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Maria de Fátima Lambert - Antecedendo a I Bienal Internacional de Cerveira

“O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte média é elevar, o fim da arte superior é
libertar. (…) Elevar e libertar não são a mesma coisa. Elevando-nos, sentimo-nos
superiores a nós mesmos, porém por afastamento de nós. Libertando-nos, sentimo-nos
superiores em nós mesmos, senhores, e não emigrados, de nós. A libertação é uma
elevação para dentro, como se crescêssemos em vez de nos alçarmos.” (1924)
[Fernando Pessoa. Páginas de Estética e de Teoria Literárias. Lisboa: Ática, 1966]
“Só quando nos encontramos numa situação anómala, (...), é que as imagens se tornam
autênticas, os pseudo-acontecimentos se traduzem em acontecimentos, as cenas patéticas,
lastimosas ou adocicadas de uma vida que nos roça sem nos tocar, se convertem então em
fenómenos vitais e vividos também por nós.”
[António Quadros, “Manifesto da Pintura” (1958), Os Modernistas, Vol. V, Porto, Ed.
Petrus]

No início do séc. XX português destacaram-se vários autores e artistas,


pretendendo uma entrada na Europa relativamente à qual consideravam estar por demais
atrasados. Fernando Pessoa, Almada Negreiros e Amadeo Souza-Cardoso
protagonizaram essa missão que igualmente convocou Mário de Sá-Carneiro, Santa Rita
Pintor, entre outros e, ainda que numa perspetiva diferente, Teixeira de Pascoaes.
Coincidiam na identificação de caraterísticas menos favoráveis na identidade nacional,
ainda que salvaguardadas as respetivas diferenças ideológicas. As suas atuações nos
domínios culturais, societários e estéticos fundamentavam-se na lucidez com que reviam
o passado histórico mais recente e se atualizavam quanto ao panorama europeu, sobretudo
convergindo para as grandes capitais das primeiras décadas de novecentos.
Explodindo em contextos gregários ou refletindo em cenários mais fechados, artistas,
escritores e pensadores traçavam vias que seriam ou não potenciadas nas décadas
seguintes, e de acordo com as condições possíveis.
De forma intercalar, após a implantação do Estado Novo, a atividade artística e
cultural mais independente persistiu, embora invisibilizada para a maioria. Todavia
cientes aqueles cuja atuação se imprimia de maior convicção em prol de um compromisso
gerador de impacto e destino.
Num texto inédito, apresentado por Teresa Rita Lopes em 1990, Fernando Pessoa
enunciava as tipologias que asseveravam a identidade dos artistas: “Os três géneros de
artistas” (1925?). Na minha perspetiva, estas reflexões articulam-se aos conteúdos
expressos num outro artigo intitulado “O fim da arte inferior é agradar, o fim da arte
média...”, publicado em 1924 na revista Athena. Pessoa distinguia os três tipos de Arte
dominantes que colaboravam para o ambiente cultural em termos quase transcendendo o
histórico. Por outro lado, a argumentação desenvolvida em O Caso Mental Português de
1932 apontava, leia-se “quase denunciava”, as três camadas mentais próprias dos
portugueses. Nos textos referidos extrai-se como denominador comum o tema da
“mentalidade”. Quer seja a mentalidade capaz, quer a incapaz; quer seja a mentalidade
do artista / autor, quer fosse a mentalidade (plural, ainda que singular?) do público.
Ao pensamento pessoano subjaz um elitismo cultural que era comum na época,
quase uma bandeira desfraldada, uma vez que estava presente a noção diferenciadora dos
grupos mais engajados relativamente a classes de pensamento anestesiado ou quase
inexistente – no que Pessoa coincide com os termos avançados por Álvaro de Campos no
seu Ultimatum, com os do Almada avassalador e proclamatório de Ultimatum Futurista
às Gerações Portuguesas do século XX e, mesmo com a perspetivação de Teixeira de
Pascoaes n’ A Arte de ser Português.
A geração de artistas que irrompe no cenário do pós-guerra em Portugal, tinha na
memória a 1ª geração modernistas, a obra isolada daqueles que haviam sobrevivido e as
incorporações de novas personagens que desenhariam um mundo chegado até bem
próximo de nós. Nesta perspetiva, veja-se quanto foi necessário ponderar a caraterização
do que seria o artista impactante e avisado, bem próximo ao plasmado por Pessoa, quando
considera “
1. O artista para quem a arte é uma necessidade como que física, directa, como são a de
comer e a de beber. Para este a arte é uma função da vida – caso de Shelley, Byron, os
românticos em geral;
2. O artista para quem a arte é um refúgio, um modo de esquecer a vida; como um narcótico,
um vício qualquer, um álcool – caso de Verlaine, Baudelaire ou Maupassant;
3. O artista para quem a arte é uma tarefa, uma missão a cumprir: os grandes criadores como
Milton.1
Talvez o artista/ autor português que urgia, em clamor, entrar na Europa
do séc. XX implicasse congregar as caraterísticas dispersas em cada um dos três géneros
elegidos por Pessoa. Talvez não fosse somente caso de vanguardas históricas e durante o
séc. XX português, umas e outras gerações sentem essa urgência e a brevidade de cumprir
desígnios aparentemente inatingíveis ou perscrutáveis para a maioria.
Nos primeiros anos da década de sessenta, o impacto da atuação das gerações
afetas ao Neorrealismo, ao Surrealismo, ao Abstracionismo e à modernidade distendida
de outros, induziu os contemporâneos a empreenderem uma odisseia nacional já não, e
somente, de europeidade (ou europalidade) mas de ocidentalidade miscigenada.

