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Projeto

PERGUNIE
E
RESPONDEREMOS
ON-LlNE

Apostolado Verltatis Splendor


com autorização de
Dom Estêvão Tavares Bettencourt. osb
(in memoriam)
APRESENTAÇÃO
DA EDiÇÃO ON-LlNE
Diz São Pedro que devemos
estar preparados para dar a razão da
nossa esperança a todo aquele que no-Ia
pedir {1Pedro 3,15).
Esta necessidade de darmos
conta da nossa esperança e da nossa fé
hoje é mais prememe do que outrora,
'J •• _. visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas oontrârias à lé católica. Somos
assim Incitados a procurar consolidar
nossa crença católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.
EtS o que neste sita Pergunte 8
Responderemos propõe aos seus leitores:
aborda questões da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristAo a fim de que as dúvidas se
, --' . dissipem e a vivência católica se fortaleça
• no Brasil e no mundo. Queira Deus
aberlÇOar este trabalho assim como a
equipe de Vetilatis Splendor que se
encarrega do respectivo sita.
Rio de Janeiro, 30 de Julho de 2003.
Pe. ü/e,",o BettOllCOurt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITA TIS SPLENoOR

Celebramos convênio com d. Estevão Benencourt e


passamos a disponibilizar nesta área. o excelente e sempre atual
conteúdo da revista 1eol6glco - filosófica "Pergunte e
Responderemos~ , que conta com mais de 40 anos de publlcaçao.

A d. Estêvão Benencourt agradecemos a confiaça


depositada em nosso trabalho. bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
Indiel:
FlIg .

o SEGREDO DA FELICIDADE .21


A IlniJu.gem :lo palu do :
"NUM PERGAMINHO, OUTRA VERS10 DOS DEZ MAt.:OAMENTOS" 423

Um livro Im loco:
ANJOS E DEMONIOS : REALIDADE OU MITO? .. ... . . . .• . 435

Um problema blbllco;
O CHAMADO "COMA JOANEU" (I Jo 5,11>-81) ",
Vala tudo?
"O AOUlT~RIO NÃO MAIS SERÁ CONSIOERADO CRIME" ? "2
COM APROVAÇAO ECLES'.4.STtCA

• • •
NO PRÓXIMO NOMERO :
Relo(õe, sexuais onles do CO lamento: o r:lebo:o ( o nlem-
poróneo. - As (rv~odcu medievais: obscurantismo o u
heroísmo? - E o mensagem do gola?

- - --x

"PERGUNTE E RESPONDEREMOS ,.
Assinatura anual . . . . . .. . .. .. . C rS JOO!1
Número avulso de qualquer mcs . . . Cr$ 4,00
VOIUrrK!8 cncadcrn.3dO!li de 1958 e 1959 ( prcc:o unllârlol c.:rS 35,00
Indlce Geral de 1957 a 1004 . ..... ..... . ... . . . . . . . . . _. . . . Cr$ 10,00
Indlce de qual'1uer ano ..... .... . .. . C l"S 3,00

EDITORA LAUDES S. A .
REDACAO DE PR ADI\IINISTRAÇAO
Caixa Postal 2 .666 Rua Silo Rn fRei . 38. ZC·(lfl
zc-oo 20000 Rio do Janeiro ( aO )
!oono Rio ele Janelrn (001 TeIJII.: 263·0081 t! 2tJ3.!7IHi
o SEGREDO DA FELICIDADE
A procura da Felicidade corresponde a um dos anseIos mais
espontâneos do ser humano. Embora. os filósofos tenham con-
cebido as mais diversas creceitas» para proporcionar o encon-
tro da felicidade, a rotina da natureza. sugere que ela se encon·
trará em boa parte (se não exclusivamente) no cpresel'Val'--se
de incômodos»: .Para que fazer pOr mais . . . quando posso fazer
por menos? 1:: esta a filosofia da pOupança de si mesmo e da
subtração.
A experiência muitas vezes - mas nem sempre - com-
prova esta filosofJa ou creceita. de felicidade. Por mais irô-
nico que isto pareca, o poupar-se não é sempre fonte de alegrJa
e bem-estar; ilude o homem e. depois, deixa-o decepcionado.
Consciente desta verdade. a escritora Marina Colasantl
leva-nos a olhar em torno de nós e refletir um pouco:
EU SEI, MAS NAO DEVIA
"Eu sei que 8 gente 88 As bactérias da água potével.
acostuma. A contaminação da é.gua do
mar. A lenta morte dos rios .
Mas nAo devia. Se acostuma a nao ouvir pas-
A gente se acostuma a mo- sarinhos, a não ter galo de
rar em apartamento de fundos . madrugada, a temer a hidro-
e a não ter outra vista que nAo fobia dos cães, a não colhe,
as janelas ao redor. E, porque fruta no pé, a não ter sequer
não lem vista. logo se acostu· uma planta.
ma a não olhar para fora. E,
porque não olha parJ tora, lo- A genle se acostuma a col·
go se acostuma a nl o abrir de sas demais, para nAo sofrer.
todo as corllnas. E, porque Em doses pequenas. tentando
não abre as cortinas, logo se não perceber; vai afastando
acostuma a acender mais ce· uma dor aqui, um ressenti-
do a luz, E. à medida que se mento ali, uma revolta acolá .
acostuma, esquece o sol, es· Se o cinema eBté cheio, a
quece ·0 ar, esquece a ampli· gente senta na primeira fila e
torce um pouco o pescoço. Se
dao ... a praia está contaminada, a
A gente se acostuma à po- gente molha s6 os pés, e sua
luição, As salas fechadas, de no resto do corpo . Se o tr:lba-
ar condicionado e cheiro de Ino está duro, a gente se con-
cigarro. A luz arliflcial. de 11· 80la pensando no fim de se-
gelro tremor. Ao choque que mana. e, se no fim de sema-
os olhos levam na luz nalural. na, não há muito que fazer, a

- 421-
gente vai dormir cedo e ainda laca e da baioneta, para pou-
fica satisfeita, porque tem par o peilo.
sempre um sono alrasado .
A gente se acostuma para A gente se aC.:lstum a para
não se rala r na aspereza, para poupar a vida ... A vida que
preserva r a pele. Se acostu- aos poucos se gasta e que,
ma para evitar feridas, sangra- 9asta de tania se acostumar.
menlos, para esqu ivar-se da se perde de si mesma".

A poetisa foi feliz na redação de seus versos. Fazendo o


leitor percorrer a realidade da vida cotidiana, mostro como
esta se acha marcada por um conjunto de deficiências, cuja
t irania bem sentimos. Pelo fato, porém, de serem cot idianas,
essas deficIências acabam subjugando as aspiracões do ser hu-
mano a algo de mais elevado. A pessoa aos poucos vai crendo
que o melhor partido, na vida, ê mesmo o de aceitar as reall·
dades negatlv3s c tentar anestesiar-se, a fi m de nâo se des-
gastar na luta.
Infeliz, Quem assi m pe nsn~ Tal pessoa não percebe que,
de todo modo, a vida se vai desgastando? Sim; ela nos escapa
todos os dias . Em conseqüência, há apenas duas alternativas
para o homem : aceitar o desgaste da vida, sem a marcar pela
Inteligência e a vontade, sem a viver proprinmcntc, como um
caramujo encolhido em sua casa,., Ou aceitar o desgaste da
vida de maneira consciente, procurando vivê-Ia intensamente,
desdobrando as energias latentes em nós, n fim de assim cons·
truir algo de melhor em tomo de nós.
Diante de tal di lema, o cristão não tem opção senão pela
segunda alternativa. Verdade ê que nem sempre lhe é possí·
vel deixar de morar em apartamento de fundo . .. Mas é·lhe
possível e deveroso despertar sempre a sua consciência. e a de
seu próximo para certos valores que a vida não tem, mas que
ela poderia ter. A procura de tais valores exige luta, mas ê
li. única maneira de dar sentido A vida. l!: também o grande
segredo de sermos fe li'zes, pois, como dizia o Senhor, «há mais
felicidade em dar do que em receber-. (At 20, 35).
Em outros tennos : melhor é Que a vida se desgaste por
ser bem apllcada e desabrochada com Inteligência, fé e amor,
do que permitir que se desgaste por simples efeito das leis do
sistema vegetativo , e sensitivo de quem se encolhe e esconde.
E.B .

- 422 -
«PERCiUNTE E RESPONDEREMOS»
Ano XIV - Nt 166 - Outubro d. 1973

A linguagem do pa ••ado:

"num pergaminho, outra versão dos dez


mandamentos 1/
Em sínle.e; A Imprensa do Brasil em Ibrll de 1973 noticiou I delco-
barla, em 18ro8:ol, de um "manuscrito do Templo", no qual os mandamenlol
de Oeus ula rlam redigidos de novo modo e novas leis havertam aldo acr...
centadas às classicamente conhecidas,
Na verdade, Iralll-te de um documento oriundo de aumran •• NO do
Mar Marlo, onde vivia uma comunidade de monge, Judeus (talvez '1I6nlo.),
qua se opunham 'ortemente 80 Juda'&mo ollclal de Jerusalém; Julgavam
que o. sacerdotes e mestres na Cidade Santa haviam pervertido IS tredl-
ç6ea •• grada. de Isr•• I, pactuando com OI costumes li 08 Inl.re.... da.
estrangeiros que haviam petletrado no pais. Dal. rellrad.a de bom nl1mero
de sacercfoles e seus seguidores para o daseno de Judé (Qumren), onele
se allm.nte'lem aeplrltu.lmente pell ol'1u;1o I por al'lera discIplIna de '11dl.
Em Qumran, tala monges .e dedlca'lam • conllcçlo de escritos dI •• pIr1·
tualld.de; li • esta eotaçlo que pertence o chamado "Manuscrtto do Tem·
pio", que, ","pola dI Nculos de 'atlncla, am 1967 chl'gou ... mio. do Prol.
Ylgael Yadln, d. Jerusalfm. Eate dIYulgou 'Im demora o conteClclo do m..
nuscrlto, mostrando I Indole rlgorlsla dos seus dizeres, que Ullm prele~
dlam opor-sa .o. MlchnA ou As nonnas do Judalsmo oficiai de Jerusal6m.
NIo .e trata, porjm, de tIO'Ia '1ertio do Dedlooo ou dos dez mand.
mentQ3 da Lei de Deu., nlm tl6 no lamoso mlnuscrito algo qUI Int.,....
serlemante à critica ou reconstltulçlo do texto da Sibila. - Em luml, o
documento em loco '18m a ser um Intra multo. outros lexlo. que exprimem
a e,plrltua1idada d. seita de monges Judeus localizados em Qumran, ••
margena do Mer Morto enlre o sêc . 11 a . C. a o "c. I d .C.

• • •
Comentário: O . 0 Estado de São Pau!o::o, de 6 e 8/N!73,
noticiou uma descoberta «sensacional» feIta na terra de Israel
e assim divulgada pelo mesmo jornal em sua edição de 6(IV(73:

1"0 Estado da Slo Paulo" 811V173

-423 -
, cPERGUN'l'1:: E H8SPON1)EREMOS" 161.i/1973

"TEL-AVIV - Uma nova varsAo dos Dez Mandamentos, com pl83crlçoOes


mailj rigorosas cio que as "olllf(law 118 b,otia a que po!õ~helmenUt l(ltH' "'1-
CIOU os !)Iimailoa ClltlUIOl, 101 oe~cooeJla e traouzlda paio .'queoIQgo e
gener'l is raelense Ylglel Vaoln.
O documento, escrilo dois século' anl es de Crlsto, contém, além dOI
ma nolmanios. os seguintes assunLOS: lêls 1'180 Molncionadas nl ",Ibiia, com ...
a de que os Judeus (levem e~ço!ner um rei e construir um templO i comple-
ua ellpllclÇOElS pila. construçao de um rom plQ em Jerusatem; plOI Dlç~
Da bigamia e do ail/clcio • il 8llioern:ia d e que os sacerDOteS devttm sal
celibatarlos.
O pergaminho ' esc rito na p/lmolr. pessoa, como se lossa o prOpllo
Deus quen. estlVesso l alando o nllO um p,otola, em seu nome, eomo aeon·
Ieee no Anligo 11Slamen to.
Segundo Ya dln , o pergaminho se,...,iu de r.orma para a saíta dos essA·
nlos, que viveu na feglM 011 Oum ran. O arqueologo acredl la qua estas leis
loram pOSlarlormenla (fanscrl'as do chamaco 'Pe,gaminno do Templo'.
O Pergaminho de Oumlan traI também normas para a detesa mUltar
do povo juueu. Segundo o documenlo, uma decima pane do !;xérclto deve
pl8para r-se ao Plln18lro alnal de pal lgo. Posteriormente, na prOpOrçAo dai
ameaç~ do InimIgo, (lavem 6el moblulado6 um quinto, um Ift/ÇO, a meta-
da, dois terço. e unalmenta todas as forças mUllares. 'Sem revelar qualquer
segredo militar, pono assegurar que esse plano é idêntico ao que seguimos
d.lode que o eXllrcito eg,pt:1O pemlUou no desedo ao Slilal, nas vebper.,.
da Guerra "dos Seis Olas', comentou Va dln.
O -arqueólogo revelou Que compra ra o pe:gam lnho a Uln comerciante
é,aba d, anllgúluades em Belém por um preço eqlJivalenle a 600 mil cru
lalros, durante a guerra de Junho de H/51. Foi encontrado nas margEm, do
Mar MOr1o e eSl. em ,eletlvlmlnle bom estado de cot\Servaçlo. O general
espera decifre r e publh::ar o lello Inllgral do pergaminho ainda ast, ano",

o leitor deste noticiário é naturalmente incitado a desejar


pormenores e precisões sobre a famosa descoberta: Implicará
em alterações do texto blblico? Há de modificar nossos conhe-
cimentos da história do Cristianismo? - :t a estas e outras
duvidas que procuraremos oferecer resposta no decorret" destas
páginas.

1. Fundo de cena: os manuscritos de Qumran


o chamado «Pergaminho» ou , Manuscrito do Templo»
nos leva ao ambiente dI! Qumran.
Qumran é uma localidade situada no deserto de Judá, à
margem NO do Mar Morto. Em uma gluta daquela região, um
pastor beduíno, que andava à procura de uma ovelha (ao
menos, esta é a versão mais comum do episódio). descobriu e m
fevereiro de 1947 sete jarros de argila, dos quais um continha
_ 424-
OUTRA VERSÃO DOS MANDAMENTOS? 5

lrês rolos de pergaminho. Esse material, 8 principio não clara·


mente Identificado, chegou finalmente às mãos dos estudiosos
de Israel e dos Estados Unidos da América. Estes reconhece-
ram que se tratava de manuscritos bibllcos de alto valor, pois
eram extremamente antigos.

Em 1949, tendo sido de certo modo pacüicada a situação


na terro de Israel, o Prof. G. Lankester Harding, Diretor do
Departamento de Antigüidades da Jordânla. e o P. Roland de
Vaux O. P., Diretor da cEcole Biblique l> de Jerusalém. deram
Inicio a procuras e e.scavacôes sist4:!mãticas na região de Qumran.
Essas pesquisas duraram até 1958 e se estenderam por toda a
região vizinha, abrangendo Murabba'at, Khirbet Mird, AIn
Feshkhs, Massada. Ao todo descobrlram·se onze grutas, nas
quais se acharam cerca de 900 manuscritos. somente dez destes
estão mais ou menos integralmente conservados; os demais
são fragmentos de leitura. ora mais, ora menos d1fIdI. A coo·
fecção desses escritos estende·se do séc. II a.C. ao séc. I d.C.

Uma quarta parte desses textos são livros ou fragmentos


blblicos. Todos os livros da Bíblia hebraica estão ai represen-
tados, exceto o de Ester; há. mesmo diversos manuscritos de
um mesmo livro b1bUco - O que mostra quais eratTl os textos
mais estimados e usados na regJão: Isaias, Deuteronômio, os
Profetas Menores, os Salmos.

