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conceitos e submetê-los à avaliação empírica, enfim, engajar-se simultaneamen- temente fecunda de novidades?", Resumindo: se é compreensível que, não obs-
te num processo ele objetivação e de questionamento crítico, eis os aspectos mais tante seu sofrimento, o neurastênico possa perfeitamente encontrar seu lugar na
ordinários do ofício de sociólogo que neste capítulo entendemos desenvolver. sociedade, o tom empregado por Durkheim ao descrever este estado psicológico
se lhe aparece empático e próximo. Com o estilo demonstrativo que cm geral
Primeiro trabalho de distanciamento lhe é peculiar, ao analisar os fenômenos sociais Durkheim os delimita. Para além
ela aposta estritamente sociológica elo estudo do suicídio, não seria absurdo pen-
Antes de mais nada, o sociólogo se questiona sobre as razões que o levaram
sar que este tema possa ter tido, para Durkheim, ao menos parcialmente, um
a interessar-se por tal ou tal pesquisa. Interrogar-se sobre a escolha elo tema já
( eletivamente um primeiro distanciamento. Como um pesquisador, debutante interesse de ordem existencial.
ou traquejado, escolhe? O professor q ue aceita um aluno no momento ela de- Os sociólogos jamais escolhem totalmente ao acaso os temas que pesqui-
limitação de seu projeto ele pesquisa muito frequentemente constata o vínculo sam e, no caso do suicídio, é raro que um sociólogo se interesse por ele sem,
geralmente estreito entre o tema que o candidato escolheu e sua experiência em um dado momento de sua viela, ter-se direta ou indiretamente confrontado
vivida, o ambiente social onde ele cresceu, os encontros que manteve, as dificul- com ele. !� impressionante constatar que os sociólogos que estudam a imigração
dades com as quais se deparou, os problemas que o revoltam, as injustiças que geralmente são oriundos ele famílias que imigraram e que sofreram um processo
ele condena. Em suma, uma série ele pontos que constituem sua relacão com O ele aculturação. Os sociólogos que se debruçam sobre a cultura dos ambien-
mundo. O sociólogo calejado, deste ponto ele vista, não é funclame�1talmcnte tes operários e sobre a pobreza geralmente são de origem social mais medes-
diferente. Ele dispõe simplesmente ela prudência ele dissimular mais, aos olhos A mobilidade social é um tema clássico cm sociologia, mas ela é estudada
ele seus colegas, o que poderia aparecer como um obstáculo epistemológico ou w1.,uc;1lui:: por pesquisadores que conheceram um percurso intcgracío-
uma carência ele rigor. ascendente ou, ao contrário, por aqueles que viveram uma experiência ele
:·x.:·<· -·.:.-._u,::iL:m:,�1:t1ca\;,c10 ou ele degradação estatutária. São essencialmente as mulheres
Na realidade, a escolha ele um tema nunca é anódína, Geralmente, e em não
trabalham a questão elo gênero e que estudam as dificuldades ele conciliar
poucos casos, ela resulta ele motivações inconscientes ou, no mínimo, pouco
familiar e vicia profissional, que sublinham com mais convicção a questão
explicitadas. Um exemplo: Por que Durkheim escolheu o suicídio ao invés de ;""'º--···· ·-····
outro tema? Este tema pode ser efetivamente complexo e, cm muitos aspectos,
sobre este ponto MUCCl-l!EU.l, 1... "Autour de la 'révélaüon' d'Émile Durkheirn - De
difícil ele ser abordado, sobretudo no quadro de uma pesquisa propriamente
biographíquc des décuuvcrtcs savantes à la notion de 'Nevrose créatice'". ln: CARROY,
sociológica, e, afortiori, enquanto empresa cuja vocação resume-se em estabele- N. (orgs.). La déwuvertc e( ses récits m science� Jwnwines - Champollicn, Freud et
cer as bases de uma disciplina. Qual vínculo pessoal Durkheim poderia ter tido Paris: I'Hartmattan, 1998, p. 57-96.
com o suicídio? Sabemos, por meio de suas cartas, que ele se autodenominava É. Le suicide - Étude ele sociolog!e. Paris: PUI� .1897 [Rccd., PUF: Quadrige,
"neurastênico", e que, por consequência, se predispunha a refletir sobre esta Cf. csp. p. 33-46.
