Sei sulla pagina 1di 12

CRIMINALIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS DE LUTA PELO DIREITO À

MORADIA E À CIDADE: uma leitura a partir das categorias gramscianas de


sociedade civil, hegemonia e ideologia
1
Carina de Santana Alves
2
Vinicius Pinheiro de Magalhães
3
Maria da Conceição Almeida Vasconcelos

Resumo: O presente artigo tece breves reflexões acerca


do processo de criminalização dos movimentos sociais de
luta por moradia a partir das categorias gramscianas
sociedade civil, hegemonia e ideologia. Busca-se
compreender, a partir de revisão bibliográfica, a
pertinência das referidas categorias para analisar o
processo de criminalização dos movimentos sociais.
Percebe-se que os discursos de criminalização,
expressam a hegemonia das formas de viver e pensar da
classe dominante, que, no entanto, são confrontados por
processos de resistência e construção de uma contra-
hegemonia, que refletem disputa entre distintos projetos
societários de classe na sociedade civil.
Palavras-chave: movimentos sociais; sociedade civil;
hegemonia; ideologia; criminalização.

Abstract: This article weaves brief reflections on the


process of criminalization of social movements of struggle
for housing from the categories Gramscianas civil society,
hegemony and ideology. It seeks to understand, from a
bibliographical revision, the relevance of these categories
to analyze the process of criminalization of social
movements. It is understood that the discourses of
criminalization, express the hegemony of the ways of
living and thinking of the ruling class, which, however, are
confronted by processes of resistance and construction of
a contra-hegemonia, which reflect dispute between
distinct Corporate class projects in civil society.
Key words: social movements; civil society; Hegemony;
Ideology; Criminalisation.

1 INTRODUÇÃO

1
Estudante de Pós-Graduação. Universidade Federal de Sergipe – UFS. E-mail: carinadsa@yahoo.com.br
2
Universidade Federal de Sergipe – UFS
3
Universidade Federal de Sergipe – UFS
Para compreender os processos de criminalização dos movimentos sociais
optou-se por percorrer um caminho que passa pela discussão teórica das categorias
Estado, ideologia, sociedade civil e hegemonia, a partir de uma leitura marxista, em
especial de Gramsci. Entende-se que aí residem os fundamentos através dos quais é
possível compreender como esses processos de hegemonia revelam conflitos de
classes que têm origem na produção e reprodução da vida material na sociedade
capitalista.
Gramsci, histórica e concretamente situado no período pós-primeira guerra e
de ascensão do fascismo na Itália, esteve preocupado em compreender a função do
intelectual na sociedade, considerando inseparavelmente as dimensões educativa e
política e a organização da cultura organicamente ligada ao poder dominante (direção
social que se impõe pelo domínio das esferas da coerção e do consenso) na
sociedade (MONASTA, 2010).
De acordo com Gramsci (1982), cada grupo social, com fundamento na
posição de ocupação no mundo da produção, cria, de forma orgânica, sua camada de
intelectuais que dá homogeneidade e consciência da função que ocupa. Mas Gramsci
chama a atenção para as mediações que existem nessa relação entre os intelectuais
orgânicos e o mundo da produção. Ela é, portanto, “’mediatizada’, em diversos graus,
por todo o contexto social, pelo conjunto das superestruturas” (GRAMSCI, 1982, p.
10). Na esfera da sociedade civil essa relação se dá através dos aparelhos privados
de hegemonia (partidos políticos, sindicatos, escolas, igrejas etc.) e na sociedade
política ou Estado “que correspondem à função de ‘hegemonia’ que o grupo
dominante exerce em toda a sociedade e àquela de domínio direto ou de comando,
que se expressa no Estado e no governo ‘jurídico’” (GRAMSCI, 1982, p. 11). Assim, o
autor elucida
Gramsci propõe, nesse sentido, uma nova relação entre economia e política e
a distinção entre sociedade política – “aparelho de coerção estatal” – e sociedade civil,
conforme traz Simionatto (2011, p. 71), ao afirmar que, para Gramsci, “[...] a sociedade
civil compreende o conjunto de relações sociais que engloba o devir concreto da vida
cotidiana, da vida em sociedade, o emaranhado de instituições, ideologias, projetos e
interesses de classe distintos e, portanto, espaço de disputa pela hegemonia”. É no
terreno da sociedade civil, espaço político de conflito entre as classes sociais, que se
inscrevem os movimentos sociais na disputa pela direção social e ideológica na esfera
do consenso (hegemonia).