Alguns manuscritos de Qumran e adjacências são cópias


de textos bfblicos multas próximas, cronolotncamente, dO$ seus
olÍ~lnais ou autógrafos. Assim um manuscrJto de Daniel encon-
trado em Qumran é apenas cem anos posterior aos autógrafos
de DanIel, que a crítica atribui geralmente ao ano de 165 a . C .
Também um manuscrIto do Ecleslastes achado em Qumran
dista do seu autógrafo apenas um século. - Para se avaliar 8
importância deste fato. seja lembrado nue até 1948 os mals
antigos manuscritos Que se tinham da. Biblla hebraica, data-
vam dos séc . IX e X depois de Cristo. Ora os manuscritos de
Qumran permitem retroceder cerca de mil anos na história do
texto de al~ns livros b1bUcos. Verlflcou~se, pelo confronto dos
manuscritos, Que o texto geralmente usado nas tradUções e
edições da Blblla em nossos dias é substancialmente o mesmo
que se usava já cerca de 2.000 anos atrás.

Além dos textos blblicos, as grutas de Qumran continham


dois outros tipos de manuscritos: 1) apócrifos, tais como esta·
- 425-
vam em uso no judaísmo do tempo de Cristo; 2) os escritos de
uma comunidade religiosa judaica, Que tinha sua Regra ou Ma·
nual de iDsciplina c seus comentários da S. Escritura, os quais
revelavam uma mentalidade fortemente caracterizada por
expectativas messiânicas.

Se a história das pesqUisas nas grutas dos arredores do


Mar Morto estava encerr"sda em 1958, o mesmo não se podia
dizer no tocante à exploração e posse dos manuscritos. Com
efeito, em muitos casos foram os beduínos os primeiros a pene-
trar nas grutas e retirar os jarros e pergaminhos. Ora não se
sabia se tudo o Que os beduinos haviam descoberto já fora
vendido aos arqueólogos e cientistas. Registrou·se, por ecxmplo,
uma surpresa em 1967, quando, após a Guerra dos Seis Dias,
os israellanos anunciarllm a aquisição de um manuscrito do
comprimento de 8,60 m, portador de um texto inédito que se
dispõe em 66 colunas. Esse manuscrito, que veio ser chamado
co Rolo do Templo» (porque, entre outras coisas, descreve ml·
nuclosamente o Templo de Jerusalém), parece ter sido o último
a ser adquirido pelos sábios. Resta agora a ingente e paciente
tarefa de ler, decifrar e publicar o conteúdo da vasta biblioteca
de Qumran - trabalho este que poderá estender·se por um
total de clnqUenta anos.

Ê precisamente do cRolo do Templo» qUe trata a noUcla


do cO Estado de São Paulo:t atrás citada. Ela se refere a uma
publlcacão feita pelo arqueólogo Que estuda tal Rolo, o Prer.
Yigael Yaclin. da Unlversldade Hebraica de Jerusalém. Tal pu-
blicação descreve o mencionado Rolo no periódico cNouvellcs
Chrétlennes d'Israel:t, vai. XVITI (1967) n' 3-4, dezembro
1967, pp . 40-48.

o manuscrito, antes de ser transferido às mãos do Pro!.


Yadin, passara alguns anos em condições extremamente des·
favorâveis 'à sua boa conservação (sem se contarem os dois mB
anos de sua estada na gruta de Qumran). Todavia , tratado por
processos técnicos, pôde ser aberto de modo que o seu conteúdo
é hoje legivel aos estudiosos.

Antes de entrarmos na consideração mais detida desse


Importante pergaminho, imp6e-se uma breve apresentação da
comunidade religiosa que deu origem ao mesmo e à grande
maioria da blblloteca da região de Qumran.
-426 -
OUTRA VERSA.O DOS MAND.AMEN'I'OS? ,
2. O ambiente ltumClno de Qumran
1. As escavações levadas a efeJto em Qumran nos anos
de 1951, 1953-1956 e 1958 (só se podia. trabalhar no inverno.
quando hi um pouco de chuva e e. temperatura é menos quente
nos arredores do Mar Morto) deram a ver alguns estágios de
habitação humana na região,
O mais antigo estrado faz retroceder até os séc. vnlVIl
a,C. Parece ser O de uma fortaleza, à qual se prendia uma
cisterna redonda (a única de tal tipo no local) . Essa construt'fi,o
pode ser atrlbulda ao reinado de Ozias. rei de Judâ (781-740
a .C.; cf. 2 CrOn 26,10); o nome da fortaleza é talvez indicado
por Jos 15,62: Ir-ham-mclah, cidade do saI.
Essa. fortaleza deve ter caldo em ruinas quando caiu o
reino de JudA em 587 a,C .. No séc. n a .C., o lugar foI de
novo povoado por um grupo de sacerdotes judeus e seus segui-
dores, que julgavam estar Séndo profanada a Cidade Santa de
Jerusalém pela dinasUa hasmonéla, amiga da cultura. grega.
As primeiras construções dessa nova fase de habltacA.o parecem
datar de 130/120 a.C .; grande valor era dado aos aquedutos
e cisternas, pois a comunidade tinha que captar toda a é.gua
das chuvas da região, A vida deve-se ter desenrolado tranqüi-
lamente em Q.anran , num clima monástico de oração e traba'-
lho. a'fé 31 a . C . , quando um terremoto (mencionado por. FlAvio
José) terA obrigado os habitantes a abandonarem o local; des.
locamento de construCôes e vest:lgios de incêndio atestam tal
abalo clsmico. Aproximadamente no ano 4 a.C . (é o examo.!
das moedas encontradas no local que permite datar), os monge!
de Qurnran voltaram ao seu deserto, reconstruindo ai os diver-
sos recintos do mosteiro; essa segunda fase de vida moi1ást1ca
deve ter sido assaz Intensa e prospera;- tenninou, po~m, em
jWlho de 68 d.C ., quando as tropas da X Legião Romana.
desejando atacar Jerusalém, fizeram. Impeto em dlreçáo de
Jerlc6 e do Mar Morto. Apressadamente, então, os monges.
antes de fugir, ocultaram nas grutas das vi%lnhancas os seus
numerosos manuscritos, esperando poder encontrá-los de novo,
quando lê. voltassem após a boIT8.SCa da guerra! . .. Tal espe.
rança nlio se cwnprlU j OS romanos se apoderaram do local (tal-
vez tenham vitimado parte dos habItantes remanescentes) e lá
estabeleceram um fortim, que subsistiu até o fim do ·séc. L
Em Qumran retugiou·se ainda um pequeno grupo de judeUl
rebeldes durante B 1nsurrei~o anti-romana de 132-135 d. C .
- 427-
..",PERCUNTE E RESPONDEREMOS:> 166/1973

- Terminada, porém, esta guerra, a localidade, com seus te-


souros culturais, ficou deserta e, por assim dizer, Ignorada do
mundo até lM7! As ruinas do antigo mosteiro foram sendo
recobertas por areia e pedras.
2. Os estudiosos geralmente identificam os monges de
Qurnran com os essênlos, de que falam Filão de Alexandria
(t 44 d .C .>, Flávio José (t 100 d .C. aproximadamente) e
Pllnio o Ancião (t 79 d . C . ). Eis, por exemplo, o que a respeito
dos essênios refere Plinlo o Ancião. naturalista o goografo
romano:
"A margem ocidental dO Mar Morto, lora di alçada da Innu6ncla nociva
daa IU8S 6gU8S, encontram.... os els6nl01. Povo solltllrlo. o mais .J:traordl-
n.,lo pOVO que exlSII, sam mulher... sem .mor, sam dinheiro, vivendo em
companhia das palinelru ... A8slm, IA h' milhares de séculos (colsl Incrl-
vaUj, subsiste uma nlça atarna em que nlngu6m nasce .. . Abaixo da mando
dos 1586nlos, situava·.é a cidade de El'IQldl •• qual 16 SI j)4de praferlr
Jtricó quanto l '.,.,llIdlde e qUInlo U pllmelr.l" (Hlsl. Nal , V 17. 4).

Mesmo que se reconheça nestes dizeres uma larga parte


de retórica, eles aproximam o leitor do. realidade histórica.
Também Filão de Alexandria deixou uma noticia sobre os
essênlos:
"Moram junlos em comunidades Iratarf\U ... HA . uma s6 caixa par..
lodos, • ali despes.. 160 comuns: comuna lia as vestes, • comuns 08
alimento". Com afello. adolaram o coslllme das ra1elçOes em comum. Um
lal recurso ao mesmo teto, ao mesmo g'naro de vida e • mesma mes.,
nOs O procurarfamOl em vlo alhures" ("Quod omnls probus" 8S).
lt certo que os habItantes de Qumran levavam um gênero
de vida muito semelhante ao que descrevem os textos acima.
Conservavam o celibato, talvez com algumas exceções (pois
no cemitério anexo ao mosteiro se encontraram alguns pouco!'
cadáveres de mulheres e crianças) . Realizavam numerosos
atos em comum: encontraram-se nas rulnas do mosteiro duas
salas de reunião, uma destinada a. sessões de conselho, e a outra
mais adaptada 'às retelcões; junto a esta, em pequeno comparo
tImento havia mais de mil pecas de cerâmica. (jarros, tigelas,
pratos, copos . . . ): os ossos de animais existentes nas proxlml.
dades Inôlcam que os qumranitas consumiam carne em refei·
ções que deviam ter índole religiosa. Descobriram-se também
oficinas entre as rlÚnas do mosteiro: carpintaria, olaria com
dois tomos, paôaria .. .. assim como um grande escritório com
uma mesa de 5 m de comprimento e dois tinteiros, onde eram
copiados os numerosos manuscritos da. biblioteca.. Não falta·

- 428-
_ .__ ••_q.P:I:~{\""y~RSÃO DOS MANDAMENTOS?
,
vam recintos para depositar vIveres (dispensa) e instrumentos
de trabalho. Ao sul de Qwnran, ou seja, no oásis de Ain-
-Feshkha, os monges tulUvavam a terra e proviam à alimen·
tação da comunidade. Todavia não se encontraram dormitó-
rios nas ruinas de Qumranj ê o que ieva a crer que os monges
- todos ou quase todos - passavam as noites em tendas ou
grutas dos arredores do grande edif1cio onde oravam e traba-
lhavam conjuntamente. Levando-se em conta o número de tú-
mulos encontrados no cemitério, que deve ter servido ao mos--
tClro durante dois séculos, julga-se que no período âureo da
oc'1Jpação monástica a comunidade podia constar de duzentos
membros.
Embora, como dito atrás. numerosos historiadores IdenU-
tlquem os habitantes de Qumran com os essêniO$, há Q1.1em
prefira guardar reserva sobre o assunto. Como quer que seja.
esses moradores do deserto eram judeus movidos de espiritua-
!idade férvida e rigorosa.
3 . Com efeito, o dia em Qumran era consagrado ao tra-
balho man1.l81 e uma terça parte da noite (o serão) decorria
em estudo de textos btbllcos e oração. O sábado era rigorosa-
mente observado, com abstenção de toda atividade profana.
Os monges trajavam a veste sacerdotal de cor branca e subm~
liam-se d1.1rante o dia a diversas abluções e banhos rituais; a
pureza exterior devia exprimir e fomentar a pureza interior.
O candidato Que quisesse anexar-se à comunidade, devia
exercitar-se durante um primeiro ano (que hoje se chamaria
cpostulantado»), ao qual se seguiam dóis anos de provação
severa. As etapas de admissão na comunidade eram assina-
ladas peta entrega da veste branca, a partlclpação nos banhos
rituais e, por fim. o acesso 11. refeição sagrada, que tornava o
canc11dato membro da comWlldade com plenos dire1tos. Antes
da admlssio definitiva, o noviço se comprometia por ~uramento
solene a cconverter-se à lei de Moisés, segundo tudo que ele
prescreveu, com todo o coração e toda a alma •.
Os bens que o novo membro possuisse, eram entregues
ao superintendente da comunidade. Caso não respeitasse as
regras do convivio fraterno. era wbmetJdo a sanções, entre as
quais a exclusão temporária ou definitiva ou mesmo 8 pena
capital.
A cOmunidade de Qumran era distribuida em grupos de
dez membros, cada um dos quais tinha à frente um sacerdote,
- 429-
la cPERGUNTE E RESPONDEREMOS» 166/1973

filho de Sadoc. O fundador dessa instituJção monástica é cha-


mado, nos documentos respectivos. cO Mestre de Justlça:t; este
foi ccl1amente um personacem de grande valor moral, que
marcou profundamente a história da comunJdade. Pouco se
!mbe a seu respeito; todavia pode-se dizer que tinha um adver-
sário _ o Sacerdote lmplo -, que devia oficiar em Jerusalém,
em conivência com os costumes helenizantes ali introduzidos.
Alguns estudiosos dos manuscritos de Qumra.n afirmam que
morreu rnãrtir, enquanto outros intérpretes pensam que teve
fim tranqüilo. parec:e certo que os membros da comtm.ldade
aguardavam o retomo desse personagem na qualidade de Grão-
·Sacerdote dos temPOS mess1ànicos.
1:: no ambiente assim caracterizado que teve origem o eha·
mado cManuscrito do Templo,.. Já. nos será mais fácil agora
passar a um exame desse documento.

3. O (Manuscrito do Templo))
Escreve o Pro!. Yadln Que tal manuscrito em 1967 lhe
chegou às mãos sob tonna de um rolo de 5 'Cm de diâmetro. FoI
aberto cautelosamente por processos especta11udos: exposto
durante certo tempo (sob vlglllncia continua) à umidade de
759'0 • o pergamInho amoleceu-se. dando finalmente uma longa
folha d~ R,6 m de comprimento e 0,1 mm de espessura. I Os seg-
mentos Que por cste processo não se descolaram ou abriram.
foram fotografados, em Infra·vermelho, u1tra·violeta e com o
tluxíllo de ralos X _ o Que posslbnltou obter informação fiel
do conteúdo do mant1S(!rlto em foco.
Este foi CElpiado por um escriba hábil de Qurnran. que usou
o estilo chamado cherodJano.; Isto quer dizer que a data de
origem de tal manuscrito oscila entre 50 a .C. e 30 d.C.; pode'
.se crer mesmo, com bom fundamento, que se;Ja. anterior a ·
SOa.C .
O texto do rolo aborda quatro temas:
1) prescr:lçóes religiosas referentes, entre outras coisas.
à pureza e à impureza rituais; o Pentateuco· (ou a Lei de

lNote-se que o mats longo doe manuscritos anterIormente dNCObertos


ara um rolo de leal.s. COm 7,30 m de comprlmonto.

-430 -
OUTRA VERSÃO DOS MANDAMENTOS? 11

Moisés) é então citado com numerosos acréscimos, omissões e


variantes Interessantes;
2} sacrificios e oCertas concernentes às diversas festas do
calendário judaico;
3) descrição minuciosa do Templo;
4) os estatutos do rei e dO' exército.
Visto que quase a metade do rolo trata do Templo, o Prof.
Yadin deu-lhe o nome de eManuscrilo do Templo:..
Vejamos sumariamente OS traços principais de cada uma
destas secções.

3.1 . Prescrisões rlhlGls

Um dos tópicos mais estranhos do manuscrito consiste em


que o autor crê - ou deseja que seus leitores creiam - que o
texto respectivo é Lei do Senhor dirigida ao povo por melo de
Moisés. Em conseqUencia, todos os preceitos são apresentados
eorno se o próprio Deus OS formulasse na primeira pessoa do sIn-
gular; mesmo quando cita o Pentateuco, o autor troca sistema-
ticamente ti terceira pessoa do singular do texto tradJcional pela
primeira pessoa. Tenha-se em vista, por exemplo, Núm 30,2,
que nos manuséritos blbl1cos tem o teor seguinte: eSe um ho-
mem fizer um voto diante do Eterno», e que no Pergaminho
do Templo é assim redigido : eSc um homem fizer wn voto
diallta de MIm». O mesmo processo (uso da primeira pessoa do
s ingular) ocorre na redação dos numerosos preceitos suple-
mentares que o aulor acrescenta por própria conta e que fal·
tam por completo nos manuscritos da Bíblia. Esses preceitos.
aliás, têm indole notoriamente sectAria e polêmica, tendendo
a opor-se às leis e normas promulgadas pelos sábios e mestres
do judalsmo of1c1a1j ~hegam a atitudes extremistas no tocante
a todas as questões de pureza e impureza rituais. Tome-se. por
exemplo, o caso de uma mulher grivlda cujo fUho venha 8
morrer em seu selo; a prop6sita diz a Michnã (legislação ofi·
cial dos ra blnos) :
"Se o IIIho de uma mulher morr.r no ....ntr. d. lua mie .. . , .sla
permanecer' pUla al6 que a criança tenha sido r.tlrada" (T,aet. !lutlln 4,3).

