Sei sulla pagina 1di 50

Coordenação Didático-Pedagógica

Stella M. Peixoto de Azevedo Pedrosa

Redação Pedagógica
Tito Ricardo de Almeida Tortori

Revisão
Alessandra Muylaert Archer

Projeto Gráfico
Fundamentos do direito público e privado : apostila 3 DPP /
Romulo Freitas
coordenação didático-pedagógica: Stella M. Peixoto de Azevedo
Diagramação Pedrosa ; redação pedagógica: Tito Ricardo de Almeida Tortori ;
Luiza Serpa revisão: Alessandra Muylaert Archer ; projeto gráfico: Romulo Freitas
; coordenação de conteudistas: Fernando Velôzo Gomes Pedrosa ;
Coordenação de Conteudistas conteudistas: Antônio Augusto Rodrigues Serpa, Fernando Antonio
Fernando Velôzo Gomes Pedrosa Cury Bassoto, Lúcio Fernandes Dias ; revisão técnica: Otávio Bravo ;
produção: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro ; realização:
Conteudistas EsIE – Escola de Instrução Especializada [do] Exército Brasileiro. – Rio de
Antônio Augusto Rodrigues Serpa Janeiro : PUC-Rio, CCEAD, 2013.
Fernando Antonio Cury Bassoto
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais – CHQAO.
Lúcio Fernandes Dias
176 p. : il. (color.) ; 21 cm.
Revisão Técnica Inclui bibliografia.
Otávio Bravo 1. Direito público - Brasil. 2. Direito privado – Brasil. I. Pedrosa,
Stella M. Peixoto de Azevedo. II. Tortori, Tito Ricardo de Almeida. III.
Produção Serpa, Antônio Augusto Rodrigues. IV. Bassoto, Fernando Antonio Cury.
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro V. Dias, Lúcio Fernandes. VI. Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro. Coordenação Central Educação a Distância. VII. Brasil. Exército.
Realização Escola de Instrução Especializada.
EsIE – Escola de Instrução Especializada CDD: 342
Exército Brasileiro
CHQAO
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais

FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO


Unidade 5
Direito Penal Militar - Parte Geral
APRESENTAÇÃO
O Curso de Habilitação ao Quadro de Auxiliar de Oficiais (CHQAO),
conduzido pela Escola de Instrução Especializada (EsIE), visa habilitar os
subtenentes à ocupação de cargos e ao desempenho de funções previstas
para o Quadro Auxiliar de Oficiais.

A disciplina Fundamentos do Direito Público e Privado, possui carga


horária total de 90 horas.

Os objetivos gerais desta disciplina são:

• Conhecer conceitos constitucionais relacionados às instituições do


direito público e privado.

• Analisar o papel do cidadão diante da Constituição Federal, de fatos


relacionados à administração das instituições de direito público e
privado.

• Diferenciar atos e fatos jurídicos das instituições de direito público e


privado associados às noções de direito na administração pública.

• Descrever o Direito Internacional Humanitário e fornecer elementos


para identificação de sua problemática.

• Identificar as principais regras e convenções relacionadas ao Direito


Internacional Humanitário.

• Conhecer as principais regras da legislação penal militar brasileira.

• Conhecer as principais regras da legislação processual penal militar


brasileira.

• Empregar de maneira correta a legislação vigente.

Será apresentada agora a Unidade V – Direito Penal Militar - Parte


Geral, cujos objetivos – que acompanham o especificado no PLADIS –
estarão especificados por capítulo.

Boa leitura!
conteudistas

Antônio Augusto Rodrigues Serpa é bacharel em Ciências Militares pela Academia


Militar das Agulhas Negras (AMAN). Possui mestrado em Biodireito, Ética e Cidadania
pelo Centro Universitário Salesiano São Paulo (UNISAL) e em Operações Militares pela
Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO). É doutorando em Ciência Política e Re-
lações Internacionais no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ).
Possui as seguintes especializações: Direito Militar pela Universidade do Sul de Santa
Catarina (UNISUL), Relações Internacionais pela Universidade Cândido Mendes (UCAM),
Magistério Superior em Direito pela Universidade Estácio de Sá (UNESA), Processo Penal
pela Universidade de Fortaleza (UNIFOR) e Atualização Pedagógica e Supervisão Escolar,
ambas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Atualmente é professor
titular e Coordenador Geral da Cadeira de Direito na Academia Militar das Agulhas
Negras (AMAN) e membro do Grupo de Análise e Prevenção de Conflitos do Centro de
Estudos das Américas (CEAs/UCAM) pesquisando a normatização internacional da não-
-proliferação de armas nucleares.

Fernando Antonio Cury Bassoto é bacharel em Ciências Militares pela Academia


Militar das Agulhas Negras (AMAN) e em Direito pela Universidade de Barra Mansa
(UBM). É pós-graduado em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de
Oficiais (EsAO) e em Supervisão Escolar pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ). Possui o Curso de Extensão em Relações Internacionais pela AMAN de Inter-
venções no pós-guerra fria. É professor do magistério do Exército há mais de 20 anos,
tendo ministrado na AMAN aulas de Topografia e de Introdução ao Estudo do Direito
durante oito anos. Ainda na AMAN, foi chefe da Assessoria Jurídica e há dez anos exer-
ce a coordenação e o magistério da disciplina Direito Penal e Processual Penal Militar,
tendo ministrado, também, Direito Constitucional. Nas Faculdades Dom Bosco (AEDB)
ministra aulas de Introdução ao Direito para os cursos de Economia e de Tecnologia em
Gestão Pública; Legislação Tributária para os cursos de Administração e de Tecnologia
em Gestão Pública; e de Legislação Trabalhista para os cursos de Administração e de
Tecnologia em Gestão de RH.

Lúcio Fernandes Dias é bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das
Agulhas Negras (AMAN) e em Direito pela Universidade de Barra Mansa (UBM). É
mestre em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (ESAO) e
pós-graduado em Direito Civil, Processual Civil e Magistério Superior pela Universidade
de Barra Mansa (UBM). Possui os Cursos de Direito Internacional Humanitário Militar
em Sanremo, Itália, e em Buenos Aires, Argentina. É professor da Cadeira de Direito
da Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), onde leciona Direito Penal e Direito
Processual Penal Militar há mais de 12 anos.
Índice

Unidade 5
1. Autonomia do Direito Penal Militar 09

2. Evolução histórica do Direito Penal Militar 13


2.1 As leis penais militares do Brasil 14

3. Diferenças entre o Código Penal Comum e Militar 19


3.1 Princípio da legalidade 19
3.2 Lei supressiva de incriminação 21
3.3 Medidas de segurança 22
3.4 Lugar do crime 22
3.5 Territorialidade e extraterritorialidade 23
3.6 Tempo de guerra 24
3.7 Assemelhado 25
3.8 Pessoa considerada militar 25
3.9 Casos de prevalência do Código Penal Militar 26
3.10 Da tentativa 26
3.11 Erro 28
3.12 Coação irresistível 30
3.13 Obediência hierárquica 31
3.14 Excludente de culpabilidade 33
3.15 Excludente de ilicitude 33
3.16 Excludentes da imputabilidade 34
3.17 Concurso de agentes 36
3.18 Das penas 37
3.19 Da suspensão condicional da pena 39
3.20 Do livramento condicional 40
3.21 Medidas de segurança 42
3.22 Ação penal 42
3.23 Da prescrição 43

4. As divergências 45

5. Bibliografia 47
1 Autonomia do Direito
Penal Militar

Objetivo específico

• Identificar o caráter autônomo do Direito Penal Militar.

A autonomia do Direito Penal Militar é, dada a sua natureza, um tema


jurídico controverso.

Para identificar o caráter autônomo do Direito Penal Militar, deve-se buscar nos
dicionários jurídicos a definição de autonomia jurídica. Diniz (2005, p. 417)
afirma que essa autonomia “é a independência de um ramo do direito, por
ter objeto, princípios e normas próprios”. Contudo, a definição de autonomia
jurídica nos leva à dúvida: o Direito Penal Militar é autônomo ou uma especiali-
zação do Direito Penal comum? A questão é tão antiga quanto controversa.

Ao analisar o Código Penal Comum e o Código Penal Militar é possível encon-


trar vários institutos idênticos, acarretando dúvidas em função dessa distinção.

Bandeira (1925, p. 25) ensina que o Direito Penal Militar é uma especialização
do Direito Penal comum, quando afirma:

O soldado representa apenas uma categoria funcional


de indivíduos como o Direito Penal Militar representa um
capítulo especial da legislação penal ordinária. O soldado,
pois, é um simples funcionário, e o Direito Penal Militar
uma simples especialização do Direito Penal comum.

Contudo, cabe ressaltar que o Direito Penal Militar possui objeto, princípios e
normas próprios, que se distanciam dos princípios do Direito Penal comum.
Uma rápida comparação entre a estrutura do Código Penal brasileiro (CP) −
que trata dos crimes comuns − e o Código Penal Militar (CPM) − que trata
dos crimes militares − demonstra a diferença entre os dois ramos.

9
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
No CP o legislador elegeu a pessoa como merecedora de proteção prioritária.
E logo a seguir, o patrimônio, entre outros. Já para os crimes militares, a pre-
ocupação do legislador foi garantir a segurança externa do país e, portanto,
da coletividade, seguindo-se a autoridade, a disciplina, o serviço e o dever
militar. Isso se deve ao fato de que a paz e a guerra evidenciam a existência de
dois tipos de sociedade: uma civil, fundada na liberdade, e outra militar, funda-
da na obediência. Ao identificá-las, Clemenceau (apud BANDEIRA, 1925, p. 31)
discerniu: “O juiz da liberdade não pode ser o da obediência”.

Tipo de Proteção
Período Fundamento
Sociedade prioritária

Tempo de paz Sociedade civil Liberdade Pessoa humana

Segurança
Tempo de guerra Sociedade Militar Obediência
externa do país

Para Vazquez:

É possível e desejável imaginar um mundo de paz, mas


no plano da realidade dos povos é forçoso reconhecer a
existência de Forças Armadas, como a parcela da coleti-
vidade nacional que cada Estado prepara e equipa para
atender a sua própria segurança ou para alcançar suas
aspirações e a imposição de sua vontade quando em
confronto com a vontade de outros Estados (1948 apud
PORTO, 2010, p.17-18).

Atendendo a essas peculiaridades, os constituintes ratificaram, em 1988, a


autonomia do Direito Penal Militar, nos artigos 122 a 125 da Constituição
Federal (CF/88), cabendo ressaltar o artigo 124 que afirma: “À Justiça Militar
compete processar e julgar os crimes militares definidos em lei”. O parágrafo
único deste artigo determina que a lei irá dispor sobre a organização, o funcio-
namento e a competência da Justiça Militar.

Em 1992, é sancionada a Lei Nº 8.457 que organizou a Justiça Militar da União


e regulou o funcionamento de seus serviços auxiliares. Quanto aos crimes mi-
litares que serão processados e julgados, o amparo é encontrado nos Códigos
Penal Militar e de Processo Penal Militar, instituídos pelos Decretos-Leis nº 1001
e 1002, de 21.10.1969. Tais leis foram recepcionadas pela CF/88 e conferem ao
Direito Penal Militar os requisitos necessários para a sua autonomia.

