uma categoria polissêmica, cujo significado é plural, e oscila de
acordo com os pontos de vista, interesses e concepções de seus
defensores e críticos” (TARDIF & BORGES, 2009, p.134).
A universitarização constitui-se em uma das dimensões
mais imporante da profissionalização nas políticas educacionais.
Hofstetter, Schneuwly e Lussi Borer (2009) evidenciam três
principais tensões inerentes a este processo: 1) entre as
diferentes instâncias envolvidas na definição dos cursos de
formação; 2) em torno da natureza dos saberes fundadores da
profissão, 3) em relação à divisão interna da profissão entre os
níveis de ensino primário e secundário.
No Brasil, o discurso sobre profissionalização está
associado a uma concepção de profissão cujas características
podem ser encontradas, em grande medida, no trabalho
dos sociólogos funcionalistas que propõem um tipo ideal de
profissão, descontextualizada do âmbito educativo e dos atores
educacionais. Apesar dos esforços para introduzir a docência
como profissão, esta é submetida a um controle rigoroso e a
precárias condições de trabalho. O que tem como conseqüências
evoluções da profissão que permitem caracterizá-la no Brasil
como uma semi-profissão ou uma “profissãozinha” (AKKARI,
COSTA & SILVA E SOUZA, 2009).

192 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

as reformas educacionais em debate:


entre o internacional e o local
O discurso das reformas nacionais e os documentos
produzidos pelas organizações internacionais evidenciaram a
necessidade de uma reconfiguração da formação e do trabalho
docente para uma maior profissionalização (DUPRIEZ &
CHAPELLE, 2007; THWAITES, 2000).
O movimento de reestruturação escolar desencadeado
no Brasil e em vários países da América Latina propôs uma
revisão completa dos sistemas educacionais. A simultaneidade
e a semelhança dos princípios que orientaram tais reformas
deve-se, em grande medida, à influência das organizações
internacionais mediante a assistência técnica e financeria
(BEECH, 2006), bem como pelo desenvolvimento de estudos
e financiamentos de projetos sobre os sistemas educacionais
latino-americanos.
Como agências de grande influência, o Banco Mundial
emerge enquanto financiador dos projetos de reforma e de
formação de professores e a Unesco, por meio da Oficina
Regional de Educación de la UNESCO para América Latina y
el Caribe (OREALC), a partir dos compromissos assumidos em
Dakar em 2000 no marco do Educação para todos (EPT) e do
Proyecto Regional de Educación para América Latina y El Caribe
(PRELAC).
Essas organizações com base em experiências
internacionais exitosas, divulgadas em estudos como os da
OCDE, apontam a qualidade dos professores como fator de
influência decisiva sobre os resultados dos estudantes. O êxito
destes sistemas estaria associado ao uso eficiente dos recursos
e a fatores como o recrutamento, formação e apoio ao trabalho
docente em sala de aula. A elevação do nível do trabalho dos
professores envolveria, nessa perspectiva, o desenvolvimento
de um sistema de garantia de qualidade, por meio de processos
de avaliação, certificação e recertificação, bem como de uma
carreira profissional estruturada em torno de padrões de prática
e desempenho (BANCO MUNDIAL, 2001).
Os governos da região latino-americana, e o brasileiro em
especial, a partir de experiências e orientações de especialistas
internacionais elaboraram propostas que estiveram, em

junqueira&marin editores 193


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

um primeiro momento, centradas nas necessidades de


universitarização da formação docente. Assim, foram
estabelecidos novos lócus de formação, novos currículos com
ampliação do número de horas dos estágios e competências
como aporte pedagógico.
Mais recentemente, os documentos publicados pelas
organizações internacionais e textos oficiais nacionais
focalizam aspectos relacionados à “construção de uma
política nacional de valorização dos profissionais da educação”
(CONSED & UNESCO, 2007), os quais englobariam a capacitação
docente em serviço, a avaliação das condições de entrada na
profissão, a certificação e avaliação (PREAL, 2009). Além de
aspectos relativos à carreira, ao impacto da remuneração na
qualidade da educação, salários e a mecanismos de promoção
e reconhecimento de méritos (BANCO MUNDIAL, 2001, 2005;
PREAL, 2008).
No Brasil desde o início dos anos de 1990 iniciativas
foram empreendidas no sentido de profissionalizar o
magistério, baseadas na premissa de que “somente com
professores competentes, conscientes da sua missão pública
e valorizados social e profissionalmente, será possível dar
efetividade à educação básica de boa qualidade para todos”
(MEC & UNESCO, 1994, p.7).
Estudos produzidos pelo MEC em parceira com
organizações internacionais como o Instituto Internacional de
Planejamento da Educação da UNESCO (IIPE) e pesquisadores
de outros países, buscaram evidenciar a situação do magistério
e apontar alternativas para os estados e municípios, as quais
estiveram articuladas à projetos mais amplos de melhoria da
qualidade da educação básica e à avaliação.
Estes estudos indicaram a necessidade de elevar os
padrões de formação inicial e continuada do magistério. A
profissionalização foi apontada “como uma necessidade tanto
em termos de imagem do professor na sociedade civil, quanto
em termos de dinâmica de formação” (MEC & UNESCO, 1994,
p.41). Suas bases fundamentaram-se no desenvolvimento
profissional para aquisição de competências e na socialização
profissional para a construção de uma consciência do papel
social. Condições que seriam essencias para a constituição de
uma identidade profissional.

194 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

O processo de reforma para acelerar a profissionalização


teve início com o movimento de universitarização. Segundo
Bourdoncle (1994a, p.137), trata-se “de um movimento de
absorção das instituições de formação de professores pelas
estruturas regular das universidades”. Fato que reflete a
elevação da formação ao nível superior com o objetivo de
aprofundar os conhecimentos e habilidades dos futuros
professores por meio da pesquisa e para um maior domínio
da função.
No Brasil, esse processo representou, por sua vez,
um contra senso visto que a legislação deixou em aberto
a possibilidade para a criação dos Institutos Superiores
de Educação e do Curso Normal Superior (cursos de nível
pós-secundário) sem engajamento com atividades de
pesquisa. Esta flexibilidade na legislação tem sido criticada
pelas associações nacionais de professores, uma vez que
possibilita a criação de vias paralelas e heterogêneas (em
termos de qualidade) para tornar-se professor (FREITAS,
2002; KUENZER, 1999; CNTE, 2005; ANFOPE, 1997).
Outra categoria presente no discurso sobre a
profissionalização é a da prática, a qual se justifica na
formação inicial pela necessidade de aumentar o número de
horas destinadas aos estágios em sala de aula. Além disso,
a valorização da prática justificaria-se pelo fato da formação
inicial ser considerada muito teórica, que os professores não
dominariam suficientemente o currículo e não atingiriam
resultados satisfatórios em termos de aprendizagem dos
alunos (BANCO MUNDIAL, 2001, MAUÉS, 2003).
Impulsionados pela necessidade de elevar o nível
de formação dos professores nas escolas públicas, as
mudanças recentes na legislação educacional provocaram
um aumento na demanda por formação contínua dos
professores, em particular na modalidade de formação
à distância. Estes cursos estiveram em grande medida
focalizados em “receitas” prático-pedagógicas, na resolução
de situações-problemas da sala de aula, na melhoria do
domínio do currículo, em instrumentos e técnicas de ensino.
Alguns projetos de formação a distância têm recebido
financiamento do Banco Mundial (Programa de Formação
Continuada em São Paulo-PE; Programa de Formação para

junqueira&marin editores 195


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Professores - PROCAP no Estado de Minas Gerais, MAGISTER


no Ceará).
As reformas da formação de professores no
Brasil mobilizaram, ainda, de forma recorrente a noção
de competência. Esta é traduzida nos discursos pela
necessidade dos professores dominarem novas habilidades
– conhecimentos necessários para agir individualmente e/ou
coletivamente e de ser capaz de gerir eficazmente situações
imprevistas (Perrenoud, 1999). Esta forma de tradução da
noção polissêmica de competências no Brasil conduziu a uma
valorização da prática em detrimento do conhecimento teórico
(CAMPOS, 2002; FREITAS, 2003).
Podemos verificar ainda que o desenvolvimento
de competências no discurso das reformas no Brasil é
frequentemente associado à avaliação. Esta se tornou,
por sua vez, o motor da reforma da formação inicial e
continuada. A avaliação permitiria diagnosticar lacunas,
medir os resultados a partir das competências necessárias
à prática, identificar as mudanças necessárias e certificar
a formação de professores (BRASIL, 2001). A instituição de
um sistema nacional de certificação serviria de guia às ações
de políticas educacionais no campo da valorização e da
formação de professores (FREITAS, 2003). Em outras palavras,
as competências dos professores e sua avaliação tornaram-
se instrumentos que medem o desempenho e os resultados
do ensino. Uma forma de obrigar os professores a prestarem
conta de seu trabalho.
Entretanto, no Brasil, e em outros lugares do mundo,
as políticas bem como os projetos implementados para
desenvolver a profissionalização dos professores, com
base nas orientações apresentadas acima, são susceptíveis
de resistência e recontextualização por parte dos atores
envolvidos. Os resultados podem, portanto, se diferenciar
daquelas que foram planejados ou previstos na legislação. A
dinâmica do processo de profissionalização não é mecânica ou
linear visto que existem imprevistos, retraduções e resistências
que podem ocorrer em diferentes níveis (reformulação das
diretrizes oficiais, conflitos nas instituições, tensões entre os
atores, reapropriação pelos diferentes atores e em particular
pelos professores).

196 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

as novas modalidades
de controle do trabalho docente
Nas últimas décadas, o trabalho docente foi confrontado
em todo o mundo por desafios impostos à escola: a
diversificação da população escolar, as transformações
econômicas e tecnológicas, as tensões entre o desenvolvimento
do processo de privatização da educação e da necessidade de
manter uma educação pública de qualidade e as necessidades
da aprendizagem ao longo da vida (TARDIF & LESSARD, 2004;
UNESCO & OIT, 2006; TENTI FANFANI, 2007). Para enfrentar
estes novos desafios, a escola, bem como o trabalho docente
foram reconfigurados: tantos nos países desenvolvidos quanto
naqueles em desenvolvimento, as novas formas de regulação
das políticas educativas e de formação docente estiveram
presentes.
Segundo Tardif e Lessard (2004, 2008), o trabalho
docente foi reconfigurado a partir de quatro mudanças
principais. A primeira refere-se a uma reconfiguração do papel
do Estado na educação, o qual assume novas formas de ação
caracterizada por uma cultura administrativa cujas palavras
chave são eficiência, obrigação dos resultados e prestação de
contas. O estado se distanciaria do funcionamento dos sistemas
delegando responsabilidades aos agentes locais por meio
da descentralização. Sua tarefa limitaria-se a elaboração de
políticas e a instalação de mecanismos de avaliação, mantendo
ao mesmo tempo um controle centralizado sobre os resultados.
Uma nova forma de regulação se desenvolveria. Ela envolve a
produção contínua de informações e o controle dos sistemas e
das práticas baseadas em objetivos precisos.
A segunda mudança concerne a instauração de uma lógica
de mercado. O setor privado tem assumido, em muitos países,
um lugar importante. A livre escolha da escola, a competição
entre as escolas, a busca por um melhor desempenho do
estudante tem desencadeado uma dinâmica de privatização no
conjunto do sistema escolar.
A terceira está relacionada ao desenvolvimento das
tecnologias da informação e comunicação (TIC). Esta evolução
modificou a relação entre o saber e as escolas públicas, conduziu
a novas exigências nos programas escolares e introduziu

junqueira&marin editores 197


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

novas possibilidades em termos de acesso à informação e ao


conhecimento.
A quarta mudança refere-se ao movimento de
profissionalização dos professores. Este movimento levanta
a questão do poder na organização do trabalho docente e
transforma o antigo profissionalismo fundado sobre uma ética de
serviço público em uma espécie de profissionalismo gestionário,
no qual o professor integra sua nova identidade à realidade do
mercado e do novo management educativo (TARDIF & LESSARD,
2004; TARDIF & LESSARD, 2008).
Estas mudanças conduzem a profundas conseqüências
no trabalho dos professores. Por um lado, uma tendência à
intensificação do trabalho (aceleração do ritmo e aumento do
tempo de trabalho), à perda da autonomia e à expansão do
individualismo competitivo (APPLE, 1995; GARCIA & ANADON,
2006). Por outro lado, observamos uma privatização e uma
mercantilização da escola. Como explicita Oliveira (2002, 2004),
analisando o caso do Brasil, a precariedade e a flexibilidade
das condições de trabalho conduzem a um processo de
proletarização dos professores.

elementos para discussão


Buscamos neste texto apontar como o debate em torno
da profissionalização se constuiu historicamente e algumas
implicações deste no sistema educacional brasileiro. Pudemos
verificar que nas últimas décadas, a categoria docente tem
sido objeto de análises e pesquisas que buscam conceituar
as principais dimensões que conduzem à consolidação da
profissão. A formação tornou-se, nesta perspectiva, uma entrada
prioritária para se realizar esta evolução desejável em direção ao
“profissional competente e reflexivo”. No entanto, um consenso
é estabelecido entre os pesquisadores sobre a necessidade de
se colocar o debate sobre a profissionalização no quadro geral
das políticas educativas nacionais e internacionais.
As reformas desecadeadas a partir dos anos de 1990
nos contextos latino-americano e brasileiro foram fortemente
influenciadas pelas orientações das organizações internacionais.
Tais orientações tem sido incorporadas e traduzidas em
políticas de formação docente evidenciadas, por um lado, no

198 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

movimento de universitarização e tentativa de elevação do nível


dos professores que atuam nas escolas públicas brasileiras e
por outro, na instituição de sistemas de avaliação e certificação
docente articuladas ao desenvolvimento de um novo modo de
regulação do sistema de ensino no esforço de torná-lo mais
eficaz.
Como aponta Maroy e Cattonar (2002) após algumas
décadas o ensino saiu de uma lógica de vocação onde as
qualidades dos professores não estiveram nem mesuráveis
nem avaliáveis para um lógica na qual a tarefa dos professores
entra em um modelo de engenharia social onde os objetivos
esperados são definidos a partir de indicadores cada vez
mais precisos e suscetívieis de serem avaliados. Esse modelo
integra ao universo escolar uma série de novas referências tais
como competências de base, perfis de formação, avaliações
internacionais, avaliações institucionais, custo médio por aluno,
dentre outras.
Tal perspectiva demanda um novo docente que se situa
em um contexto onde a divisão do trabalho pedagógico é muito
mais complexa, na medida em que novas figuras profissionais
são incorporadas (orientadores, especialistas em avaliação,
especialistas em tecnologias educacionais, bilinguismo,
multiculturalismo, etc). Sua atividade é cada vez mais relacional
e de polivalência. A capacidade de tomar iniciativas e assumir
responsabilidades, a avaliação, o trabalho em equipe, a
comunicação, a resolução de conflitos, dentre outros, se
convertem em competências estratégicas que definiriam esse
novo profissional (TEDESCO & TENTI FANFANI, 2002).
A profissionalização que poderia representar para os
docentes, um instrumento de defesa e emancipação (APPLE,
1995), contraditoriamente, afasta os professores de uma
possível autonomia e do controle de seu trabalho. Mesmo
a relativa autonomia que ele havia em sala de aula acaba
sendo confiscada. Como evidenciam Maroy & Cattonar (2002)
os saberes disciplinares e currículos ainda são concebidos
e legitimados exteriormente à escola, as vias pelas quais se
definem o modelo do prático reflexivo ainda são concebidas e
legitimadas no exterior da escola .
Também as recentes reformas do currículo (centralizado
e redefinido sobre uma base de competências), as práticas de

junqueira&marin editores 199


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

avaliação (com a aplicação de testes padronizados), que são


prescritas e escapam em parte aos professores em exercício para
tornarem-se produto de atores externos, limitam o conjunto de
atividades tradicionalmente delegada ao grupo, impossibilitam
o docente de decidir sobre os meios e fins de sua prática laboral,
e contrariamente ao discurso produzido em nível nacional e
internacional contribuem para o processo de precarização e
desqualificação do trabalho docente (MAROY & CATTONAR,
2002; TEDESCO & TENTI FANFANI, 2002).
No caso específico do Brasil as medidas prescritas com
foco na profissionalização, de algum modo promovem o
consenso pois atende à antiga demanda da categoria por mais
qualificação (SHIROMA, 2003). Todavia, apresenta-se como
um movimento contraditório, visto que elevou-se a formação
docente em nível superior, por meio da criação dos Institutos
Superiores de Educação, mas propôs ao mesmo tempo uma
formação mais abreviada; centrou-se a formação na pesquisa,
mas retiraram-na da universidade e deu ênfase à pesquisa sobre
a prática docente com forte viés pragmático. Nesse sentido,
o currículo voltou-se às competências e habilidades que se
tornaram princípios orientadores da reforma da formação
docente.
Alguns resultados do discurso da profissionalização
já podem ser percebidos na formação e no trabalho dos
professores brasileiros: uma formação baseada na relação
custo/benefício, que é realizada fora das universidades cada
vez mais aligeirada e técnica focada no desenvolvimento
de competências e habilidades úteis às práticas cotidanas.
Priveligia-se a formação em serviço, a distância e em cursos
esporádicos sobre a formação inicial, fortemente questionada
quanto ao seu impacto nas aprendizagens dos alunos.
O professor é confrontado com situações que estão
além do ensino, o que tem promovido uma intensificação do
seu trabalho em meio a um processo de desvalorização que se
caracteriza, por sua vez, pelas más condições de funcionamento
das escolas, de salário e de carreira.
Oliveira (2005, 2008) aponta a existência de formas de
regulação do trabalho dos professores cada vez mais sutis,
tanto por parte dos gestores dos sistemas centrais de ensino
como por parte da direção e coordenação da escola e pais de

200 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

alunos. Os mecanismos de controle constituem-se em critérios


para avaliação do desempenho institucional e individual.
Os resultados das avaliações determinariam os salários, as
progressões na carreira, a intervenção para corrigir desvios e até
a dispensa de pessoal.
O trabalho docente é intesificado mediante o acréscimo
de tarefas, projetos, atividades, disciplinas, conteúdos, carga
horária e programas, pelo excessivo número de alunos em
sala de aula – somados às várias turmas, aos trabalho em
diferentes turnos e escolas. Além disso, o professor se
encontra cada vez mais envolvido nas atividades de gestão da
escola, planejamento pedagógico, dentre outras atividades.
Segundo Oliveira (2008), este quadro de regulação educativa
tem resultado em significativa intensificação do trabalho,
precarização das relações de emprego, mudanças consideráveis
nas relações de trabalho que repercutem sobre a identidade e
condição docente.

considerações finais
Buscamos com esse texto evidenciar que o debate
sobre a profissionalização é realizado de forma desarticulada
há duas décadas. Este debate, desde o início, teve como foco
a ideia simplista de que exigir um nível de formação superior
é condição necessária e suficiente para a profissionalização.
Certamente, ter milhares de professores leigos não é um dado
favorável à profissionalização. Mas crer que uma passagem pela
universidade é garantia de profissionalização seria um pouco
ingênuo.
Acreditamos que o debate sobre a profissionalização
somente será favorecido se considerar quatro dimensões:

1) A elevação do nível de formação dos professores;


2) A necessária transformação da formação universitária dos
professores vinculando-a mais aos gestos profissinais que
às teorias psicopedagógicas;
3) Levar em consideração as heranças pedagógicas do
magistério e que não se trata de rejeitás-las;
4) A consideração do estatuto da profissão e das condições
de trabalho real das escolas.

junqueira&marin editores 201


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Este texto foi baseado em uma análise de documentos


institucionais e textos acadêmicos. Atualmente realizamos
uma pesquisa na qual questionamos os professores sobre
sua concepção de profissionalização. Podemos perceber
que a profissionalização é muito mais complexa que pensam
os pesquisadores e que esta depende da visão dos atores
educacionais, os quais precisam ser ouvidos. ⌂

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junqueira&marin editores 205


a pedagogia ontopsicológica
e a formação do pedagogo

Estela Maris Giordani UFSM - RS - BRASIL


Adriane Maria Moro Mendes UFSC - BRASIL

introdução
Desenvolver um ser humano para que seja realizado
existencialmente e que contribua para o avanço da sociedade
é tarefa da pedagogia. Rousseau dizia que um homem quando
coloca um ser humano no mundo cumpriu um terço de sua
função; à sociedade deve um cidadão e à humanidade deve um
homem. É, portanto, função do adulto preparar a criança para
o convívio social, suas leis, seu riscos e também a ensinar que
é neste terreno que ela construirá seus relacionamentos, sua
profissão e, principalmente, desenvolverá seus talentos.
Desta visão constatamos que ainda temos muito a avançar,
pois diante de tantos problemas educacionais é inevitável
colocar em questão as bases por meio das quais realizamos
processos formativos nas relações familiares, escolares e sociais
incorporando as dimensões suscitadas por Rousseau. É neste
contexto que pretendemos abordar os pressupostos que nos
parecem pertinentes à formação dos pedagogos.
Observamos hoje o crescente aumento de problemas na
educação de crianças e jovens. Os professores parecem estar

206 junqueira&marin editores


cada vez menos preparados para lidar com situações como
o déficit de atenção e hiperatividade, a droga, o suicídio,
a falta de interesse pelos estudos e pelo esporte. Turmas
heterogêneas, com alunos de distintos modos e capacidades
e, ainda mais sério, o uso medicamentos pesados em crianças
e adolescentes, indicam que “quando intervém a medicina,
a psiquiatria, a neurologia, significa que a última reserva,
os psicólogos, os filósofos, os políticos, isto é, toda aquela
corrente de pensamento forte faliu” (MENEGHETTI, 2007, p.
200). A pedagogia, que pertence às ciências humanas, “sofre”
toda esta problemática porque tem a tarefa de responder a
sociedade pelo modo como se educa a nova geração. Então,
se somos nós, os adultos, que educamos, devemos nos
perguntar: quais são os fundamentos que usamos quando
educamos nossos filhos/alunos/cidadãos? Podemos afirmar
que o adulto que faz pedagogia revisou até o âmago a
constituição de sua consciência - estrutura pela qual decide
sua vida e ações educativas? Diante de tais questionamentos
propomos desenvolver uma reflexão das contribuições que
a pedagogia esboçou acerca destes problemas e a proposta
alternativa da pedagogia ontopsicológica na formação de
pedagogos.

panorama da pedagogia
A pedagogia, desde seus primórdios, pertence às
humanidades e constitui-se nas correlações com a filosofia,
a psicologia e a antropologia, por isso enfrenta as mesmas
crises e problemas. Suchodolski (1992) sustenta que um
dos nós górdios da pedagogia moderna é conciliar as duas
principais cosmovisões de homem e mundo, da essência e da
existência, em uma síntese capaz de resolver a dicotomia da
pedagogia. O autor afirma que as pedagogias até então não
conseguiram cumprir esta tarefa, isto é, carecem ainda uma
concepção que contemple “essência e existência”.

junqueira&marin editores 207


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

É importante ressaltar que as correntes de pensamento da


filosofia, da psicologia e da sociologia, em cada período histórico,
influenciaram diretamente as concepções pedagógicas. Os
limites e os problemas internos de cada uma destas ciências
refletiram diretamente nas teorias pedagógicas.
Muito embora, com o passar do tempo, a pedagogia
tenha ampliado sua autonomia em relação a estas áreas do
conhecimento, jamais deixou de assimilar suas novas abordagens
e/ou suas crises. Os mesmos problemas enfrentados pela
filosofia a respeito da racionalidade humana e dos seus limites,
da sociologia em relação às crises das utopias dos sistemas
socialistas, comunistas e capitalistas e a crise da psicologia a
respeito do entendimento do funcionamento da psique humana,
foram absorvidos, influenciando profundamente os sistemas
pedagógicos. Husserl (1961 apud MENEGHETTI, 2006) explicitou
a crise das ciências humanas expondo sua tarefa de superar a
cisão entre sujeito e objeto sobre a qual estavam fundadas. A
crise das ciências, segundo o autor, refletiria a crise da própria
humanidade, pois enquanto o homem não colhesse a evidência
do mundo-da-vida, realizando as diversas épochès, não seria
capaz de superar este estado crítico (MENEGHETTI, 2006).
Quando se declara que a epistemologia das ciências
humanas está em crise, também se adverte a crise da
pedagogia. É nesse contexto que se pode afirmar a implícita
teoria do conhecimento que cada sistema pedagógico possui
uma teoria do sistema psíquico e uma teoria do sistema social
no qual esse indivíduo irá integrar-se e interagir. Libâneo (1986)
e Misukami (1986) demonstram como as diferentes abordagens
ou tendências pedagógicas são constituídas pelas concepções
e teorias das ciências humanas. Por isso, a pedagogia deve ser
capaz de incorporar os avanços destas e, para tal, enfrentar
suas crises, propondo soluções eficientes aos problemas que se
abrem no contexto da sociedade contemporânea.
Passemos então a refletir acerca das alternativas propostas
por algumas pedagogias como as de Pestalozzi, Montessori,
Dewey e Paulo Freire, bem como das teorias pedagógicas
fundamentadas em Piaget e Vygotski.
Rousseau foi um autor que influenciou muito Pestalozzi,
Maria Montessori, dentre outros pedagogos, e trouxe
contribuições importantes ao pensamento pedagógico da