Pois bem; eis a proposiCão correspondente do Manuscrito


do Templo:
- 431 -
"Se uma mulher esUver grblda (m.ralmenle: cheia) • seu filho morrer
em seu ventre, eta s. r' impura como um túmulo durante todos 09 dias em
que a crIança ai ficar".

Com referênciu à casa de um defunto. o mesmo documen-


e
lO de Qumran muito mais severo do que a Michná. O mesmo
se diga a propósito de enterros e cemitérios; o autor receia que
a terra de Israel se torne Impura por causa de cadáveres;-pelo
que preceitua o seguinte:
" Nlo segulr's os çostumas doa gentios, que enterram seus morlos em
toda pane, mesmo em suas e.su. ReservarAs lugares espeçlab da!> tuu
terra. para enlerrar leus mortos: deslgnar6s ess~ lugares entro quatro
cidades" .

Normas de semelhante índole são formuladas com vistas


aos leprosos, aos trôpegos, às relações sexuais e ao tlpo de re·
clpiente nos Quais as oferendas deviam ser levadas ao Templo.

3.2 . Festas e $cmiflclos

Grnnde parte do rolo é dedicada a pormenores da cele-


bração das festas e dos sacrifícios que nelas se devem oferecer:
além de Pâscoa. Tabernáculos. Pentecostes, Expiação, o autor
prescreve as festas do «vinho novo, e do «óleo novo:.. Em
alguns tópicos esta secCão Sê afasta dos costumes do judaismo
tradicional.

3 .3 . O Templo

o autor do Manuscrito, exprimindo, aliás, o pensamento


dbs monges de Qumran, julgava Que o templo existente em
Jerusalém (construido após o exilio de 587-538 a .C.) não cor-
respondia às ordans de Deus. Por isto propõe. em nome do pró·
prlo Dcus ( <<Tu furas ... , Tu construirás ... :D), Instrucõcs mi-
nuciosas sobre n maneira de construir e ornamentar um novo
Temploi nisto segue o estilo de ::E;:xodo 25-30. Difere, porém, de
todas as normas atinentes à construção do primeiro Templo
(por obra de Salomào no séc . Xl e do Segundo Templo (por
obra de Zorobabel c Josué nos sêc. VI/V); afasta-se, pai!;,
dos livros dos Reis I, das Crônicas, de Ezequiel e da Michnâ. O
autor pareca Querer transmlth" aos seus leitores o estatuto du
- 432 _
OUTRA VERSÁO DOS MANDAMENTOS? 13

construção do Templo, desaparecido, mas mencionado em


1 Crõn 28, 11~19 :
"Davi deu a Salomlo, seu Ulho, OI pleno. do põrtlc:o e d .. consll'\lç6es
.. . e disse: 'Tudo ISlo se encont,. expf»lo nllm ..crllo de mio do ltemo"'.

Esse escrito da mão do Eterno, entendido como rolo ma~


terial, era procurado pelos antigos judeus, que o julgavam desa-
parecido. Ora o autor do Manuscrito do Templo o terá descober-
to e revelado aos seus leitores .
o novo Templo preconlzado pelo monge-escrito de Qum-
ran 6inda não seria o Templo definitivo, pois deveria ser feito
por mãos humanas, ao passo que o Templo escatalóglco e de-
finitivo seria obra cfelta sob m~daJo pelo próprIo Deus «DO
dia em que criarei eu mesmo o meu Templo».

3 .4 . Os estatuto. do rei e do eXMcllo

A quarta secção começa com a citação de Dt 17,14:


"Quando tiveres entrldo ne terra que o Senhor leu Deus te h' de dlr
• Ilvtr.. tomado posse dela e ar te estabeleceres, se entlo dlSMres: 'Ouero
ter sobre mim um rei como o 16m todos os povos que me rodeiam', porta
sobre ti o rei que o Senhor teu Deus Uver e,colhlclo" .

Este texto blbUco dA entrada a dois temas que, neste


particular, Interessavam especialmente ao autor: o corpo de
guardas do rei e os p1anos de mobiUza~ão das tropas a ser
adotadas cada vez Que 8 terra de Israel estivesse ameaçada de
guerra de extermínio.
Quanto 'ao corpo de guardas, o Senhor manda, confonne
o autor, que seja constituído de 12 . 000 SOldados (mil de cada
tribo de Israel) . Sejam .homens verazes, tementes a Deus·
que tenham ódio a beneficios injustos». A finalidade principal
dos guardas do reI será a de proteger o rei e sua esposa. cdJa
e noite» para que não caiam em mãos aos gentios. O manus-
crito prescreve a pena de morte para todo homem que traia o
povo de Israel ou dê informa.ções ao InimIgo. Em suma, o autor
inspirou-se em :ex 18. mas fez seus acréscimos aos estatutos
bíblicos, a fim de atender à polltica do. época em que escrevIa.
A moblllzaCão das tropas de Israel é concebida segundo
os diversos cosos Que possam ocorrer.
-433 -
Assim, por exemplo fluando o rei percebe o perIgo prove-
niente de um inimigo «que se queira apoderar de tudo o que
pertence a Israeh, deve mobilizar a décima parte das forças da
nação. Se o Inimigo é numeroso, a Quinta parte deve ser cha·
mada à Juta. Se o inimigo vem ccom seu rei, seus carros, em
grande multJdão~, uma terça parte dos defensores da nação há
de ser mobIlizada, enquanto dois terços ficam no pais para p.llr
teger as c1dades e fronteiras deste, impedindo que cum bando
de inimigos penetre no interior do pa.ls~. Todavia «se n batalha
for furiosa. , o rei mobiliZará a. metade das suas Corças de guer·
ra e a outra metade ficará nas cidades para defendê-las!

Eis, em síntese, o contcudo do apregoado cManuscrito do


Templo• . Como se vê, não se refere ao Decálogo ou aos Dez
Mandamentos da Lei de Deus promulgados por MoiséS; os
judeus eram demasiado ciosos da fidelidade ao texto bibllco
para o retocar. Os preceitos abordados pelo autor de Qumran
são concernentes a ritos e particularidades das observâncias
judaicas. Contrariam, em parte, -aos costumes vigentes do ju-
dalsmo oficial dos séc. I a. C . - I d. C .• em oposição aos sa-
cerdotes e mestres de Jerusali~mj estes seriam profanadores
e tn.Idores das tradições sagradns de Israel, pois faziam con-
cessões 80S estrangeiros e helenistas que queiram impor seus
costumes e lnteresses ao povo de Israel representado pela di-
nastia dos hasmoneus. As citações do Pentateuco em redacão
retocada (primeira pessoa do singular. em lugar da terceira)
não implicam em revisão do texto oficial da Biblia em nossos
dias, pois tais retoques carecem de autorIdade.
Após o artigo do Pro!. YJgael Yadin, publicado em 1967,
no qual parece basear-se a noticia recente da nossa imprensa,
na.da mais foi escrito de novo sobre o cPergaminho do Templo•.
Aguarda-se a publicação do texto original com seu aparato
critico para uso dos estudiosos. Essa publicação terá interesse
principalmente para os especialistas em história da espirituali-
dade judaica.

- 434-
Um livro em foco;

anjos e demônios: realidade ou mito?

Em .Ilttne: o p,.•• nI8 Irtlgo apresenla o conteíldo do lI'lto de G. T.


",arei sobre os InJos. Oltada d. 1971 em lua traduçlo frln~..... obra
da abalizado autor percorre OI ' extos da Eacrltur• • da Tradlçlo cristl,
vlvamenl. I crença nos anJos), parta portlua a piedade para com Marta
dem6nlos. Tal/ard, porlllm, nola que " .. ,. tarn-tle apelJldo nol õlllmos
tlmpoo, pane por ClUla ~ exagerada "dlpurl;lo" d .. tradlç6ea crlSlh,
parte por perdI da contlto ~I flél. com a liturgia (que lempre txpr.uou
"lvamenle a crenÇII nos Inlo,), plrte porque a piedade para com Maria
tomou o lugar outrora rll.rvado aOI anjos. TodllVl. o autor Julga qUI o
Concilio <lo VaticIno 11 lançou prlncfplos d. nova valorlzaçlo da ple<lllda
Oara com OI anjos: lal ••• rlam o rllUurglmenlo liliirglco. I teenrmaçlo
da doutrlnl dos Conclllot Intlrlore, (. not. lortemenle crl.lol69lCI do V..
tlclno 11 nlo permitir' os .xlgeros de outrora no tocante aos anJos),
al,lm' como o dOlpartar da con.cléncll d. que. sal\/a;lo trazida por C....lo
tem dimensões c6!UT1lc.. • envolve também o mundo IrlntC.ndenlal dos
ujol na granda flmllla dOI filhos de Oeue.
O lellOr que de Im. dlato nlo poua p.rcorrer todo o presente IrtlgO,
111 convldldo e lar lO manol o Inciso " Aeclpltulaçlo a P.npoctl\/.... . ,
pp. "'8-450, onde .e encontra .m slnl..e o que o próprio autor G. TlVard
p,op6!l I::ol'fio ,.sultldo do, seu, esludos • refle,õe"
• • •
Comentário: A questão da existência de anjos bons e maus
(estes. com o nome de demônios) volta freqüentemente 'à tona.
A procura de uma fé adulta, liberta de concepções Infantis. leva
muitas pessoas a discutir ou até negar a realidade dos mesmos.
Anjos e demônios seriam criações subjetivas de uma mentaUda-
de hoje ultrapassada. - iRá, porém, quem oponha a esta tese
numerosas passagens blbllcas, assim como a doutrina da Tra·
dição cristã e do magistério da Igreja, que afirmam a existên-
cia dos anjos bons e maus.
Na verdade. o problema assim colocado não pode ser re-
solvido por simples asserções. A filosofia ou o racloclnio tam-
bém não é suficiente para dirimi-lo, pois o assunto é de teologia
e de fé; por conseguinte, para um crLstão, somente a partir
das fontes da Revelação Divina (S. Escritura e Tradição) a
(luestão pode ser autenticamente elucldada. Conscientes disto.
os autores nos Ultimos tempos vêm publicando estudos blbllcos

-435 -
lU ._ _.. d~J;:!119~~,q:I·:_I~_ . f!._~~N~ER~~OS:. l~~!~?!- . _ _._
conccl'ncntes aos anjos e demônios, Dentre esses vãrios escritos,
merece especial atenção, peJa. riqueza de seus dados e pela
seriedade com que os aborda, o Uvro de Georges Tavard (em
colaboração com André Caquot e Johann Michl): eLes Anges.
(coleção cHlstoire dcs dogmes., tomo ll: cDieu Trlnlté, Lo
Creation, Le Péche», fasclculo 2 b) ,t
Visto que se trata de uma das obras mais recentes e do-
cumentadas sobre o assunto, apresentaremos, nas pãginas
que se seguem, um resumo do seu conteúdo, visando assim
contribuir para esclarecer uma questão Que multo- interessa ao
nosso público no Brasil.

1. Fundamentos bíbli«õ$
o mencionado livro de Tavard consta de 245 páginas,
distribui das em sete capitulos, Que abordam a mensagem bibUca
l'eferente aos anjos e à história dessa doutrina até nossos dias
(Incluindo a consideração do pensamento dos cristãos orientais
e da teologia protestante),
A presente resenha dará ênfase principalmente à análise
biblica, que se deve a André Caquot (Antigo Testamento) e
Johann Michl (Novo Testamento).

1 .1 . A m"MOgem da Antiga T.stom.nta

o autor começa a sua exposição fazendo ponderacões


metodológicas:
"Nlo la deva procurar no A.nllgo TestlmenlO uma 'angalologla' çonl -
Illurda .m çorpo da doulrlna. O 1Il'I11;0 Israel nio tanlou elaborar um sistoma
dogm6Uco do qual a angelotogta seria um capitulo .. . Ma, nem por Isto a
engelologla do Antigo Teltamonlo 6 um simples repertório do proceder..
narrativos: 08 anjos nlo 110 .rmboloa, mas objetos de 16; os anllgol Israe·
111.. acredlll'lII'I que Deus .. IflNe dos anjos para dirigIr o mundo e 11
hlslór1., da 'lua Ele' aobtrano, fasa crlnça 6 lIealada péla. lontes mala
anllgu da RIIIg tAo iara.Ula, fi 41 preciso çonsldaré-Ia como um dos çom·
ponen'e, primordial. da .. jUdllç8. Nlo se poda relroçeder além das
fonlas pua enconlra, um. 'orig.m' da crença nOI anJos. Uma lal tenlaUva
corre o r1ICO de sar uma especullç-60 graluita, marcada pejorativamente

10 livro foi traduzidO do al.mlo para o francii\s por Maullco lolé'lre,


lendo por 1111.110 originaI "Oie Engel", na coleç-Io "Handbuctt der Dogmen-
gelcl1lcl1le", O orIgInai aparecau em 1968 nas edlçoaa Herder, de Frlburgo
(Alamanha).

- 436-
ANJOS: MITO OU HEAUOA.oE'!
. - - 17

pilo Ipr/orlsmo Ivoluclonf6lo ", O hl31orlador lias religlõcs dlVtl descre.


ver as crenço; ma. , '1 lhe 10cI lambem oxplica-rlU, ele so o pode lazer
em lunçAo das condiçOes h lstórlclS li .ocllis nas quais olas se <losen\lol-
veram, E o que tenlaremos lazer aqui no 10~3nle a angelo:o"la is.un,."
(p . 11.).