2 OS MOVIMENTOS SOCIAIS PELO DIREITO À MORADIA E À CIDADE E O


PROCESSO DE CRIMINALIZAÇÃO

Coutinho (1992, p. 73) pontua que a novidade no conceito de sociedade civil


em Gramsci é que ele a coloca como “portadora material da figura social da
hegemonia, como esfera de mediação entre a infraestrutura econômica e o Estado em
sentido restrito”. Diferentemente de Marx, Gramsci localiza a sociedade civil na esfera
da superestrutura e não na infraestrutura. Para Coutinho (1992), no entanto, isso não
significa que o autor não reconheça a centralidade ontológica da esfera infraestrutural,
da produção e reprodução da vida material. Para o autor, o que ocorre é que Gramsci
reconhece como pressupostos o materialismo histórico-dialético e os elementos da
teoria de Estado contidos em Marx e a amplia com o conceito de sociedade civil.
Gramsci parte da concepção de Estado de Marx, donde as condições materiais
de uma sociedade são a base de sua estrutura social e da consciência humana.
Portanto, o Estado emerge das relações sociais de produção, não é um ente exterior e
superior à sociedade, não é eterno nem a-histórico. Assim, o Estado é instrumento
essencial de dominação de uma classe sobre a outra, encoberto pelo véu do interesse
geral da sociedade (CARNOY, 1988). Do ponto de vista da estrutura do Estado e do
modo como faz valer seu caráter de classe, Coutinho (1992) afirma que os clássicos,
Marx, Engels e Lênin, avaliaram o Estado como aparelho repressivo, que se utiliza do
monopólio legal da força e da violência, dado o contexto histórico e as formas
assumidas pelo Estado no período analisado por esses autores. Como esclarece
Coutinho (1992, p. 75)

Pois essa percepção do aspecto repressivo (ou ditatorial) como aspecto


principal de dominação de classe corresponde, em grande medida, à
natureza real dos Estados com os quais se defrontaram Marx, Engels e
Lênin. Numa época de escassa participação política, quando a ação do
proletariado se exercia sobretudo através das vanguardas combativas mas
pouco numerosas, atuando compulsoriamente na clandestinidade, era natural
que esse aspecto repressivo do Estado burguês se colocasse em primeiro
plano na própria realidade e, por isso, merecesse a atenção prioritária dos
clássicos.

Gramsci, no entanto, estava em um contexto histórico-social distinto, no qual o


Estado havia se complexificado: socialização da participação política, criação dos
partidos políticos e sindicatos. Surge, portanto, “uma esfera social nova, dotada de leis
e de funções relativamente autônomas e específicas, tanto em face do mundo
econômico quanto dos aparelhos repressivos do Estado” (COUTINHO, 1992, p. 75).
O Estado, para Gramsci, comporta duas esferas distintas: a sociedade política,
enquanto um conjunto de mecanismos através dos quais a classe dominante detém o
monopólio da repressão e da violência; e a sociedade civil, um conjunto de
organizações responsáveis pela elaboração e difusão de ideologias que compreende
o sistema escolar, igreja, partidos políticos, sindicatos.
Assim, a partir da concepção ampliada de Estado, reforça-se, no pensamento
gramsciano, a importância da formação de consenso social que garanta a reprodução
das relações sociais capitalistas, “uma vez que não existe sociedade baseada na pura
violência”, não basta ao Estado, para efetivar sua dominação, utilizar apenas os
aparelhos repressivos, ele necessita também obter o consenso das massas, através
da ideologia (IAMAMOTO; CARVALHO, 2011, p. 115).
Nesse sentido, resumindo as concepções de Estado dos clássicos Marx e
Gramsci, bem como suas ênfases, é possível constatar na concepção de Estado de
Marx uma ênfase no caráter repressivo e coercitivo, dado o contexto do século XIX de
pouca socialização política. O Estado compreendido de forma mais ampliada em
Gramsci engloba o caráter de consenso, mesmo não negando sua dimensão
repressiva, como fruto do período histórico do século XX, onde a socialização política
já é uma realidade (COUTINHO, 1992; SIMIONATTO, 2011).
De acordo com Coutinho (1992), Gramsci concentra suas análises na esfera da
sociedade civil, onde estão os conjuntos de aparelhos de hegemonia, “organismos
sociais específicos e relativamente autônomos em relação à sociedade política”
(COUTINHO, 1992, p. 77). Nesse sentido, a hegemonia ganha um espaço específico
e autônomo.
Com o avanço do desenvolvimento das sociedades capitalistas e a
socialização da participação política através dos partidos proletários e a possibilidade
de votar e ser votado, a ideologia ganha centralidade e a busca pelo consenso
demanda a criação de instituições que passam a funcionar de maneira autônoma,
onde se funda a sociedade civil. Posto que a direção política e ideológica não pode se
dar somente pela força coercitiva, o Estado necessita agora de instituições, na esfera
da sociedade civil, que têm a função de promover o consenso.
Daí decorre a proposta política de Gramsci para superação do capitalismo,
com a concepção da guerra de posição. Ora, se o autor reconhece a relação
relativamente autônoma entre sociedade civil e sociedade política (Estado em sentido
restrito) e a importância do consenso e do domínio ideológico, além do domínio
coercitivo, a superação dessa forma de sociedade não pode se dar simplesmente pela
tomada do aparelho coercitivo do Estado. Ela deve ocorrer também pela disputa da
hegemonia no âmbito da sociedade civil, ou seja, o Estado – em sentido amplo – deve
ser enfraquecido “progressivamente pela ocupação de espaços situados em seu
interior” (COUTINHO, 1992, p. 81). Trata-se de uma disputa ideológica, uma luta, no
campo do consenso, pela direção social do Estado.
A concepção de ideologia em Marx tem um sentido negativo, que designa
ilusão ou ideia falseada da realidade, através da ideologia da classe dominante.
Marx (2009, p. 31) diz:

A produção das ideias, representações, da consciência está em princípio


diretamente entrelaçada com a vida material e o intercâmbio material dos
homens, linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio
espiritual dos homens aparece aqui ainda como direta exsudação do seu
comportamento material. O mesmo se aplica à produção espiritual como ela
se apresenta na linguagem da política, das leis, da moral, da religião, da
metafísica etc., de um povo. Os homens são os produtores das suas
representações, ideias etc., mas os homens reais, os homens que realizam,
tal como se encontram condicionados por um determinado desenvolvimento
das suas forças produtivas e pelas relações que a estas correspondem até as
suas formações mais avançadas.

Em A Ideologia Alemã, Marx (2009, p. 67) afirma que “as ideias da classe
dominante, ou seja, a classe que é o poder material dominante da sociedade é, ao
mesmo tempo, o seu poder espiritual dominante”. Portanto, a ideologia para Marx,
assim como para Gramsci, tem base material na realidade concreta da produção e
reprodução da vida material e a forma como ela se organiza. No entanto, em Gramsci,
conforme Cardoso (2005) chama atenção, a ideologia não tem significado negativo,
como ilusão ou ideia falsa da realidade, mas é entendida como uma concepção de
mundo, expressa em diferentes níveis.
A ideologia na obra de Gramsci é um dos conceitos fundamentais, como
elemento que tem “um peso decisivo na organização da vida social e se torna força
material quando ganha a consciência das massas” e “[...] podem possibilitar o
encaminhamento de processos revolucionários ou conservadores por parte de grupos
e classes sociais”. Para Gramsci, a ideologia se expressa de maneira diversa, em
diferentes níveis no conjunto cultural: senso comum, religião, filosofia, etc.
(SIMIONATTO, 2011, p. 77).

Para Gramsci, é no terreno do senso comum que as classes


subalternas incorporam as ideologias dominantes, cuja pretensa
verdade se impõe às classes subalternas como única, como
superstição. É, portanto, no terreno ideológico que se produzem e se
mantêm, em função da divisão da sociedade em classes antagônicas,
as resistências aos impulsos de unificação da consciência humana. O
senso comum é explorado e utilizado pelas classes dominantes para
cristalizar a passividade popular e bloquear a autonomia histórica que
poderia resultar, para as massas, no seu acesso a uma filosofia
superior. O que importa, neste projeto da burguesia, é fazer com que
as massas não tenham a possibilidade de assimilar com profundidade
uma nova concepção de mundo [...] (SIMIONATTO, 2011, p. 81).

