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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

TARCILA SOARES FORMIGA

À ESPERA DA HORA PLÁSTICA:


O PERCURSO DE MÁRIO PEDROSA NA CRÍTICA DE ARTE BRASILEIRA

RIO DE JANEIRO
2014
Tarcila Soares Formiga

À ESPERA DA HORA PLÁSTICA:


o percurso de Mário Pedrosa na crítica de arte brasileira

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação


em Sociologia e Antropologia, Instituto de Filosofia e Ciências
Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como requisito
parcial à obtenção do título de Doutor em Sociologia.

Orientador: Profª Dra. Glaucia Villas Bôas

Rio de Janeiro
2014
À ESPERA DA HORA PLÁSTICA:
o percurso de Mário Pedrosa na crítica de arte brasileira

Tarcila Soares Formiga

Orientador: Profa. Dra. Glaucia Villas Bôas

Tese de doutorado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia


do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro –
UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em Ciências
Humanas (Sociologia).

Aprovada por:

________________________________________________
Profa. Dra. Glaucia Villas Bôas, Presidente, PPGSA/UFRJ

________________________________________________
Prof. Dr. André Pereira Botelho, PPGSA/UFRJ

________________________________________________
Profa. Dra. Sabrina Parracho Sant’Anna PPGCS/UFRRJ

________________________________________________
Profa. Dra. Lígia Dabul PPGS/UFF

________________________________________________
Prof. Dr. Luiz Camillo Dolabella Portella Osorio de Almeida PUC/RJ

________________________________________________
Profa. Dra. Tatiana Oliveira Siciliano, PUC/RJ (Suplente)

________________________________________________
Prof. Dr. Alexandre Pinheiro Ramos, Pós-Doc/PPGSA/UFRJ (Suplente)
Esta tese é dedicada aos meus pais e à minha irmã.
AGRADECIMENTOS

Nos cinco anos que marcaram o intervalo entre a defesa da dissertação de mestrado e a defesa
da tese de doutorado, eu aprendi que devo pecar pelo excesso de agradecimentos.
Infelizmente, o espaço aqui não permite enumerar as pessoas que contribuíram diretamente e
indiretamente para a realização deste trabalho. O cansaço no fim dessa jornada também me
impede agradecer devidamente às pessoas que fazem (ou fizeram) parte da minha vida e sem
as quais nenhuma dessas páginas seria possível. Isso posto, agradeço:

À Minha família: minha mãe Regina, meu pai José e minha irmã Ester. As risadas, a paciência
e o amor de vocês estão contidos em cada palavra desta tese. Obrigada por tudo. Por tudo
mesmo.

A Maria Clara Antonio Jeronimo, amiga de longa data e a quem agradeço imensamente por
fazer parte da minha vida.

Aos meus amigos: Pricila Loretti, Carolina Brandão e Fábio de Maria pela conversa, apoio e
companhia ao longo desses anos.

A Renan Prestes, que chegou aos 47 minutos do segundo tempo no processo de escrita da tese
– para usar uma metáfora do futebol, paixão em comum. Sem você, teria terminado este
trabalho antes, mas não teria sido tão feliz como nos últimos meses.

A Glaucia Villas Bôas, por ter se tornado mais do que uma orientadora: modelo de
pesquisadora e confidente nas horas vagas.

Aos colegas de NUSC, especialmente Daniela Stocco, Guilherme Marcondes, Marcelo


Ribeiro, Tatiana Siciliano, Alexandre Ramos, Ana Accorsi, Leonardo Nóbrega, Júlia Polessa,
Renata Proença e Pérola Mathias, que tornaram este trabalho o resultado de um processo de
criação coletiva.

Às professoras Lígia Dabul e Sabrina Parracho Sant’Anna, que aceitaram fazer parte da banca
e acompanharam meu trabalho de perto durante o doutorado.

Ao professor André Botelho por ter despertado meu interesse para a Sociologia ainda na
graduação e que aceitou fazer parte dessa etapa importante da minha formação.

Ao professor Luiz Camillo Osório, por ter aceitado fazer parte da banca.

Aos professores Francisco Alambert e Telê Ancona, cujas aulas foram importantes para a
formulação de questões de trabalho.

Às professoras Ana Paula Simioni e Maria Lucia Bueno pela inspiração e incentivo à
realização desta pesquisa.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, por ter concedido uma


bolsa de doutorado fundamental para a concretização desta tese.
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela bolsa-sanduíche que
me permitiu pesquisar no exterior.
Ao Programa Nacional de Apoio à Pesquisa da Fundação Biblioteca Nacional, pela bolsa de
estudos para estudar o acervo de Mário Pedrosa nessa instituição.
À professora Vera Zolberg, que aceitou ser minha coorientadora na New School for Social
Research.
A Jay Levenson, diretor do programa internacional do Museu de Arte Moderna de Nova
York, que facilitou a pesquisa nos arquivos dessa instituição.
A Dore Ashton, que aceitou falar sobre sua amizade com Mário Pedrosa e despertou minha
atenção para o significado da palavra “utopia” na trajetória do crítico.
Finalmente, agradeço a todos que não tiveram seus nomes listados aqui, mas que contribuíram
para que essa “missão” fosse cumprida com mais leveza.
como realizar a arte?
massa, direções, espaços limitados no
grande espaço do universo
[...] nada disso é fixo.
cada elemento pode mover-se, agitar-se,
oscilar, ir e vir em suas relações com os
outros elementos de seu universo.
que seja não apenas um instante “momentâneo”,
mas uma lei
física de variação entre os
acontecimentos da vida.
sem extrações,
sem abstrações,
abstrações que não se assemelham a nada
da vida, exceto por sua maneira de reagir.

(Alexander Calder, Como realizar a arte?).


RESUMO

FORMIGA, Tarcila Soares. À espera da hora plástica: o percurso de Mário Pedrosa na


crítica de arte brasileira. Rio de Janeiro, 2014. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Mário Pedrosa foi reconhecido por sua atuação como crítico de arte, principalmente a partir
da década de 1950, quando desempenhou um papel central na formação de jovens artistas no
Rio de Janeiro que dariam origem ao núcleo de arte concreta nessa cidade. Embora também
tivesse se destacado em outras atividades, como na militância política, desde os anos 1920
Pedrosa esteve inserido em redes artísticas e intelectuais que contribuíram para sua
consagração como crítico nas décadas posteriores. Tendo em vista esse espaço de tempo entre
sua iniciação nas artes plásticas e seu reconhecimento como uma autoridade nos assuntos
estéticos, o objetivo desta tese é compreender o processo que marcou a incursão gradual de
Pedrosa na crítica de arte, analisando como ele construiu paulatinamente um repertório de
questões e categorias mobilizado em suas reflexões sobre arte e uma plataforma no campo da
crítica, ao mesmo tempo em que lutou para a consagração de uma vanguarda artística
associada ao concretismo.

Palavras-chave: Mário Pedrosa, crítica de arte, arte concreta, autoridade.


ABSTRACT

FORMIGA, Tarcila Soares. À espera da hora plástica: o percurso de Mário Pedrosa na


crítica de arte brasileira. Rio de Janeiro, 2014. Tese (Doutorado em Sociologia) – Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014.

Mário Pedrosa was recognized as an art critic, primarily in the 1950s, when he played an
important role in the creation of a group of artists in Rio de Janeiro who formed a core of
concrete art in this city. Although he took part in other activities, such as political activism,
since the 1920s, Pedrosa participated in artistic and intellectual networks that contributed to
his consecration as an art critic decades later. Given this gap between his initiation in the fine
arts and his recognition as an authority in aesthetic matters, the objective of this thesis is to
understand the process that marked the gradual incursion of Pedrosa in art criticism, analyzing
how he gradually built up a repertoire of questions and categories mobilized in his reflections
on art, giving rise to his platform in the field of criticism, while he fought for the consecration
of an artistic avant-garde associated with constructivism.

Key words: Mário Pedrosa, art critic, concrete art, authority.


SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 12

CAPÍTULO 1: QUESTÕES DE TRABALHO: RUMOS DA PESQUISA 17

1.1 OS CAMINHOS DA CRÍTICA 17

1.2 ARTE E POLÍTICA: LEITURAS DO PERCURSO CRÍTICO


DE MÁRIO PEDROSA. 27

1.3 AUTORIDADE E AMIZADE 38

1.4 A CONSTRUÇÃO DE UM PERCURSO: A ESTRUTURA DA TESE 47

CAPÍTULO 2: ACERTANDO AS CONTAS COM O PASSADO:


MODERNISMO EM DEBATE 55

2.1 PERÍODO DE FORMAÇÃO E ENCONTRO COM A PRIMEIRA


GERAÇÃO MODERNISTA NOS ANOS 1920 55

2.1.1 A inserção de pedrosa no meio artístico e sua relação com Mário


de Andrade 55

2.1.2 As “amizades fabulosas” e o encontro com os surrealistas 65

2.2 A SEMANA DE ARTE MODERNA EM DEBATE 71

2.3 PORTINARI, O ARTISTA EM QUESTÃO 88

2.3.1 Mário de Andrade e Portinari: o crítico e o artista virtuose 89

2.3.2 Inflexões na arte e na crítica: relação entre forma e conteúdo


em Mário Pedrosa e Cândido Portinari 97

CAPÍTULO 3. IDAS E VINDAS DO CRÍTICO: O EXÍLIO


NOS ESTADOS UNIDOS 109

3.1. O PERÍODO DE CRISE E A CONSTITUIÇÃO DE UMA


“SENSIBILIDADE ESCRUPULOSA” 109

3.2 O CONTATO COM AS IDEIAS SOBRE UMA ARTE


REVOLUCIONÁRIA INDEPENDENTE 122

3.3 O CRÍTICO E O ARTISTA: A RELAÇÃO ENTRE MÁRIO


PEDROSA E ALEXANDER CALDER 136
3.3.1 Alexander Calder e a defesa da abstração 143

CAPÍTULO 4. A CONSTRUÇÃO DE UM “DEVENIR PICTÓRICO”:


O RECONHECIMENTO DE MÁRIO PEDROSA COMO CRÍTICO
E FORMULADOR DE UM PROJETO ARTÍSTICO 153

4.1 A IMPORTÂNCIA DA DISCUSSÃO SOBRE “ARTE VIRGEM”


PARA A DEMARCAÇÃO DE POSIÇÕES NO MEIO ARTÍSTICO E
PARA A CONSTRUÇÃO DE UM REPERTÓRIO CRÍTICO 153

4.2 OS PRIMÓRDIOS DO GRUPO FRENTE: O PAPEL


DESEMPENHADO POR MÁRIO PEDROSA NA
CONSTITUIÇÃO DE UM GRUPO DE ARTISTAS 168

4.2.1 O crítico como “teórico”: As reuniões na casa de Mário Pedrosa 168

4.2.2 As posições de Mário Pedrosa e Ivan Serpa no grupo concreto 173


carioca

4.2.3 O crítico como porta-voz dos artistas 178

4.3 AFIRMAÇÃO DE PEDROSA COMO CRÍTICO NO MEIO


ARTÍSTICO BRASILEIRO: A RECEPÇÃO DA TESE DA NATUREZA
AFETIVA DA FORMA NA OBRA DE ARTE E DO LIVRO ARTE,
NECESSIDADE VITAL. 186

4.3.1 A tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte 186

4.3.2 Lançamento do livro Arte, necessidade vital em 1949 193

CONCLUSÃO 205

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 217


APRESENTAÇÃO

Mário Xavier de Andrade Pedrosa nasceu no dia 25 de abril de 1900, no interior do


estado de Pernambuco. Filho do magistrado Pedro da Cunha Pedrosa e de Antonia Xavier de
Andrade Pedrosa, foi o sexto a nascer em uma família de dez filhos. Em sua autobiografia
inacabada, intitulada A pisada é esta e escrita em 1974, Pedrosa descreve brevemente a
história de sua família, que, segundo ele, confunde-se com a do Brasil. O que chama a atenção
na produção de sua memória, e que vai ser mobilizado aqui como ponto de partida para este
trabalho, é não apenas o seu distanciamento em relação aos projetos familiares, mas também a
ênfase que ele atribuiu às suas ideias como referência para o percurso que desejava relatar:
“Mas se me tirarem as ideias com as quais, desde moço, dei a volta ao mundo, fiz
cambalhotas pelo mundo, agi, ganhei e perdi, que me resta contar?” (PEDROSA, 1991, p.38).
Sobre seu afastamento em relação aos projetos acalentados pela família,
principalmente no que se refere à sua carreira, Pedrosa menciona que seus pais tinham
predileção pela vida pública, voltada para o bem comum, em detrimento dos negócios, pelos
quais nutriam um “desprezo feudal”. Seu pai dedicou a vida à política, na condição de senador
(1912-1923), deputado estadual (1905-1908), vice-presidente da Paraíba (1908-1911) e
deputado na Assembleia Constituinte deste estado (1881-1882).
Pedrosa, por sua vez, não seguiu a carreira pública, ainda que fosse esse o desejo da
família, principalmente da mãe no que se refere à imagem de uma “vida vitoriosa e bela”.
Embora fosse dotado de instrução e cultura, sua mãe relatava que ele era, entre os irmãos, o
que mais sofria “pelas ideias e pela vida”. Como conclusão daquilo que sua mãe entendia
como “fracasso”, ela teria dito: “Ó, Mário, sabes, muita inteligência demais faz mal”
(PEDROSA, 1991, p.37).
Quando sua mãe morreu, em 1940, Mário Pedrosa vivia exilado nos Estados Unidos,
onde ficou sete anos, contando, muitas vezes, com o auxílio de seus familiares para continuar
naquele país. Ele sofria as consequências que suas posições no campo da política e sua
militância intelectual provocaram: o afastamento de seu país, de seus familiares e de seu
círculo de amizades. Embora tenha sido uma experiência que teve consequências importantes
em sua incursão no exercício crítico, conforme será visto ao longo desta tese, o exílio
evidenciava seu distanciamento em relação às expectativas familiares. No ano seguinte à
morte da mãe, em 1941, Pedrosa tenta retornar ao Brasil e é preso novamente. Devido ao
prestígio político de seu pai, é solto na condição de retornar aos Estados Unidos. Nesse
13

momento, mais uma vez, as diferenças entre pai e filho surgem à tona: o primeiro como
patriarca, chefe político e senhor de engenho; e o filho, que “sofria pelas ideias e pela vida”.
A menção inicial a esse texto autobiográfico serve aos propósitos desta tese, uma vez
que, mais do que “sofrer pelas ideias”, foi por meio delas que Mário Pedrosa angariou
reconhecimento em diversos campos, tanto como pensador político como quanto crítico de
artes plásticas. No percurso que será tratado aqui, que diz respeito à sua consagração no
exercício judicativo, ficará evidente que, além de romper com os projetos familiares, Pedrosa
se distanciou dos discursos legitimados sobre a arte que eram produzidos no Brasil até a
década de 1940. Nesse sentido, ao lançar mão de novas concepções sobre o fenômeno
estético, construiu uma história bem-sucedida no meio artístico brasileiro, a partir desse
período, distanciando-se dessa ideia de fracasso criada por sua mãe e relembrada em suas
memórias.
Seu projeto no campo da crítica, que envolveu a construção de um novo repertório
para analisar os objetos artísticos, vai ser compreendido como um processo em que não é
possível definir um marco fixo onde ele teria início. Isso porque, a partir da década de 1920,
quando começou a atuar tanto na militância política quanto intelectual, Pedrosa direcionou
suas atividades em diversas frentes, que incluíam a criação de partidos políticos de esquerda,
a atuação como crítico literário e de artes plásticas, a participação ativa em museus e outros
espaços de exposição, entre outras que ele desempenhou ao longo de sua trajetória. A
identificação, portanto, de um momento exato em que ele teria iniciado sua atuação como
crítico de artes plásticas encontra dificuldades, por ser ele uma figura “poliédrica”, que se
envolveu em diferentes ações, muitas vezes, simultaneamente.
Um leitor menos familiarizado com a biografia de Mário Pedrosa, por exemplo,
surpreender-se-ia com afirmações tão diferentes, como a de que teria sido um dos maiores
críticos de arte do Brasil (PEDROSO, 1991) e também um dos principais pensadores
socialistas no país (PELLEGRINO, 1982). O investimento em áreas supostamente tão
distintas, como as da arte e da política, gerou – e gera – questionamentos acerca da forma
como ele conciliou uma atuação nessas duas atividades. Para sair desse impasse, uma das
hipóteses desta tese é a de que foi como crítico de artes plásticas que Pedrosa conseguiu fazer
um melhor uso do cabedal social e cultural que adquiriu a partir dos anos 1920, quando
começou a se inserir em diversos círculos artísticos, no Brasil e no exterior, e presenciar
nesses espaços debates de questões sobre a arte moderna.
Desse modo, em vez de buscar alguma coerência analisando a inserção de Pedrosa em
diversas atividades, o objetivo aqui será tratar de seu progressivo reconhecimento no exercício
14

judicativo, em um período que vai de meados da década de 1920 até meados da década de
1950. Durante essa época, Pedrosa esteve inserido em redes artísticas e intelectuais que
contribuíram, sobremaneira, para sua incursão naquela atividade. Ao mesmo tempo em que
frequentava essas redes, ele formulou suas concepções sobre o fenômeno artístico, que foram
se alterando ao longo desse processo. Se, em um primeiro momento, ele estava preocupado
com questões em torno da relação entre expressão plástica e uma mensagem de fundo social,
como ficará evidente em seus primeiros textos sobre Cândido Portinari escritos nos anos
1930, posteriormente, sua análise irá pender para os elementos formais da obra de arte, em
especial, quando se atenta para seus artigos publicados a partir da segunda metade da década
de 1940.
Essa mudança, que se consolida na década de 1940, evidencia o momento em que
Pedrosa estava preocupado não apenas em formular de forma mais explícita um projeto na
crítica, mas também uma plataforma artística. No fim dos anos 1940, enquanto estava
ocupado em refletir sobre questões estéticas – vide a sua tese Da natureza afetiva da forma de
arte, escrita em 1949 –, ele também se uniu a artistas ainda em formação, no estágio inicial de
suas carreiras, com quem debateu suas ideias sobre arte, que faziam parte do corpus daquele
trabalho. Em depoimentos, esses artistas enfatizam a importância dessas discussões para a
definição de suas carreiras, notadamente, no que diz respeito à conversão para uma nova
linguagem artística, em cujas bases o crítico trabalhou. Os desdobramentos desse encontro sui
generis serão compreendidos aqui por meio da criação do primeiro núcleo de arte concreta no
Rio de Janeiro, na década de 1950. Embora o surgimento desse núcleo possa ser atribuído à
existência de diversos espaços de sociabilidade que conformaram seu escopo, a participação
de Pedrosa nesse projeto artístico e também em sua legitimação deve ser enfatizada para
compreender seu percurso na crítica de artes plásticas no Brasil.
Embora tivesse criado vínculos afetivos com aqueles artistas, a posição que Pedrosa
ocupou entre eles também chama a atenção: desempenhou o papel de autoridade nos assuntos
estéticos, lhe sendo conferida a função de “teórico”. Nessa perspectiva, o crítico indica os
novos caminhos da arte, ao mesmo tempo em que revela ao artista o seu potencial criativo,
antes de revelá-lo aos outros. A posição de Pedrosa como “teórico” e “intelectual” entre os
artistas que participariam do Grupo Frente, na década de 1950, lança luz, portanto, para a sua
importância não apenas como um crítico que validaria as obras produzidas por eles, como
também aquele que contribui para a criação de valores estéticos que vão servir de referência
para a criação artística.
15

Sua atuação como um dos principais protagonistas do projeto construtivo deve ser
vista também por meio de sua participação em debates e confrontos no cenário artístico
brasileiro. A partir da década de 1920, a primeira geração de artistas modernos tinha como
principal plataforma a tematização do homem brasileiro e a reflexão sobre a realidade
nacional. Para os artistas dessa geração, como Emiliano Di Cavalcanti e Cândido Portinari, a
arte deveria ser essencialmente representativa, isto é, deveria expressar uma relação com a
realidade concreta (ZÍLIO, 1997). Os críticos engajados nesse movimento, como Mário de
Andrade, utilizavam categorias que estavam de acordo com o ideário estético do qual eles
eram defensores, mobilizando termos como “realismo” e “nacionalismo” para dar conta das
obras que estavam sendo produzidas no período.
Mário Pedrosa, por sua vez, vai se inserir em debates com críticos representantes do
ideário modernista da década de 1920, chamando a atenção para a necessidade que aqueles
atores têm de reinventar seu repertório à medida que a própria concepção de arte moderna
passa por transformações. Nos anos 1940 – ao entrar em contato com diferentes formas de
produção artística, como a do escultor abstrato Alexander Calder e dos esquizofrênicos que
faziam parte do ateliê de pintura do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, localizado no
Engenho de Dentro –, Pedrosa percebeu que aquelas categorias usadas pelos críticos não
dariam mais conta de analisar essa produção. Desse modo, em vez de noções como
“realismo”, “nacionalismo”, ele passa a enfatizar categorias tais como “abstração” e “formas
privilegiadas”. Além disso, ao passo que lança mão desse novo repertório, ele também
legitima outra tendência no interior da arte moderna – não mais aquela que tinha como projeto
a construção da nação, mas outra, comprometida com aspectos formais da obra de arte, tais
como linha, cor e plano, não mais com os elementos extrínsecos ao espaço pictórico.
Essa defesa de outra plataforma artística deve ser compreendida, portanto, em
conjunto com a elaboração de um repertório crítico. Todavia, o processo de construção de
novas concepções sobre a arte, no qual Pedrosa esteve envolvido em um período de pelo
menos 20 anos, não foi linear. Nesse decurso de tempo, ficará evidente como sua produção
crítica vai expressar as diversas etapas pelas quais ele foi construindo seu percurso no
exercício judicativo. Sua consagração nessa atividade, entretanto, pode ser localizada
justamente no momento em que conseguiu conjugar suas preocupações com a existência de
“formas privilegiadas” na arte – aquelas que prezam a simetria e simplicidade e que, portanto,
são mais fáceis de comunicar ao espectador – com a criação de um grupo cujo processo de
criação artística colocasse em relevância essas formas.
16

Finalmente, esse percurso de Mário Pedrosa na crítica de arte tem como metáfora a
ideia mencionada no título deste trabalho, que faz referência “à espera da hora plástica”.
Embora essa expressão tenha sido título de um artigo escrito por ele em um momento
posterior ao período investigado aqui, mais precisamente em 1967, ela foi mobilizada pelo
crítico para fazer menção a um contexto em que as atividades artísticas teriam um papel
proeminente em relação a outros âmbitos da sociedade – como as esferas científica e política,
por exemplo – sendo capazes até mesmo de modificá-las (PEDROSA, 1998, p.427). Essa
discussão ocupa um papel central em seu projeto crítico, posto que ele atribui às artes
plásticas a tarefa de criar um ambiente social modificado por novas formas de percepção e de
sensibilidade. Se, conforme já mencionado, a construção desse projeto foi gradual, é porque
ela necessitava também da elaboração de um novo ideário estético que desse sentido a ele;
assim, seu reconhecimento como crítico esteve também “à espera da hora plástica”.
17

CAPÍTULO 1

QUESTÕES DE TRABALHO: RUMOS DA PESQUISA

1.1 Os Caminhos da crítica

Analisar o percurso de Mário Pedrosa (1900-1981) na crítica de arte não é uma tarefa que
possa ser empreendida sem assumir alguns riscos. Em primeiro lugar, porque essa não foi a
única atividade que ele desempenhou durante sua vida. Além de produzir textos sobre artes
plásticas, Pedrosa também escreveu crítica literária, foi um militante político, professor de
História do Colégio Pedro II, entre outros papéis que assumiu em sua agitada vida intelectual.
Compreender, portanto, sua atuação no exercício judicativo 1 esbarra em uma série de
dificuldades, entre as quais se incluem também as transformações pelas quais passou sua
produção crítica e a heterogeneidade de sua obra como ensaísta.
Além disso, não se pode deixar de mencionar que, ao se lançar na crítica de arte, Pedrosa
também estava forjando a própria atividade na qual iria se destacar. Quando ele escreve seus
primeiros textos sobre artes plásticas, ainda no início da década de 1930, a crítica artística no
Brasil era dominada por literatos como Mário de Andrade, que, além de valorizarem o
realismo/naturalismo na arte, também destacavam o assunto do quadro em sua produção
crítica.2 Mário Pedrosa, ao contrário, lançou mão de um instrumental analítico para examinar
os trabalhos artísticos que priorizava, acima de tudo, os elementos plásticos das obras,
embasado, principalmente, na Psicologia da Forma.3 Todavia, o processo a partir do qual ele
construiu sua carreira no exercício judicativo ocorreu em etapas, considerando que esse
instrumental do qual ele lançou mão e os posicionamentos que assumiu em relação às
tendências artísticas foram se modificando ao longo de seu “itinerário crítico”. É justamente

1
A crítica como exercício judicativo vai ser tomada aqui no sentido de uma “aposta no discernimento e na
diferença” (OSÓRIO, 2005, p.15).
2
De acordo com Tadeu Chiarelli (2007, p.17): “Fora algumas transformações mais visíveis, a crítica de arte
modernista em grande parte continuava discutindo questões muito mais pertinentes a um ideário estético ligado
às correntes do século XIX do que propriamente daquelas vanguardas históricas. A razão para tal situação
encontra-se justamente no fato de que dentro do modernismo foi deixado um substrato estético da arte do
passado – de derivação realista/naturalista, em alguns casos, e ‘clássica’ em outros –, que permaneceu subjacente
a toda a sua produção plástica e de crítica de arte. Se este fato, por um lado, ajudou o movimento a galgar
rapidamente os vários postos rumo à oficialidade da arte brasileira já nos anos de 1930/1940, por outro,
constituiu-se no seu handicap frente às neovanguardas (sobretudo aquelas não figurativas), que começaram a
surgir no Brasil já no final dos anos de 1940”.
3
A Psicologia da Forma ou Gestalt é uma “teoria segundo a qual nosso campo perceptivo se organiza
espontaneamente, sob a forma de conjuntos estruturados e significantes (‘formas boas’ ou gestalts fortes e
plenas)” (GINGER, 1995, p.13).
18

sobre esse processo que trata a presente tese. Ao longo deste trabalho, serão analisadas
algumas das etapas que foram fundamentais para que ele passasse a ser visto como um crítico
de artes plásticas.
Uma análise de como Pedrosa atuou como crítico de arte, no entanto, não pode prescindir
de uma reflexão acerca dessa atividade. Compreender as “razões da crítica” configura-se aqui
como um primeiro passo para entender não apenas a importância do exercício judicativo em
meados do século XX no Brasil – momento esse em que a discussão sobre uma arte moderna
marcadamente brasileira atingia seu ápice com um embate entre dois projetos distintos –,4
como também para analisar o papel que Pedrosa desempenhou no meio artístico e cultural do
país naquele contexto.
Cabe destacar que não serão debatidos aqui os primórdios da crítica de arte e uma
definição a priori de seu significado. Em vez disso, a discussão sobre o exercício judicativo
vai ser pautada por algumas categorias fundamentais para sua compreensão, entre as quais se
destaca aquela de mediação. De acordo com Giulio Argan (2010), o fato de a crítica contribuir
para a legitimação da arte corrobora a hipótese de que os trabalhos artísticos teriam um caráter
inacabado, ou que elas não teriam uma comunicabilidade imediata. Nesse sentido, a crítica
assumiria uma função mediadora, isto é, “lançaria uma ponte sobre o vazio que se tem vindo a
criar entre os artistas e o público, ou seja, entre os produtores e os fruidores dos valores
artísticos” (ARGAN, 2010, p.128).
Esse aspecto foi abordado por Pedrosa no posfácio que ele escreveu no livro A arte agora
agora (1991), de Herbert Read, em que traça um perfil da obra desse crítico. Nele, Mário
Pedrosa ressalta a principal tarefa dos que se aventuram no exercício judicativo, enfatizando a
abordagem de Read. A mediação, nesse caso, dar-se-ia, principalmente, por meio dos métodos
escolhidos pelos críticos, que deveriam traduzir as obras de arte moderna em conceitos
intelectuais passíveis de serem apreendidos pelo público:

Vivemos numa época, afirma batendo com o pé, em que o povo não pode mais ser
conservado fora dos assuntos e dos temas decisivos para o seu e o nosso destino. O povo
precisa, deve entender; o profundo não chama mais o profundo; os símbolos têm de ser
traduzidos em conceitos. Essa é a tarefa do crítico: tomar os símbolos do pintor e escultor e
traduzi-los, se não em conceitos intelectuais, em metáforas poéticas (PEDROSA, 1991,
p.151).