Com outras palavras : Caquot Quer dizer que a crença is-


raelita nos anjos, atestada por numerosos docwnentos blblJcos,
não M de ser preconeebldamente reduzida a ca.tegorlas de fUo--
sofia ou psicologia. que, embora pareçam ilustrar tal crenc.,
na verdade nAo se enquadram dentro da realidade histórica e
social de Israel. Ê cst..u que, !lntes do mais, deve ser evocada
para se entende!' o pensamento do judalsmo antigo,
2 . Feita esta observação, o autol' nota que quem percor-
re as tradições elolstas do Pentateuco, nelas encontra freqüen-
temente a menção do canjo do Senhor:. (mal'a}{ Yahveh) ou
dos canjos do Senhor:. (mal'aJtim Yahveh); com freqüência ela
ocorre também nas tradições javistas. Assim, por exemplo, o
anjo do Senhor aparece na versão javista da histOrla de Agar
(cf. Gên 16,'7&), como também na eJoista (cf. Gên 21,1'7). Um
anjo intervém para s uspender a imola!,:tlo de Isaque (Gên
22,l1s) , para guiar o servo de Abraão na estrada (cf. Gên
24,7, 40) e o povo posto em marcha no deserto (cf. :tx 14,19;
23,20. 23; 32, 34 J.
oanjo (IQ)'ak, em hebraioo', nas mais antigas páginas
da Biblla. é um enviado de Deus Que na terra exerce determi-
nada missão : anuncia r a vontade de Deus aos homens, guiaI
urit homem ou um povo, conjurar um perigo exortando o povo,
castigar OS transgressores da lei de Deus . . . Em suma, a pa-
lavra mal'ak deri\'ll·s e da raiz )' k, donde procede o verbo que
significa cenviarJo em diversas línguas semíticas. ~ função
de cenviado, aparece bem caracterizada pela visão de Jacó. a
quem apareceu wna escada peja qual os anjos desciam e suo
biam entre o céu e & terra.
3, Os Israelitas, na época dos reis, concebiam os anjos
à semelhança de homens. Em Gén 18 e 19, por exemplo, é rela-
tada a visita de três personagens a Abraão, que são chamados
ora bomens, ora mal'aklm , Gedeão e os pais de San:;.ão julgam
estar falando com um homem (c!, Jz 6,13 e 12,6.8). Mas
esse homem tem algo de extraordlnãrio em seu aspecto e em
sua palavra (cf. Jz 13,6) ,
, Em alguMas narrações, o anjo do Senhor e o próprio Senhor
se revezam como sujeito. de sorte Que parecem identtflear·se
- 437 -
~ij •. _ . . . . ~~Rq.Yti.-r:E_EJ..ES.P_O..Nq~REl.-~~.!....lGG/1g73 __ __ _

entre si. Note-se, por exemplo, o caso da visita dos três perso-
nagens a Abraão em Gên 185 (um deles fala como se fosse o
próprio Senhor); o aparecimento do anjo do Senhor e do pro-
prio Senhor na sarça ardente, em :E:x 3, 2-12; a vocação de Ge-
deão devida a um anjo do Senhor e ao próprjo Senhor (cf .
Jz 6,11-18).. . A contusão, nesses casos, entre o anjo e o
Senhor não é senão Ilusória; segundo as regras Iiteririas dos
antigos, O mensageiro 80 enunciar 8 mensagem de quem o en-
viou, usa sempre 11- priméira pessoa do singUlar, repetindo pa-
lavra por palavra o que o seu Senhor lhe disse. Por conseguin-
te, nos textos blblfcos citados é o anjo quem aparece e faJa, de
tal modo, porém. que o próprio Deus por ele quer manifestar
seus desígnios aos homens.
4 . Um dos títulos. que cal'acterizam os anjos nos textos
poê-tlcos, é o de beney Eldhlm, filhos de Deus. São, por exem-
plo, os filhos de Deus que aclamam o Senhor, segundo o salmo
28,1 e J638,7, como o aclamam os anjos em 51102,20 e 148,2. O
titulo evoca um motivo comum da poêSla e da mitologia dos po-
r vos de Canaã prê-israelltas; estes concebiam a Divindade Su-
prema, El, ólssentada em seu trono em melo a uma corte ou mul-
tIdão de divindades subalternas, que tinham os nomes genéricos
de «deuses_ (11m), «santos. (bD qdsf1) e etihos de eus::t (bn ilm).
A instauração da monarquia em Jerusalém deve ter inspirado
entre os israelitas semelhante concepção: Javé, o único Deus,
foi entendido como Rei elevado, cercado de sua corte de ctUhos
de Deus. (que, no caso, são OS anjos), os quais O adoram e
Lhe servem, e entre os quais Ele recruta, como um Soberano
da terra, os seus embaixadores e encarregados de missão. O
prólogo do lIvro de J6 é tlplco a este propósito, pois mostra
como Deus reune periodicamente os dilhos de DeUS;& ou anjos
para ouvir os seus relatórios (cf. Jô 1,6; 2,1).
5 . As mais antigas tradições não distinguem, entre os
anjos, personagens diferenciados uns dos outros por traços par'
ticulares. Após O exilio (587·538 a.C. ), porêm, nota-se a indi-
vidualização de Cêrtos anjo!, que chegam a ter nome próprio,
muitas veies relacionado com a função especifica que exercem.
O contato de Israel exilado com os documentos da cultura ba·
bilãnlca pode ter Inspirado wna nova maneira de representar
a corte divina, maneira mais variada e mais rica. Tenham-se
em vista, por exemplo, 8S visões do profeta Zaearlas: o anjo
do Senhor ai aparece como personalidade distinta e eminente,
à guisa de Prlmelro Ministro da corte divina, pois é ele quêm
recebe os relatos dos Inspectores que Deus enviou para visitar
- 438-
ANJOS: MITO OU REALIDADE?

a terra (cf. Zac 1,11); ele dispõe de certa autonomia, em vir-


"
Lude da qual intercede em favor de Jerusalém (cl. 1.12).
6. A evolução da doutrina dos anjos entre os juaeus
posteriores ao exUlo ê tipicamente Ilustrada peja figura do
aDjo.a.dvenárlo. No prólogo do I1vro de J6, um dos filhos de
Deus tem o designativo Satã (em hebraico, adversário), nome
comum precedido de artigo. A funçio é a de acusador de J6 e
esplãl) dos homens. Tal fl1n~o é pOuco simpática, mas _ note--
·se bem - o anjo só a exerce em consonância com Deus; mes-
mo quando submete JO à prova, SÓ o faz com a permissão do
Senhor. - Papel semelhante cabe a Satã em Zac 3,15: tem
por vitima o Sumo Sacerdote Josué-, que representa a comuni-
dade judaica após o exlllo; é rejeitado peles anjos do Senhor,
defensor do povo.
No tim do séc. IV a . C., duzentos anos após Zacarias, re-
gistra-se nova etapa da evolução de conceitos; em 1 Cran 24,1,
Satã já é nome próprio (sem artigo): designa o anjo que leva
Israel ao mal, poiS inspira a Davi o recenseamento do povo.
contrariamente à vontade de Deus; em conseqüência, a peste
sobrevém a JenlSaJém. O texto paralelo, e muito anterior, de
2 Sam 24 atribula diretamente ao Senhor a provocação de Davi
ao mal (o que se entendJa outrora pelo tato de que os antigos
viam '8. causalidade de Deus a agir em tudo, sem dIstinguirem
entre vontade e pennJuão do Senhor).

Por fim, no séc . [a .C . , a figura de Satã, inimigo de Israel,


aparece como a do Inimigo do gênero humano, pois ao Ild!áoo..
los» (;:;;: acusador. em grego) é atribulda a introdução da morte
na história da humalÚdade (cf. Sab 2,24).
7 . A tendência a caracterizar os anjos se mnrúiesta tam-
bém na atribulcão de nomes próprios a esses servidores do
Senhor: assim no llvro de Tobias o anjo que cura, é chamado
Rafael (cf. 3,16) - o que signifIca «Deus (El) curou.. ~ Ga.-
briel (= homem. de Deus) ê o intérprete das visões de Daniel
em Dan 8,16; 9.21 ; c MIguel ( = Quem ê como Deus?) é o patro-
no e defensor do povo judeu.
S . Fora dos llvros canônicos da Biblia, ou seja, na vasta
literatura apócrifa dos judeus, a crença nos anjos inspirou
longas divagações, dependentes de gêneros literários dtversos.
pt·jncipalmente do apocallptico. Também os escritos ortodoxos
do judalsmo, encerrados no Talmud dos rabinos. fazem alusões
-439 -
~ __ .. ___ ..!.PEB-GU NT~ ~_{t-':~ª-eo.tJ!>~!l~~~OS ,. .1.GG/1973 _____

freqüelltes aos unjo~. O mesmo se diga no tocante aos docu-


mentos de Qumran. - Ao lado destas fontes doutrinárias, exis-
tem numerosos documentos mágicos judeus, aramaicos e gregos,
que recorrem aos anjos e à sua intervenção; assim a angelo--
logia dos judeus entrou no sincretismo helanístlco. O recurso
mágico aos anjos benfeitores e malfeltores explica que se te.
nham multiplicado, segundo o gosto fantasista dos interessados.
os nomes próprios dos anjos, nomes Que figuram nos papiros
populares dos primelros séculos do Cristianismo, como também
na KabaJa dos judeus e na literatura islâmica .
Na IIlaratura JudaIca ulra-blblicll dos últlmos séculos entes de Cristo
e dos prlm.IRls "cul" da er. crlstl, os escritores, a 11m de melhor al-
v.guardar a transcendência de OeUl, admitiam multiplicadas InteNenç6Q
doa anJoa n. tarra, A funçAo dos anjos IIcou aendo. por 8Kcelêncl., o
viço a Dau.; OI anjo. presIdem, conlonne tal mentalidade, t marcha dos
"r-
ostro. ao mar, • chu ...., t geada, ao deatlno da naçees, .• ; transmitem
a Oaus as oraçOts dos homens e prestam outros slrvlços da mldlt&çlp.
A figura de Satã Cai tomando jmportâncla crescente, o
Que se depreende dos vários nomes que se lhe atribulram: -.:anjo
das trevas,. (no Rolo da Regra de QUIl'lt'an), -.:Mastemb (Qum-
ran e Livro dos Jubileus), .:seUal,. (Qumran. Martirlo de lsaias.
Testamento dos XII Patriarcas), -.:Sarnueb (Apocalipse grego
de Baruque) . , . O Talrnud babilônico. Sanedrim 38b, e a apó·
crlfa ..VIda de Adão e Eva:t 12-16 explicam a perversão de Satã
pela hipótese de que se tenha revoltado contra. Deus no mo--
mento em que o homem foi criado.

Ora precisamente 3. figura de Satã ou do anjo mau aparece


a muitos estudiosos como elemento suspeito nas concepcôes
judaicas. Lembra·lhes a religião persa, segundo a Qual existem
dois Principias antagõnicos para explicar o bem e o mal sobre
a terra; os judeus, durante c após o cx.ilio (587-538 a .C . ). teri-
am assumido o conceito persa do Princípio mau, dando-lhe co--
lorido israelita . .. A esta tese observa André Caquot o seguinte:
"O Antigo Testamento considerava os anjos como çapazes de desobe·
dlêncla orgutlloSl ... Slgundo o modo d. pensar dos antigos IsraelUas.
exlstlem lar.. .uperlores ao homem, que de...l.m, â semelhança do ho-
mem. optar entre duas ... Idas: a .ubmlsslo, o serviço e a vida. ou a desme-
dida, a rabe 1110 • e decadtl'lt:la. Ao anoelologia assim 58 Integra na reli·
Vila I"aollta, cuja eslRltur. fundamental nunca foI modificada pelas co"..
trlbulçOas •• trln.ecla. Ap(ls. A. Kohul. e escola dita de 'hlst6r1e das reli·
gI636' Inalstlu lobre a Inllu6ncle. lida como prepondarante. que o Iranlamo
teria exercido sobre o dasenvolvlmento da angllologla Judolca. Na verdade,
0" a,l,o_ CIo juoa.emo r,"o podem "er compa a005 80l!- ·imOltals benlazlJ"Joa'
do mudo/amo. A....llres da. antIgas dl ...lndades lunçlonais do paganismo
Iranianos rl8bSorvlda$ om Ahut8 Malda, os arcanjos zo~oaslllano! (l10

-440 -
ANJOS: MITO OU REALIDADE? 21

alp8Gtoado Deu. Onleo. ao pano Que os anjos do 'udal.mo do criatura


do Sanho'" (p . 28t).

, .2. O Novo TeNOme"t•• StIII mtntagtir05

A semelhança dos livros da Antiga AlIança, também os da


Nova Aliança não contem ensinamento sistemático sobre os
anjos e os demônlos. As suas afirmações a propósito têm por
base 8 tradição bibllca e extra·b(bUca do judalsmo. centradas,
porém. em tomo da Idéia fundamental do Novo Testamento:
Deus enviou o Messias ao ' mundo, de sorte que o Reino de
Deus, aguardado outrora., já tem inicio germinalmente na. rea-
lidade presente.
A variegada mensagem do Novo Testamento concernente
aos anjos pode ser compreendida sob três titulas:

a.1 O, antOI CI ..mso de Deu, e doi homens

Os anjos constituem o mundo ce1este (cf. Lc 15,10), onde


assIstem a Deus à guisa de multidão Incalculável (cf. Hebr 12,
22; Apc 5.11).

Desde o inl~lo da era messiânica, intervém freqüentemente


na história como servidores de CrIsto. Anunciam a conceição e
a natividade de Jesus a Maria (Lo 1.2&.38), a José (Mt 1.20s1.
aos past(lres de Belém (Le 2.9-14), Servem ao Senhor n(l deser-
to (Me 1.13; Mt 4.11) ; reconfortam-no no jardim das Ollvelru
(Le 22,43). Anunciam a sua ressurreição dentre OS mortos
(Me 16,6i Mt 28,Ss ; Le 24.5-7j Jo 20.13). Aparecem. ainda na
cena final da vida de Jesus; anunciando aos Apóstolos a segunda
vinda do Senhor recém·elevado aos céus.

Embora desempenhem papêl importante na vida de Jesus,


os anjos estão subordinados a Cristo, pois eforam criados peJo
Cristo e para o CrIsto. (CoI 1.16; cf. 1.20; Ef 1,10).
Alguns anjos tazem as vezes de mensageiros celestes jun-
to aos homens, Cf. Mt 1,20; 2,13.19; Lc 1. 11.26~ 2,9; At
8,26; 10,3; 12.7-10; 27,23; Mc 16,55; Jo 20,12. Vêm ao encontro
dos homens em apuros e angústias; cf. At 5,19; 12,7·11; 27.238.
Em suma. 8. carta aos Hebreus os chama «espiritos encarrega-
dos de um ministério, enviados a serviço daqueles que devem
herdar a salvação:» U,14).
-441-
22 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS) 166/1973

Embora mereçam grande estima da parte dos homens, não


se lhes deve prestar cuJto supersticioso ou afim à mitologia ;
cf. Cal 2,IM; Apc 19,95; 22,Ss.

Ê no Apocalipse que os anjos aparecem com o máximo de


freqüência, exercendo missões diversas, que Deus lhes confia.

bI Outros seres CitleltlcUs


... -
As cartas de S . Pedro e S . Paulo mencionam seres celes-
tiais intennediárlos entre Deus e os homens. que têm os nomes
de «virtudes:. (dynámeisô cf. Rom 8.38; 1 Cor 15,24; EC 1,21.
1 Pe 3,22), «potestadcs:. exoUSÍ1Ú õ cf. 1 Cor 15,.24; Ef 1,21;
3,10; 6,12; CoI 1.16; 2,10-15; 1 Pe 3,22), «principados:. (Brxat.
cf. Rom 8,38; 1 Cor 15,24; Et 1,21; 3,10;6,12; Col1,lG. 2,10-15) ,
cdominacÕes (kyriowtes; cf . Ef 1.21; Col 1,16), «trono,»
(t:bJ'6noi; cf. CoI 1,16). Não se pode indicar com certeza a
razão de tais designações; poderiam significar abreviadamente
09 anjos do pode.. de DeU8, os anjos do dominlo de Deus, os
anjos do trono de Deus; expl'imiriam assim a relação dos ano
jos ao poder, à nutoddade, à soberania, ao trono de Deus . . .
Como quer que seja, esses seres (oram criados peJo Cristo e
para o Cristo (CoI 1.16); Este ê o Senhor de todas as crJaturas
na terra e no céu (cf. Col 2,15-17; Ef 1,205; 3,10; 1 PI:! 1,12.
3,22) . Os «principados:. e as «potestades, reconhecem na Igreja
de Cristo a sAbia realização cio des.lgno de Deus em favor da
salvação dos homens (cf. Ef 3,1<0; 1 Pe 1,12).

Multas passagens do Novo Testamento dúo a entender


que os seres celestiais aqui mencionados são fiêis a Deus e
ministros dos dcsignios divinos. Todavia não faltam trechos que
lhes atribuem traços demoniacos : Deus, por exemplo, pela
morte de Cristo, arrebatou o poder aos principados e às potes-
tades, tratando-os como inlmlgos vencidos (CoI 2,15). Embora
nem os anjos, nem os ' prindpados nem as potestades possam
separar do amor de Deus o cristão (Rom 8,38s), este deve
lutar contra os principados e o.s potestades, que são senhores
do mundo sujeito ao poder das trevas (cf. Ef 6.12) . São espí-
'ritos do mal, posto em relacão com o diabo (Ef 6.115; 2,2). Esses
esplritos maus perderão sua posslbiUdade de agir no mundo
quando Cristo concluir a obra da Redenção, sujeitando a si
tod.a.s as criaturas para entregá-las n Deus Pai (cf. 1 Cor
15,24) .