10
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
Essa visão torna-se mais clara quando se observa que o CPM estabelece a
autoridade e disciplina militar; o serviço e o dever militar como bens jurídi-
cos tutelados, além de também definir como crimes a deserção, a recusa de
obediência, o desrespeito ao superior, o dormir em serviço, a covardia, entre
outros. Essas condutas não apresentam qualquer relevância para a sociedade
civil, contudo são de fundamental importância para regular o funcionamento
das instituições militares.

O Direito Penal Militar foi criado não com a finalidade de definir crimes para
militares, mas sim de criar regras jurídicas próprias à proteção das instituições
militares e ao cumprimento de seus objetivos constitucionais, pois:

Forças Armadas e Justiça Militar são instituições liga-


das umbilicalmente. Qualquer discussão a respeito da
existência da Justiça Militar deve levar em consideração a
existência de Forças Armadas, sua natureza jurídica e suas
atribuições. Não havendo Força Armada não há que se
falar em Justiça Militar (PORTO, 2010, p. 17).

A CF/88 afirma no seu artigo 142 que as Forças Armadas são instituições na- Sobre hierarquia e discipli-
na, ler a decisão da 2ª Turma
cionais permanentes e regulares, assim a Justiça Militar é autônoma para man-
do STF no HC nº 107.688/
ter a eficiência das Forças Armadas como organização de combate, de forma a DF, julgado em 7 de junho
amparar os seus princípios basilares que são a hierarquia e a disciplina. Dessa de 2011 e relatado pelo Mi-
nistro Ayres Britto. Disponí-
forma, para Marques, o: vel em: <http://redir.stf.jus.
br/paginadorpub/pagina-
[...] direito comum e direito especial dentro do nosso dor.jsp?docTP=TP&docID=
sistema político são categorias que se diversificam em 1641493>.
razão do órgão que deve aplicá-los jurisdicionalmente.
Este é o melhor critério para uma distinção precisa, pelo
menos no que tange ao direito penal; se a norma penal
objetiva somente se aplica através de órgãos especiais,
constitucionalmente previstos, tal norma agendi tem
caráter especial, se a sua aplicação não demanda jurisdi-
ção própria, mas se realiza através da justiça comum, sua
qualificação será de norma comum. Atendendo a esse
critério, teremos um direito penal comum e um direito
penal militar (1954 apud ROMEIRO, 1994, p. 5).

11
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
Segundo o Ministro do STF, Ayres Britto, no julgamento do
habeas corpus 107.688 Distrito Federal, “a hierarquia e a
disciplina militares não operam como simples ou meros predi-
cados funcionais das Forças Armadas brasileiras, mas, isto sim,
como elementos conceituais e vigas basilares de todas elas.
Dados da própria compostura jurídica de cada uma e de todas
em seu conjunto, de modo a legitimar o juízo técnico de que,
se a hierarquia implica superposição de autoridades (as mais
graduadas a comandar, e as menos graduadas a obedecer), a
disciplina importa a permanente disposição de espírito para a
prevalência das leis e regulamentos que presidem por modo
peculiar a estruturação e o funcionamento das instituições
castrenses.(...)” (BRASIL, 2011, p.2).

Partindo dessa perspectiva, o Direito Penal Militar, portanto, é autônomo,


Tutela: proteção, amparo com características próprias e se destina, igualmente, à [tutela] dos altos valo-
res que compõem as instituições militares, pois:

Direito Penal comum, sofre mudanças frequentes para


acompanhar os anseios da sociedade. Tende a aproximar-
-se do ideal de justiça concebido em cada época. O Direito
Penal Militar, ao contrário, mantém um perfil mais cons-
tante porque encontra suporte no princípio da defesa do
Estado. O objeto se limita à manutenção da disciplina no
âmbito das Forças Armadas para defesa eficaz da socieda-
de e da coletividade. Alguns doutrinadores chegam a dizer
que a lei castrense é uma lei que repousa sobre a necessi-
dade de sobrevivência do Estado (PORTO, 2010, p.17).

Esse caráter autônomo (especial) do Direito Penal Militar advém da Consti-


tuição Federal de 1988, que atribui com exclusividade aos órgãos da justiça
castrense o processo e o julgamento dos crimes militares definidos em lei.

12
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
2 Evolução histórica
do Direito Penal Militar

Objetivo específico

• Conhecer a evolução da legislação penal militar brasileira

Uma Cidade-Estado é uma ci- A partir da existência de um exército formalmente constituído, passa a existir a
dade dentro de um país que
necessidade de uma Justiça Militar. Isso ocorreu ainda na Antiguidade, cujos
organiza como se fosse um
local independente com seu fatos foram decisivos para o surgimento das Cidades-Estado e, com elas, a
próprio governo. Na Grécia criação de exércitos de caráter permanente. Segundo Neves e Streifinger:
Antiga, as cidades de Atenas,
Esparta e Troia ficaram famosas Ainda que não se possa definir com exatidão o momento
por ter sistema político, cultu-
em que surgiu um Direito voltado à atividade bélica, pode-
ral e econômico próprios.
-se, em linhas gerais, afirmar ter sido em tempos remotos,
acompanhando o aparecimento dos primeiros exércitos.
A estes se segue a criação de um órgão julgador especia-
lizado na apreciação dos crimes praticados em tempo de
guerra, no sítio das operações bélicas (2012, p. 38).

Tem-se notícia de que o primeiro exército organizado tenha sido constituído na


Suméria, há cerca de 4.000 a.C. A criação de um tribunal para o julgamento
de crimes cometidos por militares foi baseada nos chamados Códigos Sume-
rianos. Neles eram previstas penalidades para os que cometessem crimes no
campo de batalha (NEVES; STREIFINGER, 2012).

Quando se discorre sobre exércitos organizados, entretanto, é obrigatório citar,


em primeiro lugar, os exércitos de Roma. A Justiça Militar foi praticada nos
Jus castrensis romanorum: acampamentos romanos [jus castrensis romanorum], desde os séculos I e II.
Direito Militar Romano. Por essa razão, o império romano se destacou na história do Direito Militar e
na legislação militar, constituindo uma das maiores fontes de institutos jurídi-
cos (RIBEIRO, 2008).

O Direito Militar se materializou e se consolidou na antiga Roma. Os primeiros


códigos penais militares herdaram várias penas aplicadas pelos romanos, que
eram bastante severas, como enforcamento (pena de morte), bastonada ou
fustigação, chibatadas, degradação e a baixa infamante.

13
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
Os romanos já entendiam Com a queda do Império Romano, durante a Idade Média, a Justiça Mili-
que os crimes militares ti-
tar passou a ser de difícil identificação nas legiões bárbaras. O impacto das
nham características próprias
e necessitavam de legislação invasões bárbaras alterou radicalmente a organização da região, afetando a
especial, além de um corpo disciplina dos exércitos e a aplicação do Direito Penal Militar. Essas invasões
de magistrados específico. A
partir do século XVI, a juris- marcaram a transição da Antiguidade para a Idade Média. Assim:
dição penal militar passou a
ser formada por juízes mili- Somente com a aparição de exércitos permanentes no
tares, tanto em tempos de paz século XV, principalmente na Itália, França, Espanha e
quanto em tempos de guerra, Borgonha, é que começaram a ressurgir os primeiros
assessorados a princípio por elementos de uma Justiça Militar. Há ainda a tese de que
magistrados civis e, tempos
mais tarde, julgando em con- a Justiça Militar ressurgiu com os chamados Conselhos
junto, no que passou a ser de Guerra e os auditores de campo, nascidos na Espanha
conhecido como um colégio e na Itália, em torno de 1580. Em Portugal, eles foram
judicante. Em 1547, Carlos V criados somente em 1640 porque antes desse período a
conferiu a designação de au-
ditor ao magistrado civil que Coroa Portuguesa e a Espanhola estavam unidas. Essas
exercia a superintendência da instituições permaneceram na Espanha e em Portugal e
Justiça Militar. Essa designação viriam a influenciar, mais tarde, a Justiça Militar no Brasil.
perdura até nossos dias para a
Justiça Militar da União (RI- Há registros de organização da Justiça Militar na França,
BEIRO, 2008, p. 18). após a Revolução Francesa. Na Inglaterra, em 1869, o
parlamento inglês adotou o julgamento pelos pares, que
é seguido até hoje, pelos Estados Unidos, com o estabe-
lecimento das cortes marciais específicas para cada caso
(RIBEIRO, 2008, p. 18).

2.1 As leis penais militares do Brasil

O Direito Penal Militar brasileiro tem sua origem em Portugal, na legislação


penal portuguesa. Em 1500, as embarcações de Pedro Álvares Cabral não trou-
xeram apenas homens e o espírito colonizador, mas também todo o arcabouço
jurídico do Velho Mundo.

O direito lusitano sofreu influência direta do domínio romano e do visigótico,


logicamente e consequentemente, o direito brasileiro, em seu “nascimento”,
também foi dominado por esses Códigos. Toda essa influência chegou ao Brasil
Colônia sob a forma de dois diplomas legais que vigoraram no Brasil até o final
do século XIX: as Ordenações Filipinas e os Artigos de Guerra do Conde de Lippe.

No Livro V das Ordenações Filipinas encontravam-se os dispositivos penais do


Reino, que não distinguiam o direito da moral e da religião.

14
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
Em 1763, juntam-se às Ordenações Filipinas os Artigos de Guerra do Conde de Nos links a seguir é possível
ler o Decreto-Lei nº 2961, de
Lippe, que vigoraram no Brasil até 1891, com o surgimento do Código Penal
20 de janeiro de 1941, que
da Armada. cria o Ministério da Aeronáu-
tica, disponível em: <http://
Os 29 Artigos de Guerra do Conde Lippe previam penas extremamente severas www2.camara.leg.br/legin/
fe d / d e c l e i / 1 9 4 0 - 1 9 4 9 /
como o arcabuzamento (correspondente ao fuzilamento), o enforcamento,
decreto-lei-2961-20-janei-
pancadas com prancha de espada e outras mais brandas, como o trabalho do ro-1941-412859-publica-
condenado nas fortificações do reino. caooriginal-1-pe.html> e o
Decreto Lei nº 6227, de 24
de janeiro de 1944, que cria o
O primeiro delito previsto nos Artigos de Guerra envolvia o crime de insubordi-
Código Penal Militar de 1944,
nação (recusa de obediência) cuja pena prevista era trabalhar nas fortificações. disponível em: <http://
Outro tipo penal existente afirmava que “todo militar que cometer uma fra- www2.camara.leg.br/legin/
fe d / d e c l e i / 1 9 4 0 - 1 9 4 9 /
queza, escondendo-se, ou fugindo, quando for preciso combater, será punido decreto-lei-6227-24-janei-
com a morte” (CORRÊA, 2002 apud NEVES; STREIFINGER, 2012, p. 42). ro-1944-417391-publicacao-
original-65269-pe.html>
Em 1º de abril de 1808, o príncipe regente de Portugal, D. João, instituiu um
foro especial para os delitos militares, para a celeridade dos processos.