A partir dessa perspectiva infere-se que é no terreno ideológico, através dos


aparelhos privados de hegemonia, entre os quais, a mídia, que a classe dominante
difunde o discurso ideológico de criminalização dos movimentos sociais, com o
objetivo de minar os processos de resistência empreendido pelos mesmos na direção
da construção de uma nova perspectiva de sociedade.
Simionatto (2011, p. 49) chama a atenção para o fato de que hegemonia para
Gramsci diz respeito à direção intelectual e moral exercida no campo das ideias e
cultura de uma classe sobre a outra na conquista do consenso. Nesse processo, uma
classe é subsumida à outra pela força das ideias repassadas através dos aparelhos
privados de hegemonia: “escola, Igreja, os jornais e os meios de comunicação de
maneira geral”.
No entanto, esse é um processo dialético e pleno de contradições, portanto, as
classes dominantes não ficam isentas de processos de resistência e oposição pelas
classes subordinadas “em um processo de luta pelo encaminhamento de uma nova
ordem social” (SIMIONATTO, 2011, p. 47).
Para Cardoso (2005, p. 5), em Gramsci, a constituição da ideologia das classes
subalternas é fundamental para a conquista da hegemonia, rompendo com a
dominação ideológica das classes dominantes.

A preocupação de Gramsci com a passagem das classes subalternas à


posição hegemônica não se coloca apenas no terreno econômico, mas está
vinculado à necessidade de um novo projeto cultural que seja capaz de
propiciar a elaboração de uma concepção de mundo própria das classes
subalternas, autonomizando-a em face de domínio ideológico das classes
dominantes. Ou seja, liberando-a da racionalidade capitalista.

Pereira (2014) elenca a criminalização como um dos desafios postos aos


movimentos sociais urbanos no Brasil na contemporaneidade. Os movimentos sociais,
enquanto sujeitos políticos, estão relacionados a distintos projetos societários, com
determinações históricas concretas no processo de produção e reprodução da vida
material, ou seja, no modo de produção.
Para a autora, movimentos sociais é uma designação utilizada para “a
complexidade de formas organizativas e de sujeitos coletivos na Modernidade”
(PEREIRA, 2014, p. 121). Com o avanço das relações mercantis e a expansão das
cidades modernas, no século XIX, tornam-se, conforme retoma a autora, mais
expressivos os enfrentamentos entre as classes sociais, especialmente devido às
precárias condições de moradia e as jornadas de trabalho. Esses “problemas” passam
a ser designados como questão social e tornam-se também alvos de enfrentamento
por parte da burguesia e do Estado. A autora defende que a criminalização dos
movimentos sociais tem origem desde o início de sua tematização, considerado, a
partir da perspectiva positivista, como um problema ou disfunção.
De acordo com Guimarães (2015), o urbano é o espaço onde a luta de classes
tem se revelado de fundamental importância. Esse espaço é produzido e reproduzido
em relação intrínseca com o processo de acumulação do capital e exploração do
capital sobre o trabalho, assim, portanto, movimentos de resistência também estão
presentes.
Os movimentos sociais urbanos são, no entanto, expressão dos conflitos entre
as classes sociais no modo de produção da vida material, orientado “pelo projeto
societário da classe trabalhadora ao constituir consciência política que permita se
reconhecer como ‘classe para si’ (Marx, 2011) e reivindicar a melhor partilha da
riqueza socialmente produzida no contexto das cidades modernas” (PEREIRA, 2017,
p. 124).

Nesta perspectiva entende-se que os movimentos sociais urbanos, em sua


diversidade, se destacam por possuir uma ou mais das seguintes
características: 1) se originem de demandas específicas; 2) se originarem
fora do espaço produtivo formal, apesar de parte de seus integrantes estarem
em espaços produtivos formais; 3) terem elementos da luta classista em sua
formulação e organização; 4) serem autônomos em relação ao governo; 5)
terem como tática a realização de ações diretas; 6) articularem em sua luta
diferentes elementos da vida cotidiana na cidade; 7) posição anticapitalista;
estabelecerem canal de diálogo com o poder público para a garantia das
demandas imediatas; 9) ação continuada; 10) possuir metodologia
organizativa, entre outros (FARAGE, 2014, p. 251).