4
De acordo com Glaucia Villas Bôas (2014b), o modernismo nas artes plásticas, no Brasil, incluiu dois projetos
distintos. O primeiro é o modernismo da década de 1920, cujo mito de origem é a Semana de Arte Moderna de
1922. Uma das principais características desse projeto era a “valorização do ‘brasileiro’ definido como a parte
histórica e cultural, específica e singular do Brasil no conjunto do concerto das nações”. O segundo projeto
ganha força no final década de 1940, “contrastando com o primeiro pelo seu caráter universalista, pelo gosto
pelas formas, linhas, cores, planos em detrimento das figuras e disposição dos objetos no espaço”.
19

Essa função mediadora da crítica teria se acentuado, especialmente, a partir de uma crise
do sistema de representação realista na arte. A ascensão das vanguardas artísticas, no final do
século XIX na Europa, colocou em xeque a possibilidade de se fazer uma crítica descritiva
das obras de arte. Desse modo, a transformação do espaço pictórico foi também um divisor de
águas tanto para a crítica como para o público: enquanto os espectadores se distanciam das
atividades artísticas, considerando que elas se tornam cada vez mais herméticas, caberia aos
críticos reinventar sua linguagem, uma vez que estão impossibilitados de fazer uma descrição
verbal do assunto do quadro, tornando-se intermediários entre o artista e o público, auxiliando
no processo de comunicação das obras de arte.
Essa mediação, todavia, dar-se-ia em diversos níveis, sendo também tarefa da crítica
relacionar a arte com outras esferas da vida social, justamente em um momento em que a arte
declara sua autonomia, isto é, sua liberdade em relação às coerções do mundo exterior. Nesse
contexto, caberia ao crítico desempenhar o papel de forjar novas conexões entre a arte
moderna e a realidade (OSÓRIO, 2005, p.18). Sobre isso, afirma Argan (2010, p.130):

A tarefa da crítica contemporânea consiste, pois, substancialmente, em demonstrar que o


que é feito como arte é verdadeiramente arte e que, sendo arte, associa-se organicamente a
outras atividades, não artísticas e até não estéticas, inserindo-se assim no sistema geral da
cultura [...] Por fim, se a crítica é uma ponte entre a esfera “separada” da arte e a esfera
social, essa ponte constrói-se partindo da esfera artística para a esfera social (e não
inversamente), de tal modo que a crítica pode ser considerada um prolongamento, ou um
tentáculo com o qual a arte tenta agarrar-se à sociedade, qualificando-se como uma
atividade não totalmente contrária ou dessemelhante daquelas a que a sociedade dá crédito
como produtoras de valores necessários, tais como a ciência, a literatura, a política etc.

Esse outro sentido que pode ser atribuído à ideia de mediação, como uma das funções
da crítica, é fundamental para compreender o percurso de Mário Pedrosa no exercício
judicativo. Enquanto uma linhagem de críticos estava ligada ao repertório realista/naturalista
na arte, representada por Mário de Andrade, Pedrosa contribuiu para a legitimação e a criação
do núcleo de artistas concretistas, no Rio de Janeiro, que comporiam, na década de 1950, o
Grupo Frente. 5 Em um contexto de debates entre diversas vertentes da arte moderna, a
tendência concreta era considerada por seus detratores como impessoal, presa em uma torre
de marfim.6 Caberia ao crítico, portanto, justificar a presença desse movimento no Brasil,
fazendo as conexões necessárias entre seu surgimento e o contexto social em que aflorou.

5
A importância de Mário Pedrosa na criação desse grupo será vista no capítulo 4 desta tese.
6
No artigo “Realismo e abstracionismo”, Di Cavalcanti faz a seguinte afirmação sobre a arte abstrata: “Ora,
minha crítica ao anarquismo modernista vem da seguinte observação: uma arte que, deliberadamente, se afasta
da realidade, que submete a criação a teorias de um subjetivismo cada vez mais hermético que leva o artista ao
desespero de uma solidão irreparável, onde nenhum outro homem pode encontrar a sombra de um semelhante, é
20

O crítico de arte, portanto, seria um mediador ou intermediário que atuaria em diversas


instâncias, tanto buscando o engajamento da arte na esfera social quanto servindo como ponte
entre o artista e o público. Pedrosa desempenhou essa função a partir de meados da década de
1940, quando passou a escrever uma coluna diária sobre artes plásticas no jornal do Correio
da Manhã, publicou ensaios, liderou a formação de um grupo de artistas concretos no Rio de
Janeiro, além de ter se inserido em museus e instituições voltadas para a legitimação da crítica
de arte. Nesse sentido, sua atuação pode ser compreendida a partir de uma capacidade de
mediação, descrita por Gilberto Velho (2010, p.05) como “uma plasticidade sociocultural que
se manifesta na capacidade de transitar e, em situações específicas, de desempenhar o papel
de mediador entre distintos grupos e códigos”.7
Outra questão importante em relação ao exercício judicativo é sua faceta enquanto
projeto. De acordo com Anne Cauquelin (1992), a crítica visa o futuro, examina as
possibilidades ainda latentes do grupo que defende, promovendo a construção daquilo que ela
chama de “devenir pictórico”. Essa dimensão que Cauquelin reconhece na atividade crítica
também chama a atenção para um importante aspecto da atuação de Pedrosa, na medida em
que, conforme já mencionado, ele se engajou na defesa do concretismo no Brasil e foi um
elemento central na formação de um grupo em torno dessa tendência. Isso só foi possível
porque, além de estabelecer relações embasadas em laços de amizade e autoridade – duas
categorias fundamentais para compreender seu percurso crítico junto aos artistas –, Pedrosa
deu coesão àquele projeto artístico, teorizando sobre eles, debatendo com defensores de outras
correntes artísticas, além de apresentar suas posições para o público por meio de sua coluna
de jornal. Sendo assim, a crítica teria a função de interpretar as obras de arte e de atuar em um
momento anterior, auxiliando na formação de grupos e vislumbrando as intencionalidades
presentes nos programas ainda em processo de afirmação no meio artístico. Entendido assim,
o exercício judicativo teria um caráter mais perspectivo do que retrospectivo (ARGAN, 2010,
p.129).
Esse caráter projetivo da crítica teria relação ainda com um aspecto político da arte de
vanguarda.8 De acordo com Cauquelin (1992, p.31), a arte deve desenhar o caminho para o

uma arte humanamente inconsequente. Espera-se a renascença da humanidade pela compreensão entre os
homens? Ou perdemos a noção da vida humana? Será a arte apenas um mecanismo frio de inteligência?” (DI
CAVALCANTI, Emiliano. Realismo e abstracionismo. Fundamentos, São Paulo, n. 3, p. 241-246, ago. 1948).
7
Essa imagem também fica evidente na análise de Terry Eagleton, quando ele descreve o crítico como um
flâneur ou bricoleur, que perambula sem compromisso por paisagens sociais diversas (EAGLETON, 1991,
p.14).
8
Para Peter Bürger, não é possível elaborar uma teoria das vanguardas sem colocar em discussão o engajamento
político. Segundo o autor: “Onde a obra não é mais concebida como totalidade orgânica, o motivo político
21

futuro, jogar as bases para a construção de uma nova sociedade. Nesse sentido, ela teria
também um papel nitidamente político. A crítica, por sua vez, ao contribuir para a formação
desses movimentos vanguardistas, trava aquilo que Cauquelin vai chamar de uma batalha
ideológica, posicionando-se ao lado desses grupos, defendendo suas propostas, identificando
as possibilidades inscritas nas iniciativas artísticas ainda em construção. Desse modo, esse
caráter político que a autora identifica nas vanguardas depende também daqueles que se
dedicam ao exercício judicativo, uma vez que a identificação dos vínculos entre arte e
sociedade – nesse caso, arte e política – pode ser uma tarefa da crítica, considerando seu
aspecto perspectivo já mencionado.
No caso de Mário Pedrosa, esse significado da crítica como um projeto faz sentido,
considerando que ele se engajou na defesa de um papel político da arte de vanguarda. No
processo de elaboração de um projeto estético do qual participou ativamente, como aquele
ligado à tendência concreta, o crítico repensou as conexões entre a arte e a política, entre a
arte e o mundo social, ao afirmar que a criação artística teria um aspecto revolucionário, pois
ela altera o modo de vida dos homens, contribuindo para a criação de uma nova sociedade:
“Todo o movimento moderno, sobretudo o movimento abstracionista, foi sempre de
inspiração não somente funcional como revolucionária, no sentido de reorganização da ordem
social em termos racionais, harmônicos e científicos”.9
A ideia de que a arte poderia “transformar os homens”, “dar estilo à época”, foi
desenvolvida por Pedrosa como parte daquilo que poderia ser definido como seu projeto no
campo da crítica. 10 A identificação com os artistas do Grupo Frente, portanto, não era

individual deixa igualmente de estar subordinado ao domínio do todo da obra, podendo, assim, atuar como
motivo isolado. Tendo por base o tipo de obra vanguardista, um novo tipo de arte engajada se torna possível.
Podemos até avançar um passo e afirmar que, com a obra vanguardista, a velha dicotomia entre arte ‘pura’ e arte
‘política’ teria sido superada [...] Numa tal concepção, vanguarda e engajamento finalmente se encontram.
No entanto, uma vez que a identidade repousa unicamente no princípio estrutural, a consequência é que
só se pode mesmo definir a arte engajada do ponto de vista da forma, e não do conteúdo” (BÜRGER, 2008,
p.178, grifo nosso).
9
PEDROSA, Mário. A Bienal de São Paulo e os comunistas. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 08 set. 1951.
10
A concepção de projeto mobilizada aqui é aquela da qual fala Gilberto Velho, ancorado nas ideias de Alfred
Schutz: “As trajetórias dos indivíduos ganham consistência a partir do delineamento mais ou menos elaborado de
projetos com objetivos específicos. A viabilidade de suas realizações vai depender do jogo e interações com
outros projetos individuais ou coletivos da natureza e da dinâmica do campo de possibilidades” (VELHO, 1994,
p.47). Outra dimensão importante da ideia de projeto é aquela relacionada com um estoque de conhecimento:
“Esse relacionamento duplo entre projeto e o estoque de conhecimento – de um lado, a referência às minhas
experiências de atos anteriormente praticados, que posso praticar de novo, e, de outro a referência do projeto aos
meus sistemas de interesses hierarquicamente organizados – tem mais uma função, da maior importância”
(SCHUTZ, 1979, p.141). A referência a esse estoque de conhecimento, isto é, às experiências acumuladas do
indivíduo, e ao “jogo e interações com outros projetos individuais” auxilia na compreensão do percurso de
Pedrosa como crítico de arte, posto que sua atuação nessa atividade pode ser relacionada justamente com o
cabedal teórico adquirido sobre artes e com as relações cultivadas por ele no meio artístico, principalmente, com
22

aleatória. Na realidade, ele atuou na formação do grupo, discutindo ideias, interagindo com
artistas ainda jovens que estavam no processo de definir escolhas, influenciando e se deixando
influenciar por eles. Por outro lado, essa relação também foi uma oportunidade para Pedrosa
repensar seus critérios mobilizados em sua produção crítica. Ao avaliar as possibilidades
latentes daquele grupo, Pedrosa conseguiu definir aquilo que, para ele, seria a verdadeira
“missão social” da arte moderna. Além de se posicionar favoravelmente em relação a esses
artistas, ele também deixaria evidente suas ideias acerca das conexões entre arte e vida, arte e
sociedade.
A relação do crítico com os artistas, portanto, é outro aspecto que merece ser
enfatizado, quando se tem em vista a dimensão da crítica como um projeto que se realiza em
conjunto, isto é, a partir das influências mútuas que se estabelecem entre criadores e aqueles
que analisam sua produção artística. Sobre essa relação, Argan (2010, p.138) afirma:

Sustentando uma determinada poética, a crítica reconhece e afirma-lhe a atualidade, ou


seja, a relação (que pode até ser de não conformidade polêmica) com os grandes temas da
cultura contemporânea. Propõe-se verificar qual poderá ser a arte de um determinado
período histórico, e em que condições poderá a arte sobreviver, tendo em conta que, na
atual situação cultural, ela não é exigida e nem solicitada. Deste modo, o crítico aproxima-
se e, frequentemente, associa-se aos artistas, faz parte dos seus grupos, participa da sua
“política”, colabora na definição dos programas e na elaboração dos manifestos, inicia e
conduz polêmicas; e, enquanto ajuda os artistas a esclarecer e enunciar suas poéticas, incita-
os a levar a sua pesquisa até ao máximo nível intelectual. Repelida para as margens da
existência “normal” da sociedade, a arte assume a vanguarda e propõe a reforma ou até
mesmo a transformação radical, revolucionária, das estruturas culturais, começando pelas
próprias, a fim de tornar possível, ainda que noutros planos, a sua própria integração
funcional no devir da sociedade. O crítico, que não só participa dos movimentos artísticos
contemporâneos como os promove e os estimula, é uma presença necessária no seio das
“vanguardas”; e é significativo que se trate quase sempre de um homem de letras que, como
líder da cultura, sustenta a necessidade da transformação estrutural e funcional de todas as
atividades artísticas.

Argan destaca, portanto, que a crítica reconhece a atualidade de um determinado


programa estético e a relaciona com a cultura contemporânea. Esse aspecto merece ser
enfatizado aqui, visto que uma das estratégias discursivas da produção crítica de Pedrosa
envolvia justamente aquilo que José D’Assunção Barros (2008, p.42) chama de uma “rara
combinação de ‘especialização’ e atenção ‘generalizante”. Com isso, esse autor quis dizer que
o crítico era capaz de produzir textos e ensaios priorizando uma análise técnica e pericial,
enquanto em outros momentos valorizou os aspectos mais gerais de cultura brasileira,
inserindo a arte moderna em um contexto mais amplo do qual ela fazia parte. Essa

os artistas cariocas que se reuniram no Grupo Frente, que conferiram ao seu desempenho no exercício judicativo
esse caráter de projeto.
23

combinação chama a atenção justamente para o fato de que, além de produzir uma crítica cujo
discurso era formal e especializado, ele também se empenhou em relacionar a tendência
artística a qual se mostrou favorável com aspectos mais universalizantes da arte e da cultura.11
Como exemplo, pode-se citar a conferência A Semana de Arte Moderna, proferida em 1952 e
publicada no mesmo ano, em que o crítico buscou fazer uma interpretação abrangente do
modernismo brasileiro, indicando a influência das artes plásticas sobre a literatura, além de
contrariar a ideia de que esse movimento no país seria uma importação de tendências
europeias.12
Esse aspecto da produção crítica de Pedrosa também vai ser lembrado por outro
crítico, Ronaldo Brito (2005). Além de reforçar que Mário Pedrosa foi “o principal teórico
dos setores mais avançados da arte brasileira” – afirmação bastante enfática, tanto no que diz
respeito à consideração de que haveria um setor mais avançado na arte, identificado com a
abstração, como também na parcialidade inerente à asserção de que o crítico seria o “principal
teórico” do meio artístico brasileiro, pelo menos por duas décadas, entre os anos 1940 e 1960
–, Brito também reconhece que aquele intelectual tinha essas intenções generalizantes,
pensando o processo artístico sem confiná-lo aos limites estreitos de uma discussão
puramente estética e formal:

Como se pode perceber, Mário Pedrosa sempre compreendeu a arte como parte de um
projeto cultural mais amplo, e nesse sentido foi um dos poucos críticos não esteticistas de
sua geração. Procurando pensar a arte num quadro social aberto, tentando sobretudo
relacioná-la com a ciência e a filosofia, conseguiu com isso escapar aos limites estreitos que
inibiam a atuação de muitos críticos e os tornavam adeptos de um estilo, seres que
passavam com esses estilos ou que permaneciam para sempre identificados com momentos
muito específicos do processo da arte local (BRITO, 2005, p.49).

Tendo em vista o caráter da crítica como projeto, cabe chamar a atenção para dois
aspectos da atuação de Mário Pedrosa nessa atividade. Em primeiro lugar, o fato de Pedrosa
relacionar a arte a um projeto cultural mais amplo, conforme menciona Brito, foi fundamental
para que ele conseguisse refletir acerca das significações sociais da arte moderna,
especialmente, do concretismo, tendência que ele lutou para consolidar no Brasil. Em segundo
lugar, não se pode confinar sua atuação no exercício judicativo ao papel que ele desempenhou
como intérprete discursivo dos trabalhos artísticos. Ao contribuir para a construção de um

11
“Veremos também, para além disto, que para a vida e obra de Mário Pedrosa convergem muitos papéis e
atuações ligados ao campo da arte. Nele, entrecruzam-se o crítico, o historiador da arte, o teórico, o líder de
movimentos artísticos, sem falar na militância política que sempre se desenvolveu em paralelo à atuação
intelectual na arte brasileira” (BARROS, 2008, p.42).
12
Essa conferência será discutida no tópico 2.2. desta tese.
24

“devenir pictórico”, Pedrosa também assumiu outras funções: agrupou artistas, trabalhou em
museus e outras instituições, e engajou-se em disputas com seus pares. Esse último aspecto
lança luz para o papel do crítico também como líder da cultura, isto é, alguém que participa
diretamente nas transformações artísticas e culturais de um país, em vez de apenas
compreendê-las.13
Por fim, cabe destacar também um discurso sobre a crítica que aponta para a perda da
sua relevância social, como é o caso de Terry Eagleton (1991). Em seu livro A função da
crítica, esse autor discute a crítica literária, mas suas questões podem atingir um ponto fulcral
sobre essa atividade, o que pode ser visto a partir da seguinte pergunta: “Que funções o
conjunto da sociedade atribui a este ato crítico?” (EAGLETON, 1991, p.01). Mais adiante ele
responde parcialmente a essa pergunta, enfatizando justamente uma crise pela qual estaria
passando a instituição crítica, cada vez mais confinada à universidade e servindo apenas como
um veículo de divulgação dos trabalhos artísticos, não necessariamente atuando como um
instrumento de reflexão sobre os mesmos. Sobre essa crise, ele ainda afirma: “Não se engaja
[a crítica], de nenhum modo significativo, em quaisquer interesses sociais substantivos, e,
enquanto forma de discurso, sua postura é quase sempre que inteiramente a de validar e
perpetuar a si própria” (EAGLETON, 1991, p.100).
O diagnóstico sobre a perda da relevância social da crítica feita por Eagleton é
importante, pois, ao propor um estudo sobre a história dessa atividade, um dos conceitos
discutidos por ele é o de esfera pública, tal como foi elaborado por Jüngen Habermas.14 Ao

13
Tadeu Chiarelli (1995, p.95), ao discutir sobre uma crítica de arte militante, afirma que uma de suas
características é o fato de que aqueles que se enquadram nessa modalidade manifestam um interesse em intervir
na cena artística-cultural, como era o caso de Mário Pedrosa. Além disso, esse tipo de crítica também estaria
“comprometida com um ideário ético que fugia à simples apreciação estética das obras que analisavam”, o que
também condiz com a atuação de Pedrosa, uma vez que ele buscava as conexões entre os trabalhos que ele
apreciava com suas significações sociais mais amplas.
14
Jürgen Habermas define a esfera pública burguesa da seguinte maneira: “[...] ela pode ser entendida
inicialmente como a esfera das pessoas privadas reunidas em um público; elas reivindicam esta esfera pública
regulamentada pela autoridade, mas diretamente contra a própria autoridade, a fim de discutir com ela as leis
gerais da troca na esfera fundamentalmente privada, mas publicamente relevante, as leis do intercâmbio de
mercadorias e do trabalho social” (HABERMAS, 1984, p.42). Entre as instituições dessa esfera pública,
Habermas destaca a importância da crítica: “Nas instituições da crítica de arte, da crítica literária, teatral e
musical, é que se organiza o julgamento leigo do público já chegado à maioridade ou que suponha ter chegado a
ela. A nova profissão que corresponde a isso recebe, no jargão da época, o nome de ‘árbitro das artes’. O
‘árbitro’ assume uma tarefa dialética peculiar: ele se entende ao mesmo tempo como mandatário do público e
como seu pedagogo. Os árbitros de arte – na controvérsia deles com os artistas, é este o topos central – podem
conceber-se como porta-vozes do público, pois não reconhecem nenhuma outra autoridade senão a do argumento
e se sentem solidários com todos aqueles que se deixam convencer por argumentos. Ao mesmo tempo, podem
voltar-se contra o próprio público se, como especialistas, clamavam contra ‘dogmas’ e ‘moda’, apelando para a
capacidade de julgamento daqueles que não haviam tido uma boa formação. No mesmo contexto dessa
evidência, também se explica a posição efetiva do crítico: à época, ela ainda não é uma profissão em sentido
estrito. O árbitro da arte continua a ter algo de amador: seus pareceres só valem enquanto não contraditos, neles
o julgamento laico se organiza sem, no entanto, tornar-se, através da especialização, outra coisa que não o
25

mobilizá-lo para analisar o exercício judicativo, sua intenção era não apenas reforçar que o
nascimento do exercício crítico coincidia com a origem de uma esfera pública burguesa, como
também desejava chamar a atenção para um aspecto da crítica que dizia respeito à sua
comunicação com um público, à abertura ao debate e ao intercâmbio de opiniões.
Essa transformação pela qual estaria passando a instituição crítica também é indicada
por aqueles que se dedicam a essa atividade. Luís Camilo Osório (2005), por exemplo, afirma
que haveria uma relação entre uma suposta crise da crítica e outra na política, uma vez que
ambas estariam voltadas para o debate e para o intercâmbio de ideias, chamando a atenção
para as conexões entre a crítica e a esfera pública tal como Eagleton. Por outro lado, ao falar
dessas mudanças, Mauro Trindade (2008) menciona a ascensão de uma crítica de serviço na
década de 1990, destituída dos posicionamentos ideológicos que marcariam o exercício crítico
dos anos anteriores, e que se manifesta principalmente por meio daquilo que ele chama de
jornalismo cultural.15 Em oposição a essa modalidade de atuação no exercício judicativo, ele
afirma: “ampliar o debate crítico vai além da divulgação das obras de arte e da reflexão
estética, significa ocupar o espaço público, pôr à prova valores através da argumentação e do
raciocínio, transcendendo a homologação de artistas e de movimentos” (TRINDADE, 2008,
p.16).
O que está implícito é um debate sobre as funções da crítica e também a construção de
um passado que seria referência para os debates atuais sobre as mudanças que cercam essa
atividade. Osório, por exemplo, identifica uma nostalgia, que resume em uma frase ouvida no
meio das artes visuais: “Como era boa a época de Mário Pedrosa!” (OSÓRIO, 2005, p.08). Já
Trindade faz referência a um momento em que um crítico como Pedrosa atuava diariamente
em jornais como o Correio da Manhã e o Jornal do Brasil, entre os anos 1940 e 1960, que se
contrapõe a um período recente marcado pela diminuição do espaço dedicado a essa atuação
intelectual, o que supõe também seu enfraquecimento.
Sobre essa referência ao nome de Pedrosa pela crítica contemporânea, Sabrina
Parracho Sant’Anna (2009, p.16) sugere que, além de ter exercido influência no período em
que participou ativamente na crítica de jornais, em meados do século XX, Pedrosa também
vem sendo lembrado até os dias de hoje como inaugurador de uma nova fase na crítica de arte

julgamento de um homem particular entre todas as demais pessoas particulares que, em última instância, não
podem considerar válido nenhum outro julgamento que não o próprio” (HABERMAS, 1984, p.57-58).
15
Mauro Trindade identifica o jornalismo cultural com uma crítica de serviço. Essa seria destituída de um
caráter partidário e teria uma preocupação mais informativa. Quando descreve esse tipo de crítica, praticada em
São Paulo no início do século XX, Chiarelli a descreve da seguinte maneira: “Entre 1910 e 1922, eram
frequentes textos evidenciando em linguagem formal e comedida os avanços e recuos do artista, a trajetória que
deveria seguir, o que necessitava aprimorar para alcançar o sucesso desejado etc. Por outro lado, o conhecimento
acentuado da trajetória do artista é outra característica dessa crítica” (CHIARELLI, 1995, p.71-72).
26

brasileira, além de ser acionado para legitimar esse métier em um momento que o discurso de
crise garante a tônica dos debates sobre a possibilidade de avaliar os objetos artísticos. A
autora também lembra que o termo “exercício experimental da liberdade”, expressão cunhada
por Pedrosa na década de 1960, vem sendo recursivamente citado nos trabalhos de críticos
atuais como Paulo Venâncio Filho e Ronaldo Brito, por exemplo.
Ao mencionar esse diagnóstico de crise e a apropriação de Mário Pedrosa por críticos
contemporâneos, o que se pretende é evidenciar seu papel na construção da atividade na qual
se inseriu, além de lançar luz para seu engajamento nos debates sobre arte moderna, tanto se
posicionando em relação às tendências artísticas em disputa como também militando na
imprensa diária, com o intuito de se comunicar com o público que desejava informar. Por trás
da nostalgia mencionada por Luís Camilo Osório, estaria a concepção de que Pedrosa atuou
como intelectual responsável por mediar um debate público não apenas sobre arte, mas sobre
o contexto cultural do qual ela fazia parte.16
Por outro lado, no momento em que Pedrosa passou a militar na imprensa diária, a
partir de meados da década de 1940, outra geração de críticos, reunidos em torno do Grupo
Clima em São Paulo, organizou-se tendo como principal referência a Universidade de São
Paulo. Uma das principais características desse grupo – que tinha como integrantes Antonio
Cândido, Décio de Almeida Prado, Paulo Emílio Salles, Lourival Gomes Machado, entre
outros – era a defesa do trabalho intelectual fundamentado no estudo sistemático contra o
amadorismo e o experimentalismo que predominava na crítica cultural até aquele momento,
mobilizando achados teóricos e metodológicos da Sociologia para a análise estética, o que
teria contribuído para uma profissionalização dessa atividade (PONTES, 1998).
Enquanto os críticos mencionados acima teriam a chancela da universidade, mais
especificamente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP, Pedrosa não encontrou
no meio acadêmico o espaço por excelência para sua atuação. Embora tivesse pleiteado sem
sucesso uma vaga na Faculdade Nacional de Arquitetura, no início da década de 1950, ele
encontrou na convivência com os artistas e nos jornais um espaço onde poderia divulgar suas
ideias, conduzir os debates que ele considerava relevantes e conquistar o reconhecimento

16
A atuação intelectual de Pedrosa nesse período, cujos destaques são sua atuação na imprensa diária, sua
preocupação em contextualizar as artes plásticas em um universo cultural e político mais amplo, seu
engajamento em uma crítica militante que desejava intervir nos rumos do país, pode ser compreendida por meio
de um conceito tal como aquele de “cultura pública”, que foi desenvolvido por Thomas Bender. Para contrapor
um cenário de especialização, profissionalização e confinamento dos intelectuais nas universidades, esse autor
faz referência a um momento em que esses agentes tinham um papel na formação de uma cultura pública,
constituindo uma comunidade de discurso: “The public culture that intellectual historians seek to explicate and
understand is the product of na exceedingly complex interaction between speakers and hearers, writers and
readers. Reality is created out of this dynamic interplay” (BENDER, 1997, p.04).
27

como crítico de arte.17 Nesse sentido, enquanto a universidade garantiria a profissionalização


da crítica, a qual se refere Heloísa Pontes (1998), ao mesmo tempo ela separaria essa
atividade do domínio público. Mário Pedrosa, por outro lado, buscou outros “lugares” para
sua crítica, onde ele poderia disseminar sua propostas estéticas.
Os caminhos da crítica de Mário Pedrosa foram traçados a partir da formulação de um
projeto em que a ideia de mediação estava diretamente associada à construção dos “lugares da
crítica”. 18 Ao forjar um espaço onde pudesse atuar, Pedrosa desempenhou o papel de
mediador entre os artistas e entre eles e o público por meio de seus artigos do jornal.
Juntamente com os artistas, ele pôde vislumbrar um “devenir pictórico”, atuando diretamente
na formação de uma nova geração de criadores que contribuiu para a discussão em torno da
modernidade nas artes brasileiras. Por outro lado, nos seus textos divulgados na imprensa e
ensaios, estabeleceu uma nova terminologia para a crítica, embasado na ideia de que as
mudanças nas atividades artísticas deveriam ser acompanhadas por transformações nas
ferramentas que servem para analisá-las. É sobre essa circulação em diversos espaços e sua
atuação como mediador em diversas instâncias que trata a presente tese, cujo objetivo
principal é analisar o processo a partir do qual Pedrosa construiu seu percurso na crítica de
arte, mobilizando uma rede de contatos e lançando mão de conceitos na sua produção
intelectual que garantiriam a tônica de seu projeto crítico.