1Cf.“Os três géneros de artistas”, Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa:
Estampa, 1990, p. 52.
As estadias vividas em cidades europeias [Londres, Paris, Munique…], assim
como um conhecimento detalhado das linguagens e situações desenroladas em termos
internacionais formataram a consciência, sobretudo, de afirmar novas propostas - não
necessariamente decalcadas, antes denotativas de uma especificidade autoral que filtrou
e extraiu o que servia propósitos singulares. A emigração artística, quase que sistemática,
tornada possível graças ao serviço de bolsas e aos subsídios da Fundação Gulbenkian
(paralelamente à ação dinamizadora para as atividades artísticas e culturais), ao
estabelecer-lhes uma regularidade - promoveu a consolidação das carreiras de uma
plêiade de novos artistas.
Alguns dos artistas plásticos já tinham iniciado a sua produção nos anos cinquenta
e organizado um vocabulário pessoal que viria a orientar a sua obra futura. Em alguns
casos, interrompida de forma prematura – António Areal, por exemplo, noutras
expandindo-se por várias décadas entrando no séc. XXI, caso de Ângelo de Sousa. Sem
obliterar a presença paradigmática de autores anteriores conotados com a abstração, caso
de Fernando Lanhas, Nadir Afonso e Arlindo Rocha; com o imaginário de afinidades à
Arte Bruta, como António Quadros; de fusão, entre o mítico-simbólico, o surrealismo e
uma certa abstração, na pessoa do escultor Jorge Vieira, entre outros, que enunciaram
propósitos relevantes. Também a incursão de artistas, saídos do Surrealismo português
tardio, como António Pedro, António Dacosta ou Fernando Lemos – na fotografia.
Será também a época em que as fórmulas surgidas na arte portuguesa deixam de se
vincular a mera identificação imitativa com o que internacionalmente se processa, para
passarem a definir linhas próprias de desenvolvimento, que se projectam, por vezes com
notável singularidade, nos próprios rumos da arte internacional.2

Mais a Norte ou a Sul, as movimentações advindas nas Artes Plásticas


propiciaram, invariavelmente, em termos ideológicos, uma postura – ainda que
diversificada – de consciente rutura e de oposição ao regime político vigente.
Em termos nacionais, os críticos de arte — Rui Mário Gonçalves, José-Augusto
França, Eurico Gonçalves, Salette Tavares, Fernando Guedes, Fernando Pernes, Rocha
de Sousa, José Ernesto de Sousa, Egídio Álvaro, viam-se como os mais ativos,
apresentando ideias e obras, através das suas análises e reflexões, em prol de uma
renovação dinamizada e articulada com a atividade e produção já existentes. Constate-se
que a crítica se centralizava sobretudo nos jornais e publicações de Lisboa, menosprezada
ou pelo menos minimizada a visibilidade dos artistas que exerciam a sua atividade no