p. 45.
ela continuidade das desigualdades entre homens e mulheres. Silo os antigos assumido pelo autor para controlar, sem eliminá-las, as emoções e as reslstcu ..
desportistas, ou os que tiveram um contato mais estreito com o mundo do es- elas ao desvclamento que uma pesquisa como esta inevitavelmente suscita. lsso
porte, que estudam a sociologia elo esporte. E basta participar de uni congresso se percebe, por exemplo, cm suas exímias observações sobre a condição do bol-
ele sociólogos da religião para constatar que uma grande parte da assembleia é sista de origem popular e sobre o processo doloroso de desenraizamento e ele
composta ele religiosos ou de pessoas próximas a um culto. Poderíamos mul- desclassificação aos quais são confrontados estes jovens prometidos a estudos,
tiplicar ao infinito os exemplos. Os sociólogos quase inevitavelmente projetam cujos pais nunca puderam ter acesso.
uma parte deles mesmos nas pesquisas que conduzem. Neste sentido eles não Urge ter consciência de que a escolha de um tema raramente é neutra, e
se distinguem do homem ordinário que busca harmonizar suas ações com o que ela geralmente é uma componente ela experiência vivida pelo pesquisador,
mundo que o cerca, visando a melhor compreendê-lo. visto ser este um primeiro passo rumo objetivação ou ao que poderíamos de-
à
A questão que se impõe não é a ele saber se é desejável ou não que o sociólo- nominar "sociologia reflexiva". Este, no entanto, é urn exercício difícil, já que
go mantenha uma afinidade com seu terna de pesquisa, mas a de saber enfrentar implica uma ruptura cio sociólogo com tudo aquilo que o vincula ao seu objeto
os inconvenientes ela análise feita ele "dentro" e da análise feita de "fora". O ele estudos. O pesquisador geralmente resiste em elucidar a relação que ele man-
pesquisador que já conhece um pouco por "dentro" seu tema pode pretender tém com seu objeto ele estudos, já que quase sempre, de lorrna mais ou menos
um conhecimento íntimo elo terreno, fundado em experiências concretas e cm inconsciente, engaja nisso seu "interesse" pessoal. Ele, mediante uma postura
relações com pessoas que poderiam subsequentemente se transformar em in- científica, tenta responder a um questionamento que cm parte é justificado por
formantes privilegiados. Mas ser-lhe-ia exigido muito esforço para abandonar uma aposta elo conhecimento sociológico, cm parte por seu interesse pessoal.
as prenoções e prej ulgamcntos próprios ao ambiente que ele estuda, ao passo Alguns sociólogos nem sempre se dão conta disso, ou preferem minimizar sua
que o pesquisador cujo tema tem pouca relação com seus conhecimentos e sua ímportãncía.
experiência pessoal poderia prevalecer-se ele urna distância J<í adquirida. Pierre Bourdieu declarou que sua pesquisa mais difícil, a mais custosa cm
Citemos aqui o caso ele Richard I-loggart, sociólogo inglês oriundo elos bair- termos de esforço ele objetivação, reporta-se aos intelectuais e ao campo univer-
ros populares do Nordeste industrial da Inglaterra, conhecido na França pela sitário que ele mesmo estudou. Em .Homo acculemicus"', ele confrontou-se com a
tradução de seu livro Th» Uses oJ LWuacy sob o título francês Ler culture clu pesada responsabilidade - que ele mesmo aceitou - de estudar de forma científi-
pauvre - l�tucles sur le style de vie eles clmses populaires cn Angleterre (A cultura ca as lutas internas ele um mundo elo qual ele era parte integrante. Eis como ele
elo pobre - Estudos sobre o estilo ele viela elas classes populares na Inglaterra)". se reporta a esse mundo:
A particularidade desse livro, escrito nos anos de 1950, é que ele faz fortemen- Num primeiro tempo, eu havia construído um modelo do espaço uni-
te apelo à experiência pessoal autobiográfica elo autor cm tudo o que se refere versitário como espaço de posições unidas por relações de força espe-
às atitudes, às maneiras e às formas de sociabilidade propriamente populares. cíficas, como um campo de forças e um campo ele lutas para conservar
Hoggart reconheceu que, por essa razão, sua obra mio pode almejar à objetivida- ou transformar este campo de forças. Eu poderia ter parado lá, mas fui
de ela pesquisa sociológica, mas nem por isso seu aporte menos considerável.