1.2 Arte e política: leituras do percurso crítico de Mário Pedrosa

Os caminhos da crítica de arte de Mário Pedrosa, esboçados no tópico anterior, não foram
os únicos traçados por ele. Sua atuação como militante de esquerda também chamou a atenção
de seus estudiosos, considerando que foi responsável por agregar militantes, fundar partidos e
periódicos dedicados à discussão política. 19 Como será visto adiante, esse duplo papel

17
A discussão sobre as ideias apresentadas na tese e sua recepção será apresentada no tópico 4.3.1 desta tese.
18
O discurso da relevância social da crítica tem como aspecto central justamente essa ideia dos “lugares da
crítica”. Um argumento presente nesse debate é que os espaços de atuação do crítico, como a imprensa escrita,
por exemplo, estariam diminuindo, o que teria um impacto direto na perda dessa relevância. Ver Trindade
(2008).
19
Além dos múltiplos envolvimentos no campo artístico, Pedrosa também se destacou como militante político.
Essa atuação como ativista teve início em 1926, quando ele se filiou ao Partido Comunista Brasileiro. Desde
então, ele participou da fundação de diversos partidos – desde aqueles ligados à oposição de esquerda na década
de 1930 até o Partido dos Trabalhadores (PT) nos anos 80 –; ocupou a função de Secretário da 4° Internacional,
entre 1937 e 1940; chegou a se candidatar ao cargo de deputado pelo Partido Socialista Brasileiro, em 1950, mas
não obteve sucesso; e ajudou a criar diversos jornais voltados para a ampliação do debate político da esquerda (A
Luta de Classes, em 1930; O Homem Livre, em 1933; Vanguarda Socialista, em 1945).
28

exercido por Pedrosa foi o ponto de partida para diversas interpretações sobre sua trajetória.20
Embora, muitas vezes, tivesse desempenhado esses dois papéis simultaneamente, as
interpretações destacaram períodos em que ele esteve mais ligado às atividades artísticas,
atuando como crítico, e outros em que seus vínculos com a política eram mais flagrantes. O
próprio Pedrosa deu declarações sobre a relação entre arte e política, o que também
demonstrava que estava ciente da importância que essas duas áreas ocuparam em sua carreira,
ao mesmo tempo em que evidencia o fato de que essa questão assumiu um lugar central nos
estudos sobre o autor.21 Este tópico trata das interpretações que elegeram a relação entre arte e
política como um ponto estratégico para a discussão sobre sua vida e obra.
No livro Mário Pedrosa e o Brasil, publicado em 2001, o organizador José Castilho
Marques Neto explica que os artigos ali reunidos são resultado do Seminário Mário Pedrosa e
o Brasil – 100 anos de arte e política, organizado pela Fundação Perseu Abramo e pelo
Centro de Documentação e Memória da Universidade Estadual Paulista (CEDEM-UNESP)
no ano anterior ao lançamento da publicação.22 O que chama a atenção logo no índice do livro
é a forma como os quatro blocos de artigos foram intitulados: “Perfis de Pedrosa”, “Crítica,
arte e educação”, “Política e história” e “Atualidade de Mário Pedrosa”. Um leitor
familiarizado com a vida de Pedrosa poderá notar que essa divisão do livro procura dar conta
não apenas de suas atividades diversificadas no âmbito da política e das artes plásticas, mas
também tem a intenção de direcionar a leitura de acordo com uma suposta cronologia de sua
vida. Na primeira parte do livro, “Perfis de Pedrosa”, os quatro autores colocam em primeiro
plano as suas atividades como ativista político, indo ao encontro, portanto, de uma
interpretação que destaca que os primeiros anos de sua atuação na vida pública concentraram-
se, principalmente, na militância partidária. Na segunda parte, “Crítica, arte e educação”, três
artigos enfatizam seu papel como crítico de artes plásticas e outro destaca uma pedagogia
20
A noção de papéis sociais, tal como foi desenvolvida por Gilberto Velho (1994, p.08) merece destaque aqui,
na medida em que esse autor sublinha justamente os múltiplos papéis desempenhados pelos indivíduos, o que
dificulta a apreensão de uma trajetória de forma fixa ou linear: [...] nas sociedades complexas moderno-
contemporâneas, como será explorado neste livro, existe uma tendência de constituição de identidades a partir de
um jogo intenso e dinâmico de papéis sociais, que se associam a experiências e a níveis de realidade
diversificados, quando não conflituosos e contraditórios. Assim, as transformações que me interessam não são
apenas aquelas que ocorrem ao longo do tempo, de modo irreversível e unidirecional. Tão importantes quanto
estas, para minha reflexão, são as idas e vindas em função de contextos, situações e papéis diferenciados”.
21
Pedrosa, em entrevista à Folha Ilustrada (Arte, cultura e política, numa vida sem concessões, de 13 abril de
1980, 5º caderno), afirmou: “Sempre convivi muito bem com a política e as artes. Nunca misturei setores”.
22
A Fundação Perseu Abramo foi fundada pelo Partido dos Trabalhadores, em 1996, com o objetivo de
funcionar como um espaço de reflexão política, ideológica e cultural. Já o CEDEM, é responsável por manter um
acervo com documentos de Mário Pedrosa – Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa
(CEMAP) –, onde se encontra uma parte da documentação sobre esse intelectual, principalmente, aquela que se
refere à sua atuação na política. Tendo em vista as características dessas duas instituições que organizaram o
seminário, é possível entender por que a militância política de Pedrosa foi privilegiada nos depoimentos dos
participantes.
29

estética que teria sido proposta por ele. Não é mera coincidência o fato de esse capítulo, que
lança luz sobre seu desempenho no exercício judicativo, estar logo após aquele que trata de
sua trajetória na política. O que o organizador pretende evidenciar é um suposto ponto de
viragem na vida de Pedrosa que, de interessado na política, voltou sua atenção para as artes
plásticas. Por fim, nas duas últimas partes do livro, “Política e história” e “Atualidade de
Mário Pedrosa”, novamente a política aparece como eixo central de análise, reforçando a ideia
de que Pedrosa teria se desiludido com as artes plásticas para voltar novamente a sua atenção
para a militância partidária.
A menção ao livro de José Castilho Marques Neto tem o objetivo de evidenciar uma
interpretação sobre a vida e a obra de Pedrosa que destaca sua atuação no meio artístico e na
militância política, como pode ser visto na forma como a publicação foi dividida. Ao utilizar
esse livro para dar início a uma discussão a respeito de alguns dos trabalhos sobre Pedrosa, o
intuito é destacar que, a despeito de ter atuado como jornalista, professor do Colégio Pedro II,
diretor de museu e ter tido uma ligação forte com um grupo de artistas no Rio de Janeiro, nem
sempre esses outros papéis que Pedrosa desempenhou, e que assumem igual importância para
o entendimento de sua autoridade em campos tão distintos de atuação, têm o merecido
destaque. Os vários “Mários” mencionados na apresentação do livro por José Castilho se
desdobram em apenas dois “Mários” – o político e o crítico – que ora se esbarram, ora se
distanciam. Já os “Marios” que se aventuraram em outros papéis aparecem apenas como
apêndice de um intelectual cuja multiplicidade de funções acabou se prestando a rotulações
simplistas.23
Além disso, basta observar os temas que Pedrosa abordou em seus artigos de jornal
para ter uma ideia de como ele esteve envolvido em diversas frentes que não se esgotam na
discussão política, na militância e na análise dos objetos artísticos. Mesmo quem se debruça
sobre seus artigos publicados em colunas de artes plásticas de jornais como Correio da
Manhã, Tribuna da Imprensa e Jornal do Brasil, vai esbarrar não apenas em textos sobre
artistas e movimentos artísticos, como também vai encontrar discussões sobre a função da

23
Cabe ressaltar que, mesmo tendo sido objeto de investigação de estudiosos de áreas tão diversas, como a
Filosofia, Sociologia, Antropologia, Comunicação, História da Arte – o que poderia ter contribuído para uma
abertura do escopo de investigação –, a análise da trajetória de Pedrosa permaneceu, na maioria das vezes,
confinada ao âmbito da política e da crítica de arte. Pedro Erber, por exemplo, faz uma crítica à separação da
obra de Pedrosa em dois campos distintos, afirmando que a compreensão de suas ideias políticas e estéticas ficou
restrita aos nichos da crítica de arte e da história do marxismo. De acordo com o autor, seu pensamento não teria
sido compreendido fora dos limites desses campos, posto que Pedrosa não participou da criação de mitos
nacionais, como fizeram Gilberto Freyre, Sergio Buarque de Holanda e Oswald de Andrade. No entanto, mesmo
sem ter alcançado o amplo reconhecimento que os autores citados tiveram e que ultrapassou as fronteiras
disciplinares, Pedrosa teria contribuído para a reflexão acerca do significado político da arte, inserindo-se,
portanto, no pensamento político do século XX (ERBER, 2009, p.07).
30

crítica de arte; o funcionamento de museus, dos salões e das premiações artísticas; a


arquitetura moderna; entre outros temas. Ademais, Pedrosa também se mostrou disposto a
analisar o legado de importantes acontecimentos que marcaram a vida artística no Brasil,
como a Missão Artística Francesa e a Semana de Arte Moderna de 1922. É de se espantar,
portanto, que, diante de tantos desafios lançados pela multiplicidade de assuntos que foram
objeto de preocupação do crítico, os seus estudiosos tenham escolhido a relação entre política
e estética como problema central de análise.
Um dos livros mais citados sobre Mário Pedrosa é o de Otília Arantes, Mário
Pedrosa: itinerário crítico, publicado em 1991. Além dessa publicação, Otília também foi
responsável por coordenar uma coleção de quatro volumes com textos sobre artes plásticas,
escritos por Pedrosa entre 1933 e 1980. Os livros foram organizados a partir de eixos
temáticos sugeridos nos títulos das publicações: Política das artes, Acadêmicos e modernos,
Forma e percepção estética e Modernidade cá e lá. Embora essa iniciativa de Otília seja
pioneira, por reunir textos publicados em diversos veículos da imprensa e que se encontravam
dispersos, chama a atenção o fato de que a forma como os artigos foram agrupados também
evidencia uma interpretação bastante particular daquilo que ela chama de “itinerário crítico”
de Pedrosa.24
No livro Mário Pedrosa: itinerário crítico, Otília analisa o percurso de Pedrosa na
crítica de arte brasileira. Assim como na apresentação da coletânea Política das artes, a autora
enfatiza a existência de dois momentos na atuação de Pedrosa como crítico, porém, ela faz
questão de minimizar uma suposta ruptura entre os vários “Mários” – a saber: o “Mário
Pedrosa político” e o “Mário Pedrosa crítico” –, chamando a atenção para uma coerência nas
suas avaliações sobre o objeto artístico. Mesmo estabelecendo um marco temporal para uma
mudança de posicionamento de Pedrosa – de acordo com Otília, ele passou a defender uma
arte autônoma, a partir de 1944, em detrimento de uma arte de conteúdo social –, a autora
procura demonstrar que existe um núcleo comum em seus textos: “[...] Se a ênfase muda, o
que é sempre perseguido neste esforço de decifração das obras é a sua vocação sintética e
universalizadora. Descoberto esse núcleo, a oposição entre a defesa de uma arte proletária e a

24
A primeira parte do livro Política das artes, que se chama “Da arte proletária à arte independente”, evidencia
o processo de “conversão” da qual fala Otília Arantes (1991), quando ela faz referência a uma transformação nas
preferências de Pedrosa que, da defesa de uma arte com conteúdo social, passou a apoiar a arte abstrata. Essa
mudança também fica implícita na segunda parte do livro Acadêmicos e modernos, intitulada “Dos mestres
modernistas à arte abstrata”. Ironicamente, no último volume da série, Modernidade cá e lá, a quarta parte do
livro chama-se “Da abstração à figuração”, o que poderia denotar outra “conversão” de Pedrosa. Porém, nessa
parte, a autora não quis enfatizar mais uma mudança nas opções artísticas de Pedrosa, e sim, demonstrar que ele
também chamou a atenção para os artistas primitivos, e para aqueles que representavam uma tendência figurativa
abstratizante, como Alfredo Volpi.
31

tomada de partido em prol da abstração (ou da arte concreta) não é tão radical como se
pretende” (ARANTES, 1991, p.28).
Com efeito, esse dilema de conciliar os “Marios” foi enfrentado não apenas por Otília.
Ao contrário, essa relação entre o “Mário político” e o “Mário crítico” foi eleita como “o
problema” por excelência por aqueles que se aventuraram no estudo de sua trajetória na
crítica de arte brasileira. No caso de Otília, embora a autora use o termo “conversão” para
acentuar as diferenças nos artigos escritos por Pedrosa antes e depois de 1944, ela elege a
categoria de “arte sintética” como elemento-chave para encontrar uma coerência nas tomadas
de posição em relação à arte que, à primeira vista, pareciam irreconciliáveis. Essa expressão,
que já apareceria nos textos sobre Portinari na década de 1930, para dar conta de uma arte
integral – aquela que valoriza um equilíbrio entre forma e conteúdo como expressão do
vínculo entre o estético, de um lado, e o social, do outro – voltaria com toda a força nos
artigos sobre arquitetura nos anos 1950, quando o crítico encontra na construção de Brasília a
chegada de uma “hora plástica”, isto é, um momento-chave para a conjunção entre arte e
vida.25
Nos trabalhos que abordam a relação entre arte e política, alguns autores buscam
encontrar uma linha de continuidade entre as posturas assumidas por Mário Pedrosa nessas
duas esferas. Larissa Costard (2010) faz referência a uma “visão de mundo coesa” em
Pedrosa, partindo da conexão entre a sua militância na crítica de arte e nas organizações
políticas. De acordo com a autora, Pedrosa não concebia a atividade intelectual como algo
distante das lutas políticas. Nesse sentido, mesmo quando ele passa a se dedicar com mais
afinco à discussão sobre artes plásticas – a partir de 1946, quando funda a coluna de artes
plásticas do jornal Correio da Manhã –, não abandona a problematização do papel social da
arte e da relação entre os artistas e a sociedade. Para sustentar seu argumento, ela chama a
atenção para os textos de Pedrosa escritos entre as décadas de 1940 e 1950, cuja temática é a
crítica ao realismo socialista.26
O acerto de contas com o realismo socialista, que aparece em uma série de artigos
publicados por Pedrosa em 1947, é visto como uma das causas para a defesa que ele faz da

25
“Em que consiste a aspiração à síntese ou à integração? Em dar novamente às artes um papel social e cultural
de primeira plana nesta tarefa de reconstrução regional e internacional pela qual o mundo está passando ou
passará... a menos que seja destruído por um intercâmbio de teleguiados” (PEDROSA, 1998, p.420).
26
Entre 1930 e 1950, o realismo socialista foi alçado ao estatuto de arte oficial que referendava a linha
ideológica do Partido Comunista da União Soviética. Pedrosa, que já fazia críticas ao Partido desde a década de
1920, quando passou a militar na oposição de esquerda, foi um dos severos críticos desse programa estético que
utilizava a arte com o instrumento de propaganda política, e que inibia outras manifestações artísticas que não
seguissem a linha do governo.
32

arte concreta nesse período. Costard (2010) explica a mudança de posicionamento do crítico,
que passa a defender uma arte autônoma, tendo como ponto de partida a reação ao processo
de instrumentalização da arte com a ascensão do realismo socialista na União Soviética e em
outros países por meio do Partido Comunista. Já Marcelo Mari (2006, p.11) explica que as
predileções de Pedrosa, ora pela arte proletária, ora pela arte concreta, devem ser analisadas
tendo em vista as suas avaliações sobre a conjuntura histórica. Para Mari, o posicionamento
favorável de Pedrosa em relação à arte abstrata é encarado como uma resposta à utilização
ideológica que se fazia da arte nas experiências ligadas ao realismo socialista. Por outro lado,
quando Pedrosa partiu em defesa de uma arte proletária na década de 1930, estaria reagindo à
ascensão do fascismo na Europa, cobrando dos artistas o apoio à revolução comunista. 27
(MARI, 2006, p.65).
O que chama a atenção nessas explicações para as mudanças de posicionamento de
Pedrosa em relação às artes plásticas é sua redução à conjuntura política da época. Na
tentativa de minimizar os efeitos de sua “conversão”, os autores mencionados deixam entrever
que o crítico compreendia os movimentos artísticos dentro de um contexto político e social.
Sem perder de vista a totalidade da qual o fenômeno estético fazia parte, Pedrosa teria
colocado em perspectiva as transformações de seu tempo, modificando, assim, suas
preferências de acordo com uma interpretação dos acontecimentos históricos.28 Ao justificar
as tomadas de posição de Pedrosa, inserindo-o no contexto mais amplo, os autores negaram
que houvesse qualquer oposição radical tanto no interior da sua produção crítica sobre artes
plásticas quanto entre suas atividades como ativista político e crítico.
A tentativa de resolver aquilo que Mari (2006) considerou como um dos assuntos mais
controvertidos na obra de Pedrosa também deu origem a explicações que enfatizaram que a
sua mudança de posicionamento teve uma relação direta com uma desilusão com o mundo da
política.29 Arantes (1991, p.XIV) afirma que não foi intencional o vínculo criado por Pedrosa

27
Essa defesa de uma arte proletária ficaria evidente no texto publicado por Pedrosa em 1933 – seu primeiro
sobre artes plásticas – em que ele escreveu sobre a artista alemã Käthe Kollwitz: “O proletariado é uma classe
transitória. A sua existência está condicionada a uma luta constante e terrível pela vida. Não lhe sobram
momentos para ensarilhar as armas e entregar-se aos prazeres da contemplação e da imaginação gratuita. A sua
arte tem que ser também transitória e utilitária. Até agora, a expressão mais nobre dela é Käthe Kollwitz”.
(PEDROSA, 1995, p.56).
28
É nessa direção que Arantes (1991, p.XV) nega que Pedrosa apoiava determinados grupos por uma questão de
preferência pessoal, afirmando que, na verdade, suas escolhas estavam baseadas em um aguçado senso de
“oportunidade histórica”.
29
Essa suposta desilusão com a política teria ocorrido após Pedrosa ter sido afastado da secretaria da IV
Internacional, em 1940, por discordar das posições de Trotski. Após esse rompimento, Pedrosa distanciou-se da
militância partidária. Em 1945, Pedrosa retorna ao Brasil, após seu exílio nos Estados Unidos, e passa a se
dedicar com mais afinco à crítica de arte após receber um convite para escrever no jornal Correio da Manhã,
onde ele vai criar a coluna de artes plásticas.
33

com um grupo de artistas que vivia no Rio de Janeiro, na década de 1940. Na verdade, não
existiam muitas opções para ele, que, no dizer da autora, acabou exercendo o papel de líder do
Grupo Frente devido a circunstâncias que escapavam de seu controle: “Repudiado à direita e
malvisto à esquerda, Mário Pedrosa tornou-se, por força das coisas, uma espécie de mentor
dos artistas em início de carreira ou que já trilhavam um caminho fora do eixo consagrado
pela tradição modernista”.
É necessário deixar claro que, ao demonstrar como existe uma interpretação corrente
que faz uma ligação direta entre as posições assumidas por Pedrosa na militância política e na
crítica estética, não se quer negar que existam influências mútuas entre essas atividades, e que
o pensamento de Pedrosa em relação ao fenômeno artístico esteja completamente desligado
das questões sociais e políticas que estavam em sua agenda. Todavia, cabe assinalar que não
foram apenas os influxos da política que contribuíram para conformar as suas posições sobre
os movimentos artísticos. A relação de Pedrosa com intelectuais, críticos e artistas e a sua
participação nos principais debates que animaram o cenário artístico brasileiro entre as
décadas de 1940 e 1950 – como aqueles que foram travados entre os realistas e os
abstracionistas – também devem ser levados em conta caso se queira compreender seu
pensamento estético. Ao se engajar nessas disputas, tomando partido de grupos artísticos, ele
se posicionou em relação a seus pares, procurou aliados, forjou seus “inimigos”, prestou
contas com a geração modernista de 1922 e com as tendências em voga no cenário
internacional.30 Desse modo, em vez de relacionar de forma direta as escolhas de Pedrosa com
o contexto político mais amplo, este trabalho pretende compreender o processo a partir do
qual Pedrosa alçou à posição de crítico de arte, que envolveu uma participação ativa em
debates, a elaboração de uma terminologia para suas análises estéticas e sua interação com
artistas.
Outra vertente de interpretação procurou redimensionar a participação de Pedrosa na
formação de um pensamento de esquerda no país e na organização de debates e movimentos
políticos, como é o caso de José Castilho Marques Neto (1993), que reforça a importância de
Pedrosa para a disseminação das ideias de Trotski no país e para a organização de um grupo
de esquerda com uma linha de atuação diferente daquela que era seguida pelo Partido

30
Sobre a organização do mundo intelectual, Randall Collins (1998, p.112) afirma que ele deve ser
compreendido a partir das dinâmicas que envolvem conflito e discordância: “Intellectual history is a conflict
process. It is divergent factions that make it go. These factions attempt to make intellectual property out of ideas
that have been produced in the past. They generate new ideas largely in opposition to the ideas of their rivals,
sometimes by recombining these ideas. Strikingly new positions are produced largely by the negation of
preexisting positions, along the lines of greatest political rivalry”.
34

Comunista Brasileiro entre os anos 1920 e 1930. 31 Esse viés também é claramente
privilegiado no livro organizado por esse mesmo autor, intitulado Mário Pedrosa e o Brasil,
com depoimentos que enfatizam justamente o papel de Pedrosa como intelectual de esquerda
e militante, como é o caso dos textos de Antonio Candido, Lélia Abramo, Luiz Inácio Lula da
Silva, Luciano Martins, Isabel Loureiro, Paul Singer, Marco Aurélio Garcia, João Machado,
Dainis Karepovs e do próprio José Castilho.
Nos artigos que fazem parte do livro Mário Pedrosa e o Brasil, chama a atenção o fato
de que, a partir do momento em que se opta por privilegiar as atividades de Pedrosa no campo
da política, o dilema entre conciliar um “Mário militante” e um “Mário crítico” é substituído
pela tentativa de se compreender como Pedrosa atuou ao mesmo tempo como intelectual e
ativista político, como é possível ver no depoimento de Lélia Abramo: “Quando tudo parecia
acabado, quando tudo parecia perdido, ele se dedicou à crítica, mas à crítica de arte; ele era
um homem poliédrico, tinha várias qualidades: era um intelectual, e ao mesmo tempo, um
grande militante” (ABRAMO, 2001, p.21).
O testemunho acima é esclarecedor, pois toca em alguns pontos que mereceram
destaque nos estudos sobre a vida e a obra de Mário Pedrosa. Além de reforçar essa disjunção
entre a atividade intelectual e a militância política, Abramo também o caracteriza como
homem polivalente, isto é, dividido entre vários papéis, e ainda afirma que ele passou a se
dedicar à crítica de arte quando tudo “parecia acabado”, o que pode ser lido como a suposta
desilusão com a política pela qual Pedrosa teria passado, e cuja consequência imediata teria
sido sua adesão à crítica de arte nos jornais.
No mesmo livro, Luiz Inácio Lula da Silva fala sobre a importância de Pedrosa para a
fundação do Partido dos Trabalhadores no Brasil, em 1981. Seu depoimento está permeado
por uma separação entre militantes e homens cultivados, e pela ideia de que os intelectuais
citados por ele, como Sergio Buarque de Holanda, Antonio Candido e Lélia Abramo, tiveram
um papel central no debate em torno da formação do partido. De acordo com Lula, foram
esses intelectuais que forneceram os argumentos necessários para refutar aqueles que não
apoiavam um partido composto por membros da classe trabalhadora: “Às vezes penso que o
PT não teria sido criado se não tivéssemos um grupo de intelectuais que resolvesse, naquele
instante, travar um debate político nacional” (SILVA, 2001, p.24).

31
Em 1926, Pedrosa filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro. Um ano após sua filiação, Pedrosa viajou para a
Europa onde ficou até 1929. Durante esse período, ele travou contato com membros do movimento de Oposição
de Esquerda mais ativo naquele momento em Paris. Após retornar ao Brasil, Pedrosa foi expulso do PCB e
ajudou a organizar um movimento de oposição a esse partido, dando origem ao Grupo Comunista Lenine em
1930.
35

José Castilho Marques Neto (1993) também sublinha que um dos dilemas que
acompanhou Pedrosa durante muito tempo foi seu lugar como intelectual e como militante.32
A partir das cartas trocadas entre Pedrosa e Lívio Xavier,33 seu companheiro de militância na
oposição da esquerda, o autor afirma que, longe de se complementarem, essas duas atividades
apareciam em conflito na visão de Pedrosa. Como intelectual, ele poderia evitar posturas
dogmáticas e manter sua autonomia; por outro lado, como militante, ele poderia contribuir
para a prática e a concretização do processo revolucionário. Sobre o papel de Lívio Xavier e
Pedrosa na oposição de esquerda, Marques Neto afirma:

Homens cultivados por uma formação eclética e esmerada colocam-se enquanto formadores
do movimento oposicionista como intelectuais militantes, ciosos de seus papéis ditados por
rigorosa regra moral. Nesse aspecto, o percurso da dissidência com a direção do PCB
confunde-se, muitas vezes, com o papel do intelectual em face da revolução proletária
(1993, p. 191).

Embora os estudiosos de Pedrosa nem sempre façam referência à sua atuação como
crítico de arte, é possível afirmar que a oposição entre o “Mário político” e o “Mário crítico”
está implícita na discussão sobre seu papel como militante e intelectual. O que está em jogo
nesses pares de oposição é o entendimento de que a reflexão intelectual autônoma – tanto no
âmbito da arte quanto no da política – seria incompatível com o engajamento partidário que
lembra, muitas vezes, uma postura sectária. Essa compreensão, no entanto, limita-se a uma
concepção estreita de política, confinada à atuação nos partidos. É preciso lembrar que,
embora Pedrosa tivesse se filiado a diversos partidos de esquerda, sua militância extrapolou
esses limites. José Castilho Marques Neto (1993), por exemplo, reforça a importância de
Pedrosa na condução de debates políticos informais no interior do grupo de oposição de
esquerda. Além disso, quando esteve ligado a dois partidos de oposição que ajudou a fundar –
o Grupo Comunista Lenine e a Liga Comunista –, ele apoiava o “esclarecimento ideológico”

32
Ao refletir sobre o lugar do intelectual, Edward Said procura escapar da dualidade que coloca, de um lado, o
militante político, confinado ao engajamento partidário, e, de outro, o intelectual, como fica evidente no trecho
seguinte: “Não existe algo como o intelectual privado, pois, a partir do momento em que as palavras são escritas
e publicadas ingressamos no mundo público. Tampouco existe somente um intelectual público, alguém que atua
como uma figura de proa, porta-voz ou símbolo de uma causa, movimento ou posição. Há sempre a inflexão
pessoal e a sensibilidade de cada indivíduo, que dão sentido ao que está sendo dito ou escrito. O que o intelectual
menos deveria fazer é atuar para que seu público se sinta bem: o importante é causar embaraço, ser do contra e
até mesmo desagradável” (SAID, 2005, p.26-27).
33
Lívio Xavier (1900-1988) atuou como jornalista e tradutor, além de ter sido um militante comunista que fazia
oposição à política do Partido Comunista Brasileiro. Juntamente com Pedrosa, ele auxiliou na formação de
partidos de oposição de esquerda, como o Grupo Comunista Lenine e a Liga Comunista Internacionalista, até se
afastar da militância em 1935. Ele também foi crítico literário do jornal o Estado de S. Paulo, o que chama a
atenção para o fato de a crítica em suas diversas modalidades ser um campo de atuação importante para os
intelectuais nesse período.
36

dos operários e dos militantes comunistas. Finalmente, mesmo quando se afastou da


militância partidária, ele ainda foi um dos criadores do semanário de esquerda Vanguarda
Socialista, fundado em 1945, que funcionava como uma plataforma de crítica ao stalinismo e
cujo objetivo era a reorganização do movimento operário no Brasil com a criação de um
partido socialista de massas.34
É necessário atentar para o fato de que um elemento em comum presente tanto na
atuação de Pedrosa como militante em partidos de esquerda como na crítica de arte era sua
capacidade de agregar indivíduos em torno de projetos nos quais se engajava. Considerando
essa capacidade, é possível escapar da polaridade entre militância e suas atividades
intelectuais, entre as quais se destacava a crítica artística, evidenciando como ele atuou como
um polo agregador de indivíduos, ao transmitir ideias e estimular um debate em torno delas.
Esse aspecto chama a atenção justamente para a densidade das redes das quais fez parte e para
a energia emocional da qual era portador, que possibilitou uma situação sui generis de intensa
criatividade intelectual, como pode ser visto nas experiências artísticas que ele ajudou a
conformar e nas posições políticas construídas por ele e seu grupo.35 Conforme será possível
ver ao longo desta tese, o projeto artístico concretista, que se destacou no Rio de Janeiro, na
década de 1950, teve Mário Pedrosa como principal porta-voz.
Se as redes das quais Pedrosa participou e nas quais atuou como um intelectual de
destaque foram marcadas por essa densidade social, cabe ainda chamar a atenção para um
aspecto que vai ser destacado por Luciano Martins neste depoimento:

Dotado de uma poderosa inteligência, sua influência no campo intelectual desde esse
tempo seria bem mais duradoura do que foi no plano da política. Uma influência que se
exercia, aliás, mais por meio da convivência no círculo de intelectuais que frequentava ou
de artigos de jornal, do que de uma obra escrita sistemática [...] mas essa influência,
transmitida pela interlocução a várias gerações de intelectuais, foi poderosa. Essa sua
segunda paixão, pela arte, certamente se fortalece em seu exílio europeu e norte-americano
em que a convivência com as vanguardas de então nos dois continentes lhe abriu novos
horizontes (MARTINS, 2001, p.32, grifo nosso).

