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A teoria ética de Kant oferece-nos um princípio da moral que deve poder ser
aplicado a todas as questões morais. Kant enuncia-o de diferentes maneiras com
o objectivo de esclarecer as suas implicações. Partiremos de um caso simples, de
senso comum, para esclarecer essas diferentes formulações:
Silva reparou que uma pessoa que saía da sua pequena loja deixou cair
uma nota de 50 €. Apanhou-a e ... que fez?
a) Ficou com os 50 €.
b) Devolveu os 50 € para ficar bem visto e ganhar reputação de
honesto.
c) Devolveu os 50 € pelo simples facto de pertencerem ao cliente.
O princípio do desinteresse
"Age desinteressadamente."
A teoria de Kant não impede que a pessoa satisfaça os seus interesses ― afinal
também era do interesse de Silva decidir o que fazer com os 50 € e, apesar de
não ter sido esse o motivo da acção c), também ganhou a consideração do
cliente. O acto deve ser desinteressado mas se, para além disso, satisfizer
interesses, tanto melhor para o agente; se contrariar interesses, paciência.
O princípio da imparcialidade
O princípio do dever
Se a pessoa não deve agir por interesse, então deve agir por obrigação, por
dever. A acção a) foi em tudo contrária ao dever. A acção b) está em
conformidade com o dever, porque Silva fez o que deveria ter feito, mas foi feita
por interesse e não por dever. Só a acção c), a única a ter toda a nossa
aprovação moral, foi feita por dever. Assim, o princípio da moralidade pode ser
enunciado deste modo:
Assim, podemos evitar o erro, bastante difundido, de supor que os deveres morais
são criações ou convenções sociais. Dois argumentos contribuem para este erro.
O primeiro parte do facto de alguns dos "deveres morais" de uma sociedade
serem diferentes dos de outras, para concluir, erradamente, que todos os deveres
são convenções sociais. O segundo argumento parte do facto de muitas vezes
cumprirmos os deveres contrariados, como se fôssemos obrigados por uma
autoridade externa, para concluir que não podem ter origem em nós mas sim
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08/10/12 Filosof ia & Educação
O princípio da universalidade
A teoria moral de Kant concilia a ideia de que os deveres morais são criações dos
indivíduos e a ideia de que a moral é universal, comum a todos. Esta ideia pode
surpreender-nos: não é verdade que "cada cabeça, cada sentença"?
A acção correcta é decidida pelo indivíduo quando adopta uma perspectiva
universal. Como? Abstraindo dos seus interesses, a pessoa pensará como
qualquer outra que também faça abstracção dos seus interesses adoptando,
portanto, uma perspectiva universal.
Regressa ao exemplo dado e verifica que qualquer pessoa que abstrai dos seus
interesses e pensa imparcialmente faz o mesmo: é honesta e devolve os 50 €.
Aplica a mesma ideia a deveres morais comuns como "Cumpre as promessas",
"Paga o que deves", "Sê leal", "Não roubes" e verifica, com Kant, que só o
interesse e a parcialidade do agente podem levar à violação de tais regras ou
deveres morais. Eliminada a parcialidade, pensamos segundo uma perspectiva
universal e aprovamo-las. Kant exprimiu esta ideia numa fórmula conhecida por
princípio da universalizabilidade:
"Age apenas segundo uma máxima tal que possas querer ao mesmo
tempo que se torne lei universal."
Uma máxima é uma regra que deve valer para certos tipos de acção e será moral
ou imoral consoante esteja ou não de acordo com o princípio moral, que é uma
regra que deve valer para todas as acções. A máxima da acção a) poderia
enunciar-se assim "Se isso servir os teus interesses, não devolvas dinheiro ao seu
dono." Poderia Silva querer que ela fosse universalmente acatada? Não, porque a
obediência universal a tal regra criaria um estado de coisas terrível em que mesmo
os seus interesses acabariam por ser lesados ... Tenta transformar outras
violações dos deveres em máximas e pergunta se podes querer que todos as
cumpram. Pode o ladrão querer que todos roubem quando a oportunidade surge?
Podes querer que todos façam promessas sem a intenção de cumprir?
O princípio da autonomia
Mas, aceitar esta teoria implica afirmar que a acção c) é impossível porque, nesse
caso, Silva só poderia agir por causa do seu interesse em evitar punições ou de
ser recompensado e, em consequência, a nossa aprovação moral de c) não teria
sentido. Se aceitarmos os princípios já expostos, conclui Kant, aceitamos que em
cada juízo ou decisão moral, o sujeito determina o dever. O facto de esses
deveres coincidirem com alguns dos deveres tradicionais explica-se pela
universalidade da razão. Kant sublinhou esta ideia de autonomia do sujeito em
outras fórmulas do princípio moral:
"Age ... de tal maneira que a vontade pela sua máxima se possa
considerar a si mesma ao mesmo tempo como legisladora universal."
Perguntemos como é que, em cada um dos casos a), b) e c), as pessoas são
tratadas.
Em a), Silva usou o outro como meio, como se a outra pessoa fosse uma coisa
ou instrumento, para o aumento directo da sua fortuna. Em b), Silva usou a outra
pessoa como meio de marketing e propaganda. Nestes dois casos, ao mesmo
tempo que usou a outra pessoa apenas como meio, Silva usou-se como meio,
abdicando da sua autonomia para favorecer impulsos e interesses que o
escravizam. Que quer dizer "usar-se como meio"? Silva é uma pessoa, um ser
autónomo. O que constitui esta pessoalidade ou autonomia é a capacidade de
pensar e decidir por si. Mas nos casos a) e b) usou estas capacidades para servir
fins ditados pelo interesse. Usar-se como meio é usar a sua autonomia para a
perder.
Em c), Silva não tratou a outra pessoa como meio, tratou-a como sendo um fim.
Devemos esclarecer esta ideia.
Se a devolução dos 50€ não visou servir qualquer interesse, então para quê fazê-
lo? Qual é a sua finalidade? A finalidade, já vimos, foi a de cumprir o dever pelo
dever. Mas isso, também já vimos, é, ao mesmo tempo, definir a única legislação
adequada a qualquer a pessoa, ou seja, a todo o ser racional, capaz de
ultrapassar interesses para pensar e decidir por si. Assim, cumprindo o dever que
deu a si mesmo, Silva respeita todos os seres racionais, incluindo, claro, tanto o
próprio Silva como a pessoa do seu cliente. O mesmo seria dizer que respeitando
a pessoa do seu cliente, Silva respeita-se e respeita todos os seres racionais,
tomando-os como fins da sua acção.
Kant sintetizou o seu pensamento em outra fórmula
"Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como
na pessoa de outrem, sempre e simultaneamente como fim e nunca
apenas como meio."
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Nota que a fórmula não proíbe as pessoas de serem meios umas para as outras,
porque se o proibisse, proibiria qualquer prestação de serviços. A lei moral não
proíbe Silva de usar os seus clientes para prosperar, mas se Silva enganar nos
preços e não devolver dinheiro esquecido pelos clientes, está a tratá-los apenas
como meios, instrumentos ou objectos.