2Bernardo Frey Pinto de Almeida – Breve introdução à História da Pintura Portuguesa no século XX, “Os anos 60
na pintura portuguesa”, p.36
Porto ou em Coimbra. Todavia, a atuação verificada nestas duas últimas cidades era
significativa e repercutiria nas gerações seguintes, ou seja, nos artistas que inauguraram
presença nos anos setenta, alguns ainda antes do 25 de abril.
Os locais de ativação do pensamento e da experimentação dividiam-se, em
Portugal, pelo ensino formal das Escolas de Porto e Lisboa e por em poucos, mas notáveis
espaços independentes, onde artistas inovadores dialogavam entre si e com os mais
jovens. As articulações entre autores das artes performativas, da literatura e poesia, do
cinema cruzava-se com os artistas visuais e plásticos, arquitetando novas assunções e
compromissos em espaços públicos e na procriação de obra, por vezes, efémera.
Para além das concretizações poiéticas, da fundamentação e/ ou suporte teorético,
na ordem histórica, sociológica e crítica da arte, saliente-se, por parte de alguns
produtores, a vontade e a necessidade de afirmar teoricamente as suas reflexões e
propostas pessoais: António Areal, Nadir Afonso, Júlio Pomar, mais tarde de Álvaro Lapa
e de Alberto Carneiro – este último em moldes muito específicos. Mesmo as atitudes mais
ousadas dos artistas obtiveram empatia, além de aceitação, por parte de alguma crítica
que se reconhecia nos posicionamentos estéticos mais radicais. De novo, e à semelhança
dos seus antecessores em início do século, estes artistas assumiram a urgência geracional
de uma arte emancipadora, realizando os atos necessários para a afirmação, de acordo
com as exigências históricas, e apelando à redefinição axiológica e emancipadora. Não
se cerceava a unilateralidade de uma situação gregária, apenas transposta em grupos ou
movimentos artísticos circunscritos e pontuais. Proclamava-se a vivência conjunta de
projetos e a noção responsabilizada de uma autonomia que não erradicava o compromisso
societário e gregário. A movimentação vivida nas artes e letras — em seus atos e produtos
— e a expatriação da arte portuguesa nesta década cumpria dois movimentos, duas
direções de um mesmo sentido - de dentro para fora e de fora para dentro.
No Porto, a Galeria Alvarez surgiu, de forma explícita, não como uma reação por
oposição à ESBAP, antes procurando oferecer uma alternativa, sendo uma academia, na
tradição das existentes, nomeadamente, em Paris e outras cidades europeias, onde o
ensino artístico era exigente mas menos convencional. Atendendo à inexistência de
espaços culturais na cidade, tomou como objetivo prioritário, divulgar a arte moderna. A
exposição inaugural esteve a cargo de Carlos Botelho, seguindo mostras de Hein Semke,
João Hogan, Portinari e Manuel Cargaleiro.
Durante os anos 50, a Alvarez iniciou o que seria um percurso notável,
apresentando, pela primeira vez em Portugal, obras de Portinari (ilustrações para “A
Selva” de Ferreira de Castro – 1955); organizando, em 1956, a primeira exposição
póstuma de Amadeo de Souza-Cardoso em Portugal - 40 anos depois da sua morte.
Podiam ver-se cerca de 30 obras existentes em Amarante. A exposição foi objeto de
notável impacto, sendo o primeiro reencontro, a descoberta mesmo, do carismático pintor
tão longamente esquecido no seu próprio país. Jaime Isidoro promoveu, ainda, uma
individual de Costa Pinheiro e, sobretudo, avançou com a exposição retrospetiva de
Dominguez Alvarez, assim celebrando o nome que escolhera para denominar o seu
projeto.
“A Alvarez tornara-se em mais um local de encontro dos intelectuais, de alguns políticos
da cidade e, muitas vezes, sala de recepção do Teatro Experimental (por aí passaram, em
diferentes épocas, Marcel Marceau, Ionesco, Os Jograis de S.Paulo...); aí se ensaiam os
primeiros colóquios da cidade (com António Reis), que mais tarde ganhariam eco, na
Associação dos Jornalistas, com a direcção de Óscar Lopes e Alberto Uva.”3