- 442-
____________ ~~N~J~OS~:~M~lTO~~O~U~RE~A~U~D~A~D~E~'__________ ~
o antagonismo de tais seres celestiais ao plano de Deus e
ao bem dos homens não é cJaramente elucidado pelos textos
b1blicos. O tato de algwlS se mostrarem fiéis a Deus, enquanto
outros se lhe opõem, poderá ser expllcado, como no caso dos
anjos propriamente ditos, por uma opção livre e perversa Que
principados. dominações, tronos . .. fizeram no inicio da sua
história.
Not.c-se que principados. potestades, tronos.... comI)
também os querublns e serafins do Antigo Testamento, jamais
são chamados canjos:t nas Fscrtturas. - Isto se expUca pelo
tato de que canjo:t é nome derivado da fwlçã.o exercida por
certos seres celestiaJsj estes são ditos anjos quando fazem as
vezes de emissários ou mensage1ros. Todavia. os nomes diver·
sos das crl4turas celestiais MO nos obrigam a crer que tenham
naturezas diferentes; a Tradiçáo cristã sempre viu nos seres
celestiais de que faJa a Escritura, uma só grande categoria de
criaturas.

c) Safã. o retrtO dos demanlos

1. Sabemos que a figura de Satã ou do diabo. adversário


de Deus e dos homens retos, aflorou à consciência do judaIsmo
no livro de Jó. isto é, após o exlllo (587-538 a.C.). Foi reto-
mada pelo Nov(I Testam~to.

Satã assume ai outros Domes: Beliar ou Be11aJ (cf . 2 Cor


G,15); Beelzebul ou Beelzebub (el. Me 3,22; Mt 10,25; 12,27).
e «o MalIgnoJo (Mt 13,19j Ef 6.16, 1 Jo 2,135; 5,18), .0 prlnclpe
deste mu.ndo~ (Jo 12,31; 14,30: 16,11), cO Deus deste mundo~
(2 Cor 4,4), co Dragão~ (Apc 12,28). c& Serpente Antiga~
(Ape 12.9; 20,2. em alUsã.o a Gên 3) .

Satã está cercado de anjos maus ou demônios. IObre OS


qual, reina; el. Mt 25,41; Me 3,26; 2 Cor 12,7; Apc 12,7.
Esses esplritos maUgnos tendem a prejudicar o homem, pro-
vocnndo mutLsmo (Me 9,17.25; Mt 9,32), surdez (Me 9,25; Mt
12,22;- Lc 11.11.), cegueira (Mt 12,22) e outras enfermIdades
(Le 13, 11). -Nem todas as doenças, porém, são B.tr1bufdas di-
retamente ao demônio. embora, em últbna anâllse. sejam tidas
como obra do Diabo (cf. At 10.38).
Os maus esplritos podem atormentar os homens (cf. Me
5,5; 9,18) e manlpuJé.-Jos como instrumentos sem vontade (cf.
-443 -
:24 «PERGUNTE E RESPONDEREMOS $ 165/1973

Me 1,26; 5.3-7; 9,18-26; Lc 4,35; 8,29), tornando-os como que


dementes (cf. Lc 7,33; Jo 7,20; 8,48s, 52; 10,20), Tal é o estado
·que se costuma chamat' «posseSSão diabólica».
Quem diz Satã, diz pecado: «:0 diabo é pecador desde a
origem. (1 Jo 3,8). O homem que peca, faz as obras do Diabo
Ob.) .
2. Ê em particular contra Jesus que o demônio se arre-
messa. Tentou o Senhor no deserto (cf. Me 1,13; Mt 4,3-13) e
.Qcometeu-o por ocasião da Paixão. Com efeito. ao terminar o
relato das tentações. S. Lucas escreve que co demõnio se
afastou de Jesus para voltar no tempo marcado. (4,13) ~ Satã
«entrou.. em Judas antes que este fosse tramar a entrega de
Jesus (Le 22,3s) . Nesta perspectiva, S.Lucas cita as palavras
.de Jesus a Simão Pedro; «Simão, Simão, eis Que Satanas vos
reclamou para vos joeirar como o trigo. (Lc 22,31),
São João, mais ainda do que São Lucas, descreve a Paixão
do Senhor como combate contra o Maligno, O conflito entre
Cristo e Satã tem inicio quando o Senhor se manifesta em
público: os judeus, Que se fecham à Palavra de Jesus, ctêm
por pai o diabo~ (Jo 8,44; cf. 8,38.41); é Satã quem inspira a
Judas o desígnio de entregar o Mestre (cf. Jo 13,2) ; entra em
.JudM depois que Jesus dá a este um bocado de pão (Jo 13,27).
- A Paixão de Jesus vem a ~r co julgamento deste mundo.~
pelo qual cO Prlncipc deste mundo. é deposto (Jo 12,31);
.quando Satã agride Jesus padecentc, cnada pode contra Ele.
(Jo 14,30). O Espírlto Santo dá a saber que pela morte de
.J esus co Príncipe deste mundo foi condenado. (Jo 16,11) .
3 . Embora o Maligno haja sido vencido em principia
pelo Senhor J esus. ainda lhe ê concedida a faculdade de per~
seguir os dlsclpulos de Jesus e a Igrej a. Tenha·se em vista,
por exemplo, a parábola do joio que o inimigo lança em meio
ao trigo (Mt 13,39) . São Paulo sabe que Satanás está em ação
quando seus planos de viagem siio entravados (1 Tes 2,18) ,
Quando sofre wn aguilhão na carne (2 Cor 12,7), quando o
·erlstão se entrega a desordens sexuais (1 Cor 7,5) ou recusa
reconcillar-se (2 Cor 2,11). Segundo São Pedro, cO diabo, como
leão a rugir. anda tm torno. procurando a Quem devorar~
(l Pe 5,8).
Os escritos dos Apóstolos lembram ainda que existem espí-
ritos sedutores, os Quais afastam os homens da verdadeIra fé
(l Tim 4,1; 1 Jo 4,6), disseminam falsas doutrinas (1 Tlm 4,1)

-444 -
25

e uma sabedoria diabólica (Tg 3.16). Nos últimos tempos exer-


cerão ação especialmente enérgica para provocar 8 apostwlla
dos discipulos de Jesus (1 TIm 4,1; cf. 1 JQ 4,1-6; Apc 16,138).
O Apocalipse descreve em cenêrlos ricos de imagens o confilto
entre Satã e a Igreja, conflito Que termina com n ruina de-
rinitiva do Maligno (cf . Apc 20,7-1OJ .
4 . Os escrJtos do Novo Testamento não Identificam. for-
malmente cOS anjos do diabo,. e cOS demônios». No decorrer
dos tempos, a teologia passou a considerar os demônias como
anjos deca1dos. Os primeiros cristãos perguntavam qual seria
a origem do diabo. dos seus anjos e dos demônios. O Novo Tes-
tamento não fornece resposta clara; apenas em algumas passa-
gens refere-se ao pecado de certos anjos e ao castigo corres-
pondente (cf. Jud 6; 2 Pe 2,4) . Na verdade, admitir que Deus
tenha criado anjos maus ê incompativel com a imagem que a
Bfblla apresenta do Senhor Deus; por conseguinte, se aqueles
existem, só podem ser espiritos que Deus criou bons, mas que
se desviaram do Criador c se perverteram. Como e quando se
deu essa queda? .. Eis questões a que a. Escritura não dá res-
posta clara.
Em conclusão desta rápida anãtise do Novo Testamento,
observa Johanrt Mlehl:
"Seria OclOIO querermo, .,.. "I.no. sobre a Escritura para construir
um alstem. de angelologla ou demonologia blbllça. Todavia o que a Blblla
diz, podH1Os dar Idêl. d.. potências que o homem clllve levar em conta
no seu relacionamento com Oeus , masmo qua ala nlo .alba multa col.a
$Obre a naturela pr6prla e a atlvldada da. sa, potências" (p . 48) .

2. Tradição cristõ
No decorrer da história do Cristianismo. a fê nos anjos
professada pelos textos bibllcos foi sendo objeto de aprofunda-
mento. Este não esteve Isento de desvios e aberraeõe9, que a
consclência da Igreja denunciou oportunamente.
Abaixo realçaremos al)@nas um ou outro tópico da hlst6-
ria da crença nos nnjos após os es~rltos do Novo Testamento.
1. Nos primeiros séculos, o agnosticismo e 8 filosofia
neoplatônlca sugeriram Interpretações não cristãs da doutrina
dos anjos. Estes seriam emanações da substância divina - o
que redundaria em professar o pantelsmo, em lugar do mono-
telsmo blblico.
-445 -
2G ..,PEIlGUNT8 E Rt.:SPONlJl::REMOS~ l(j(j) 1973

o chamado «origenlsmo. (sec. III·VI) é autra expressão


de abuso dil filosofia neopJatõnlca no Cristianismo: os discípulos
do famoso mestre Origcnes de AJe~ndria (t 254) conceberam
os homens como esplritos preexistentes (ou anjos) que se en-
carnaram em oonseqüência de um pecado pré-cósmlco; est a-
riam sujeitos à lei dil reencarnação; no fim da história os es-
píritos maus voltariam ao seu estado htlclal de fidelidade a
Deus (tese que Giovannl Paplnl, há decênlos, renovou na Itália).
2. A questão da espiritualidadc dos anjos custou a sei'
dt.'Vidamcnte penetrada pelos cristãos. A filosofia cslóicil tendia
a identificar realidade c matéria. Dal admitirem muitos cristãos
que os o.nlOO, por serem reais, tinham um corpo (ainda que
sutil) .
3. Próxima a esta lese está a suposiCão de que o pecado
inidal dos anjos foi o convivia carnal com mulheres, con"ivio
do qual teriam nascido gigantes. Esta senteflf;a jã era professa-
da pelos judeus anteriores a Cristo, que julgavam poder funda-
mentar seu ponto de vista na secção de Gên 6,1-4: Os «filhos
de Deus» (anjos) se uniram às filhas dos homens (mulheres);
em conseqüência, gigantes habitavam sobre a terra antes do
dilúvio. . . - De passagem, diga-se que tais idéias não repre-
sentam a autêntica exegese do texto biblico citado.
4. O pecado dos anjos é explicado por S. Tomás de
AqUino e sua escola como sendo o de soberba, a falha mais
compatlvel com a natureza das criaturas espirituais.
5 . O dualismo maniqueistn teve sua repercussão na ma-
neira de se conceberem os anjos maus ou demõnios, principal-
mente na penlnsula ibérica dos séc. IV-VI. O diabo foi tido
como ser não criado por Deus, mas oriundo das trevas; seria
' 0 prindpio substancial do mal. O diabo e seus demônios seriam
os plasmadores do corpo humano no seio materno; toda carne
viria a ser obra dos anjos maus. Tais Idéias f oram condenadas
pelo Concilio de Braga (Porlugal) em 561.
6 . Os teólogos procuraram coordenar de maneira siste-
mãt1co. as diversas designações com que aS. Escritura se re-
fere aos seres celestiais. O principal mestre nesta tarefa foi
Dionisio o AreopagiLa no séc. VI. Em sua obra cSobre o. hie-
rarqula celeste». este autor admite nove coros de seres c'mes-
tcs (ou anjos, em sentido amplo) distribu!dos por três ordens:
1) Serafins, Qucl'ublns e Tronos; 2) Dominações, Potestaaes
e VIrtudes; 3) Principados, Arcanjos e Anjos.
- 446-
ANJOS : MITO OU REALIDADE? 21

Esta classificacio dos anjos tornou·se comum na teologia


cutóllca, mas não f! de fé.
7 . A crença nos anjos bons e maus tomeu tre.ços popUJa·
res c fantaslstas na Idade Média, principalmente nos sk. XIV
c XV, que foram períodos de decadência inteletual; a magia.. a
bruxaria, as crendices então se desenvolveram, deturpando as
concepções bibUcas e teol6gicas que os grandes mestres escoJAs..
ticos do séc . XIII haviam cuidadosamente elaborado.
8 . Frente às teses manlqueistas Que campeavam por
o.,ão dos câtaros ou albJgenses da. Idade Média. o Conc1lio do
Latrão rv em 1215 em1tiu «wna declaração que ficou sendo aU
nossos dias o documento oficial mais soJene da Igreja no t0-
cante aos anjos e demônios, (Tavard, obra analisada. p. 154).
Ei-Ia em tradução vernáculo ;
"As Ir6. P..soas Divinas alo um pril'lclp,lo único de lodas as .colus,
Criador de IQdOll os sere. vlalvela e InvlalveJe, eaplrltuals e corporais. Por
sua força todo-poderosa, desde o Inicio do 1empo, ctlou slmullan.,mente
a partir do nada uma e outra crlatur., a espiritual e a corporal, Isto" OI
anjos e o m\mdo terrastre: depole criou a criatura humana, que consta da
espl/Ho e corpo. O diabo e OI oulros demOnlOl fontm por Oaus çrlaclos
naturalmente bons, mas por 1i mesmos sa tomaram maus" (Oenzlnger-
·Schónmet:zer, Enqulrldlo 800 ['(28]).

Comenta Tavard:
"$ti queremos lavar em conta o contexto histórico Imediato, poOemo.
alltmlr I plena autotldld. do Conefllo no loeante .lOS pontos segullim :
1) As criaturas eaplrllull. fotam criadas pela o",po'6ncll de DeVI;
o ato criador asllm .. opõe .. amanaçlo:
2) a crlaçlo comaçou no lampo, contrarlamante • Id61e da ume cria-
çlo e'ema:
31 loda. 1$ criaturas foram criadas boa.;
.c) alguma. dantr. elu lomaram-se mas por própria IniclaU."a" (p. 155).
9. A toologla dos orientais separados de Roma conservou
a crença nos anjos. bOns e maus até nossos dias, exprlmlndo-a
de maneira enfática mormente por ocasião das celebrações U-
túrglcas.
10 . Quanto às denominações protestantes, a pa.r:Ur do
séc. xvm começaram a pôr em xeque a exiStencla dos anOS
bons e maus como sendo dogma «paplsta:t. Esta atitude se
pode explicar por dois fatores:
- 447
28 PEnGUNTE I·; RESPONDEREMOS:. 16fi/ 1973

- a car~ncia de celebrações litúrgicas, entre os proles-


tantes, acarl'etou a05 poucos o apagamento da crença nos
anjos, pois estes foram constantemente tidos como participan-
tes da sagrada Liturgia, no decorrer dos séculos. Os sacramen·
tos sempre foram a ocasião de se arirmal' e alimentar a con-
vicção de que os anjos estão presentes aos homens ;
_ 0$ progressos das ciCncias exatas, bem como os da socio-
logia, antropologia, psicologia . . . , contribuiram para dissipar
afirmacões supersticiosas e Colclóricas do povo cristão. Muitos
fenômenos, outrora explicados por recurso ao sobrenatural,
foram reçonhccidos como acontecimentos naluI'ais. Esta des-
mitização foi levada ao extremo de se negar a pl"Ópria existên-
cia dos anjos bons c maus.

3. Recapitulação e perspectivas

Ao conjunto dos sete capitulas, cujo conteúdo acnbamos


de apresentar sinteticamente, Georges Tavard. acrescenta ai·
gumas reflexões com o titulo «Recapitulação e perspectivas».
'v-ISto que constituem uma das mais importantes secções do
livro. transmJtlrnG-Ias aqui na. integra:
"A fé na existência de anjos bons e maus faz parle do
dogma católico; Isto é evidente. Ela estÁ contida na S . Escri-
tura; é pro.clamada por Concllios ecumênicos, confirmada pelo
consentimento unânime dos Padres da Igreja e ensinada por
todos os leólogos .
A formulação oficial desta verdade hoje ainda está no
ponto em que a deixou o 49 Concilio do Latrão em 1215 . O
19 Concilio do Vaticano em 1870 co nfirmou a definição do
Latrão relomando~a na sua ConsliluiçAo solene De Flda Ca-
tholrca . ..
O aprofundamento teológico da fé nos anjos e nos demô-
nios não realizou progresso algum desde o fim da Escolástica'.
Isto se deve, sem dúvida, ao fato de que, comparada com os
problemas modernos, a angalologia não se reveste de mui
grande importAneia . Os te610gos ocupam-se naturalmente

I Para Tav.rd, li EscolAsUclI se eslande alé o séc. XV II, sendo Fra n-


clICO SuareI. S . J. (1548-1617) o último .e610go da Esco la que e la cita o
estuda,

-448 -
_ _ ____ _ _ _ ANJOS : MITO OU REALIDADE?

com questóes que constituem o campo de visto dos seus


contemporAneos. Por Isto voltaram sua atenção para probl.
mas mais urgentes do que os dos anjos e demOnlos. Por
muflo compreenslval que islo seja, acarreta um perigo: o espi-
rUo naturalista e racionalista dos tempos modernos poderia
Introduzir-se se nio .como tal na teolog Ia. ao menos talvez na
atitude prática dos fié is. A enclcllca 'Humani gener!s' de 1950-
parece ter formulado esse receio. pois ela lamenta que alguns.
'se perguntem se os anjos são seres pessoais'. Já no decurso
do séc . XIX, muitos Conclllos provinciais haviam sentido 8
necessidade de recomendar ao povo maior veneração dos.
an)os 8, em particular, dos anjos ela guarda . Obras de 18610--
gos e escritores leigos, nos tempos modernos. chamaram d.,..
novo a atençio para a existência de SatA como ser pessoal.
perverso'.