No trecho acima, Martins enfatiza a militância de Mário Pedrosa na política e sua


iniciação como jornalista na crítica de arte. Embora faça referência à atuação do crítico nesses

34
Ver Isabel Loureiro (1984).
35
Randall Collins (1998), ao estudar os fatores que conformam as redes intelectuais, observa que uma das
condições para a criatividade intelectual não é a existência de gênios, mas a formação de um sistema de relações
e interações marcadas por uma intensa densidade social. Nelas, alguns indivíduos se destacam, não apenas pelo
capital cultural que possuem, mas também pela energia emocional do qual são portadoras e que geram situações
de motivação e solidariedade em um grupo. Desse modo, uma das causas sociais da criatividade repousaria na
energia emocional específica de intelectuais que ocupam posições de destaque em uma rede de interação e no
capital cultural que eles possuem, atraindo outros participantes para fazer parte dessa rede.
37

dois campos, Martins chama a atenção para o fato de que Pedrosa teria exercido uma
influência maior na crítica, devido à sua convivência em um círculo que incluía não apenas
intelectuais, mas também artistas, e à publicação de artigos de jornal sobre artes plásticas em
periódicos como Correio da Manhã e Jornal do Brasil, onde ele sobressaiu no exercício
judicativo. Tendo isso em vista, uma hipótese deste trabalho diz respeito ao fato de que foi
como crítico de arte e na participação de redes que incluíam artistas, críticos e outros
intelectuais que Pedrosa fez melhor uso do capital cultural adquirido e dos recursos
simbólicos que ele dispunha para se destacar. Considerando o que afirma Collins (1998),
quando diz que a estrutura do mundo intelectual permite apenas que um número limitado de
posições receba atenção ao mesmo tempo, vale enfatizar que o reconhecimento intelectual que
Pedrosa adquiriu no exercício judicativo pode ser entendido por meio de sua participação em
redes artísticas e intelectuais, e também pela ressonância de suas ideias, especialmente, no
interior de um grupo de artistas, exercendo um papel crucial na definição de suas experiências
em torno do projeto concreto, do qual foi um dos principais formuladores.
Não sendo possível separar a produção crítica de Pedrosa dos vínculos criados por ele
no meio artístico brasileiro, o trabalho realizado aqui fará uma aproximação entre essa
produção e as redes das quais ele participou e que contribuíram para construção de sua
carreira no exercício judicativo. O processo a partir do qual ele se destacou nessa atividade
envolveu a elaboração de instrumental analítico para a análise estética que se diferenciou
daquele de outros críticos da época, e que ele só pôde elaborar em contato com grupos aos
quais ele se vinculou ao longo de seu “itinerário crítico”. 36
Sendo assim, é necessário realizar uma dupla articulação, entre texto e contexto, uma
vez que a produção crítica de Mário Pedrosa revela um aspecto para o qual Hubert Damisch
(1997, p.225) chama a atenção, que é o da aprendizagem em público pela qual passa aquele
que se dedica à análise estética, marcada por “uma sequência mais ou menos consequente de
aproximações, de variações e derivas, de tentativas e erros”, em que os próprios textos seriam
reveladores desse processo. Tendo isso em vista, ao longo deste trabalho ficará claro como
Pedrosa mobilizou determinados conceitos que são centrais em sua obra, e que, muitas vezes,
são reelaborados para dar conta de outros aspectos do fenômeno estético. Tais conceitos
devem ser compreendidos em sua relação com movimentos artísticos e com outros críticos,
considerando que, no diálogo com participantes do meio cultural e intelectual, Pedrosa passou

36
A crítica de Pedrosa se diferenciava daquela de teor sociológico dos membros do Grupo Clima, e de outros
críticos como Sergio Milliet, Mário de Andrade, entre outros, por utilizar como referencial teórico a Psicologia
da Forma e por valorizar os aspectos plásticos da obra e uma análise da composição do quadro.
38

a compartilhar questões que faziam parte de uma agenda em comum no debate sobre arte
moderna, ao mesmo tempo em que também redefiniu essas questões tendo em vista o projeto
estético ao qual se dedicou e que se confunde com a ascensão do concretismo no Brasil.
Por fim, o objetivo deste trabalho, em última instância, é analisar os caminhos que
Mário Pedrosa percorreu para se tornar crítico de arte, escapando da dicotomia entre arte e
política na qual, geralmente, sua vida e obra costumam ser enquadradas. Para tal, será
destacado que, no período em que ele teria se dedicado sobremaneira à política – nos anos
1920 e 1930 –, ele já estava construindo relações no meio artístico e intelectual, o que,
certamente, contribuiu para que ele adquirisse um “estoque de conhecimento” fundamental
nos anos posteriores, quando ele passou a se dedicar sistematicamente ao exercício judicativo.
Não se quer reforçar aqui que sua militância política foi um aspecto menor em seu percurso
intelectual e que ela não influenciou sua atuação na análise estética. Todavia, uma análise dos
caminhos da crítica de Pedrosa, como a que será realizada no corpo desta tese, é justificada
pelo fato de ter sido nessa posição que ele angariou destaque no meio intelectual e cultural
brasileiro, tornando-se uma referência na carreira que contribuiu para criar e para os críticos
de outras gerações. Pedrosa foi exemplo de um tempo áureo em que a crítica ainda tinha
relevância social e destaque na vida pública.37

1.3 Autoridade e amizade

O título deste tópico chama a atenção para duas palavras que, a princípio, soariam
contraditórias: amizade e autoridade. Elas parecem captar com precisão a atuação de Mário
Pedrosa como crítico de arte em meados do século XX no Brasil. Em primeiro lugar, porque o
exercício crítico pressupõe, em alguns casos, o envolvimento daquele que analisa com o que é
analisado. Explicando: o processo a partir do qual Pedrosa obteve destaque no exercício
judicativo se confunde com a busca de uma linguagem para a crítica artística, ao mesmo
tempo em que a construção de um repertório para a análise estética envolveu a sua
participação em um grupo de artistas, onde ele se destacou por atuar como formulador de um
projeto estético. Em segundo lugar, sua experiência de vida lhe garantiu uma posição de
destaque em uma rede de artistas, especialmente aqueles que viriam a fazer parte do Grupo
Frente na década de 1950. Sua vivência no exterior, o capital cultural e intelectual adquirido e
a idade avançada em relação àqueles jovens artistas conferiram a ele um posto elevado na

37
A eminência intelectual também pode ser medida pelo impacto de suas ideias e pela transmissão das mesmas
através das gerações (COLLINS, 1998).
39

hierarquia que foi estabelecida ali. Nesse sentido, embora houvesse uma influência mútua
entre o crítico e os artistas, cabe lançar luz também para a autoridade exercida por Pedrosa,
cuja atuação foi lembrada por críticos e artistas, que deram destaque ao fato de que ele foi
fundamental para ditar os rumos daquela experiência artística.38
Quando Pedrosa retornou ao Brasil, em 1945, após passar sete anos exilado nos
Estados Unidos, entrou em contato com os artistas Almir Mavignier, Ivan Serpa e Abraham
Palatnik, por ocasião das visitas que fazia ao ateliê de pintura no Centro Psiquiátrico Nacional
Pedro II.39 Naquele momento, esses artistas que fariam parte do Grupo Frente, na década de
1950 – com exceção de Mavignier –, estavam na faixa dos seus vinte anos, iniciando sua
carreira artística, enquanto Pedrosa tinha 45 anos, havia passado longos períodos no exterior,
convivido com artistas brasileiros e estrangeiros e já produzia artigos para a imprensa em que
se dedicava à análise estética. Essas diferenças chamam a atenção para o seguinte aspecto: o
que provocou esse encontro sui generis? Uma explicação possível repousa no fato de que,
enquanto aqueles artistas ainda eram jovens e estavam se dedicando às primeiras experiências
artísticas, por ocasião de seu retorno ao país, Pedrosa também estava passando por um
momento de transição, analisando as possibilidades de inserção profissional no Brasil,
retomando contatos com antigos companheiros de militância política e construindo novos no
meio artístico e intelectual. Sendo assim, os laços de amizade que se formaram naquele
contexto foram uma oportunidade para a reconfiguração identitária daqueles indivíduos, cujas
consequências podem ser vistas a longo prazo, considerando que todos eles tiveram uma
participação marcante no segundo projeto moderno na década de 1950.
Além das relações de amizades, importantes para compreender os vínculos que foram
estabelecidos entre Pedrosa e jovens artistas, e a formulação de um projeto artístico, vale
enfatizar também a existência de hierarquias e de núcleos de autoridade presentes nessas
relações, especialmente, quando se tem em vista a posição ocupada por Pedrosa no interior
desse grupo. Isso pode ser visto nos encontros realizados na casa do crítico, que, embora
fossem descritos como uma reunião informal, onde todos tinham voz, foram lembradas
também por ser uma oportunidade que Pedrosa tinha de discutir as ideias que ele estava

38
O artista César Oiticica, que participou do Grupo Frente, fez a seguinte afirmação sobre Pedrosa: “Ele aliava
uma cultura sólida, era um homem culto, e ao mesmo tempo ele era tão criativo quanto a Lygia [Clark] ou Hélio
[Oiticica]” (Entrevista concedida por César Oiticica a Nina Galanternick em 12 de novembro de 2008, no Rio de
Janeiro. Acervo NUSC – Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura). Sobre o surgimento do concretismo no
Brasil, mais especificamente no Rio de Janeiro, a artista Lygia Pape chamou a atenção para alguns fatores que
contribuíram para o desenvolvimento dessa tendência. Entre esses fatores, um deles seria a tese de Pedrosa, Da
natureza afetiva da forma na obra de arte, que era discutida pelo crítico e artistas do Grupo Frente e contribuiu
para agregar os artistas em torno desse grupo (PAPE, 2004, p.153).
39
Sobre a importância desse ateliê para o concretismo no Rio de Janeiro, ver o tópico 4.1. desta tese.
40

formulando sobre o fenômeno estético, e que vão ganhar força em sua tese. Desse modo, o
fato de essas ideias terem ressonância em um núcleo de artistas ainda em formação,
adquirindo um papel importante na configuração desse grupo, reforça que Pedrosa possuía
uma autoridade embasada no saber, vista, principalmente, na posição de teórico que ele
ocupou no Grupo Frente na década de 1950.40
Nessa perspectiva, a questão da autoridade aparece para relativizar essas relações que
são vistas como igualitárias, mas que estão investidas de poder e pressupõem posições
diferenciadas. Se o discurso do afeto, que está por trás dos encontros informais de um grupo
que compartilha os mesmos interesses, obscurece a existência de hierarquias, isso acontece
porque a própria autoridade existente ali não é vista como um “cimento social” que motiva a
criação de um sentimento de solidariedade. Nesse sentido, o papel desempenhado por Pedrosa
naquela reunião de jovens artistas pode ter contribuído para criar um “sentimento de grupo” 41
que ele mesmo defendeu como forma de legitimar as experiências estéticas em torno do
concretismo nos anos 1950.
Quando escreve sobre autoridade, Richard Sennett (2001) afirma que esse termo diz
respeito a uma emoção social que cria vínculo entre as pessoas desiguais. Em vez de reduzir
esse conceito à ideia de coerção ou apenas à existência de hierarquias, o que o autor quis
sublinhar é o fato de a autoridade pressupor também a criação de laços afetivos entre os
indivíduos. Sobre a palavra vínculo, por exemplo, ele enfatiza que ela possui um duplo
sentido: é, por um lado, uma ligação, mas também pode ser encarada como servidão, ou um
limite imposto. Por fim, Sennett ainda destaca que as relações de autoridade são fundamentais
na sociedade: “As crianças precisam de autoridades que as orientem e tranquilizem. Os
adultos realizam uma parcela essencial de si ao serem autoridade: é um modo de expressarem
interesse por outrem” (SENNETT, 2001, p.27).
A ideia de que um indivíduo realiza uma parte de si quando exerce uma autoridade
pode ser mobilizada para compreender a atuação de Pedrosa naquele grupo. Em primeiro
lugar, a sua posição como crítico também foi construída naquele contexto, assim como a
relação de autoridade que essa atividade pressupõe. Segundo Osório (2005, p.17-18), o papel
desempenhado por aqueles que se envolvem no exercício judicativo indica a relação entre
arbítrio e perícia:

40
A discussão sobre a importância dos encontros na casa do crítico, principalmente para a conformação de sua
posição como teórico no interior de um grupo de artistas, será vista no tópico 4.2.1. desta tese.
41
“Assim, o contato mais estreito que se estabelecia nas aulas de Ivan Serpa, nas reuniões na casa de Mário
Pedrosa, ou qualquer outro lugar em que se atualizasse o sentimento de pertencimento àquele grupo, é capaz de
dar ensejo a um estilo de vida comum e a uma honra grupal própria” (SANT’ANNA, 2004, p.23).
41

Obviamente, para se arrojar na escrita de um texto crítico há que se assumir um mínimo de


autoridade (favor não confundir autoridade com autoritarismo). Deve-se estar a par do
ambiente artístico, da história da arte, ter fluência diante de uma dada tradição e de um
conjunto de “saberes relacionais”. Acima de tudo, deve-se estar disponível frente às
exigências das obras, estar familiarizado com um tipo de experiência proposta pela
linguagem a ser traduzida, ou melhor, deslocada pelo ajuizamento e escrita da crítica.

A posição de crítico exercida por Mário Pedrosa junto a um grupo de artistas, somada
à sua vivência – se comparada com a pouca experiência e juventude dos outros membros do
grupo – foi fundamental para que ele se constituísse como uma autoridade, contribuindo
também para o desenvolvimento no grupo de experiências em torno do concretismo. O fato de
as reuniões serem realizadas em sua casa e a sua tese ser uma referência para aqueles artistas
também atesta a sua influência, ainda que, muitas vezes, os laços estabelecidos naqueles
encontros fossem vistos apenas como amizade entre um “grupo de iguais”.42
Um exemplo dessa autoridade exercida por Pedrosa pode ser vista no depoimento de
Almir Mavignier, quando afirma que, durante as reuniões, uma referência do crítico sobre
algum movimento artístico já despertava a atenção de todos, o que indicaria uma autoridade
embasada, principalmente, no saber. A importância da tese de Pedrosa reside justamente nesse
tipo de autoridade, visto que o domínio teórico acerca do fenômeno estético o colocava em
uma posição diferenciada em relação aos artistas. Nas palavras de Mavignier (1987, p.126):

Bastava ele falar algumas palavras sobre essas novas tendências que era o suficiente para
despertar nossa curiosidade muito intensa. Pelo menos eu comprei uns livros, Mário
também emprestou-me outros e realmente comecei a estudá-los e procurar entender melhor
todos esses fenômenos: a relação do homem com a máquina, que estava muito ligada à
cibernética, e principalmente à psicologia da forma, Gestalt. O Mário era craque naquilo.

Hannah Arendt (1992), ao investigar sobre a autoridade, também a relaciona com a


posse de conhecimento, explicando que ser portador de algum saber infunde segurança
naqueles que se submetem. Ela reforça, portanto, o poder das ideias que pode ser encontrado
em modelos de autoridade, como aquele exercido pelos peritos, sábios, educadores, entre
outros (ARENDT, 1992, p.180-181). No caso de Mário Pedrosa, o respaldo encontrado por
ele, devido à sua perícia, não foi visto necessariamente como autoridade e sim como uma
influência, termo que serviria para amenizar as desigualdades existentes nas relações travadas
entre ele e um grupo de artistas. Segundo César Oiticica: “Como Mário entendia para caramba

42
Quando analisa o grupo de intelectuais denominado Bloomsbury group, Raymond Williams (1982) atenta para
o fato de que é necessário estudar os grupos culturais para além das autoatribuições presentes nesses círculos –
no caso daqueles intelectuais, eles se definiam apenas como um grupo de amigos. Embora Williams não descarte
a existência de laços de amizade, ele enfatiza que é necessário investigar as ideias e posições que estão implícitas
naquele agrupamento de indivíduos.
42

de arte, ele mostrava que o cara estava fazendo uma coisa realmente nova. Isso é muito
importante. Quando a pessoa que é muito sábia, e, além disso, generosa, como o Mário era, no
sentido de fazer questão de ajudar os outros com aprendizado, conhecimento, ou sobre arte ou
sobre política... ele influencia” (grifo nosso).43
Essa generosidade identificada em Pedrosa, que serve para justificar a ideia de que
haveria ali uma igualdade nas relações, chama a atenção para um aspecto da autoridade, já
destacada aqui, que é aquele que diz respeito à forma como ela é exercida, não se
confundindo com poder ou violência. Segundo Arendt (1992, p. 129):

[…] a autoridade exclui a utilização de meios extrernos de coerção; onde a força é usada, a
autoridade em si mesmo fracassou. A autoridade, por outro lado, é incompatível com a
persuasão, a qual pressupõe igualdade e opera mediante um processo de argumentação.
Onde se utilizam argumentos, a autoridade é colocada em suspenso. Contra a ordem
igualitária da persuasão ergue-se a ordem autoritária, que é sempre hierárquica [...] A
relação autoritária entre o que manda e o que obedece não se assenta nem na razão comum
nem no poder do que manda; o que eles possuem em comum é a própria hierarquia, cujo
direito e legitimidade ambos reconhecem e na qual ambos têm seu lugar estável.

No trecho acima, algumas questões chamam a atenção. Em primeiro lugar, a


obediência como uma das condições para a existência de relações autoritárias e a legitimidade
das posições hierárquicas que essas relações pressupõem. Essa ideia encontra respaldo em
Max Weber (2004b, p.190), em seu estudo sobre a dominação em virtude de uma autoridade.
De acordo com esse autor, um aspecto central dessa forma de dominação é a crença em sua
legitimidade, isto é, a autoridade só pode existir se houver algum interesse em obedecer por
parte daqueles que são submetidos a um poder de mando.44 As relações sociais mais estáveis,
segundo Weber, são justamente aquelas cuja motivação dos indivíduos é guiada pela crença
na legitimidade: “Mas nem o costume ou a situação de interesses, nem os motivos puramente
afetivos ou racionais referentes a valores da vinculação poderiam constituir fundamentos
confiáveis de uma dominação. Normalmente, junta-se a esses fatores outro elemento: a crença
na legitimidade” (Weber, 2004a, p.139).
Cabe também destacar que, ao estudar as formas de dominação que pressupõem uma
relação autoritária, Weber não está atribuindo a essas formas um aspecto pejorativo, mas elas
são consideradas por ele uma relação social importante para a manutenção da vida em

43
Entrevista concedida por César Oiticica a Nina Galanternick em 12 de novembro de 2008, no Rio de Janeiro.
Acervo NUSC – Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura .
44
Segundo Weber, “Certo mínimo de vontade de obedecer, isto é, de interesse (externo ou interno) na
obediência, faz parte de toda relação autêntica de dominação” (2004a, p.138).
43

sociedade.45 O próprio Weber afirma que elas são “um dos elementos mais importantes da
ação social” (Weber, 2004b, p.187). A dominação como forma de poder, portanto, exerceria
influência em todas as áreas da ação social; mesmo quando não é percebida imediatamente, é
por meio dela que nasce uma relação associativa racional.
Ao tomar de empréstimo as análises de Arendt e Weber sobre o exercício da
autoridade – que, no caso de Weber se dá por meio das relações de poder e dominação –, o
objetivo é chamar atenção para a posição que Mário Pedrosa construiu no meio artístico
brasileiro entre os anos 1940 e 1950. Ao liderar a formação de um grupo de artistas, ele
desempenhou um papel fundamental por conta da autoridade exercida entre seus membros,
principalmente, devido ao cabedal teórico e cultural adquirido, que pode ser confirmado pelo
depoimento de artistas.46 Embora os laços afetivos tenham atuado como um fator relevante
para a formação daquele círculo de convivência, a autoridade adquirida pelo crítico naquela
relação também garantiu certa unidade ao grupo, cujos membros que mais se destacaram
foram aqueles que desenvolveram experiências no campo do concretismo, influenciados, em
parte, pelas ideias veiculadas por Pedrosa.
A relação de Pedrosa com o crítico e o poeta Ferreira Gullar, por exemplo, exemplifica
a existência de hierarquias e de relações de autoridade que foram se configurando entre os
principais defensores do segundo projeto moderno nas artes brasileiras. Quando eles se
conheceram, na década de 1950, Gullar estava na faixa dos vinte anos e havia acabado de
chegar ao Rio de Janeiro, vindo de sua terra natal, Maranhão. Lá, ele havia entrado em
contato com a tese de Pedrosa. Já em solo carioca, ele teve oportunidade de discutir aquelas
ideias com o crítico, que considerou suas observações. Em depoimento, Gullar afirma: “Mas a
verdade é que aprendi muito com o Mário, a partir dessa primeira visita. Tornei-me amigo
dele, passei a frequentar a casa dele e aí houve a Bienal em São Paulo, em 1951. Fomos a
Bienal juntos. E durante a Bienal, as observações que ele fazia das obras... Então, eu aprendi
muito com ele”.47

45
De acordo com Gabriel Cohn (1979), a sociologia weberiana está voltada principalmente para a análise da
dominação.
46
Weber também prevê uma forma de dominação que é exercida por meio do conhecimento: “Administração
burocrática significa: dominação em virtude de conhecimento; este é seu caráter fundamental especificamente
racional. Além da posição de formidável poder devida ao conhecimento profissional, a burocracia (ou o senhor
que dela se serve) tem a tendência de fortalecê-la ainda mais pelo saber prático de serviço: o conhecimento de
fatos adquiridos na execução de tarefas ou obtido via ‘documentação’. O conceito (não só, mas especificamente)
burocrático ou do ‘segredo oficial’ – comparável, em sua relação ao conhecimento profissional, aos segredos das
empresas comerciais no que concerne aos técnicos – provém dessa pretensão de poder” (2004a, p.147).
47
Entrevista concedida por Ferreira Gullar a Nina Galanternick em 2008, no Rio de Janeiro. Acervo NUSC –
Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura .
44

Em 1959, Gullar participou da criação do grupo Neoconcreto – formado com alguns


artistas que foram membros do Grupo Frente –, escrevendo, inclusive, o manifesto em que
expunha as principais ideias associadas a esse movimento. 48 Naquele momento, Gullar
procurou se diferenciar das ideias defendidas por Pedrosa – aquelas relativas à teoria da
Gestalt – sem, contudo, desvincular-se completamente do legado de Pedrosa, do qual havia
sido “pupilo”. Sobre essa difícil equação, Flávio Moura (2011, p.81, grifo nosso) afirma:

O pormenor com que Gullar presta contas das decisões que toma também diz do momento
delicado que vivia em relação a Pedrosa. Em certa medida, negar os dogmas “nascidos de
uma fase rudimentar” era negar também um conjunto de valores que tinha no próprio
Pedrosa um de seus maiores formuladores. A “demagogia cientificista” que Gullar imputa
aos paulistas não está ausente dos trabalhos de Pedrosa sobre a Gestalt, que era a referência
teórica a que remontavam os experimentos de corte construtivo. A equação que ele propõe
é difícil por isso: trata-se de recusar o esteio teórico do concretismo, cujo introdutor fora
Pedrosa, “sem abrir mão do novo vocabulário visual”, vocabulário construído a partir desse
mesmo esteio teórico. Ao mesmo tempo, atribuir exclusivamente aos paulistas a demagogia
cientificista é modo de atenuar o que poderia haver de cientificismo no trabalho do próprio
Pedrosa. Em outros termos: carregar na tinta contra os antípodas paulistas,
imputando apenas a eles traços comuns a todo o movimento, é modo de suavizar a
relação de Pedrosa com esses ideais e tornar menos abrupto um rompimento que,
tomado ao pé da letra, é também um rompimento com os ensinamentos do mestre.

A posição que Gullar passou a desfrutar como crítico de arte no final da década de
1950, ao tornar-se o responsável pelo setor de artes plásticas do Suplemento Dominical do
Jornal do Brasil, e por ter sido uma peça fundamental na formação do movimento
Neoconcreto, é, em parte, tributária das relações que ele estabeleceu ainda no início dessa
década, quando também entrou em contato com artistas nas reuniões realizadas na casa de
Mário Pedrosa. Essa relação, contudo, embora fosse caracterizada como igualitária por Gullar,
já que ele enfatizava que havia um ambiente propício para a troca de ideias naquele espaço e
que o próprio Pedrosa aceitava críticas e ouvia os outros participantes daqueles encontros,
também estava marcada pela existência de uma autoridade representada pela figura de
Pedrosa. A equação difícil que Moura menciona diz respeito exatamente aos impasses que
estão envolvidos nos conflitos que fazem parte das relações de autoridade, e que podem ser
vistos na tentativa de se desvincular daquele que aparece como “mestre”, denominação que já
sugere a existência de uma hierarquia.

48
Sobre esse manifesto, publicado em 1959, no Jornal do Brasil, Ronaldo Brito (1999, p.08) afirma: “[...] trata-
se também de defender uma arte não figurativa, de linguagem geométrica, contra tendências irracionalistas de
qualquer espécie. Dadá e surrealismo são nominalmente citados como movimentos retrógrados. Mondrian,
Pevsner e Malevitch são os pontos de referência básicos. O texto delimita, assim, o que seria de início a área de
operação neoconcreta: as ideologias construtivas, com suas leituras evolucionistas da história da arte, suas
propostas de integração social e suas teorias produtivas. O neoconcretismo permanece interessado na espécie de
positividade que está no centro da tradição construtiva – a arte como instrumento de construção da sociedade”.
45

O outro lado dessa relação pode ser visto nos laços de amizade construídos pelo
crítico. Ao considerar as hierarquias presentes nos vínculos criados entre Pedrosa, artistas e
críticos como Gullar, não se pode desconsiderar outros aspectos desses laços afetivos que
também motivaram aquele encontro, captados pela ideia de amizade, tal como aquela sugerida
por Francisco Ortega (2009, p.56-57):

Como consequência dessa tendência de desprendimento e individuação, típicas da


sociedade moderna, o indivíduo pode escolher entre uma multiplicidade de âmbitos. Ele é o
arquiteto de uma rede, o promotor de suas relações sociais em um universo construído por
ele mesmo. A experimentação de diversas formas de existência tornar-se-á possível. A
amizade constitui uma alternativa às velhas e rígidas formas de relação institucionalizadas,
representando igualmente uma saída ao dilema entre uma saturação de relações, surgido da
dinâmica da modernização, e uma solidão ameaçadora.