208 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

época, pois além de outros debates, havia uma forte tendência


em acreditar que a natureza humana, por princípio, era má.
Rousseau, nos séculos XVII e XVIII, idealizou sua filosofia e
psicologia da educação nos livros “Emílio ou da Educação” (um
romance que trata da educação individual) e o “Contrato Social”
(obra que expõe como deve ser estruturada a sociedade para que
Emílio ao ingressar nela não deturpe sua natureza). Rousseau
acreditava que o ser humano, ao nascer, possui uma natureza
boa, mas a sociedade a deturpa. Prevê que a educação de Emílio
aconteça em um ambiente natural, fora das influências sociais.
Apenas quando Emílio tiver 18 anos, com a idade da razão,
estará pronto para ser integrado à sociedade. Outro aspecto
importante dessa obra é que, em cada faixa etária, Emílio
terá uma educação conforme sua fase de desenvolvimento. A
principal crítica pedagógica que recai sobre esse autor é que
ele não colocou suas formulações pedagógicas em prática para
verificá-las, pois até mesmo Pestalozzi, seu seguidor, não aplicou
o seu princípio pedagógico de educar a criança fora das relações
sociais, visto que isso seria utópico.
Pestalozzi educou crianças marginalizadas socialmente
em comunidades nas quais a grande referência era o educador
e a sua crença na providência natural, da qual dispunha todo
ser humano. Conforme Palmer (2005), “o pensamento central
por detrás desse método é que todos os homens estão sujeitos
as forças básicas, pré-estruturadas pelas leis naturais e eternas.
O objetivo da educação era desenvolver essas forças natural ou
psicologicamente” (p. 87). Pestalozzi também inverteu a velha
doutrina republicana “não é o Príncipe, mas a mãe o líder
moral. Ela se torna o pivô entre Deus, as crianças e o mundo
exterior [...] quanto melhor for a vida em família melhor será
a educação”.
Apesar da importância social que dava à educação
familiar e, em especial, à figura materna, Pestalozzi possuía
uma visão místico-religiosa idealizada a respeito de ambas. Se
para a sociedade daquele século essas premissas poderiam
ser aceitas, neste milênio, problemas de droga e delinquência
juvenil, observados em filhos de famílias consideradas bem
estruturadas, contradizem essa garantia. A mãe e a família não
necessariamente portam bem estar ao desenvolvimento da
criança.

junqueira&marin editores 209


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

A pedagogia de Montessori foi importante porque


proclamou liberdade à criança que, em sua época, não poderia
ser concebida fora da autoridade do adulto. Além disso,
inspirada em Rousseau e Pestalozzi, suas teorias pedagógicas
levavam em consideração a influência do ambiente na educação
da criança e o ensino individualizado. A autora pretendia que
a “Casa das Crianças” trabalhasse situações reais, concretas da
vida da criança e, muito embora pretendesse desenvolver um
contexto hospitaleiro, no qual reinasse a paz, Montessori “não
deixou espaço em seu sistema para as dicotomias radicais que,
tão frequentemente, vem à tona entre escola e lar, lar e mundo,
mundo e escola.” (PALMER, 2005, p. 276).
A excessiva proteção da criança em relação à sociedade,
herança de Rousseau, resultou que, ao saírem da escola,
algumas crianças manifestassem uma inabilidade de conviver
em sociedade, o que contribuiu para o aumento da violência e
da delinquência juvenil.
Apesar de considerar sempre os interesses das crianças,
Dewey defendia a democracia na educação. Pretendia “vincular
o desenvolvimento intelectual sustentado e as experiências
educativas aos interesses dos alunos” (idem, p. 220), opondo-
se veementemente aos educadores centrados na criança; a
educação deve estar mais centrada no professor do que no
aluno. Para ele, em sala de aula, a liberdade não deve ter fim em
si mesma, “o método de ensino também deve ser indireto, isto
é, de descoberta, reflexivo e experimental” (SEBARROJA, 2003,
p. 55). Foram muitas as contribuições desse autor, contudo,
sua abordagem não deixava espaço ao desenvolvimento da
individualidade e necessidades da criança e, portanto, não a
considerava em seu todo.
Paulo Freire, pedagogo brasileiro, dedicou sua vida
a desenvolver uma proposta de educação popular não
escolarizada. Para o autor, a educação deve auxiliar o indivíduo
a tomar consciência de sua relação com o mundo. Com os
princípios psicológicos fundamentados na aprendizagem
significativa e não diretiva, centrada no aluno, de Carl Rogers,
conclui que ninguém educa ninguém, e que os indivíduos se
educam mediados pelo meio cultural onde vivem. Considerava a
educação estreitamente vinculada às questões sociais e políticas,
e o homem um ser inacabado, com capacidade de transformar o

210 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

mundo. Por isso, “os principais problemas educacionais não são


exclusivamente pedagógicos, mas também questões políticas.
Nesse sentido, sua pedagogia crítica se manifesta como práxis
política e cultural” (idem, p. 134).
Apesar de sua importância, consideramos que Freire
deixou de abordar, em sua pedagogia, as dimensões relativas ao
desenvolvimento da pessoa em seus aspectos mais abrangentes,
do social ao individual, do burocrático-legal ao institucional. Essas
dimensões também são políticas e devem ser consideradas,
pois o ser humano é sempre social, estando ele em relações
institucionais ou fora delas. A dificuldade de colocar em prática
sua pedagogia é que não se consegue aplicá-la em espaços
sociais institucionalizados. Em Freire encontramos limites para
promover o desenvolvimento desse ser inacabado, incompleto,
dentro das instituições sociais como a família e a escola.
Passando para Piaget, sabemos que este não construiu
uma pedagogia, mas uma teoria psicológica construtivista,
elaborada a partir do estudo de suas três filhas. A importância
de Piaget reside em explicar como nascem e se estruturam os
conhecimentos em cada período do desenvolvimento humano.
Para ele, o conhecimento é o resultado da interação entre
sujeito e objeto; dessa interação o sujeito apreende o mundo
que o cerca de diferentes maneiras, conforme a fase de seu
desenvolvimento. Apesar de ter conhecido a obra de Freud,
em sua teoria, não considerou os problemas dos mecanismos
psicológicos de defesa do ego, que acabam deformando as
percepções do real.
É importante salientar esse elemento porque, não
obstante a existência, a mais de um século, da teoria
psicanalítica, a teoria pedagógica ainda é muito resistente em
absorver a ideia de que o ser humano possui um inconsciente e
que grande parte daquilo que acredita ser construção originária
da sua consciência, não passa de reflexos de sua memória e
modelos externos incorporados na infância. Considerar o ato
cognoscitivo como único parâmetro de realidade sem incluir os
condicionamentos, estereotipias e os mecanismos de defesa
que intervém no aparelho psíquico quando este elabora o
conhecimento, seria deduzir que todo o conhecimento que o
homem produz seria reversível com o real. O problema que se
coloca é: como distinguir o real de uma imagem forjada, que

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

aparenta ser real, mas que não é? Esse problema, em Piaget,


permanece aberto e, embora não invalide a sua contribuição
aos processos educativos, não podemos deixar de apontar esse
limite da epistemologia genética.
Vygotski, em seu livro “Formação Social da Mente”, diz
que “todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem
duas vezes: primeiro, no nível social e depois, no nível individual;
primeiro, entre pessoas (interpsicológica) e depois, no interior
da criança (intrapsicológica)” (1989, p. 64). E é nesse aspecto
que reside a grande contribuição desse autor, pois dele deriva
a formação dos processos psicológicos superiores das crianças.
Nesta abordagem, o adulto possui um papel fundamental na
educação, uma vez que deve intervir na zona de desenvolvimento
proximal, que está entre a zona de desenvolvimento real e a
zona de desenvolvimento potencial da criança. O processo
de aprendizagem, a partir das relações sócio-históricas e
culturais vivenciadas pela criança, é mediado pelo adulto, que
por meio dos instrumentos e signos apresentados à criança.
Considerando essa importante contribuição do autor, podemos
dizer que teve o seu limite em não prever que nesta mediação a
criança, por ter seu psiquismo em processo de formação, pode
internalizar também experiências que não promovam o seu
desenvolvimento. Posto isso, o adulto forçosamente deveria
saber identificar na criança a zona de desenvolvimento proximal,
mas sabemos se essa identificação ocorre?
Portanto, refletindo a respeito da pedagogia e de alguns
sistemas e teorias pedagógicos, postulamos que existe ainda
uma carência no que se refere ao critério epistemológico da
pedagogia, que possibilite desenvolver a educação do ser
humano como indivíduo único e irrepetível com capacidade
contributiva de ação social. A pedagogia deve responder a
uma pergunta fundamental: o adulto, fruto desse sistema
pedagógico, se constitui capaz de ser resposta eficiente para si e
para o composto social?

a visão ontopsicológica na formação de pedagogos


A finalidade da pedagogia ontopsicológica consiste
em compreender o ser humano, criança e jovem, como ente
metafísico em integralidade existencial e constituir-se suporte

212 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

ao pleno desenvolvimento de suas potencialidades. “O homem


é pessoa histórica e projeto metafísico”. (MENEGHETTI, 1999,
p. 38).
Segundo Meneghetti (2007), a pedagogia, por meio da
distinção da identidade e utilitarismo funcional de cada indivíduo,
na relação com o contexto existencial e social onde encontra-
se inserido, possui a tarefa de coadjuvá-lo em seu crescimento
global. “Pedagogia é capacidade de extrair o homem pessoa
na função social [...], significa como contribuir ao processo de
consciência do indivíduo em vantagem de si e do ecossistema
(ambiente e sociedade) de referência” (MENEGHETTI, 2007, p.
207). O aprendiz, buscando inicialmente a resposta à sua vida,
pode encontrar também a resposta das relações sociais nas
quais está imerso.
Para Meneghetti (2007), muito embora a criança seja
pequena, indagando a si mesma coloca-se as mesmas questões
que grandes filósofos, desde os primórdios da filosofia, se
fizeram: “quem sou?”, “de onde vim?” “para onde vou?”. E,
se a pedagogia se propõe a tarefa de educar o homem, tais
questões são essenciais a serem tratadas por ela. O adulto,
auxiliando a criança a encontrar este ponto discriminante e
substancial de seu modo de ser, responsabiliza a criança por
suas escolhas.
Observando a criança em sua espontaneidade, antes dos
três anos, percebemos que possui uma inteligência independente
dos processos cognitivos, justamente porque esses ainda não
estão completamente formados. Para Montessori, a criança
possui uma mente absorvente e, para Piaget, ela é dotada de
uma inteligência sensório-motora. Meneghetti (2001) afirma
que essa inteligência é a capacidade de colher de íntimo a
íntimo, e a criança a possui. É uma capacidade inata, mas ainda
não desenvolvida historicamente, e deriva do mesmo princípio
que anima toda a vida.
Essa inteligência da vida, da qual somos todos portadores,
é mais fácil de ser observada na infância, mas permanece
ativa durante toda a existência do indivíduo. Contudo, na
idade adulta, torna-se mais difícil de ser percebida porque os
processos educativos configuraram as percepções e cognições
do indivíduo de tal forma que não lhe é mais consentida a
percepção, o conhecimento, a compreensão e o uso dessa

junqueira&marin editores 213


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inteligência integral, que lhe é disponível, mesmo assim, no seu


aqui, agora e assim.
O princípio vital ou inteligência da vida é denominado
por Meneghetti (2007) “Em Si ôntico”, e é “um projeto virtual,
com capacidade de fazer autoctise histórico-social, isto é, uma
semente que está em condições de desenvolver-se indivíduo
maduro no húmus do tempo, da sociedade, daquele lugar” (p.
207). Continua o autor, “a solução das problemáticas sociais é
possível somente se impostamos uma pedagogia alternativa,
onde primário é o projeto homem, segundo o critério do Em Si
ôntico (grifo do autor) (MENEGHETTI, 2007, p. 31). O sujeito,
com este critério, aprende de si mesmo e começa a distinguir
as possibilidades que existem no mundo, escolhendo aquelas
que constroem sua realização, sendo esse o mesmo critério
para fazer pedagogia. Encontrando o critério da prática e teoria
educativa humana, podemos fazer, nos processos formativos,
uma mediação pedagógica que desenvolva o indivíduo e o
contexto sócio-histórico ao qual ela pertence.

Todo o discurso ontopsicológico é aquele de ensinar a recuperação


da consciência da unidade de ação que o ser humano é. O famoso
‘conhece-te ti mesmo’ significa simplesmente: colher o inteiro da
própria exatidão da natureza. Se quiseres conhecer o universo, a
verdade, tudo o que é a vida, deves partir da exatidão do quanto
existes. Na medida em que sabe o quanto existe, tanto mais tem poder
de conhecimento. (MENEGHETTI, 2007, p. 19).

É primordial ao desenvolvimento da criança que o adulto


– aquele que a conduz ao seu autoconhecimento e da realidade
mundana – se conheça inclusive em sua esfera inconsciente.
E, se pedagogia é a “arte de como coadjuvar ou conduzir uma
criança à realização” (MENEGHETTI, 2007, p. 20), o pedagogo,
utilizando uma metáfora do teatro, é o coadjuvante, enquanto
a criança é o ator principal. Assim, fazer pedagogia é organizar
o contexto, as situações de aprendizagens pelas quais a criança
exerce seu protagonismo aprendiz.
Meneghetti define que “o escopo prático dessa pedagogia
é educar o sujeito a fazer e a saber a si mesmo: fazer uma
pedagogia de si mesmos como pessoa líder no mundo, educar
um eu lógico histórico com capacidade e condutas vencedoras”

214 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

(p. 20). Portanto, a pedagogia não se restringe a uma única fase


do desenvolvimento humano, ela diz respeito à educação do
homem ao longo de toda sua existência, sendo que, em cada
fase, existem exigências próprias que devem ser atendidas.
Até então, a pedagogia, sem a descoberta desse
princípio que funda o ser humano na existência, Em Si ôntico,
percebe que existem as especificidades intrínsecas, mas não
consegue identificá-las, isolá-las e desenvolvê-las de forma a
realizar o indivíduo como singularidade. Grandes pedagogos
como Pestalozzi, Maria Montessori, Paulo Freire e outros,
compreenderam que, se a pedagogia não seguir as leis vitais
do desenvolvimento humano, muitos problemas podem ser
originados e não resolvidos – problemas que vão desde a escolha
da profissão, de aprendizagem, comportamento, delinqüência
juvenil ou mesmo problemas de doenças somáticas, como
apontou Montessori. De fato, conforme Meneghetti,

O indivíduo homem, pela posição naturista, nasce no interior de um


grupo, de outro indivíduo, colocado por uma relação homem-mulher.
O pequeno nasce dessa correlação e adquire uma identidade própria
– primeiro biológica, depois fisiológica e, sobretudo psicológica –
segundo o estilo de identidade dos adultos, ou daquele único adulto
ou daquele grupo de adultos que o iniciaram e sucessivamente o
organizaram comportamentalmente e cognitivamente, a imagem
e semelhança dos pais e, infelizmente, jamais segundo a exigência
ôntica de identidade espiritual do próprio filho; portanto, conhecemos
todas as problemáticas que derivam disso” (2007, p. 326).

Vemos que, na pedagogia ontopsicológica, a função do


adulto com maturidade existencial é fundamental na educação
da criança. Estudando a pedagogia ontopsicológica podemos
compreender que o fator discriminante da prática pedagógica
é a autenticação do operador, do pedagogo. Autenticação é
entendida, na escola ontopsicológica, como um percurso de
conhecimento total de si mesmo até a identificação de sua
identidade apriórica, ou Em Si ôntico, e conseqüente atuação
das suas diretivas na existência, mediante escolhas congruentes
com esse princípio.
Para isso, o pedagogo deve atingir um grau de sanidade
média em sentido biopsicossocial, ou seja, deve gozar de uma

junqueira&marin editores 215


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

boa saúde física e saber prover suas necessidades biológicas


tornando seu organismo eficiente e saudável. Sanidade
psicológica significa que transcendeu seus principais estereótipos
psicológicos, familiares, históricos culturais e coletivos no espaço
operativo onde atua profissionalmente. Depois de atingidas
estas duas sanidades, começa a desenvolver-se em sua esfera
de atuação social, isto é, o indivíduo porta resultados positivos
com seu trabalho e alcança um grau de respeitabilidade em
seu contexto social. Isso nos reporta à percepção de que a
primeira pedagogia deve ser realizada no próprio pedagogo,
de forma a responsabilizar-se por sua existência e construí-la
em conformidade com o seu projeto de natureza, sendo esta
pedagogia a portadora de autoridade e capacidade pedagógica
no auxílio para que os outros também se construam de forma
eficiente e saudável.
Rogers (2000), analisando profundamente o problema
da formação de professores, conclui que nesta atividade
profissional, a personalidade do professor é o fator mais
determinante em seu sucesso profissional. Também pautada
sobre sua pesquisa, Giordani (2003) demonstrou que os
professores que fizeram seu percurso de autoconhecimento
segundo a metodologia ontopsicológica possuíam maior
integração de sua personalidade e apresentavam superação
de estereotipias próprias de sua profissão. Avaliando os
alunos, a autora verificou que estes também percebiam em
seus professores a congruência maior e a superação dos
padrões de estereotipias das profissões. Percebemos, com
isso, a importância de considerar, no processo formativo
do pedagogo, o trabalho com a sua personalidade. Desta
forma, a pedagogia ontopsicológica pode ser muito útil, não
apenas para realizar a formação inicial dos pedagogos, mas,
sobretudo, para realizar a formação continuada. Isto porque, a
formação inicial de licenciatura não consegue abarcar todas as
necessidades formativas encontradas na prática do pedagogo
em sua atuação escolar. (GIORDANI et. al., 2008).

pedagogia ontopsicológica
A pedagogia ontopsicológica acrescenta ao background
da pedagogia, o conhecimento da totalidade da psique humana.

216 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

E, com esse, podemos dispor de novas compreensões a respeito


dos processos de ensinar e apreender.
Aprendizagem é um termo que deriva da origem latina,
“adprehendo = me aproprio do íntimo. Disposição a perceber
o que é para mim. A) Aquisição de modelos operativos. B)
Com memória de repetição”. (MENEGHETTI, 2001, p. 14). Esse
conceito implica o movimento interior do sujeito que aprende,
em se apropriar do próprio íntimo e ser capaz de perceber o que
é e o que não é útil e funcional para si, o que é côngruo com sua
identidade e o que é contrário. A aprendizagem humana está
implicada com a capacidade intelectiva da pessoa em colher
o real a partir do íntimo, conforme a identidade e utilitarismo
funcional. Identidade é aquilo que o ser é aqui, agora, assim; se
algo é útil e funcional a esse ser, então este algo é válido, é bom
e deve ser assimilado, caso contrário deve ser ignorado ou até
mesmo rejeitado.
Aprender implica exercer o fundamento humano
intelectivo a fim de estabelecer processos de progressivo
aumento de conhecimento acerca de si mesmo, do outro
e do mundo que o cerca, e agir nestes contextos com
criatividade. Segundo os fundamentos da pedagogia
ontopsicológica são “dois tipos de conhecimento que se
deve fornecer a criança: a) conhecimento a respeito de
si mesmo; b) conhecimento das regras, cultura, língua,
história, psicologia, ciência e leis”. (MENEGHETTI, 2007, p.
12). Estes garantem o conhecimento da criança sobre sua
específica forma de ser e de seu mundo.
O conceito de ensino, segundo o dicionário Houaiss
(2001), deriva do “latim *insígno; por insigníre ‘pôr uma marca,
distinguir, assinalar’”. Pedagogos trabalham com sinais, com
signos, e assim devem facilitar o acesso aos sinais ou signos que
propiciem explicitar o desenvolvimento integral do aprendiz.
Entendemos que a partir da pedagogia ontopsicológica se abrem
dois grandes problemas: 1) se há um signo a ser informado
existe um emissor e um receptor, e, aquilo que o emissor
informa quando emite o signo são sinais globais (conscientes e
inconscientes); 2) que signos são esses - são signos que levam
o aprendiz a entender-se e construir a sua existência de modo
criativo ou a reproduzir os mesmos problemas existenciais e
sociais dos adultos que o educam?

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Diante desse significado, o processo de ensino-


aprendizagem para fazer evolução no humano traz consigo uma
enorme responsabilidade, pois sempre estamos informando,
mas o que informamos conduz os nossos alunos a adquirirem
novos módulos de referência e de conduta? Compreendemos
que este é um problema que nós formadores de pedagogos
temos que enfrentar: como educar o ser humano desenvolvendo
contemporaneamente o conhecimento sobre si e os signos
culturais?
Diante de toda a competência pedagógica e metodológica
que a pedagogia até então nos possibilita podemos, com a
pedagogia ontopsicológica, começar a abrir novas estradas
de investigação e práticas, trazendo outras contribuições
aos processos educativos sociais, escolarizados ou não e,
principalmente, aos processos de formação dos novos pedagogos.
É neste sentido que observamos que os currículos dos cursos de
pedagogia poderiam contemplar o conhecimento dos princípios
elementares do funcionamento da atividade psíquica.
Aos pedagogos é fundamental o desenvolvimento e
realização de seu potencial, pois o principal instrumento
educativo que o professor possui é a si mesmo. Quando
desenvolve processos pedagógicos sem se compreender,
pode utilizar mecanismos inconscientes como, por exemplo, a
projeção. A projeção que o pedagogo realiza sobre o aprendiz,
não implica necessariamente um problema a priori, mas pode
se tornar um modelo operativo estável que impede o pedagogo
a reconhecer e individuar o potencial de cada aprendiz e assim
auxiliar cada um a desenvolver-se em seu contexto vital por
meio das suas práticas pedagógicas escolares. O pedagogo em
sua atividade docente deve, portanto, seguir as informações não
verbais emanadas pelo núcleo da atividade psíquica da criança,
seu Em Si ôntico a fim de considerar também esta informação
junto com outras informações na condução dos processos
educativos. “A visão ontopsicológica em referência a pedagogia
é a auscultação dos sinais do código base da vida, que a criança
tem intrínseco, para adaptar, progressivamente, este projeto
fundamental à elaboração da construção e responsabilidade
social” (MENEGHETTI, 2007, p. 20).
Deste modo, o pedagogo, em sua prática docente passa
a se pautar sobre a capacidade intrínseca e inteligente de

218 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

cada criança naquela relação, pois a inteligência humana é a


primeira e insubstituível fonte natural de recurso de ensino e
aprendizagem (MENEGHETTI, 2007). Agindo assim, ele pode
auxiliar a criança também a colher a informação que emana da
pulsão do Em Si ôntico”, tendo como resultado “o indivíduo antes
de tudo sadio e depois em grau de realizar a própria existência
em modo criativo”. (MENEGHETTI, 2007, p. 20).
Por sua vez, a escola também constitui o eco-ambiente
das aprendizagens da criança, pois na sociedade contemporânea
a criança nasce imersa numa realidade múltipla e variada
de contextos que permeiam a família (religião, meios de
comunicação, equipamentos eletrônicos com tecnologia digital,
sistema financeiro, educativo, político etc.). A pedagogia utilizada
hoje no contexto familiar, escolar e social não prioriza o auxílio à
criança e o jovem a utilizar os seus “recursos naturais” fazendo
com que estes se acomodem às imediatas vantagens que o
mundo adulto lhe propicia. Este autor sublinha que a escola de
vida eficaz é o grupo de referência, “porque os companheiros
não são bons, não hipergratificam, não adulam, ao contrário,
são ruins, objetivos, reais e deste modo ensinam tantas coisas:
tu és alto, tu és baixo, tu és ruim etc. A criança deve aprender a
reagir: é escola de vida” (grifo do autor) (2007, p. 211).
O ambiente próprio ao desenvolvimento da criança são
as outras crianças e o grupo de valores são os adultos. Por isso,
é importante que o adulto esteja atento ao grupo de referência
ao qual a criança pertence. A criança e o jovem devem aprender
a confrontar-se em experiências fora do ambiente familiar. Para
que a criança e o jovem cresçam é importante que os adultos e
a sociedade garantam o primeiro direito. “Fala-se dos direitos
civis, dos direitos das crianças, do feto, mas o primeiro direito é
poder ser a si mesmos, poder existir como se é” (idem, p. 212).
Depois de garantido este primeiro direito, segundo Meneghetti
(2007) precisa oferecer-lhe “toda oportunidade da linguagem
social [...] aprendizagem como estradas ao poder, ao serviço,
a realização de viver para si mesmos e para os outros: é belo
ser admirado pelos outros, dá prazer a todos. Deve-se dar o
instrumento a este orgulho existencial de cada criança” (p. 212).
A pedagogia ontopsicológica é uma técnica, uma arte
existencial, por meio da qual nós humanos desenvolvemos
nosso potencial e o levamos a realização. Ela nos faz líderes

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

porque “a fonte providencial de cada ser humano e o seu real


poder é ser a si mesmo” (p. 209). Refletindo acerca da etiologia
dos problemas encontrados no contexto escolar em crianças
e jovens percebemos que estão associados à desconsideração
da inteligência tanto do professor quanto do aprendiz. “A vida
faz o homem único em um conjunto [...]. A tarefa do homem
é qualificar a sua unidade no conjunto, escolhendo a relação
subjetiva com identidade e função” (MENEGHETTI, 2003, p.
63). O potencial humano é o principal recurso e por isso, é o
elemento discriminante na solução dos problemas educacionais
que a sociedade hoje possui (MENEGHETTI, 2006; 2007).
Em sua formação, o pedagogo ciente de si mesmo deve
aprender a arte de educar. Arte significa que a técnica está
a serviço do como coadjuvar o desenvolvimento humano.
Coadjuvar significa conduzir, ir com, acompanhar, orientar e não
imprimir ou impor, ou assinalar e sim prestar um auxílio, um
serviço ao novo ser que nasce (em sentido biológico, psicológico-
existencial, metafísico e social). “A criança manifesta-se sempre
como ato através do qual o espírito diz: ‘apesar de tudo eu
ainda amo essa existência’. A cada nascimento ele renova a
confiança e a volição do ato do espírito por esta existência. O
espírito me quer onde Eu sou, o ser me quer onde Eu existo”
(MENEGHETTI, 2007, p. 25-26). Neste sentido, o pedagogo deve
aprender considerar estes elementos no contexto escolar de
ensino-aprendizagem, visto que, pode reforçar uma distorção
ou perda do primeiro e prioritário sentido existencial de cada
ser humano que é de se construir conforme sua vocação ôntica.
Não aviltar o espírito único que está se fenomenizando em cada
nova criança, em cada novo profissional, em cada humano, deve
ser a primeira das preocupações de todo adulto que tomou para
si a tarefa de mediar o mundo aos novos chegados.
Cabe aos pedagogos coadjuvar a criança para que ela
entenda a si mesma e chegue à sua verdade. “As crianças são
flores da vida se são verdadeiras” (idem, p. 206). Assim também,
o pedagogo deve adotar a mesma visão que Meneghetti trás em
relação à função dos pais, ou seja,

Os genitores devem sempre preparar os filho para ser grande para


si mesmo, de modo que quando esses não existirem mais, ele possa
continuar sozinho e ser adulto em meio a grande vida. Eles não devem

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

proteger o filho da realidade, mas ajudá-lo, auxiliá-lo a afrontar em


toda a sua complexa crueza. A única moral que podemos ensinar a
criança é aquela de fazer bem as próprias coisas, dia a dia, porque,
enquanto a pessoa faz bem as próprias coisas, estas fazem a pessoa.
Sobretudo é necessário educá-lo a não errar jamais contra si mesmo.
Deve aprender a capacidade de atuar um egoísmo funcional no
ecossistema biosocietário (MENEGHETTI, 2007, p. 61).