Os movimentos sociais estão, portanto, orientados teleologicamente, na


direção de um projeto societário da classe trabalhadora ao tensionarem a ordem
societária vigente, alguns de forma mais radical, outros numa perspectiva reformista.
Por essa razão, a criminalização é um processo permanente, conforme defende
Pereira (2014), posto que sua origem está na hegemonia dos valores burgueses, que
os movimentos sociais em geral, e pelo direito à moradia e à cidade, colocam em
xeque.
Sem a pretensão de abordar de forma aprofundada, mas compreendendo a
importância de situar as particularidades da formação sócio-histórica brasileira para
caracterizar os movimentos sociais dada a especificidade dos processos políticos que
aqui se desenvolveram, cabe expor os processos que aqui engendraram as relações
entre as classes e destas com o Estado. Assim, de acordo com Fernandes (1976), a
constituição do Brasil moderno se dá por uma articulação entre o velho e o novo, entre
as relações capitalistas e pré-capitalistas, entre moderno e atrasado, numa revolução
pelo alto, revolução passiva, nos termos de Gramsci, excluindo grande parte da
população dos processos de decisão. Portanto, o escravismo e o colonialismo deixam
marcas na organização dos sujeitos políticos, que só ocorre de forma mais
sistemática, conforme Pereira (2014), a partir da década de 1950 com a crítica ao
projeto desenvolvimentista.
Esse processo de organização esbarra na ditadura militar, a partir de 1964 e a
repressão e criminalização aos movimentos, partidos políticos, associações e
sindicatos, em nome do desenvolvimento do projeto dos países capitalistas centrais
associados a frações da burguesia nacional. Com a crise da ditadura, Pereira (2014)
afirma que os movimentos sociais vão se reconstituindo com pautas relativas ao
acesso à riqueza, à participação, liberdade e democracia. E se intensificam na década
de 1980 no processo da constituinte, com algumas conquistas formais na Constituição
de 1988.
A década de 1990 é pontuada por diversos autores como o marco do início da
implementação do receituário neoliberal no Brasil. Ele fornece base política e
ideológica para o processo de reestruturação produtiva necessária à retomada dos
níveis de lucratividade do capital pós-crise de 1970. Assim, dois elementos respondem
pela dificuldade de mobilização e organização enfrentadas pelos movimentos sociais
na atualidade: “o peso da formação sócio-histórica brasileira e, nos dizeres de Ivo
Tonet (2009), as expressões socioculturais da crise capitalista na atualidade, que traz
como uma de suas manifestações o alargamento da ideologia individualista”.
(GUIMARÃES, 2015, p. 726).
Assim, Marx é sempre atual na constatação de que a estrutura econômica
(objetiva) da sociedade se relaciona com a dimensão superestrutural (subjetiva),
engendrando modos de ser e pensar que legitimem ou neguem o sistema de
produção. Gramsci (2008), marxista ortodoxo, expressou bem essa relação em
Americanismo e Fordismo, ao constatar que o modo de vida americano (dimensão
subjetiva), tratado como ideologia do american way of life, foi profundamente
necessário ao modelo de produção fordista. Nessa mesma perspectiva que se insere
a ideologia individualista como legitimadora e intrinsecamente relacionada ao modelo
neoliberal.
Sobre esse processo Barroco (2015, p. 624) é esclarecedora

Para enfrentar ideologicamente as tensões sociais decorrentes da ofensiva


neoliberal, no contexto da crise mundial do capitalismo dos anos 1970, o
conservadorismo se reatualizou, incorporando princípios econômicos do
neoliberalismo, sem abrir mão do seu ideário e do seu modo específico de
compreender a realidade. O neoconservadorismo apresenta-se, então, como
forma dominante de apologia conservadora da ordem capitalista, combatendo
o Estado social e os direitos sociais, almejando uma sociedade sem
restrições ao mercado, reservando ao Estado a função coercitiva de reprimir
violentamente todas as formas de contestação à ordem social e aos
costumes tradicionais.

Assim, o processo de criminalização e repressão violenta aos movimentos


sociais é intensificada pelo avanço do conservadorismo, o que “adensa e torna mais
agudos os impasses postos ao avanço das forças populares, nos levando a crer em
uma reatualização das formas de dominação política historicamente empreendidas
pelas oligarquias tão presentes e atuantes nas cidades brasileiras” (GUIMARÃES,
2015, p. 740).
Concentrados nas mãos de empresários e poucas poderosas famílias, os
meios de comunicação, a mídia, têm papel central no sentido de despolitizar e
criminalizar os movimentos sociais. Exemplo dessa dinâmica é a caracterização dos
processos de ocupação, estratégia legítima muito utilizada pelos movimentos de luta
por moradia e direito à cidade, como invasão, com claro caráter pejorativo e
criminalizante dos movimentos. Assim, enquanto aparelho privado de hegemonia, a
mídia está longe de ser neutra ou imparcial, ao contrário, está perpassada pela
ideologia dominante, contribuindo para a criminalização dos movimentos sociais.
O que se infere é que na especificidade do Brasil a disputa ideológica contra-
hegemônica, sobretudo aquela que faz frente a ideologia criminalizadora dos
movimentos sociais que lutam por moradia, encontra dificuldades determinadas pelo
ranço colonial atrofiador da participação popular; pela capilarização hegemônica de
uma ideologia individualizora; e pela monopolização dos meios de comunicação,
posse de uma burguesia reacionária e conservadora. Entretanto, as referidas
dificuldades para a luta contra-ideológica no contexto dos movimentos sociais que
lutam por moradia tornam mais atual e relevante ainda a categoria Guerra de Posição.
A teoria de Gramsci nos rouba todas as possibilidades de nos tornarmos fatalistas,
imprimindo-nos a consciência de uma tarefa contra-ideológica cotidiana.