Todavia, a apologia da estética do Estado Novo era ainda recente e repercutia em


alguns cenários, certos resquícios mantinham-se. Nomeadamente, algumas das atividades
realizadas na Galeria Alvarez, ao tempo da publicação Operação I e 2, promovida em
1968 por Ana Hatherly e, contando no Porto com a presença de Jorge Peixinho, foi
interrompida pela Polícia. Em Lisboa, a Conferência tinha reunido na Galeria Quadrante,
E.M. de Melo e Castro e José Alberto Marques, além da introdução que estivera a cargo
de José-Augusto França. Mas a intenção de Jaime Isidoro, com a programação que
concebia, não se confinava à cidade do Porto e superava as críticas que, por vezes, lhe
eram endereçadas. Mas a sua visão prospetiva não esmorecia, e o galerista estendeu a sua
acção divulgadora fora da cidade, promovendo em 1962, uma exposição itinerante dos
artistas que representava. A natureza dessa exposição denotava, para António Rodrigues,
o seu grande ecletismo, afirmado “num entendimento difuso da modernidade colocando
artistas que rondavam a mediocridade, misturados com Amadeo, Vieira da Silva e
Almada.”4 Assim se movimentava o pequeno mundo do mercado de Arte português, na
altura bem competitivo no Porto, e onde, ainda segundo António Rodrigues, nem Galeria
111, nem a Galeria São Mamede conseguiam, então, penetrar. De referir, a título de

3 António Cardoso, “Amadeo ou o começo de tudo”, Amadeo de Souza-Cardoso – Centenário do nascimento, Lisboa,
Fundação Calouste Gulbenkian/Centro de Arte Moderna, 1987, p.21
4 António Rodrigues, Anos 60, Anos de ruptura - uma perspectiva da arte portuguesa nos anos sessenta, Lisboa,

Palácio Galveias, 1992, s/p.


curiosidade a realização de uma relevante exposição de Artur Barrio, já nos anos setenta,
ainda na rua da Alegria.
Em 1967, finalizando quase a década, o Inquérito à Situação da Arte, fomentado
por Eduarda Dionísio, Almeida Faria e Luís Salgado de Matos, assumiu-se como um
notável balanço para identificar a Arte em Portugal, reunindo diferentes intervenientes
nos processos de atuação criativa e pensamento crítico. Alguns aspetos, focados pela
própria Eduarda Dionísio, no estudo introdutório à obra Situação da Arte, privilegiam a
definição da atualidade “intemporalizada” que, obviamente, decorria de constatações
epocais como: “Alteração de gosto”, “A periferia da obra de arte”, “A reação do público”,
“A importância do público”, “Situação do artista na sociedade”... Pediam-se os tópicos
esclarecedores para o estabelecimento de “uma panorâmica global do que pensam os
artistas sobre arte no fim dos anos 60.”5 Conforme referido no texto curatorial de Porto
60/70: os artistas e a cidade, exposição realizada em 2001 no Museu de Serralves, os
depoimentos recolhidos neste volume, reuniam opiniões críticas e reflexões de escritores,
músicos, pintores, escultores e atores. Todos eram considerados significativos
protagonistas da Arte em 1967, citando-se aqueles cuja atividade residia mais/também no
Norte: Júlio Resende, Dordio Gomes, Eduardo Batarda (Fernandes), Álvaro Lapa,
Ernesto de Sousa, Espiga Pinto, Eugénio de Andrade...
Procuravam-se - à e para a época - respostas para alguns “lugares-comuns”, para
dúvidas manifestas, mas também se tratava de atingir uma explanação rigorosa e
aprofundada de questões estéticas, sociológicas, históricas e críticas sobre as Artes: “A
arte é uma actividade aristocrática?”, “A arte pode ter uma finalidade prática?”, “A arte
será uma actividade eterna?” São extremamente reveladoras algumas das respostas dos
artistas, por exemplo, no que respeita às extrapolações suscetíveis de serem realizadas
sobre Arte e Sociedade – fenómeno de público (inexistente)...
Um dos nomes emblemáticos, associados à promoção e qualificação da arte no
Porto, Fernando Pernes, em 1972 proporcionou um estudo que contribuiria para a
efetividade do que viria a ser história da arte em Portugal nas décadas de 60-70. Salientava
as linhas fundamentais que consistiam:
- Na neutralização do espírito de contestação ou de intervencionismo social na vida
artística do País;