é
alertado pelas observações que crn outros tempos, ao longo ele meus
trabalhos de etnologia, pude realizar sobre o "cptsremocentrismo" as-
Em primeiro lugar, porque suas observações ele caráter etnográfico são extre-
sociado posição erudita; mais que um mal-estar suscitado em mim,
à
4. P,iris: De Minuit , 1970. P. {com Loic Wacquant). Réponscs. Paris: I.e Senil, 1992, p. 225.
gica, visando a defender um ponto de vista ou a construir um espaço ele pon- Consciência comum, consciência erudita
tos de vista nos quais o sociólogo arroga-se efetivamente o poder ele classificar Construir um objeto de estudos em sociologia consiste cm passar elo senso
seus concorrentes? Haveria um sistema único para examinar este trabalho, ou comum ao sentido sociológico. Corno qualquer indivíduo vivencio em socieda-
este empenharia escolhas e consequentemente preferências? Seria o observador, de, o sociólogo tem opiniôes, preferências, uma relação pessoal com as coisas e
implicado em seu objeto ele pesquisa, o mais bem-situado para intentar esta com os seres. Os fenômenos que ele estuda - o que denominamos o social em
classificação? Visando a resolver estes problemas, Bourdieu fala cm objetivaçâo sentido amplo - não são isoláveis da atividade humana ela qual ele participa. Ele
participante, que não deve ser confundida com a observação participante (cf. cap, não é o único a conhecê-los, mas sua abordagem é diferente enquanto inscrita
3 "A relação ele pesquisa"). Apesar ela complexidade deste exercício, seu prin- num quadro de referência rigorosamente definido, cuja principal característica é
cípio não consiste somente em considerar o objeto de estudos a distância, mas a de submeter-se às normas da verdade cientifica. Para tanto, ele não pode con-
igualmente em praticar um distanciamento cm relação a si mesmo em face do tentar-se em utilizar ingenuamente a linguagem cotidiana, já que esta ao mesmo
objeto estudado, questionando assim a própria análise ela posição do sociólogo tempo exprime os valores, as crenças, os hábitos e as ideias elos homens vivendo
no memento mesmo cm que ele apresenta seu objeto de estudos e os instrumen- em sociedade. Esta linguagem constitui frequentemente uma barreira ao conhe-
tos de sua análise. Dessa forma é possível [alar de uma sociologia ela sociologia, cimento científico. Os termos ela vida cotidiana impõem-se como evidências
praticada do interior, do próprio coração elo processo ele elaboração científica. que o sociólogo eleve questionar. Ele não pode servir-se deles sem destruí-los,
A consciência elos limites ela objetivação nbjetivista levou-me a desco- ou pelo menos sem defini-los de forma precisa. Na obra Les regles de la mét:lwcle
brir que existe no mundo social, e cm particular no mundo universitá- sociologiquc (As regras do método sociológico), Durkheim fez um alerta contra
rio, toda uma série de instituições que tem por deito tornar aceitável as prcnoções que dominam o senso comum:
a defasagem entre a verdade objetiva e a verdade vivida daquilo que Urge, pois, que o sociólogo, ou no momento em que ele determina
fazemos e somos - tudo aquilo que os sujeitos objetivados querem o objeto ele suas pesquisas, ou ao longo ele suas demonsrracõcs, se
lembrar quando, i1 análise objetivista, eles opõem a afirmação de que interdite resolutamente o uso destes conceitos Iormados fora dos qua-
"não é bem assim que as coisas funcionam". Refiro-me, por exemplo, dros cicntrlicos e por necessidades que não possuem nada ele cienu-
particularmente, aos sistemas de defesa coletivos que, em universos lico. Urge que de se distancie destas falsas evidências que dominam
onde cada qual luta pelo monopólio ele um mercado no qual não exis- o espírito vulgar, que ele se livre, uma vez por todas, do jugo destas
te por cliente senão concorrentes, e onde a vida é consequentemente categorias empíricas que uma longa habituação acabou tornando-as
muito dura, permitem aceitar-se ao corroborar subterfúgios ou grati- tirãnicas. No mínimo, se a necessidade o obriga a fazer uso deste expe-
Iicacõcs compensatórias fornecidas pelo ambiente. É esta dupla ver- diente, que o faça tendo consciência ele seu pouco valor, a fim ele não
dade, objetiva e subjetiva, que se constitui em verdade completa do convidar estas categorias a exercer na doutrina um papel do qual não
mundo social'. são dignas".