A criança cresce aprendendo a dialética entre os valores


relativos à sua vida e das suas relações no grupo e na sociedade
que pertence. Além disso, é preciso garantir o lugar do
nascimento do evento criança, a família.
Neste sentido, podemos evidenciar a contribuição da
pedagogia ontopsicológica na formação de educadores no ensino
superior e o valor desta pedagogia para o desenvolvimento do
humano-social. A função do adulto na educação da criança é
auxiliá-la a aprender a fazer a dupla moral, isto é, mediar o seu
intrínseco metafísico, aqui, agora, assim, dentro da sociedade.
A criança “ente inteligente e social, tem necessidade do tu da
sociedade para fazer a dialética de valor e para atingir o fim
da própria realização. [...] Três são os momentos dialéticos: 1)
a própria e individual natureza ou Em Si ôntico; 2) a própria
consciência; 3) a sociedade” (grifo do autor) (p. 208). Meneghetti
explicita como desenvolver a realização da pessoa no contexto
social e a evolução do contexto social considerando as pessoas.
“Trata-se de fazer esta consciência, aliada a um constante
paralelismo sinóptico; isto é, a pesquisa científica sobre o
humano deve sempre ter a sinérgica sincronia entre sociedade
e natureza. [...]. Quando uma destrói a outra, o homem acaba”
(grifo do autor) (p. 209).
Em síntese, a pedagogia ontopsicológica na formação do
pedagogo o auxilia a utilizar os recursos próprios partindo sempre
do potencial de inteligência humana dos agentes educativos
(professores e alunos) – o ser humano é dotado de um potencial
intrínseco natural “Em Si ôntico”, que é a inteligência da vida,
identificando e distinguindo esse potencial a criança pode
construir sua vida de modo autônoma e realizada.
O pedagogo é aquele que tem a coragem e disciplina de
se reconstruir seguindo a condução e a criatividade originária de
seu próprio Em Si ôntico. É exatamente por isso que na formação

junqueira&marin editores 221


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

de um jovem é indispensável o adulto maduro: a família e a


escola são os lugares prioritários onde se estruturam os adultos
de amanhã. Uma pedagogia que ajude o homem a crescer
conforme o seu potencial originário é impossível se os adultos,
sobretudo os educadores, não decidam ser pessoas autênticas.
Para ser um adulto sadio, maduro, realizado é preciso encontrar
o equilíbrio de um compromisso entre o critério de natureza e
a doxa societária. Substancialmente se trata de dar a sociedade
aquilo que é da sociedade e a si mesmo aquilo que é íntimo de
si mesmo (MENEGHETTI, 2007). Certamente isso representa um
novo olhar sobre a formação dos pedagogos, e carece de estudo
aprofundado e training pessoal com uso da instrumentação
metodológica da escola ontopsicológica. Mas para aqueles
que quiserem, a pedagogia ontopsicológica se abre como uma
escola para o encontro de si mesmos como protagonistas e
colaboradores com essa grande força motriz, que é o intelecto
humano. ⌂

referências
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222 junqueira&marin editores


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junqueira&marin editores 223


o lugar da experiência nas
práticas educativas
Divino José da Silva FCT / UNESP - BRASIL

“(...) afinal, o que é isto, esta inaptidão à experiência? O que


acontece, e o que, se houver algo, poderia ser feito para a
reanimação da aptidão a realizar experiências?” (ADORNO, 1995, p. 149).

introdução
As perguntas postas na epígrafe acima definem as nossas
preocupações neste capítulo, cujo interesse será pensar o lugar
que ocupa a noção de experiência nas práticas educativas no
contexto escolar. Reivindicamos não somente o sentido da
experiência oriunda das práticas dos professores na escola,
mas buscamos pensar a educação como uma experiência de
sentido, como acontecimento que escapa à lógica dos saberes
científicos e técnicos. Estes saberes estão mais preocupados
com o saber-fazer e com o como-fazer, perdendo de vista o que
é da ordem da singularidade, da contingência e do imprevisto
nas práticas educativas. Antes, porém, de chegarmos a essa
discussão, situamos de forma rápida o lugar que a noção de
experiência tem ocupado na tradição do pensamento ocidental,
em que a mesma foi menosprezada ou tratada como ameaça ao
conhecimento verdadeiro.
No segundo momento apresentamos um diagnóstico
acerca da nossa experiência no presente em que não nos é dado
ter experiências significativas, mas apenas vivências esparsas

224 junqueira&marin editores


que logo são substituídas por outras mais fluidas, sobre as quais
não temos o que contar, o que narrar. Discutimos aqui cinco
aspectos que consideramos importantes na caracterização do
empobrecimento da nossa experiência19 no presente, os quais
estão relacionados com a velocidade que estrutura e rege o nosso
tempo, com a lógica da competitividade imposta pelo mercado,
com a demanda de qualificação para o trabalho, com excesso de
informação e opinião a que estamos submetidos na atualidade.
Na última parte do capítulo o nosso objetivo foi pensar em
que medida essa expropriação da experiência pode ser transposta
para a educação. Depois de todos os desmentidos acerca da
sua possibilidade em que perspectiva se pode reivindicar uma
experiência de sentido no contexto das práticas educativas na
escola? No final discutimos as noções de conversação, tato
pedagógico e narrativa poética como estratégias de gestualidade
que podem favorecer a compreensão da singularidade do que
acontece na escola.

1. a experiência como dimensão esquecida


Em seu livro “Cantos de experiencias. Variaciones
modernas sobre un tema universal”, Martin Jay (2010), ao
abordar a noção de experiência ao longo da história da filosofia

19. O tema do empobrecimento da experiência na atualidade foi discutido


amplamente por Walter Benjamin nos seguintes textos: “Experiência e pobreza”;
“O narrador. Considerações sobre a obra de Nikolai Leskov”; “A obra de arte na era
de sua reprodutibilidade técnica”. Ver BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e
política. Obras Escolhidas, Vol. I. São Paulo, Editora Brasiliense, 1994. Ver ainda,
BENJAMIN, Walter. Charles Baudelaire um lírico no auge do capitalismo. Obras
Escolhidas, Vol. III, São Paulo Editora Brasiliense, 1989. Ver particularmente os
textos: “A modernidade”; “Sobre alguns temas em Baudelaire” “Parque Central”
e “O Flaneur”. Vale ressaltar que Giorgio Agamben retoma em seu livro “Infância
e história. Ensaio sobre a destruição da experiência”, em um capítulo que leva o
mesmo título do livro, a discussão acerca do empobrecimento da experiência na
atualidade, em que segue os rastros de Walter Benjamin. Este livro foi publicado
pela Editora da UFMG, BH em 2005.

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ocidental, constata que esta talvez seja uma das palavras mais
difíceis de ser manejada no vocabulário filosófico, pois a mesma
porta em si vários significados que lhe foram agregados no
decorrer da história. Por esse motivo, qualquer esforço em
definir a palavra experiência se torna perigoso, pois se corre o
risco de encerrá-la em um sentido unívoco, portanto atemporal,
anulando a sua complexidade e o que há nela de expressivo e
instigante para se pensar a maneira como somos impactados
pela temporalidade do nosso presente.
Não é nossa preocupação fazer uma genealogia do
conceito de experiência, mas assinalar a sua polissemia. De
outro modo, também, interessa-nos ressaltar a ambigüidade
e, em certos casos, o menosprezo com que muitas vezes esta
noção foi tratada na filosofia, cujos reflexos se manifestam
no âmbito do pensamento educacional desde os gregos até a
educação contemporânea.
Na filosofia grega clássica, sobretudo em Platão, o
conhecimento oriundo da experiência é entendido como inferior
e funciona como obstáculo ao conhecimento verdadeiro. No
Livro VII de “A República”, Platão faz distinção entre mundo
sensível e mundo inteligível. O primeiro corresponde ao
mundo da experiência, portanto, ao mundo das aparências,
das paixões e se identifica com a opinião e com o instável. O
mundo inteligível corresponde ao da verdadeira ciência, dos
conceitos imutáveis, os quais só podem ser alcançados por
meio de uma educação (Paidéia)20 que nos retire do mundo
das aparências e nos transporte para o mundo da luminosidade
das Ideias. Essa Paidéia nos é didaticamente representada em
Platão no mito da caverna, o qual funda de forma emblemática
o pensamento educacional que alimenta a nossa tradição. Em
Aristóteles a experiência é valorizada como condição para se
chegar ao conhecimento do universal. Parte-se do singular, da

20. O termo grego Paidéia se aproxima do alemão Bildung. Como este último, o termo
grego guarda o duplo significado de educação-formação ou educação formadora:
a educação que se diferencia da idéia de aprendizado. A Paidéia visa formar um
caráter (ethos), educar a criança para a harmonia, a moderação e a temperança
consigo mesma e a concórdia na cidade. A Paidéia é a educação que supõe
determinada interpretação do homem e da cidade e tem como objetivo torná-lo
apto ao desenvolvimento do caráter virtuoso. (MATOS, 1997, p. 38).

226 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

experiência dos sentidos, para se atingir o conceito e princípios


que independem da experiência.
Em Platão e Aristóteles a razão se sobrepõe aos sentidos,
pois o homem tem que se orientar em seu agir a partir de
ideias que sejam claras, posto que “[...] a experiência é sempre
impura, confusa, demasiado ligada ao tempo, a fugacidade e a
mutabilidade do tempo, demasiado ligada a situações concretas,
particulares, contextuais, demasiado vinculada a nosso corpo, a
nossas paixões, a nossos amores e a nossos ódios.”(LARROSA,
2004a, p. 22). Não se deve confiar na experiência, pois ela
constitui uma ameaça ao pensamento racional. O verdadeiro
conhecimento só pode ser traduzido na linguagem da teoria
que se fundamenta em princípios claros e distintos e nunca na
confusa linguagem da experiência.
Na modernidade a experiência se identifica com
experimento, portanto, pode ser objetivada, controlada e
calculada. A experiência é resultante dos procedimentos
adotados pela ciência. É um constructo da própria ciência, cujo
intuito é alcançar um ponto de vista objetivo com pretensões
de universalidade. Nada pode escapar ao controle do método,
nada pode ficar fora, pois esta ideia do fora produz a angústia
e medo decorrentes da incerteza21. A experiência pensada no
registro do pensamento científico, segundo Larrosa (2004a,
p. 22), elimina da experiência o que lhe é constitutivo, ou
seja, “a impossibilidade de objetivação e a impossibilidade
de universalização.” A experiência pensada nesta segunda
perspectiva é subjetiva, acontece aqui e agora e é própria de
alguém que vive em um tempo e contexto determinados. Ela
traz a marca da provisoriedade, da opacidade e da obscuridade
inerentes à nossa própria existência.
Assim, podemos dizer que a ciência moderna, ou o sujeito
moderno, se estrutura nas pegadas da filosofia cartesiana,
a qual não suporta a ambiguidade e a falta de certeza, bem
como a diversidade de opiniões. Desse modo, o sujeito do
conhecimento estabelece uma relação com o que nos acontece

21. Descartes, no “Discurso do Método”, apresenta as regras às quais deve se


submeter a atividade do pensamento, afugentando assim as ilusões dos
sentidos que conduzem fatalmente ao erro.

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de forma arbitrária. Se a experiência é uma relação de abertura


ao mundo, a qual possibilita que algo nos aconteça, na
modernidade o sujeito do conhecimento se antecipa ao mundo,
antes mesmo que o tenhamos experimentado e sofrido.
A palavra experiência, conforme Martin Jay ((2010, p.
26), deriva do latim experientia e significa “juízo, prova ou
experimento”. No entanto, ressalta o autor, que na palavra
provar (experiri) está presente o mesmo radical periculum
(perigo), o que torna possível associar experiência e perigo.
Assim, podemos entender a experiência como aprendizado
de alguém que sobrevive a riscos e perigos a partir dos quais
sai modificado. Pode significar também a perda da inocência
e da ingenuidade depois de se ter enfrentado e sobrevivido a
riscos e perigos. A experiência aproxima-se do sentido grego da
palavra pathos, para nomear algo que nos acontece de forma
inesperada, sem que tenhamos sobre ele qualquer controle.
Nessa situação não nos resta outra opção senão sofrer, suportar
e resistir ao que nos acontece.
No pensamento alemão entre os séculos XVIII e XX, há
dois sentidos para o termo experiência: Erlebnis e Erfahrung.
A primeira é traduzida, conforme Jay (2010), como experiência
vivida ou como vivência que se apresenta como algo
indiferenciado ou sem objetivação. Este tipo de experiência é
próprio do mundo cotidiano e escapa a qualquer significação
teórica. Pode significar também uma ruptura com normalidade
da vida cotidiana por tratar-se de uma experiência imediata, pré-
reflexiva e de natureza pessoal. Erfahrung, segundo Jay (2010),
confere a experiência um sentido mais temporal, e decorre da
aprendizagem enquanto processo que se sustenta em narrativas,
histórias e provérbios. Esta noção remete ao caráter coletivo e
público da experiência, a qual se dá num movimento progressivo
e tem vínculos profundos com a memória. Há no termo Erfharung
a partícula Fahrt que significa viagem. A experiência aqui tem
também o sentido de uma viagem longa que comporta perigos,
mas por outro lado denota um movimento de aprendizado, a
partir do qual os sujeitos conferem sentido e unidade ao que
lhes acontece.
Essa parece ser a dimensão pouco valorizada, ou quem
sabe, esquecida da experiência na modernidade, a qual ameaça
a estabilidade do sujeito do conhecimento como consciência

228 junqueira&marin editores


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de si, presença de si a si, como atividade de representação


que ordena o mundo representado. Este sujeito se coloca
como um espírito autônomo diante do mundo sem manter
com ele qualquer vínculo, bem como se distancia do outro,
esteja ele no mundo físico, na esfera da cultura ou nas
relações intersubjetivas. O que escapa às suas regras é
simplesmente relegado ao esquecimento ou igualado na
abstração conceitual: “Esse é o veredicto que estabelece
criticamente os limites da experiência possível.” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p. 27).

2. “a expropriação da experiência” no presente


Depois desse breve percurso poderíamos interrogar: ainda
seria possível reivindicar a experiência como acontecimento
que excede os critérios de verdade e saberes estabelecidos
pela racionalidade científica? Quais são os limites para se ter
experiência hoje? Há em nosso cotidiano abertura e espaço para
que sejamos, de fato, abordados, alcançados e tombados pelo
que nos interpela?
Estas perguntas ressoam em nosso presente, pois a todo
instante somos atingidos por uma avalanche de estímulos que
disputam a nossa atenção e, como disse Christoph Türcke (2010),
ditam o ritmo do nosso tempo, do nosso pensamento e as
escolhas de nossos assuntos e palavras. Não conseguimos ficar
imunes a esses estímulos. Estas são características da sociedade
da sensação que ocupam em tempo integral os nossos sentidos.
Neste caso, poderíamos perguntar: estamos, então, mais ricos
ou mais pobres em experiências do que nossos antepassados?
Concluirá Agamben (2005, p. 21) que estamos mais pobres.
Ao aprofundar sua análise o autor reconhece que hoje não
necessitaríamos de grandes catástrofes para termos certeza
acerca da destruição da experiência, bastaria que observássemos
a vida cotidiana do homem contemporâneo nas grandes cidades,
em que quase nada que lhe acontece se traduz em experiência.
Assim, a leitura do jornal, a demora no trânsito, o tempo perdido
na fila, as manifestações de rua, os assassinatos, o ato de consumir,
enfim, nada disso parece lhe dizer respeito. Depois de passar por
todos esses eventos, o homem moderno volta para casa sem que
isso seja traduzido em experiência.

junqueira&marin editores 229


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Esse diagnóstico acerca da expropriação da nossa


experiência no presente nos lança num paradoxo, pois afinal,
como pensar a possibilidade da experiência se já não nos é dado
fazê-la? No entanto, se esse paradoxo não pode ser solucionado,
podemos pelo menos amenizá-lo, nos interrogando acerca do
que significa esse empobrecimento da experiência hoje e o que
dele resulta para o presente. Esse parece ser o desafio que nos
sugere Agamben: pensar a miséria da própria experiência e a
sua destruição.
A expropriação da experiência está, conforme assinalamos,
implicitamente ligada ao nascimento da ciência moderna. No
entanto, essa expropriação se intensifica com o avanço do
capitalismo e com suas formas sofisticadas de dominação que
se renova mediante a criação de falsas necessidades e desejos.
De outro modo, também, por meio do avanço da técnica e
da tecnologia e suas formas de comando sobre o homem.
O desdobramento desses aspectos no capitalismo tardio
ganha novas configurações. Passaremos a discuti-los, sem a
pretensão de exauri-los ou apresentá-los segundo uma ordem
de importância.
O primeiro aspecto que merece atenção é a maneira
como a temporalidade regula as nossas vidas, enquanto formas
de percepção e organização do tempo em nosso presente.
Relacionamos com o tempo de maneira empobrecida, pois o
mesmo é regulado pela velocidade. Assim, a nossa relação com
o passado e com o futuro se vê alterada. Do passado já não
retemos quase nada, fazemos dele uma espécie de tabula rasa.
O futuro é condensado no presente e deve se realizar já. Nada
pode ser adiado. A nossa afetividade se vê regulada pelo tempo
da sociedade do consumo que constrange à rapidez acentuando,
assim, a superficialidade dos vínculos. Nenhum prazer pode
ou deve ser preterido em nome de uma realização futura e
duradoura. “O homem contemporâneo vive tão completamente
imerso na temporalidade urgente dos relógios de máxima
precisão, no tempo contado em décimos de segundo, que já não
é possível conceber outras formas de estar no mundo que não
sejam as da velocidade e da pressa.” (KHEL, 2009, p. 123). O que
se verifica é a extensão da lógica do capital a todas as instâncias
do tempo vivido, o qual se tornou uma mercadoria: o tempo
pode ser comprado, investido e potencializado.

230 junqueira&marin editores


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O segundo aspecto que limita a nossa experiência no


presente, e se vincula ao que tratamos acima, se refere ao
excesso de trabalho a que o sujeito moderno é submetido. É
comum hoje, ressalta Larrosa (2004b), confundir experiência
e trabalho. Nas universidades e instituições formadoras, se
reivindica uma educação que esteja, ao máximo, vinculada
ao mundo do trabalho e que de preferência seja capaz de
simular em seus espaços a experiência do trabalho. Não é sem
motivos que o jargão da empresa invadiu a escola: formação
permanente, controle de qualidade, avaliação baseada em
critérios quantitativos, competências e habilidades. Estas são
noções originárias do mundo empresarial e que chegam a
escola. Em função das permanentes mudanças no mercado de
trabalho e das renovadas exigências de qualificação de mão-
de-obra dotada de flexibilidade, ou seja, de capacidade de
adaptabilidade ao mercado, nunca se termina nada, visto que
tudo é metaestável. Os trabalhadores ou aspirantes a uma vaga
no mercado de trabalho saltam de uma qualificação a outra
sob o risco de se tornar mão-de-obra descartável. Viver nessas
condições requer um excessivo dispêndio de energias que pode
ser aqui representado pela imagem benjaminiana do indivíduo
que caminha na multidão e que tem toda sua atenção voltada
para aparar os choques e livrar-se dos esbarrões. (BENJAMIN,
1992). Essa imagem parece traduzir, bem, o empobrecimento
da experiência, pois já não temos tempo e nem energia para
significar o que nos acontece.
O terceiro ponto sobre o qual recai a destruição da
experiência tem a ver com o espírito de competitividade tão
cultuado em nossa sociedade. A competição gera a sensação
de inutilidade da vida que, muitas vezes, redunda na falta de
perspectiva, sobretudo, quando não dispomos das mesmas
condições para competir. Nesse jogo, somos desde muito cedo
treinados para dar cotoveladas, mesmo quando sabemos que
nessa corrida não largamos do mesmo ponto de partida. Esta
parece ser a sensação vivida pelos alunos oriundos das escolas
públicas, em que a chance de sucesso, certamente, não é a mais
animadora. De todo modo, vale aqui a cínica máxima segundo
a qual viver é competir e que neste jogo “vencem os melhores”.
O quarto aspecto que a nosso ver tem forte incidência
sobre a destruição da nossa experiência relaciona-se, conforme

junqueira&marin editores 231


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assinala Larrosa (2004b), Türcke (2010) e Matos (1998), com


o excesso de informação. Vivemos no mundo da notícia e da
informação condensada e de fácil consumo e assimilação.
Nada de textos, imagens e raciocínios complexos que nos
tomem tempo e exijam concentração para sua compreensão e
decifração. Sob a influência da mídia e da propaganda estudar
e aprender tornou-se fastidioso. O esforço e a disciplina
requeridos no processo de aprendizagem foram proscritos
e substituídos pelo instantâneo dos meios de comunicação
a serviço da indústria cultural. Se a leitura rápida e desatenta
pode ser suficiente para se compreender um anúncio comercial,
o mesmo não se aplica a decifração de textos literários ou
científicos. Sob a influência da mídia e do que se convencionou
a denominar sociedade da informação, “[...] a educação foi-
se impregnando com a demagogia da facilidade – com o que
a indústria cultural banaliza tanto a formação dita superior
quanto a de resistência [...].” (MATOS, 1998, p. 88). Podemos
dizer que na sociedade orientada pela lógica da informação
a experiência não é possível, pois o indivíduo que se lança na
busca obsessiva por informação, o máximo que conseguirá é
que nada lhe aconteça.
O quinto e último aspecto que interdita nossa experiência
no presente tem a ver, conforme demonstram Deleuze (1992)
e Larrosa (2004b), com o excesso de opiniões a que somos
submetidos ou solicitados a emitir sobre acontecimentos,
acerca dos quais nos consideramos informados. Em tempos de
informações fartas, depois de informados, não emitir qualquer
opinião sobre assuntos sérios ou corriqueiros é se colocar na
condição de desinformado e ignorante. O problema, lembra
Deleuze (1992, p. 161-162), “não é mais fazer com que as pessoas
se exprimam, mas arranjar-lhes vacúolos de solidão e de silêncio
a partir dos quais elas teriam, enfim, algo a dizer.” Para Deleuze
há algo de impositivo e de repressivo em nossa sociedade que
cobra que as pessoas tenham sempre que expressar opiniões,
sempre demonstrar ares de bem informadas. Espaços de solidão
e silêncios são impensáveis. Não há tempo ocioso que não esteja
ocupado pela informação e pela demanda de opinião. Todos
os espaços e tempos estão plenos de informação e de opinião.
O conluio entre informação e opinião é próprio da cultura do
periodismo que se faz presente em todas as instâncias da vida

232 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

por meio de jornais, revistas, televisão, internet, etc. Essas


mídias forjam a informação e a opinião. Nelas os discursos dos
especialistas (economista, psicólogo, médico, educador do
corpo, professor) e das celebridades (modelos, atores, jogador
de futebol, cantores, escritores e religiosos) são ofertados ao
público como verdades que trazem a chave para o sucesso e para
a felicidade. No entanto, esses discursos, comenta Chauí (1986),
funcionam como instrumento de dominação e intimidação, pois
entre nós e a experiência que temos da realidade interpõe-se
a fala do especialista ou da mais nova celebridade de plantão.
Situados nesse registro da opinião e nos excessos de falas que ela
comporta, resta pouco espaço para que o sujeito faça experiência
com o próprio pensar que ganharia expressão na capacidade do
indivíduo de julgar, decidir e fazer escolhas de maneira autônoma.

3. tato pedagógico22,
experiência e educação escolar

A partir do que foi dito acima poderíamos nos perguntar:


esse mesmo diagnóstico se aplica ao que vivemos na educação
escolar? Ou seja, esses aspectos que marcam o cotidiano das
pessoas comuns poderiam ser pensados também para a vida do
professor e do aluno na escola? Mesmo correndo o risco de
fazermos uma aproximação apressada entre que o foi discutido
acima e o que acontece na escola, não parece um despropósito
admitir que muitas vezes no espaço escolar professor e aluno
não se reconhecem ali. Nesse sentido, vale a provocação de
Larrosa (2004a, p. 33): “[...] da escola, se somos professores ou
alunos, voltamos exaustos e mudos, sem ter o que dizer.”
Ainda que seja difícil confirmar empiricamente o conteúdo
dessa frase, ela nos dá o que pensar. Afinal, muitos discursos
têm sido produzidos sobre a escola. Centenas de dissertações e
teses são anualmente defendidas nas universidades brasileiras

22. A noção de tato pedagógico é aqui utilizada na acepção que a ela confere
Fernando Bárcena, a qual explorada no decorrer do capítulo. No entanto,
cabe ressaltar que esta noção tem origem nos escritos do filósofo e pedagogo
alemão Johann Friedrich Herbart.

junqueira&marin editores 233


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

focando a escola. Professores, alunos e pais têm manifestado


suas insatisfações sobre o que lá acontece, mas mesmo assim
parece que algo permanece sem ser dito. Há um mutismo
acerca da escola que não é só do aluno e do professor, mas
também dos pesquisadores, que passa pela dificuldade em
significar o que há nela de singular, de temporal e de local. Isso
requer de nós professores, educadores uma nova sensibilidade
que nos sintonize com o que é da ordem do acontecimento23 no
espaço escolar, de tal maneira que nos seja possível realizar uma
experiência reflexiva e de sentido acerca do que ali acontece.
Por essa razão, pensar os limites ou a destruição da experiência
em nosso presente é condição para que reflitamos, ainda, acerca
de sua possibilidade, não só fora, mas também no contexto das
práticas escolares. Requer, portanto, o esforço em encontrar
outra forma de narrar e significar o que acontece no espaço
escolar e de nos determos sobre os cacos, sobre os restos, sobre
o que foi esquecido e que não se deixa aí nomear.(BENJAMIN,
1989).
Antes de prosseguirmos com a discussão sobre a
possibilidade de uma experiência reflexiva e de sentido sobre
a educação escolar, é importante ressaltar que o mesmo está
habitado por diferentes saberes que marcam as práticas
docentes. Conforme demonstra Maurice Tardif (2010), esses
saberes docentes têm origem em variadas fontes, portanto,
se definem como um amálgama de saberes decorrentes da
formação profissional, dos saberes disciplinares, dos saberes
curriculares e aqueles oriundos da experiência da prática da
profissão docente. Desse modo, o “professor ideal”, comenta
Tardif (2010, p. 39), deveria saber articular esses diferentes

23. A noção de acontecimento tem aqui dois significados. O primeiro faz referência
a algo que aconteceu, mas que ainda exerce influência sobre o nosso presente
provocando no pensamento o estranhamento com o passado, perante o que
aconteceu. Dessa relação de estranhamento com o passado irrompe um novo
começo, em o que de humano e inumano em nós se manifesta. O segundo
sentido faz referência ao que nos acontece aqui e agora e que traz as marcas do
imprevisto e produz uma ruptura entre passado e presente. O acontecimento
nesse sentido é da ordem do que não pode ser nomeado ou esgotado pelo
conceito, portanto, escapa à previsão por isso mesmo força o pensamento a
pensar. (BÁRCENA; VILELA, 2007, p. 17).