5Situação da Arte, “Introdução ao Inquérito”, p.19. O Inquérito está organizado em três partes: 1ª parte,
predominantemente teórica, de âmbito mais sociológico do que estético; 2ª, trata dos problemas suscitados pela
criação artística e nos diferentes aspectos de que se reveste nas várias artes; 3ª, aborda os problemas relacionais entre
as artes e a sociedade, ficados a partir dos próprios autores/criadores. O Inquérito constava de 17 questões.
Confrontem-se as págs 20 a 23.
- Na inexistência de qualquer museu e pouco interesse oficial pela arte, compensados
no florescimento de galerias comerciais e na dilatação duma classe de compradores,
favorecendo uma visão artesanal da qualidade executiva e abafando o eventual evoluir
de movimentos experimentais ou de mais manifesto sentido provocatório;
- Na decorrência do exposto, alucinante crescimento dum clima de especulação
mercantil que se centraliza em cerrados jogos de valores domésticos, tornando o apoio
crítico aos artistas mero processo publicitário de “promoção de vendas”, e se procura
manter na preservação de confrontos internacionais.6

A Cooperativa Artística Árvore havia sido fundada em 1963, constituída no ateliê


do Arqtº Pulido Valente, e agregando inúmeros artistas e intelectuais. Foi inscrita no 3º
Cartório Notarial do Porto, a 2 de Abril de 1963, tendo comparecido como 10 outorgantes:
Manuel Pinto, Ângelo de Sousa, Jorge Pinheiro, Carlos Martins, Augusto Carvalho, José
Grade, Lima Carvalho, Maria Manuel Delgado dos Santos Nogueira, Laureano Guedes e
Domingos Pinho. Teve sede e domicílio provisório, o referido ateliê do Arquiteto, na rua
Alexandre Herculano, 90, 4º andar, sala 5. Posteriormente foi José Rodrigues quem
descobriu a antiga casa da família Azevedo de Albuquerque, cito no Passeio das Virtudes,
onde viriam a localizar-se as instalações da Árvore. Tomou como propósito abranger,
com a sua acção “todo o território português e estrangeiro, podendo estabelecer em todo
ele delegações ou outras formas de representação.”7
O Teatro Experimental do Porto, sob égide de António Pedro, desenvolvia uma
programação notável que muito demoraria a ser igualada. O Cineclube do Porto era outro
dos polos ativos, contrariando os pressupostos culturais do Estado Novo e atualizava o
seu público fiel, mostrando os filmes e documentários mais inovadores e significativos.
Por outro lado, o único Museu de Belas-Artes da cidade estava conotado com uma
inatividade que provocou uma ação pública inesperada logo após o 25 abril. A 10 de
Junho de 1974, por iniciativa de uma “Comissão para uma Cultura Dinâmica” que
agregava artistas e intelectuais, procedeu-se ao enterro do Museu Nacional de Soares dos
Reis:
“Ciclo Necrófilo do Porto
Morreu o Museu “Soares dos Reis”
Morto por inacção, enterra-se à porta do mesmo no dia 10 às 16 horas
Funeral com alegria
Participa
Enterro a cargo da “Comissão para uma Cultura Dinâmica”.

A proposta de implementação de um “Centro de Arte Contemporânea do Norte”


é anunciada em ofício, assinado por Fernando Pernes, para discussão numa sessão que se

6 Fernando Pernes, “Lisboa/Porto”, Colóquio/Artes, nº9 – Outubro de 1972, pp.36-37


7 Artigo 3º dos “Estatutos” da Árvore Cooperativa Artística SCARL.
realizaria a 28 de Novembro de 1974. A sessão de debate aconteceu na Cooperativa
Árvore e tinham marcado presença, uma parte considerável dos artistas ativos no Porto.