No Primeiro e no Segundo Império a Justiça Militar do Brasil não sofreu modifi-


cações apreciáveis, semelhante ao que era praticada em Portugal.

Na revisão da Constituição de 1824, na Regência de D. Pedro II, declarou-se


quais eram os crimes puramente militares. Surgiu, então, o Decreto 61, de 24
de outubro de 1838, que regulamentou a aplicação das leis militares em tem-
po de guerra. Em 18 de setembro de 1851, a Lei 631, estabeleceu as penas e
o processo para alguns crimes militares em tempo de guerra.

Em 5 de setembro de 1890, por decreto, foi promulgado o Código Penal da


Armada, posteriormente substituído pelo Decreto nº 18, de 7/3/1891, encer-
rando a aplicação dos Artigos de Guerra.

O Código Penal da Armada foi aplicado inicialmente à Armada, depois ao Exér-


cito Nacional (Lei nº 612, de 29/9/1899) e, por último, à Força Aérea (Decreto-
-Lei nº 2.961, de 20/01/1941). Tal Código vigeu até 1944, quando o Decreto-
-Lei nº 6.227, de 24 de janeiro, promulgou o Código Penal Militar, aplicado às
Forças Armadas. Este vigorou até 31 de dezembro de 1969, com a entrada em
vigor do atual Código Penal Militar.

15
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
Texto original da Lei nº 612/1899 que estendia o Código Penal da Armada para o Exército
<http://www.camara.gov.br/Internet/InfDoc/novoconteudo/Legislacao/Republica/Leis1899_leg123p/pdf4.pdf>

Leia na íntegra o “novo” Có- Em 21 de outubro de 1969 foram decretados, respectivamente, o Decreto-Lei
digo Penal da Armada na Co-
leção de Leis da República
nº 1.001, que estabeleceu o Código Penal Militar e o Decreto-Lei nº 1.002, que
do Portal da Câmara dos De- criou o Código Processual Penal Militar.
putados, Decreto nº 18, de
7 de Março de 1891. Dispo- Badaró (1972 apud ASSIS, p. 20), discorrendo sobre a Parte Geral do Códi-
nível em: <http://www2.
camara.leg.br/legin/fed/de-
go Penal Militar de 1969 (Decreto-Lei nº 1.001), um Projeto do Professor Ivo
cret/1824-1899/decreto-18- D’Aquino, manteve as mesmas penas do Código anterior, apresentando nova
-7-marco-1891-526137-pu-
modalidade de pena, denominada impedimento, para o crime de insubmissão.
blicacaooriginal-1-pe.html>
Outra inovação do Código Penal Militar de 1969 (CPM) foi a ampliação da
pena prevista no CPM, de 1944, de suspensão do exercício do posto ou cargo,
incluindo, no tipo penal, o exercício da graduação e da função, e que:

Igualmente, o Código Penal Militar atual admite a conver-


são da pena de suspensão do exercício em detenção, nos
casos em que o autor do delito já se encontre na reserva,
reformado ou aposentado (parágrafo único do art. 64),
trazendo ainda, o diploma legal castrense, a inserção em
seu contexto, da suspensão condicional da pena-sursis
(art.84), à exceção em que sejam violadas a ordem, a hie-
rarquia e a disciplina militares (art.88) (ASSIS, 2011, p. 20).

16
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
É indiscutível a necessidade de atualização da legislação penal militar. No míni- Uma dica interessante para
acompanhar e compreender
mo para melhor promover a sua adequação à nova ordem constitucional pós
parte da evolução histórica da
1988. Essa atualização se impõe, do mesmo modo, pela discrepância entre a legislação penal castrense é es-
legislação interna e os compromissos assumidos pelo Brasil no campo interna- tudar a Exposição de Motivos
do Código Penal Militar - De-
cional. Está tramitando no Congresso Nacional o anteprojeto de lei nº 11.690, creto Lei nº 1001, de 21 de
de 9 de Junho de 2008, que oferece mudanças substanciais no Código Penal e outubro de 1969. Disponível
em: <http://www.oabsa.org.
Processual Penal Militar. Não custa ressaltar que os militares têm pressa para as
br/documentos/cod_penal_
atualizações pertinentes, para atuarem legalmente, cumprindo bem as missões militar.pdf>
constitucionais e fortalecendo a disciplina e a hierarquia, princípios norteado-
res do Direito Penal Militar e das Forças Armadas.

De acordo com Porto:

De 1763, quando foram adotados os Artigos de Guerra


do Conde de Lippe, até os dias de hoje, jamais o Con-
gresso Nacional aprovou um Código Penal Militar ou
Processo Penal Militar. Não foram poucos os projetos que
chegaram ao Legislativo. E não foi questão de qualidade,
pois um, em 1911, era de autoria de Clóvis Bevilaqua,
indiscutivelmente um dos maiores juristas brasileiros.
Assim como os demais, o projeto não teve a tramitação
concluída no legislativo.

Antes da Constituição de 1988, o Executivo fazia uso do


decreto-lei para adotar novos códigos. Com a extinção
desse instrumento, a partir de 1988 qualquer novo códi-
go tem necessariamente que ser submetido ao Congresso
Nacional (2010, p. 20).

Para Roth:

Nunca é demais lembrar da máxima de Napoleão, que


nos mostra a importância da manutenção da disciplina e,
por consequência, de forte instrumento de controle das
tropas militares. Dizia ele que a ‘‘disciplina é a primeira
qualidade do soldado; o valor é apenas a segunda (2008
apud NEVES; STREIFINGER, 2012, p. 38).

17
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
3 Diferenças entre o Código
Penal Comum e Militar

Objetivos específicos

• Analisar institutos de direito penal militar previstos de modo diverso ou


não previstos no Código Penal comum.

Após a análise da autonomia e evolução da legislação penal castrense, é fun-


damental analisar e comparar os artigos da Parte Geral do Código Penal Militar
com o Código Penal comum, ressaltando as suas diferenças.

O atual Código Penal Militar (CPM) foi instituído pelo Decreto-Lei nº 1001, de
21 de outubro de 1969, e é estruturado segundo o quadro a seguir:

Da aplicação da lei penal militar; do crime; da


Código Penal
imputabilidade penal; do concurso de agentes; das
Militar Parte Geral Livro único
penas; das medidas de segurança; da ação penal;
(Decreto-Lei nº da extinção da punibilidade.
1001/69)
Livro I Dos crimes militares em tempo de paz.
Parte Especial
Livro II Dos crimes militares em tempo de guerra.

Nessa sessão, será tratada apenas a parte geral − objeto do presente estudo.

3.1 Princípio da legalidade

O princípio da legalidade ou da reserva legal é previsto no artigo 1º do CPM e


está descrito da seguinte forma: “Não há crime sem lei anterior que o define,
nem pena sem prévia cominação legal”. Este princípio está previsto igualmente
no Código Penal comum (artigo 1º) e na Constituição Federal/88 (artigo 5°, in-
ciso II e XXXIX). Como esse instituto representa um “freio” ao Poder Estatal de
interferir na esfera de liberdades individuais, seu caráter universal faz com que

19
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
Sobre o princípio da reserva ele esteja presente, ainda, em Tratados Internacionais de Direitos Humanos,
legal e Direito Penal Militar,
como o Convênio para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Funda-
ver as duas decisões do STF
que levaram à revogação da mentais (Roma - 1950); Convenção Americana dos Direitos Humanos (1969) e
Súmula nº 1 do STF, relativa Estatuto de Roma (1998).
ao crime de deserção espe-
cial (artigo 190 CPM): HC
O conceito de legalidade está descrito no inciso II do artigo 5° da Constituição
nº 70.440/PA. 2ª Turma, Re-
lator Min. Maurício Corrêa, j. Federal de 1988 com a seguinte redação: “Ninguém está obrigado a fazer ou
23/02/96 e HC nº 73.257/ deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
RJ. 2ª Turma, Relator Min.
Marco Aurélio, j. 28.set.93.
O princípio da legalidade abrange, em sentido amplo, os princípios da reserva
legal e da anterioridade, a saber:

É preciso haver
uma lei anterior
ao crime

Reserva Legal Legalidade Anterioridade


Não há
crime
sem lei

O princípio de exigência da anterioridade da lei penal, tendo a necessi-


dade da liberdade individual e segurança do próprio direito como fundamento
político-jurídico, figurou sempre em nossas constituições e, consequentemen-
te, em nossos códigos penais comuns e militares.

Conceito da anterioridade penal determina que é obrigatória a prévia existên-


cia de lei penal incriminadora para que alguém possa ser processado e con-
Cominação de sanção: denado, exigindo, também, prévia [cominação de sanção] para que alguém
imposição de pena. Fixação
possa sofrê-la.
da pena para determinado
comportamento proibido
por lei.
É indispensável destacar, outrossim, que atualmente o artigo 1º do Código
Penal sofre uma releitura para que o termo crime seja interpretado como
infração penal (crime mais contravenção) e o termo pena como sanção
penal (pena mais medida de segurança).

A reforma no Código Penal brasileiro foi discutida por uma comissão de


juristas ao longo de sete meses e entregue ao presidente do Senado para o
trâmite em 27 de junho de 2012 na forma de um anteprojeto PLS 236/2012.

20
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
Nesse sentido, o artigo 3º do CPM, tratando das medidas de segurança (espé- É possível acompanhar a tra-
mitação do anteprojeto PLS
cie de sanção penal), obedece à reserva legal, mas ignora a anterioridade da
236/2012 através do Portal
lei, sendo, portanto, de constitucionalidade questionável. do Senado Federal. Disponí-
vel no link: <http://www.
O desdobramento do princípio da legalidade expõe subprincípios que podem senado.gov.br/atividade/
materia/detalhes.asp?p_cod_
ser extraídos:
mate=106404>
• Não há crime ou pena sem lei (reserva legal);

• Não há crime ou pena sem lei anterior (anterioridade);

• Não há crime ou pena sem lei escrita (proibição do costume incriminador);

• Não há crime ou pena sem lei estrita (proibição de analogia incriminadora); Conheça a Convenção para a Pro-
teção dos Direitos do Homem e das
• Não há crime ou pena sem lei certa (taxatividade/clareza); Liberdades Fundamentais, tam-
bém chamada de Convenção
• Não há crime ou pena sem lei necessária (intervenção mínima).
Europeia dos Direitos Hu-
manos. Disponível no link:
É importante notar, dessa forma, que a legalidade cumpre a missão de <http://www.ccopab.eb.mil.
fomentar as garantias do cidadão, ao mesmo tempo em que limita o poder br/index.php/en/ensino/
material-de-apoio-ao-ensino/
punitivo estatal. doc_download/102-03-con-
vencao-para-a-protecao-dos-
-direitos-do-homem-e-das-
-liberdades-fundamentais>
3.2 Lei supressiva de incriminação

A lei supressiva de incriminação também conhecida como abolitio criminis


(abolição do crime) trata da descriminalização de determinada conduta por lei
posterior, provocando a extinção da punibilidade do agente. No CPM ela está
prevista no seu artigo 2°, caput, abaixo transcrito:

Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa
de considerar crime, cessando, em virtude dela, a pró-
pria vigência de sentença condenatória irrecorrível, salvo
quanto aos efeitos de natureza civil.