234 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

saberes em prol da sua prática. No entanto, a relação dos


professores com seus saberes não se processa dessa maneira,
pois os saberes oriundos da formação profissional, dos saberes
curriculares e do domínio das disciplinas, são exteriores à
prática docente e funcionam como “saberes de segunda mão”
(p. 40). A legitimidade do trabalho docente é conferida pelos
discursos científicos produzidos por especialistas no âmbito das
Universidades ou Centros de Formação e Pesquisa, cabendo aos
professores a tarefa de apropriar-se desses saberes no decorrer
de sua formação e prática profissional. O que se verifica é uma
ênfase exagerada na necessidade de os professores deterem o
domínio dos saberes científicos, sob a qual se oculta o desejo
de transformá-los em meros aplicadores de tecnologias e
estratégias pedagógicas. Essa instrumentalização da prática
docente, legitimada pelos discursos científicos, tem para Tardif
(2010) e Bárcena (2005) duplo efeito perverso: negligencia
e muitas vezes nega os saberes oriundos da experiência dos
professores e, como conseqüência, os professores não se
reconhecem nesses saberes científicos por estarem distantes de
suas vivências no contexto escolar.
A nossa preocupação a partir de agora será pensar
e reivindicar o lugar da experiência nas práticas escolares.
Não se trata nesse caso de negar a importância dos saberes
científicos para a formação dos professores, mas de ampliar
a noção de experiência incorporada aos saberes adquiridos
pelos professores em suas práticas cotidianas. Desse modo, nos
propomos compreender a experiência enquanto acontecimento
e possibilidade de abertura ao inesperado, nos termos como
se refere a ela Bárcena (2005) e Larrosa (2004a; 2004b). Para
Tardif (2010) os saberes profissionais dos professores são
heterogêneos e plurais e se manifestam num modo de saber-
fazer e saber-ser. O nosso intuito será acrescentar, ao saber-fazer
e ao saber-ser de Tardif (2010), o sentido do saber-expressar, o
qual se identifica com um novo modo de nomear e narrar o que
acontece na prática educativa. O saber-expressar tem vínculos
profundos com a narrativa poética.
Ao tratar dos saberes dos professores oriundos da
experiência e dos desafios que emergem imediatamente da
prática, Tardif (2010) menciona a dificuldade que os estagiários
(formação universitária inicial) têm em prestar atenção aos

junqueira&marin editores 235


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

fenômenos que acontecem em sala de aula, os quais não lhes


são familiares. A nosso ver esta não é uma limitação que atinge
somente aqueles que estão ingressando no magistério ou que
se preparam para o exercício da profissão professor, mas ela
é inerente ao trabalho do professor na escola, marcado pela
pressa, pela rotina e pela necessidade de dar respostas aos
problemas que emergem desse contexto. Esta constitui uma
situação que desafia o nosso modo de olhar e experimentar
o que acontece na escola. O trabalho de aproximação desses
fenômenos exige abertura e um trabalho de interpretação que
rompa com a noção do professor enquanto sujeito epistêmico.
A esse respeito afirma Tardif (2010, p. 104):

Nessa perspectiva, a cognição do professor parece ser largamente


interpretativa e lingüística, e não ‘computacional’: ela é menos um
sistema cognitivo de processamento da informação do que um processo
discursivo e narrativo enraizado na história de vida da pessoa, história
essa portadora de sentido, de linguagens, de significados oriundos
de experiências formadoras. Diferentes pesquisadores colocaram em
evidência justamente o caráter narrativo do saber docente, do qual
fazem parte metáforas e imagens centrais que descrevem a relação
com as crianças, a relação com a autoridade, o sentimento de caring (a
solicitude). (Grifos do autor).

É justamente esse o sentido da experiência que


buscaremos aprofundar na seqüência, acentuando a importância
da narrativa poética, do tato pedagógico e da solicitude na
prática pedagógica, aqui anunciados por Tardif (2010), mas não
desenvolvidos.
Segundo Bárcena (2005), a ênfase que tem sido dada
ao saber-fazer, na perspectiva dos saberes científicos e da
racionalidade institucional nas práticas educacionais, dissolve
a singularidade da experiência. A educação, como parte
constituinte da experiência humana se desenvolve a partir
do confronto com o que é estranho em nós e no mundo,
enfim, em confronto com o que há de natureza em nós e que
escapa a qualquer saber ou modelo prévio. É nesse sentido
que a pedagogia enquanto um discurso prático busca explicar
as regras e os princípios do que consiste a educação, mas lhe
escapa o sentido dessa prática como arte. Os especialistas

236 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

sabem explicar e dizer como fazer, mas em muitos casos


desconhecem o sentido da práxis educacional na qual se insere
a prática dos professores.
Tanto para Bárcena (2005) quanto para Larrosa (2004a),
a inabilidade para experiência decorre da dificuldade dos
educadores em lidar com as ambiguidades e incertezas próprias
da prática pedagógica que traz em si as marcas da contingência
e da singularidade. Quando os educadores se deparam com
situações que tem que ser lidas e significadas recorrem aos
modelos teóricos e às técnicas que dizem como fazer. Esses
expedientes, embora importantes, muitas vezes limitam o
trabalho de reflexão acerca do que acontece nas práticas
cotidianas, pois se antecipam ao exercício da reflexão e a
experiência do próprio pensamento, colocando imediatamente
em funcionamento os discursos de verdade.
A noção de experiência pensada por Bárcena (2005) e
Larrosa (2004a; 2004b) nas práticas educativas vincula-se a
uma outra que é a de acontecimento5. Se no conhecimento
científico se busca fixar por meio da experiência a regularidade
das leis que regem determinado fenômeno, para que se possa
repeti-lo e controlá-lo em ocasião futura, a experiência da
qual tratam os autores tem um sentido negativo, pois “produz
no indivíduo um acontecimento que rompe com qualquer
previsão que se tenha estabelecido.” (BÁRCENA, 2005, p. 61).
A experiência como acontecimento porta o inesperado que não
cabe no cálculo e na previsão, portanto, não pode ser regido
pela lógica do saber pelo saber. Há duas maneiras para se lidar
com o acontecimento: incorporando-o ao modelo explicativo de
significação geral, como por exemplo, o modelo científico, ou
podemos construir sobre ele uma narrativa que dê testemunho
de sua singularidade. Neste último caso, é possível compreender
o acontecimento, sem eliminar o que há nele de estranho e de
novidade. É dessa perspectiva que a narrativa poética pode
funcionar como um gesto de aproximação do objeto sem
submetê-lo a um significado prévio dado pela escritura científica
ou por categorias universais.
Pensar educação como lugar do acontecimento exige o
aguçamento dos sentidos, do nosso olhar, da nossa mirada
pedagógica, de onde se poderá vislumbrar o que rompe a
continuidade do aparentemente rotineiro no tempo escolar.

junqueira&marin editores 237


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Por essa razão, escreve Bárcena (2005, p. 67): “[...] temos


que pensar que a educação é suscetível de uma descrição
sensível”. O pensamento educacional não pode compreender
o que acontece no espaço da escola apenas na perspectiva
cognitiva e racional. Para pensar a educação como experiência,
como acontecimento, é importante reconhecer sua dimensão
estética, por meio da qual se tem “[...] a possibilidade de reter
particularidades que são irredutíveis ao pensamento racional,
oferecendo refúgio à pluralidade, à diferença, ao estranho,
influenciando na criação de novos modos de vida e de novos
orientações para o agir.”(HERMANN, 2010, p. 67).
A estética está tomada aqui em seu sentido grego
aisthesis que significa percepção pelos sentidos, sensibilidade
ou conhecimento sensível, senso de percepção. Não se trata,
portanto, da estética como ciência do belo, mas como percepção
da negatividade que rompe com nossa estrutura de pensamento
e nos permite o encontro com a alteridade que cobra sentido.
O vínculo entre educação e juízo estético nos indica o
quanto a prática pedagógica e a experiência que nela se constrói
estão perpassadas pelo exercício permanente do julgar. A prática
pedagógica demanda o juízo como faculdade prática, como juízo
prudencial. Aristóteles (1973) definia o juízo prudencial como
phronesis, como sabedoria prática, como capacidade de julgar
em ação. Pensado nesses termos o juízo prudencial atende as
contingências e as singularidades do contexto em que ocorrem
as práticas educacionais, nas quais somos solicitados a todo
instante a julgar, decidir e fazer escolhas, mas não dispomos
de critérios claros e objetivos que nos oriente na ação. No
juízo prudencial (phronesis), assinala Hermann (2010): “[...]
não é possível alguém possuir um conhecimento antecipado,
que lhe assegure como agir em cada situação, devido às
singularidades e exigências imanentes à própria situação [...].”
Assim, a capacidade de julgar e discernir não tem origem numa
consciência que se coloca de fora da ação e das incertezas que
ela comporta, mas ela emerge da própria práxis.
A práxis educativa exige do agente o exercício da
interpretação, portanto, ela traz um momento hermenêutico
em que as situações singulares, contingentes e carregadas de
incertezas, cobram sentido. Esse momento hermenêutico,
destaca Bárcena (2005), necessita de uma arte especial por ele

238 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

denominada de tato pedagógico que é a capacidade de julgar


no cenário das práticas educacionais, o que requer imaginação,
posto que não temos um conjunto de regras que possa nos
orientar como fazer. Assim, em sua prática o professor tem que
tomar decisões, elaborar juízos sobre sua práxis, atravessá-la e
aprender em que consiste sua arte.
O tato pedagógico requer a percepção estética, ou seja,
um sentido intenso acerca do que se deve dizer e fazer, tendo
em vista manter o respeito e o convívio sem ofensas. No entanto,
é preciso dizer também que não se trata de uma sensibilidade
frágil ou submissa, mas antes de uma sensibilidade que seja
capaz de definir, mesmo em sua suavidade, características
que são demandadas na natureza da relação pedagógica.
Sensibilidade nesse caso, não se identifica com licenciosidade
e falta de compromisso do professor com sua prática. O tato
pedagógico envolve uma atitude de solicitude e atenção para
com aqueles que estão em processo de formação, bem como
envolve a capacidade de transformar situações, às vezes pouco
produtivas e interessantes em sala de aula, num acontecimento
pedagógico. Nesse sentido, o tato pedagógico se filia a
experiência enquanto lugar do acontecimento, do qual emerge
a busca de uma compreensão de sentido.
A busca por compreensão constitui o momento
hermenêutico da prática pedagógica, no qual a conversação
ocupa lugar de destaque. Em educação conversamos com o
legado deixado pela tradição pedagógica. Esse diálogo se dá com
um outro que se manifesta simbolicamente no saber e em seu
aprendizado. É um saber da memória que nos confronta com
o que foi esquecido e nos faz desejar o que ainda não temos e
nem somos. A conversação envolve a arte de dividir a palavra e
pode resultar dela o imprevisível, o acontecimento. (BÁRCENA,
2005).
Por outro lado, pela conversação nos sintonizamos com
nosso tempo presente. O mais importante não é que todos
estejam de acordo, mas que se ponham na conversa, para que
as diferentes posições se manifestem. A conversação é o espaço
da experimentação com a linguagem, em que a pluralidade
das vozes ganha expressão. Por essa razão, ela se constrói a
partir de uma nova forma de narrar o que acontece nas nossas
práticas educativas, em função de se dar voz ao singular que

junqueira&marin editores 239


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

escapa a qualquer idéia reguladora. É dessa perspectiva que


Bárcena (2005, p. 200) reivindica uma poética da compreensão
para a educação que poderia influenciar na construção dos
juízos pedagógicos. Assim, o que irrompe de forma abrupta no
contexto das práticas escolares poderia se deixar esclarecer por
meio de uma aproximação poética. Pensar educação escolar a
partir de uma narrativa poética não significa aqui estetizar o que
lá acontece ou construir uma imagem romantizada da escola
que em nada lhe corresponderia. A narrativa poética funcionaria
como esforço em reinventar a linguagem para significar as
experiências e os acontecimentos que não cabem nos saberes
científicos, pois ela pode expor o que há de ambíguo na condição
humana, na medida em que não estamos imunes à prática da
barbárie. Deste modo, a narrativa literária e a linguagem da
arte em geral poderiam nomear o que acontece nas práticas
educativas e que dá a pensar.

algumas considerações
Buscamos argumentar ao longo desse capítulo que há
na experiência vivida na escola um resto que não pode ser
apreendido pelo conceito, pois o transborda. Isso que excede
e ultrapassa os saberes científicos impõem sérios limites à
linguagem que deseja nomeá-lo. Esse resto, essa sobra, rompe
com a linearidade da razão argumentativa, por isso mesmo
requer um novo modo de narrar, por meio do qual as fissuras do
contexto escolar sejam expostas. Por essa razão, reivindicamos a
narrativa poética como uma possibilidade de se poder significar
o que lá acontece. Não se trata de construir narrativas idílicas
sobre a escola, mas de encontrar uma outra linguagem que não
só passe pela experiência do fazer pedagógico, requerida pelo
exercício da profissão professor, mas que requer uma outra
sensibilidade.
Essa nova forma de narrar exige o aguçamento dos
nossos sentidos, pois nesse caso, conhecer não significa exercer
o domínio, mas se deixar atingir e ser tocado por aquilo que
nos desafia e cobra sentido, mas que só pode ser vislumbrado
em imagens. Assim caberia à narrativa poética em educação
manter a tensão entre os limites de se ter experiência no
presente e a busca por sentidos sobre o que traz as marcas da

240 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

indeterminação e da incerteza. Isso significa reconhecer que por


mais certeza que os saberes pedagógicos possam nos trazer, há
sempre um não-dito e um não-oficial na relação pedagógica. A
narrativa poética, talvez, poderia reabilitar o estranhamento por
meio da reconstrução de imagens que revelassem o que há de
obscuro, opaco e ambíguo nesse contexto. Esse tipo de narrativa
demanda um reaprendizado da palavra e da imaginação. Este
reaprendizado está prenhe de uma atitude ético-estética que
requer uma reorganização da nossa percepção da escola.
Pensar ou reivindicar a experiência no contexto das
práticas escolares requer como nos sugere Larrosa (2004b) um
gesto de interrupção, algo difícil de acontecer em nossos dias,
pelas razões que acima apontamos. No entanto, esse gesto exige:
“[...] parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar,
pensar mais devagar, olhar mais devagar e escutar mais devagar;
parar para sentir, [...] demorar-se nos detalhes, suspender a
opinião, suspender o juízo, [...] suspender o automatismo da
ação, cultivar a atenção e a delicadeza [...].” Cultivar esses gestos
exige que cada um se exercite no cultivo de si, volte sobre si
mesmo e se interrogue acerca daquilo que lhe acontece. Essa
atitude talvez possa nos devolver o estranhamento como pathos,
como condição do próprio pensamento e, quem sabe, resgatar a
experiência como travessia, como viagem, na qual nos expomos
aos riscos, aos perigos e às incertezas. ⌂

referências

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TÜRCKE, Christoph. Sociedade excitada. Filosofia da sensação. Tradução de
Antonio A. S. Zuin, et al. Campinas, Editora da UNICAMP, 2010.

242 junqueira&marin editores


alma e corpo – ética deontológica
da profissão docente – um
constructo identitário

Maria Teresa de Carvalho Gonçalves Samora Macara


Maria Clara Correia Ferreira Lino
António das Neves Duarte Teodoro
UNIV. LUSÓFONA - PT

A profissão docente vive tempos difíceis. O Ministério da


Educação procura reconfigurá-la na perspectiva de um quase mercado
educativo e da diminuição dos custos da função pública; os casos
de indisciplina e de violência na escola, envolvendo alunos, pais e
professores fazem do campo de acção destes um desafio permanente,
colocando o self e a profissionalidade num terreno incerto.
A comunicação social dá visibilidade a esta crise da Escola e todos
os comentadores se arrogam olhares de peritos, afirmando a Educação
como res publica, cujo campo é pertença de todos, da sociedade civil,
dos intelectuais, dos movimentos sociais, dos sindicatos, dos técnicos e
dos media, construindo circunstancialmente uma opinião pública. Esta
dá suporte às políticas, mas pouco contribui para o debate essencial
que devia mobilizar os agentes mais directos, os professores, como
oficiais do ofício, portadores (ou não?) de uma identidade e ética
profissionais que deve fazer-se ouvir.
Para a escola, onde reside a profissão docente, confluem todas
as crianças e jovens entre os três e os dezoito anos e ainda, até final
do secundário, em acumulação, todos os muitos que não completam
a escolaridade no tempo previsto e permanecem no sistema até à
capacitação/credenciação para prosseguir estudos superiores ou a
vida activa no mercado de trabalho. É a escola de massas massificada,

junqueira&marin editores 243


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

com estabelecimentos de ensino de 2º e 3º ciclo e secundário com


número de alunos na classe do milhar, socializando e aprendendo
de toque em toque, de sala em sala e de professor em professor,
muitas horas por dia. Um “imenso parque de estacionamento, onde
se encontram jovens com as mais heterogéneas origens sociais,
étnicas ou culturais e os mais díspares projectos de vida e aspirações
sociais” (TEODORO, 2006, p.17). Parecendo bandos de pardais... ou
de gaviões à solta, conforme tragam em si sementes de alegria e
curiosidade ou de frustração e violência.
Para lidar com tal diversidade e a emergência de contínuas
mudanças e imprevisibilidades, o perfil docente tem que deter
características específicas integrando a enunciação de uma
deontologia própria e os profissionais têm que poder contar com o
enquadramento sistemático e reflexivo da organização em que se
integram, para que seja possível levar a bom termo os objectivos de
ensino-aprendizagem com a incorporação de valores intemporais ou
dos que a sociedade apologiza num determinado contexto histórico.
Na verdade, apesar dos problemas, os profissionais de
educação e as autoridades que os tutelam vêm mantendo
uma gramática de escola incapaz de rupturas com um modelo
que devemos seriamente interrogar. E, nesse questionamento,
integremos a problematização do conceito de autoridade – que
a Escola não pode dispensar tê-la –, quer como instrumento que
torna possível realizar/tornar aceitável o trabalho dos professores,
quer como valor social cujo respeito se inculca, versus liberdade de
expressão de inconformismos (in)aceitáveis.
Como a autoridade de quem ensina assenta numa dupla
obrigação – o governo da conduta alheia exige o governo de si (GARCIA,
2009) –, a tarefa da pedagogia é eminentemente moral. O trabalho
sobre as consciências e os instintos humanos nas democracias
actuais exige o autogoverno e a autorregulação daqueles que o
exercem. Certo é que, neste quadro, os professores não podem mais
exercer em solidão, vivendo a gestão dos dilemas e das tomadas de
decisão na sala de aula, sem que exista uma reflexão colectiva, uma
psicoterapia de empoderamento que reflicta a sustentabilidade de
uma ética comum da acção educativa.
Enquanto alguns investigadores reclamam da bondade de
um futuro código deontológico escrito e autónomo como factor
de legitimação e afirmação social e até auto-conceito profissional
(ESTRELA, 1986; SILVA, 1994; CUNHA, 1995; SEIÇA, 2003; MONTEIRO,

244 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

2004; VEIGA, 2005; TEODORO, 2006), Baptista (2002), entende


existir num Estatuto da Carreira Docente, um código deontológico
explícito que é, na verdade, mais outorgado que construído pelos
profissionais. Como Santos, (2007), parece-nos que:

(...) por muito que alguns autores e instituições queiram fazer crer o
contrário, (...) estatuto de carreira e código deontológico são instrumentos
distintos e respondem a motivações diferentes. O primeiro estabelece uma
relação contratual e representa a perspectiva e o interesse da entidade
patronal, o segundo contribui para a identificação da identidade da classe e
do seu ideal profissional. Estes dois direitos não se podem substituir, antes
devem complementar-se (p.40).

Em momentos diferentes da história da profissão docente se


questionou a utilidade do registo de uma deontologia da profissão
capaz de dar coesão e sentido colectivo à actividade docente. Mas, a
maior parte das vezes, com o pressuposto da criação de uma entidade
jurídica – a Ordem – rivalizando com os Sindicatos. Na verdade,
sendo um grupo profissional numeroso e com forte representação
associativa que pode assumir a preparação de um tal código onde
a classe se reveja, tal não aconteceu e os professores têm vindo a
partilhar uma ética tácita, expressa na sua conduta performativa,
que advém da sua vivência enquanto cidadãos e profissionais da
educação, mas que não se encontra num registo sistematizado; é
uma identidade oculta, que se baseia em pressupostos difusos que
circulam entre os professores e/ou se encontram em documentos
reguladores da profissão, emitidos pelo Estado, e mais ou menos
negociados com a classe24.

24. João Granjo (Braga, 2010), pela Direcção da Associação Nacional de Professores,
relança o debate:
O estudo “Auto-regulação da Profissão Docente – para cuidar do seu valor e dos
seus valores”, desenvolvido pelo Professor Doutor A. Reis Monteiro, mediante
solicitação da Associação Nacional de Professores ao Centro de Investigação em
Educação da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, vem demonstrar
a importância e a necessidade de um órgão de auto-regulação da profissão
docente em Portugal.
(…) a Associação Nacional de Professores há muito que vem manifestando a
convicção de que um elemento chave para a profissão docente é, sem dúvida,
a sua regulação. Uma regulação que vá para além das questões do estrito foro
laboral ou do mero estabelecimento normativo de um quadro de deveres e
direitos funcionais. →

junqueira&marin editores 245


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Nas bocas do Mundo, em que todos parecem saber


da profissão de professor, atacada pelo gerencialismo que
frutificou na moral neoliberal que diz que somos o que e
quanto produzimos e cuja ética é a de atingir tal desiderato a
qualquer preço/custo, não será que é chegado o momento de
os professores produzirem, colectivamente, uma declaração de
princípios? Poderá ela ser, a par das movimentações grandiosas
que mostram a força específica que é possível mobilizar, o
instrumento necessário de afirmação que evidencie a diferença
que o ofício comporta já que a pretensa igualdade nos está
descaracterizando? Posto que a conduta moral tem que ser
e vem sendo construída, não será de a tornar pública, após
um esforço convergente da sua definição, animada e subscrita
por uma plataforma comum das associações representativas?
Simples Declaração de Princípios ou magna Carta da Profissão
Docente, para que se saiba que sabemos quem somos e como
fazemos, e revermo-nos no que dizemos que e como somos e
fazemos; e que, aos professores o que é dos professores.
Parece-nos pois pertinente retomar esta questão,
pela urgência do momento em que, pelas piores razões,
a comunicação social traz à luz a crise de identidade que
atormenta professores no seio da Escola, espaço socializador
dos alunos, por excelência, a par da Família, de que resulta
a emergência de processos de violência sobre o Outro e de
enorme sofrimento, cuja gravidade se derrama para além dos
muros da instituição que silencia. Para que os Professores
enquanto Corpo se revejam e renovem no espírito da sua
praxis enquanto Alma.