A forma como o autor aborda a questão da amizade no trecho acima chama a atenção
pelos seguintes aspectos: em primeiro lugar, Ortega enfatiza a “multiplicidade de âmbitos”
aos quais os indivíduos têm acesso; em segundo lugar, ele lança luz para os vínculos
construídos fora de relações sociais marcadas pela fixidez. Os elementos que resumiriam os
laços de amizade que ele quer tratar vão em direção justamente dessa ausência de rigidez,
representada nas seguintes ideias: inconstância, imprevisibilidade e instabilidade. Esses
termos dariam conta, por exemplo, das possibilidades que uma relação de amizade apresenta,
no que diz respeito a uma abertura para o novo e para a experimentação. Nas palavras do
autor: “Seria uma amizade instável e dinâmica com relação à definição de valores”
(ORTEGA, 2009, p.83).
Ainda segundo esse autor, a importância de se considerar as relações de amizade para
a formação de um grupo tem relação com o fato de que elas não supõem necessariamente um
confronto direto entre seus membros, embora envolvam luta, e também não abrangem apenas
a unanimidade e o consenso, mesmo quando é possível encontrar elementos em comum entre
os indivíduos unidos por vínculos de amizade. Aquilo que Ortega destaca como outra
dimensão da ideia de amizade é a incitação permanente que ela presume, evidenciando-se
nesse duplo movimento de luta e consenso. Não é à toa que esse autor descreve essas relações
como um “programa vazio”, pois elas encontram-se sempre abertas a um futuro que ainda está
por ser imaginado, “no qual cada indivíduo deve inventar sua própria ética da amizade”
(ORTEGA, 2009, p.96).
Esse futuro imaginado pode ser associado à construção de um “devenir pictórico” do
qual Pedrosa participou ativamente entre o final de década de 1940 e meados da década de
1950. Nesse contexto, a defesa de valores, tais como a abertura ao novo e a liberdade de
46

criação, deve ser destacada aqui como uma estratégia mobilizada pelo crítico para se
posicionar nas disputas envolvendo as tendências da arte moderna, especialmente aquelas em
torno do concretismo e do realismo pictórico. A importância conferida a esses valores, que
foram veiculados por Pedrosa como forma de legitimar o projeto concretista na forma como
ele se desenvolveu no Rio de Janeiro, por meio do Grupo Frente, pode ser associada à
discussão sobre os laços de amizade, uma vez que, ao produzir um discurso para fortalecer um
“sentimento de grupo” entre os criadores artísticos, o crítico contribuiu não apenas para a
criação de identidade entre seus membros, mas também para uma transformação e recriação
de si a partir dos contatos pessoais. Ainda segundo Ortega (2009, p.81-82),

No amigo, não devemos reconhecer-nos para fortalecer nossa identidade. A relação de


amizade poderia desenvolver uma sensibilidade para as diferenças de opinião e de gostos.
Somente essa distância, esse agonismo, essa disposição a nos deixarmos questionar em
nossas crenças e ideais, a modificarmos nossas opiniões através do relacionamento com o
amigo, constituem a base de uma amizade para além da reciprocidade, do parentesco, da
incorporação do outro.

Sobre a importância das relações de amizade para a formação de um grupo e para o


destino dos membros que dele participam, Raymond Williams (1982), no texto The
Blooomsbury fraction, investiga um círculo de intelectuais ingleses, que se definiam como um
“grupo de amigos”. Para além dessa autodefinição proposta por esse grupo, o autor tem o
objetivo de questionar se as ideias e os valores ancorados nessa relação de amizade
contribuíram para a formação e diferenciação desse grupo, e em que medida a maneira como
eles se tornaram amigos indicaria fatores sociais e culturais mais amplos. Além disso, para se
contrapor a uma análise que leve em conta apenas as definições e perspectivas do próprio
grupo, ele também propõe que se leve em conta as ideias e posições que estão implícitas ali
com o intuito de apreender a significação cultural daquele encontro de indivíduos.
Esse posicionamento metodológico proposto por Williams interessa ao trabalho aqui
proposto, já que ele aborda um duplo movimento: conciliar uma análise da formação interna
do grupo e seu significado mais geral. No caso do Grupo Frente, Pedrosa contribuiu para sua
formação, atuando como um intelectual catalisador e exercendo relações de autoridade
naquele círculo, embora na aparência os vínculos ali travados aparecessem como igualitários,
expressos nos laços de amizade que foram construídos entre seus membros. Ainda que não se
possa descartar a importância desses laços para a constituição daquele grupo, é necessário ter
em vista a posição dos indivíduos que faziam parte dele, especialmente, a de Pedrosa, que,
como crítico, desempenhou um papel central na elaboração de um discurso acerca daqueles
47

artistas – por meio de textos de catálogo e artigos de jornal –, além de ter fomentado a criação
de valores que seriam disseminados por meio de sua atuação como “teórico” do grupo. Sua
atuação, portanto, consegue evidenciar essas duas dimensões enfatizadas por Williams: tanto
aquela que diz respeito à criação do grupo quanto a seu significado geral, na medida em que o
reconhecimento que o Grupo Frente conquistou no meio artístico brasileiro a partir da década
de 1950 se deve, em parte, justamente às atividades desempenhadas pelo crítico junto aos
artistas.
Cabe enfatizar também a importância da participação de Mário Pedrosa na criação
desse grupo para sua consagração como crítico. Nessa relação, ele conseguiu encontrar
interlocutores para divulgar suas ideias e se associar a artistas que viriam a desfrutar de
prestígio no campo artístico a partir da década de 1950. Esse momento, portanto, em que
esteve vinculado àquele grupo, pode ser considerado o clímax de seu “itinerário crítico”,
considerando também que foi nesse contexto que Pedrosa publicou ensaios sobre arte e
defendeu sua tese, angariando reconhecimento intelectual. Os dois aspectos tratados até aqui –
autoridade e amizade –, que fazem parte da dinâmica que Pedrosa estabeleceu entre criadores
artísticos e intelectuais, dão conta justamente do percurso que é objeto desta tese e que diz
respeito ao processo a partir do qual ele se tornou crítico de arte, formulando projetos
artísticos e também se dedicando à produção de um discurso especializado sobre o fenômeno
estético.

1.4 A construção de um percurso: a estrutura da tese

No tópico anterior, as relações de autoridade e amizade construídas por Pedrosa ao longo


de seu “itinerário crítico” foram enfatizadas com objetivo de compreender como ele se
destacou no exercício judicativo em meados do século XX no Brasil. Os vínculos que ele
estabeleceu com um grupo de artistas, exercendo um papel fundamental na criação de uma
identidade entre eles em torno de um projeto artístico, chamam a atenção pelo fato de que, ali,
ele pôde desempenhar os seguintes papéis: como autoridade, influenciou aqueles artistas com
as ideias que estava desenvolvendo em sua tese, canalizando as discussões em torno do
problema da forma na obra de arte, embasado na teoria da Gestalt; por outro lado, como
amigo de jovens artistas, ele angariou uma posição de confiança naquele círculo, o que
permitiu que suas ideias tivessem uma maior penetração entre eles.
Embora essas relações tenham sido enfatizadas, cabe lembrar que a construção da carreira
de Mário Pedrosa no exercício judicativo envolveu um processo longo que não teve início na
48

década de 1950. Como ficará evidente ao longo desta tese, os caminhos da crítica de Pedrosa
se iniciaram ainda na década de 1920, período em que Arantes afirmou que ele era “antes de
tudo um ativista político” (ARANTES, 1991, p.IX). Embora tivesse desempenhado um papel
político importante nos anos 1920, o que se quer destacar neste trabalho é a incursão do
crítico, nesse período, em um círculo intelectual e artístico que foi fundamental para suas
atividades posteriores no campo das artes plásticas. Foi nesse momento que ele conheceu
artistas importantes como o crítico e escritor Mário de Andrade, o poeta Benjamin Péret, a
cantora lírica Elsie Houston, o artista plástico Ismael Nery, e sua futura esposa, Mary
Houston, mulher instruída e bem relacionada, que facilitou a circulação de Mário Pedrosa
nesse ambiente.
Embora a iniciação de Pedrosa na crítica tenha sido atribuída à conferência proferida por
ele sobre a gravurista alemã Käthe Kollwitz, em 1933, intitulada “Käthe Kollwitz e o seu
modo vermelho de perceber a vida”,49 é necessário ressaltar a dificuldade em se estabelecer
um marco fixo para definir o início de sua atuação na crítica de artes plásticas. Isso porque a
década de 1930 não foi um período em que ele se dedicou sistematicamente a essa atividade,
como acontecerá a partir do final dos anos 1940. Além disso, deve-se enfatizar justamente o
caráter processual de sua incursão no exercício judicativo, cuja etapa inicial pode ser
localizada na década de 1920, quando, conforme já mencionado, ele não apenas frequentou
um ambiente artístico e intelectual no Brasil, como também teve a oportunidade de conviver
com artistas surrealistas franceses por ocasião de sua estadia na Europa entre 1927 e 1929.
Ademais, nesse período, Pedrosa chegou a escrever crítica literária no jornal Diário da Noite,
o que pode indicar uma proximidade com as atividades artísticas.
O segundo capítulo desta tese analisará as relações construídas por Mário Pedrosa nos
anos 1920, enfatizando seus contatos com artistas e intelectuais, especialmente aqueles que
tiveram alguma ligação com o primeiro projeto moderno, como foi o caso de Mário de
Andrade, com quem Pedrosa havia trabalhado no jornal Diário da Noite. As cartas trocadas
entre ambos evidenciam, entre outros aspectos, as relações de autoridade e amizade já
destacadas aqui, sendo que, naquele momento, o escritor paulista já era um intelectual
reconhecido, e Pedrosa ainda estava se inserindo no meio artístico e intelectual. Além disso,
será investigada a amizade do crítico com o casal de artistas Benjamin Péret e Elsie Houston,
que teve um impacto em sua trajetória, uma vez que o contato com ambos permitiu que ele

49
Essa conferência foi proferida por ocasião da mostra da gravurista, e foi realizada no Clube de Artistas
Modernos, localizado em São Paulo.
49

construísse vínculos com importantes artistas franceses ligados ao surrealismo, como Pierre
Naville e Andre Breton.
Além disso, o segundo capítulo também tratará de um momento que se considerou
importante para a construção de seu “itinerário crítico”, a saber: o acerto de contas com a
primeira geração modernista, na conferência proferida por Pedrosa sobre a Semana de Arte
Moderna em 1952. Uma hipótese desta tese repousa no fato de que uma revisão do passado
feita por ele contribuiu, em alguma medida, para seu reconhecimento como crítico, pois o
olhar para o passado, mais precisamente para a Semana de Arte Moderna, também pode ser
considerado um passo estratégico para elaboração de um projeto, isto é, para a construção de
um “devenir pictórico”. Nesse sentido, a leitura que o crítico fez dessa geração envolveu a
construção de um discurso muito particular, em que destacou a importância das artes plásticas
para o desenvolvimento do meio artístico brasileiro e do primeiro projeto moderno na criação
de uma sensibilidade tipicamente moderna entre nós, ao mesmo tempo em que se diferenciava
de críticos como Mário de Andrade e Sergio Milliet, que, na década de 1940, produziram um
discurso negativo sobre o modernismo brasileiro.
Por fim, na última parte do segundo capítulo, o objetivo será realizar um cotejo dos
textos escritos por Mário de Andrade e Mário Pedrosa acerca de um artista emblemático para
o modernismo brasileiro: Cândido Portinari. Ambos dedicaram-se a analisar os trabalhos
desse pintor e modificaram seus posicionamentos em relação ao trabalho do artista ao longo
dos anos. No caso de Pedrosa, essa mudança pode ser vista em seus ensaios escritos entre
1934 e 1949, mobilizados, segundo Arantes (1991), como uma forma de “retraçar o caminho
do crítico”, que teria passado da defesa de uma matéria social na arte para a defesa da
especificidade do fenômeno estético. Embora essa transformação seja bastante enfatizada,
quando se tem em vista a atuação de Pedrosa no exercício judicativo, o que se buscou
destacar, a partir de um cotejo dos ensaios dos dois intelectuais mencionados, é a construção
de um repertório por parte de Pedrosa na sua reflexão sobre arte, que envolveu um movimento
de aproximação e distanciamento em relação a questões que faziam parte da agenda do
primeiro modernismo brasileiro, representado na figura do intelectual paulista.
Já o terceiro capítulo analisará outra etapa do processo a partir do qual Mário Pedrosa
se tornou crítico de arte. O início dessa etapa se deu em sua viagem de exílio aos Estados
Unidos em 1938, onde passou sete anos, retornando ao Brasil apenas em 1945. Durante esse
período, em 1942, ele retomou a escrita de textos sobre artes plásticas – o último havia sido
publicado em 1935 –; acompanhou a efervescência intelectual em Nova York, com a ascensão
de críticos de arte como Clemente Greenberg, Meyer Schapiro, entre outros, que escreviam na
50

revista Partisan Review; conheceu o artista Alexander Calder, de quem se tornou amigo e cuja
obra se tornou uma referência para seu projeto crítico. Essa longa vivência no exterior
impactou Pedrosa, na medida em que conseguiu redimensionar sua posição acerca do
fenômeno artístico, o que foi crucial para a definição de seu futuro profissional quando
retornou ao Brasil, momento em que passou a se dedicar sistematicamente às atividades
relacionadas às artes.
Na primeira parte do terceiro capítulo, a experiência como exilado será tratada como
um momento de crise. De acordo com Edward Said, essa experiência é vivenciada como uma
“solidão vivida fora do grupo” (2003, p. 50). Foi nesse contexto que ele rompeu com seu
grupo político,50 ao mesmo tempo em que reencontrou artistas no exterior, como o próprio
Cândido Portinari, e construiu outros laços de amizade, como aquela com Alexander Calder.
Esse momento, que vai ser chamado de “crise” neste trabalho, não toma esse termo em um
sentido pejorativo. Ao contrário, a ausência de Pedrosa do meio artístico e cultural brasileiro
justamente no período do Estado Novo, momento em que muitos intelectuais aderiram ao
governo autoritário,51 pode ajudar a compreender os posicionamentos assumidos por ele após
a segunda metade da década de 1940. Explicando: além de investigar os fatores que
contribuíram para sua reconfiguração identitária no exterior, é necessário atentar para o fato
de que seu afastamento do país em um contexto em que as atividades artísticas estavam sendo
incentivadas pelo Estado, e que um projeto cultural de cunho nacionalista estava no ápice,
também foi um fator relevante para que ele repensasse seu meio social de origem e voltasse
com um novo repertório de questões, colocando-o em uma posição diferenciada no cenário
artístico brasileiro por ocasião de seu retorno.52
Ainda no terceiro capítulo, a discussão centrar-se-á na movimentação artística e
intelectual que ele encontrou no período em que esteve em Nova York, momento esse em que,
além de presenciar a atuação de críticos de arte como Clement Greenberg e Meyer Schapiro,

50
No final da década de 1930, Pedrosa passa a criticar o funcionamento da IV Internacional, onde atuava no
secretariado, e também os posicionamentos de Leon Trostki, com quem rompe nesse período. As críticas de
Pedrosa também vão gerar uma repercussão negativa no partido político ao qual estava filiado no Brasil – o
Partido Socialista Revolucionário – e que o havia escolhido como representante no exterior.
51
Sobre a relação entre o Estado e os intelectuais, Sergio Miceli (2001) afirma que esses últimos, em sua maioria
oriundos de setores decadentes da classe dirigente, procuraram preservar sua influência inserindo-se nas
instituições políticas e também no setor cultural. Esse autor lembra ainda que o Estado era a principal instância
de difusão e produção cultural no período analisado por ele, entre 1920 e 1945. Assim, a abertura de novas
frentes de colaboração com o poder, como o que se apresentava, possibilitou a inserção de intelectuais e artistas
em postos estratégicos da estrutura política naquele contexto.
52
O tipo sociológico descrito por Georg Simmel (1983), visto na imagem do estrangeiro, parece dar conta da
posição que Pedrosa ocupava naquele momento. Sobre esse tipo, o autor pressupõe uma interação entre
proximidade e distância que confere a ele objetividade: “[...] a objetividade também pode ser definida como
liberdade: o indivíduo objetivo não está amarrado a nenhum compromisso que poderia prejudicar sua percepção,
entendimento e avaliação do que é dado”.
51

ele também testemunhou a publicação do Manifesto por uma arte revolucionária


independente, em 1938, na revista nova-iorquina Partisan Review, escrito por Leon Trotski e
Andre Breton. Algumas das principais ideias desenvolvidas nesse manifesto e também nos
textos publicados por Greenberg e Schapiro vão encontrar acolhida no pensamento crítico de
Pedrosa, que também vai se engajar na luta pela liberdade artística, propondo uma relação não
instrumental entre arte e política. Uma das hipóteses levantadas nesta tese é que essa
efervescência intelectual, que permitiu a publicação de textos importantes sobre o fenômeno
artístico, impactou Pedrosa – tendo em vista, por exemplo, as críticas que ele vai fazer ao
realismo socialista em meados da década de 1940 –, sendo necessário, portanto, realizar uma
comparação entre as posições em relação à arte que estavam sendo defendidas pelos
intelectuais norte-americanos, por Breton e por Trotski, e aquelas adotadas por Pedrosa.
Por fim, na última parte do terceiro capítulo, será abordada a relação entre o escultor
Alexander Calder e Mário Pedrosa. Em 1943, o crítico visitou uma exposição do artista nos
Estados Unidos, e conheceu seu ateliê, onde se tornaram amigos. Um ano depois, o crítico
escreveu dois artigos sobre Calder, que foram publicados no jornal Correio da Manhã,
iniciativa que, além de evidenciar a proximidade e as relações de amizade que se
estabeleceram entre ambos, também chama a atenção para o impacto das obras do artista em
Pedrosa. Nesse sentido, uma hipótese no que concerne ao contato estabelecido entre os dois
diz respeito justamente a uma mudança na percepção sobre o fenômeno estético desenvolvido
pelo crítico nesse período, que teria passado por um momento de “reestruturação de sua
sensibilidade” ao dar início a uma relação com esse artista.
No quanto e último capítulo, será abordado o retorno de Pedrosa da experiência no
exílio e sua relação com um grupo de artistas no Rio de Janeiro, que, posteriormente, formaria
um núcleo da tendência concreta nessa cidade. Em meados da década de 1940, o crítico estava
avaliando as possibilidades de inserção profissional após retornar ao país. Nesse contexto, ele
chegou a fundar um jornal de esquerda, intitulado Vanguarda Socialista, onde se dedicou à
discussão política, além de ter inaugurado uma coluna de artes plásticas no jornal Correio da
Manhã, atuando como crítico a partir de 1946. Em paralelo a essas atividades, ele conheceu
os artistas Ivan Serpa, Almir Mavignier e Abraham Palatnik que frequentavam o Centro
Psiquiátrico Nacional Pedro II, onde estabeleceu contato com a produção artística dos internos
do ateliê de pintura desse espaço. A partir desse contato, o crítico chegou a definir os
trabalhos realizados no ateliê como “arte virgem”, e se engajou em um debate com outros
críticos de arte sobre o caráter artístico daquela produção.
52

A primeira parte desse capítulo tratará do retorno de Pedrosa ao Brasil e de sua


inserção no campo artístico do país por meio de um caminho que será definido aqui como não
convencional. A partir de 1947, o crítico passou a frequentar o ateliê de pintura do Centro
Psiquiátrico Nacional Pedro II, criado pela médica Nise da Silveira e o artista em formação
Almir Mavignier. Por ocasião das mostras realizadas com os trabalhos dos internos do
hospital, Pedrosa se engajou em contendas com outros críticos que, muitas vezes,
questionavam o valor artístico daqueles trabalhos, como Quirino Campofiorito e Sergio
Milliet. Pedrosa, por sua vez, afirmou que as obras criadas no ateliê de pintura deveriam ser
analisadas como qualquer outro objeto artístico, aproximando-os da produção não apenas dos
artistas modernos, como também dos povos primitivos e das crianças. Conforme será visto, a
participação de Pedrosa nesse debate foi um momento crucial na definição de suas
concepções acerca da arte, considerando que esse período coincidiu com a redação de sua
tese, onde essas concepções assumiram um corpus. Além disso, nessa disputa, ele conseguiu
demarcar sua posição no meio artístico, diferenciando-se de outros críticos de arte ao analisar
os trabalhos dos internos por seus aspectos formais e afirmar a qualidade estética dos mesmos.
Na segunda parte do quarto capítulo, o objeto de investigação será o papel de Pedrosa
na formulação de um projeto artístico e na criação de um grupo de artistas em torno da
tendência denominada arte concreta. 53 Além de um espaço como o ateliê de pintura, os
encontros na casa do crítico foram um lócus para a formação de artistas com interesses em
comum, e lá também as sua ideias tiveram uma ressonância, visto que ele foi considerado um
teórico do grupo concretista carioca. Sua posição como teórico, nessa parte, vai ser vista
também por meio de uma comparação entre o papel que ele desempenhou com o do artista
Ivan Serpa, que era professor do ateliê de pintura do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro, de onde saíram diversos membros do Grupo Frente. Por meio do depoimento dos
artistas, será possível analisar como ambos ocuparam posições distintas na formação desse
grupo e do projeto artístico em torno deles: enquanto Serpa atuava como professor, presente
na prática artística, Pedrosa fomentou a criação de um “sentimento de grupo”, por meio de

53
Segundo Villas Bôas (2014a), “um dos propósitos da arte concreta era romper com a construção renascentista
do espaço, fundada na perspectiva, para sublinhar a construção de uma linguagem abstrata que atendesse aos
rigores da forma e criasse no público modalidades ainda inexistentes de percepção. As propostas das vanguardas
não eram de pouca monta, ao visar subverter séculos de hábitos perceptivos e representativos. Tal projeto de
ruptura fazia parte de um movimento amplo de transformação conhecido por construtivismo. Um dos líderes do
movimento suprematista, atuante na Rússia do início do século XX, Malévitch advertia que a expressão da
sensibilidade através da representação de um objeto não tinha valor para a arte. A construção de um mundo
novo, o mundo da sensibilidade, prescindia dos objetos, das ideias e noções que fundamentavam a imitação da
natureza na arte”.
53

suas ideias sobre o fenômeno artístico, não apenas debatendo com os artistas, mas escrevendo
textos de jornal sobre eles e catálogos de exposição com o intuito de legitimá-los no meio
artístico.
Por fim, na última parte desse capítulo, a recepção do livro Arte, necessidade vital,
publicado por Pedrosa em 1949, e a discussão das ideias apresentadas por ele em sua tese, Da
natureza afetiva da forma na obra de arte, apresentada à banca da Faculdade Nacional de
Arquitetura em 1951, estarão em foco. As ideias desenvolvidas na tese, escrita pelo crítico em
1949, e embasadas na Psicologia da Forma acompanharam o crítico em suas análises sobre a
obra de arte, principalmente, a partir da década de 1950, e também repercutiram entre um
grupo de artistas. Conforme será visto nesse capítulo, embora sua tese tenha ficado em
segundo lugar no concurso, ela representou uma maturação de suas concepções sobre o
fenômeno estético, contribuindo para sua consagração como crítico posteriormente, quando
ele passa a usar um novo vocabulário em seus artigos e ensaios. Ademais, a discussão de
questões presentes na tese, nos encontros com artistas promovidos em sua casa, entre outros
fatores, foi fundamental para o estabelecimento de um núcleo concretista no Rio de Janeiro.
A coletânea Arte, necessidade vital marcou a consagração de Pedrosa entre seus pares,
sendo mobilizada não apenas para destacar suas qualidades no exercício judicativo, como
também para discutir os parâmetros que regem essa atividade. Com artigos publicados ao
longo de um período de 15 anos, entre 1933 e 1948, o livro apresenta também um percurso
traçado por Pedrosa na crítica de artes plásticas, revelando seu “processo de educação”, que se
fez em público, e as mudanças de rumo de suas concepções acerca do fenômeno artístico. O
lançamento dessa publicação, no fim da década de 1940, será tomado aqui como um momento
importante de seu itinerário crítico, pois ele assinala um investimento nessa carreira
justamente em um momento em que suas atividades convergiam para a mesma direção: além
dos artigos sobre artes plásticas publicadas no livro e no jornal Correio da Manhã, nesse
período, ele havia acabado de redigir sua tese e já estava construindo uma rede de relações
com artistas.
O processo esboçado até aqui teve o objetivo de evidenciar algumas etapas
importantes que indicam como Pedrosa se tornou reconhecido como crítico de arte. A
principal hipótese desta tese diz respeito ao fato de que não é possível traçar um momento
exato em que ele se tornou um crítico de arte; ao contrário, alguns momentos-chaves, que
serão analisados ao longo deste trabalho, chamam a atenção para um processo de
“reconfiguração identitária” e “reestruturação de sensibilidade” que possibilitaram seu
investimento no exercício judicativo. Entre as etapas de seu percurso crítico, terão destaque
54

aqui seu esforço na construção de um vocabulário para analisar a produção artística de


vanguarda, sua participação em redes intelectuais e artísticas, além do papel que
desempenhou na construção dessas redes. Finalmente, cabe sublinhar que essa atuação tem
como fio condutor a construção de uma plataforma na crítica, que envolveu, principalmente,
sua participação ativa em discussões sobre o desenvolvimento da arte moderna, postulando
um “devenir pictórico” associado ao projeto construtivo nas artes.
55

CAPÍTULO 2

ACERTANDO AS CONTAS COM O PASSADO: MODERNISMO EM DEBATE

2.1 Período de formação e encontro com a primeira geração modernista nos anos 1920

2.1.1 A inserção de Pedrosa no meio artístico e sua relação com Mário de Andrade

Para compreender o processo a partir do qual Pedrosa conquistou notoriedade como


crítico de arte no Brasil, principalmente a partir do final dos anos 1940, é necessário
retroceder no tempo e investigar as redes intelectuais e artísticas das quais fez parte em sua
juventude durante a década de 1920. Embora esse período seja descrito como um momento
em que ele se dedicou principalmente à militância política, tanto no Partido Comunista
Brasileiro como no movimento de Oposição de Esquerda, cabe enfatizar também que, nessa
mesma época, ele investiu no cultivo de relações pessoais com figuras de proa do primeiro
projeto moderno, como Mário de Andrade – e outros artistas e intelectuais que de alguma
forma gravitavam em torno desse movimento –, 54 e também com artistas no exterior,
especialmente, aqueles que participaram do movimento surrealista francês nos anos 1920.
A ênfase nos laços afetivos construídos pelo crítico nesse período revela um importante
aspecto do percurso que será traçado aqui, qual seja: aquele que se refere à incursão gradual
de Pedrosa no exercício judicativo, envolvendo a sua participação em grupos marcados por
uma intensa densidade social,55 como aqueles que serão descritos ao longo desta tese. Além
disso, esses laços de amizade, que não podem ser apartados de uma análise que tenha em vista