Já o Código Penal comum optou por um título aberto e mais abrangente: lei
penal no tempo. Contudo, a disposição normativa é quase a mesma:

As principais diferenças concentram-se na finalização: no


Código Penal comum, havendo abolitio criminis, cessa a
execução e os efeitos penais da sentença condenatória,
enquanto no Código Penal Militar cessa a vigência da
sentença condenatória irrecorrível, exceto quanto aos
efeitos de natureza civil. A abolitio criminis é capaz de
apagar a tipicidade, limpando completamente a folha de
antecedentes do acusado (NUCCI, 2013, p. 24).

21
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
3.3 Medidas de segurança

A medida de segurança, prevista no artigo 3º do CPM não é pena, mas não


deixa de ser uma espécie de sanção penal, aplicável aos inimputáveis ou semi-
-imputáveis que praticam fatos típicos e ilícitos (injustos) e precisam ser inter-
nados ou submetidos a tratamento. Segundo o referido artigo: “As medidas
de segurança regem-se pela lei vigente ao tempo da sentença, prevalecendo,
entretanto, se diversa, a lei vigente ao tempo da execução”.

Este artigo do CPM não foi recepcionado pela CF/88 porque contraria o inciso
XL do artigo 5º: “A lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”. No
caso do artigo 3º do CPM, admite a extra-atividade da lei mais severa, indo de
encontro da lei magna, a Constituição Federal.

O artigo 3º é cópia do artigo 75 da revogada parte geral do CP comum de


1940. Entretanto a nova parte geral do CP comum (Lei nº 7209, de 11-7-
1984) não reproduziu em seu texto, revogando-o.

Explica-se a não manutenção do artigo na Nova Parte Ge-


ral do CP comum por haver seu título VI, sobre medidas de
segurança-repudiando o sistema anterior do duplo binário
(teoria dualista), sido estruturado nos moldes da teoria
monista ou unitarista, segundo a qual não há diferença es-
sencial entre pena e medida de segurança, submetendo-se
esta aos princípios daquela de anteriormente da lei penal e
da extra-atividade da lex mitior. (ROMEIRO, 1994, p. 47).

3.4 Lugar do crime

Analisando o artigo 6° do CPM e o artigo 6° do CP comum, é possível encon-


trar uma diferença relevante entre os dois Códigos:

Art. 6°. Considera-se praticado o fato, no lugar em que se


desenvolveu a atividade criminosa, no todo ou em parte,
e ainda que sob forma de participação, bem como onde
se produziu ou deveria produzir-se o resultado. Nos cri-
mes omissivos, o fato considera-se praticado no lugar em
que deveria realizar-se a ação omitida (CPM, 1969).

Art. 6° Considera-se praticado o crime no lugar em que


ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem
como onde se produziu ou deveria produzir-se o resulta-
do (CPB, 1945).

22
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
Conhecer a regra legal que define o lugar em que determinado delito foi
cometido é de fundamental importância para se estabelecer qual será o órgão
da Justiça Militar ou da Justiça Comum que terá competência para conhecer e
julgar tal crime.

Três são as teorias adotadas pela legislação penal, seja comum ou militar:

1. Teoria da atividade - Considera-se o lugar do crime aquele em que se deu


a conduta delituosa (ação ou omissão). Em crime de homicídio, com arma
de fogo, é o local onde ocorreram os disparos que atingiram a vítima.

2. Teoria do resultado – Esta teoria considera o lugar do crime onde se


reproduziu o resultado. No crime de homicídio citado, seria o local onde
a vítima tenha morrido.

3. Teoria da ubiquidade – Esta teoria considera como o lugar do crime


tanto o local da conduta como o do resultado. No exemplo de homicí-
dio, tanto poderia ser considerado o local onde se efetuaram os disparos
como também o local em que a vítima veio a falecer.

O CPM adotou a teoria da ubiquidade para os crimes comissivos e a da ati-


vidade para [crimes omissivos]. Já o CP comum, adotou somente a teoria da Crimes omissivos são
aqueles em que o agente não
ubiquidade, conforme descrição do artigo 6º.
age de conformidade com
a lei, dando causa à consu-
mação do delito. Trata-se da
abstenção voluntária de uma
3.5 Territorialidade e extraterritorialidade conduta requerida. Pela lei,
por exemplo, omissão de
Os conceitos de territorialidade e extraterritorialidade estão contidos no artigo 7°, socorro, omissão de lealdade
militar.
do CPM e seus parágrafos transcritos a seguir:

Art. 7º Aplica-se a lei penal militar, sem prejuízo de con-


venções, tratados e regras de direito internacional, ao cri-
me cometido, no todo ou em parte, no território nacional,
ou fora dele, ainda que, neste caso, o agente esteja sendo
processado ou tenha sido julgado pela justiça estrangeira.

Território nacional por extensão

Parágrafo 1º Para os efeitos da lei penal militar conside-


ram-se como extensão do território nacional as aeronaves
e os navios brasileiros, onde quer que se encontrem, sob
comando militar ou militarmente utilizados ou ocupados
por ordem legal de autoridade competente, ainda que de
propriedade privada.

23
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
Ampliação a aeronaves ou navios estrangeiros

Parágrafo 2º É também aplicável a lei penal militar ao cri-


me praticado a bordo de aeronaves ou navios estrangei-
ros, desde que em lugar sujeito à administração militar, e
o crime atente contra as instituições militares.

Conceito de navio

Parágrafo 3º Para efeito da aplicação deste Código,


considera-se navio toda embarcação sob comando militar
(grifo nosso).

É importante destacar, uma vez que o CPM adota o princípio


da extraterritorialidade como regra geral, que o parágrafo 1º
desse artigo (nº 7º) é obsoleto.

Dessa forma, segundo Romeiro (1994), ao contrário do CP comum, cuja aplica-


ção territorial constitui a regra (artigo 5°) e a extraterritorial uma exceção (artigos
7°, 8° e 9°), o CPM adota ambas como regra única. Para D´Amélio (1926 apud
ROMEIRO, 1994, p. 61), “o soldado, como se costuma dizer, carrega na mochila
o princípio da extraterritorialidade de seu estatuto penal militar”. Além disso:

A irrestrita aplicação extraterritorial do CPM justifica-se


com o fato de os crimes militares afetarem as instituições
militares, que se destinam à defesa do País (CF, art.142),
e poderem ser, por inteiro, cometidos em outros países e
até mesmo em benefício destes, que não teriam, assim,
qualquer interesse na punição de seus autores. Daí não
ser entregue à justiça estrangeira o processo e o julga-
mento dos crimes militares (TEXEIRA, 1946 apud ROMEI-
RO, 1994, p. 57).

O tempo de guerra, para os


3.6 Tempo de guerra
efeitos da aplicação da lei pe-
nal militar, começa com a de- O disposto no artigo 15 do CPM deve adaptar-se aos termos da Constitui-
claração ou o reconhecimento ção Federal. Dispõe o artigo 84, inciso XIX, da CF/88, caber ao Presidente da
do estado de guerra, ou com
o decreto de mobilização, se República: “Declarar guerra, no caso de agressão estrangeira, autorizado pelo
nele estiver compreendido Congresso Nacional ou referendado por ele, quando ocorrida no intervalo das
aquele reconhecimento; e ter-
sessões legislativas, e, nas mesmas condições, decretar, total ou parcialmente,
mina quando ordenada a ces-
sação das hostilidades”. a mobilização nacional” (NUCCI, 2013, p. 48).

24
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
A guerra, a que se se refere esse artigo, é a guerra externa. Os artigos 10
(crimes militares em tempo de guerra), 18 (crimes praticados em juízo de país
aliado) e 20 (crimes praticados em tempo de guerra) da Parte Geral do CPM
e do Livro II de sua Parte Especial (Dos Crimes Militares em Tempo de Guerra),
complementam o artigo 15.

3.7 Assemelhado

Não mais existe a figura do assemelhado, para fins penais militares, tal mu-
dança se deu com o advento da CF/88, ou seja, o artigo 21 do CPM não foi
recepcionado pela lei magna. Soares (1903) conceituou a figura do assemelha-
do que existia à época do Código Penal da Armada:

“[...] assemelhados são todos aqueles que, não sendo


combatentes, fazem parte do exercito e da armada,
sujeito às Leis militares, gozando de direitos, vantagens e
prerrogativas dos militares, taes são os que fazem parte
das classes annexas, médicos, farmacêuticos, capellães,
(hoje extintos), auditores, ofiiciaes de fazenda armada,
empregados da contadoria de guerra, inválidos e asyla-
dos, os reformados e os oficiais honorários, quando em
serviço militar, etc”. (sic!) (SOARES, 1903, p. 5).

Atualmente, os servidores efetivos ou não, fora da esfera dos Regulamentos


Disciplinares, podem receber penalidades previstas para os funcionários públi-
cos civis da União (Lei nº 8112; de 11.12.1990) e pela Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT). Portanto, não há mais a figura do assemelhado, previsto no
atual CPM para o tempo de paz.

O artigo 84 do CPPM dispõe de forma igual, trocando apenas a palavra “servi-


dor” por “funcionário”.

3.8 Pessoa considerada militar

São considerados militares, nos termos do artigo 22 do CPM, aqueles profissio-


nais incorporados às Forças Armadas. O ingresso nas Forças Armadas também
pode se dar por meio de nomeação, matrícula ou incorporação, conforme o ar-
tigo 10 do Estatuto dos Militares (Lei nº 6880, de 1980), não havendo qualquer
dúvida que os incorporados, matriculados e os nomeados são militares.

25
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
Contudo, pode existir dúvida em relação aos policiais e bombeiros. No Brasil
foi adotado em relação a essas categorias um sistema baseado na hierarquia e
na disciplina com a criação de uma Justiça Militar nos Estados, submetida ao
Código Penal Militar (CPM) e do Código de Processo Penal Militar (CPPM).

Assim, os policiais e bombeiros são militares dos Estados (artigo 42 da CF/88),


sendo, no entanto, civis no plano da Justiça Militar da União. Esse entendimento
foi adotado pelo Supremo Tribunal Federal (Julgamento: 17/04/1997 - Órgão
Julgador: Tribunal Pleno (PORTO, 2010, p. 50).

3.9 Casos de prevalência do Código Penal Militar

Art. 28. Os crimes contra a segurança externa do país ou


contra as instituições militares, definidos neste Código,
excluem os da mesma natureza definidos em outras leis.

O artigo 28, do CPM, trata do princípio da especialidade, ao menos no tocan-


te à segurança externa e contra as instituições militares. Os crimes contra a
segurança externa do país estão previstos entre os artigos 136 a 148. Textual-
mente, os crimes políticos, previstos na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170,
de 1983), são civis, e por isso processados e julgados pela Justiça Federal.

Esta norma determina que os delitos previstos no CPM prevalecem sobre ou-
tros, eventualmente dispostos em outras leis, ao menos no tocante à seguran-
ça externa e contra as instituições militares.