Com isso quer-se afirmar que o exercício da profissão docente há-de ter por
necessário e indispensável a criação de um instrumento interno de auto-
regulação, de garantia pública da permanente qualidade dos professores
pela via da exigência de elevados padrões éticos, deontológicos, científicos e
pedagógicos.
Reconhecemos, no entanto, que embora esse seja um dos grandes objectivos
da ANP, é uma questão que está para além do universo dos seus associados, diz
respeito e importa a todos os docentes.
Assim, propomo-nos, no futuro próximo, abrir um espaço de debate no seio da
classe e contar também com a desejável participação de todas as organizações
profissionais.
(http://www.anprofessores.pt/portal/PT/861/default.aspx, consultado em 19
set 2010)

246 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Os professores, vivem, no exercício da sua profissão,


tempos difíceis e o futuro das sociedades humanas é, na
melhor das hipóteses, incerto. Catapultadas por este
sentimento, ousamos apresentar aqui alguns dos percursos
da nossa reflexão, ancoradas em quem antes de nós se
debruçou sobre o assunto, no depoimento de colegas
professores e na nossa leitura participante (do mundo e) da
profissão docente.

dimensões éticas da escola


Etimologicamente, deontologia é o tratado do dever ou
o conjunto de princípios adaptados com uma finalidade (neste
caso, regular ou orientar determinado grupo de indivíduos no
âmbito de uma actividade laboral, para o exercício de uma
profissão). A par desta ideia de tratado, a Ética viria a ser
entendida como a ciência do comportamento moral dos homens
em sociedade, mas também como o conjunto de princípios a
orientar o relacionamento humano no seio de uma determinada
comunidade social. A partir daqui, fácil se torna conceber uma
ética deontologicamente firmada e voltada para a orientação de
uma actividade profissional, mormente a docência.
Já a Europa da segunda metade do século XVIII procurou
esboçar o perfil do professor ideal: “(...) deve ser leigo ou
religioso? Deve integrar-se num corpo docente ou agir a título
individual? De que modo deve ser escolhido e nomeado? Quem
deve pagar o seu trabalho? Qual a autoridade de que deve
depender?” (NÓVOA, 1999, p. 15)
Segundo Nóvoa, a relação entre os professores e o
saber, que a pedagogia introduz, atravessa toda a sua história
profissional:

Assinale-se, a título de exemplo, que a hierarquia interna à profissão


docente tem como critério um saber geral, e não um saber específico,
isto é, um saber pedagógico. Por outro lado, é importante sublinhar
que este corpo de saberes e de técnicas foi quase sempre produzido
no exterior do “mundo dos professores”, por teóricos e especialistas
vários. A natureza do saber pedagógico e a relação dos professores ao
saber constituem um capítulo central da história da profissão docente
(NÓVOA, 1999, p. 16).

junqueira&marin editores 247


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Parece-nos claro que, hoje, tal saber pedagógico desagua


na execução ética da profissão docente que, parafraseando Silva
(1997), tem subjacente a constituição ética do pedagogo e a sua
habilidade para intervir com autoridade junto dos jovens, na sua
área científica e na gestão de comportamentos e atitudes.
Na perspectiva de Santos (2007), as normas de ensinar
de cada professor, como ente autónomo, pedagogicamente
falando, deverão caucionar o eticamente correcto em
contexto de sala de aula, garantindo que todos os alunos, não
só interiorizem os conteúdos leccionados, como se possam
formar integralmente como indivíduos pertencentes a uma
sociedade. Então, “a educação moral e ética dos alunos e a
autonomia pedagógica do professor [surgem] como as duas
linhas mestras de todo o processo de ensino – aprendizagem”
(SANTOS, 2007, p.13). O professor age, enquanto ensina, de
acordo com princípios éticos. Ensina os conteúdos da sua
disciplina, transmite saberes, organiza a prática lectiva, critica
ou elogia comportamentos, realizando, ainda que a nível
inconsciente, escolhas éticas.
Contudo, a diferentes momentos sócio-históricos
podem corresponder diferentes incumbências éticas a
atribuir à profissão docente. Por exemplo, no período pós
revolucionário e de reconstrução do Sistema Educativo em
democracia, a Direcção Geral do Ensino Básico, apresentava
como objectivo o de, “na tradição sergiana, afirmar uma nova
concepção do papel do professor ” (TEODORO, 2001, p.358).
Rogério Fernandes (1977), que era àquela data o Director
Geral, atribuía ao professor a “missão cívica de esclarecer o
povo, de explicar os problemas, com objectividade e verdade”,
acrescentando:

(…) [O] estatuto que a nova equipa da Direcção Geral do Ensino Básico
atribuía ao docente era o de cidadão pleno, o que lhe criava o dever
da intervenção cívica consciente. Não se tratava de fazer do professor
(…) um propagandista de qualquer regime, de qualquer partido ou de
qualquer seita. O professor deveria ser além de docente, na acepção
verdadeira da palavra, um dinamizador cultural do seu meio em
ordem à reconstrução da nação que o fascismo deixara devastada (…),
de tal sorte que a opressão e a exploração do homem pelo homem
desaparecessem para sempre da nossa terra. (p.136).

248 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Em coerência com tais objectivos, os “Programas do Ensino


Primário Elementar”, apresentados em 1975, formulavam para
a acção pedagógica certos princípios que deveriam nortear as
tarefas educativas, da seguinte maneira:

Educar é aceitar e respeitar a pessoa, ajudando-a a criar a sua felicidade


e a participar na felicidade dos outros; - Educar é formar homens livres,
isto é, homens capazes de se comprometerem conscientemente em
tarefas de emancipação individual e colectiva; - Educar é um caminho
para a extinção de privilégios económicos, políticos e culturais (p.11).

Já em 1996, a Comissão Internacional sobre Educação


para o Século XXI, coordenada por J. Delors, produzia para
a UNESCO o Relatório «Educação um Tesouro a Descobrir»
que, no seu capítulo VII, «Os Professores em Busca de Novas
Perspectivas», constatava que professores e escolas se
encontravam confrontados com novas tarefas tais como:

(…) Fazer da escola um lugar mais atraente para os alunos e fornecer-


lhes as chaves de uma compreensão verdadeira da sociedade de
informação; Espera-se [ainda] que os professores sejam capazes, não
só de enfrentar … [os] problemas [pobreza, fome, violência, droga] e
esclarecer os alunos sobre um conjunto de questões sociais, desde
o desenvolvimento da tolerância ao controle da natalidade, mas
também que obtenham sucesso em áreas em que os pais, instituições
e poderes públicos falharam muitas vezes; Devem ainda encontrar
o justo equilíbrio entre tradição e modernidade, entre as ideias e
atitudes próprias das crianças e o conteúdo dos programas […]; [mas
também] prolongar o processo educativo para fora da instituição
escolar, organizar experiências de aprendizagem […] estabelecendo
ligação entre as matérias ensinadas e a vida quotidiana dos alunos; O
professor [do século XXI] deve estabelecer uma nova relação com quem
está aprendendo (…) tornando-se não mais alguém que transmite
conhecimentos, mas aquele que ajuda os seus alunos a encontrar, a
organizar e gerir o saber, guiando, mas não modelando os espíritos, e
demonstrando grande firmeza quanto aos valores fundamentais que
devem orientar toda a vida” (DELORS et al., 1996, p.154).

Então, a deontologia, enquanto dimensão ética, marca


presença constante a diferentes níveis do contexto escolar:

junqueira&marin editores 249


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

(i) como qualidade do perfil docente em exercício, presente


no sujeito que o professor é e nas tecnologias performativas
que municiam a profissão segundo uma ética própria; (ii)
como código de valores a transmitir integrando um currículo
transversal de formação moral pessoal e social dos alunos; (iii)
como qualidade do perfil do aluno, enquanto tal, e enquanto
Ser Humano em formação/desenvolvimento.
Considerando estes três parâmetros como tendo
importância idêntica, trataremos aqui apenas o primeiro aspecto,
e salientamos que o terceiro requer uma reflexão urgente, um
olhar conjunto da comunidade científica e da sociedade em
geral, assumindo sua responsabilidade de hoje na sociedade de
amanhã.

deontologia da profissão docente


Há vários anos, Nóvoa (1999) apresentava o seguinte
diagnóstico, que se revela igualmente válido no presente:

Os professores encontram-se numa encruzilhada: os tempos são para


refazer identidades. A adesão a novos valores pode facilitar a redução
das margens de ambiguidade que afectam hoje a profissão docente.
E contribuir para que os professores voltem a sentir-se bem na sua
pele… (NÓVOA, 1999, p.20).

Também hoje o mal-estar docente está instalado nas


Escolas, porventura por outros motivos, que se prendem com
o que Teodoro (2006) chama “o paradoxo da performatividade
competitiva: os professores nunca trabalharam tanto para ver
tão poucos resultados do seu trabalho” (p.93), presos nas teias
da burocracia gerencialista, servindo rankings de resultados
que são o desafio do sistema e dão nome aos lugares onde
aparentemente reside a eficácia da empresa, incrementado o
individualismo e destruídas as solidariedades próprias duma
identidade profissional comum. E ainda assim desvalorizados
pelos alunos e famílias, pelos media e pela entidade patronal.
Apesar disto, o estudo empírico realizado por Silva (1994)
concluía já que o professor encara a ética profissional como uma
questão de cada um – “ (...) cada professor tem o seu código.
Tem deveres. É um código individual, não comum a todos os

250 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

professores nem explícito” (SILVA, 1994, p.173) –, mas que acaba


por ser a ética de muitos. Não se preocupando com a definição
desses parâmetros comuns que, face aos alunos, aos colegas,
aos pais e encarregados de educação e face à comunidade
educativa e à sociedade em geral, os torna actores de um campo
delimitado e portadores de saberes específicos duma arte que é
sua, mas que não afirmam publicamente, nem quando atacados
no seu campo por agentes externos: “ (…) paradoxalmente, os
professores definem a docência como uma ocupação ética mas
têm reservas quanto a que a sua actividade possa ou deva ser
regida por um código explícito e comum a todos os professores”
(SILVA, 1994, p.173).
Dez anos depois, a partir de outro estudo, no âmbito de um
Projecto Internacional25 que visava compreender os impactos
da globalização nos sistemas de ensino, do nível macro à sala
de aula, foi analisado o discurso de três grupos de professores
de diferentes regiões do país, respondendo à questão de saber
quais os valores presentes na Escola e nas práticas educativas,
concluindo-se que os professores mantinham no seu discurso a
admissão deste individualismo na profissão:

[O]s valores que são transmitidos dentro da sala de aula são aqueles
que o professor entende que são os primordiais. Eles variam de
professor para professor, cada professor tem uma forma de estar,
uma forma de ser, a sua metodologia (…). Os valores que eu considero
fundamentais, derivam exclusivamente da minha postura, da minha
maneira de ser. (C/Almada).

Poder-se-ia pensar que tal atitude é própria da natureza


de intelectual autónomo frequentemente atribuída ao professor,
mas poder-se-ia também pensar que ela configura uma
natureza intuitiva/maternal do professor pouco estruturado
como profissional. De acordo com a primeira hipótese, Baptista
(2002) sustenta que “as exigências que se colocam hoje aos
educadores reclamam um pensamento necessariamente crítico

25. Projecto Internacional Educando o Cidadão Global. Políticas de Equidade e


Inclusão, coordenado pelo Professor Doutor Carlos Alberto Torres, do Instituto
Paulo Freire (UCLA) e, em Portugal, pelo Professor Doutor António Teodoro
Doutor António Teodoro da ULHT. http://www.eduglobalcitizen.net

junqueira&marin editores 251


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

e alternativo, próprio de um intelectual autónomo e reflexivo


(...) no sentido em que o intelectual é muito mais do que um
membro de um grupo de especialistas” (p. 19). Permitimo-nos
comentar que, mais do que reforçar o intelectual autónomo
que, acreditamos, o professor deve ser, o que faz falta no
momento é reforçar a identidade comum que configura a ética
da profissão, por meio de uma profunda e sistemática reflexão
que não cristalize no tempo e que construa a sua declaração de
princípios, o seu código deontológico de referência.
Aquele carácter aleatório da prática docente, tão
assumidamente marcada pelo que o professor é como pessoa,
mal se modela na formação que o mune dos meios (conteúdos
científicos e metodologias) ajustados à (in)formação dos
indivíduos, pedindo-se-lhes, como afirma Silva (1997) que
livremente identifiquem, escolham e interpretem os fins que
com a educação se pretendem alcançar. Liberdade que o deixa
só, na responsabilidade, e vulnerável na avaliação externa.
De acordo com Silva (1997), essa relação particular
professor-aluno “é a ideia nuclear na concepção da docência”
(SILVA, 1997, p.171) e “o professor não pode por isso ser uma
pessoa qualquer” (SILVA, 1997, p.171), tem de ter um saber
profissional próprio, tem de ter um modo particular de ser e de
estar, que requer qualidades pessoais.
Atribuindo-se a função principal de educar os seus alunos
– o que é mais do que ensinar –, os professores afirmam a sua
profissão como ética, por excelência.

Ética, porque educar e formar é criar hábitos, é levar a que se adquiram


usos e costumes. É fazer com que alguém pertença, por identificação,
a uma comunidade, a uma cultura. É agir sobre a maneira de ser e
o carácter. É transformar a natureza humana, aquilo que somos
quando nascemos, por forma a que se comporte conforme aos usos
e costumes. (...) Ética também, porque esses hábitos, usos e costumes
são afectados de valores: isto é, educar e formar é criar bons hábitos.
De acordo com a moral em uso. (SILVA, 1997, p.172).

Afinal, neste estudo os professores atribuem à docência a


tarefa de produzir nos alunos uma transformação para melhor.
Trata-se pois de uma profissão que deve ser moralmente
regulada – quer pelo que lhe é proposto que faça, quer pelo

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

modo como lhe é exigido que o faça – apesar de os professores


entrevistados não afirmarem de forma clara o desejo de virem
a ter um código deontológico, não terem sobre ele, à altura, um
sentimento de necessidade e até duvidarem da sua utilidade e
vantagem e prevalecendo acima de tudo a norma ditada pela
consciência. Em síntese: “os professores entrevistados têm
da docência uma concepção mais ética que profissional (aqui
em sentido técnico), mais expressivo-relacional que cultural e
técnica” (p.172).
Definindo a docência como uma ocupação ética, como
convém então que os professores a exerçam? A resposta, de
acordo com a análise de conteúdo das entrevistas realizadas em
Silva (1997), é que o farão cumprindo deveres, afirmando, como
Santos (2006), que a ética desta profissão, como “a ética de
qualquer profissão, se materializa nos deveres, ou deontologia,
que todos os profissionais devem respeitar e cumprir”
(SANTOS, 2006, p.38). Deveres, em primeiro lugar, para com
os alunos e a turma, em segundo lugar para com os colegas e,
em terceiro lugar, para consigo próprio e seus ideais. Seguem-
se ordenadamente os deveres para com os encarregados de
educação, pais e famílias, para com a escola e seus órgãos de
gestão, para com o Ministério, para com outros trabalhadores
da escola, para com a sociedade, para com a comunidade local,
para com outras instituições escolares e académicas e, por fim,
para com as organizações sindicais de professores.
Por outro lado, “o desrespeito, a impaciência, a
agressividade, as ofensas a alunos, a perda do auto domínio,
constituem aquilo que os professores consideram a mais grave
quebra deontológica protagonizada pelos próprios” (SILVA,
1997, p.181), seguida da “deficiência na condução das aulas e na
administração do poder disciplinar [e] a injustiça na avaliação”
(SILVA, 1997, p.182). Em consequência e na óptica de Caetano
e Silva (2009), deve prescrever-se “o desenvolvimento de uma
ética que opera criativamente na confluência entre várias
perspectivas: onde uma ética da compreensão, pela reflexão,
empatia e equanimidade, se conjuga com uma ética do cuidado
e da rel(ig)ação, pela valorização do outro e das consequências
dos actos sobre os outros” (CAETANO & SILVA, 2009, p. 57).
É portanto na relação com os actores educativos – e
os alunos são-no, por excelência – e quando “os valores que

junqueira&marin editores 253


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

sustentaram a produção contemporânea da profissão docente


caíram em desuso, fruto da evolução social e da transformação
dos sistemas educativos” (NÓVOA, 1999, p.28), que os
professores devem afirmar a sua declaração de princípios e
assumir a pilotagem da profissão reafirmando a sua razão de
ser, autonomia, campo de acção e saber específico. Integrando
uma forte componente pedagógica que exclua práticas
discriminatórias mas que exclua também a consagração das
desigualdades sociais, cumprindo o mandato social primordial
pós-Revolução de Abril e rompendo com a aspiração neoliberal
meritocrática (re)emergente ou qualquer outro modelo que,
como este, faça perigar o caminho para a feliz realização de
todos sobre o planeta.
Na verdade, o quadro jurídico que estrutura o exercício
da profissão docente, seja no Estado ou numa entidade
privada, não deverá inibir a constituição da sua autonomia
profissional: “Só a omissão dos professores tem permitido a
interferência do Estado e, de uma forma geral, da sociedade,
na prescrição dos seus deveres profissionais e da interpretação
da acção educativa, tantas vezes redutora da liberdade e da
dignidade da classe” (SANTOS, 2007, p.41).
A formalização de um normativo de aplicação universal,
de acordo com o mesmo autor pode contribuir: “ (...) para a
transparência processual da acção educativa e para traçar uma
linha orientadora comum aos professores que os salvaguarde
da ambiguidade motivada por constantes reformas
administrativas, modas académicas, endoutrinações de
circunstância e das volúveis interpretações sociais.” (SANTOS,
2007, p.73)
Arvorando-se o normativo como um instrumento social
supra, isento e não neutral, e reconhecendo-se os professores
como uma comunidade específica na realização de tal projecto.
Para que a profissão docente não possa ser posta ao serviço de
lobbies e poderes alternantes e aleatórios.
Para a realização desse projecto, existem propostas ou
ensaios anteriores de código deontológico, de que apontamos
o de Ferreira e Formosinho (1996), que assumia “o papel
de regulador das práticas e das relações dos professores ao
nível geral, garantindo uma conduta moral e profissional
irrepreensível na prestação dos seus serviços” (p.269), e cujas

254 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

fontes foram constituídas, principalmente, pelos códigos


deontológicos das profissões liberais e carta deontológica do
serviço público.
Também o Estado, como a entidade responsável pelo
sistema Educativo Nacional e maior empregadora de professores,
consigna em Lei os princípios e os actos reguladores do exercício
dos seus funcionários, através de legislação basilar, que de
seguida referiremos, e que contribuem de algum modo para
trazer à colação vertentes a considerar num código outorgado
pelos docentes.
Por exemplo, a Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE),
Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, institui que a constituição do
corpo docente deve assentar em indivíduos portadores de
princípios de “ (…) formação pessoal e social adequadas ao
exercício da função”, determinados por uma “definição de
perfis de competência e formação” de acordo com as funções
a desempenhar.
Por sua vez, o Estatuto de Carreira Docente (ECD), Decreto-
Lei nº 15/2007, de 19 de Janeiro, na secção “Deveres”, afirma
que os professores e educadores devem “Orientar o exercício
das suas funções pelos princípios do rigor, da isenção, da justiça
e da equidade” (artigo 10º), bem como observar critérios de
qualidade, estabelecer laços de cooperação com os actores
educativos, realizar formação e aprendizagem ao longo da vida
para desenvolvimento pessoal e profissional, inovar, reflectir e,
sublinhe-se, cooperar com a política educativa.
Também o Ordenamento Jurídico da Formação de
Professores, Decreto-Lei nº 344/89 de 11 de Outubro, tomando
como referencial a LBSE, define “A formação inicial de educadores
de infância e de professores dos ensinos básico e secundário” e
determina que a mesma deverá ter como propósitos essenciais
“A formação pessoal e social dos futuros docentes, favorecendo
a adopção de atitudes de reflexão, autonomia, cooperação e
participação, bem como a interiorização de valores deontológicos
e a capacidade de percepção de princípios”.
Apesar de os docentes constituírem corpo especial
da Função Pública, regido por Estatuto próprio, do Sistema
Retributivo da Função Pública (NSR), Decreto-Lei nº 184/89
de 2 de Junho salientamos o artigo explicitamente intitulado
“Deontologia do serviço público” que estabelece: “No

junqueira&marin editores 255


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

exercício das suas funções, os funcionários e agentes do


Estado estão exclusivamente ao serviço do interesse
público, subordinados à Constituição e à lei, devendo ter
uma conduta responsável e ética e actuar com justiça,
imparcialidade e proporcionalidade, no respeito pelos
direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos”.
Para a Administração é elaborada uma Carta
Deontológica do Serviço Público, pela Resolução do
Conselho de Ministros nº 18/93. O seu texto assume a
intenção de munir o serviço público de valores deontológicos
portadores de uma nova utilidade e significado uma vez
que:

A afirmação dos direitos e garantias dos cidadãos que tem


norteado a acção governativa em matérias como o Código do
Procedimento Administrativo e outras medidas legais tem como
pressuposto a existência de valores éticos de serviço público
que devem inspirar o comportamento dos funcionários, os
quais, embora não expressos, são há muito princípios da função
pública que há que explicitar” (DR-I Série-B-nº64-p.1272).

Então, se a difusão dos valores do serviço público


através da publicação desta Carta, “constitui uma
afirmação da consideração e dignidade da função
pública e o reconhecimento do eminente valor moral e
social do serviço que se presta aos outros” (DR-I Série-
B-nº64-p.1272), quanto mais pertinente não seria uma
especificação semelhante em função da profissão docente!
Pode ler-se ainda neste diploma que “é também necessário
que essas qualidades [dos funcionários públicos] sejam
permanentemente inspiradas pelos valores éticos (…)
uma vez que não basta «fazer»; importa também «quem»
faz e o «modo» como se faz” (DR-I Série-B-nº64-p.1272).
Esta carta apresenta-se como sendo “um guia que, por
ser moral, se coloca aos níveis mais elevados de exigência
das consciências individuais (…) os deveres éticos
ultrapassam os meros deveres jurídicos, deixando para
estes as incidências disciplinares e reservando para os
primeiros a censura da consciência colectiva” (DR-I Série-
B-nº64-p.1272).

256 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

conclusão
De acordo com Nóvoa (1999), a inexistência ao longo dos
tempos de uma codificação formal de regras deontológicas,
elaborada pelos professores, explica-se “ (...) pelo facto de
lhes terem sido impostas do exterior, primeiro pela Igreja e
depois pelo Estado (...). E, no entanto, é incontestável que os
professores integraram este discurso, transformando-o num
objecto próprio” (p.16).
A associação à Escola de um papel emancipatório através
da Educação e do Conhecimento que ela transmite, era em si
mesma, de acordo com Freire (2002), um valor reconhecido,
um direito universal na medida em que se olhava para ela como
o meio de atingir o desenvolvimento e formação pessoal, a
habilitação, a competência, o acesso ao trabalho e à mobilidade
social, a uma vida sustentada mais digna e autónoma, a um
desempenho social mais informado e a maior capacidade de
escolha.
Nos nossos dias, esse pragmatismo da Escola está sendo
posto em causa pelos próprios jovens e ganhando a descrença
dos pais em que ela seja o elevador social por excelência, que
colocará os seus filhos numa vida melhor que a sua. Daí muito
da sua desvalorização.
Passar valores a quem desvaloriza a escola e os seus
actores, é tarefa árdua e que carece da presença de uma ética
da acção e da relação. O professor de Matemática é avaliado
pelo programa dado e pelo sucesso dos seus alunos. Mas para
atingir bons desempenhos nestes parâmetros é necessário
«ter a turma na mão». Para o conseguir, logicamente, tem que
consumir tempo para dialogar, ouvir e gerir conflitos, processos
estes em que se passam valores, mas que, apesar de estruturais,
não têm coluna/parâmetro a preencher no relatório final da
accountability e da avaliação do desempenho docente quando:

Levar os alunos a reflectir sobre a sua própria condição humana é


um objectivo cujo cumprimento todo o professor se deveria exigir.
No entanto, actualmente, tudo parece conjugado no sentido de o
impedir, assistindo-se à mais completa infantilização e imbecilização
dos alunos, através da elaboração de programas e esvaziamento dos
seus conteúdos e imposição de estranhas pedagogias, que mais não

junqueira&marin editores 257


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

fazem que acentuar o fosso entre ricos e pobres. (...) pois se não [for] a
Escola a acrescentar algo ao discurso que os alunos, socialmente mais
fragilizados, trazem de casa, quem o [fará]? (VIEIRA, 2007).

A análise do conteúdo dos discursos dos professores,


recolhidos em 2004, evidencia a consciência de um conjunto
de valores e normas de conduta, alicerçadas na metacognição
do senso comum de quem abraça a profissão, das suas
associações, do Estado e da sociedade em que se insere,
que se articulam como deveres profissionais. No tratamento
da questão colocada percebemos também que a ausência/
alteração de valores na escola, em particular no que respeita
aos alunos, era transversal a todo o discurso dos professores
e já transmitia grande inquietação. Tornou-se evidente a
consciência de que o Sistema Escolar assume a transmissão
de conhecimentos às gerações em idade escolar (Ensino) mas
também a Educação (Sistema Educativo), papel partilhado
com a família mas de que esta está cada vez mais ausente,
acrescentando múltiplas e complexas funções ao exercício
da profissão: “Há, desde as duas últimas décadas, um certo
consenso, nas políticas educativas, quanto à necessidade
de que a escola desempenhe um papel mais activo no
desenvolvimento dos valores nos alunos na medida em que
outras instituições da sociedade se vêm demitindo das funções
que lhe cabiam” (A/Almada).
Por maioria de razão, os professores precisam de reforçar
os processos de (re)construção identitária e a sustentabilidade
da prática docente na enunciação de normas deontológicas
que contribuam para a união dos professores em torno de
um ethos profissional, o que será tanto mais profícuo, de
acordo com Santos (2006), “quanto mais partilhada for por
todos aqueles a que se dirige, [pois] uma classe unida, que se
auto regula profissionalmente de forma autónoma, transmite
uma imagem de competência, de controlo e permite o
desenvolvimento de uma identidade própria”. (p.55)
Como Nóvoa (1999), pensamos que: “Os professores
têm de reencontrar novos valores, que não reneguem as
reminiscências mais positivas (e utópicas) do idealismo escolar,
mas que permitam atribuir um sentido à acção presente. Por
outro lado, precisam de edificar normas de funcionamento e

258 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

regulações profissionais que substituam os enquadramentos


administrativos do Estado” (p.29).
Desejamos que o correr dos dias e do tarefismo não torne
inerte o intelectual autónomo que colectivamente dizemos ser. ⌂

referências
BAPTISTA, I. Ética e Identidade Profissional Docente. A Página da Educação, n.º
105, Ano 10, Agosto/Setembro, 2001.
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DELORS, J.et al. Educação: um Tesouro a Descobrir. Relatório para a UNESCO
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MONTEIRO, R. Educação & deontologia. Lisboa: Escolar Editora, 2004.
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junqueira&marin editores 259


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legislação

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Educativo (LBSE)
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Deontológica do Serviço Público, elaborada para a Administração.
PORTUGAL. Decreto-Lei nº 15 de 19 de Janeiro de 2007. Estatuto de Carreira
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PORTUGAL. Programas do Ensino Primário Elementar (1975). Lisboa: Direcção
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referências electrónicas

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Consultado em 10 set. 2010 de http://escola-publica.blogspot.com/2007/05/
maria-do-carmo-vieira-em-defesa-da.html

260 junqueira&marin editores


educação em valores e
representações docentes:
quem educa o professor?