3 CONCLUSÕES

A partir da perspectiva de análise adotada, para compreender os movimentos


sociais, em especial os movimentos de luta por moradia e direito à cidade, é
fundamental situá-los na esfera política da sociedade civil onde se expressam os
conflitos entre as classes sociais e projetos societários distintos através das disputas
ideológicas.
Com a contribuição fundamental de Gramsci para a tradição marxista, é
possível compreender o Estado em sentido ampliado, onde a esfera política – das
disputas ideológicas pela hegemonia, ganha centralidade no processo revolucionário
na construção de outra sociedade. Na medida em que o Estado burguês não pode se
valer apenas do uso da força, mas precisa do consenso para legitimar-se socialmente.
Daí o papel decisivo da ideologia “na organização da vida social, pois se realiza
concreta e historicamente, resultando do movimento da estrutura social” (CARDOSO,
2005, p. 4).
Em que pese a direção hegemônica da classe dominante, a partir do controle
dos aparelhos privados de hegemonia, os movimentos sociais tensionam essa direção
pautando, na estratégia e no discurso, um projeto societário distinto, marcado pela
concepção de mundo, ideologia das classes subalternas, “condição essencial para a
conquista da hegemonia dessas classes (CARDOSO, 2005, p. 4). Por isso, os
processos de criminalização são inerentes à constituição dos movimentos e ocorrem
de forma permanente e se reatualizam a partir das conjunturas sócio-históricas e
político-ideológicas.
Contemporaneamente, dado o avanço do neoconservadorismo e do discurso
político e ideológico neoliberal, reconfiguração da esfera produtiva e do Estado em
resposta à crise do capital, os processos de criminalização se intensificam, tendo na
mídia, enquanto aparelho privado de hegemonia, um agente de papel fundamental na
difusão da ideologia dominante.

REFERÊNCIAS

BARROCO, M. L. S. Não Passarão! Ofensiva neoconservadora e Serviço Social.


Serviço Social e Sociedade, n. 124. São Paulo: Cortez, 2015, p. 623- 636.

CARDOSO, F. G. Organização e consciência de classe: condições para a conquista


da hegemonia pelas classes subalternas. II Jornada Internacional de Políticas
Públicas. Anais... São Luís/Maranhão, 2005.

CARNOY, M. Estado e teoria política. 2. ed. São Paulo, Papirus, 1988.


FARAGE, Eblin. Experiências profissionais do Serviço Social nos movimentos sociais
urbanos. In: ABRAMIDES, B.; DURIGUETTO, M. L. (ORGS.). Movimentos sociais e
Serviço Social: uma relação necessária. São Paulo: Cortez, 2014.

FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaios de uma interpretação


sociológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1976.

GUIMARÃES, M. C. R. Os movimentos sociais e a luta pelo direito à cidade no Brasil


contemporâneo. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 124, p. 721-745,
out./dez. 2015.

GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. Rio de Janeiro:


Civilização Brasileira, 1982.

______. Americanismo e Fordismo. Quaderni del carcere. Tradução Gabriel


Bogossian. Notas Alvaro Bianchi. São Paulo: Hedra, 2008.

IAMAMOTO, Marilda Vilela; CARVALHO, Raul de. Relações sociais e Serviço Social
no Brasil: esboço de uma interpretação histórico-metodológica. 33. ed. São Paulo:
Cortez, 2011.

MONASTA, Attilio. Antonio Gramsci. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora


Massangana, 2010.

PEREIRA, T. D. Movimentos urbanos: lutas e desafios contemporâneos. In:


ABRAMIDES, B.; DURIGUETTO, M. L. (ORGS.). Movimentos sociais e Serviço
Social: uma relação necessária. São Paulo: Cortez, 2014.

SIMIONATTO, Ivete. Gramsci: sua teoria, incidência no Brasil, influência no serviço


social. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

Potrebbero piacerti anche