3.10 Da tentativa

Com relação à definição do que seja crime tentado, a diferença entre os Có-
digos Penais (comum e militar) está no parágrafo único, hipótese não prevista
no Código Penal comum. Neste Código Penal comum não há o rigor de punir
a tentativa com a mesma pena do crime consumado, conforme o artigo 30,
parágrafo único, in fine, do CPM:

Art.30. Diz-se o crime:

I- Consumado, quando nele se reúnem todos os elemen-


tos de sua definição legal;

II- Tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma


por circunstâncias alheias à vontade do agente.

26
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
Parágrafo único. Pune-se a tentativa com a pena cor-
respondente ao crime, diminuída de um a dois terços,
podendo o juiz, no caso de excepcional gravidade,
aplicar a pena do crime consumado (grifo nosso).

No Código Penal Militar coexistem duas teorias acerca da punibilidade da ten-


tativa: a subjetiva e a objetiva.

Prega a aplicação da mesma pena que a do delito


Teoria subjetiva consumado, cujo fundamento é a vontade do autor
contrária ao direito.

Propõe uma pena menor que a do crime consumado


Teoria objetiva quando há fundamento que a lesão é menor, ou não
ocorreu qualquer resultado lesivo ou perigo de dano.

O Superior Tribunal Militar, seguindo a teoria subjetiva, vem aplicando a pena


cominada para homicídio e latrocínio, como consumados, nas tentativas des-
ses crimes, como de excepcional gravidade.

O Supremo Tribunal Federal manifestando-se sobre a


questão, repudiou a aplicação da pena de tentativa pela
teoria subjetiva. Para a Suprema Corte, no mais forte re-
conhecimento do postulado da proporcionalidade entre o
tamanho da pena e a gravidade do crime, o Código Penal
estabelece que a reprimenda para os crimes tentados seja
menor do que a cominada para os delitos consumados.
Nesse rumo de ideias, a doutrina é firme no sentido de que
a definição do percentual da redução da pena levará em
conta o iter criminis percorrido pelo agente (HC 94.912/
RJ,1ªT., Rel. Min. Carlos Brito, julgado em 20/10/2009,DJe
223, de 26/11/2009) (ASSIS, 2011a, p. 89).

Para Neves e Streifinger (2012) outra diferença marcante entre os Códigos


Penais Militar e Comum está no modelo penal adotado na análise do crime. O
Código Penal Militar adota a Teoria Causalista e, assim, analisa o crime como
sendo uma conduta típica, antijurídica e culpável. Já o Código Penal comum
(Decreto-Lei 2.848, de 1940, com a reformulação da Parte Geral trazida pela
Lei 7.209, de 1984), adotou, sob a influência de Francisco de Assis Toledo
− um de seus idealizadores e discípulo do conceito final de ação − a Teoria
Finalista da Ação.

Outras correntes jurídicas analisam que o conceito de crime, para a teoria


finalista, também envolve conduta típica, ilícita e culpável. A diferença entre

27
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
A teoria subjetiva, volunta- as duas correntes se encontraria, portanto, na consideração do dolo ou culpa
rística ou monista considera
como elemento subjetivo do tipo pela Teoria Finalista (finalismo), ao contrário
que há crime se há vontade do
agente. Para essa corrente não da sua análise como pressuposto ou elemento da culpabilidade, própria da
há diferença entre um crime Teoria Causalista (causalismo).
tentado e consumado.
Simplificando as principais características das teorias do crime acima citadas,
apresenta-se:

Código Penal Militar Código Penal

Teoria Causalista Teoria Finalista

Teoria idealizada por Von Liszt, Beling


Teoria criada por Hans Welzel
e Radbruch

Início do século XIX Meados do século XX

Apresenta a conduta, um dos requisi-


Apresenta a conduta, um dos requisi-
tos do fato típico (primeiro substrato
tos do fato típico (primeiro substrato
do crime) como movimento corporal
do crime) como comportamento
voluntário que produz uma modifi-
humano voluntário, psiquicamente
cação no mundo exterior, perceptível
dirigido a um fim.
pelos sentidos.

O fato típico é limitado a uma dimen- O fato típico possui duas dimensões
são objetiva (conduta, resultado, nexo (objetiva e subjetiva). A dimensão sub-
causal e tipicidade). O dolo e a culpa jetiva é composta pelo dolo e culpa, já
são analisados somente na culpabilida- que aqui a conduta é ato de vontade
de (terceiro substrato do crime). com conteúdo.

3.11 Erro

Erro e ignorância não constituem ou se tratam da mesma coisa. Erro é conheci-


mento falso acerca de um objeto ou situação, ao invés, ignorância é a ausência
total desse conhecimento. Seus efeitos, no entanto, são idênticos porque, ao
final, o agente tem uma noção equivocada da realidade.

Novamente surgem diferenças entre o Código Penal Militar e o Código Penal


Comum.

Tais diferenças surgiram com a reforma do Código Penal Comum pela Lei
7.209/1984, onde o erro de fato foi substituído pelo erro de tipo (artigo 20)
e o erro de direito cedeu espaço ao erro sobre a ilicitude do fato, disciplinado
pelo artigo 21 e denominado erro de proibição.

28
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
Já o Código Penal Militar permaneceu com os erros de direito (artigo 35) e de
fato (artigo 36 e 37).

Erro de fato para o CPM e o erro de tipo para o CP comum é a falsa percep-
ção da realidade acerca dos elementos constitutivos do tipo penal. O agente
interpreta equivocadamente as circunstâncias que se lhe apresentam e age de
acordo com esta.

Para o CPM, o erro de fato pode ser essencial ou acidental. O erro pode ser
superável ou vencível e insuperável ou invencível. O erro essencial de fato insu-
perável é o escusável, previsto no caput do artigo 36. É a modalidade de erro
que não deriva de culpa do agente, ou seja, mesmo que ele tivesse agido com
a cautela e a prudência de um homem médio, ainda assim não poderia evitar
a falsa percepção da realidade sobre os elementos constitutivos do tipo penal.
Imagine a seguinte situação: um enfermeiro do Hospital Militar ministra em
um militar um medicamento prescrito pelo médico que, por erro do laborató-
rio farmacêutico, foi substituído por uma outra substância tóxica poderosa.

O artigo 36, §1º, prevê que o erro de fato essencial superável exclui o dolo,
mas configura o crime culposo. É o erro que poderá ser evitado, porque pro-
vém da culpa do agente. Se empregasse a cautela e a prudência, poderia evitar
a consumação do crime, uma vez que seria capaz de compreender o caráter
criminoso do fato. Como no exemplo de um militar que manuseia arma na
presença de outras pessoas sem ter verificado previamente se estava carrega-
da, e a arma dispara e fere alguém.

No erro de fato acidental, a intenção criminosa do agente existe (dolo), e, por-


tanto, a sua responsabilidade é plena. O que houve é um erro de pessoa, erro
de execução ou um erro de objeto. Tais erros estão previstos no artigo 37.

O erro de direito para CPM e o erro de proibição para o CP Comum, o agente


não se vê ludibriado pela situação presente, mas está equivocado sobre a nor-
ma legal. Ou a ignora ou a interpretou de forma errada. O agente faz um juízo
equivocado sobre aquilo que lhe é permitido fazer na vida em sociedade.

Verifica-se que o legislador do CPM deu um tratamento muito mais gravoso para
o erro de direito quando não admite atenuação da pena ou substituição por
outra menos grave, para os crimes contra o dever militar (do artigo 183 ao 204
do CPM). Basta comparar o artigo 35 do CPM com o artigo 21 do CP comum.

29
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
Com o objetivo de esclarecer o assunto, segue um quadro resumo, comparan-
do os erros:

Código Penal Código Penal


TIPOS DE ERRO
Militar Comum
De Direito Art. 35

De Proibição Art. 21

De Fato essencial invencível Art. 36 caput

De Tipo Essencial invencível Art. 20, §1º

De Fato Essencial vencível Art. 36 §1º (Culposo)

De Tipo Essencial vencível Art. 20, §1º (Culposo)

De Fato Provocado por ter- Art. 36, § 2º (Dolo ou


Art. 20, §2º
ceiro Culpa)

De Fato acidental {sobre a


Art. 37 (Doloso)
pessoa

De Tipo acidental {sobre a


Art. 20, § 3º (Doloso)
pessoa

De Fato acidental {na


Art. 37 (Doloso)
execução

De Tipo acidental {na


Art. 73 (Doloso)
execução

De Fato acidental {Bem


Art. 37, §§ 1º e 2º
jurídico diversos

A partir do apresentado, pode-se concluir pela necessidade de uma proposta


de reforma do Código Penal Militar, para que seja dado o mesmo tratamento
do Código Penal Comum.

3.12 Coação irresistível

Entende-se por coação o emprego de força física ou grave ameaça contra


alguém, no sentido de que faça alguma coisa ou se abstenha de fazê-la; ou,
ainda, sobre a pessoa que, por qualquer motivo, alheio à vontade da vítima,
esta se encontre sem condições de agir segundo sua própria vontade.

30
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
Há duas espécies de coação:

1. Coação física – é o emprego de força bruta tendendo a que a vítima


(coacto) faça alguma coisa ou deixe de fazê-la.

Exemplo 1: Manoel, vulgo “Rambo”, mediante força bruta, impede


que o guarda ferroviário Zacarias combine os binários e impeça a
colisão de trens.

Exemplo 2: O sargento Jonas foi sequestrado, amarrado e mantido


em cativeiro, para que passasse à situação de desertar.

Nesses casos, responderá pelo crime o autor da coação nos crimes em que
incidir na lei penal (artigo 38, § 1º, CPM).

Alguns autores entendem que a coação física irresistível não está abrangida
pela disposição do artigo 38, “a”, do CPM, mas sim resolvida pelo artigo 29,
caput, visto que, ao cometê-la, não há o comportamento próprio, mas im-
próprio, porque é fruto da limitação física imposta pelo coator. A conduta
criminosa, na verdade, foi praticada pelo coator, resolvendo-se o problema
pelo artigo 29, caput do CPM. Esses autores julgam que o artigo 38 “a” trata
apenas da coação moral.

2. Coação moral – é o emprego de grave ameaça contra alguém, no sentido


de que realize um ato ou não. O coator para alcançar o resultado ilícito
desejado, ameaça o coagido, e este, por medo, realiza a conduta criminosa.

Exemplo: Elias constrange a vítima, mediante grave ameaça, a assinar


um documento falso.

A coação moral irresistível deve ser de tal monta que, no ensinamento de Mira-
bete e Fabbrini (2011, p. 193) ”[...] se mostre inevitável, insuperável, inelutável,
uma força que o coacto não se pode subtrair”. É indispensável que acompa-
nhe a coação um perigo sério e atual do qual o coagido não pode se furtar, ou
que lhe seja extraordinariamente penoso suportar.

A doutrina sobre coação é semelhante no Código Penal Militar (artigo 38, “a”
e §1º) e no Código Penal Comum (artigo 22).

3.13 Obediência hierárquica

A obediência militar deve ser encarada diferentemente da civil, pois a natureza


da função militar requer que o superior conte com poderes e faculdades que

31
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
compreendam, ao mesmo tempo, o direito de ordenar e a faculdade de punir
os atos que julgue contrários à disciplina. Quando um militar pratica um ato
delituoso em cumprimento à ordem superior, legal ou aparentemente legal,
a causa do crime não é a sua vontade livre, mas sim a vontade do superior
que formulou tal ordem. E quem vai responder pelo ilícito será o superior que
expediu a ordem (artigo 39, §1º, do CPM).