Manter uma relação pessoal com seu objeto de estudos amplia a dificuldade
Alguns anos mais tarde, Célestín Bouglé retomou esta advertência atendo-
de objetivação, embora isso não comporte nenhuma anormalidade. É inclusive -se, ele também, aos termos ela viela comum que a sociologia espontânea não
praticamente inevitável que o sociólogo seja atraído pelo estudo ele fenômenos suficientemente:
sociais que o marcaram no passado, ou que ainda o marcam em sua experiên- Para as noções sociológicas comuns, assim como para as noçóes geo-
cia cotidiana. O sociólogo deve ser capaz de neutralizar seus sentimentos ou
lógicas ou meteorológicas, a hora do veredicto eleve soar enfim, pelo
rechaçar suas paixões. Urge-lhe tomar consciência elas próprias preferências ao qual o conhecimento cicntílico tara sua escolha, entronizando urnas
delimitar o campo ele suas investigações e esforçar-se ela maneira mais objetiva em seu reino e destronando outras . Esta sociologia popular, cujas nar-
possível para prestar contas elos limites e dos inconvenientes ela relação íntima rativas de historiadores assim como a literatura edificante ele literatos
que o mais frequentemente ele mantém com seu objeto ele estudos. É sob essa ou os adágios do senso comum nos revelaram a existência, convoca
condição que ele poderá verdadeiramente distanciar-se elas prenoções e evitar as ú vicia, a fim de poder morrer ele sua própria morte, uma sociologia
ciladas da sociologia espontânea. clcntífica''.
rcgles de !C1 méthocle sociologique. 1895. Paris: PUF [ "Quadrigc Grnnds Textcs", 2007, p. 32J.
7. lbíd. BOUGLÉ, C Qu'est-ce l/UC la sociologie? Paris: Félix Alcan, 1925.
Tomemos o caso do sociólogo preocupado cm estudar o Ienõmeno ela po- de um corte radical entre um conjunto de pessoas que na realidade vivem cm
breza, Todos nós alimentamos urna ideia mais ou menos precisa deste termo, condições provavelmente similares. Isso não significa dizer que devemos nos
já que, antes que um conceito sociológico, ele representa uma expressão da privar destes indicadores estatísticos da pobreza. f: primordial, no entanto, não
vida cotidiana. Primeiramente podemos conhecer a pobreza por Lermos vivido limitar-se a esta abordagem. Enquanto a quantificação dos pobres constitui no
pessoalmente esta cxpcriêucia. Aliás, é raro encontrar alguém afirmando nunca senso comum um preâmbulo à reflexão, para o sociólogo ela pode ser um ver-
ter-se encontrado com uma pessoa ou com uma família vivendo na penúria. A dadeiro obstáculo epistemológico no sentido ele criar um impasse e privá-lo da
televisão e os jornais regularmente fazem um balanço da pobreza sob forma ele interrogação sobre O sentido mesmo da pobreza.
reportagens, ele testemunhos ou de análises. Mas no lundo , para além da pcrcep- A questão essencial que O sociólogo eleve se colocar é simples: O que faz
ção imediata deste fenômeno e do sentido espontâneo que lhe damos, de quem com que um pobre, numa sociedade dada, seja pobre e nada mais que pobre?