Nossos sistemas ou nossos cursos de teologia nlo apre-


sentam mais tratados de an981010gla de grande relevo . Tam-
bém o lugar que os anjos ocupam na vida católica é cada
vez mais reduzido. Para esse estado de iColsas. parece que
se podem apontar três razões principais:
- Os leigos se tornaram cada vez mais estranhos à litur-
gia celebrada em IIngua sacra - o que lançou um véu sobre a
presença familiar dos anjos evocada pelos textos litúrgicos .
- Os progressos da mentalidade moderna deram ocasiao.
a que se originasse o ceticismo no tocante a certos pontos da
angeloJogla que não fazem parte da Revelação proprlamenle:
dita .
- Por último. na piedade popular, Maria tomou aos pou-
cos o lugar outrora reservado aos anjos .

A renovaçêo litúrgica Inaugurada no mundo Inleiro pelo>


Concilio do Vaticano ti é, sem dúvida, capaz: de revalorizar de-
certo modo a piedade para com os anjos; o uso do vernéculo
permitiré melhor compreensão do lugar que os anjos ocupam

I Ver prinelp.lmenle ·'Satan·', em ,·~tud" Cann'lltalnes". Burges-Pa".'


1MO; A, Winkethof.r, '"Dle Well d.r Engel " (EIII I s. d .1, Id . , ' írlllrtat Ober.
den Teuf.!" (Frlnkfun 1962).
S. bem Que I obra de Glovlnnl Peplnl InUtulllda " 11 Ollvolo. AppunU per·
una futura dllbologla" (Flren:. 19~1 nIo pretlnda exigir atençlo multa
. 'rla, constitui uma prova a mais da orlenla~lo aelma manelonadL

-449 -
;::u__ _ _ _!~§.RCU~.!!'t..~_ RESPONDEREMQ~1~6/1973___._ _

na liturgia . Acresceotemos que o Concilio do VaUcano 11 apro-


Va0 decididamente a doutrina ensinada anteriormente pelo ma-
gistério da Igreja e 8 confirmou; mas, dado que Insistiu forte-
mente sobre a Crlslologla, ele nAo permitira que a angelologla
se torne 3utÔnoma ...

Novo despertar do interesse pelos anjos poderá ser tam-


bém suscitado pelo esforço realizado pelos homens no mundo
moderno para $8 tornarem senhores das dimensões cósmicas
de Um universo em expansão e pelo ardente desejo que a in-
teligência tem. de tudo conhêCer. O Concilio do Vaticano 11
levou em conta esses dois falares para instaurar o dialogo
com o mundo; leve O cuidado de englobar os anJos na vasta
famllla de Deus e no processo de salvação que se vai reali-
zando em Cristo por todo O universo . O Concilio, porém, nlo
foi além de simples verificações . Temos a esperança de que
os aspectos que acabamos de apontar poderiam. graças à in-
terpretação da Tradição e aos progressos .,continuas da teolo-
gia. despertar em nosso século uma renovação do interesse
pelos anjos" (obta: analisada. pp. 241-244).

4. Gonclusõo

Num setor como a angelologia, em que a Palavra revelada


por Deus é critério decisivo, o livro de Georges Tavard tem
importAncia capital, pois coloca em relevo as diversas e cons·
tantes afirmações dcssa Palavra e dos seus porta-vozes qualifi-
cados no tocante aos anjos através dos sóculos. Há casos, sem
dúvida, em que Cértc»s textos b!blicos e os testemunhos da Tra-
dição têm que ser entendidos como expressões de uma cultura
momentânea (assim, por exemplo. o usa de véu das mulheres
em slnal de SUjeição, por causa dos anjos, em 1 Cor 11,10); a
própria Tradição, relendo esses textos, reconhece que não cons-
tituem património de fê. Há. porém, outros casos em que as
Contes da Revelaçáo apresentam seus temas com clareza meri-
diana como proposlçócs de fé ; f! o que se dá com a existência
dos anjos e demônios. Nessas circunstâncias. não é lícito ao
cristão desvirtuar tais afirma cões, pois trairia a fé, cedendo
ao racIonalismo. Tavard insinua essa conclusão e sugere que
a fé nos anjos, depurada de tradições folc16ricas, como tam·
bém de preconceItos fllosóficos, volte a constituir elemento
vital e sadio da teologia e da piedade do povo de Deus.

- 450-
Um problema blbllco:

o chamado "coma joaneu" (1)0 5,7b·8a)

Em .1"lHe: A qu.sllo do Coma Jolllneu ti Jo 5, 7b-1e) 101 pel. pri-


malta vez levantada no Iéc. XVI por Erasmo de Rotterdam. O SanlO OIlclo
em 1897 declarou qUI nlo .. poderia, .em plu'go da .rro. naga, • auten-
ticidade do Comi. EISa medida, porém, nlo linha o 5Jgnltlc::ado de uma da·
Ilnlçlo dogmAtlc8, mas vI""1 apenas lembr., que 111 última palallf. na caso
com~• •0 m.g'"'rkJ di Igreja, • qual Crtato conllou I; gUlrda lIel du
Escritura. Sagradas.
O••• 'udloso., pe.qul.ando OS manusclll03 orlentab li ocldenlala do
lellto blbllco, nlo he.ltam ~ dizer qua "o V81111culo das ltés teatemunhu
MO pertence '0 leor originai grego da 1 Jo, mas li uma Interpolaçlo,
que deve I.r .Ido leU, na penlnaula lbétlca durante o século IV . A 5.
Igreja aceila tranqillllmenl. . . te ,esultado dOI estudos crttlco•. Ela nunca
deUnfu a autenticidade ou canonlcldade do Coma Joaneu, nem mesmo quan·
do o Concilio de Trttnto no séc. XVI declarou lagradu 8 can6nlca. . . EI·
çrlturu tradlCllonllmente usedas na Ig,eJa • contidas na Vulgaw Lallnaj o
Coma Joaneu nlo preencha nam ume nem outra de,tas condlÇ6e •.
Em conuqÜ.ncll, ao .. 'udlollO c,I" lo 1'140 de .... IUrpfeende, o 1110
de que o Coma Joaneu /' nlo la encontre nas ecllÇ(les recent" do Novo
Teslamanto.
• • •
Comentário: Quem compara as sucessivas edições e tradu·
ções do Novo Testamanto feitas fiOS últimos decênios, pode ve-
rificar o seguinte:
As edições latinas ditas cda Vulgata» I e as traduções ver-
náculas que desse texto latino se faziam antigamente, traziam
o texto de 1 Jo S,7.s (primeira carta do Apósto10 São João.
cap . 5. verslculos 7 e 8) confonne o teor abaixo:
1 Jo 5: "7 ... Quoniam Ires sunt qui testimonium dant (In
caalo: Pitar. Varbum et Splrltua Sanctus, at hl traI unum lunt.

IA Vulgata a a t,aduçlo laUna da Blblla que se deva, quase por com-


plelo, a Slo Jer6nlmo e que, • partir do Me. V, s.a foi tornando usua' n.
Igreja. O Concilio de Trenle (1543-1565) declarou ene te)l;lo sul.nUco, no
"ntldo ds que nlo contam erros dogm6tlcol; era eau lsençlo de errol
leologlcos que Interelsava a 111 Concilio acentuar, quando no sãc. XVI
multa. IdlçOes da Blbll. conlecclonadaa por proleslenles Ir81U1mlllam erros
de Iraduçlo que Incuttam erro. 1I0lóglcOl e herellu.

-451-
~_ __ ._. c PERCUNn~ E RESPONDEREMOS:. 166/ 19'73

.8 Et t189 lunl qui testlmonlum danl In terral: Spirilus el aqua


81 sanguls. el hi tres unum sunt" .

Ou em português:

"7 . .. Pois três são os que dão testemunho Ino céu: o Pai,
o Verbo e o Espfrlto Santoi e estes três eslio de acordo entre
,I. 8 E Ir65 ,ao OI que dlo teslemunho na terra] : o Esplrlto , a
.água e o sangue, e estes três estAo de acordo entre 51" .

A seccão 7b-8a., posta entre colchetes, cno céu: o Pai, o


Verbo ... na terra. tomou o nome de Coma Joaneul ou _versi·
cujo das três testemunhas :t~.

Foi o humanista Erasmo de Rotterdam quem no séc. XVI


levantou o problema da autenticidade do Coma. Com efeito, 80
cclltar o Novo Testamento em 1516 e 1519, esse estudioso ex·
cluiu t anto do texto latino como do texto grego os dizeres que
acima se acham entre colchetes. AssIm levantou-se a contro·
vérsla referente ao Coma J oaneu, que até os últimos tempos
parecia ter sua gravidade, pois, a quanto se julgava, estava
em xeque um elemento integrante do texto sagrado, elemento
de grande valor teológlco.

IA paravra ~m a ve m do voc6bulo grego komml, que significa secçlo


ou 1!\CI. o. O verbo grego k6plo ea Iraduz por cortar. DOl'lde se vi qua a
·expressao coma )unao dealgna determinada &acçlo de um escrito de Slo
Joto (no caso, de 1 Jo 5) .
"!A fim de ajudar o lellor a acompanhar o desenrolar deste 8111go, $0-
·gue-se aqui uma expllcaçlo do pensamento de 510 Joio ao lala r do tes-
remunho unanlme do E,plrtlo, da 60ua e do sangue.
O Apóltolo tinha em vi'la carta. corrlntes ditas "docetisIlS" do lim
do .6c. 1. Ensinavam qua o Filho de Deus tomarl um corpo hum ano
aparente apenas e que, por conseguinte, o Va rbo nio padecera nlll cruz.
Ta rK!o.,. manlleSledo du re nte a l ua vida pública na tarra medlanle a apa-
rência de um homem, o Varbo se leria rellrado des,. seu ap8l"ente corpo
humano no momento da Peido: alguns e'hagayam e dizer que se faUrara
q uando Slmlo Clreneu foi chamado a ClrYeglk' 111 cruz de Cristo,
Em vista dos\e erro' Que Slo Joio insiste , segundo o seu eSlil0, em
Que Jesus era verdadeiro Deus e vttdadelto homem tanto no momenlo
do seu batismo (o Eaplrllo Sanlo lob lorma de pomba lob~ a 6pua o alls-
loul como lambem na Cruz (o IlnAu, o ateslou) . Dal 11 e~p resslo ; "o Ea-
plrlto, a igus e o sangue aleslam' . . ", aleslam, sim que o verdadolro ho'
mem Jesus (reconhecido no batismo como Deus, Filho do Pai Etllrno) esteve
]nsenar.eveolmenle unido ã Divindade 8!6 derramar i!I últIma gola do eeu
!lIf:gue.

- 452-
o CHAMADO .. COMA JOANEU~ 33

Aos 13 de janeiro de 1897, o S. Ofielo, interpelado por


mestres católicos, declarou \Ql.le não se podia, ·sem perigo de
erro, negar ou pôr em dúvida a autenticidade do Coma, Cf .
.. Enrlquirldio Bíblico» 12O-12l.
Perguntavam, porêm, os estudiosos se ta) declaração equi-
valia a uma deflnlção doutrinária (isto é, ligada com as verda-
des da fé) ou, antes, a uma norma meramente disciplinar. En·
quanto a hesitação existia, os teólogos e exegetas não se sen-
tiam obrigados a abandonar o exame da autenticidade de
1 Jo 5,78.

Seis meses após a publicação da resposta do S. Oficio, o


Cardeal Vaughan, desejoso de tranqüilizar os ambientes cató-
licos da Inglaterra, obteve de pessoas abalizadas na Cúria
Romana um esclarecimento oportuno: oS. Oficio não quisera
dar 1Xlr encerrada 8 discussão do problema, de sorte que a cri·
tlc. blblica c.tólica podl. prosseguir seus estudos, Em conse·
qUêncla, muitos autores se distinguiram na pesquisa do assunto,
principalmente o estudioso a lemão BJudau, que, o. partir de
1902 e durante vinte e cinco anos, publicou numerosas mono-
grafias sobre a 'hIstória do Coma. Mais: em 1905, o arcebispo
de Friburgo na Alemanha autorizou a publicação de um «Me-
morial.o de Kilnstle, que nega.va a autenticidade do Coma e o
atribula a uma Interpolacâo feita. por PrlsclUano na Espanha
do séc. IV. Por esta ocaslAo, Mons. Jansens, Secretário da
Pontlflc1a Comissão BibUca, chamou a atenção dos estudiosos
para a importância dessa aprovação de um arcebispo dada à
nova tese; ela bem exprimia o modo de sentir da Igreja. Em
breve quase todos os autores católicos negavam a autenticidade
do Coma, sem que as autoridades da Igreja se pronunciassem
em contrário.
O próprio S . Oficio, longe de censurar tal pesquisa, deu
sucessivas interpretações benignas da declaracão de 1897; dizia-
-se mesmo que tais interpretações provinham de autoridades
altamente credenciadas em Roma e até do g , Padre Leio xm.
Finalmente. para dissipar todas as dúvidas, oS. Ofício, aos
2 de junho de 1927, acrescentou à Declaração de 1897 (que ia
ser publicada em um .. Enquiridio Bíblico:.) o seguinte esclare-
cimento:
"0 decreto de 1897 101 promulgado para coibir a audicl. de Clrtos
mestres qU I, por própria Inlclatlv8, se arrogam o direito de reJlllar ou pOr
em dwlda e autentlcldado do Coma Joan.u. Te' decreto, porém. nlo Impe,
dia que os autores católicos Investigassem o assunto. Caso tivessem razGes

- 453-
bem ponderadas, mOClcr",das pelo culdalJo quo a Imponência da qUBslAo
IJ(~., podariam inclinor.... li negar a aurôlnrh:fdade oe 1 .JO 5,1·8, desde
qu pr<rIHS8ssem aullmlssl1io ao juIzo da Igreja, a quam J811US I,;rislo
C<WIlIou a la. a'. nAo somante da Interpretar. mas lambem da guel Oer 11111·
mente ai Sagradas e..crllUlas",

Este esclarecimento do S. Oficio luz que não haja entrave


à indagação das razões existentes em faV01' ou em contrario
da genUinidade do Coma Joaneu, A atitude do S, Oficio em
11S9'{ não vis..tva dirimir o problema, mas encarava apenas urna
questão de competência: Jâ que a 19l'cja recebeu de Cristo o
encargo de guardar us Escritul'uS, ,l.:;.Jã reserva a ~i o curcito
de dizer a última palavra no tocante â autenticidade dos textos
sagrados. Esta questão há de SCr l'esolvlda pcJa aplicnção de
Cl'lterlOS cIentificas, ou seja, pelo exame e a critica dos manus-
critos que através dos sócuJos nos transmitiram a 1~ carta de
São João. Se esses manuscritos atestam, com evidência, que o
Coma Joaneu sempre constou do texlo sagrado, a ciência (e,
com ela, a fé) reconhecer.i. a genulnldadt! do mesmo. 'I'oda....·ia.
se se depreender que a tradicão dos códigos bíblicos antigos ê
falha ou negativa no tocante ao Coma Joaneu, dever--sc-á dizer
(com a certeza que os argumentos cientlficos permitirem ou
exJgirem) que o Coma não é senão uma interpolação feita ao
texto original blblico _ interpolação que em sã consciênciu
poderá (ou mesmo deverá) ser eliminada. A esta eve ntual
conclusão o magistério da Igreja e a doutrina da fe nada terão.
a opor, pois a 19reja nunca definiu de maneira expliclta a au-
tenticidade do Coma Joaneu; Ela o aceitou nas ediCóes da Biblla
enquanto não havia suspeita fundamentada de que não fosse
genuíno.
Dirá, porém, alguém: o Concilio de Trento (1543·1565)
declarou sagradas e canõnicas todas as secções do Bíblia tra-
dicionalmente usadas na Igreja Cat6Hca e pertencentes à Vul·
gata Latina Em conseqüência, rtão SQ deverá. dizer que o Coma
Joaneu está incluído entre as seccões da Vulgata Latina e, por
isto, foi, pelo Concilio de Trento, declarado texto sagrado e
canônico? - Não. l: preciso dizer, como adiante se verá com
clareu, que os cristãos orientais não utilizaram o Coma Joaneu
em sua tradição e que a inserção do Coma na Vulgata Lutina
I! bastante discutivel.