“…A arte é o essencial da existência humana.


A arte é questão e interrogação.
A arte é inconformismo.
A arte é comunicação que incomoda.
A arte é cultura e exigência.
A arte é harmonia, cores e formas.
A arte é expressão humana.
A arte é a paixão de ser artista.
A arte é luz que educa.
A arte é criação e experimentação.
A arte é sentimento e emoção.
A arte é exemplo e inovação.
A arte não se conforma com valores tradicionais.
A arte é para toda a gente.
A arte não é para toda a gente.”8

Transcreve-se um excerto do texto, autoria de Jaime Isidoro, aqui assinalando o


desenvolvimento da atividade cultural, do artista, programador e galerista, fio condutor e
impulsionador dos Encontros Internacionais de Arte, que culminariam na realização
primeira BIAC, em 1978.
O Manifesto de Vigo foi elaborado em meados de Agosto de 1974, em Valadares
– embora assinado em Vigo. Teve como signatários: Pierre Alain Hubert, João Dixo,
Miroslav Moucha, Carlos Barreira, Serge III Oldenbourg, Egídio Álvaro, Dan Azoulay,
Tomek e Zbiginiew Warpechowki. A sua designação assumia ironicamente, por um lado,
a questão de uma internacionalização da arte, pela referência de uma das cidades galegas
mais próxima da fronteira portuguesa, por outro, pelo facto de ser um Manifesto advogava
uma ação artística “subversiva”, proclamando a cisão com os modelos convencionais de
expressão e preconizando atuações proclamatórias...dentro do espírito que, à época,
imperava – dentro da ambiguidade entre a intervenção ideológica e a definição de uma
atitude conceptual concertada.
“CONCLUSÕES:
Subversivo e irrisório encontram-se num ponto chamado “integração”. Recusamo-la
sem parar e sem parar dela nos aproximamos. A intervenção serve-nos para fazer
explodir as certezas. Quando deixa de ter força, encontramos outros métodos, outros
meios e outros alvos.
E, dado que a diferença entre um manifesto com interesse e um manifesto sem interesse
é uma convenção manifestada, fazemos este com a convicção de que o prazer sentido
por aqueles que estão de acordo com uma “subversão natural” será superior ao
desprazer sentido por aqueles que desejam uma doutrina direccional. De qualquer
maneira, o problema não é nosso, pois nós fabricamo-nos e vocês compreendem-se.
Acabam de ler um manifesto suicida.
8 Cf. António Quadros Ferreira, Jaime Isidoro – A arte sou eu, Porto, Afrontamento, 2017, pp. 134-135
Acabam de ler um manifesto não suicida.”

No ano seguinte, iniciar-se-ia em Valadares, na Casa da Carruagem, a edição dos


Encontros Internacionais, organizados pela Galeria Alvarez de Jaime Isidoro, secundado
por Egídio Álvaro, entre outros. Este evento surgia na sequência de uma atuação assídua,
engajada, que tenazmente vinha garantindo a publicação da emblemática Revista de Artes
Plásticas, cujo primeiro número data de outubro 1973; 4 nos publicados em 1974 (2, 3,
4, e 5); o nº 6 em janeiro de 1975 e, após o interregno, terminou com o nº duplo 7/8
relativo a Dez./Jan. 1977. Aos primeiros Encontros Internacionais de Arte em
Valadares9, sucederam os Segundos Encontros em Viana do Castelo - 1975, os
Terceiros10 que ocorreram na Póvoa de Varzim em 1976 e, por último, os IV Encontros
Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha em 197711.
Entre os acontecimentos mais significativos dos Encontros, a salientar o espaço
cultural, onde se mostraram esculturas de Zulmiro de Carvalho, Ângelo de Sousa, José
Rodrigues, Alfredo Queiroz Ribeiro, Aureliano Lima, Espiga Pinto, Carlos Barreira,
Moucha e Serge III Oldenbourg. Também a da realização de um Dia da Arte, com
animação de elementos do Centro de Artes Plásticas de Coimbra [CAPC]: “As
participações repartiam-se entre um realismo militante (marxista ou não), uma
abstracção psicológica e uma tendência partidária da utilização de novos suportes –
integrável no conceito de intervenções.”12
Os Terceiros Encontros Internacionais de Arte – Póvoa de Varzim apresentaram
o grupo Puzzle. O principal mentor destes eventos foi Egídio Álvaro que indigitou a
irreverência do grupo, que integrava no começo, Albuquerque Mendes, Da Rocha, Dixo,
Graça Morais, Puzzle e Víctor Fortes. Assim se proclamavam as vanguardas alternativas!
“Cinco artistas e um grupo, neste começo do último quartel do século, considerados
como vanguardas (e não como «vanguarda singular», insisto). Porquê? Porque a meu
ver, eles representam, dentro do esquema plástico existente, as aberturas, as
proposições, o alargar das fronteiras do visível conhecido, as rupturas, que se inscrevem
na perspectiva de um presente real oposto ao presente fictício a que nos querem