e elo que realmente falamos quando nos referimos à pobreza? Dito de outra lorma: O que é que estabelece O estatuto social ele pobre? A partir
O reflexo espontâneo é o de começar definindo quem são os pobres no in- de qual critério essencial urna pessoa torna-se pobre aos olhos dos outros? O
tuíto de contá-los, estudar como vivem e analisar sua evolução no tempo. Os que é que permite defini-la prioritariamente por sua pobreza? Coube a Georg
economistas e os estatísticos sempre buscaram dar uma definição substancia- Simmel, no início do século XX, responder por primeiro, de forma clara e direta,
lista pobreza. Quantos são? Esta é, aliás, a questão que frequentemente im-
à a esta questão, mesmo se outros antes dele jü tivessem esboçado uma resposta 1\
põe-se como preâmbulo a toda reflexão, um pouco como se fosse inconcebível Para Simrncl, é a assistência que uma pessoa recebe publicamente ela coleuvi-
falar desta problemática sem quantificar os pobres. Existe hoje urna abundante dade que determina seu estatuto de pobre. Ser assistido é a marca identitária da
documentação sobre a medição estatística da pobreza!", mas falta ainda avaliar condição elo pobre, o critério ele sua pertença social a um estrato específico da
o valor das estatísticas e o que elas podem nos ensinar sobre o fenômeno da população. Um estrato que é inevitavelmente desvalorizado, já que definido por
pobreza. A medição estatística da pobreza, que poderia parecer um esforço ele sua dependência em relação aos outros. Ser assistido, neste sentido, é receber
objetivação, na realidade é parle integrante desta sociologia espontânea que pro- tudo dos outros sem poder inscrever-se, ao menos a curto prazo, em uma rela-
cede cio senso comum. . ção de complementaridade e ele reciprocidade em face deles. O pobre, recipíen-
O sociólogo que estuda a pobreza não pode contentar-se com uma aborda- J etário ele recursos que lhe são especialmente destinados, eleve aceitar viver, mes-
gem descritiva e quantitativa elos pobres. Ele eleve questionar a própria noção 1 mo que temporariamente, com a imagem negativa, que lhe reenvia a sociedade e
de pobreza. O raciocínio em termos binários, que consiste em opor as carne te- .f: · que ele acaba interiorizando, ele não ser mais útil, ele fazer parte dos que às vezes
rísticas elos pobres às do resto da sociedade, não passa ele um equívoco 11• A defi- ] · -, denominamos "índesejaveís". Cada sociedade define e dá um estatuto social
nição de um limiar de pobreza, por mais elaborada e precisa que seja, é sempre .:'J < distinto a seus pobres, ao destinar-lhes recursos. O objeto de estudo sociológico
•.•.',!;,
arbitraria. Tomemos um exemplo: no limiar ele 50% da renda média por unidade .:·:
por excelência não é, portanto, a pobreza, nem os pobres enquanto tais, como
ele consumo (em torno de 600 euros por mês), existia na França, cm 2001, 6% .\ ,. realidade social substancializada, mas a relação ele assistência - e, portanto, ele
de pessoas em situação ele pobreza, ou seja, 3,6 milhões, mas no limiar de 60'l{, ::t:::interdependência - entre eles e a sociedade ú qual pertencem. Esta perspectiva
da renda média por unidade ele consumo (cerca de 720 euros por mês), os po- "{c'.}}nalítica supõe voltar a estudar de forma comparativa os mecanismos ele desíg-
bres representavam l 2;f% ela população, ou seja, mais que o dobro, totalizando :· :'.\},bação dos pobres em diferentes sociedades, pesquisar as representações sociais
7,2 milhões de pessoas!', Basta, portanto, mudar ligeiramente o limiar oficial ·,{\if�ue estão na origem e que as tornam legítimas, mas também analisar a relação
da pobreza para que mude radicalmente a proporção ela população implicada. 'Úe os pobres assim designados estabelecem com o sistema de ajuda do qual são
Este resultado prova que existe urna forte concentração ele arranjos t.10 redor elo ibutanos e, de forma mais geral, as provações das quais fazem a experiência
limiar de pobreza considerada, e que este limiar contribui no estabelecimento 'quele momento e cm outras circunstâncias de suas vielas cotidianas!".
