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“O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar, o fim da arte superior é
libertar. (…) Elevar e libertar não são a mesma coisa. Elevando-nos, sentimo-nos
superiores a nós mesmos, porém por afastamento de nós. Libertando-nos, sentimo-nos
superiores em nós mesmos, senhores, e não emigrados, de nós. A libertação é uma
elevação para dentro, como se crescêssemos em vez de nos alçarmos.” (1924)
[Fernando Pessoa. Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Lisboa: Ática, 1966]
“Só quando nos encontramos numa situação anómala, (...), é que as imagens se tornam
autênticas, os pseudo-acontecimentos se traduzem em acontecimentos, as cenas patéticas,
lastimosas ou adocicadas de uma vida que nos roça sem nos tocar, se convertem então em
fenómenos vitais e vividos também por nós.”
[António Quadros, “Manifesto da Pintura” (1958), Os Modernistas, Vol. V, Porto, Ed.
Petrus]
1Cf.“Os três géneros de artistas”, Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa:
Estampa, 1990, p. 52.
As estadias vividas em cidades europeias [Londres, Paris, Munique…], assim
como um conhecimento detalhado das linguagens e situações desenroladas em termos
internacionais formataram a consciência, sobretudo, de afirmar novas propostas - não
necessariamente decalcadas, antes denotativas de uma especificidade autoral que filtrou
e extraiu o que servia propósitos singulares. A emigração artística, quase que sistemática,
tornada possível graças ao serviço de bolsas e aos subsídios da Fundação Gulbenkian
(paralelamente à ação dinamizadora para as atividades artísticas e culturais), ao
estabelecer-lhes uma regularidade - promoveu a consolidação das carreiras de uma
plêiade de novos artistas.
Alguns dos artistas plásticos já tinham iniciado a sua produção nos anos cinquenta
e organizado um vocabulário pessoal que viria a orientar a sua obra futura. Em alguns
casos, interrompida de forma prematura – António Areal, por exemplo, noutras
expandindo-se por várias décadas entrando no séc. XXI, caso de Ângelo de Sousa. Sem
obliterar a presença paradigmática de autores anteriores conotados com a abstração, caso
de Fernando Lanhas, Nadir Afonso e Arlindo Rocha; com o imaginário de afinidades à
Arte Bruta, como António Quadros; de fusão, entre o mítico-simbólico, o surrealismo e
uma certa abstração, na pessoa do escultor Jorge Vieira, entre outros, que enunciaram
propósitos relevantes. Também a incursão de artistas, saídos do Surrealismo português
tardio, como António Pedro, António Dacosta ou Fernando Lemos – na fotografia.
Será também a época em que as fórmulas surgidas na arte portuguesa deixam de se
vincular a mera identificação imitativa com o que internacionalmente se processa, para
passarem a definir linhas próprias de desenvolvimento, que se projectam, por vezes com
notável singularidade, nos próprios rumos da arte internacional.2
2Bernardo Frey Pinto de Almeida – Breve introdução à História da Pintura Portuguesa no século XX, “Os anos 60
na pintura portuguesa”, p.36
Porto ou em Coimbra. Todavia, a atuação verificada nestas duas últimas cidades era
significativa e repercutiria nas gerações seguintes, ou seja, nos artistas que inauguraram
presença nos anos setenta, alguns ainda antes do 25 de abril.
Os locais de ativação do pensamento e da experimentação dividiam-se, em
Portugal, pelo ensino formal das Escolas de Porto e Lisboa e por em poucos, mas notáveis
espaços independentes, onde artistas inovadores dialogavam entre si e com os mais
jovens. As articulações entre autores das artes performativas, da literatura e poesia, do
cinema cruzava-se com os artistas visuais e plásticos, arquitetando novas assunções e
compromissos em espaços públicos e na procriação de obra, por vezes, efémera.
Para além das concretizações poiéticas, da fundamentação e/ ou suporte teorético,
na ordem histórica, sociológica e crítica da arte, saliente-se, por parte de alguns
produtores, a vontade e a necessidade de afirmar teoricamente as suas reflexões e
propostas pessoais: António Areal, Nadir Afonso, Júlio Pomar, mais tarde de Álvaro Lapa
e de Alberto Carneiro – este último em moldes muito específicos. Mesmo as atitudes mais
ousadas dos artistas obtiveram empatia, além de aceitação, por parte de alguma crítica
que se reconhecia nos posicionamentos estéticos mais radicais. De novo, e à semelhança
dos seus antecessores em início do século, estes artistas assumiram a urgência geracional
de uma arte emancipadora, realizando os atos necessários para a afirmação, de acordo
com as exigências históricas, e apelando à redefinição axiológica e emancipadora. Não
se cerceava a unilateralidade de uma situação gregária, apenas transposta em grupos ou
movimentos artísticos circunscritos e pontuais. Proclamava-se a vivência conjunta de
projetos e a noção responsabilizada de uma autonomia que não erradicava o compromisso
societário e gregário. A movimentação vivida nas artes e letras — em seus atos e produtos
— e a expatriação da arte portuguesa nesta década cumpria dois movimentos, duas
direções de um mesmo sentido - de dentro para fora e de fora para dentro.
No Porto, a Galeria Alvarez surgiu, de forma explícita, não como uma reação por
oposição à ESBAP, antes procurando oferecer uma alternativa, sendo uma academia, na
tradição das existentes, nomeadamente, em Paris e outras cidades europeias, onde o
ensino artístico era exigente mas menos convencional. Atendendo à inexistência de
espaços culturais na cidade, tomou como objetivo prioritário, divulgar a arte moderna. A
exposição inaugural esteve a cargo de Carlos Botelho, seguindo mostras de Hein Semke,
João Hogan, Portinari e Manuel Cargaleiro.