A obediência é o fundamento básico da disciplina, esteio


das Forças Armadas, como bem explícito no art. 163 do
CPM, erigindo em crime a insubordinação definida como
recusar obedecer a ordem de superior hierárquico sobre
assunto ou matéria de serviço, não poderia logicamente
deixar de dispor, por outro lado, o código, como fez no art.
38, b, não ser culpado quem comete o crime... em estrita
obediência a ordem direta do superior hierárquico, em ma-
téria de serviços (ROMEIRO, 1994, p. 123). (Grifo nosso).

O artigo 38 do CPM adota, O militar só pode e deve desobedecer a ordem direta do superior hierárquico
para a aplicação do Direito
em matéria de serviço sem incorrer no crime de recusa de obediência se ela
Militar, a Teoria das Baionetas
Inteligentes, ou seja, o militar tem por objeto a prática de ato manifestamente criminoso.
pode deixar de cumprir uma
ordem que seja manifesta- O subordinado militar que cumpriu a ordem estará isento de pena, pois não
mente criminosa. Assim, cabe
possui vontade livre para agir e deve obedecer à ordem superior, desde que
ao militar decidir se uma or-
dem é ou não criminosa. Con- não seja manifestamente criminosa. Se a ordem se torna causa do crime, não
tudo, se o subordinado deixa há a vontade de quem cumpre a ordem, mas, sim, a vontade de quem ordena.
de cumprir uma ordem, mes-
mo que ilegal, poderá ser acu- Assim, para o subordinado cumpridor da ordem, opera-se a excludente da cul-
sado de cometer a recusa de pabilidade, respondendo pelo crime o autor da ordem (artigo 38, §1º, CPM).
obediência (insubordinação).
Quando o subordinado cum- No Direito Penal Comum, o servidor público não comete
pre uma ordem ilegal, respon- crime se a ordem não for manifestamente legal (art. 22
de pelo fato, apenas aquele
que deu a ordem, ou seja, o do CP). Já no Direito Penal Militar não se faz um juízo de
superior hierárquico. legalidade, mas de crime. O funcionário civil não discute
a oportunidade ou conveniência, mas discute legalida-
de. E essa ilegalidade pode decorrer, por exemplo, do
descumprimento de uma formalidade. Uma ordem pode
ser ilegal porque não obedece à forma estabelecida em
lei. Basta isso e já será ilegal. O funcionário civil, subalter-
no, não é obrigado a cumprir ordem ilegal. Ademais, se
representar qualquer prejuízo a terceiro, será tão res-
ponsável quanto seu superior. Agora, no caso do militar,
a situação é completamente diferente. Ele não discute
a legalidade, por que tem o dever legal de obediência”.
(PORTO, 2010, p. 62) (grifo nosso).

32
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
3.14 Excludente de culpabilidade

Esta hipótese, descrita no artigo 39 do CPM, não possui similar no CP comum.


Trata-se da teoria diferenciadora, na qual é possível verificar o estado de ne-
cessidade [exculpante] da culpabilidade (artigo 39) e o estado de necessidade Exculpante - Reco-
nhecer ausência de culpa de
justificante ou excludente de ilicitude (artigo 42, inciso I e artigo 43 CPM). No CP
alguém
comum, seguindo a teoria unitária, encontramos somente o estado de neces-
sidade justificante. Nesse ponto, o CPM encontra-se mais avançado do que o
comum.

Ocorre a excludente de culpabilidade e não a excludente de ilicitude quando


se sacrifica bem alheio, mesmo que superior ou igual ao bem protegido, desde
que ao tempo da ação não se pudesse exigir uma conduta diversa da praticada
e que este bem jurídico protegido seja próprio ou de terceiro ligado ao agente
por laços de parentesco ou afeição.

Conforme Assis (2011, p. 114), são elementos do estado de necessidade exculpante:

1. Perigo de lesão a um bem jurídico, próprio ou de parente ou pessoa


cara ao agente.

2. O perigo deve ser atual e não pode ter sido voluntariamente provocado
pelo agente do fato necessário.

3. Inexistência de outro modo de evitar o perigo.

4. Sacrifício de direito alheio igual ou superior ao direito protegido.

5. Inexigibilidade de conduta diversa.

Já Romeiro (1994, p. 130) exemplifica: “são os casos do náufrago que se arre-


bata do outro a tábua de salvação deixando-o morrer afogado (direitos iguais)
ou do soldado que deserta, para socorrer um filho enfermo e sem recursos
(direito militarmente superior ao protegido)”.

3.15 Excludente de ilicitude

As causas excludentes de ilicitude previstas no artigo 42 do CPM – correspon-


dem às causas previstas no artigo 23 do CP comum – são:

• Estado de necessidade;

• Legítima defesa;

• Estrito cumprimento do dever legal;

• Exercício regular de direito.

33
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
A diferença relevante está no parágrafo único do artigo 42 do CPM, que não
tem correspondência na lei penal comum. As unidades militares citadas pelo
artigo em tempo de paz – navio e aeronave e a que estiver em praça de guer-
ra – devem estar sempre em condições de eficiência e utilização. Por isso, o
legislador deve amparar o comandante que, no exercício das suas atribuições,
compelir por meios violentos os seus subordinados em situações críticas.

O comandante tem o dever de manter sua tropa controlada, basta ver que o
CPM prevê tipos penais, como:

• Art. 198: omissão de eficiência da força;

• Art. 199: omissão de providências para evitar danos;

• Art. 200: omissão de providências para salvar comandados.

3.16 Excludentes da imputabilidade

Os inimputáveis também não serão culpados. A teoria da imputabilidade mo-


ral (livre arbítrio), de acordo com Fabbrini e Mirabete, estabelece:

O homem é o um ser inteligente e livre, podendo escolher


entre o bem e o mal, entre o certo e o errado, e por isso a
ele se pode atribuir a responsabilidade pelos atos ilícitos que
praticou. Essa atribuição é chamada de imputação, de onde
provém o termo imputabilidade, elemento (ou pressuposto)
da culpabilidade. Imputabilidade é assim, a aptidão para
ser culpável (FABBRINI E MIRABETE, 2011, p. 196).

Segundo o CPM, a imputabilidade surge da incapacidade do agente de, no


momento da ação ou omissão, entender o caráter ilícito do fato ou de agir
de acordo com esse entendimento, em função de doença mental, de desen-
volvimento mental incompleto ou retardado ou outra condição assinalada no
artigo 48 do CPM.

Vejamos cada uma das causas excludentes da imputabilidade (causas dirimentes):

a. Doença mental (artigo 48 CPM e artigo 26 CP): não basta que seja um
indivíduo doente mental para que se beneficie da excludente da culpa-
bilidade, sendo considerado inimputável. Deve ser analisado o momento
da conduta, se neste momento era capaz de entender o caráter ilícito do
fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. A expressão

34
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
“doença mental”, usada nos códigos, abrange todas as moléstias que
causam alterações mórbidas à saúde mental: esquizofrenia; psicose
maníaco-depressiva; paranoia; epilepsia; demência senil; psicose alcoóli-
ca (embriaguez patológica); paralisia progressiva; sífilis cerebral; arterios-
clerose cerebral; histeria; etc.

b. Desenvolvimento mental incompleto (artigo 48, CPM e artigo 26


CP): ocorre nos menores de idade (menores de 18 anos) e os silvícolas
(indígenas) não adaptados à civilização. Quanto aos menores de idade,
o Código Penal comum, de acordo com o artigo 27, atende à determi-
nação da Constituição Federal de 1988, conforme artigo 228, que diz:
“São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às
normas da legislação especial”. Já o código Penal Militar, quando legisla
sobre menores (artigos 50, 51 e 52), fere a norma constitucional, equi-
parando menores de dezoito anos à maioridade penal. Tais artigos do
CPM não foram recepcionados pela CF/88.

c. Desenvolvimento mental retardado (artigo 48 CPM e artigo 26 CP) – é


o estado mental dos [oligofrênicos] e pessoas com debilidade mental, im- Oligofrenia: define um
espectro de casos de déficit
becilidade, idiotia e incapacidade de entendimento. É importante afirmar
de inteligência em que as
que não basta apenas a oligofrenia para excluir a imputabilidade, posto pessoas manifestam uma ca-
que deverá ser feita uma aferição da capacidade intelectual e [volitiva]. pacidade cognitiva que oscila
dos graus zero a noventa de
d. Embriaguez completa proveniente de caso fortuito ou força Q.I. - quociente de inteli-
gência.
maior (artigo 49, CPM e artigo 28, §1º, CP) – o agente se beneficiará
desta excludente, quando a embriaguez for completa e proveniente
de um acidente. A embriaguez voluntária ou intencional, a culposa e a Volitivo: relativo a voli-
preordenada, sejam elas completas ou incompletas, não são tuteladas ção ou vontade do indívíduo.
O elemento volitivo ou in-
por este dispositivo legal. tenção do agente e geralmen-
te avaliado no direito penal
e. Menoridade (artigo 50 CPM, e artigo 27, CP) – O menor de dezoito para determinar o dolo,
anos é inimputável, salvo se, já tendo completado dezesseis anos, revela vontade ou intencionalidade.
suficiente desenvolvimento psíquico para entender o caráter ilícito do
fato e determinar-se de acordo com este entendimento.

A embriaguez preordenada, além de não excluir a imputabili-


dade penal, funciona como agravante genérica, seja no CPM
(artigo 70, II, “c”) ou no CP comum (artigo 61, II, “l”).

35
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
É importante ressaltar que a agravante do CPM (artigo 70, II, “c”) é mais
severa para os militares, tendo em vista que sempre agravará a pena para
quaisquer das embriaguezes que sejam imputáveis, sejam elas preordenada,
voluntária ou culposa.

Ressalta-se que embriaguez é uma intoxicação aguda e transitória causada


pelo álcool ou substância de efeitos análogos (morfina, maconha, cocaína,
crack, éter, etc.) que privam o sujeito da capacidade normal de entendimento.

Simplificando, segue o quadro quanto à origem de embriaguez.

ORIGEM CARACTERISTICAS IMPUTABILIDADE PENAL

SIM : completa ou incompleta


Indivíduo ingere bebidas alcoólicas com a in-
Voluntária ou
tenção de embriagar-se. Não tem a intenção de Agravante para
Intencional
praticar infrações penais. militares.

SIM: completa ou incompleta


Indivíduo tem a vontade de beber e não de
Culposa embriagar-se. Fica embriagado pelo consumo Agravante para
exagerado do álcool. militares.

SIM: completa ou incompleta


Indivíduo embriaga-se de propósito para cometer
Preordenada ou dolosa Agravante genérica para mili-
uma infração penal.
tares e civis.

Resulta de caso fortuito ou força maior. Caso


fortuito: indivíduo não percebe ser atingido pelo NÃO: se completa.
álcool ou substância de efeitos análogos, ou
Acidental ou fortuita desconhece uma condição fisiológica que o torna
submisso às consequências da ingestão do álcool.
Incompleta: atenuação da
- Força maior; embriaguez provocada por terceiro,
pena.
sem responsabilidade do agente.