54
Sobre esse programa estético, cabe enfatizar que, conforme afirma Villas Bôas (2014b), a sua preocupação
central era criar uma visualidade impregnada de “motivos brasileiros”; desse modo, embora Pedrosa tivesse se
afastado dessa plataforma artística, principalmente, a partir da década de 1940, quando se dedicou à elaboração
de um projeto construtivo nas artes, seu contato com as discussões sobre o modernismo brasileiro e sua inserção
em círculos artísticos e intelectuais, desde os anos 1920, contribuíram sobremaneira para a construção do seu
percurso na crítica de arte.
55
Randall Collins discute a noção de densidade social, mobilizando o estudo de Émile Durkheim sobre os rituais
sociais: “[...] Esses rituais são mais aparentes na religião, mas, uma vez que se compreende sua estrutura básica,
eles podem ser apresentados em diversos contextos, inclusive nas interações da vida cotidiana. Um ritual é um
momento de uma densidade social extremamente alta. Normalmente, quanto mais pessoas estiverem juntas, tanto
mais intenso será o ritual. Mas os rituais também elevam o contato entre as pessoas; ao fazer os mesmos gestos,
ao entoar as mesmas canções e outras coisas do tipo, as pessoas voltam a atenção para a mesma coisa. Elas não
estão apenas reunidas, mas têm plena consciência do grupo ao seu redor. Como resultado disso, certas ideias
passam a representar o próprio grupo, tornando-se seus símbolos” (Collins, 2009, o.164). Ainda segundo o autor,
em uma situação de intensa densidade social, os indivíduos que fazem parte de redes de interação têm sua
atenção voltada para a mesma coisa. Nessa perspectiva, o conceito de densidade social serve aqui para entender a
participação de Pedrosa em redes formadas por artistas e intelectuais, não apenas nos anos 20, mas também
posteriormente, a partir da década de 1940, quando suas ideias adquiriam proeminência entre um grupo de
indivíduos, mobilizando-os em torno de um projeto artístico.
56

o seu “itinerário crítico”, também podem evidenciar as incitações recíprocas e as lutas que são
fundamentais para a formação de grupos organizados e também para a produção de novas
ideias. Desse modo, seu envolvimento com a primeira geração modernista contribuiu para que
o crítico acumulasse um capital social que facilitou sua circulação no meio artístico brasileiro
nos anos posteriores.
Ainda que a iniciação de Pedrosa nos círculos artísticos brasileiros tenha se dado,
inicialmente, por meio de sua ligação com alguns dos expoentes do primeiro projeto moderno,
não foi encontrado nenhum relato que faça referência a uma participação direta de Pedrosa
nos eventos de 1922, em São Paulo. 56 No ano da Semana de Arte Moderna, Pedrosa
frequentava a Faculdade Livre de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, onde entrou
em 1918 e se formou em 1923, estabelecendo ali laços afetivos que terão consequências
marcantes em sua trajetória. Na faculdade, ele travou contato com Lívio Xavier e o professor
Edgardo Castro Rebelo, 57 que foram fundamentais para que Pedrosa se iniciasse nas
discussões sobre o marxismo e na militância partidária.
Além desses intelectuais, foi também nessa época que Pedrosa conheceu o crítico Antonio
Bento,58 o poeta Murilo Mendes, o pintor Ismael Nery e a cantora lírica Elsie Houston, cuja
irmã, Mary Houston, tornou-se esposa de Pedrosa em 1935. Essa convivência com artistas
ainda na década de 1920 é enfatizada por Pedrosa no seguinte depoimento:

Essas reflexões me vinham à mente quando, faz dias, depois da tormenta eleitoral, dei com
uma exposição de obras que muito conheci na mocidade e de um artista de cujo encontro
pessoal resultou para mim um dos grandes momentos daquela mocidade. Refiro-me a
Ismael Nery. Nos idos de vinte, sua casa de vila, em São Clemente, era um lugar de
reunião para um pequeno grupo de moços entusiastas em torno dele. A jovem mulher, bela
como um jarro de flores, dava, com sua presença, o toque de graça terrena e feminina
àquelas reuniões, por vezes perdidas em especulações abstrusas. Lembro-me ainda quando,

56
Em entrevista concedida por Pedrosa em 1979 ao Projeto Memória do Instituto Nacional de Artes Plásticas
(INAP) da FUNARTE, o crítico afirmou que a Semana de Arte Moderna não afetou os cariocas (Pedrosa, 1979).
57
Nasceu em Salvador, Bahia, em 1884. Formou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade Livre de
Direito do Rio de Janeiro, em 1907, ingressando em seu corpo docente em 1914. Nessa instituição, estimulou o
debate em torno das ideias marxistas, e juntamente com outros professores, como Hermes Lima e Leonidas
Rezende, formou um grupo de debate em torno dessa tendência. Na década de 1940, participou da fundação do
Partido Socialista Brasileiro (PSB).
58
O paraibano Antonio Bento (1902-1988) era um dos principais responsáveis pela crítica de arte na cidade do
Rio de Janeiro. Ele começou trabalhando no Diário da Noite, onde conheceu Pedrosa e Mário de Andrade. Com
este último participou de pesquisas folclóricas, fornecendo-lhes temas nordestinos, canções de bumba meu boi e
cantos de dança dramática para o livro Macunaíma. Em 1934, foi para o Diário Carioca, onde manteve uma
coluna sobre música e artes plásticas até 1965. Bento ainda se destacou por ser um dos fundadores da Associação
Internacional de Críticos de Arte (AICA), em 1948, e sócio-fundador do Museu de Arte Moderna do Rio de
Janeiro. Segundo França (2011), além de sua participação nas instituições voltadas para a arte e para crítica,
Bento foi um dos principais porta-vozes da abstração informal no Brasil a partir dos anos 50.
57

para nos distrair, Evandro Pequeno, morto já de alguns anos, ia ao piano sem cauda e nos
regalava, com seu gênio histriônico, uma “rapsódia húngara de Liszt com sotaque
português”. Jorge Burlamaqui, o eminente engenheiro e professor da Politécnica, seu amigo
de infância, era, com Murilo Mendes, o mais chegado por amizade e afinidades a Ismael.
Antonio Bento, que era de todos nós o descobridor de artistas, foi quem me levou à casa do
pintor, de quem Murilo Mendes, num dos intervalos de ópera nas torrinhas do Municipal, já
me havia falado com fervor e entusiasmo (PEDROSA, 1998, p.197-198, grifo nosso).

O testemunho acima lança luz para alguns dos artistas e intelectuais com quem o
crítico conviveu em sua juventude, além de chamar a atenção para o ambiente frequentado por
ele, que era ao mesmo tempo de descontração e funcionava como um espaço para
“especulações abstrusas”. Ademais, o depoimento também sublinha outras redes de interação
das quais Pedrosa fazia parte que não se restringiam ao ambiente da universidade e da
militância política. Embora Arantes (1991, p. IX) afirme que, na década de 1920, Pedrosa foi,
sobretudo, um ativista político, não se pode esquecer que sua relação com o universo das artes
começou ainda nessa época, como é possível ver no depoimento do crítico.
A relação de Mário Pedrosa com intelectuais e artistas vinculados ao modernismo da
década de 1920 também foi destacada por Marques Neto (1993, p.97), quando ele ressalta o
contato do crítico com Ismael Nery, Mário de Andrade, o poeta Raul Bopp, entre outros.
Todavia, o autor também enfatiza que, a despeito dessa proximidade com membros do
movimento modernista, existiam diferenças no que se refere a uma tomada de posição
política: “[...] percebe-se uma relação próxima e cordial, com encontros frequentes e debates
culturais. Pedrosa, no entanto, é implacável quando analisa o posicionamento político dos
modernistas”.
Ao mesmo tempo em que estabelecia laços com artistas, Pedrosa também participava
das discussões em torno do marxismo com seu grupo na universidade, e, posteriormente, no
fim da década de 1920, foi um dos principais responsáveis pela organização de um
movimento de oposição ao Partido Comunista Brasileiro. Entre 1927 e 1929, quando viajou
para a Europa, Pedrosa entrou em contato com as ideias de Trostki e com o movimento de
oposição de esquerda francês, o que teria contribuído para a formação de um grupo contrário
ao PC no Brasil. 59 Desse modo, quando Marques Neto afirma que Mário Pedrosa era

59
Em 1926, Pedrosa filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro. No ano seguinte, o partido decide enviá-lo à
escola leninista russa. Ele viaja a Europa, onde fica até 1929, mas se instala em Berlim em vez de Moscou
(VASCONCELOS, 2012, p.14). Sobre essa viagem, Marques Neto (1993) sublinha que seu impacto não deve
ser superestimado, quando se tem em vista a organização do movimento de oposição no Brasil. Segundo esse
autor, já havia uma disposição por parte de Pedrosa e seu grupo de procurar alternativas ao PC antes da sua ida a
Europa. O contato com Pierre Naville, um dos principais membros do movimento de oposição de esquerda
francês, teria se dado antes da viagem.
58

implacável em relação ao posicionamento político dos modernistas,60 é necessário ter em vista


que, naquele contexto, ele estava envolvido, principalmente, com os dilemas que concerniam
à sua atuação como intelectual de esquerda e militante.61
Sua atuação como militante naquele contexto, portanto, destoava de alguns membros
do movimento modernista, como Mário de Andrade, no que se refere a uma participação
direta nos rumos políticos do país, como ficaria evidente mais tarde, quando o escritor, em
uma espécie de revisão do movimento do qual fez parte, lamenta o fato de sua geração ter se
62
abstido dos combates políticos. Por outro lado, essa não concordância com os
posicionamentos políticos evidenciados por artistas com quem manteve contato não
prejudicou essa relação, considerando que as questões estéticas já faziam parte do rol de
preocupações centrais do crítico naquele momento, como é possível ver nas cartas trocadas
com Lívio Xavier na década de 1920:

O Di [Cavalcanti] continua nosso camarada [...] O Ismael [Nery] continua numa evolução
da arte danada. O Mário de Andrade, muito nosso amigo, já se nota nele alguns
preconceitos estéticos a menos. Temos outros camaradas. Mas tudo é inútil e estéril. Meu
proselitismo? Continua. De música, quase nada. A não ser a mania da brasileira. Se achares
alguma coisa interessante, manda. Coco, etc. (PEDROSA, 1926 apud MARQUES NETO,
1993, p.255-256).

Essa preocupação com o fenômeno artístico e sua participação em um círculo de


artistas modernistas aparece também neste trecho, em que Pedrosa sugere a criação de uma
companhia que teria a missão de buscar artistas ignorados:

Projetamos (Di [Cavalcanti], Antonio [Bento] e [Raul] Bopp) a formação de uma


companhia, aproveitando os melhores momentos da companhia, e seguimos mato adentro,
correndo todo o Brasil (o Bopp chegou a fazer o itinerário), apanhando motivos de arte
negra, descobrindo artistas ignorados e inconscientes, criando números fabulosos, até
poder, ao cabo de um ano, de vela em vela, saltimbancos autênticos, chegar ao Rio, com

60
Em carta para Lívio Xavier, Pedrosa critica a postura dos modernistas no que se refere à política: “[…] é
moda menosprezar a política – pois acima de tudo paira sublime e pura amada e idolatrada (salve, salve)
– a Arte […] são rapazes inteligentes, às vezes de bom senso, mas em geral – por menos que queiram ser –
literatos. O Mário é o melhor deles, mas às vezes me enternece pela sua candura, sua ingenuidade, sua crendice
na arte, na ciência, em Deus e sua obra” (PEDROSA, 1927 apud MARQUES NETO, 1993, p.250).
61
No trecho de uma carta que escreveu para Lívio Xavier, Pedrosa manifesta esse dilema: “Pensar por pensar é o
mais refinado ato de hipocrisia, de covardia e perversidade [...] Por ora, não há mais intelectual, nem artista – só
há o proletariado hoje, nossa atividade só pode ser didática – a única legítima e moral” (PEDROSA, 1926 apud
MARQUES NETO, 1993, p.258).
62
Na conferência “O movimento modernista”, proferida em 1942, Mário de Andrade faz a seguinte afirmação:
“Não me imagino político de ação. Mas nós estamos vivendo uma idade política do homem, e a isso eu tinha que
servir” (ANDRADE, 1974, p.253). Embora tivesse participado do Ministério da Educação e Saúde, chefiado por
Gustavo Capanema, durante o Estado Novo, sendo responsável pela elaboração de políticas públicas na área da
cultura, Mário de Andrade considerou que sua obra possuía um caráter individualista, desengajado, não
contribuindo para as lutas políticas dos homens de sua geração.
59

uma companhia de bailados, autenticamente negros-brasileiros (PEDROSA, 1927 apud


MARQUES NETO, 1993, p.268).

Nos trechos citados, Pedrosa não apenas manifesta seu interesse pelas atividades
artísticas, como também menciona os artistas com quem mantinha relação no período. Se,
naquele contexto, a militância nas fileiras dos partidos de oposição de esquerda e sua
participação na formação desse movimento são destacados como as principais frentes de
atuação daquele intelectual nos anos 1920, as cartas trocadas com Lívio Xavier e Mário de
Andrade nesse período revelam um intelectual preocupado também com o desenvolvimento
de uma arte marcadamente brasileira e com outros movimentos artísticos, como o
surrealismo, além de colocar em destaque outro tipo de militância, que dizia respeito também
a um engajamento nas discussões a respeito das artes plásticas e literatura.
A década de 1920, portanto, foi decisiva para a formação intelectual de Mário Pedrosa,
considerando o impacto que as diversas redes de relação das quais participou teve em sua
atuação tanto na esfera política quanto no exercício judicativo. Além da faculdade de direito,
ambiente propício para a discussão do cabedal teórico marxista, e do envolvimento com
partidos de esquerda, como o Partido Comunista e depois com outras organizações que faziam
frente ao PC, ele também encontrou em outros espaços a oportunidade de discutir e interagir
com participantes do meio artístico brasileiro, como a casa de Ismael Nery e também daquela
que seria sua futura nora, Arlinda Houston, que realizava reuniões em sua casa com artistas e
intelectuais que, de acordo com o crítico Antonio Bento, “eram adeptos do moderno”.63
É importante destacar, nesse período, a relação de Pedrosa com Mário de Andrade,
que se estreitou a partir de 1924, quando o primeiro vai morar em São Paulo para assumir o
cargo de fiscal interino do imposto de consumo. Nesse mesmo ano, ele volta a trabalhar no
jornal Diário da Noite, onde inaugurou as seções de política internacional e crítica literária, e
tornou-se companheiro de redação de Mário de Andrade. 64 Embora tivessem se tornado
colegas de trabalho, a proximidade entre ambos teria extrapolado o ambiente da redação do

63
Em depoimento, Antonio Bento afirma: “Na casa de Dona Arinda Houston, onde se reunia um grupo de
intelectuais e artistas adeptos do moderno, havia também um ambiente de simpatia e interesse pela pintura de
Ismael [Nery], graças ao espírito aberto daquela senhora e de suas filhas, Celina Veloso Borges, Mary Houston
Pedrosa e Elsie Houston. Aliás, esta cantora que possuía uma voz de timbre inesquecível incluía em seu
repertório peças modernas, tendo se tornado, mais tarde, uma recitalista de câmara de renome internacional”
(BENTO, 1966).
64
A atividade de Pedrosa como crítico literário, apesar de não ter sido exercida por muito tempo como ocorreu
com a crítica de artes plásticas, ainda não mereceu a devida atenção. Não é o objetivo desta tese analisar esse
aspecto de sua trajetória, mas apenas destacar que ele cultivava relações com artistas e críticos ainda na década
de 1920, isto é, no momento em que seus estudiosos afirmam que ele se dedicou sobretudo à política. Além
disso, também se quer chamar a atenção para mais uma faceta de Pedrosa que não se restringiu às artes plásticas
e à militância política.
60

jornal para se tornar uma relação de amizade, como é possível ver nas correspondências
trocadas entre eles e também na dedicatória de Mário de Andrade para Pedrosa em seu poema
Moda da cadeia de Porto Alegre, publicado no livro Clã de Jabuti, em 1927.
Pedrosa não ficou muito tempo em São Paulo, partindo para a Paraíba em 1926 para se
tornar um agente fiscal no estado.65 Ele, porém, não perdeu contato com Mário de Andrade.
Em uma carta, Pedrosa diz ter recebido três livros do escritor paulista: Primeiro andar, Amar,
verbo intransitivo e Clã de Jabuti.66 O principal assunto da carta, no entanto, é um artigo que
Pedrosa estava escrevendo cujo assunto é o próprio Mário de Andrade e o movimento
modernista, que é citado na carta apenas como “movimento”.
A importância de se escrever sobre o movimento liderado por Mário de Andrade se
deve, de acordo com Pedrosa, ao fato de aquele ser desconhecido pelo público fora do circuito
Rio-São Paulo. Como estava na Paraíba, o crítico confidenciou a Mário de Andrade que
estava disposto a divulgar seus livros por lá, além de outras informações mais gerais, a fim de
fazer com que outros estados tomassem conhecimento do que se passava nas principais
cidades do país. Na carta, Pedrosa também deixa subentendido que estava de acordo com a
proposta de sistematização brasileira da língua, que foi levada a cabo pelo intelectual paulista
e que transparece em seus escritos:

O artigo como era de esperar saiu cheio de erros: os tipógrafos cansam logo. Não estão
acostumados [...] Estou conhecendo as impressões a respeito: burro, ignorante, pedante,
irritante, ridículo, querendo se mostrar, não sabe gramática, futurista, intolerável, blagueur,
indecente, safado, besta. Estou com medo de apanhar dos professores de português que
estão revoltados.67

A defesa daquilo que Pedrosa chamou de “a língua de Mário de Andrade” aparece em


outro momento, em uma correspondência que ele envia a seu amigo Lívio Xavier, em 1927,
comentando o artigo que havia publicado no jornal da Paraíba sobre o movimento modernista.
Nela, Pedrosa aproveita também para contrapor essa “língua” com uma cultura burguesa,

65
Pedrosa conseguiu esse emprego, permanecendo nele por um breve período, graças à influência política de seu
pai, Pedro Cunha Pedrosa, que foi senador pelo estado da Paraíba, entre 1912 a 1923, e, em seguida, foi indicado
para ser ministro no Tribunal de Contas da União.
66
Não é possível ter certeza se o terceiro livro é mesmo Clã de Jabuti. Pedrosa menciona este e Macunaíma na
carta, o que impossibilita identificar qual dos dois foi enviado a ele juntamente com os outros livros. Duas
informações, portanto, sugerem que se trata de Clã de Jabuti: em primeiro lugar, este livro foi publicado no ano
da carta; em segundo lugar, Pedrosa faz um comentário sobre Macunaíma, dando a entender que ele já havia
falado com Mário sobre o livro em outra oportunidade, isto é, ele teve acesso ao livro anteriormente: “Você me
perdoe ainda porque sou obrigado a repisar o caso de Macunaíma. Você me passou um pito. Mas mesmo
teimoso e valente se defende” (PEDROSA, Mário. [Carta a Mário de Andrade]. Paraíba, 14 mar. 1927.
Manuscrito. Fundo Mário de Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, MA-C-CPL, n.5650).
67
PEDROSA, Mário. [Carta a Mário de Andrade]. Paraíba, 14 mar. 1927. Manuscrito. Fundo Mário de Andrade,
Instituto de Estudos Brasileiros, MA-C-CPL, n.5650.
61

aprendida nas escolas e distante do povo, e também para caracterizá-la como uma iniciativa
revolucionária no campo da estética e da política:

A língua de Mário de Andrade também serve como função cretinizadora e facilita botar a
gente em estado de graça. E ajuda o pensamento mais livre da gente – mais ajustado da
estrutura idiomática, seja por demais carinhosa, viciada – com que a gente aprendeu,
estudou, apanhou a doença do livro e a deformação cultural burguesa. Descobri isso, meu
caro. A gente, queira ou não, ela se aproxima mais do nosso povo [...] – que é uma
realidade concreta e o trampolim permitido legítimo do nosso impulso revolucionário no
campo estético, literário até moral e político. Escrevi dois artigos nessa língua braba.
Escândalo pavoroso. Me jogaram pedras, apóstolo do primitivismo. Não te mandei já
porque não sabia de você (PEDROSA, 1927 apud MARQUES NETO, 1993, p.277).

Tanto a iniciativa de escrever um artigo sobre Mário de Andrade e o movimento


modernista como a defesa dessa proposta de sistematização da língua podem ser tomadas
como indício dos laços que foram estabelecidos naquele momento entre Mário de Andrade e
Pedrosa. Embora fosse uma relação de amizade, é necessário atentar também para a hierarquia
que estava implícita ali. 68 A diferença de idade entre Pedrosa e Mário não era grande –
quando a carta foi escrita o primeiro tinha 27 anos, e o segundo 34 –, porém, o segundo já era
conhecido e consagrado como um dos arautos do modernismo. Isso ficaria evidente até
mesmo nas motivações por trás do artigo de Pedrosa, quando ele afirma que era mais
importante escrever um texto sobre o movimento modernista e sobre a figura Mário de
Andrade, evidenciando, portanto, que, mais do que as suas obras, era necessário fazer com
que ele fosse devidamente reconhecido enquanto figura pública de importância para as artes
brasileiras.
Uma evidência das hierarquias na relação entre ambos e também da autoridade
desfrutada por Mário de Andrade aparece em outro momento da correspondência, quando
Pedrosa parece discordar no que diz respeito à recepção do livro Macunaíma pelo público.
Para discutir esse assunto, o Pedrosa lança mão de seus argumentos ao mesmo tempo em que
deixa implícita uma posição de inferioridade em relação a seu interlocutor: “Me perdoe ter
falado tanto de mim. Fiquei encabulado, eu que não tenho hoje pretensão nenhuma a coisa
alguma [...] Você me perdoe ainda porque sou obrigado a repisar o caso de Macunaíma”.69
Outra faceta importante dessa amizade entre Mário de Andrade e Mário Pedrosa pode
ser vista na troca de correspondências e de trabalhos. Embora essa troca fosse comum na
68
Essa suposta hierarquia existente entre Mário de Andrade e os jovens artistas e intelectuais com quem se
correspondia era atenuada em prol de uma amizade que se consolidava e constituía nas cartas que trocava com os
mesmos. Sobre a importância dessas cartas, em que Mário de Andrade revelava um “plano de sedução
intelectual”, ver Marco Antônio de Moraes (2007).
69
PEDROSA, Mário. [Carta a Mário de Andrade]. João Pessoa, 14 mar. 1927. Manuscrito. Fundo Mário de
Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, MA-C-CPL, n.5650. Grifo nosso.
62

época, com intelectuais enviando seus materiais uns para os outros a fim de receber pareceres
sobre seus trabalhos, não se pode menosprezar as consequências que esse intercâmbio teve
para ambos, principalmente, para Pedrosa, que estava iniciando suas atividades como
jornalista e buscando se inserir no meio artístico brasileiro, inicialmente, como crítico
literário. Em uma carta para Manuel Bandeira, Mário de Andrade deixa claro o quanto as
observações de Pedrosa lhe eram caras. Sobre as impressões de Pedrosa, Mário de Andrade
diz:

A mais fina de todas foi feita pelo Mário Pedrosa que me disse que o Remate70 dava para
ele a impressão de que eu tinha voltado ao mesmo estado de sensibilidade e de ser de 1917
e que o Remate era o mesmo Há uma gota de sangue, 71 só que naturalmente com uma
elevação que eu não podia ter naquele tempo. Palavra de honra, Manu, tive assim a
sensação de que de repente ficava nu diante de alguém. A sensação duma certeza
irremovível que eu mesmo não tinha percebido. Fiquei pois contente como o diabo porque
a coisa que mais me agrada neste mundo é que alguém me revele alguma coisa de mim que
eu ainda não sei. Ora a observação sobre o artigo Remate me parece exatíssima, tanto mais
que eu mesmo faz uns seis meses escrevia num artigo que não sei se você leu que estava
voltando pra tempos e tendências dantes, o Pedrosa ignora esse artigo meu (ANDRADE,
1931 apud MORAES, 2001, p.491).72

A proximidade com Mário de Andrade fica evidente também em outra carta escrita
por Pedrosa quando ele se encontrava na Alemanha, no final dos anos 1920. Nessa
correspondência, Pedrosa afirma ter vontade de conversar com Mário de Andrade, como nos
tempos da rua Lopes Chaves – em uma referência à casa do intelectual paulista localizada no
bairro da Barra Funda em São Paulo. Outra evidência da intimidade entre os dois aparece
também em um trecho que novamente chama a atenção para o fato de que Mário de Andrade
enviava seus trabalhos para Pedrosa com o intuito de obter impressões de suas obras, além de
demonstrar uma disposição em acatar os pedidos do primeiro: “Como vai Macunaíma? Um
abraço nele. Tem coisa nova? Me manda as suas ordens, Mário. E o que quiser de mim é só
dizer [...] É curioso. Quando sinto saudade de você, sinto também do nosso Brasil. E vice-
versa”.73

70
Aqui, Mário de Andrade faz referência ao livro de poesia Remate de Males, publicado em 1930.
71
Há uma gota de sangue em cada poema foi o primeiro livro de poesia lançado por Mário de Andrade em
1917.
72
Agradeço a Vivian Lopes por ter me fornecido uma cópia desta carta.
73
PEDROSA, Mário. [Carta a Mário de Andrade]. Berlim, 1927. Manuscrito. Fundo Mário de Andrade, Instituto
de Estudos Brasileiros, MA-C-CPL, n.5651. Em depoimento, Pedrosa disse ter participado ativamente da
composição do livro Macunaíma, justamente com outro crítico, Antonio Bento. Ambos teriam escrito várias
cartas para Mário de Andrade, durante o processo de escrita do livro. Entre um dos pontos destacados por
Pedrosa, ele afirma que sugeriu a Mário de Andrade que o livro fosse expressão do povo brasileiro (PEDROSA,
1979).
63

Essa carta também coloca em evidência uma faceta de Pedrosa que geralmente não é
mencionada pelos estudiosos de sua vida e obra. Inicialmente, ele fala da saudade do Brasil e,
principalmente, do carnaval carioca e dos ritmos brasileiros, como o choro e o maxixe. A
referência a esses ritmos e manifestações populares do país – que eram objeto de interesse de
Mário de Andrade – aparece também na carta de Pedrosa escrita quando ele estava na Paraíba:
“Tenho procurado coisas interessantes da terra. Espero levar algumas músicas, cocos etc. A
época é ruim. A melhor época é pelas festas. Espero ainda ver um congo, dança e música”.74
Nas cartas que trocou com Lívio Xavier, quando estava vivendo em São Paulo,
Pedrosa também manifestou seu interesse pela música popular. Pelo tom da correspondência,
ele parece preocupado em justificar suas preferências diante das do amigo, que tinha
predileção pela música estrangeira:

Lindoya me fez aderir ao choro, ao [ilegível], ao lundum, à modinha nacional – com violão
e cavaquinho. Por que não, você tem preconceito estético? Você gosta de Bach ou
Stravinsky por amor e compreensão da arte pura, cama sem sombra, ou por romantismo
intelectual? De Beethoven não é por romantismo social e psicológico? De Chopin ou
Schumann não é por pieguismo e brochura? Pois, eu de Lindoya, tu de Ubá, podemos
gritar. Viva a música nacional e a Madame Buterfly! Comunique a Elsie a minha adesão
(PEDROSA, 1926 apud MARQUES NETO, 1993, p. 264).