\A passagem do senso comum ao senso sociológico pode parecer relativa-
.,llte simples. Na realidade, a questão não é tão simples assim. Trata-se, sem
J.O. Cf. ANDRl'SS, [-1.:). (org.). Empiriwl Povcrty in a Co111pC1rntivc PaspccUvc. Aldershot: Ashgarc,
\ida, da questão mais difícil imposta ao sociólogo, que exige dele a maior
1998. • l:H'STIH:MALJ, B. &·SAI.AMA.!' tvks11res <-:l cl,'111cs11ff ele: la pm1vrfli. Paris: l'lH; 2002.
lI. Sobre este ponto, cf. a tese de Ruwcn Ogicn, sobre a construção social da pobreza, publicada
sob o titulo Tl1éorics onli11ain:.1 de la pc11,vn:11!. Paris: l'U[; 1.98:l ["l.c Sociologue"]. •SIM MEL, G. Lcs pauvres. Paris: PUF( 1998 l "Quadrigc'' l I L. ecl. cm alemào, 19071.
l2. Cf. Lc rappon. de l'Ol,snve11oire 11e1lio11a( tlc la pa1tvfft1' ct tlc ('adusio11 socialc 2003-2004. Paris: .<\nesta perspectiva que fiz uma pesquisa comparativa da pobreza. Cf. P/\lJGi\M, S. Lcs{ormcs
La Documcutauon Francaisc, 20(H, p. 18. .)�í"ehtciirrs ri,.• lo nn11111·/.'f/.• P116c· 'P'I IP ')flí)" l"Hf i• 1 '"'" C.:,,,�;,.1111
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corno ele não existe sem ler tido qualquer contato com os Fenômenos,
vigilância para não cair nas facilidades do julgamento espontâneo, aquele que de nos indica às vezes, mas grosso modo, cm qual direção tais fenôme-
parece evidente e que acaba sendo aceito como tal, demonstrando assim, e às nos devem ser pesquisados. Mas como grosscirmncnlc formado, ('.
é
vezes inadvertidamente, uma grande ingenuidade. perfeitamente natural que ele não coincida exatamente com o conceito
Em se tratando do mundo social, jamais arriscamos subestimar a difi- científico instituído àquela ocasião".
culdade, ou as ameaças. I\ força do pré-construído reside no fato que,
estando inscrito ao mesmo tempo nas coisas e nos cérebros, ele se Consequentemente, querer rejeitar sistematicamente a referência a estes ter-
apresenta sob as formas ela evidência, que passam despercebidas por- mos em razão de seu caráter vago ou desprezar as ideias - ideologias - implícitas
que parecem evidentes. t\ ruptura é efetivamente uma co11versdo do ou explícitas que eles veiculam não tem sentido, cm particular quando já se
olfra,; e podemos dizer cio ensinamento da pesquisa em sociologia que explicou o porquê das coisas se apresentarem assim e quando já se dispensou
ele deve primeiramente "dar novos olhos", como as vezes o dizem os um grande esforço na elaboração ele conceitos mais precisos. A função elo pes-
filósofos iniciãucos. Trata-se ele produzir, senão um "homem novo", quisador é a de esclarecer estes termos, superando-os. Para tanto, urge que de
pelo menos um "novo olhar", um olho sociológico. E isso é impossível comece por sua desconstrução e em seguida passe a reconstruir um objeto que,
sem urna verdadeira conversão, uma melwwia, uma revolução mental, mesmo lhe estando inteiramente próximo, dele deve distanciar-se. O saber em
uma mudança ele toda a visão elo mundo social!".
cíéncias sociais comporta este preço.
Pode haver igualmente uma pluralidade ele usos sociais e institucionais dos Em segundo lugar, isso não significa que o pesquisador eleva renunciar ab-
termos que se usa no senso comum, e a tal ponto que a noção comum que solutamente ao uso destas ferramentas empíricas, por exemplo, os indicadores
parece reuni-los é na realidade ambígua, isto é, equívoca. Cada um deles pode estatísticos que servem para medir a amplitude dos fenômenos indicados pela
veicular ideias recebidas de natureza diferente. Disso resultam inextricáveis linguagem comum. Voltando ao exemplo ela pobreza: a comparação elas taxas
confusões. Urge, portanto, redobrar a prudência ao examinar a pluralidade das de pobreza, por exemplo, mesmo se o limiar a partir elo qual elas são calculadas
signíficações sociais destes termos e estabelecer conscientemente uma ruptura continue arbitrário, seu mérito é o de acentuar as diferenças de níveis de vida
com eles. Com deito, é heuristicamente fecundo distinguir o uso científico do que podem existir entre os diferentes grupos sociais e entre as regiões ou países.