3.17 Concurso de agentes

O concurso de agentes ou concurso de pessoas é a reunião de duas


ou mais pessoas que colaboram para o cometimento de uma infração penal.
Sobre o concurso de agentes, é importante destacar o artigo 53, do CPM, que
contém uma substancial diferença em relação à legislação comum, que é o
conceito de cabeça, cuja definição no CPM é:

36
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
“[...] Na prática de crime de autoria coletiva necessária,
reputam-se cabeças os que dirigem, provocam, instigam ou
excitam a ação, [...] Quando o crime é cometido por inferio-
res e um ou mais oficiais, são estes considerados cabeças,
assim como os inferiores que exercem função de oficial.

Segundo Teixeira (1946 apud ASSIS, 2011a), não seria justo que comandan-
tes e comandados fossem punidos da mesma forma nos crimes militares de
autoria coletiva e, por isso, a lei penal militar não poderia ter a mesma redação
da lei penal comum.

3.18 Das penas

Mais uma vez, vamos encontrar diferenças relevantes entre o Código Penal
Militar e o Código Penal Brasileiro, em relação às espécies das penas.

Já o Código Penal brasileiro aborda o assunto da seguinte forma:

Reclusão
Privativas de liberdade
(Art.33º) Detenção

I- prestação pecuniária;

II- perda de bens e valores;

Restritivas de direitos III- Vetado;


(Art. 43º)
IV- prestação de serviço à comunidade ou a enti-
Código Penal dades públicas;
Tipo de penas
comum (CP)
V- interdição temporária de direitos;

VI- limitação de fim de semana.

Na condenação igual ou inferior a um ano, a subs-


tituição pode ser feita por multa ou por uma pena
restritiva de direitos;
De multa
Se superior a um ano, a pena privativa de liberda-
de pode ser substituída por uma pena restritiva de
direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.

37
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
O CPM divide as penas em principais (artigo 55) e acessórias (artigo 98). Se-
gundo Romeiro (1994, p. 165):

As primeiras aplicam-se automaticamente, “são as que


decorrem imediatamente da necessidade de repressão ao
crime” e impostas nos preceitos sancionadores da Parte Es-
pecial do Código. As segundas dependem da imposição das
principais. Sem estas não podem ser aplicadas. São comple-
mentares. Formas mediatas de repressão do crime. Ligam-se
à natureza deste e são previstas na Parte Geral do Código.

a) morte;

b) reclusão;

c) detenção;

Principais d) prisão;
(Art.55º)
e) impedimento;

f) suspensão do exercício do posto, graduação, cargo


ou função;

g) reforma.
Código Penal
Tipo de penas
comum (CP) I - a perda de posto e patente;

II - a indignidade para o oficialato;

III - a incompatibilidade com o oficialato;

Acessórias (Art. IV - a exclusão das Forças Armadas;


98º) V - a perda da função pública, ainda que eletiva;

VI - a inabilitação para o exercício de função pública;

VII - a suspensão do pátrio poder, tutela ou curatela;

VIII - a suspensão dos direitos políticos.

No Código Penal Brasileiro não há penas acessórias e sim penas restritivas de


direito, que são autônomas e substituem as penas principais privativas de
liberdade. É importante ressaltar que o Código Penal Militar não tem previsão
de pena de multa, bastante utilizada no Código Penal comum.

Com relação às penas principais do Código Penal Militar é importante destacar:

38
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
1. Pena de morte: O Código Penal Militar, em harmonia com a Cons-
tituição Federal, prevê esta pena capital somente nos casos de guerra
declarada, nos termos do artigo 84, XIX da CF/88. O Código Penal
Militar somente prevê a pena de morte em hipóteses de crimes militares
praticados em tempo de guerra (Livro II, artigos 355 a 410). O artigo 56
do CPM define o modo de execução da pena de morte: fuzilamento.

2. Pena de impedimento: é uma pena restritiva da liberdade, criada


pelo Código vigente para o crime de insubmissão (artigo 183), sujei-
tando o condenado a permanecer no recinto da unidade, sem prejuízo
da instrução militar.

Quanto às penas acessórias, destacam-se os incisos I, II e III do artigo 98, que


não foram recepcionados pela Constituição da República, segundo os preceitos
do artigo 142, parágrafo 3º, inciso VI:

Art.142[...]

§ 3º. [...]

VI: o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado


indigno do oficialato ou com ele incompatível, por deci-
são de tribunal de caráter permanente, em tempo de paz
ou de tribunal especial, em tempo de guerra. Conclui-se
que: a indignidade, a incompatibilidade e a perda de
posto, penas acessórias aplicadas aos oficiais, somente o
Superior Tribunal Militar em tempo de paz é competente
para aplicá-las.

A pena acessória de exclusão das Forças Armadas somente será aplicada às


praças com estabilidade que sejam condenadas à pena privativa de liberdade
por tempo superior a dois anos (artigo 102).

3.19 Da suspensão condicional da pena

De acordo com Nucci (2013, p. 163), o artigo 84 do CPM, alterado pela Lei No
6.544, de 30 de junho de 1978:

Trata-se de um instituto de política criminal, tendo por


fim a suspensão da execução da pena privativa de liber-
dade, evitando o recolhimento ao cárcere do condenado

39
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
não reincidente, cuja pena não é superior a dois anos,
sob determinadas condições, fixadas pelo juiz, bem como
dentro de um período de prova predefinido.

A não aplicação da suspensão condicional da pena disposta pelo artigo 88


do CPM é coerente com o rigor exigido na vida militar. De fato, seria ilógica
a concessão da suspensão condicional da pena para condenações por crimes
Sursis: é a suspen- em tempo de guerra. Quanto ao tempo de paz, veda-se o [sursis] para delitos
são condicional da pena.
particularmente graves no contexto do serviço militar, algo compreensível.
O réu é condenado, mas
não se executa a pena se ele
cumprir, durante determi-
O instituto da suspensão condicional da pena existe nos dois códigos penais,
nado prazo, as obrigações e com poucas diferenças, sendo a maior delas a contida no artigo 88º do CPM.
condições impostas pela lei e
pelo magistrado (FABBRINI e Art. 88. A suspensão condicional da pena não se aplica:
MIRABETE, 2011).
I - ao condenado por crime cometido em tempo de
guerra;

II - em tempo de paz:

a) por crime contra a segurança nacional, de aliciação e


Sobre a constitucionalidade
incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de
da vedação da suspensão con-
dicional da pena nos casos serviço ou de quarto, sentinela, vigia ou plantão, de des-
de deserção, ver a decisão do respeito a superior, de insubordinação, ou de deserção;
STF no HC nº 76.411, da 2ª
Turma, relator Min. Nelson b) pelos crimes previstos nos arts. 160, 161, 162, 235,
Jobim, j. em 23 jun 98. 291 e seu parágrafo único, nº I a IV.

3.20 Do livramento condicional

Segundo Nucci (2013, p. 170), o livramento condicional:

Trata-se de um instituto de política criminal, destinado


a permitir a redução do tempo de prisão com a conces-
são antecipada e provisória da liberdade do condenado,
quando é cumprida pena privativa de liberdade, mediante
o preenchimento de determinados requisitos e a aceita-
ção de certas condições.

O assunto está disciplinado no artigo 89 do CPM da seguinte forma:

Art. 89. O condenado a pena de reclusão ou de detenção


por tempo igual ou superior a dois anos pode ser libera-
do condicionalmente, desde que:

40
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
I - tenha cumprido:

a) metade da pena, se primário;

b) dois terços, se reincidente;

II - tenha reparado, salvo impossibilidade de fazê-lo, o


dano causado pelo crime;

III - sua boa conduta durante a execução da pena, sua


adaptação ao trabalho e às circunstâncias atinentes a
sua personalidade, ao meio social e à sua vida pregressa
permitem supor que não voltará a delinqüir.

Penas em concurso de infrações

§ 1º No caso de condenação por infrações penais em


concurso, deve ter-se em conta a pena unificada.

Condenação de menor de 21 ou maior de 70 anos.

§ 2º Se o condenado é primário e menor de vinte e um


ou maior de setenta anos, o tempo de cumprimento da
pena pode ser reduzido a um terço.

O livramento condicional disciplinado no Código Penal comum tem:

[...] natureza jurídica de estágio final da execução da pena,


enquanto na Legislação Castrense ainda permanece com a
natureza de incidente de execução. A matéria foi tratada no
CPM, em seu artigo 89 e seguintes, bem como no CPPM,
em seu artigo 618 e seguintes (PORTO, 2010, p. 84).

Em tempo de guerra, havendo o cometimento de crime, de fato, não tem ca-


bimento a aplicação desse benefício, diante da excepcionalidade da situação.

Em tempo de paz, o livramento condicional por crime contra a segurança


externa do país, ou de revolta, motim, aliciação e incitamento, violência contra
superior ou militar de serviço só será concedido após o cumprimento de dois
terços da pena, observado ainda o disposto no artigo 89, preâmbulo seus
números II e III e parágrafos 1º e 2º. De acordo com Nucci (2013, p. 177): “Em
virtude da particular gravidade dos delitos enumerados neste artigo, seguindo-
-se a mesma linha dos crimes hediondos e equiparados, eleva-se o tempo para
a obtenção do benefício do livramento condicional”.

41
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
3.21 Medidas de segurança

As medidas de segurança são tratadas no CPM no artigo 110º e subsequentes.


Sistema vicariante ou Foi adotado, da mesma forma que na Lei Penal Comum, o [sistema vicariante],
unitário: pode-se aplicar
no qual não pode haver cominação de pena junto com medida de segurança.
somente pena ou medida de
segurança. É uma medida Existem diferenças sobre o assunto, comparando os dois Códigos Penais.
unificada. Não pode mais
aplicar de forma cumulativa. No CP existem duas modalidades de medida de segurança, que são: internação e
tratamento ambulatorial (pessoais detentivas). No CPM estão previstas as seguin-
tes medidas de segurança: pessoais (detentivas e não detentivas) e patrimoniais.

Na legislação penal militar não há previsão de tratamento ambulatorial, mas


vem sendo aplicado subsidiariamente. Para a imposição de medidas de segu-
rança pessoais são necessários os pressupostos a seguir:

• Prática de fato elencado como crime;

• Periculosidade conjugada com inimputabilidade ou semi-imputabilidade.

3.22 Ação penal

O instituto da ação penal está relacionado de forma mais íntima ao processo


penal e, por consequência disciplinado pelo Código de Processo Penal Co-
mum e Militar, mas também tratado pelos artigos 100 a 106 do Código Penal
Comum e artigos 121 e 122 do Código Penal Militar. Embora a ação penal seja
matéria de direito Processual Penal, o direito de punir é direito penal subjetivo.

Para Masson (2011, p. 833), “ação penal é o direito de exigir do Estado a


aplicação do direito penal objetivo em face do indivíduo envolvido em um fato
tipificado em lei como infração penal”.