9 Cf. Encontros Internacionais de Arte em Valadares, Egídio Álvaro e outros, in Revista de Artes Plásticas, nº6 –
Janeiro 1975, pp. 8-20: “Novas tendências e vanguarda” – Egídio Álvaro; “Pintura e revolução”, Idem; “Peinture et
intervention”, Patrick Le Nouëne; “A Escultura na Cidade”, Lima de Freitas.
10 Terceiros Encontros Internacionais de Arte em Portugal – Póvoa de Varzim, in Revista de Artes Plásticas, nºs. 7/8

– Dezembro/Janeiro 1977, pp.4-63: direção e realização de Egídio Álvaro e Jaime Isidoro. “Portugal 76 – vanguardas
alternativas – Albuquerque, Da Rocha, Dixo, Graça Morais, Grupo Puzzle, Vítor Fortes”, Egídio Álvaro, pp.26-28.
“Terceiros Encontros Internacionais de Arte em Portugal – Póvoa de Varzim”, Eurico Gonçalves, Colóquio/Artes,
1976, nº29 – Outubro, pp.71-72.
11 IV Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha - 1978 – Eurico Gonçalves, Colóquio/Artes, 1977, nº34

– Outubro, pp.71-73.
12 Cf. Fátima Lambert e João Fernandes, Porto 60/70: Os Artistas e a Cidade, Porto, Museu de Serralves/Ed. ASA,

2001.
condenar. (...) Não será, pois, de vanguardas em si, mas de alternativas possíveis a uma
situação irrespirável, sufocante. Alternativas em plena evolução, em constante
modificação.”13

Na última edição dos Encontros, Eurico Gonçalves, na sua notícia crítica ao


evento, publicada na Colóquio/Artes, assinalava como um propósito fundamental o fato
de “desbloquear a arte portuguesa da sua condição de isolamento, libertando-a de
possíveis complexos de inferioridade em relação ao panorama artístico internacional.” 14
Por outro lado, nos Encontros Internacionais de Arte das Caldas, o grupo Acre ganhou
protagonismo público com Clara Menéres e Lima de Carvalho, ainda que na ausência de
Queiroz Ribeiro. Dinamizaram uma acção de tal modo entendida como provocatória, que
a escultura realizada por ambos para o Mercado do Peixe, acabou por ser demolida à
picareta. A peça pretendia evocar o 16 de Março, ocorrido precisamente nas Caldas da
Rainha, um mês sensivelmente antes do 25 de Abril de 1974.15 A agitação e o confronto
foram uma recorrência em todas as edições, como sublinhou Egídio Álvaro em 1979,
impelidas por manipulações mais ou menos evidentes:
“O seu impacto foi tal, de Viana do Castelo a Póvoa de Varzim, e da Póvoa às Caldas da
Rainha, e as possibilidades que deixou entrever de tal maneira ricas, que nesta última
cidade tudo se conjugou para que, no dia de encerramento, soprasse um vento de
violência, fosse criada uma tensão artificial, fossem publicados comunicados partidários
absolutamente nada inocentes, dando assim o pretexto às mais variadas e falsas
interpretações e facilitando a tarefa de censores, inimigos e gente incomodada da
tranquilidade dos seus tachos. O delírio verbal de alguns foi tão longe que os seus textos
podem desde já enfileirar na galeria das obras-primas da desonestidade, da divisão, da
irresponsabilidade, da mentira e, ultrapassando a intenção dos seus autores, na galeria do
ridículo.”16