Durante os anos 50, a Alvarez iniciou o que seria um percurso notável,
apresentando, pela primeira vez em Portugal, obras de Portinari (ilustrações para “A
Selva” de Ferreira de Castro – 1955); organizando, em 1956, a primeira exposição
póstuma de Amadeo de Souza-Cardoso em Portugal - 40 anos depois da sua morte.
Podiam ver-se cerca de 30 obras existentes em Amarante. A exposição foi objeto de
notável impacto, sendo o primeiro reencontro, a descoberta mesmo, do carismático pintor
tão longamente esquecido no seu próprio país. Jaime Isidoro promoveu, ainda, uma
individual de Costa Pinheiro e, sobretudo, avançou com a exposição retrospetiva de
Dominguez Alvarez, assim celebrando o nome que escolhera para denominar o seu
projeto.
“A Alvarez tornara-se em mais um local de encontro dos intelectuais, de alguns políticos
da cidade e, muitas vezes, sala de recepção do Teatro Experimental (por aí passaram, em
diferentes épocas, Marcel Marceau, Ionesco, Os Jograis de S.Paulo...); aí se ensaiam os
primeiros colóquios da cidade (com António Reis), que mais tarde ganhariam eco, na
Associação dos Jornalistas, com a direcção de Óscar Lopes e Alberto Uva.”3
3 António Cardoso, “Amadeo ou o começo de tudo”, Amadeo de Souza-Cardoso – Centenário do nascimento, Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian/Centro de Arte Moderna, 1987, p.21
4 António Rodrigues, Anos 60, Anos de ruptura - uma perspectiva da arte portuguesa nos anos sessenta, Lisboa,
5Situação da Arte, “Introdução ao Inquérito”, p.19. O Inquérito está organizado em três partes: 1ª parte,
predominantemente teórica, de âmbito mais sociológico do que estético; 2ª, trata dos problemas suscitados pela
criação artística e nos diferentes aspectos de que se reveste nas várias artes; 3ª, aborda os problemas relacionais entre
as artes e a sociedade, ficados a partir dos próprios autores/criadores. O Inquérito constava de 17 questões.
Confrontem-se as págs 20 a 23.
- Na inexistência de qualquer museu e pouco interesse oficial pela arte, compensados
no florescimento de galerias comerciais e na dilatação duma classe de compradores,
favorecendo uma visão artesanal da qualidade executiva e abafando o eventual evoluir
de movimentos experimentais ou de mais manifesto sentido provocatório;
- Na decorrência do exposto, alucinante crescimento dum clima de especulação
mercantil que se centraliza em cerrados jogos de valores domésticos, tornando o apoio
crítico aos artistas mero processo publicitário de “promoção de vendas”, e se procura
manter na preservação de confrontos internacionais.6
9 Cf. Encontros Internacionais de Arte em Valadares, Egídio Álvaro e outros, in Revista de Artes Plásticas, nº6 –
Janeiro 1975, pp. 8-20: “Novas tendências e vanguarda” – Egídio Álvaro; “Pintura e revolução”, Idem; “Peinture et
intervention”, Patrick Le Nouëne; “A Escultura na Cidade”, Lima de Freitas.
10 Terceiros Encontros Internacionais de Arte em Portugal – Póvoa de Varzim, in Revista de Artes Plásticas, nºs. 7/8
– Dezembro/Janeiro 1977, pp.4-63: direção e realização de Egídio Álvaro e Jaime Isidoro. “Portugal 76 – vanguardas
alternativas – Albuquerque, Da Rocha, Dixo, Graça Morais, Grupo Puzzle, Vítor Fortes”, Egídio Álvaro, pp.26-28.
“Terceiros Encontros Internacionais de Arte em Portugal – Póvoa de Varzim”, Eurico Gonçalves, Colóquio/Artes,
1976, nº29 – Outubro, pp.71-72.
11 IV Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha - 1978 – Eurico Gonçalves, Colóquio/Artes, 1977, nº34
– Outubro, pp.71-73.
12 Cf. Fátima Lambert e João Fernandes, Porto 60/70: Os Artistas e a Cidade, Porto, Museu de Serralves/Ed. ASA,
2001.
condenar. (...) Não será, pois, de vanguardas em si, mas de alternativas possíveis a uma
situação irrespirável, sufocante. Alternativas em plena evolução, em constante
modificação.”13
Fechava-se um ciclo de quatro grandes agitações criativas, algo nunca visto até
então em Portugal, e que daria origem à Bienal Internacional de Cerveira, propugnando
a ideia da descentralização, procurando que a arte contemporânea se estendesse a todo o
país. As situações ocorridas repercutiram de forma inaudita, como se depreende nas
palavras de Egídio Álvaro:
Neste sector só os Encontros Internacionais de Arte em Portugal têm servido de suporte
efectivo à manifestação de artistas para quem a arte não pode nem deve ficar confinada
aos salões semi-privados, ao quasi-monopólio da capital, aos círculos de especialistas. As
13 Egídio Álvaro, “Portugal 76 – Vanguardas alternativas”, Artes Plásticas, nºs 7/8, Dezembro/Janeiro 1977, p.25
14
Eurico Gonçalves, “IV Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha”, Colóquio/Artes, nº 34
– Outubro 1977, p.71
15Mª de Fátima Lambert + 20 grupos e episódios no Porto do séc. XX, Porto. Galeria Municipal, 2001
16Egídio Álvaro, “A evolução do Puzzle”, Catálogo da Exposição Puzzle, Fundação Eng. António de Almeida, Porto,
1979
novas linguagens exigem, contudo, um esforço suplementar para quebrar as barreiras de
conformismo, de elitismo e de academismo que se opõem a qualquer inovação.”17