A ação penal desenvolveu-se através de um processo, subordinada às con-


dições previstas em lei. Em razão da titularidade da atuação, o Código Penal
Comum divide as ações condenatórias em ação penal pública e ação penal
privada. Já o Código de Processo Penal Militar, no seu artigo 29, diz que a ação
penal militar é sempre pública, diferenciando da Justiça Comum. Contudo, é
importante lembrar que o dispositivo não exclui a possibilidade de propositura
de ação penal privada subsidiária da pública na Justiça Militar, que decorre de
comando constitucional (artigo 5º, inciso LIX CF).

O artigo 121 do Código Penal Militar mostra que a ação penal somente pode
ser promovida por denúncia do Ministério Público Militar.

42
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
Embora não havendo previsão de ação penal privada, a legislação
penal militar traz hipóteses de ação penal pública condicionada
à requisição, nas hipóteses do artigo 122 do CPM e do artigo 95,
parágrafo único da Lei nº 8.457, de 4 de setembro de 1992.

A ação penal pública inicia-se com a denúncia. Esta é o ato pelo qual o Mi-
nistério Público manifesta a vontade do Estado, ofendido pelo crime, de que
se faça Justiça. A ação penal pública tem como principais características as de
ser necessária e indisponível. Necessária, refere-se à obrigatoriedade da ação
(princípio da legalidade).

A denúncia deve ser apresentada sempre que houver: “prova de fato que, em
tese, constitua crime e indícios de autoria” (artigo 30 CPPM). A indisponibilida-
de, prevista no artigo 32, CPPM: “apresentada a denúncia, o Ministério Público
não poderá desistir da ação penal”.

3.23 Da prescrição

A prescrição é conceituada como a perda da pretensão punitiva ou a perda da


pretensão executória. São espécies de prescrição: a prescrição da pretensão
punitiva (quando ocorre até o trânsito em julgado da sentença penal condena-
tória) e prescrição da pretensão executória da pena (após tornar-se irrecorrível
a condenação).

Diferenças relevantes entre o CPM e o CP são as previsões existentes nos se-


guintes artigos do primeiro diploma legal:

Art.130 - É imprescritível a execução das penas acessórias.

Art.131 - A prescrição começa a correr, no crime de


insubmissão, do dia em que o insubmisso atinge a idade
de trinta anos.

Art. 132 - No crime de deserção, embora decorrido o pra-


zo da prescrição, esta só extingue a punibilidade quando
o desertor atinge a idade de quarenta e cinco anos, e, se
oficial, a de sessenta.

No Direito Penal, enquanto a lei penal não é violada, o direito que o Estado
tem de punir os eventuais infratores da lei é apenas abstrato. Entretanto, a

43
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
partir do momento em que há a efetiva violação da lei penal, pela prática de
crime ou de contravenção, aquele direito abstrato torna-se concreto e faz
nascer a possibilidade de o Estado aplicar sanção ao infrator da lei penal. Essa
possibilidade jurídica de impor pena ao violador da lei penal é chamada puni-
bilidade.

Podem surgir fatos que impeçam o Estado de exercer seu direito de punir os
infratores, extinguindo a punibilidade.

Tais causas estão previstas no artigo 123 do CPM e no artigo 107 do CP Comum.

44
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
4 As divergências

Este estudo intentou fazer uma análise comparativa dos institutos jurídicos da
Parte Geral entre o Código Penal Militar e o Código Penal Brasileiro. Mas, ape-
sar de apenas “arranhar” a superfície dessa matéria complexa, densa e extensa,
é possível ressaltar que há diferenças relevantes.

Em resumo, as diferenças decorreram, particularmente, a partir da edição da


Nova Parte Geral do Código Penal, em 1984, devido a sua opção pela Teoria
Finalista do Crime que, como já analisado anteriormente, muito se afasta da
versão anterior que se apoiava na Teoria Causalista. Essa mudança está bem
delineada, principalmente, em relação à estrutura da culpabilidade, a partir
da migração do dolo e da culpa (aceitos na versão anterior) para o primeiro
requisito ou elemento do crime, também chamado de substrato do crime (fato
típico), adotado na versão atual.

Entretanto, cabe lembrar que, com o advento da CF/88, a práxis do direito


O garantismo penal é o nome penal militar se aproximou dos ideais garantistas – através da não recepção de
dado ao conjunto de teorias
diversos artigos do CPM ao novo ordenamento jurídico, sendo relevante res-
em direito penal e processo
penal, de cunho filosófico- saltar, por fim, que doutrina e jurisprudência ainda trabalham, atualmente, na
-jurídico proposta pelo italia- tentativa de uma maior compatibilidade com o direito penal comum por força
no Luigi Ferrajoli, cuja obra
maior sobre o assunto é Direito de política criminal.
e Razão: Teoria do garantismo penal.
Essa teoria pode ser traduzida Para Assis (2013, p. 7):
pelo axioma: “Estou protegi-
do por que está na lei!”. O ga- No cotejo entre as regras do direito penal comum e o
rantismo defende o princípio direito penal militar convém lembrar-se de dois fatos
da anterioridade da lei penal, importantes. O primeiro, de que a aproximação entre as
do direito positivo estrito e
duas legislações sempre foi pretendida, conseguiu-se o
que toda norma jurídica deve
ser lida e interpretada segun- máximo por ocasião da edição do CPM de 1944, afinado
do princípios formadores e com o CP de 1940.
garantidores.
Daí porque não se pode afirmar que a disciplina mais
rigorosa do Código Penal castrense funda-se em razões
de política legislativa que se voltam para o combate com
maior rigor daquelas infrações definidas como militares
porque o CPM de 1969 também estava afinado com o
CP comum de 1969, todavia dele divorciou-se quando o
CP/69 foi revogado sem nunca ter entrado em vigor. Esta
distância aumentou com a edição da nova Parte Geral de

45
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
1984, inspirada pelo direito penal da culpabilidade, no
qual a participação de crime menos grave (cooperação
dolosamente distinta) ganhou lugar de destaque.

Assim, urge reformar a legislação penal militar para com-


patibilizá-la com o direito penal comum, dele divergindo
apenas naquelas características que informam a socieda-
de militar e justificam procedimentos distintos.

Enquanto isto não ocorre, acredito que, se por um lado


mesmo quando existem regras distintas tratando dos
mesmos institutos (crime continuado p.ex.) a práxis dos
tribunais militares tem aceitado a aplicação de princípios
do direito penal comum aos crimes militares, por uma
questão de política criminal, com muito mais razão é
de se aceitar, com base no art. 12 do CP, a aplicação do
instituto da cooperação dolosamente distinta aos crimes
militares praticados em concurso de agentes, já que a
analogia aqui é perfeitamente aceitável, em face de ine-
xistência de previsão similar no Código Penal Militar.

São ensinamentos importantes que serão utilizados nos próximos assuntos das
unidades didáticas VI (Direito Penal Militar - Parte Especial) e VII (Direito Proces-
sual Penal Militar).

46
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
5 Bibliografia

Referências Bibliográficas

ASSIS, Jorge Cézar de. Direito Militar: Aspectos Penais, Processuais Penais e
Administrativos. 2ª Edição. São Paulo: São Paulo, 2011.

_______. Comentários ao Código Penal Militar: comentários, doutrina,


jurisprudência dos tribunais militares e tribunais superiores. 7ª Edição. Curitiba:
Juruá. 2011a.

_______. Considerações sobre a participação de crime menos grave no


direito penal militar. Disponível em: <http://www.jusmilitaris.com.br/novo/
uploads/docs/participcrimemenosgrave.pdf>. Acesso em: 3 jul 2013.

BANDEIRA, Esmeraldino. Tratado de direito penal militar brasileiro. Rio de


Janeiro: Jacinto Ribeiro dos Santos Editor, 1925.

BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Disponí-


vel em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>.
Acesso em: 10 jul 2013.

_______. Decreto-Lei 2.848/1940. Código Penal Brasileiro. Disponível em:


<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 1º
set 2013.

_______. Decreto-Lei 1.001/1969. Código Penal Militar (CPM). Disponível


em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm >. Acesso
em: 10 jul 2013.

_______. Decreto-Lei 1.002/1969. Código de Processo Penal Militar. Dis-


ponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1002.htm >.
Acesso em: 10 jul 2013.

_______. Lei nº 8.457, de 4 de setembro de 1992. Organiza a Justiça Militar


da União e regula o funcionamento de seus Serviços Auxiliares. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8457.htm>. Acesso em: 12 jun 2013.

_______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus 107.688 Distrito Fede-


ral, 2011. Disponível em : <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.
jsp?docTP=TP&docID=1641493>. Acesso em: 18 ago 2013.

47
FUNDAMENTOS DO DIREITO PÚBLICO E PRIVADO - u5
CRUZ, Ione de Souza; MIGUEL, Cláudio Amin: Elementos do Direito Penal
Militar: parte geral. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. 2ª Edição, vol I. São Paulo: Saraiva,
2005.

FABBRINI, Renato N.; MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal.


27ª Edição. São Paulo: Atlas, 2011, v. 1.

MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal Esquematizado. 5ª Edição. Rio de


Janeiro: Forense, 2011.

NEVES, Cícero R. Coimbra; STREIFINGER, Marcello. Manual de Direito Penal


Militar. 2ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Militar Comentado. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2013.

PORTO, Mário André da Silva. Curso de Direito Militar: Direito Penal Militar.
Rio de Janeiro: Fundação Trompowsky, 2010.

RIBEIRO, Luciano R. Melo. 200 anos de Justiça Militar no Brasil. Rio de


Janeiro: Action, 2008.

ROMEIRO, Jorge Alberto. Curso de Direito Militar: parte geral. São Paulo:
Saraiva, 1994.

SOARES, Oscar de Macedo. Código Penal Militar da República dos Estados


Unidos do Brasil. Rio de Janeiro: Garnier Livreiro, 1903.

48
Curso de Habilitação ao Quadro Auxiliar de Oficiais
CCEAD – Coordenação Central de Educação a Distância

Coordenação Geral
Gilda Helena Bernardino de Campos

Coordenação de Avaliação e Acompanhamento


Gianna Oliveira Bogossian Roque

Coordenação de Criação e Desenvolvimento


Claudio Perpetuo

Coordenação de Design Didático


Sergio Botelho do Amaral

Coordenação de Material Didático


Stella Maria Peixoto de Azevedo Pedrosa

Coordenação de Tecnologia da Informação


Renato Araujo

Gerente de Projetos
José Ricardo Basílio

Equipe CCEAD
Alessandra Muylaert Archer
Alexander Arturo Mera
Ana Luiza Portes
Angela de Araújo Souza
Camila Welikson
Ciléia Fiorotti
Clara Ishikawa
Eduardo Felipe dos Santos Pereira
Eduardo Quental
Frieda Marti
Gabriel Bezerra Neves
Gleilcelene Neri de Brito
Igor de Oliveira Martins
Joel dos Santos Furtado
Luiza Serpa
Luiz Claudio Galvão de Andrade
Luiz Guilherme Roland
Maria Letícia Correia Meliga
Neide Gutman
Romulo Freitas
Ronnald Machado
Simone Bernardo de Castro
Tito Ricardo de Almeida Tortori
Vivianne Elguezabal

Potrebbero piacerti anche