Maria Suzana De Stefano Menin


Patricia Unger Raphael Bataglia
Alessandra de Morais-Shimizu

UNESP - BRASIL

1. introdução
Neste capítulo, descrevemos representações de agentes
escolares sobre Educação em Valores obtidas por meio de uma
pesquisa realizada junto a diversas escolas públicas brasileiras
de ensino fundamental . Relatamos, também, uma experiência
desse tipo de educação ocorrida numa escola pública no estado
do Ceará (nordeste brasileiro), e, a partir dela, discutimos a
formação de professores para atuarem nesse campo.
No cotidiano escolar, a Educação em Valores, também
chamada de Educação Moral, pode ocorrer de forma explícita
e planejada ou implícita e casuística. Como ponto de partida,
consideramos como Educação em Valores aquela que tem
por finalidade a transmissão, e/ou construção e prática, de
princípios, valores, normas e regras que orientem as pessoas, no
caso, escolares, a viverem o mais harmonicamente possível com
os demais e dentro do que se considera, na cultura, como bom,
correto, justo. Esclarecemos, ainda, que, apesar de diferentes
definições encontradas na literatura, tomamos, neste texto, os

junqueira&marin editores 261


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

termos “Educação Moral” e “Educação em Valores” “Ética e


Cidadania” ou ainda, “Educação em Direitos Humanos”, como
sinônimos. Consideramos, ainda, que, mesmo que muitos
valores não sejam morais (LA TAILLE, 2009), constatamos que,
normalmente, quando educadores se referem ao âmbito da
Educação em Valores, estão implícitas escolhas e finalidades
morais.
O Brasil teve em sua história diferentes modos de
tratar a Educação em Valores. Até bem pouco tempo, quando
falávamos em Educação Moral, logo nos lembrávamos de
“Educação Moral e Cívica”, disciplina obrigatória dos tempos
de ditadura militar, entre os anos 1960 e 1980. Esta educação
se fazia nas escolas por meio de disciplinas, professores e
manuais específicos, e tinha como finalidade a formação
do cidadão obediente às normas e às autoridades, além do
controle da ordem social e da adequação às leis.
Com a abertura democrática no final dos anos 1980,
os programas de Educação Moral e Cívica foram abolidos e,
por alguns anos, vivemos nas escolas um vazio nessa área.
A Educação Moral passou a ser assunto apenas de escolas
confessionais, ou de certos professores que buscavam em
critérios pessoais ou na religião, os motivos, os conteúdos e os
meios de fazê-la.
No final dos anos 1990, por iniciativa governamental,
foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais de
Educação (BRASIL, 1998) e neles apareceu, novamente, a
Educação Moral mais voltada à Ética e como um tema transversal
de ensino. Nessa proposta, inspirada em autores da Psicologia
do Desenvolvimento, como Piaget (1932/1977), há ênfase na
construção e nas vivências de valores como respeito mútuo,
solidariedade, diálogo e justiça em vários espaços escolares, e
não como uma disciplina específica. Busca-se, uma educação
mais democrática, laica, que conte com a participação de
vários membros da escola e que construa valores nos alunos de
modo mais participativo, consciente, autônomo. No entanto, o
ensino da Ética como um tema transversal dos PCNs, foi pouco
assimilado pelas escolas brasileiras, públicas ou confessionais
e a Educação Moral continuou se fazendo de maneira expressa
e planejada ou acontecendo ao sabor de preferências pessoais
de professores.

262 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Mais recentemente, por volta do início dos anos 2000,


graças a um incentivo crescente do Ministério da Educação e
Cultura (MEC) e de certas Secretarias Estaduais e Municipais, e em
consonância com demandas mundiais e da globalização, propõe-
se às escolas a inclusão da Educação em Direitos Humanos,
na qual os princípios e os artigos da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (ONU, 1948) são focos de conhecimento, de
vivências e de possíveis incorporações pelos alunos. Acredita-
se que a Declaração – por expressar um código reconhecido
mundialmente com valores universalizáveis – é a explicitação de
princípios e valores éticos que temos até agora e que conhecê-
la, compreendê-la, pô-la em prática, é a melhor forma de educar
moralmente. Surgem, então, projetos de Educação Moral nas
escolas brasileiras, voltados para a aprendizagem e o exercício
do respeito a diversos direitos humanos.
Nesse transcorrer histórico da Educação Moral no Brasil
observamos que essa forma de educação passou a ser vista de
diferentes maneiras, possibilitando o surgimento de diversas
representações sobre o tema. E é nessa direção que se inseriu o
objetivo da pesquisa da qual apresentamos parte dos resultados
relativos às representações de professores.
As representações obtidas serão aqui enfocadas dentro
do referencial da Teoria das Representações Sociais, criada por
Moscovici (1978), e desenvolvida por diversos autores, como
Jodelet (1986), Abric (1994) e outros. Fizemos esta opção, pois
temos como hipótese que a maioria dos projetos, experiências,
ou programas que envolvem Educação Moral nas escolas, se
baseiam mais em certas formas de conhecimento do senso
comum que no domínio de saberes técnicos e/ou científicos
discutidos por especialistas.
Entendemos como representações sociais formas de
conhecimento prático que se constroem coletivamente, na
comunicação informal e nas práticas sociais sobre certos
objetos e que levam as marcas dos grupos e da cultura
onde se originam. Surgem, normalmente, a partir de certas
pressões provocadas pelo meio social a respeito de um objeto
novo, que causa estranhamento, e que precisa ser explicado
(MOSCOVICI, 1978, 2003; JODELET, 1986). Além disso, as
representações orientam ações e podem servir para justificá-
las (ABRIC, 1994).

junqueira&marin editores 263


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Assim, na época em que vivemos, na qual muitos


apontam a existência de uma crise de valores (BAUMAN, 1998;
JARES, 2005; LA TAILLE, 2009; LA TAILLE; MENIN, 2009), a escola
tem sido pressionada para retomar o tema da Educação em
Valores e, em decorrência, gestores e professores são levados
a se posicionar, a explicarem, definirem, e mesmo, planificarem
formas de Educação Moral gerando representações sociais.

2. a pesquisa nas escolas públicas


A estratégia de coleta de dados da pesquisa maior da
qual este trabalho se originou, contou com duas etapas: na
primeira etapa houve um levantamento das experiências de
Educação em Valores existentes nas escolas; e na segunda
etapa, a visita a escolas cujos projetos nos pareceram bem
sucedidos. O questionário completo que foi utilizado na
primeira etapa apresenta 24 questões, sendo algumas objetivas
e outras dissertativas visando à descrição de uma experiência
de Educação em Valores. Na segunda etapa entrevistamos os
coordenadores, professores e alunos das escolas visitadas. A
experiência que relatamos ao final deste texto foi desenvolvida
em uma das escolas visitadas.
A participação das escolas respondendo ao questionário
foi obtida por meio de várias estratégias, como: contato com
as Secretarias da Educação dos diferentes estados brasileiros,
por telefone ou pessoalmente, para solicitar a divulgação do
material da pesquisa e permissão em contatar as escolas; envio
de email às escolas com convite para participação na pesquisa e
distribuição de questionários para professores, coordenadores e
diretores em encontros oficiais ou em cursos de formação. Desse
modo, foram obtidos, até dezembro de 2009, 772 questionários
respondidos.
Neste texto, abordamos as respostas dos participantes
somente às duas primeiras questões do questionário; são elas:
“Em sua opinião, a escola deve dar Educação Moral ou Educação
em Valores aos seus alunos? Por quê?” e “Se você respondeu
SIM à questão anterior, diga, em resumo, como essa Educação
poderia ser dar?”.
Os respondentes, todos de escola pública, se constituíram
de diretores (35%), coordenadores pedagógicos (28%) e

264 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

professores (30%) e outros (7%), como supervisores, secretárias


escolares e inspetores, tanto de ensino fundamental, como de
ensino médio, cujas escolas provieram de diversos estados do
Brasil. A representação das escolas por estado não foi homogênea,
uma vez que obtivemos 5% de participação da região Norte, 17%
do Nordeste, 5% do Centro-Oeste, 15% do Sul e 58% do Sudeste.
Para a análise dos dados, as respostas às questões aqui
consideradas foram tratadas pelo software ALCESTE© (Analyse
Lexicale par Contexte d’ un Ensemble de Segments de Texte, 2005)
que faz uma análise quantitativa de dados textuais. Em síntese,
o software realiza o seguinte procedimento para cada questão:
divisão do corpus (respostas em análise) em Unidades de Contexto
Elementar (U.C.E.); classificação das U.C.E., com base em cálculos
estatísticos e nas palavras que as compõem, em classes, ou seja,
unidades de sentido, e fornecimento das U.C.E. características de
cada classe.

3. as representações docentes
sobre educação em valores
3.1 porque realizá-la?
“Não, acredito que esses valores fazem parte da educação familiar,
a escola até poderia trabalhar em conjunto, mas não há a obrigação
de dar essa formação moral.” (Coordenador, ensino fundamental e
médio).

“Para suprir aquilo que a família deixou de ensinar para as crianças, ou


seja, grande maioria de lares não tem feito essa parte.”(Coordenador,
ensino fundamental e médio).

“Porque dentro do dia a dia das aulas ministradas na escola valores


e moral podem ser discutidos de forma transversal por todas as
disciplinas. Por exemplo, hoje um trabalho de interpretação de texto
com discussão do tema Moral e Valores pode ser desenvolvido por
professores de português com as notícias do Senado brasileiro em
nossos principais jornais.” (Diretor, ensino Fundamental).

As falas acima ilustram respostas de alguns participantes


e mostram diferentes tendências discutidas em função de suas

junqueira&marin editores 265


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

ancoragens, ou seja, suas origens em vivências e saberes comuns


aos grupos pesquisados e que podem provir tanto de senso
comum, como de fontes mais “eruditas” de conhecimento, como
aquelas da produção científica na área (MOSCOVICI, 2003).
Quando inquiridos se a escola deveria dar Educação Moral
aos seus alunos, dos 772 respondentes, aproximadamente 98%
foram favoráveis à Educação em Valores ser tratada como parte
da função escolar.
Em relação ao porquê realizar e Educação Moral, o
ALCESTE© evidenciou cinco classes de respostas:

1. 16,53% - Finalidade da Educação em Valores ancorada


na convivência harmônica.
2. 17,23% - A escola como um local em que a Educação
em Valores deve ser planejada pedagogicamente.
3. 26,05% - Necessidade de suprir crise de valores na
família.
4. 19,61% - Finalidade da Educação em Valores ancorada
na formação da cidadania.
5. 20,59% - Crise de valores sociais

Percebemos que as respostas se dividiram primeiramente


em dois tipos de justificativas: a Educação em valores na escola
é importante em função de uma situação de crise (classes 3 e 5);
e é parte do papel formativo da escola (classes 4, 2, 1).
O papel da Educação em Valores associado a uma situação
de crise e, portanto emergencial, foi apontado em duas classes:
a crise familiar (classe 3) e a crise social (classe 5). Tais respostas
evidenciam uma representação, nos participantes, de que não é
da “vocação”, ou da “responsabilidade” da escola o trabalho com
valores e de que isso só deve ser assumido por esta instituição,
em função de uma situação de crise presente, o que já tem sido
apontado por autores como Martins e Silva (2009) e Trevisol
(2009). Parece haver, nesse ponto de vista, uma cisão entre o
que é educação formal e o que é Educação em Valores. Também
podemos pensar num saudosismo pelos tempos passados e,
em decorrência, um estranhamento a respeito dos valores
presentes na atualidade.
O segundo grupo de respostas (classes 2, 1 e 4 ) afirma,
em seu conjunto, o papel da escola na Educação em Valores.

266 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Tal grupo se divide em dois subgrupos: um que considera a


escola como um local em que esta educação deve ser planejada
pedagogicamente (classe 2) e na qual a escola é vista como
instituição social com o dever específico de formar integralmente
os participantes da sociedade. Noutro grupo, as respostas
buscaram evidenciar a finalidade da educação como aliada à
convivência harmônica (classe 1) ou à formação da cidadania
(classe 4).
Sintetizando os dados das cinco classes de respostas
aqui descritas, vemos que duas tendências maiores se
sobressaem: numa, 53% dos participantes consideram a
Educação em Valores como parte integrante da “vocação”
escolar e colocam como suas finalidades a convivência
harmônica e a formação do cidadão, e noutra, 47% mostram
a necessidade da escola em assumir essa educação em função
da crise atual na formação em valores morais e pela ausência
das famílias em supri-la. Como discutiremos posteriormente,
essas duas tendências de respostas podem evidenciar uma
transformação nas representações sociais sobre Educação em
Valores recolocando-a dentro da escola,

3.2 escola e educação em valores: como realizá-la?


“Não tenho uma idéia formada de como poderia se dar, mas poderia
voltar a fazer parte do currículo como as disciplinas que estudei no
fundamental e médio: OSPB e Educação Moral e Cívica.” (Diretora,
ensino fundamental e médio).

“Acredito que deveria haver espaço específico no currículo para


Educação Moral, uma vez que de forma transversal ou interdisciplinar
ela não acontece de forma efetiva. Para tanto, seria necessário instituir
tempo e espaço para discussão de questões sobre ética, cidadania e
valores em uma disciplina específica. Talvez a Filosofia desse conta
dessas questões...” (Coordenadora, ensino médio).

“Na própria prática e vivência escolar, através de situações de


aprendizagens, onde todas as disciplinas se integrem para a educação
para a cidadania , buscando soluções coletivas para a resolução dos
conflitos, refletindo sobre as melhores soluções para todos.” (Diretora,
ensino fundamental e médio).

junqueira&marin editores 267


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

As citações acima ilustram respostas à segunda questão


sobre como a Educação Moral deveria acontecer nas escolas. Os
resultados obtidos, após o tratamento do Alceste, evidenciaram
cinco classes:

1 – 23,07% - Meios e espaços da Educação em Valores:


baseados em situações do cotidiano escolar.
2 – 15,82% - Fins e conteúdos da Educação em Valores.
3 – 16,3% - Meios da Educação em Valores: atividades
diversificadas.
4 – 9,9% - Responsáveis pela Educação em Valores.
5 – 34,9% - Meios e espaços da Educação em Valores:
disciplinas específicas do currículo ou temas
transversais.

Ao focalizarmos as três primeiras classes por ordem de


frequência (classes 5, 3 e 1), observamos a presença daquelas
representações que indicam o espaço e os meios que devem
ser empregados para que seja desenvolvida a Educação Moral
ou em Valores na escola. Em cada uma dessas classes um
aspecto diferente é abordado. Na classe 5, que representa o
maior número de respostas, é marcante a presença de falas que
apontam para o lugar, quase que obrigatório, que a Educação
em Valores deve ocupar na escola; no entanto, aparecem várias
formas de fazê-la: ela pode ocorrer especificamente dentro de
uma disciplina do currículo escolar como Filosofia, Sociologia,
História, Geografia, Literatura, ou ainda, Religião; pode ser uma
disciplina com um conteúdo próprio, sistematizado, existente
na grade curricular para esse fim, como a antiga “Educação
Moral e Cívica” , e ainda, deve comparecer nas escolas não
como uma disciplina, mas como um tema transversal que
perpasse as diferentes disciplinas da grade curricular e que
seja trabalhado de forma interdisciplinar, ou, ainda, na forma
de projetos.
No que concerne à classe 3, a ênfase do como realizar a
Educação Moral está nas estratégias que devem ser empregadas
para que ela aconteça na escola, sendo sugeridas as mais
diversas atividades: filmes, debates, danças, oficinas, músicas,
teatros, bate-papos informais, dentre outras. Ao mencionarem
essas atividades, verifica-se que a maioria dos participantes o

268 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

faz de modo mais pragmático uma vez que poucos são aqueles
que destacam a importância do envolvimento dos membros da
escola e da parceria com a comunidade externa, assim como
a necessidade de que essas atividades sejam abordadas e
planejadas no Projeto Político Pedagógico da escola.
Na classe 1, a Educação Moral é concebida como algo
que deve fazer parte da cultura escolar, estando presente no
cotidiano da escola em todas as instâncias e situações: na sala
de aula, nos métodos de ensino, no recreio, nos conteúdos,
nas relações entre os membros da escola e com a comunidade
em geral. Para esses participantes, só há possibilidade de
se educar moralmente e de formar indivíduos autônomos,
críticos e conscientes, se a escola propiciar um ambiente
apropriado para esse fim, favorecendo a reflexão, discussões
de dilemas e resoluções de conflitos reais. Além disso, valores
como a justiça, solidariedade e o respeito ao próximo e ao
meio ambiente devem fazer parte, sobretudo, das vivências e
realidade escolar.
Por fim, ainda sobre essa questão do como educar
moralmente, temos as duas últimas e menores classes geradas
pelo ALCESTE© – classes 2 e 4 – que se associam entre si por
não se dirigirem, prioritariamente, aos espaços e meios pelos
quais a Educação Moral deve se dar. A classe 2 representa
aquelas falas que se voltam para os fins e os conteúdos com
os quais esse tipo de Educação deve se ocupar. Os fins vão
desde a formação de cidadãos conscientes, críticos, reflexivos
e participativos, até a necessidade de se resgatar os valores
concebidos como esquecidos ou perdidos em nossa sociedade,
e nesses casos alguns participantes apontam a necessidade de
formar parcerias com as famílias. Na classe 4, ganham destaque
os responsáveis pela Educação em Valores e se defende que a
escola, por meio de seus agentes – professores, funcionários
e gestores – deva apresentar bons exemplos aos seus alunos.
Para isso, aponta-se para a necessidade de que os professores,
e toda a equipe escolar, tenham uma boa formação, e que
estejam em sintonia entre si e com a família. O bom exemplo
deve vir não somente da escola, mas, também, dos políticos,
das pessoas famosas, da mídia e da família. Indica-se, ainda, o
papel essencial das famílias para que sejam firmadas as bases
para esse tipo de Educação.

junqueira&marin editores 269


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

4. algumas considerações sobre as representações


docentes apresentadas nas classes do alceste
Com base nas análises possibilitadas pelo exame das
classes de respostas obtidas no ALCESTE©, podemos concluir
que a Educação em Valores, volta a ser colocada como tarefa
da escola pública brasileira pela maioria dos participantes desta
pesquisa: coordenadores pedagógicos, diretores e professores.
No entanto, os motivos para esta retomada e os métodos sobre
como fazê-la não se mostram tão homogêneos e nem parecem
ancorados nas mesmas fontes.
Vimos que um dos grandes motivos para a inclusão da
Educação Moral é a crise percebida na sociedade atual e a suposta
ausência da família nessa educação. A percepção de uma “crise
de valores” na sociedade atual também tem sido apontada por
estudiosos da pós-modernidade, como Bauman (1998), Jares
(2005) e, no Brasil, por La Taille (2009) e La Taille e Menin (2009).
La Taille (2009) caracterizou a sociedade atual como a “cultura
do tédio e da vaidade” em que valores antes consagrados estão
suspensos, ou em descrédito, e são substituídos por outros
relacionados à posse aos bens de consumo, à valorização da
aparência, ou da fama, e às formas de relacionamentos sociais e
afetivos mais superficiais e momentâneos.
No entanto, La Taille e Menin (2009) nos convidam a
pensar que, se por um lado ocorreram enormes transformações
sociais que geraram inúmeros novos problemas resultando
numa crise de valores e referências, antes claros e conhecidos
por todos, por outro, não há como negar conquistas em termos
da afirmação de valores como o avanço democrático e a luta
pelos direitos humanos. Assim, se os tempos se transformaram
e apresentam-se grávidos de possibilidades (CORTELLA, 2006)
não se sustenta a ideia de que há uma ausência ou inversão de
valores, mas sim uma transformação de valores.
Sobre os procedimentos para realizar a Educação Moral
nas escolas, percebemos muito menos consenso do que em
relação ao porquê fazê-lo. Não houve consenso nem sobre
métodos ou estratégias, nem sobre os locais dessa educação
nas escolas. De um lado, constatamos um grupo considerável
de participantes que revelou certo saudosismo em relação
à época em que esse tipo de educação era dado como uma

270 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

disciplina curricular específica, em todos os graus e modalidades


de ensino do país, cuja obrigatoriedade tem sua origem com a
ditadura militar. Esse foi o modelo mais claro e estruturado de
Educação Moral que tivemos no país, e o mais heterônomo,
como diria Piaget (1932/1977). Nesse caso, as representações
se aproximaram daqueles modelos clássicos de Educação
Moral, descritos por Puig (1998) e Buxarrais (1997), em que há
a transmissão unilateral de valores e normas predeterminados e
se defende uma Educação mais doutrinária e dogmática.
Por outro lado, vimos que um pequeno grupo de
participantes defendeu a abordagem transversal, na qual essa
forma de educação perpassa os diferentes conteúdos e disciplinas
escolares e que concebeu esse tipo de Educação como possível,
somente, por meio de experiências reais, promotoras de um
ambiente cooperativo e participativo. Essas representações,
provavelmente, têm sua ancoragem em propostas oficiais, como
os PCNs (BRASIL, 1998) e em programas pelos quais a Educação
Moral, dentre outros temas, retorna ao contexto e à História
da Educação Brasileira como assunto prioritário, assim como
em modelos baseados na construção racional e autônoma de
valores, inspirados em teóricos, sobretudo, da Psicologia Moral
(PIAGET, 1930/1996, 1932/1977; KOHLBERG, 1992; KOLHBERG;
POWER; HIGGINS, 1997; PUIG, 1998; BUXARAIS, 1997; ARAÚJO,
2000; DELVAL, 2007; TOGNETTA; VINHA, 2007 e outros.)
Deparamo-nos, ainda, com representações que refletiram
outro modelo de Educação Moral, também descrito por Puig
(1998) e Buxarrais (1997), em que é indicada uma infinidade
de estratégias, no entanto, marcadas pela ausência de projetos
pedagógicos explícitos. Essas mesmas representações revelam,
nas entrelinhas, as dificuldades que permeiam essa empreitada,
mostradas pela confusão que os respondentes fazem entre
os conteúdos morais e outros tipos de conteúdos; pela
desconfiança diante da própria formação moral e da de seus
pares, e pelas angústias decorrentes das particularidades da
sociedade contemporânea.
Esses dados vão ao encontro daqueles descritos por
Vinha e Assis (2007), em que as autoras, com base em pesquisas
realizadas na área de formação de professores, chegaram às
constatações de que: apesar de terem como meta formar
pessoas autônomas, os professores não se sentem seguros

junqueira&marin editores 271


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

sobre como podem favorecer esse desenvolvimento; vários


deles creem que são impotentes perante as influências da
família sobre seus alunos; há uma carência de procedimentos
pedagógicos fundamentados em teorias científicas que possam
instrumentalizar, de forma adequada, a prática docente, sendo
esta, muitas vezes, baseada no senso comum e em crenças e
paradigmas antigos; a imaturidade moral do próprio educador
é um obstáculo; dentre outras. Com base nesses resultados, as
autoras apontam para a necessidade de formações contínuas
e sistematizadas de educadores, nas quais suas concepções e
experiências possam ser consideradas, refletidas, discutidas,
de forma que os conteúdos sejam trabalhados em conjunto e
possibilitem uma real transformação.
Pensando na formação docente para a realização da
Educação em Valores nas escolas, algumas questões se colocam:

- como formar os professores para este campo da


educação se ele, muitas vezes, não é reconhecido, por
eles mesmos, como de âmbito da escola?
- quem formará professores para este campo educativo,
se ele está, quase sempre, ausente nos currículos de
graduação para a docência?
- um curso de formação sobre Educação em Valores é
suficiente para que uma clara seleção e hierarquia de
valores seja assimilada e compartilhada pelos docentes
a ponto de guiar suas práticas educativas e disciplinares
diárias?

Já discutimos, anteriormente (MENIN, 2002) que,


frequentemente, uma discussão sobre Educação em Valores
não faz parte da constituição dos projetos político-pedagógicos
da escola embora as queixas do que se considera “maus”
comportamentos sejam diárias. Vimos, também, que uma
mesma escola pode mostrar, por meio de seus professores,
uma diversidade enorme de posicionamentos de valor, inclusive
incompatíveis entre si.
Assim, como introduzir nas escolas essa Educação?
Passamos a apresentar uma experiência em que uma
escola buscou transformar o tema da Educação em Valores em
preocupação de todos. Adiantamos que, apesar do mérito do

272 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

projeto e de seus resultados positivos, suas dificuldades centrais,


foram, justamente, as diferenças nas formas de participação
docente e na sua formação.

5. relatando uma experiência


de educação em valores
Na segunda etapa da pesquisa maior, já citada, passamos a
selecionar as escolas com experiências que nos parecessem mais
completas e bem sucedidas. Essas escolas foram contatadas,
para o detalhamento de seus projetos e algumas delas visitadas.
A experiência que relatamos, a seguir, é uma das que visitamos.
A experiência ocorreu numa escola municipal de
educação infantil e de ensino fundamental em uma cidade do
estado do Ceará. Ela é uma das 119 escolas do Município e foi
fundada em 1994; conta atualmente com cerca de 900 alunos e
38 professores.
Motivado por problemas de indisciplina na escola,
pequenos furtos e também em função de situações de violência
na redondeza, o projeto iniciou-se em 2007 e foi idealizado
por duas pessoas, uma delas, na época, supervisor da escola
e a outra, vice-diretora. Eles foram, também, os relatores da
experiência.
A vice-diretora nos apontou que era preciso melhorar o
convívio entre os alunos, fazê-los refletir sobre valores tais como
respeito, honestidade, valorizar a vida.
Segundo os idealizadores do projeto

Nossa escola parecia ter se transformado em um lugar comum, que


reproduzia a cultura do medo, da violência, do desrespeito e da falta de
solidariedade. De fato, isso é o reflexo da sociedade na qual vivemos,
onde a violência, seja ela na sua forma física, moral ou psicológica,
está presente nas ruas, nos lares, na mídia, nas formas das pessoas se
entreterem e na escola. Enfim, onde quer que olhemos, escutemos e
observemos não será raro percebermos sentimentos, palavras e cenas
que expressam o desrespeito, a agressividade, a competitividade,
a intolerância, atitudes que contribuem para a degradação moral e
social do ser humano, o que nos distancia da sociedade de convivência
igualitária, pacífica e justa que todos nós desejamos. Este apelo pelos
valores não ecoava somente como um desejo da comunidade escolar;

junqueira&marin editores 273


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

a escola simplesmente trouxe para suas discussões internas o clamor


da sociedade na qual ela está inserida. (vice-diretora, 2010).