Eis, pois, como desde 1927 se coloca a questão do estudo


do Coma Joaneu , Hoje em dia os exames de critica do texto
manifestam, sem hesitação, que realmente o Coma não per·
tence rã. redacão original c primitiva da 1 Jo. 1:: por Isto que tal

-454 -
o CHAMADO «COMA JOANEU.

texto não consta mais das ed1cÔes biblicas, que assJm apresen-
lam a passagem em foco:
"7 Porque trés são os que dlo testemunh.o: 8 o Esplrito,
a água e o sangue; e os três esHio de acordo".
Algumas edicões portuguesas ou brasUeiras da BIblla ainda
referem ao pé da página a antiga versão ampla, portadora da
mençt.o do paj, do Verbo e do Espirito Santa. OUtras edJções,
porém, IlÜO se referem em absoluto ao Coma,
Importa-nos agora analisar quais as razões que levam a
recusar a autenticidade das palavras controvertidas de 1 Jo 5,7s.
Tais razôcs derivam-se, como dito, do exame dos manus-
critos que nos transmiUram através dos séculos o texto de 1 Jo.
Esses manuscritos sAo gregos (ou orientais, de modo geral) e
latinos. Note-se que o texto (Iriginal de 1 Jo é o grego, e náe. o
latino.
Comecemos por examinar a tradição oriental para depois
passar aos manuscritos latinos.

1. Tradição orientol
1. Dentre as centenas de manuscritos gregos que apre-
sentam através da. h1stórla o texto de 1 Jo, apenas quatro (e
quatro manuscritos que tiveram oriJem no Ocidente) contêm
o chamado «Coma Joaneu». Ei-los:
1) Codelt il4lghlll. conservado em Nápoles e datado do
sé<: . XII. O Coma Joaneu ai se encontra não no texto, mas em
margem. Parece ser wna glosa Introduzida por um blbUotecârio
do '""'. xvn.
2) Codex Bavlanus, de Berlim, datado do séc. XVI. O
Coma' ai figura normalmente, mas ·o «Codex RavlanusJo parece
ter sofrido aeréscimos para se tomar corúorme a outras edições
do Biblla.
3) Codex Ottobonlanus, conservado no Vaticano. Data
dos séc. XV ou XVI. lt código b1llngUe (grego e latino) . Con-
~m o Coma no texto grego, mas, como julgam os criticas, o
Coma aí resulta da tendência dos copistas a harmonizar o
texto gl'(!go com o texto latino de 1 Jo. O Coma não parece,
pois, escrito de primeira mão no texto grego.
-455-
lU ..."PERCUN'I"E E RESPONOI:;HEMOS~_lli6/ 1973

4) Codex MontCorta.nus, existente em Dubllm c oriundo


do sé<:. XVI. Apresenta o vel'sicuJo das três testemunhas celes-
tes, mas provavelmente como tradução grega do texto latino
da Vulgata.
Em suma, os estudiosos não conhecem um SÓ munuscrito
grego no qual o Coma Joaneu possa ser considerado como ele-
mento integrante da redação originaI. Esta conclusão é Impor-
tante, pois, como se sabe, o idioma originai de 1 J o c o grego.
2. Dentre os antigos escritol"C's cristãos de língua grega,
pode-se dizer que. desde S. lreneu ( 1· 202 aproximadamente) n
S. Joio Damasceno (f 749), nenhum citou o Coma J08neu,
embora muito se prestasse a ser utilizado nas controvérsias
ttinitárlas e cristológlcas dos primeiros séculos do Cristianismo.
1'; nas obras do escritor dominicano grego Manuel Calecas
(T 1410) que pela primeira v~ se encontra o Coma.. Trata-se
porém, de um autor de formação latina.
A seguir, José Bryennlos (t 1436) cita o Coma na sua
c cOratlo XII.. O fato, porém, é estranho, pois se trata de um
autor de formação integralmente grega e hostil aos latinos. Daí
as dúvidas sobre a genuinidade desse citação encontrada num
l..'Scl·ito de Josê Bryennios .
Quanto às traducõcs da Blblia para o slrlo, o capta, o
etíope, o armênio, o árabe, verlllcou~se, após a pesquisa culda~
dosamente efetuada ·p or Bludau (bispo de Ennland) e KUnstle,
que não contêm o Coma.
Passemos agora à anãlise da

2. Tradis:ãô ocidental
Distinguiremos o texto da Vulgata Latina (que da ta do
séc. V), as versões latinas anteriores à Vulgata e o testemunho
dos escritores cristãos antigos do Ocidente.
1 .1. Vulgata LaHna

Logo de inlcic convém nolar que S . Jerônimo mesmo


(t (21). a quem se deve a Vulgata Latina, nunca cita o Coma
Joaneu, parecendo mesmo Ignorá-lo. Verdade é Que, no Tratado
sobre o salmo 91 de S. Jerônimo, o erudito Mangcnot quis en-

-456 -
o CHAMAOO " COMA JOANEU:. 31.

trevel' uma ulusão ao Coma; é, porem, vaga demais para se


poder dizel' que S. Jerônimo utilizou o verslculo elas três teste·
munhas celestes.
Quanto aos manuscritos da VuJgata, nota-se que oscilam
na transmissão do Coma. Dentre os mais antigos que se tenham,.
o C<ldex Fulderuds (que data de 546), o Coou llarlela.a.us (séc.
VI/VIl) e o COOex Am1a.ti.nU3 (séc. VII/ VIU) não têm o Coma.
O Codex Toletaltus (séc . VllI), o Monacensls (séc . lX) e o
CavensÍJ (s6c. VIII/ IX) o apresentam. A diversidade de formas,
como o Coma é reproduzido, a lndole secundária de sua inser·
ção em viui os manuscritos chamam a atenção, suscitando a
suspeita de que não seja elemento integrante da versão jero-
nimlana. O teor das variantes desses textos é tão variegado que
vai da mEUS flagrante heresia à estrita ortodoxia.

Das duas edl~s carollngias da Vulgata, a de Teodulfo..


(entre 795 e 818) tem o Coma, ao passo que a de Alcuino (801)
não o apresenta. Note-se que a recensAo de Toodulfo coloca a
menção do Pai, do Filho e do Espírito Santo depois. e não antes"
da referência ao Espírito, à água e ao sangue:
"Qula ,.... aunt qui t.sUmonlum dant In te rIa, SpilitUS, aque e l lõanguls.
o, Ires unum lunl; a' tras sunl Qui 10.lImonlum dlcunt In c oelo, Peler .,
F'lIius ai Splritus Slnclus, ., hl Irts unum l unl".

Em conclusão, verifica-se que o próprIo texto da Vulgata


não oferece testemunho unAnime no tocante ao Coma Joaneu ~

2 .2 . V"SÕH latinas anteriores li Vulgata

AI; vel'Sóes latinas do Novo Testamento anteriores à VuJ-


gata. parécem ter sido numerosas; muitos eram aqueles que,
sem autoridade c competência, empreendJam a tarefa de tradu-
zir o texto grego do Novo Testamento para o latim. Dessa dis··
persão de traduções, resultaram no Ocidente confusões e em·
baraços na leitura. e na citação da Biblls. no decorrer dos séc:: •.
lI/ V. Foi justamente para pôr termo a essa variedade de tra-
duções latinas, nem sempre fidedignas, que o Papa S . Dâmaso·
pediu a g . Jer6nlmo que se encarregasse de preparar uma tra-
dução latlna apta a substituir as anteriores e a favorecer o
estudo. Uma vez divulgada a tradução laUna de Jerônimo, 89.
mais antigas cairam em desuso, de sorte que não há nem mesmo.
cód.lgos que n6-1as apresentem de maneira completa.
-457 -
38 .. PERCUNTE E RESPONDEREt.mS. 166/ 1973

o texto da chamada .Vetus Latlnb (antiga versão latina)


- que na verdade é um texto cheio de variantes, porque vários
eram os tradutores - tem Que ser procurado nas obras dos
escritores latinos antigos que citam a Blblia; estes devem ter
usado uma das formas do antigo texto latino da Biblia. Por
conseguinte, procuraremos agora nas obras dos escritores lati-
nos dos séculos n-v os possJvels testemunhos em favor do
Coma Joaneu,
a) O primeiro desses testemunhos é o de Prlsciliano ou
taJvez o do bispo priscUlanista InstAnclo, discípulo de Priscl-
lIano' no cLlber apologetlcusit, que data de 380 a 384. AI se
lê o seguinte;
"Slcul Johlnnes ali; Trla sunl quas IOlllmonlum d lc unl In lerra; aqua,
Ciro et sangull, 81 haae Iria In unum sun!. EI IrIa sunl qUla tastlmonlum
[l"S0" ("'Corpus Scrlplorum Eccl.. I.,
dlcunt In caelo: Pllter, Var'Dum ai SplrlNS, 81 haec l,lOum aunl In ChrlSlo
latina.", I. XVIII, p. 8).

Como se vê, a trlloeia «Pai, V~rbo c Espírito:. segue-se à


de t:água, carne (não .&Ipirlto) e sangue., em vez de R prece-
dcr, como no texto Que se tornou usual posteriormente.
b) Pouco depois de 389, {oram redigidos na Espanha os
.Trê-s LJvros contra Varlmadoit, que se devem a um escritor
chamado idachu cLa.1'U3 Hispanus (ldâcio, ilustre da Espanha).
Ai se lê u seguinte citação:

"Ihlm Ipla Joannes ad Panhos! Tres $unl, Inqull, qui tastlmonlum


porhlbenl In lorra, aQUIl. sanguls 01 caro, ai Ire3 In nobla sunl. EI tres
5unl qui testlmonlum pe rlllbenl In caelo, Palar. Verbum e t Splrllus, 81 1\
Iros unum sunl" (Palr. lal., od. Mlgne, t. LXII, col. 359).

De novo Q menção «Pai, Verbo e Espírito:» é posterior à


de ,água, sangue e ca.me» (não Eaplrlto).
c) Entre 540 e 570, Cassiodoro em sua obra ,Complex.lo-
nes canonlcarum epistularwn septem. parafraseia 1 Jo 5,7,
mencionando as duas triades do Coma Joaneu.
Vê-sc, pois, que o Coma Joaneu aparece pela priml![ra
vez. no S::'C. rv em ambiente Ibérico. Antes dessa. data, não há
vestlgio de sua presença no texto bíbUoo grego ou latino. Con-

10 prlscUlanlsmo ora uma heresia dUIlIsta (8 ma"rla 'e rla mIA) da


Espan!\a do a'c , IV.

- 458-
o CHAMADO .COMA JOANEU. 39

jetura-se que tenha sido introduzido no texto da Vu1gata de


S, Jerônimo sob a influência da antiga versão latina; a inser-
ção talvez se deva ao bispo Peregrino, do séc _ V, que assim
terá Intencionado assemelhar a Vulgata ao antigo texto latino
do Novo Testamento,
Merece atencão ainda o fato de que, embora figurasse
em algumas recen5ÕeS do texto bíblico latino do sé<!. IV, o
Coma Joaneu nunca foi utilizado pelos bispos latinos do séc , VI
na famosa controvérsia antiariana ; é de crer Que, se o tivessem
conhecido e se julgassem ser parte integrante do texto do Novo
Testamento, os mestres latinos o teriam amplamente aprovei-
tado 'p ara desfazer as teses do arianismo, que impugnava a
fé na SS . Trindade. Nenhum argumento bíblico mais eficaz.
do que tal texto se poderia eneontrar para refutar os arianos,
Todavia o texto não foi absolutamente explorado em vista de
tal fim, o que bem mostra que no sec. IV os mestres latinos
não o conheciam como Palavra de Deus inspirada,
Feitas estas diversas averiguações, pergunta·se agora:

3, Qu.al a origem do Coma?


investigando a literatura latina anterior ao sre. IV, de-
preende-.se que o texto de 1 Jo 5. falando do testemunho wtln1-
me do Esplrito, da água e do sangue em fa.vor de Cristo, se
prestava facilmente a comentários mlstlcos õ sugerIu, sim, o pa-
ralelo das três Pessoas Divinas, que, em Sua Trindade, são
também UnJdade, ou seja, um só Deus. Esse paralelo era tecido
e explanado à guisa de meditação sobre o texto blbllco,
O primeiro autor que tenha feito essa interpretação mistl-
ca. do texto de 1 Jo, é, a quanto se sabe, S. Cipriano. bispo de
Cartago (t 258), ::t o que refere Facundo de HennlaneJ que
entre 546 e 551 escreveu o livro «Pro defensione trium capitu-
lorum .. , Nesse escrito o autor afirma:
"O bem-aventurado Cipriano, bispo da Cartago D mártir, aplicou o tes-
temunho de Joio Ap6stoto ao Pai, lO Filho e ao Espfrtto Sanlo 1'11 Clrtl
ou livro QUI "creVlU a respll10 da SenHulma Trindade, Com afeito diz:
'O Senhor alJnnou: o Par e eu lomos um s6. E a respeito do Pai, do Filho
e do Eaplrllo 5111'110 ast' Istlllo: E$ttlS t\+.I alo um 8Ó'" (Patrologla LaIlM,
&do Mlgna, t. LXVII, col. 536).

E Facundo explica como o Esplrito, a água e o sangue slg.


nlflcam alegoricamente o Pai, o Filho e o Esplrito Santo:
-459 -
40 cPERCUNTE E RESPONDEREMOS . 166/ H113

a palavra Espfrlto designa o Pai, pois disse Jesus à


mulher samaritana: .0 Esplrlto é Deusl' (Jo 4,24) ;
- a água. sign1fica o EspUito, em consonância com o
texto de Jo 7, 37: «Jesus exclamou: 'Se alguém tcm sede , vcnha
a Mim e beba . .. Como diz a Escritura. rios de água viva corre-
rão do coraeão (do Messias )' . Jesus a ssim falava do Espírito
que deveriam receber aqueles que nele acreditassem ». Nesta
passagem do Evangelho, notamos que a água simboliza real-
mente o Esplrilo Santo :
- o sangue designa o Filho, pois este comunicou a vida
da SS. Trindade à carne e ao sangue.

Assim Facundo de :Hermiane, no séc. VI. atesta uma ma-


neira alegorlzanté de entender o texto de 1 Jo 5, que teve sua
primeIra expressão (a quanto sabemos) numa obra de S . Cio
priano de Cartago no sec . 111 (cf . , Corpus ScriptOlUJn
Ecclesiae LaUnael' t. m, p. 1).
Eis no seu teor originai latino o fex(o de Facundo:
"Nem et loanne, .postor us In episloll IUI ell Palre e\ Filio el Sphltu
S.nelo sre dlelt: 'Tr6s s unl Q\JI !estlmonl\Jm danl In lerra, Splrllus, )aqua
el tanguls, .1 hl Irei Uflum $unl'. In Splrll\Js s lgnllleans Pal rem sleut Domi·
nu, mviler! Slmarllenle s.eundum ipalus loan nh~ EvangeUum loqultur
dlcens . . . lo 4,:211 . In aquI vero Splrilum Sanc!um slgnlflcan!, aleut In
oodem EVlngeUo exponl! verba Domlnl dlcenlls . . . 10 7,37. In !Ingulne
vero FIUu", s lgnillC:l ns. Quonlam Iple ex Slnet, Trlnllal. comunlcevll cemi
• langu!n!".