j
uso social, visto que o segundo pode revelar-se um real obstáculo à clareza elo No mesmo sentido, é possível tentar comparar os indicadores não monetários,
j
primeiro assim como para a própria elaboração teórica. W como os vínculos sociais, por exemplo (solidariedades familiares, participação
Esta ruptura será tanto mais exitosa quanto mais controlada for. Para tanto, J . na vida associativa, redes de ajuda privadas etc.) e cruzá-los com os indicado-
duas condições são necessárias. Marcar uma ruptura com o uso que se faz dos ::J .•· res econômicos para estudar as desigualdades e os acúmulos de deficiências e,
.
termos da vida corriqueira ou dos termos utilizados no debate social não signi- CE . · através disso, as populações mais prejudicadas. Esta abordagem será tanto mais
fica esquecê-los ou fazer de conta que eles não existem. Como o lembra Fran- ij .:
fecunda quanto mais o pesquisador for crítico em relação aos instrumentos que
çois Isambert, é impossível subtrair-se inteiramente às prenoções, pois, "inicial- .·•·utiliza. Servindo-se desse recurso, de poderá lembrar, por exemplo, que o senti-
mente, as coisas sociais não nos são dadas pela percepção, mas tndicadas pela /do dos indicadores comparados é variável segundo o contexto cultural ele cada
linguagem comum enquanto noções vulgares". "Sua identidade primeira, sem .\l�ma elas sociedades estudadas. Ele podera então empenhar-se cm remeter estes
dúvida revisável, mas de jeito nenhum negligenciável, está nesta designação"!". }1)ndicaclores às representações coletivas, à história das instituições e aos modos
Durkheim dizia o mesmo quando afirmou: r:;};cl.e intervenção no domínio da luta contra a pobreza e a exclusão, estas igual-
Urge munir-se de todas as peças cios conceitos novos, apropriados às i' 'f;füi _ente dependentes, ao menos parcialmente, das realidades do desenvolvimento
'.{ffl��;
1 : :o0
necessidades da ciência e expressos com o auxílio de uma terminolo- .· � � \�l�)!�::·::d�L:��(�:i�;��:)�ociólogo
gia especial. lsso não significa, sem dúvida, que o conceito vulgar seja sempre parte do conceito vulgar
inútil ao homem erudito: ele serve de indicador. Por este indicador (da expressão vulgar. Se às vezes parece difícil usar outros termos senão os
somos informados que existe nalgum lugar um conjunto de fcnõme- .:
)inguagem comum, o sociólogo deve então explicitar o sentido preciso corno
nos que são reunidos sob uma mesma dcnorninação e que, por conse-
i\(tiliza em suas finalidades científicas. Entretanto, quando a noção comum
quência, devem verdadeiramente ter caractertsticas comuns; mesmo,.
Wünde uma pluralidade de noções distintas, urge criar conceitos novos.
questão sociológica? A tradução não é imediata. Ela implica uma reflexão dis- · sível que desportistas se dopem? Este enigma passa por vários deslocamentos
tanciacla elo objeto a ser estudado. O sociólogo buscará analisar, por exemplo, do olhar. Não é este caso particular que interessa ao sociólogo, mas O lenórneno
parn além ela expressão espontânea das dificuldades econômicas ela população mais geral ela dopagern. Primeiramente, se esta ocorre regularmente, é porque
cm geral, os fatores - menos visíveis - elo descontentamento popular, insistindo corresponde a uma prática corrente, quase banal, perfeitamente integrada ao
notada mente nas i mplicacões ligadas à situução respectiva ele uns e de outros esporte de alto nível, como uma componente da preparação física medicável
no espaço social. Ele se esforçará na prestação de contas do meio ambiente ? e encampada por especialistas de ponta neste domínio. Em segundo lugar, se
imediato das pessoas interrogadas e na análise dos laços que as vinculam a seus ". esta prática é regular enquanto existe uma proibição da clopagem e um risco ele
próximos --- vizinhos, amigos, parentes - e à sociedade em geral. Ele poderá !; �ailção, é que da é dissimulada, desenvolvendo-se nos bastidores, e com o con-
então explicar que o mal-estar não está ligado à perda de poder aquisitivo cn- )f }fltimento tácito dos desportistas e ele todos os que os circundam. O sociólogo
quanto tal, mas à ansiedade que esta perda alimenta, às desigualdades que da,;; 1fjntcressará então pelo segredo que cerca a preparação física, pela fronteira
provoca e à degradação elo status social que ela pode desencadear nas camadas /f Jt1evitavclmcntc estreita entre o acompanhamento médico intensivo, a pesquisa
mais vulneráveis da população. O sociólogo considerará então que o lcnôme- ·J81we a performar1ce otimizada e a dopagern ela mesma. Ele assumirá o esporte
no econômico da alta cios preços, apresentado nas mídias como um problema: ; }gtno uma cena para a qual os atletas se preparam dissimulando as receitas
geral, na realidade tem dei tos variáveis segundo as categorias sociais, e que ele\ ';!}17\5.uas façanhas, um pouco como o mágico guarda em segredo seus truques.