Além dessas queixas, a vice-diretora e o supervisor da


escola, participaram de um congresso organizado pelo IVV –
Instituto Vivendo Valores, em Parnamirim – RN, oferecido na
Secretaria de Educação, onde fizeram o curso VIVE – Vivendo
Valores na Educação. Neste curso discutiu-se como trabalhar
doze valores na escola: Compromisso, Responsabilidade,
Justiça, União, Amizade, Solidariedade, Paz, Tolerância,
Harmonia, Amor, Respeito e Alegria. A partir dele, surgiu a
idéia de iniciar um projeto sobre educação em valores.
Os gestores da escola decidiram, na Semana Pedagógica,
trabalhar os doze valores do programa VIVE ao longo do ano
letivo 2007. O supervisor da escola relata, também, que suas
crenças religiosas motivaram essa iniciativa; mas, como a
escola é laica, acredita que é possível trabalhar valores de
forma não ligada à religiosidade, pois, como diz, “todos
precisam viver na solidariedade, na bondade, na paz, mesmo
que não tenham religião”.
O supervisor acredita que valores, tais como paz,
respeito, solidariedade, respeito ao meio ambiente, devem
ser trabalhados por todos os professores dentro das próprias
disciplinas e de programas normais de ensino nas salas de aula.
Um professor de língua portuguesa, por exemplo, poderia
trabalhar a construção de músicas, versos, redações; um
professor ao dar matemática, poderia mostrar as estatísticas
sobre depredação ambiental ou poderia trabalhar os índices
da violência em gráficos; ao dar aulas de história, podem ser
discutidas histórias de solidariedade ou sobre as violências
que nos cercam.
Essas idéias se transformaram numa proposta que
foi discutida com os agentes gestores e o corpo docente e,
então, incluída no Plano Pedagógico da escola e que vem
acontecendo, segundo os relatores, desde 2007. Na Semana
Pedagógica, decidiu-se que cada classe receberia um nome
de um valor e a cada mês esse valor seria trabalhado. Nessa
mesma reunião os professores foram preparados para o
trabalho. Nas classes de primeira à quarta série do ensino
fundamental, haveria plaquinhas com o nome do valor a

274 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

ser trabalhado durante o ano. Os coordenadores do projeto


apontam que

Estes valores representam um chamado do nosso tempo histórico,


no sentido de superarmos questões que nos inquietam e promovem
conflitos de toda natureza, e que as políticas oficiais, de instituições
não-governamentais, as iniciativas individuais de educadores, nem
sempre têm dado respostas efetivas. (supervisor e vice-diretora, 2010)

Em 2008, a Secretaria da Educação lançou um projeto


sobre os pacifistas e isso também foi integrado ao projeto. No
período de Mostra Cultural, no mês de novembro, a escola
apresentou para a comunidade vários trabalhos realizados
ao longo do ano. Segundo os relatores, nesse momento,
houve a “culminância” do projeto. Os professores e alunos
mostraram as produções resultantes do trabalho com valores,
como músicas com letras escritas pelos próprios alunos,
cartazes com dizeres sobre valores, maquetes sobre a cidade
e a proteção do meio ambiente; houve, também, pequenas
representações teatrais.
A vice-diretora nos contou que no início do projeto havia
premiações dos melhores trabalhos dentro de cada classe;
mas, isso gerou um clima de competição entre os professores,
de modo que as premiações deixaram de ser usadas. A escola
tem um blog onde podem ser vistas fotos da amostra de
produtos com esse trabalho com valores e um jornal em que
alunas e alunos escrevem redações sobre valores diversos.
Na descrição do projeto, os relatores nos explicaram
que após a semana de Amostra Cultural, a equipe gestora se
reuniu com os professores e todos discutiram suas opiniões
sobre o andamento e resultados do projeto, assim como
tomaram decisões sobre os valores que serão mais focados
no próximo ano.
Segundo os gestores da escola, o maior resultado do
projeto foi, e continua sendo, a reflexão sobre valores que
professores e alunos fazem de forma mais frequente. A vice-
diretora e o supervisor da escola afirmam que houve um
crescimento das ações cooperativas dos alunos em relação
aos outros e ao ambiente. O mesmo aconteceu entre os
professores e toda a escola. A partir do momento em que

junqueira&marin editores 275


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

começaram a trabalhar valores, todos sentiram necessidade


de uma reflexão sobre como trabalhar, na prática, o valor
escolhido.
O supervisor escolar afirma:

Se vamos trabalhar o tema humildade com os alunos, deveríamos


primeiro discutir entre nós: como levar isso para sala? ... Os alunos por
sua vez, quando trabalhavam isso em classe, acabavam levando para
casa e conversando com suas famílias.

Ou ainda:

Quando trabalhamos valores, vamos contra algumas práticas sociais


comuns. Por exemplo, quando trabalhamos paz, como interpretar a
violência que há lá fora? Sempre que há uma ocorrência de briga, por
exemplo, entre alunos, recuperamos o tema e questionamos: “o que
estamos trabalhando como valor?”. Nossa ideia é a de que parta daqui
uma influência positiva para fora da escola, para toda sociedade. Falar
de valores é importante até para que os alunos tenham oportunidade
de falar sobre suas dificuldades familiares.

Ainda segundo os gestores da escola, o que colaborou


muito para o sucesso do projeto foi a cooperação de alguns
professores que funcionaram como “linha de frente”. Disseram,
também, que “o trabalho com os valores no ano de 2007,
ajudou muito no redimensionamento do convívio no âmbito
de nossa escola”; no entanto, ressaltaram que “a prática do
trabalho com os valores não foi o suficiente para erradicar os
problemas advindos da sua ausência e/ou negação nas famílias
que compõem a comunidade escolar”.

6. os limites e as dificuldades do projeto


e a questão da formação de professores

O projeto descrito nos pareceu muito interessante por


vários motivos. Ele tem como foco o conhecimento e a reflexão
sobre valores morais, como respeito ao outro, respeito ao meio
ambiente, solidariedade, paz e não-violência, e outros, por

276 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

todos os alunos da escola e por meio de iniciativas diversas de


seus professores.
O projeto envolve toda a escola, está inscrito no Projeto
Pedagógico e ocorre como parte de um planejamento que se
repete a todo ano. Provoca discussões, reflexões e avaliações
sobre como trabalhar valores entre o corpo docente e sobre os
resultados que isso pode produzir. A exposição de trabalhos das
classes numa culminância na Amostra cultural parece provocar
muito ânimo e alegria nos alunos e reconhecimento pelo
trabalho feito, por eles e seus professores. O evento, realizado
num grande pátio da escola, com fotos, música, representações,
notícias no jornal da escola, exposição no blog, produz uma forte
valorização das diversas iniciativas e produtos. Por tudo isso, o
projeto pode inspirar sua replicação por outras escolas públicas.
No entanto, ocorreram algumas dificuldades importantes.
A vice-diretora e o supervisor da escola, ao falarem do projeto,
apontaram dificuldades ligadas à participação do corpo docente.
Nem todos participam com o mesmo ânimo, ou com uma
metodologia dinâmica, como o projeto necessita.
Na visita que fizemos à escola, notamos, num contato
com algumas classes, que a transmissão de valores se dá, ainda,
de modo muito verbal e heterônomo, ou seja, os alunos sabem
dar exemplos de algum valor, por exemplo, “respeito é não
xingar o colega”; mas a obediência ao cumprimento do valor é
condicionada ao uso de pontos negativos dados pela professora
e não a partir de uma decisão autônoma dos alunos. Em outra
sala de aula, observamos que os alunos não se lembravam da
plaquinha que havia na porta e precisaram ir até lá para ver qual
o valor que foi foco de trabalho em sua sala, o que sugere a
necessidade de envolver mais o grupo de alunos na realização
do trabalho.
Assim, o projeto pode ter resultado num conhecimento
sobre os significados dos valores e a sua verbalização mais
frequente pelas professoras de algumas disciplinas e seus alunos;
mas a vivência dos mesmos, por meio de práticas cotidianas na
escola e para além de seus muros não parece ter-se implantado.
Falar sobre o respeito, a justiça, a solidariedade, é diferente de
ser respeitoso, justo, solidário, como já nos mostrava Piaget
(1968, 1932/1977) e como evidenciam outros autores brasileiros
na atualidade (ARAÚJO, 2000; ARAÚJO, PUIG, ARANTES, 2007;

junqueira&marin editores 277


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

TOGNETTA, VINHA 2007). A verbalização, mesmo que útil para


provocar maior conhecimento e reflexão, não é suficiente para
a incorporação de valores pelos alunos e a tomada de decisões
autônomas sobre os mesmos.
Assim, embora os idealizadores do projeto tivessem
passado por um curso para planejar um trabalho com valores na
escola, a formação dos professores poderia ser mais eficiente
se ocorresse continuadamente na própria escola e envolvesse
tanto discussões dentro das disciplinas, como eles tentaram
fazer, como práticas docentes ligadas aos modos disciplinares da
escola, às formas diárias de resolução de conflitos, aos modos
de estruturar relações sociais, às avaliações de atitudes. Enfim,
a experiência mostrou necessidade de amadurecimento obtida
com a formação continuada.

considerações finais
Os valores, nas escolas, podem ser pensados em muitos
sentidos. Destacamos dois. Podem ser vistos como critérios que
dão direções às formas de atuação dos agentes escolares nas
relações pedagógicas, disciplinares, e sociais dentro da escola.
Podem, também, ser selecionados, refletida e autonomamente,
para orientar as escolhas das pessoas sobre a vida que querem
viver; ou seja, auxiliando na constituição dos sentidos dados à
vida (LA TAILLE, 2009).
No primeiro significado, valores podem ser pensados
e vividos em situações que envolvem desde uma gestão mais
democrática da escola, como as formas em que se estabelecem as
regras, ou se resolvem conflitos, ou ainda as formas de avaliação
e de sanções (MENIN, 1996, 2007; SERRANO, 2002; VINHA, 2000;
TOGNETTA, VINHA, 2007). Trabalhar com valores pode também
envolver atuações planejadas que busquem sua aplicação ou seu
exercício em diferentes espaços e relações sociais; solidariedade,
respeito, justiça, cooperação, e outros, não são aprendidos apenas
falando sobre eles, mas vivenciando-os.
Na segunda forma de pensar valores, como construtores
de sentidos na vida (LA TAILLE, 2009) cabe aos agentes escolares
não apenas discutir questões mais cotidianas e momentâneas
sobre como ser e relacionar-se no âmbito interno da escola, mas
levar essa discussão para questões maiores sobre que vida os

278 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

alunos querem viver e, nesse sentido, o que planejam para seus


futuros, para além da vida escolar. Nesse sentido a escola deve
criar situações em que os alunos projetem suas vidas futuras
orientados, também, pelos valores morais.
Se a escola realmente busca formar pessoas
“humanizadas”, como nos diz Savater (2004) e não apenas
técnicos em algumas habilidades, Educação em Valores deve ser
reconhecida como um campo tão importante como outros, se
não o mais importante. Para tanto, é preciso que ela passe a fazer
parte tanto da formação inicial dos docentes, nas graduações,
licenciaturas, como na formação continuada. Nesse segundo
caso, as questões sobre como educar em valores devem fazer
parte das atividades diárias da escola, partindo da constituição
democrática do projeto político-pedagógico, passando pelas
reuniões e comunicações entre docentes e se estendendo para
todas as relações sociais na escola. ⌂

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junqueira&marin editores 281


representações sociais dos
formandos dos cursos efa
sobre cidadania digital

Ana Paula Pedro


Marta Filipa Soares da Conceição
UNIV. DE AVEIRO - PT

resumo
O presente artigo pretende dar a conhecer as
práticas, os pensamentos, as atitudes e os valores (Lévy,
1997) que os formandos, inseridos nos cursos de Educação
e Formação de Adultos de Nível Secundário, em instituições
dos concelhos de Santa Maria da Feira e de Oliveira de
Azeméis, têm sobre e na Internet. eflectimos sobre o papel
da Educação de Adultos, defendendo, tal como Barbosa
(2004), a sua readaptação às mudanças que têm ocorrido
no mundo. Consideramos que esta deve constituir um
espaço de reflexão sobre os valores mais profundos da
sociedade, de forma a que se torne cada vez mais justa
e igualitária. Neste sentido, destacamos a importância
da Educação de Adultos desenvolver “uma pedagogia
dialógica e crítica” (Belchior, 1990: 128) com base na Teoria
da Acção Comunicativa de Habermas (2004). artimos
dos pressupostos teóricos de Castells (2004a; 2004b)
sobre a nova estrutura social que a Internet fez emergir
e evidenciamos a função que a Educação de Adultos tem

282 junqueira&marin editores


nessa nova estrutura, nomeadamente, desenvolvendo, nos
formandos, competências relativas à literacia tecnológica
e informacional e incentivando-os a tirar partido das
potencialidades da Internet. Reflectimos, ainda, tendo em
conta que este medium tem contribuído para aumentar a
capacidade de cada um de nós para comunicar, informar
e estar informado (Oliveira, Barreiros & Cardoso, 2004),
sobre o conceito de cidadania e sobre o papel do cidadão
na actualidade, recorrendo ao pensamento de Amaral
(2007), Oliveira (2000), Patrocínio (2004) e Poster (2002).
m termos metodológicos, elaboramos dois instrumentos
de recolha de dados: o inquérito por questionário aplicado
a 118 adultos (pertencentes a 5 instituições localizadas no
concelho de Santa Maria da Feira e Oliveira de Azeméis) e
o inquérito por entrevista realizado a 19 desses adultos.
Os dados recolhidos foram tratados com recurso à análise
estatística e à análise de conteúdo, respectivamente. A
análise dos dados aponta para uma integração crescente
destes adultos, cuja maioria não cresceu com a evolução
das Tecnologias da Informação e da Comunicação, no
mundo da Internet.

Palavras-chave: Cidadania Digital, Adultos, Valores,


Internet, Literacia Informacional

introdução
Actualmente, vivemos num mundo onde, cada
vez mais, o real se mistura com o virtual. Deste modo,
pensamos que a educação adquire um papel fundamental
ao preparar os indivíduos para se movimentarem nesta
sociedade dominada pela ciência e pela tecnologia. Na
nossa opinião, a instituição escolar deve promover a
literacia tecnológica e informacional dos alunos (crianças,
jovens e adultos) e, ainda, contribuir para que possam

junqueira&marin editores 283


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

adoptar uma atitude informada e responsável quando


navegam na Internet (Castells, 2004b; Vieira, 2008).
No caso dos adultos em particular, consideramos
que a instituição escolar deve, também, incentivá-los a
utilizar os vários serviços disponibilizados pelo governo
electrónico, de forma a que possam resolver mais
facilmente os seus problemas e, assim, facilitar o seu
dia-a-dia, nomeadamente, reduzindo as deslocações às
Instituições e evitando as filas de espera (Alves & Moreira,
2004).
Achamos, ainda, importante que a escola incentive os
adultos a transformarem a Internet numa nova ferramenta
ao serviço da cidadania, uma vez que esta contribui para
que os cidadãos estejam mais e melhor informados e
dá-lhes a oportunidade de lutarem por determinadas
causas com as quais não concordam (Dutton, 2000). Não
podemos descurar, nomeadamente, as possibilidades que,
actualmente, são fornecidas aos cidadãos ao poderem
apresentar, por exemplo, petições ao Parlamento Europeu
sobre vários problemas (Weisbein, 2001).
Neste sentido, a Internet abre novas perspectivas de
actuação ao cidadão das “cidades electrónicas” (Oliveira,
2000: 147) e, por isso, a sociedade actual requer cidadãos
participativos, que questionem e que se pronunciem
(Soares, 2007).
A investigação levada a cabo, pretendia, tendo em
conta os pressupostos teóricos apresentados, conhecer e
compreender as representações que os adultos, inseridos
nos cursos de Educação e Formação de Adultos de Nível
Secundário (EFA – NS), têm acerca da Cidadania Digital e,
portanto, reflectir as suas práticas, os seus pensamentos,
as suas atitudes e os valores que vão desenvolvendo
no ciberespaço (Lévy, 1997). Deste modo, traçámos os
seguintes objectivos gerais: conhecer as representações
que esses adultos têm acerca do conceito de Cidadania
Digital; compreender como esses adultos tiram partido
dos serviços disponibilizados pelo governo electrónico;
conhecer as representações que esses adultos têm
acerca da democracia electrónica e, por fim, analisar se
esses adultos são cidadãos digitais ou info-excluídos.

284 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Assim, optámos por uma abordagem quantitativa e


qualitativa. Utilizámos, numa primeira fase, o inquérito
por questionário, cujos dados foram tratados com recurso
à análise estatística e, numa segunda fase, utilizámos o
inquérito por entrevista semidirectiva, cujos dados foram
tratados com recurso à análise de conteúdo. A investigação
integrou 118 adultos que frequentam os cursos EFA – NS
em instituições escolares do concelho de Santa Maria da
Feira e de Oliveira de Azeméis.
No que concerne à organização do artigo,
apresentamos os pressupostos teóricos de que partimos
e, depois, o estudo de caso desenvolvido. Seguem-se as
considerações finais e, por fim, a bibliografia e a webgrafia
utilizada para a elaboração do artigo.

1. a educação de adultos
e a cidadania na actualidade

O mundo em que vivemos caracteriza-se por uma


constante mudança a vários níveis: social, cultural,
política, económica e, ainda, pelo aumento desmedido da
informação. Tendo em conta esta realidade, defendemos
uma readaptação da Educação de Adultos, no sentido de
auxiliar os formandos a transformarem as suas condições
de vida e a dos seus pares, a decidirem conscientemente
a sua forma de estar e de agir perante os outros e perante
o mundo e a participarem activamente na sociedade
(Barbosa, 2004). Em suma, uma Educação de Adultos que
se constitua como um espaço de reflexão sobre os valores
mais profundos da sociedade, de forma a que esta se torne
cada vez mais justa e igualitária.
Neste sentido, não poderíamos deixar de destacar a
Teoria da Acção Comunicativa de Jürgen Habermas. Esta,
pretende reconstruir o ideal iluminista, transformando
a racionalidade instrumental em racionalidade
emancipatória e comunicativa (Osorio, 2003). Sendo
assim, para o autor as pessoas estão aptas a desenvolver
acções de mudança e de transformação da realidade social
com base na sua capacidade discursiva e, portanto, no

junqueira&marin editores 285


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

acto comunicativo (Idem). O agir comunicativo pressupõe,


para Habermas (2004), uma linguagem orientada para o
entendimento, para o consenso e, consequentemente,
para a ordem social. Segundo o autor, o discurso ideal
implica um diálogo intersubjectivo em que se estabeleçam
condições de crescente democracia e igualdade (Osorio,
2003). É através desse diálogo que os indivíduos podem
eliminar juízos preconcebidos e, assim, alteram as suas
ideias e concepções (Idem).
Em contextos educacionais, o agir comunicativo
permite que os indivíduos aprendam em colaboração com
os colegas através da partilha de saberes e de experiências
(Barbosa, 2004). Permite, também, que sejam partilhados
diferentes pontos de vista e que sejam questionadas as
crenças e os valores de cada um (Osorio, 2003). Neste
sentido, consideramos importante que a Educação de
Adultos desenvolva, tal como defende Belchior (1990: 128),
“uma pedagogia dialógica e crítica; ou seja, uma pedagogia
que, nas estruturas, nos métodos e nos conteúdos, por
um lado previna a manipulação deliberada e a ilusão
inconsciente, e, por outro, promova a intercompreensão”.
Parece-nos, pois, que uma Educação de Adultos
Crítica pode contribuir para que se dê uma mudança social
e para a diminuição de inúmeras desigualdades: sociais,
culturais, étnicas, de género e, em particular, destacamos
as desigualdades relacionadas com o acesso às novas
tecnologias, nomeadamente, à Internet por se relacionar
com o tema de investigação.
De facto, este medium é, actualmente, “o tecido
das nossas vidas” (Castells, 2004b: 221), pois está a
transformar-se numa ferramenta essencial e indispensável
no quotidiano. Deste modo, tal como defende Castells
(2004a: 317), consideramos que “uma nova estrutura
social, a sociedade em rede, está a estabelecer-se em
todo o planeta, em formas diversas e com consequências
bastante diferentes para a vida das pessoas”. A Internet
tem vindo a desencadear inúmeras e profundas alterações
em vários domínios das nossas vidas e, portanto, cabe a
cada indivíduo tirar partido das suas potencialidades e
minimizar as suas consequências (Oliveira, 2000). Para

286 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

que tal seja possível, a capacidade educativa e cultural


que os indivíduos possuem para utilizá-la eficazmente é,
na conjuntura actual, de extrema importância (Castells,
2004a; 2004b).
É neste contexto que consideramos imprescindível
que a Educação de Adultos promova o desenvolvimento
de competências relacionadas com a literacia tecnológica
e informacional. Estas são competências que irão permitir
aos indivíduos determinar que tipo de informação procurar,
onde e como fazê-lo, validar criticamente a informação
e as fontes, produzir informação e, ainda, utilizá-la na
resolução de problemas (Castells, 2004b). Este novo
entendimento do conceito de literacia, que não abrange
apenas as competências de leitura, de escrita e de cálculo,
exige, na nossa opinião, indivíduos cada vez mais activos,
na medida em que através da Internet têm acesso a uma
superabundância de informação que devem ser capazes de
validar e de produzir, simultaneamente, os seus próprios
conhecimentos.
Na nossa opinião, cabe, ainda, à Educação de Adultos,
no que à questão tecnológica diz respeito, incentivar
os formandos a tirarem partido das potencialidades da
Internet, quer em benefício próprio, quer em benefício da
sociedade em geral.
Pensamos, pois, que é importante que os cursos EFA
– NS incentivem os formandos a utilizar as potencialidades
da Internet para resolverem mais facilmente alguns
problemas que surgem no quotidiano. Falamos em concreto
das iniciativas relacionadas com o governo electrónico .
Estas pretendem, efectivamente, proporcionar melhorias
à vida dos cidadãos através da simplificação na prestação
de serviços, da rapidez e da facilidade na obtenção de
informação e do esclarecimento de dúvidas (Alves &
Moreira, 2004). Assim, é crucial, no nosso entender, que
os adultos conheçam as possibilidades que o governo
electrónico oferece e as vantagens que daí podem retirar
para o seu dia--a-dia. Não esqueçamos, no entanto,
que há, ainda, muitos adultos que têm dificuldades
no manuseamento da Internet e, por vezes, algumas
reticências no uso desses serviços, o que faz com que a

junqueira&marin editores 287


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

sua utilização possa estar em risco ao mínimo problema.


Assim, é fundamental que o governo electrónico ofereça
um ambiente de confiança, que os serviços disponibilizados
se adequem às necessidades dos cidadãos e que sejam de
fácil manuseamento (UMIC, 2003).
É, ainda, fundamental que os adultos utilizem a Internet
em benefício da sociedade em geral, transformando-a
numa nova ferramenta ao serviço da cidadania. A Internet,
segundo Alves e Moreira (2004: 57, 58), pode facilitar “a
disponibilização de informação a baixo custo e de forma
acessível, a realização de inquéritos e grupos de discussão,
a recepção de comentários e a interacção em tempo útil
com os cidadãos em processos de participação activa”.
Esta interacção bilateral, objectivo último da democracia
electrónica , é a mais desejável e pode, efectivamente,
aumentar a confiança dos indivíduos nas medidas que
estão a ser tomadas e, consequentemente, incentivar
práticas de cidadania mais activas (Alves & Moreira, 2004;
Dutton, 2000). A democracia electrónica integra, também,
as questões relativas à votação. Pensamos, tal como Alves
e Moreira (2004), que a introdução do voto electrónico
deverá efectuar-se gradualmente, de forma a que não seja
imposto aos cidadãos e a que não exclua os que, por vários
motivos, não dominam as tecnologias, até porque o seu
principal objectivo é o de facilitar o exercício da cidadania.
De facto, no contexto da sociedade actual, “as
exigências que recaem sobre os cidadãos […] são muito
maiores. As tecnologias, e em especial a Internet, abrem
novas perspectivas de actuação ao cidadão responsável
que interroga, que intervém, que organiza e se organiza.
O «Netizen» não pode ser um cidadão marcado pela
passividade e alheamento ao que se passa na cidade,
mas terá de ser um cidadão participativo, interventor,
responsável” (Oliveira, 2000: 147). A Internet veio, de
facto, impulsionar a existência de uma sociedade sem
limites geográficos e culturais (Oliveira, Barreiro &
Cardoso, 2004), facilitar o acesso do cidadão à informação
e permitir--lhe “navegar por todo o lado” (Rodotà, 2000:
140). É, neste contexto, que surge o conceito de cidadania
digital, associado à capacidade efectiva de utilização

288 junqueira&marin editores


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da Internet para o exercício da cidadania, que inclui “as


práticas, as atitudes, as maneiras de pensar e os valores
que se desenvolvem conjuntamente com o crescimento do
ciberespaço” (Lévy, 1997: 17).
Avista-se, assim, um novo conceito de cidadania
que pretende abranger a pertença a uma comunidade
supranacional ou mesmo à Comunidade Internacional”
(Amaral, 2007: 31). Desta forma, a qualidade da cidadania
não é mais “o lugar, a relação a um território, a um país”
(Oliveira, 2000: 147) e, portanto, assistimos ao nascimento
de uma cidadania em que “tudo respeita a todos e que,
como cidadãos do mundo, todos nós podemos – e devemos
– pronunciar-nos quanto a tudo o que respeita a todos”
(Soares, 2007: 26), nomeadamente, quando se trata de
questões tão importantes como a criminalidade, a pobreza,
a desigualdade e os problemas ambientais (Ibidem).
Em consequência, está, também, a emergir um
novo conceito de cidadão – o netcidadão – que designa
o “sujeito político constituído no ciberespaço” (Poster,
2002: 30). Por sua vez, Tomás Patrocínio (2004) utiliza a
expressão cidadãos digitais para designar todas as pessoas
que utilizam a Internet no dia-a-dia qualquer que seja a
finalidade, pensamento com o qual nos identificamos.