A preocupação com as “coisas interessantes da terra”, identificadas com os ritmos


populares, revela que Pedrosa destinava sua atenção às manifestações artísticas que também
estavam entre o rol de interesses de Mário de Andrade naquele período, que se dedicava a
pesquisas sobre o folclore brasileiro. Todavia, Pedrosa ainda não havia consolidado suas
preferências artísticas, considerando que nesse período, visto ainda como uma etapa de
formação, ele estava começando a desenvolver preocupações no campo da estética. Sua
relação ambígua com as pesquisas levadas adiante por Mário de Andrade e com o próprio
projeto modernista75 pode ser vista no trecho da correspondência em que ele escreve sobre sua
viagem de navio em direção a Paraíba:

Sou medíocre, não tenho bastante superioridade para suportar essa gente quando
viajo. Nem tampouco curiosidade bastante para estudá-la. Mas os dias estão

74
PEDROSA, Mário. [Carta a Mário de Andrade]. João Pessoa, 14 mar. 1927. Manuscrito. Fundo Mário de
Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, MA-C-CPL, n.5650. Em carta para Lívio Xavier, quando estava em
João Pessoa, Pedrosa reforça seu interesse em pesquisar os ritmos brasileiros: “Minha preocupação maior aqui –
é procurar as coisas da terra que a gente viu em menino com assombro e espanto e invejoso e não se lembra
mais. Congo, lapinha, bumba meu boi, coco etc. Quero ver se consigo colher alguma coisa para mim e pro Mário
que acaba agora de publicar dois livros de prosa [...] (PEDROSA, 1927 apud MARQUES NETO, 1993, p.271).
75
Quando discute o projeto levado adiante por um intelectual como Mário de Andrade, Eduardo Jardim
argumenta que a ideia de modernização nas artes passava necessariamente por uma caracterização do ambiente
brasileiro, a partir das referências ao tradicional e ao popular (JARDIM, 1988).
64

compridos sem Mário. Tenho dormido, lido um pouco, imagino um tiquinho e espero a
boia. É o que faço com mais atenção e toda parte. Tenho saudades, ai de ti São Paulo etc.
Vou assim enchendo este papel com reminiscências literárias de minha infância e de que
gostava antes sem ter coragem de dizer. Felizmente agora a gente já pode dizer que gosta de
tudo, do ruim e do bom. E é justamente uma das coisas que mais me encanta na atual fase
do modernismo brasileiro.76

A fase do modernismo a qual Pedrosa faz referência é aquela que, de acordo com
Jardim (1983), tem início em 1924, quando é colocada em discussão a ideia de brasilidade e
cujo principal líder é Mário de Andrade juntamente com Oswald de Andrade. Embora
Pedrosa elogie essa fase, afirmando que ela permite que se goste do bom e do ruim –
entendendo o primeiro como popular e o segundo como o erudito –, ele também enfatiza não
ter ímpeto para empreender os estudos etnográficos realizados pelo escritor paulista, como
quando viajou para o Norte e Nordeste do país.77 Sendo assim, deve-se questionar se, em
algum momento de sua trajetória, Pedrosa esteve de fato empenhado em levar adiante o
primeiro programa modernista – entendido como uma plataforma artística preocupada em
construir uma identidade para o país – ou se a ligação com esse movimento dava-se apenas
por meio de seu vínculo com figuras centrais como Mário de Andrade.
Na comparação dos textos escritos pelos dois “Mários” sobre o artista Cândido
Portinari, fica evidente os valores distintos que guiavam os dois críticos: a valorização da
brasilidade e do nacionalismo por Mário de Andrade e a ênfase nos elementos plásticos da
obra por parte de Pedrosa.78 Os laços de amizade que uniam ambos, portanto, não descartam o
posicionamento distinto tanto no que se refere à política como às questões estéticas. Embora
tivesse esboçado um interesse pela música popular, como é possível perceber nos trechos de
cartas citados anteriormente, isso poderia ser atribuído a um momento inicial de inserção no
meio artístico brasileiro em um contexto em que a primeira geração modernista monopolizava
as atenções.79 Posteriormente, quando expandiu seu círculo de amizades, tanto no Brasil como

76
PEDROSA, Mário. [Carta a Mário de Andrade]. A bordo do Itatinga, 09 jan. 1927. Manuscrito. Fundo Mário
de Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, MA-C-CPL, n.5649. Grifo nosso.
77
Aqui, é possível contrapor a atitude de viajante de Pedrosa com a de Mário de Andrade. O primeiro disse não
ter curiosidade para estudar e observar a vida da população mais humilde. Por outro lado, durante as viagens que
empreendeu ao Norte e Nordeste do país, em 1927 e 1928 respectivamente, que deram origem às crônicas
publicadas no livro O turista aprendiz, Mário de Andrade caracteriza sua postura como aquela do etnógrafo que
está interessado em coletar documentação, descrever e analisar as particularidades das diversas regiões do país
por meio da observação da vida do povo. Além das anotações na forma de diário, que, posteriormente, foram
buriladas para dar lugar a crônicas, ele também tirou fotos de lugares e pessoas, contribuindo para a construção
de um acervo riquíssimo. Agradeço a oportunidade de ter visto essas fotos, que fazem parte do Fundo Mário de
Andrade, localizado no arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB), e de ter tomado conhecimento do livro
O turista aprendiz à professora Telê Ancona, na disciplina ministrada por ela nesse instituto, no primeiro
semestre de 2011.
78
Essas diferenças em relação aos trabalhos de Portinari serão analisadas no tópico 2.3 deste capítulo.
79
De acordo com Carlos Zílio (1997), os artistas plásticos mais emblemáticos da primeira geração modernista
foram Emiliano Di Cavalcanti, Tarsila do Amaral e Cândido Portinari. As obras desses pintores foram as mais
65

no exterior, e ampliou seu cabedal cultural e teórico, Pedrosa se afastou das proposições
estéticas das quais Mário de Andrade era o principal defensor. Todavia, a relação nutrida
entre esses dois críticos é um aspecto importante do percurso de ambos, principalmente no
caso de Pedrosa, que estava começando a se interessar pelas discussões ligadas ao fenômeno
artístico.
Ao investigar as relações entre Mário Pedrosa e Mário de Andrade, foi possível notar
os seguintes aspectos: em primeiro lugar, as correspondências trocadas entre ambos
evidenciam aquilo que Moraes chama de “projeto pedagógico”, na medida em que Andrade,
por meio de suas cartas, exercia uma espécie de fascínio intelectual diante daqueles com quem
se correspondia, mobilizando-as também como um instrumento de militância artística a partir
do qual conseguia adesão a seus programas; em segundo lugar, essa troca de cartas também
revela as relações de amizade que minizavam a existência de hierarquias presentes entre um
dos principais articuladores do modernismo brasileiro e seus interlocutores. Embora Pedrosa
tivesse se afastado daquele programa, migrando suas atenções para outras facetas do
fenômeno artístico, que não aqueles relacionados aos aspectos populares da arte, a sua relação
com Mário de Andrade, vista nas correspondências mencionadas, chama a atenção para as
redes de sociabilidade intelectual e artística que ele começou a estabelecer nesse período,
revelando, portanto, como foi se inserindo progressivamente no meio artístico brasileiro, onde
foi se destacar como crítico de arte mais adiante.

2.1.2 As “amizades fabulosas” e o encontro com os surrealistas

Além das relações estabelecidas com Mário de Andrade, é importante lembrar também
de outros artistas e intelectuais que faziam parte do círculo de amizade de Pedrosa e que
contribuíram para sua aproximação com o meio artístico brasileiro na década de 1920. Em um
depoimento, Pedrosa disse que, após ter se mudado para o Rio de Janeiro, onde foi estudar
Direito em 1920, ele começou a desenvolver um interesse por música e a frequentar o Teatro
Municipal, onde ia assistir óperas.80 Foi nesse espaço que ele conheceu a cantora lírica Elsie

significativas dessa primeira etapa da consolidação de uma arte moderna marcadamente brasileira, tanto no que
concerne à influência que elas exerceram sobre outros artistas, como pela sua presença nos espaços de
exposição. Eles teriam sido os principais responsáveis tanto pela consolidação de uma tradição de arte no Brasil
como pela imposição de arte moderna, que alcançou uma posição privilegiada no meio artístico em detrimento
da arte acadêmica a partir da década de 1920.
80
PEDROSA, Mário. Entrevista concedida ao Projeto Memória do Instituto Nacional de Artes Plásticas
(FUNARTE). Rio de Janeiro, 1979. Nesse depoimento, Pedrosa reforça, por exemplo, sua amizade com o
compositor Heitor Villa Lôbos (1887-1959), que deu origem ao artigo “Villa Lobos et son peuple”, publicado
em 1929, na revista francesa Revue Musicale. Em 1927, o crítico também publicou um artigo sobre música
66

Houston e sua irmã Mary Houston, que futuramente se tornaria sua esposa, além do colega de
militância política Lívio Xavier.
Uma amizade importante que Pedrosa nutre nesse período é aquela estabelecida com a
cantora lírica Elsie Houston,81 que se tornaria sua cunhada na década de 1930. Sua relação
com ela e sua irmã, Mary,82 foi significativa pelos seguintes motivos: na casa de Elsie e de sua
família o crítico teve a oportunidade de conviver com artistas e intelectuais ligados ao
movimento modernista, conforme já mencionado. Aém disso, uma hipótese é que a cantora
teria estimulado o interesse de Mário Pedrosa pela música, pelo fato de ter importantes
contatos no meio musical brasileiro, além de participar de pesquisas sobre música popular;
por fim, Elsie e seu marido, o poeta francês Benjamin Péret,83 com quem se casou em 1928,
atuaram como intermediários na relação que Pedrosa estabeleceu com artistas surrealistas em
sua passagem pela França, no fim dos anos 1920, como será visto adiante.

intitulado “Beethoven: artista-herói da revolução”, no jornal União. Na década de 1940, ele ainda escreveu um
artigo sobre o compositor Camargo Guarnieri, amigo em comum que possuía com Mário de Andrade, no
Boletim da União Pan Americana, do qual era um dos membros da divisão editorial.
81
Elsie Houston (1902-1943) destacou-se internacionalmente no canto lírico como soprano e também nas
pesquisas no campo do folclore, entre o fim da década de 1920 e o início da década de 1930.
82
A importância de Mary Houston para o percurso intelectual de Mário Pedrosa ainda não mereceu a devida
atenção. Assim como a irmã, Mary também trocava correspondência com Mário de Andrade e convivia com
outros artistas nas reuniões que eram realizadas na casa de sua mãe. Embora Elsie fosse a irmã mais conhecida
por ser uma exímia intérprete de Villa-Lobos, Mary também era uma mulher cultivada que escrevia poemas,
além de ser muito bem relacionada. Em depoimento, César Oiticica, que participou do Grupo Frente e das
reuniões na casa de Pedrosa na década de 1950, afirmou que Mary era responsável por sustentar a casa e também
por gerenciar esses encontros, definindo quem iria entrar. Sobre a casa de praia que o casal Mário e Mary
possuía em Búzios, e onde eles também recebiam os amigos artistas, César Oiticica afirma: “[...] ela [Mary] fez
uma casa neoclássica, meio colonial... e ela imaginou da cabeça dela. Aquela casa na realidade era de Mary... ela
ganhava um dinheirão... ela sempre sustentou a casa. A Mary era genial [...]” (Entrevista concedida por César
Oiticica a Nina Galanternick, em 12 de novembro de 2008, no Rio de Janeiro. Acervo NUSC – Núcleo de
Pesquisa em Sociologia da Cultura). O arquiteto Lúcio Costa, que conheceu Mary Houston em 1927, em uma
viagem de navio, dedica um texto a Mary, relatando esse encontro, em que diz: “Mary Houston, este é o seu
nome, era intelectualizada. Aragon e Breton ‘en tête’ seduzia-lhe o surrealismo que então grassava; mas vez por
outra, entremeava aquela sua obsessão da ultrapassagem do real com gratuitos pensamentos [...] No Rio, à espera
dela, no cais, Manuel Bandeira, Villa-Lobos com a mulher e vários outros intelectuais e artistas. Desembarcou e
a perdi de vista” (COSTA, 1997, p.48).
83
Benjamin Péret (1899-1959) nasceu na França, e destacou-se como poeta ligado ao surrealismo e também
como militante trotskista. Em 1920, Péret encontra em Paris o núcleo responsável por fundar o movimento
surrealista: Andre Breton, Louis Aragon, Philippe Soupault e Paul Éluard, que atuavam juntos na revista
Littérature. Em 1924, Péret se torna diretor da revista do grupo, intitulada La révolution surréaliste. Sobre essa
escolha, Breton afirma: “No início, a ênfase da revista está colocada sobre o surrealismo puro – o surrealismo,
digamos, em estado nativo -, motivo pelo qual sua direção é confiada a Pierre Naville e Benjamin Péret, que
podem ser então considerados como os mais integralmente animados do novo espírito e os mais rebeldes a
qualquer concessão” (BRETON, 1952 apud PUYADE, 2006, p.3-4). Após se vincular ao grupo fundador do
movimento surrealista, Péret participa da elaboração de manifestos que vão marcar o engajamento desse
movimento com a revolução social. Em 1926, ele adere ao Partido Comunista Francês (PCF), atuando na
militância política e também como crítico de cinema na revista do partido. Dois anos depois, ele abandona o
PCF, aderindo à oposição stalinista. Em 1929, ele chega ao Brasil já com sua esposa Elsie Houston, com quem
viaja pelo interior do país, interessado em se aproximar da arte e do pensamento primitivo. No Brasil, ele
também teve uma atuação importante nos movimentos de oposição de esquerda, participando da Liga
Comunista, juntamente com Mário Pedrosa e Lívio Xavier. Sobre a “agitada e multifaceta” trajetória de vida
desse artista e militante, ver Roberto Ponge (2012).
67

Elsie Houston teve uma participação destacada no modernismo brasileiro, estudando


canções folclóricas juntamente com Mário de Andrade, a partir do momento em que se
conheceram em 1927.84 Esse interesse, no entanto, datava ainda de 1922, quando Elsie travou
relações com Luciano Gallet85 e participou do primeiro concerto de Heitor Villa-Lobos na
Maison Gaveaux, em Paris. A proximidade com as manifestações musicais populares pode ser
vista também no prefácio que ela escreveu para o livro Chants populaires Du Brésil, de
Phillipe Stern, e pela sua participação no I Congresso Internacional das Artes Populares,
realizado em Praga em 1928.
Em 12 de abril de 1928, Elsie casou-se com o poeta francês Benjamin Péret – que
participou do movimento surrealista na França e também era filiado ao Partido Comunista de
seu país desde 1926. Pedrosa, que estava na Europa em 1928, foi ao casamento dos dois em
Paris – que contou também com a presença do artista surrealista francês Andre Breton e Villa-
Lobos –, visto que ele já conhecia Elsie e sua irmã Mary Houston da convivência com ambas
no Rio de Janeiro durante o período em que cursou a universidade.
Em uma carta enviada para Lívio Xavier, quando ainda estava em João Pessoa, na
Paraíba, Pedrosa informa ao amigo ter recebido uma carta de Mary Houston, afirmando que
ela havia conhecido Péret e o escritor surrealista Louis Aragon (PEDROSA, 1927 apud
MARQUES NETO, 1993, p.275). Tendo em vista as relações de Pedrosa com as irmãs
Houston, é possível afirmar que ele estabeleceu contatos com artistas e intelectuais franceses
tendo como intermediárias aquelas que viriam a ser sua esposa e cunhada. Foi também no
casamento de Elsie e Péret que Pedrosa conheceu Pierre Naville, 86 figura de destaque da
Oposição Internacional de Esquerda que teria influenciado Pedrosa.87 Naville havia conhecido
primeiramente as irmãs Houston e sua mãe Arlinda, por ocasião da estadia delas em Paris. Só
depois, por meio delas, soube da existência de Pedrosa.

84
Além de Mário de Andrade, Elsie também possuía outros contatos no meio artístico brasileiro, como o
compositor Heitor Villa-Lobos, a escritora Patrícia Galvão, a Pagu, os pintores Flávio de Carvalho, Anita
Malfatti e Tarsila do Amaral, e um dos líderes do movimento modernista, Oswald de Andrade.
85
Luciano Gallet, compositor, professor, pianista, regente e folclorista, nasceu no Rio de Janeiro, capital, em 28
de junho de 1893 e faleceu nessa cidade em 29 de outubro de 1931.
86
Pierre Naville foi um dos fundadores do movimento surrealista francês juntamente com Andre Breton na
década de 1920. Ele também era membro do Partido Comunista Francês desde 1926. Em 1927, ele participou da
delegação enviada para visitar Leon Trotski na Rússia. Convencido dos argumentos Trotski, Naville funda um
movimento de oposição da esquerda no interior do partido comunista de seu país. No ano seguinte, foi expulso
do partido.
87
No artigo “Surrealismo ontem, super-realidade hoje”, Pedrosa faz referência aos artistas que conheceu na
França: “Evoquei em crônica a memória de René Magritte, amigo que foi da nossa Maria Martins. Conheci-o em
Paris pelas cercanias da Palce Blanche, neste ou naquele café da estação, em torno de Breton, Eluard, Aragon,
Péret, por volta de 1928. Ives Tanguy, meu amigo pessoal, lá estava sempre, taciturno, mas sorridente; Andre
Masson, culto e brilhante, Miró, em plena glória recente e inocente. Man Ray, com seus ‘radiogramas
fotográficos’ assinava o ponto. Arp, por vezes” (PEDROSA, 2007, p.183).
68

Foi durante essa estadia na Europa, onde conviveu com integrantes do Partido
Comunista Alemão, além dos artistas surrealistas mencionados, que Pedrosa travou contato
com a Oposição de Esquerda na Europa, cuja liderança era de Leon Trostki. Segundo Marcelo
Vasconcelos (2012), no entanto, uma via de entrada do crítico nesse movimento foi
justamente sua convivência com o grupo surrealista francês naquele período.88 A ligação de
artistas como Benjamin Péret e Pierre Naville com a Oposição de Esquerda e o contato de
Pedrosa com os mesmos, por meio das amizades já mencionadas com a família Houston, teria
contribuído para sua adesão ao trotskismo, cujo desdobramento foi a formação do Grupo
Comunista Lenine assim que o crítico retornou ao Brasil, no final dos anos 1920.
Essa relação com um grupo de artistas no exterior, que também possuíam vínculos
com a Oposição de Esquerda, chama a atenção para o fato de que Pedrosa não restringiu sua
atuação à militância política nem seu círculo de relação aos colegas de partido. Pelo contrário,
sua inserção no meio artístico e intelectual no Brasil e no exterior teria contribuído também
para que o crítico conformasse suas posições no campo da política, aderindo ao trotskismo;
por outro lado, esse mesmo posicionamento na política também teve consequências
significativas para definir a postura que ele vai assumir sobre o fenômeno artístico. O
Manifesto por uma arte revolucionária independente, escrito por Leon Trotski e Andre
Breton, publicado em 1938, teve um forte impacto sobre Pedrosa, que passou a criticar o
processo de instrumentalização da arte para fins políticos.89
Os vínculos com um grupo de artistas franceses, principalmente o poeta Benjamin
Péret, como quem tinha maior proximidade, não teve como consequência uma defesa por
parte do crítico do movimento surrealista. Uma hipótese para explicar essa não adesão de
Pedrosa repousa nas divergências existentes no interior daquele grupo, no que se refere à
conciliação do compromisso político com a liberdade artística, provocando uma ruptura de
Naville com Breton e com o surrealismo, após ter aderido ao movimento da oposição de
esquerda no final dos anos 1920. 90 Por outro lado, aquela tendência não teve uma boa

88
Essa parece ser também a posição de Marta D’Angelo (2011, p.37), como é possível ver nesse trecho: “Suas
atividades durante o período em que esteve ligado aos surrealistas foi fundamental na opção política pelo
marxismo feita por Breton e seus amigos mais próximos, sendo Benjamin Péret talvez o mais identificado com
espírito libertário e militante de Breton”.
89
O impacto desse manifesto no posicionamento de Pedrosa em relação às questões estéticas será visto no tópico
3.2 desta tese.
90
Em 1949, Pedrosa escreve um texto intitulado A posição atual do surrealismo, em que parece acertar as contas
com esse movimento e seu principal líder, Andre Breton. Nele, fica implícito que havia um desacerto entre as
propostas estéticas do surrealismo e a luta revolucionária, como é possível ver nesse trecho: “Um dos motivos do
desencontro de Breton e seus amigos com o movimento comunista, primeiro oficial e depois o trotskista, se deve
em grande parte a essa inadaptação tática da doutrina e da atividade surrealista. No entanto, o esforço de Breton
nesse sentido foi grande e sincero, desde o seu contato, pela primeira vez, com o comunismo, através do grupo
69

aceitação no meio artístico brasileiro, o que se pode notar, por exemplo, na posição de Mário
de Andrade, descrita por Chiarelli da seguinte maneira:

O surrealismo, portanto, era uma arte “natural” para um país fatigado (leia-se decadente)
como a França. Para o Brasil, um país novo e preocupado com a organização definitiva da
realidade, só devia servir uma arte “interessada”, “religiosa”, de “fé para a união nacional”.
Em 1927, a arte, para Mário de Andrade, não devia servir apenas à busca de suas
especificidades ou do caráter psicológico do artista. Ela possuía uma missão maior,
“essencialmente religiosa”: a missão de unir os homens através da fixação do nacional. Tais
questões, fundamentais no pensamento estético andradiano, o acompanharão até o final de
sua trajetória como intelectual e crítico de arte (CHIARELLI, 2006, p.29).

Cabe também chamar a atenção para o fato de que Pedrosa, na década de 1930,
quando começou a escrever seus primeiros textos sobre artes plásticas, estava comprometido
com uma arte de conteúdo social, como é possível ver em seus textos sobre Käthe Kollwitz91
e Cândido Portinari. Nesse sentido, considerando os embates no interior do próprio
surrealismo, no que diz respeito à liberdade artística e ao papel da arte na ação revolucionária,
o crítico teria optado por uma ala desse movimento cujo representante era Pierre Naville, que
negava, muitas vezes, o aspecto subjetivo amplamente preconizado pelo grupo do qual fazia
parte.92 Levando em consideração a proximidade do crítico com Naville, que se intensificou
quando Pedrosa começou a militar na organização da Oposição de Esquerda no Brasil, o
surrealismo não seria uma tendência artística que se coadunaria com seu posicionamento
político na época,93 principalmente no que se refere à valorização do mágico e do inconsciente
como principais características desse movimento.
Benjamin Péret – que, juntamente com Andre Breton, era representante de outra ala
do movimento, que previa a união entre poesia e revolução –, durante sua estadia no Brasil,
entre 1929 e 1931, teria sofrido um isolamento intelectual por conta da divulgação do
surrealismo no país, encontrando oposição dos membros e colaboradores da Revista de

de intelectuais revolucionários da revista Clarté. Em 1926, eles chegaram mesmo a dar adesão ao Partido
Comunista. O partido exigiu que abrissem mão da própria doutrina, sobretudo do automatismo psíquico e da
pesquisa do irracional, no campo das atividades práticas” (PEDROSA, Mário. A posição atual do surrealismo.
Correio da manhã, Rio de Janeiro, 1º maio 1949).
91
Em 1933, Pedrosa proferiu uma conferência no Clube dos Artistas Modernos de São Paulo sobre a artista
alemã, intitulada Kathe Kollwitz e o seu modo vermelho de perceber a vida. Posteriormente, essa conferência foi
modificada e publicada em capítulos no jornal dirigido pelo crítico, cujo nome era Homem Livre, no mesmo ano.
92
De acordo com Michael Lowy (2002), Pierre Naville representava uma das alas do surrealismo fundamentada,
principalmente, nas ideias marxistas. Suas ideias políticas fizeram com que ele censurasse alguns artistas do
movimento, como o próprio Benjamin Péret, que foi impedido por Naville de entrar na Liga Comunista Francesa
por conta de suas atividades artísticas.
93
Lembrando também que o próprio Pierre Naville se afastou do movimento surrealista para se dedicar à
organização da Oposição de Esquerda, o que, segundo Vasconcelos (2012, p.32) poderia ser entendido “como
uma decisão para privilegiar as exigências concretas da revolução social em detrimento da revolução espiritual
presente no surrealismo”.
70

Antropofagia dirigida por Oswald de Andrade. 94 Embora esse isolamento possa ser
relativizado, tendo em vista as ligações do poeta com Pedrosa, cabe enfatizar que as
afinidades entre ambos se estabeleceram bem mais no campo da política do que propriamente
no que se refere aos posicionamentos no campo da arte, tendo em vista que Péret ajudou a
fundar o primeiro grupo trotskista no país, juntamente com o crítico, além de ter participado
da criação da Liga Comunista – seção brasileira da oposição internacional bolchevista-
leninista –, do qual Pedrosa também era também um dos membros.
Mesmo não aderindo ao surrealismo, Pedrosa travou contato com as discussões acerca
da relação entre arte e política que faziam parte da agenda desse movimento, como, por
exemplo, aquela que estava expressa no primeiro manifesto desse grupo, lançado em 1924, e
que chamava a atenção para a importância de se resolver os problemas fundamentais do
homem e abrir caminho para uma revolução do espírito. Desse modo, os vínculos que
estabeleceu com o grupo surrealista naquele contexto foram importantes tanto no que diz
respeito ao posicionamento político que assumiu a partir de então, aderindo a Oposição de
Esquerda, quanto também na forma como passou a abordar o fenômeno artístico, atentando
para seus aspectos sociais e políticos a partir da década de 1930.
Esse envolvimento com o grupo surrealista também pode ser analisado levando em
consideração os laços de amizade criados por Pedrosa. Com relação a Elsie Houston e
Benjamin Péret, por exemplo, que eram chamados por Pedrosa de “fabuloso casal”, a amizade
teve início ainda na década de 1920. O relacionamento com ambos parece ter marcado
Pedrosa, considerando-se as inúmeras referências a eles nas cartas enviadas a Lívio Xavier e
Mário de Andrade.95
A convivência com o “fabuloso casal”, que possuía trânsito em diversos círculos
artísticos e intelectuais no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos,96 contribuiu sobremaneira
para a expansão das redes de Pedrosa no país e no exterior. A relação com Elsie e Péret, além
de outros artistas e intelectuais com os quais Pedrosa teve proximidade na década de 1920, foi
responsável por iniciá-lo na intensa agitação que cercava o meio artístico, repercutindo,
portanto, em sua atuação posterior na política e no exercício judicativo. Nesse sentido, é
necessário atentar para o fato de a rede de Pedrosa nesse período não se restringir a seus
companheiros de militância política. Mesmo Lívio Xavier, que foi juntamente com Pedrosa

94
Ver D’Angelo (2011, p.39).
95
Em uma carta a Lívio Xavier, Pedrosa manifesta sua consideração pelo casal: “Abrace o fabuloso casal Péret,
cuja performance na vida é de fato admirável e dá vontade na gente de assinar um manifesto de solidariedade
com eles” (PEDROSA, 1930 apud MARQUES NETO, 1993, p.325).
96
Elsie Houston mudou-se para os Estados Unidos no fim da década de 1930, onde passou a fazer apresentações
musicais em Nova York. Ela morreu nessa cidade, em 1943.
71

uma figura importante para a criação da Oposição de Esquerda no Brasil, também tinha
acesso aos círculos artísticos e intelectuais, o que explica em parte o fato de ele também ter
atuado como crítico literário.97
Ao investigar as relações de amizade de Pedrosa na década de 1920, o objetivo foi
percorrer os anos iniciais de sua formação, traçando um caminho nem sempre visitado para
compreender como se deu sua inserção nas redes artísticas e intelectuais brasileiras e do
exterior nesse período. Ainda que sua atuação no exercício judicativo tenha sobressaído no
fim dos anos 1940, parte-se aqui da ideia de que seu papel na crítica foi um processo. Foi
durante os anos 1920 que ele não somente se integrou nas fileiras do Partido Comunista no
Brasil e do movimento de Oposição de Esquerda, como também deu início às suas atividades
como jornalista e desempenhou o papel de crítico literário. Ademais, a movimentação do
meio artístico no país também não passou em branco por Pedrosa. Ele se envolveu com
intelectuais e artistas que participavam ativamente das discussões sobre as principais
tendências artísticas no Brasil e no exterior. Sua integração nas redes onde eles foram
gestados e discutidos e seu contato com figuras exponenciais do cenário cultural brasileiro e
francês garantiram a Pedrosa um cabedal social e cultural que contribuiu sobremaneira para o
reconhecimento posterior como crítico de arte.

2.2 A Semana de Arte Moderna em debate

No tópico anterior, o objetivo foi demonstrar a participação de Pedrosa em redes formadas


por artistas e intelectuais residentes no Brasil e no exterior, como aqueles vinculados à
primeira geração modernista e ao movimento surrealista francês. Neste tópico, porém, o
objeto de investigação será o posicionamento de Pedrosa em relação ao modernismo
brasileiro da década de 1920. Conforme será visto, Pedrosa teve um papel central na
formulação de um novo projeto para as artes brasileiras, defendendo o concretismo nas artes,
em oposição às tendências representativas na pintura. Desse modo, ao elaborar um discurso
crítico em relação a essa última tendência, e ao evento que a consagrou – a saber, a Semana
de Arte Moderna –, e eleger novas questões para compreender esse movimento, o crítico
atuou no sentido de validar suas concepções acerca do fenômeno artístico.