Fechava-se um ciclo de quatro grandes agitações criativas, algo nunca visto até
então em Portugal, e que daria origem à Bienal Internacional de Cerveira, propugnando
a ideia da descentralização, procurando que a arte contemporânea se estendesse a todo o
país. As situações ocorridas repercutiram de forma inaudita, como se depreende nas
palavras de Egídio Álvaro:
Neste sector só os Encontros Internacionais de Arte em Portugal têm servido de suporte
efectivo à manifestação de artistas para quem a arte não pode nem deve ficar confinada
aos salões semi-privados, ao quasi-monopólio da capital, aos círculos de especialistas. As

13 Egídio Álvaro, “Portugal 76 – Vanguardas alternativas”, Artes Plásticas, nºs 7/8, Dezembro/Janeiro 1977, p.25
14
Eurico Gonçalves, “IV Encontros Internacionais de Arte nas Caldas da Rainha”, Colóquio/Artes, nº 34
– Outubro 1977, p.71
15Mª de Fátima Lambert + 20 grupos e episódios no Porto do séc. XX, Porto. Galeria Municipal, 2001
16Egídio Álvaro, “A evolução do Puzzle”, Catálogo da Exposição Puzzle, Fundação Eng. António de Almeida, Porto,
1979
novas linguagens exigem, contudo, um esforço suplementar para quebrar as barreiras de
conformismo, de elitismo e de academismo que se opõem a qualquer inovação.”17

A programação cultural no Porto intensificou-se, saliente-se a o número relevante


de seis exposições, realizadas entre 1978 e Janeiro de 1979, relacionadas ao grupo Puzzle,
na Fundação Eng. António de Almeida no Porto: cinco individuais e uma coletiva do
grupo.
Após a síntese, direcionada para o aparecimento da Bienal Internacional de
Cerveira, extraem-se os nomes que edificaram o evento que cumpre este ano os seus
quarenta anos de existência (e persistência). A sua fundação deve-se a Jaime Isidoro, com
apoio do então presidente da Câmara de Vila Nova de Cerveira, Eng. Lemos Costa. A
Bienal seria, desde o início, um evento inusitado em Portugal, tendo sido precursora em
termos de estratégias, procedimentos e realizações: serviços educativos; residências
artísticas; encontros e conversas com artistas; workshops e, muito em particular, a criação
(colaborativa ou singular) de obras em tempo real, para além de trazer à vila nortenha
nomes significativos da plêiade artística internacional – em continuidade ao que se
verificara nos Encontros Internacionais de Arte. Ao longo destes 40 anos a BIAC foi
conduzida por 3 diretores da geração que a fundou: Jaime Isidoro, José Rodrigues e
Henrique Silva. Depois, já no nosso século, por Augusto Canedo e, mais recentemente,
por Manuel Cabral Pinto.
Evidencia-se quanto cabe dar continuidade ao processo de tratamento da
documentação, registos, memórias (tangíveis, visíveis ou imateriais), recolha de
depoimentos da história da BIAC, na sequência das diligências realizadas em diferentes
contextos. De salientar a recente tese de doutoramento elaborada por Margarida Leão,
abrangendo o período compreendido entre 1978 e 2007. Certamente que haverá interesse,
impulso e incentivo para seguir novas focagens em termos de investigação académica,
quer ao nível de necessárias publicações diretas ou adjacentes. Para além de sistematizar
as ideias históricas, carece expandir a discussão e a reflexão em sessões públicas,
implicando a comunidade local. Assim poderá reverberar a dimensão plural da BIAC
enquanto parte de um património que integra e pelo qual é integrada. Isto é, não somente
enquanto património artístico e cultural reconhecido, como na aceção dos designados
bens culturais, ativados em termos locais e regionais, também com projeção nacional e
internacional – pois esta se assinala ser uma das suas evocações desde início.

17 Egídio Álvaro, “Identidade cultural e massificação”, Paris, 1977

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