2. os procedimentos
metodológicos do estudo
No que se refere à obtenção e tratamento de dados,
recorremos aos métodos quantitativos e qualitativos,
dado que partilhamos o pensamento de Carmo e Ferreira
(1998), ao afirmarem que um investigador pode optar
por combinar os dois tipos de métodos para permitir
“uma melhor compreensão dos fenómenos” e “alcançar
resultados mais seguros” (Idem: 184).
Utilizámos, portanto, numa primeira etapa, o
inquérito por questionário, de forma a conhecer alguns
dos comportamentos, das práticas, das preocupações,
das opiniões e dos valores desenvolvidos pelos adultos na
Internet. Elaborámos questões objectivas para aumentar a
taxa de respostas e unívocas para que fossem entendidas

junqueira&marin editores 289


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

de igual forma por todos os indivíduos (Bell, 1997).


Integrámos questões de identificação e de informação e
recorremos a perguntas fechadas e semiabertas (Albarello,
1995). Os dados recolhidos foram, através do programa
Statistical Package for Social Sciences, codificados,
transcritos numericamente e introduzidos no computador.
Elaboraram-se, depois, os gráficos e as tabelas e analisaram-
se os resultados. Este foi, de facto, um instrumento que nos
permitiu uma maior rapidez na obtenção da informação
(Bell, 1997; Carmo & Ferreira, 1998).
Numa segunda etapa, entrevistámos alguns adultos
pertencentes à amostra com o intuito de compreender
as suas atitudes, os motivos que os conduzem a optar
por determinadas práticas e explorar informações
que, de alguma forma, consolidam os dados obtidos
pelo questionário previamente efectuado (Quivy &
Campenhoudt, 2003). Elaborámos um guião de entrevista
com as questões devidamente encadeadas para que fosse
encaminhada para os objectivos (Carmo & Ferreira, 1998).
Utilizámos, portanto, a entrevista semidirectiva, pois
possibilita que “o entrevistado estruture o seu pensamento
em torno do objecto perspectivado” e “elimina do campo
de interesse diversas considerações para as quais o
entrevistado se deixa naturalmente arrastar” (Ruquoy,
1995: 87). As entrevistas foram realizadas nos dias em
que foram aplicados os questionários e decorreram numa
sala disponibilizada pela escola. Optámos por gravar
as entrevistas, com a devida autorização, para que a
análise posterior fosse facilitada. Procedemos, então,
à sua transcrição e à divisão em unidades de registo e
elaborámos uma grelha a partir dos dados recolhidos,
onde colocámos as categorias que descobrimos: os factos,
as práticas, as atitudes e os pensamentos dos adultos
(Quivy & Campenhoudt, 2003).
Relativamente à população alvo do estudo, elegemos
os adultos que frequentam os cursos EFA – NS, uma vez
que, para além de abranger uma faixa etária alargada,
estes são, na sua maioria, utilizadores recentes da Internet
e estão em formação num curso onde as Tecnologias
da Informação e da Comunicação (TIC) constituem um

290 junqueira&marin editores


FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Núcleo Gerador – tema a partir do qual se traçam as


Competências-Chave – comum a duas das três Áreas de
Competências-Chave que integram o plano curricular dos
cursos EFA – NS: Sociedade, Tecnologia e Ciência e Cultura,
Língua e Comunicação. Como não poderíamos estudar toda
esta população decidimos que integrariam o estudo: os
adultos, de ambos os sexos, que frequentassem os cursos
EFA – NS no concelho de Santa Maria da Feira ; os adultos,
desempregados ou não, que frequentassem os cursos EFA
– NS escolar ou de dupla certificação e, por fim, os adultos
que frequentassem os cursos EFA – NS e que fossem
utilizadores da Internet. A amostra é, assim, constituída
por 118 adultos, detentores dos requisitos apresentados,
que responderam ao inquérito por questionário. Dezanove
desses adultos responderam, ainda, a um conjunto de
questões sob a forma de entrevista semidirectiva. Os
formandos pertencem a 5 instituições distintas.

3. análise e discussão dos resultados


Analisamos, de seguida, os dados obtidos por
questionário e por entrevista, recorrendo, sempre que
pertinente, ao Referencial de Competências-Chave para a
Educação e Formação de Adultos de Nível Secundário e
ao estudo de Tomás Patrocínio (2004) sobre a questão da
Cidadania Digital.
A amostra é constituída por 118 indivíduos, dos
quais 38,1% (45) são do sexo masculino e 61,9% (73) do
sexo feminino e têm idades compreendidas entre os 19
e os 63 anos. Como vemos, integram a amostra pessoas,
maioritariamente, do sexo feminino, o que poderá estar
relacionado com o facto de o desemprego afectar mais
as mulheres (INE, 2010). Por exemplo, a Instituição A
tem duas turmas EFA – NS a funcionar com 30 alunos
desempregados, dos quais apenas 1 é do sexo masculino.
No que respeita à profissão/ actividade ocupacional,
a variedade de respostas é grande, o que poderá, na
nossa opinião, contribuir para enriquecer a partilha de
experiências. Ainda assim, a actividade ocupacional mais
referida é a de desempregado com 28,0% (33).

junqueira&marin editores 291


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Relativamente ao que os adultos mais fazem


quando acedem à Internet, 115 dos 118 inquiridos usam-
na para pesquisar informação, 113 para consultar o
correio electrónico e 75 para consultar páginas de serviços
públicos.
A pesquisa de informação é, quanto a nós, a actividade
mais elementar que se pode desenvolver na Internet,
daí, a quantidade de formandos a fazê-lo. Consideramos
que o curso influencia estes valores, uma vez que 116
adultos afirmam pesquisar informação, na Internet, para
a realização de trabalhos escolares. Estes formandos
revelam, contudo, alguma preocupação em planear os
objectivos e as fontes de informação antes de efectuarem
uma pesquisa, pois, como verificámos, são apenas 19
(de 117) os adultos que dizem nunca ou raramente fazer
esse planeamento. Na nossa opinião, essa planificação é
extremamente importante, dado que poderá contribuir
para diminuir o risco de sobrecarga cognitiva (Viseu, 2003).
Esta crescente preocupação parece reflectir-se no sucesso
que os adultos dizem ter nas pesquisas que realizam, pois 91
(de 118) dizem encontrar, frequentemente, ou sempre, as
informações que procuram na Internet. Essa preocupação
é, ainda, responsável por fazer com que apenas 8 adultos
desviem, frequentemente, ou sempre, a sua atenção dos
objectivos iniciais de pesquisa. Parece-nos, pois, que os
cursos EFA estão a desempenhar o seu papel de “bússola”
ao guiar os formandos na procura de informação (Gadotti,
2001: 35). A verificação da fiabilidade da informação,
embora requerendo novas competências relacionadas com
a selecção dos conteúdos (Bernardes & Fernandes, 2005),
parece ser, também, uma preocupação dos adultos, visto
que apenas 14 (de 117) afirmam que nunca ou raramente o
fazem. Constatámos, ainda, que o prestígio da instituição e
dos autores são as grandes preocupações dos adultos para
confiarem, ou não, na informação publicada. Achamos que
este cuidado pode contribuir para aumentar a qualidade
dos trabalhos realizados pelos formandos. Relacionado
com o sucesso dos trabalhos está, ainda, a identificação
das fontes de informação. Em relação a este aspecto, os
adultos estão cada vez mais sensibilizados, pois os que

292 junqueira&marin editores


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referem indicar sempre ou frequentemente, as fontes


de informação (46) são o dobro daqueles que, nunca
ou raramente o fazem (23). Porém, temos de salientar
o elevado número de adultos que diz indicar, por vezes,
as fontes de informação (48). Vejamos como justificou o
entrevistado 10 o facto de não colocar a bibliografia no
final dos trabalhos: “Se fosse pedido eu colocava, não é
pedido…”. É, de facto, importante que os formadores
exijam a identificação das fontes, contudo, consideramos
que esta atitude indica alguma desresponsabilização por
parte do adulto face à infracção cometida.
Ao analisarmos o estudo de Patrocínio (2004),
relativamente às actividades desenvolvidas pelo seu grupo
de entrevistados, verificamos que, em primeiro lugar,
se encontra a consulta do e-mail e, só depois, surgem
as pesquisas na Web, enquanto que no nosso acontece
o contrário. Pensamos que esta diferença se deva à
população alvo dos estudos que é claramente diferente.
Em oposição ao elevado número de adultos que
utiliza a Internet para pesquisar, surge o número reduzido
daqueles que a usam para participar em debates (4 em 118)
e assinar petições (7 em 118). A maioria dos entrevistados
alegou não participar em debates online por falta de
interesse, falta de tempo e desconhecimento. Embora a
falta de tempo sirva de desculpa em muitas situações,
temos de evidenciar o esforço destes adultos, dado que
a maioria trabalha durante o dia, estuda à noite e, ainda,
tem a família a seu cargo. Achamos, pois, que a falta de
tempo aliada à falta de interesse ou ao desconhecimento
dessa possibilidade faz com que os formandos não se
envolvam neste tipo de acções. Destacamos, ainda, que
mais de metade destes adultos (62) não utiliza a Internet
todos os dias, e 85, quando acedem à Internet, fazem-no
por um período igual ou inferior a 2 horas, o que poderá
indiciar que fazem-no com objectivos bem definidos.
Segundo Braga e Lopes (s/d), a Internet confere aos
cidadãos a possibilidade de se envolverem na vida pública
e de se expressarem livremente através de debates, no
entanto, estes adultos não se mostram, ainda, sensíveis a
estas questões. A participação em debates, de uma forma

junqueira&marin editores 293


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geral, está presente no Referencial de Competências-


Chave: “explorar a intervenção em debates públicos” e
“actuar de modo fundamentado e consistente nos debates
públicos sobre questões de carácter tecnológico” (Gomes,
2006: 45, 61). Comparando com o estudo de Patrocínio
(2004), este revelou, contrariamente ao nosso, que os seus
entrevistados estão atentos aos problemas que os rodeiam,
pois participam em baixo assinados e em petições.
A Internet é utilizada, cada vez mais, como meio
de comunicação, uma vez que apenas 21 adultos (de 116)
dizem que nunca ou raramente utilizam a Internet para
comunicar com amigos, familiares ou formadores. Como
vimos, o correio electrónico é um serviço muito utilizado
por estes adultos, visto que 113 (de 118) afirmam aceder
ao seu e-mail. Pensamos, pois, que a utilização da Internet
para comunicar poderá relacionar-se com o que afirmou o
formando 13: “falar com alguém através do Messenger é
bom… não gasto dinheiro”. Portanto, as razões de ordem
económica são, quanto a nós, um incentivo a esta forma de
comunicar. Ao analisarmos o Referencial de Competências-
Chave, verificamos existirem alguns Critérios de Evidência
relacionados com a comunicação na Internet, dos quais
destacamos o seguinte: “actuar comunicando através
dos meios tecnológicos disponíveis em contexto privado,
compreendendo os diferentes símbolos e suportes de
comunicação utilizados” (Gomes, 2006: 75).
Como referimos anteriormente, são 75 os adultos que
utilizam a Internet para aceder a sites de serviços públicos.
Nestes, as actividades que os adultos mais desenvolvem
são a consulta de informação (67) e o esclarecimento de
dúvidas (53). Consideramos que este uso é, ainda, passivo,
pois são poucos os que referem fazer downloads (17)
ou preencher e enviar formulários (21). Em relação aos
adultos entrevistados, 5 afirmam não aceder aos sites em
questão, porque têm quem resolva os problemas por si,
sentem mais confiança ao deslocarem-se às Instituições
ou, então, não sabem utilizar aqueles serviços. Dos 14
adultos que acedem, a maioria considera tirar partido das
potencialidades destes sites e, assim, facilitar a sua vida,
uma vez que evitam perder tempo e deslocar-se. O adulto

294 junqueira&marin editores


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9, é o único que admite não conseguir fazê-lo, porque


limita-se a consultar informação e acaba por deslocar-
se às Instituições. Deste modo, pensamos que o curso
deveria alertar os formandos para a existência destes sites
e das suas potencialidades, ainda que informalmente. Na
verdade, tal como referem Alves e Moreira (2004), estes
pretendem proporcionar melhorias à vida dos cidadãos
através da simplificação na prestação de serviços, da
rapidez e da facilidade na obtenção de informação e do
esclarecimento de dúvidas. No Referencial, encontramos
Critérios de Evidência que se relacionam com o governo
electrónico: “actuar em situações de relacionamento
com instituições privadas ou públicas compreendendo
as mudanças ocorridas nas formas de comunicação
pelo desenvolvimento dos equipamentos técnicos e
contextualizando a sua intervenção face ao leque de
escolhas possíveis” e “actuar através das novas tecnologias
de informação e comunicação para o preenchimento de
declarações de impostos” (Gomes, 2006: 71, 74).
Em relação aos conteúdos ilegais existentes online,
dos 114 adultos que responderam à questão, 45,6% (52)
nunca se depararam com esse tipo de conteúdos e 21,
9% (25) raramente se confrontam com eles. Realçamos a
percentagem reduzida de formandos que dizem deparar-
se com este tipo de conteúdos frequentemente e sempre
que acede à Internet (3,5% (4) cada). No que se refere
ao facto dos adultos conhecerem, ou não, sites onde
os conteúdos ilegais possam ser denunciados, 78,3%
(90), dos 115 que responderam à questão, afirmam não
conhecer sites onde possam denunciar esses conteúdos e,
21,7% (25), dizem conhecer. São 19 os adultos que já se
depararam com conteúdos ilegais e que conhecem sites
onde podem denunciá-los. Destes 19, 47,4% (9) dizem que
não costumam denunciar e, 52,6% (10) afirmam fazê-lo.
Salientamos que já são mais os formandos que se deparam
com conteúdos ilegais e que os denunciam do que aqueles
que não o fazem, apesar de conhecerem sites onde
denunciá-los, o que poderá indicar alguma sensibilidade
destes adultos em relação à problemática. Ainda assim,
pensamos que é preocupante, dado o papel de educadores

junqueira&marin editores 295


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ou futuros educadores, o elevado número de adultos que


afirma não conhecer sites onde possam denunciar os
conteúdos ilegais. Relativamente aos entrevistados, são
10 os que já se depararam com esse tipo de conteúdos,
mas nenhum deles os denunciou por desconhecerem sites
onde possam fazê-lo. São, também, alarmantes, mas, no
fundo, compreensíveis, as atitudes dos adultos quando
se deparam com conteúdos ilegais, pois se não conhecem
sites onde o possam fazer e, em alguns casos, desconhecem
essa possibilidade, o mais certo é que fechem a página e
ignorem- -nos, tal como afirmam fazer. Achamos, contudo,
que estes adultos poderiam assumir uma postura activa
e recorrer aos formadores ou pesquisar autonomamente
para se informarem sobre o assunto. Cogitamos, pois, que
o curso deve facultar o acesso a este tipo de informação,
de forma a que os adultos possam mudar as suas atitudes
perante estes conteúdos e, assim, contribuir para que este
problema seja combatido na sua origem, tal com defende
Vieira (2008), e para que possam, também, esclarecer
e informar familiares e amigos, visto que os adultos
entrevistados mostram-se interessados em debater estes
assuntos com outras pessoas. Além disso, a entrevistada
11 refere que o curso permitiu-lhe estar mais atenta ao
que a filha faz na Internet e curiosamente esta adulta
frequenta uma Instituição que, segundo a entrevistada 12,
organizou já duas palestras sobre a Segurança na Internet
em parceria com a Polícia Judiciária.
Em relação à votação em eleições através da Internet,
dos 113 adultos que responderam à questão, 47,8% (54)
dizem que é importante e 22,1% (25) acham que é pouco
importante. Salientamos que são mais os adultos que não
a consideram importante (21) do que aqueles que a acham
muito importante (13). As duas razões mais evocadas pelos
formandos para justificarem a importância da votação
electrónica foram: o aumento da participação democrática
dos cidadãos e a comodidade que poderá oferecer. Na nossa
opinião, a última razão evocada mostra que, por vezes, os
cidadãos não votam pelo facto de terem de se deslocar.
Salientamos, ainda, a sensibilidade destas pessoas para
com as causas ambientais e para com os indivíduos com

296 junqueira&marin editores


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necessidades especiais. Relativamente aos entrevistados,


14 consideram que esta forma de votação contribuirá para
aumentar a participação democrática dos cidadãos. Foram
várias as razões apontadas: 5 consideram que facilita em
caso de indisponibilidade, 3 alegam que a predisposição
dos jovens seria maior, 2 acham que seria uma forma dos
emigrantes contribuírem, 2 afirmam que evitaria as filas de
espera, 2 dizem que evitaria as deslocações, e 1, acha que
facilitaria o acto às pessoas doentes ou com necessidades
especiais. São, portanto, 5 os entrevistados que acreditam
que esta forma de votar não contribuirá para aumentar
a participação democrática dos cidadãos, porque não irá
transmitir segurança, só votará pela Internet quem já se
interessa por estas questões e a população está demasiado
envelhecida. Alves e Moreira (2004), salientam que esta
forma de votação poderá diminuir a confiança dos cidadãos
pela inexistência de um suporte físico, no entanto, os
adultos entrevistados parecem confiar na votação pela
Internet e, prova disso, são os 13 entrevistados que irão
optar pelo voto electrónico caso venha a ser implementado.
Curiosamente, dos 6 adultos que afirmam preferir os votos
tradicionais, apenas 1 alega sentir falta de confiança na
votação pela Internet
Para terminar, centremo-nos na questão da
integração dos adultos no mundo da Internet. Dos 115
inquiridos que responderam à questão, 56,5% (65) sentem-
se completamente integrados, enquanto que 43,5% (50)
responderam que não. Como vemos, a diferença é apenas
de 15 indivíduos, o que não é significativo. Em relação
às entrevistas, estas revelaram a dificuldade dos adultos
em resumirem a resposta a um sim ou a um não, pois 2
optaram por explicar, porque é que, por vezes, se sentem
integrados e, outras vezes, não. Dizem que satisfazem
as suas necessidades, no entanto, não participam, por
exemplo, em inúmeras redes sociais. Os entrevistados que
responderam afirmativamente justificaram-se, dizendo que
são capazes de fazer tudo o que querem através da Internet
e este é, de facto, o nosso entendimento. Achamos que
estar integrado não requer, por exemplo, a participação
em redes sociais ou em jogos como o farmvilles. Requer,

junqueira&marin editores 297


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sim, que a pessoa consiga tirar partido da Internet para


satisfazer as suas necessidades. Por sua vez, os que não se
sentem integrados justificam-no de forma interessante ao
afirmarem que estamos constantemente a aprender e, na
verdade, a Internet está em constante evolução para o bem
e para o mal. Por isso, consideramos que a capacidade que
cada um de nós possui para aprender a aprender ao longo
da vida e de saber o que fazer com o que aprendemos
(Castells, 2004a) é fundamental no mundo da Internet,
pois é, de facto, essa capacidade que irá permitir que as
pessoas estejam mais ou menos integradas.

considerações finais
Esta investigação tinha como objectivo dar a conhecer
“as práticas, as atitudes, as maneiras de pensar e os valores”
(Lévy, 1997: 17) que os adultos, inseridos nos cursos EFA –
NS, têm sobre e na Internet. Para o conseguirmos alcançar,
começámos por efectuar um conjunto de pesquisas
bibliográficas que se revelaram fundamentais para a
realização do trabalho empírico. Para a sua concretização,
utilizámos o inquérito por questionário e o inquérito por
entrevista semidirectiva, cujas respostas foram analisadas
com recurso à análise estatística e à análise de conteúdo,
respectivamente.
Concluímos que as representações que estes adultos
têm acerca da Internet podem ser divididas em dois grupos.
Por um lado, os adultos consideram que a Internet é aquilo
que os utilizadores fizerem dela e, por isso, tem coisas
boas e coisas más. É uma ferramenta muito útil, na medida
em que veio facilitar a vida às pessoas; é uma biblioteca,
onde se pode encontrar informação sobre quase tudo e
de forma rápida; permite aos utilizadores chegar a todo o
lado e divulgar informação própria. Por outro lado, pensam
que a Internet não é de confiança, que torna as pessoas
cómodas e que veio interferir no normal funcionamento
das famílias e nas relações humanas.
Vimos que a quantidade de informação que chega
até nós e a rapidez com que é transmitida tem aumentado
consideravelmente. Neste sentido, defendemos que a

298 junqueira&marin editores


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Educação de Adultos deve promover o desenvolvimento


de competências ligadas à literacia tecnológica e
informacional, uma vez que estas são essenciais para que
os indivíduos consigam seleccionar a informação, validá-
la e transformá-la em conhecimento útil, ou seja, para
formar indivíduos suficientemente críticos e capazes de
organizar e incorporar a informação a que acedem, de
forma a que esta não seja um mero amontoado de dados
indiscriminados (Bindé, 2007). Parece-nos, pois, que este é
o caminho que nos levará a alcançar verdadeiras Sociedades
do Conhecimento, das quais fazem parte indivíduos bem
informados, responsáveis, críticos e participativos.
Os resultados desta investigação reforçam a nossa
convicção de que as competências relativas à literacia
tecnológica e informacional devem ser desenvolvidas nos
formandos que frequentam os cursos EFA – NS, porque
verificámos que os adultos, pertencentes à nossa amostra,
recorrem à Internet para pesquisar informação mais do
que a qualquer outra fonte, nomeadamente, os livros.
Realçamos, contudo, que estes adultos demonstram já
alguma preocupação em traçar os objectivos iniciais da
investigação e as fontes de informação, pois acreditam
que é uma forma de não desviarem a sua atenção
desses mesmos objectivos, de assegurarem a fiabilidade
da informação e, portanto, de alcançarem o sucesso
nas pesquisas que realizam. Em relação à questão da
fiabilidade da informação, Bindé (Idem: 335) defende “a
criação de normas e linhas de orientação objectivas que
permitam aos utilizadores da Web identificar sites cuja
informação é particularmente de confiança”. Porém,
impõem-se algumas questões: Esta, não será uma
forma de contribuir para a passividade das pessoas?
Continuaremos a ser meros consumidores de informação
quando, afinal, o que se deseja é a formação de cidadãos
participativos, reflexivos e críticos? Não será a formação a
arma adequada para esta luta? De facto, parece-nos que o
sistema educativo deverá, logo desde o 1.º Ciclo do Ensino
Básico, apostar no desenvolvimento de competências
ligadas à literacia tecnológica e informacional, de forma a
que as crianças se tornem adultos capazes de tirar partido

junqueira&marin editores 299


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das potencialidades oferecidas pela Internet, quer para


facilitar a sua vida, utilizando, por exemplo, os vários
serviços disponibilizados pelo governo electrónico que tem
como objectivo melhorar a qualidade e a comodidade dos
mesmos, quer para transformá-la numa nova ferramenta
ao serviço da cidadania.
Apurámos, também, que estes adultos desenvolvem,
na Internet, algumas das actividades mais elementares
que se podem realizar, subvalorizando a troca de
experiências e de saberes com outros utilizadores e, ainda,
a oportunidade de lutarem por determinadas causas com
as quais não concordam. Os dados recolhidos indicam
que os cursos EFA – NS não incentivam os adultos, tanto
quanto seria de desejar, a efectuar este tipo de actividades
através da Internet. Sublinhamos, contudo, que ouvimos
apenas uma das partes envolvidas. Parece-nos que esta é
uma questão que poderá vir a ser resolvida a longo prazo.
Para isso, é fundamental a sensibilização das gerações mais
jovens para o contributo que a Internet pode proporcionar
à relação governo/ cidadãos, nomeadamente, ao facilitar
o acesso à informação pública, a realização de inquéritos
e a interacção em tempo útil e, ainda, à relação entre os
utilizadores da Internet ao possibilitar a troca de saberes
e de experiências e ao permitir a realização de debates
sobre os mais variados temas. Julgamos que os mais
jovens, como futuros adultos e tendo em conta que estão
já familiarizados com este medium, devem ser incentivados
a utilizá-lo para algo mais do que a mera consulta de
informação. Porém, estarão os jovens interessados em
participar no relacionamento governo/ cidadãos? Têm
sido sensibilizados, ao longo do seu percurso escolar, para
esta forma de participação e de relacionamento? Estarão
as nossas escolas disponíveis para a sensibilização destes
jovens no que à democracia electrónica diz respeito?
Na verdade, se os jovens não forem incentivados e
sensibilizados para a participação através da Internet
teremos, no futuro, adultos que, apesar de terem crescido
com a evolução das TIC, continuam a utilizá-la para o
mais elementar, não tirando partido das suas inúmeras
potencialidades.

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FORMAÇÃO E PROFISSÃO DOCENTE

Na nossa opinião, a Internet, quando bem


utilizada, contribui para consciencializar os cidadãos dos
problemas globais e, consequentemente, para uma maior
responsabilização. Por isso, é necessário que os cidadãos,
no contexto actual, sejam participativos, responsáveis,
informados e atentos, de forma a que possam manifestar-
se e intervir sobre os vários problemas que afectam a
humanidade. Como tal, consideramos que a Internet poderá
transformar-se, gradualmente, numa ferramenta ao serviço
da cidadania, dado que possibilita “novas perspectivas de
actuação aos cidadãos” (Oliveira, 2000: 147). Achamos que
é fundamental que este instrumento esteja acessível a todas
as pessoas, contudo, estas devem possuir um conjunto
de competências relativas à literacia informacional que
assegure o acesso a mais e a melhor informação.
Para concluir, tendo em conta os resultados do
estudo efectuado, pensamos que estes adultos não podem
ser considerados infoexcluídos, porque, a maioria, não
pertencendo à geração de indivíduos que cresceram com
a evolução das TIC, tem-se esforçado por se adaptar a esta
realidade, efectuando novas aprendizagens. A expressão de
Tomás Patrocínio (2004), cidadãos digitais em construção,
é a que melhor se adequa, porque utilizam a Internet para
aquilo de que necessitam no seu dia-a-dia, utilizam-na
já para facilitar a sua vida e, tendo consciência de que a
Internet é um mundo que está sempre em evolução e onde
aparecem todos os dias coisas novas, demonstram vontade
de continuar a aprender. ⌂

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