transtorna o estado elas relações sociais. O sociólogo poderá também estudar n\ O �RJ1m, o sociólogo tentara compreender como os desportistas de alto nível são
evolução dos diferentes tipos ele despesas comparando o orçamento de várias/ :iM!lS?itavclmentc confrontados em um dado momento com a dopagcm. Ele bus-
.. x�1
famílias, assim como outrora o fez Mamice Halbwachs'". Ele Lentará analisar C..}llF\\então, a partir ele vários casos, reconstituir as diferentes fases da carreira
elos atletas e discernir como estes últimos foram socializados à prática da
18. CL !.e mdia de sociologw:. Op, cit., p. :58. • Oficio de wd{i/o.�o. 7. cd. Petrópolis: Vozes, 20l0, ,'�,tlbrc
p. :51-52.
.1. cst: tema, o leitor poderá recorrer a BRJSSONNEALJ, C.:.; AUBEL, O.&: OllL, E 1'.épreuvc
19. Cf. Lt1 dmsc ot1vri:re fl les 11ívcat1x de vrr. Paris: l.ibralric Félix Alcan, .t9J 2. xm\Mg�agc-Sociolugie du cyclisme profcssioncl. l'aris: l'UI'; 2008 l"Lc l.icn Social"!.
dopagem através elos cuidados intensivos dos quais [oram objeto. Assim proce- Em certos casos, o sociólogo pode encontrar fortes resistências. Às vezes de
dendo, ele sem dúvida fará cair por terra o mito de certas façanhas esportivas,
precisa distanciar-se ela luncão de especialista que lhe entendem fazer exercer
desvelando assim a face oculta elo esporte de alto nível. Ele transformar-se-á as administrações ou as estruturas ele financíamento ela pesquisa aplicada. Ele,
então, com o risco ele desencantar o público ávido de heróis, num "caçador ele ele fato, frequentemente é convidado a participar, direta ou indiretamente, da
mitos", segundo a expressão ele Norbert Elias". Da mesma forma, o sociólogo avaliação das políticas públicas. Não se trata de questionar o princípio e o
que se atribuir o encargo de estudar as condições sociais da relação amorosa, interesse destas avaliações, mas é evidente que a intervenção do sociólogo
necessariamente transformar-se-á num desmistificador (d. box). no quadro ele um trabalho que depende mais ele uma abordagem adminis-
trativa ou de gestão ela política pública não ocorre sem suscitar nele vários
As condições sociais da relação amorosa questionamentos. A dificuldade na qual ele esbarra vincula-se ã natureza ele
Criou-se na mentalidade popular toda uma mitologia em torno elo amor, emoção sua intervenção. Aventurar-se no terreno ela avaliação pode efetivamente ser
violenta e irrcsisuvcl que arrebata aleatoriamente, que toma conta misteriosamente interpretado como sinal ele uma renúncia pesquisa fundamental à medida
à
riências numerosas e diversificadas. Ele não podera realmente progredir se não Sdliio 11üo é o lwn,nn qucfómece ns ven/a-
aprender a tirar proveito disso, se não admitir seus fracassos e se não deirns vesnosta«, mas cu1ude que coloca as
sobre si mesmo e sobre a ciência por de reivindicada um olhar crítico. vcniadt'irc1s qucsWes.
Ll'.:VI-STRAUSS, C. Le cm ele mil (O cm
e o cozido),