A seguir, Facundo cita São Cipriano como iniciador de tal


tipo de comentArlo.
Note·se, porém, que a menção do Pai, do Filho e do Es-
plrltn &\nto, tR"to no livro dI' FACllnrlo nuanto nn cartR de
S . Opriano, é apresentada como comentário pessoal do escritor
cristão, e não como parte integrante do texto de São João. t;
de crer, porém. que, a partir de São Cipriano, o comentário
alegorista iniciado pelo bispo de Cartago se tenha tornado mais
e mais usual entre- os cristãos. Foi aos poucos sendo fonnulado
de maneira concisa e estereotfplca; esta fórmula passou a ser
escrita à margem do texto blbllco de 1 Jo 5.7 por alguns co·
pistas. que assim queriam proporcionar ao leitor uma medita·
çAo sobre os dizeres do Apóstolo. T odavia <:om o tempo outros
copistas, nio tendo mais consciência de que se tratava de mero
comentA rio do texto blbllco. julgaram que deviam transcrever
- 460 -
o CHAMAOO .:COMA JOANEU:t

tal reflexâo não à margem de 1 Jo 5,7, mas no corpo mesmo


da eplstola. Naturalmente, o lugar mais indicado para inserir
a menção do Pai, do FUho e do Esplritil Santo era o que se
seguia à referência do espirltot da tlgua e do sangue. Por isto
é que em textos atrAs citados se encontra primeiramente 8 tri·
logla .:espirlto, água e sangue., e depois a do Pai, do Filho e
do Esplrito Santo. Ainda no séc . VIII. como vimos, a recen-
são da Vulgata de Teodulfo apresentava tal seqüência. Com o
tempo, porem, os copistas e comentadores terão julgado que o
lugar mais apropriado para se mencionar a SS. Trindade era
o início da passagem; dai a antecipação de cPai, Filho e Espl-
rito Santo. a cespirito, água e sangue •.
Em swna, o comentãrio alegorlsta que está na orIgem do
Coma Joaneu aparece pela primeira vez no Nilrte da África
no séc. lII. Esse comentãrio, mais e mais difundido, é tido
explicitamente pela primeira vez como parte Integrante do
t~xto biblico em fins do sêc. N na Espanha. Todavia não se
pode dizer que tenha sido o próprio Prlsciliano quem ta a
transposIção do comentário da margem dos códigos para
dentro do texto blblico mesmo; Prlsclliano apenas cita o texto
de 1 Jo como ele ~ â era usado anteriormente na Espanha.
Eis, em grandes linhas. a lllst6ria do Coma Joaneu. Quem
a conhece. não hesita em reconhecer que não deve ser mantido
nas edIções do Novo TestamentO. ~ por Isto que hoje ele nÃo
figura mais no texto bibllco. EUmInando-o, não se elimina par·
te da S. Escrituro, nem se fazem concessões ao radonalismo
ou à 'heresia, nem se derroga ao magistério da Igreja, mas se
restabelece mais limpidamente a face da Palavra de Deus -
o que é altamente positivo. Ao cristão só resta adorar a con-
descendência de Deus, que se quis sujeitar 'às vicissitudes do
trato humano. quando quis que a sua Palavre. se fizesse Pala·
vra dos homens na Blbl1a.

A propósito veJa-.e:
"La Salnte Blble" de Plrot-Clamer, \. XII. porls 1946, pp . 510-514.
A. Lemonnyer, "Commo Jonannlqu.", em "011:1100001,. da lo Blblo.
$uPPlémanf publté sous la dlrtcllon da Louls Plrot". t . I . Parts 1828,
col . 87-73.
E. Rlgganbl.eh, "Oas Comma Jahanneum". GuteralClh 10211.
J . l.brelon, "Hlstolrl du dogma de lo Trlnlté das origina. lU Concite
da Nte.e", I. I. Parll. 2' . ed., p. 1927 (noto K).

- 461-
Vale lucfo?

"o adultério não mais será (onsiderado


crime"? 1

Em ,Inl... ; A l e~ l sl. "ve ja" (le S/IX/ 1973, p , 60, publicou uma c16·
nlca que a muitos leitores pareceu Insinuar llbertlnismo e revoluçAo de cos·
lumes nos pr6~lmos tempos da Igre ja: ad ul'e rlo, estupro, sodoml • . . . nlo
mais seriam consIderados crimes.
Ora a nollcl3 se rossente de led3çlo Inexata e sensacionalista. N.
verdade, econtace que a IgraJe esla procedendo à revlsAo do Direito Ca·
nônlco, a 11m de lorn4·lo Instrumenlo Que assegu/e (lInda com mels el1cAcla
a dl gnldada de coslumes nos IImblllnlos católicos . Entre os obJa:os de ra·
vlsilo, esla o Código Penal que recorre freq Oe ntemente a consuras 18X·
comunhlo, st.Jspenslo, Interdito) om termos que hoje em dia nilo preenchem
mais a linalidade de toda fi QUllIQuer pona. (que liá de ser tempro rnedkl·
nal), A posslvel au prasslo de certas penas ou censuras de toro externo
es ta long8 de slgnlllcllr que as lallas ou os pecado:; aos quais leia pena,
ostavam an8 .. 5, deh{a rlo de ae r 'aUas ou pecad05. Por conseguinte, odu['
ttrlo, SOdomia e male, congênere, jama!, se/lo (nem poder40 ser) tegln·
mados pela S. Igreja; lorlo sempre pecados. embora nlo sompre punidos
por tal ou lal pona pública.
Quanto li IndllSolubil!dade do casame nto, QUe a crOnlea de "VeJa"
pa/"Oce deixa r tob Intarrogaçlo, ela tol raaf!rmada recentemente por Impor·
lanle documenlo da Sanlll Sé, Que vai I,on:;erllo na segunda parte d o proseI')-
lo arUgo .

• •
Comentá.rio: A revista ..Veja., em sua edição de 5 de se-
tembro de 1973. p. GO, publicou uma crônica com o titulo
.: Abertura canônica», rcrerente fi rerorma do Código de Direito
Canônico que esta sendo realizada na Igreja Católica. O texto
dcssa noticia se- abre com as seguintes p.1lavras:
"O adul1êllo nlo mais ser. considerado crime. Os estupradorel. OI
IncestuolOS, OI bastlals, OI sodomltas, os e~plorad o res do lenocfnlo nlo
mais serAo declarado, Infames e exclu[c!os dos alo9- eclesiásticos ... Parece
limo; revoluçEio completa. Ma, ,So axalamen te esses algumas de! modlll·
caçOes proposta, pela comlulo e ncarregada de reformer o Código de OI·
relto Cen6r.Jco, Inalterado desde 1917. O, 170 membros e consultoru pon·

I Revl,'a ".vejl", 511X/1973, p , 60.

- 462
VALE TUDO? 43
mlclos, nomoldos n6 dez; an~ pita mudar a leglslaçlo eçIH"atlc., leva-
ram em conla nio aplnls a -evoluçlo da ciência Jurldlca. mas sobretudo
:. esplrllo do Concilio do Vaticine .. ".

A primeira vista, esta noticia sugeriu (ou mesmo sugere)


a muitos leitol'c;s Que em breve será posslvel cometer adultério,
estupro, sodomia e muitos outroS males, sem que a Igreja te-
nha algo a dizer. O novo Código de Direito canônico daria ~
bertura a todo tipo de desatino moral, legitimando o «Vale tudo!»
do IIbertinlsmo dea:radante.
Já que o assunto é de capital importância, vão, & seguir,
Pl'Opostos ruguns esclarecimentos sobre o que a S. Igreja. vem
professando a realizando em sua reforma de leis.

1. A renovação do Direito Canônico

1. Em 1917 foi promulgado o Côdigo de Direito Canô-


nico que até hoje está em vigor. Resultava de cuidadoso tra-
bulha, clabofndo anos a no por peritos, que consultaram fontes
e tradições da Igreja & fim de aprimorar umas, confinnar outras
c reunir num s6 código uma legislação apta a regrar e fomentar
a vida da socjedade eclesiástica e de seus meml?ros.
Após quase cinqüenta anos de vigência do Código de Di-
reito Canônico, a S. Igreja verificou que ele supunha circuns-
tâncias, slluações e costumes de vida que já não correspondem
à realidade de nossas dias. Com efeito, a hisMrla coloca os ho-
mens diante de questões sempre novas, de tal sorte que uma
autêntica legislação tem que ser periodicamente revista a fim
de que a.tenda realmente ao bem comum dos homens colocados
frente a essas renovadas Interrogacões. l!; por isto que, sob o
pontificado do Papa João XXDI, teve inicio o trabalho de re-
visão cuidadosa do Código de Direito Canônico, a fim de se lhe
dar a eficácia necessária ao fomento da vida da Igreja em nos-
sos dias. Nessa obra trabalham centenas de peritos de diversas
nacional1dacles, entre os quaJs figura o Pe. Waldemar Puhl, de
Porto Alegre, canonistn sábio, experimentado e extremamente
fiel aos principias da fê e da moral católica.

Ora uma das secções do Código que passarão por refor-


mulação, é certamente o Direito penal respectivo. O aturu Di-
reIto Impõe não raro as censuras de excomunhfio, suspensáo e
interdito; às vezes tais penas recaem sobre a pessoa culpacla
-463 -
.PERGUNTE E RESPONDEREMOS, 166/1973

sem que haja processo prévio; são penas ditas «lalae senten-
tioe:., isto é, dev1das a uma sentença proferida de antemão, uma
vez por todas, sobre todo e qualquer réu desse crime ou daque-
le delito. Pessoas atingidas por certas penas podiam ser consi-
deradas doravante infames; outras, depois de excomungadas,
deveriam ser evitadas pelos fiéis católicos. _ Verifica-se, porém,
que o grande número de tais penas ou censuras não logra o
efeito desejado, que há de ser sempre medicinal. Com oUtras
palavras:. .. não concorre para reprimjr os delitos, mas, ao
contrário. ocasiona situações jurldicas embaraçosas e novos pro-
blemas moraJs. Na verdade, pode acontecer, elltre outras coisas,
o seguinte: multas pessoas que cometem delitos nos quais uma
censura está anexa, ignoram tal censura e suas conseqüências.
Além disto, não se entende bem, hoje em dia, que alguém deva
ser punido no foro externo sem ser anteriormente julgado me-
diante um processo que verifique o grau de responsabilidade
e culpa que lhe tocou.
Por conseguinte, são QS censuras ou punições de foro ex-
terno ou público que os canonistas da Igreja estão revendo; em-
penhar-se-ão para que não entrem no novo Código de DIreito
sem que ha1a probabilidade real de serem medicinais e conco~
rercm para o bem da Igreja e da sociedade.
Estas ponderaçõcs. POrem. não querem dizer que os crimes
aos quais não se anexará mais tal ou tal sanção (excomunhão,
suspensão, Interdito), deixarão de ser crimes ou de ser faltas
morais, O adultério, por exemplo, a fornicação, o estupro, a
sodomia e males semelhantes continuarão a ser sempre con-
siderados faltas em si gt"aves e abomináveis, que um cristão
jamais poderá cometer licitamente.
Numa palavra: a reforma do Direito Canônloo não se re-
ferirá, em absoluto. à noeão de pecado; nada inovará na concei-
tuação e classiflcacão dos pecados. Estes são julgados pelos cri-
térios da Moral, que são critérios baseados, em última análise,
na lei natural (lei perene e universal, impressa por Deus na
consciência de todo homem e explicitada pelas auténlic-dS leis
positivas dos homens).
2. O citado artigo de f: Vejaa menciona tambêm a legis-
lação matrimonial da I greja.. Entre outros tópicos, ao abordar
o casamento uato e consumado:., afirma:
"Qualquer violência cometida por um dos cOnJuges poder' dar dlreilo
ao oulro de pedir a anulaçAo do easamenlo a um tribunal ecleslésllco".

- 464 -
Esta frase, ambigua e lacónica, parece insinuar a alguns
leitores Que n Igreja pensa em aceitar o divõrclo (anulação de
casamento vãlido e consumado). Ora não é realmente esta a
Intenção da S. Igreja: a indissolubilldade do casamento consu·
mado tem fundamento no conceito de matrimônio sacramental,
que a 19reja não tem autoridade para retocar.
A fim de evidenciar quanto seria errôneo julgar que aS .
Igreja se estã ~l"Icamin h ando para a aceitação do divórcio, vai
abaixo transcrito um documento dll'igido peJa Santa Sé aos
bispos do mundo inteiro em dato. recente.

2. Significotivo docume nto


Eis o docume nto em roco, proveniente da Sagrada Con-
gregação para a Doutrina da Fé e traduzido do latim :

00193 Roma, 11 de abril da 1973


Piazza dei S. Uffizio, 1'1
Prol. n9 1284-66 e 139·66
ExcelenUssimo Senhor,

Esta Sagrada Congregação, :I cuja responsabilidade está


confiada a defesa da doutrina da fé e dos costumes em todo
o mundo católico, com vigilante cuidado observa a difusão de
novas opinlOes, que neglm ou se e m penh~m para pór em du-
vida a doutrina relativa à indissolubi lid ade do matrlmdnl o cons-
tantemen!:! prop.osts pelo Magistério da Igreja.

Tais opiniões são difundidas não s6 por escrito em livros


e revlslas cal6 1icos como também nos Seminários e Escolas
Calólicas, como ainda começam a se inslnU3r na praxe mesma
de alguns Tribunais Eclesiásticos em uma ou .outr a Diocese.

Tais opiniões, além disso, são apresentadas com argumen-


tos, juntamente com outras razOes doutrinais ou pastorais. para
justificar os abusos contra a di sciplina vigente na admissão aos
sacramentos, dos que vivem em união irregu lar.

Diante disso, esle S9.grado DlcaSlé rlo, na sua Congrega~


ção Plenária de 1972. submeteu tal questao a exame e deter~
minou, .com 8 aprovaç!o do Sumo Pontifica, exortar insistente-
mente V. Excelên<:ia a uma vigl1ância dlll9ente para que todos
aqueles aos quais ests confiada a tarefa do ensino da religião
nas escolas de qualquer grau como em ou Iras inslit uições Ou
o encargo de Olicial em Tribunal Eclesiástico, permaneçam
fiéis ê doutrina da Igreja relativa à indissolubilldade do ma·
IrlmÕnJo e a respeilem na praxe dos Tribunais 6clesiáslicos .

No que diz respeito à admissão aos sacramentos, queiram


igualmen te os Ordinários do lugar', de uma parle, urgir a ob-
servância da disciplina vigente na Igreja e. de ou Ira, empenhar-
-se para que os pastores de almas cuidem. de modo espec ial,
daqueles que vivem em união irregular, usando. na SOlUÇa0 de
tais casos, além dos melas de direito, a praxe da Igreja relativa
ao loro interno.
Comunicando-lhe lais coisas. sou-lhe ·com toda a reverên-
cia o afeiçoadissimo

Francisco, Card. Seper. Prefeito


Jerônimo Hamer, Secretário

Como se vê, esl c documento ,'cafirma a indissolubilidade


elo casamento, apesar das mais diversas razões Que se tenham
apresentado COntrü a mesma. Lembra que pessoas que se unam
maritalmente sem o sacramento do matrimônio, se privam do
direito e da graça de receber a Comunhão EucarlsLlca, Por cer-
to, ê duro à autoridade suprema da. Igreja reitel'ar tais prin-
cipias; a um pastor de almas mais fâcil e ", simpâtlco~ seria sij-
lendâ-Ios ou reformá-los. Todavia, ao propo-los de novo, a S.
Igreja manifesta a consciência de que o assunto é extremamen·
te sério, não podendo ser moldado a crUério de nenhuma au-
toridade humana, O zelo de um pastor de almas, diante de ca-
sos matrimoniais infelizes. tenderá principalmente a excitar fé ,
maananimidalle e confiança nas pessoas em foco.
Em suma, possam tais dados projetar luz sobre algun::;
tópicos da resenha de «Vej a» e desfazer a Impressão de que
as normas da Moral culólica estão para desmoronar sob a onda
da dissolução de costumes!

~stê\'ã.o BeUcncourl O.S.B.

, Bispos ou outros Preladas cam jurisdlçlo de Bispos.

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