97
Pedrosa não foi o único intelectual que se destacou por desempenhar atividades variadas que iam desde a
militância política até a crítica estética. Sobre Lívio Xavier, José Castilho Marques Neto afirma: “Sua atividade
como tradutor demonstra o ecletismo de suas atividades intelectuais, fartamente demonstrado em sua biblioteca,
na qual o estudo da política e do marxismo harmonizava-se com um rico acervo de literatura, de filosofia e de
estética” (MARQUES NETO, 1993, p.25).
72

A revisão crítica do movimento modernista por parte de Pedrosa pode ser vista,
principalmente, em uma conferência realizada no Auditório do Ministério de Educação, no
Rio de Janeiro, por ocasião do 30º aniversário da Semana de Arte Moderna, em 1952.98 Essa
não foi a primeira tentativa de colocar em debate os avanços e retrocessos daquele que foi
considerado um momento crucial para a afirmação de uma arte marcadamente brasileira; dez
anos antes, Mário de Andrade, principal interlocutor dos artistas que participaram desse
evento, analisou o legado da Semana de Arte Moderna de 1922 no cenário artístico nacional e
das atividades que tiveram origem a partir daí em sua famosa conferência O movimento
modernista.99
De acordo com Naum Santana (2009), o ano de 1942 foi marcado pelo questionamento do
movimento modernista por intelectuais como Mário de Andrade e Sergio Milliet.100 Enquanto
o primeiro proferiu a referida conferência, o segundo lançou um de seus mais importantes
ensaios, intitulado A marginalidade da pintura moderna. Além desses textos, também fazem
parte do debate revisionista modernista os projetos Testamento de uma geração e Plataforma
da nova geração,101 levados a cabo por Milliet, que contaram com o depoimento de diversos
intelectuais que vivenciaram de perto as transformações pelas quais passavam o meio artístico
e intelectual brasileiro na primeira metade do século XX.
Ainda de acordo com Santana (2009), a partir desse cenário é possível diagnosticar um
discurso de crise e de decadência que estava vinculado à análise sobre a arte moderna
realizada por aqueles intelectuais. Embora a conferência de Mário de Andrade oscile entre

98
Essa conferência foi publicada na revista Politika, em 1952, e republicada no livro Dimensões da arte, em
1964.
99
Mário de Andrade proferiu a conferência em homenagem aos 20 anos da Semana de Arte Moderna em sessão
pública realizada no Auditório da Biblioteca do Itamarati, no Rio de Janeiro, no dia 30 de abril de 1942.
100
Sergio Milliet (1989-1966) destacou-se em diversas atividades no meio artístico e intelectual (poeta, ensaísta,
crítico literário e de arte, pintor, entre outros), sobressaindo com uma atuação fundamental no campo artístico
brasileiro entre as décadas de 1920 e 1960. Em 1945, ele organizou a Seção de Arte na Biblioteca Municipal de
São Paulo, iniciativa esta que lançou as bases para a criação do Museu de Arte Moderna da cidade. Além disso,
enquanto professor de Sociologia da Escola de Sociologia e Política de São Paulo, entre 1937 e 1944, ele travou
contato com norte-americanos interessados na aproximação entre o Brasil e os Estados Unidos. Esse contato, que
foi essencial para a criação do Museu de Arte Moderna de São Paulo, teve início antes mesmo do acordo
estabelecido entre Francisco Matarazzo e Nelson Rockfeller que teria dado origem ao museu. De acordo com
Spinelli (2004), Milliet foi o coordenador do grupo interessado em fundar um museu de arte moderna, que,
pouco a pouco, passou a contar com a adesão de empresários, intelectuais e artistas. Nesse mesmo período, entre
o final da década de 1930 e primeira metade da década de 1940, Milliet também se dedicou a crítica de artes
plásticas com uma coluna no jornal O Estado de S. Paulo. Nos anos 50, Milliet foi responsável pela organização
da Bienal, inaugurada em 1951. O sucesso e a continuidade desse evento podem ser atribuídos à presença de
Milliet e de Lourival Gomes Machado à frente da diretoria artística da Bienal em suas primeiras edições. Na I
Bienal, Milliet ocupou o cargo de primeiro-secretário, enquanto Lourival Gomes Machado ficou responsável
pela direção artística. Já em 1953, por ocasião da II Bienal, e nas duas edições seguintes deste evento, Milliet se
encarregou da direção artística.
101
Tratava-se de uma compilação de depoimentos da geração de 22 e da geração de 45, respectivamente, que foi
sugerida por Milliet e dirigida por Edgar Calheiro.
73

momentos de reafirmação da importância da Semana de Arte Moderna e de reavaliação do


seu papel enquanto líder dos acontecimentos que se processaram a partir daquele evento, a
conclusão não deixa dúvidas quanto à frustração do escritor paulista diante de problemas tais
como o individualismo exacerbado dos artistas e intelectuais. A consequência dessa atitude,
para ele, foi o fato de o movimento não ter contribuído para o “‘amilhoramento’ político-
social do homem” (ANDRADE, 1974, p.255).
A associação entre individualismo e arte moderna também aparece no texto de Milliet
(2004) para reforçar o diagnóstico de crise. Esse individualismo poderia ser observado por
meio da perda da função comunicativa da arte, como é possível ver nesse trecho:

Observei a que ponto, ao atingir-se o período impressionista, a arte perdeu por completo, na
forma e no espírito sua função comunicativa, a sua função de linguagem dentro do grupo.
Mostrei que de meio utilitário de comunicação passou a exprimir apenas os sentimentos de
subgrupos, a posição marginal destes na sociedade. Essa função restrita, dia a dia menos
universal, vai afastar ainda mais a arte de seu objetivo primeiro. Mesmos nos subgrupos ela
deixará de ser entendida por todos, ela passará pouco a pouco a instrumento de expressão
individual, de nenhuma utilidade para os demais membros do todo social. Observei também
que na medida em que essa perda de representatividade se verifica, as preocupações
técnicas aumentam, o desprezo pelo assunto se manifesta e o pintor se isola dentro de
limites impossíveis de se transporem pelos não iniciados (MILLIET, 2004, p.209).

Além disso, assim como Mário de Andrade, Sergio Milliet também faz referência aos
fracassos de sua geração, ao afirmar que seus contemporâneos careciam de instrumentos
sociológicos e filosóficos para interpretar a realidade da qual faziam parte (1981, p.314).
Todavia, Milliet discorda de Mário de Andrade, afirmando que não foi a ausência de contato
com a sociedade o principal erro de sua geração, e sim a inexistência de uma universidade que
pudesse aparelhar os intelectuais para uma análise de caráter científico. O contraponto dessa
geração na qual ele se inclui seria aquela geração dos membros do Grupo Clima, que, reunida
em torno da Universidade de São Paulo, a partir do início da década de 1940, passou a cobrar
um embasamento teórico e metodológico mais sólido no exercício da atividade crítica,
mobilizando a Sociologia e a Filosofia.102
Diferentemente desses discursos sobre o modernismo da década de 1920, a conferência de
Pedrosa deve ser entendida em um contexto em que está em pleno processo de

102
De acordo com Pontes (1998, p.14), a atuação desses críticos, por meio da revista Clima, contribuiu para a
profissionalização do campo cultural no Brasil. Por outro lado, um estudo da especialização do discurso da
crítica no Brasil também deve atentar para a atuação de críticos como Mário Pedrosa, que, embora não estivesse
inserido na universidade como aquele grupo analisado por Pontes, encontrou outros meios para se tornar
reconhecido na análise estética, atuando em jornais, travando relações com artistas, escrevendo catálogos,
inserindo-se em museus. Além disso, a Sociologia e a Filosofia não foram as únicas ferramentas teóricas que
possibilitaram o desenvolvimento da crítica nesse período. No caso de Pedrosa, a Psicologia da Forma foi
mobilizada por ele para compreender o fenômeno artístico.
74

reconhecimento como crítico de arte e de realização de seu projeto concretista. Ao confrontar-


se diretamente com as concepções da arte moderna da Semana e suas principais lideranças, o
texto da conferência evidencia, portanto, o quanto Pedrosa deseja marcar uma posição distinta
do modernismo de Mário de Andrade. Considerando que o lugar ocupado pelos intelectuais é
construído ora por meio da negação de posições existentes, ora pela reelaboração de ideias
anteriores,103 um exame atento da forma como Pedrosa se posicionou em relação ao primeiro
projeto moderno permite compreender as disputas travadas no meio artístico brasileiro entre
as tendências figurativas e abstratas na arte, principalmente a partir do final da década de
1940. 104 Nesse período, Pedrosa se tornou um dos principais porta-vozes do concretismo,
buscando legitimar de uma arte que contrariava os valores do realismo pictórico.105
Logo no início do texto da conferência, Pedrosa afirma que a Semana de Arte Moderna foi
um acontecimento que representou a chegada de “um estado de espírito novo universal,
revolucionário” (PEDROSA, 1998, p.135). Essa afirmação categórica na primeira frase do
ensaio merece destaque, na medida em que, ao enfatizar o caráter revolucionário da Semana,
o crítico confirma o discurso de ruptura associado a esse evento,106 que foi propagado pelos
principais participantes do movimento modernista e por críticos e historiadores da arte, além

103
De acordo com Collins (1989), a necessidade de suporte social faz com que intelectuais usem ideias
previamente acumuladas. Todavia, para conquistar novas posições, eles precisam negar as posições existentes.
104
Aracy Amaral (1984) chama a atenção para alguns fatores que contribuíram para o início dessas disputas: o
processo de redemocratização após o fim do Estado Novo, que teve impacto na politização do meio artístico; e a
organização de exposições de arte no Rio de Janeiro e em São Paulo que chamaram a atenção para o
abstracionismo no país. Sobre essas exposições, Mário Pedrosa afirma: “Cedo, no entanto, dois acontecimentos
artísticos importantes vieram revelar àquelas gerações mostras das novas tendências. Trata-se de duas exposições
capitais que se realizaram, uma no Rio de Janeiro, no Salão do Ministério da Cultura, em 1948, de iniciativa de
Henrique Mindlin, e outra em São Paulo, na sede do Museu de Arte, organizada por seu diretor, P.M. Bardi.
Essas duas mostras indicavam sobretudo aos jovens que Paris não é mais a capital propulsora das Artes no
mundo como o foi durante séculos. Eis aqui, com efeito, duas expressões de vanguarda a mais avançada, o que
não vêm de Paris: Alexander Calder e Max Bill” (PEDROSA, 2007, p.282).
105
Villas Bôas (2014b) vai mencionar a disputa entre “dois modernismos”: “Enquanto artistas como Tarsila do
Amaral, Di Cavalcanti, Cândido Portinari [...] enveredaram pelas linguagens de viés expressionista ou cubista,
Almir Mavignier, Lygia Pape, Abraham Palatnik, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Amilcar de Castro, Ivan Serpa,
Waldemar Cordeiro , Luiz Sacilotto, Geraldo de Barros, Lothar Charroux, entre outros, combatiam a figuração
em busca das ‘formas privilegiadas, expressão usada pelo crítico Mário Pedrosa. O manifesto Ruptura de 1952,
lançado em São Paulo por Waldemar Cordeiro, por ocasião do grupo concretista no Museu de Arte Moderna,
apregoava as novas diretrizes da arte, incluindo ‘o fim da construção renascentista do espaço’ [...]”.
106
De acordo com Annateresa Fabris (1994, p.09), a dificuldade na leitura do primeiro projeto moderno no
Brasil se deve ao fato de que tudo o que se sabe sobre esse movimento foi produzido por seus protagonistas, e
por críticos e historiadores que, ao defenderem a causa da arte moderna, construíram uma interpretação acrítica
do mesmo. A consequência disso foi que muitos dos que escreveram sobre esse primeiro modernismo
reforçaram um corte entre a produção ligada à Escola Nacional de Belas Artes e aquele identificado com os
desdobramentos da Semana de Arte Moderna. Desse modo, as tentativas de estabelecer alguma continuidade em
relação às experiências anteriores eram desencorajadas, assim como as evidências que pudessem comprometer a
ideia de ruptura.
75

de defini-lo como um ponto de referência para a compreensão dos rumos tomados pela arte
moderna no país.107
Um dos primeiros problemas abordados por Pedrosa diz respeito à ideia levantada por
Mário de Andrade sobre a importação do modernismo.108 Embora Mário de Andrade não se
detenha muito nesse aspecto do movimento – já que, olhando o texto O movimento
modernista de forma geral, essa discussão não ocupa uma posição central nem é desenvolvida
em todas as suas possibilidades pelo autor –,109 Pedrosa elege a discussão sobre importação de
ideias como central para entender a arte moderna não apenas como ela se desenvolveu no
Brasil, mas em outros países, incluindo os europeus. Ele, porém, nega a validade da categoria
“importação” para discutir o caso do modernismo brasileiro, lançando mão da ideia de
“contaminação” para explicar o surgimento do espírito moderno entre nós.
Em uma reviravolta, Pedrosa afirma que o próprio Mário de Andrade fala em um processo
de contaminação, embora não de forma direta. Ele utiliza os argumentos do escritor paulista a
respeito de uma “pré-consciência” do moderno que teria origem antes mesmo da Semana,
quando um “grupinho de intelectuais paulistas” teve contato com a exposição de Anita
Malfatti, realizada em 1917, e com as esculturas de Vitor Brecheret. Essa anunciação do
moderno, que o próprio Mário de Andrade reconhece como um antecedente fundamental para
sua própria conversão aos preceitos modernistas, é mobilizada por Pedrosa para se contrapor
ao argumento da importação das ideias. Embora ele não descarte a importância das
experiências artísticas que estavam se processando na Europa para os modernistas brasileiros,
Pedrosa ressalta que uma “sensibilidade moderna”, que era compartilhada por alguns artistas
brasileiros naquele momento, não é passível de ser importada:

Mas a revolução de arte moderna não estava industrializada nem cristalizada para exportar-
se como mercadoria. Era ainda – como é hoje – um movimento em marcha. O que houve
não foi importação nem mesmo de modas, quanto mais de espírito. O espírito jamais pode
ser transformado em algo materializado, acabado, como um objeto de exportação. Mas uma

107
Em um texto publicado na década de 1970, intitulado A Bienal de cá para lá, cuja intenção é captar a
“marcha da arte no Brasil”, Pedrosa define três fases da evolução da arte moderna no Brasil. A primeira delas é
justamente a Semana de Arte Moderna de 22.
108
Cabe enfatizar que Pedrosa convoca a conferência de Mário de Andrade, O movimento modernista, para dar o
pontapé inicial na sua discussão. Como será visto adiante, a mobilização do testemunho desse intelectual tem o
objetivo não apenas de questionar os argumentos que este lançou mão na revisão do projeto moderno, que
aparece principalmente na sua conferência proferida em 1942, como também de reinterpretá-lo, chamando a
atenção para algumas questões que ele irá desenvolver posteriormente para tratar de outras tendências artísticas
como o abstracionismo. Sobre o problema da importação, de acordo com Mário de Andrade: “o espírito
modernista e a suas modas foram diretamente importados da Europa” (ANDRADE, 1974, p.236).
109
No texto de Mário de Andrade, a discussão sobre a importação do modernismo aparece muito mais para
explicar o protagonismo de São Paulo no movimento modernista: “Ora São Paulo estava muito mais ‘ao par’ que
o Rio de Janeiro. E socialmente falando, o modernismo só podia mesmo ser importado por São Paulo e
arrebentar na província” (ANDRADE, 1974, p.236).
76

de suas faculdades mais específicas é o terrível poder de contaminação que possui. E foi o
que aconteceu. Os jovens, poetas e artistas de 1922, foram contaminados pelo espírito
moderno que absorvia na Europa a sensibilidade e a inteligência dos seus artistas mais
capazes e dotados (PEDROSA, 1998, p.136).

Pedrosa ocupa-se de um debate que é central para as artes brasileiras e outras esferas,
qual seja: o da relação entre identidade nacional e universalismo como forma de classificação
embasada em critérios geopolíticos. 110 Nessa discussão, embora o crítico não negue as
influências externas na consolidação do nosso modernismo, as peculiaridades da arte
produzida aqui, especialmente as artes plásticas, teriam conformados os rumos desse
movimento, criando essa “sensibilidade moderna”, a qual ele se refere no texto. A
comparação feita por ele entre produtos industrializados – importados para se tornarem
objetos de consumo imediato – e essa sensibilidade – que, enquanto vivência e experiência,
não poderia atravessar o oceano e ser prontamente consumida por artistas e intelectuais – é o
seu principal argumento para rebater a importação das ideias.
A partir da descrição de Mário de Andrade sobre o contato de um grupo de intelectuais
com os trabalhos de Anita Malfatti e Vitor Brecheret, Pedrosa argumenta que não foi a
proximidade com o que se passava na Europa que colocou os artistas brasileiros em um estado
propício para aderir ao espírito moderno. Teria sido por meio da experiência local, mais
precisamente na relação com a pintura e escultura moderna que já estava sendo praticada aqui
por artistas como Malfatti e Brecheret, que o movimento modernista conseguiu vingar:

O movimento parte de uma experiência psíquica, de uma vivência mágica preliminar: o


contato com a pintura moderna. O ponto de partida não é literário. O fogo divino não veio
de leituras, mas de uma experiência direta entre o jovem brasileiro ingênuo, bárbaro, e os
poderes mágicos de expressão, de agressão das formas pictóricas até então ignoradas
(PEDROSA, 1998, p.136-137).

Para reforçar seu argumento, Pedrosa se utiliza do texto de Mário de Andrade,


sublinhando que a experiência que deu origem ao modernismo entre nós possuía um caráter
“estritamente sentimental”, e era uma “intuição divinatória”, um “estado de pura poesia”. Em
vez de atribuir o modernismo brasileiro à recepção de um repertório de ideias oriundo da
Europa, Pedrosa valorizou a experiência dos artistas no diálogo com uma produção artística
que era feita no país e não no estrangeiro. Essa “experiência psíquica”, da qual fala o crítico,

110
Segundo Villas Bôas (2012, p.41), os critérios geopolíticos, muitas vezes, são mobilizados para classificar a
produção artística, o que é possível identificar nas artes brasileiras, especialmente, quando se atenta para o fato
de que uma das interpretações canônicas sobre os movimentos artísticos locais afirma que elas seriam meras
cópias da arte produzidas na Europa e nos Estados Unidos. De acordo com a autora, essa e outras interpretações
têm relação justamente com o debate em torno da identidade nacional versus universalismo, que estaria presente
também na formação das Ciências Sociais no Brasil.
77

marcaria a originalidade da primeira geração modernista, que apresentou artistas ainda em


estado puro – o “jovem brasileiro ingênuo” –, que, no contato com as formas pictóricas
modernas, desenvolveram uma sensibilidade característica de seu tempo.
Ao insistir em sua hipótese, Mário Pedrosa lança mão mais uma vez do depoimento de
Mário de Andrade, narrando o processo de conversão do paulista, que, depois de ter adquirido
a escultura Cabeça de bronze de Brecheret,111 passou a produzir “poesia moderna”, 112 não
mais parnasiana. Esse relato foi mobilizado por Pedrosa para confirmar o protagonismo das
artes plásticas em relação à literatura na construção de uma arte moderna marcadamente
brasileira. Nesse sentido, a sensibilidade moderna que contaminou os literatos não teria
origem na leitura da produção artística oriunda da Europa, mas na experiência proporcionada
pelo convívio com uma plástica moderna: “Sem a contribuição direta, primordial das artes
plásticas, o movimento modernista não teria marcado a data que marcou na evolução
intelectual e artística do Brasil” (PEDROSA, 1998, p.139).
Embora Pedrosa enfatize que os principais personagens do momento inicial de
configuração do movimento eram os literatos, ele sublinha que, sem uma fase de iniciação
que se deu na relação com a produção pictórica moderna, os protagonistas do movimento não
teriam desenvolvido “uma visão global do problema da arte e da criação contemporânea”
(PEDROSA, 1998, p.139). Essa afirmação lança luz novamente sobre o papel fundamental
que as artes plásticas desempenharam não apenas para a consolidação do movimento
moderno, mas também para a conscientização dos artistas sobre os principais problemas
relacionados ao fenômeno estético.113
Sobre o papel preponderante das artes plásticas no ambiente artístico brasileiro na
década de 1920, Pedrosa chega, inclusive, a asseverar que a ideia para o livro de Sergio
Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, publicado em 1936, provavelmente teria partido desse
clima gerado pela produção pictórica moderna. Desse modo, ao atentar para a existência de
um “clima” moderno que teria contagiado desde a literatura até a produção ensaística, Pedrosa
enfatiza que a construção de um meio propício para o desenvolvimento de diversas atividades

111
Sobre seu processo de conversão, Mário de Andrade afirma: “E Brecheret ia ser em breve o gatilho que faria
Pauliceia desvairada estourar [...]” (ANDRADE, 1974, p. 233).
112
Para falar dessa conversão de Mário de Andrade no campo da poesia, Pedrosa coloca o termo moderno entre
aspas, o que pode ser entendido como uma tentativa de relativizar as categorias que eram mobilizadas pelos
principais participantes do meio artístico. Nesse caso, é possível inferir que Pedrosa já compreendia o moderno
em suas múltiplas acepções, tornando impossível definir o que seria uma “poesia moderna”.
113
Não se deve esquecer que o próprio Pedrosa se dedicou à discussão desses problemas tendo como ponto de
partida o desenvolvimento da produção pictórica moderna. Entre as questões abordadas pelo crítico, destacam-
se: a recepção da arte moderna pelo público, a finalidade da arte, os aspectos fisionômicos do objeto artístico, a
relação entre a arte primitiva e a arte moderna, e o problema da corrosão da sensibilidade do homem diante do
avanço dos meios de comunicação na sociedade moderna.
78

no campo artístico, cultural e intelectual foi garantida graças a um alargamento da visão


proporcionado pelos pintores e escultores que teriam sido os primeiros a aprimorar uma
percepção mais acurada do meio circundante:

Sem a contribuição direta, primordial das artes plásticas, o movimento modernista não teria
marcado a data que marcou na evolução intelectual e artística do Brasil. A sua própria
orientação nacionalista, de descoberta e revelação do Brasil, não teria tido a sistematização,
a profundidade, a busca de raízes com que se assinalou. Desse clima é que surgiu
provavelmente a ideia de Raízes do Brasil, o penetrante livro de Sergio Buarque de
Holanda (PEDROSA, 1998, p.139).

Ao reforçar a importância da pintura e da escultura, Pedrosa está novamente


chamando atenção para questões que lhe eram caras e que aparecem com frequência em suas
discussões sobre o fenômeno artístico. Nesse caso, ele lança luz sobre o potencial das artes
plásticas para ampliar o campo de percepção dos indivíduos, promovendo, assim, o
desenvolvimento da sensibilidade.114 Quando constata que os trabalhos de artistas como Anita
Malfatti e Brecheret contribuíram sobremaneira para que literatos e ensaístas tivessem uma
“compreensão mais direta, mais física e concreta da natureza envolvente”, Pedrosa está, na
verdade, enfatizando que a especificidade das artes plásticas nesse contexto foi fazer com que
artistas e intelectuais pudessem entrar em relação com seu meio, aumentado sua capacidade
de se deixar afetar pelas coisas que estão do mundo.
Isso fica evidente quando Pedrosa faz um parêntese no texto para falar da descoberta
pelos europeus da arte produzida em países africanos por ocasião da expansão imperialista.
De acordo com o crítico, artistas como Picasso, Léger, Matisse, entre outros, foram
influenciados por estatuetas e máscaras africanas:

Os artistas ocidentais sentiram naquelas estatuetas e máscaras da escultura negra a presença


concreta, real, de ‘uma forma de sentimento, uma arquitetura de pensamento, uma
expressão sutil das forças mais profundas da vida’, extraídas da civilização de onde
provinham. Esse poder plástico e espiritual imanente naqueles objetos esculpidos era para

114
Mário Pedrosa já havia desenvolvido essa relação entre o fenômeno estético e o desenvolvimento da
sensibilidade, principalmente, em sua tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte, apresentada um ano
antes da publicação desse texto sobre a Semana de Arte Moderna. Sobre esse papel social da arte defendido pelo
crítico, não seria qualquer objeto artístico que contribuiria para uma mudança na percepção dos homens, e sim
aquelas “formas privilegiadas”, simples, como é possível ver no seguinte trecho: “Formas geométricas assim
elementares são dotadas também desse poder de nos afetar, de nos ditar atitudes. O ato de perceber já é um ato
de criação. A forma percepcional obedece, no rudimentarismo de sua organização, às mesmas leis da boa forma
que regem o mundo e a obra de arte. Não se atende ao seu chamado, porém, com o espírito de engenheiro, do
especulador ou do camponês, ou mesmo do cientista. Para penetrarmos o segredo que nos conta uma estátua
grega ou um afresco de Cimabue, os nossos conhecimentos práticos ou científicos podem, ao invés de nos ajudar
nos servir de obstáculo. Aquelas coisas falam por si mesmas, pois toda forma é um campo sensibilizado. Está
carregada de afetividade. A palavra ou o conceito abstrato, a moeda comum de nossas relações mentais, não nos
ajudam a entendê-la” (PEDROSA, 1979a, p. 82).
79

eles como a revelação de uma mensagem nova. O sentido formal do desenho havia sido
perdido pela escultura ocidental presa então a um jogo pueril ou gracioso de superfície, mas
sem grandeza, sem pureza e sem síntese. Ainda estava escravizada demais à louçania de
atitudes e panejamentos da estatuária grega clássica e helênica, e sobretudo amarrada às
exigências da representação naturalística ou literal do assunto (tipos, ações comemorativas
etc) (PEDROSA,1998, p.142).

No trecho acima, Pedrosa lança luz para os objetos carregados de afetividade oriundos
das “culturas primitivas”, cujo contato com os europeus impulsionou a ascensão de
movimentos artísticos como o Cubismo no início do século XX. Quando afirma que os
artistas ocidentais perceberam nesses objetos “uma expressão sutil das forças mais profundas
da vida”, está se referindo justamente ao poder que eles possuem de ampliar as faculdades
perceptivas dos homens por meio de suas características fisionômicas. Mais adiante,
explicando o interesse dos artistas modernos por esses objetos, Pedrosa ressalta que é possível
perceber neles uma acentuação do desenho em vez de uma representação literal, isto é, uma
valorização da forma em detrimento do conteúdo, o que aproximaria a “arte primitiva”115 das
manifestações vanguardistas que surgiram na Europa no século XX.
Segundo Pedrosa, no entanto, o que contribuiu para o modernismo brasileiro, não foi o
contato com as “culturas primitivas”, e sim com a pintura e escultura modernas que ampliou a
percepção dos artistas do meio no qual viviam. Como exemplo, ele identifica, no período que
está analisando, a existência de vários “nacionalismos”, sendo que uma de suas versões
produziu interpretações do Brasil cuja originalidade repousava em sua força plástica e
profundidade (PEDROSA, 1998, p.139). Por outro lado, aqueles que não se aproximaram das
artes plásticas nesse período teriam enveredado para o nacionalismo na sua forma política.
Essa outra versão seria aquela do grupo modernista Verde-Amarelo, 116 que servia de
contraponto ao nacionalismo bem-sucedido das experiências artísticas ligadas à Semana de
1922.

115
Pedrosa menciona o termo “primitivo” diversas vezes em seu artigo, tanto para designar grupos de indivíduos
quanto a arte produzida por eles. Apesar do caráter problemático desse termo, com as conotações evolucionistas
que ainda o permeiam, decidiu-se mantê-lo pelo seguinte motivo: em primeiro lugar, quando ele define arte ou
cultura como “primitiva”, o uso desse termo chama a atenção não para os objetos artísticos em si nem para quem
os produz, mas para quem está classificando, neste caso o próprio Pedrosa. Ademais, o sentido de “primitivo”
aqui está associado a uma valorização da experiência primeira como condição para a realização artística.
116
Esse grupo era composto por nomes como Plínio Salgado, Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia, Cândido
Mota Filho e Alfredo Élis. Era por meio do jornal Correio Paulistano que o grupo defendia suas ideias, entre as
quais se destacava a seguinte: para ingressar na modernidade o Brasil deveria romper com qualquer referência da
cultura europeia. Esse projeto cultural também tinha sua contrapartida política, que era a defesa do
fortalecimento do Estado, o que fez com que esse grupo fosse cunhado de autoritário. Sobre esse movimento,
Mário Pedrosa afirmou: “Entretanto, o nacionalismo verde-amarelista não tardou a sair do plano espiritual da
criação artística propriamente dita para coagular-se, desta vez como produto importado mesmo da Europa, num
movimento exclusivamente político totalitário, decalcado nos gestos e na indumentária e em resíduos das ideias
do fascismo italiano e do fascismo alemão” (PEDROSA, 1998, p.145). Sobre o integralismo, ver também
Alexandre Ramos (2013).
80

É nesse momento que Mário de Andrade aparece novamente para se tornar um dos
personagens principais dessa vertente nacionalista que se beneficiou da aproximação com as
artes plásticas. Para Pedrosa, a descoberta do Brasil pelo escritor paulista e seus confrades não
se deu pelo intelecto, e sim pelos sentidos. Eles ultrapassaram o nacionalismo superficial e
limitado de outros movimentos artísticos porque puderam captar as especificidades do país
sem nenhuma mediação, valorizando, portanto, a experiência primeira no trato com a
realidade brasileira. Em um trecho do texto, Pedrosa evidencia o que ele chama de “noção
polissensorial” de Mário de Andrade:

Em “As enfibraturas do Ipiranga”, oratório profano de 1922, o coro das juvenialidades


auriverdes, numa enumeração prodigiosamente rica de cores e formas e bichos nacionais –
que prenunciam a admirável descida de Macunaíma, Araguaia abaixo, para o sul do país,
acompanhado de todos os bichos da floresta amazônica – proclama: “as franjadas trêmulas
das bananeiras, as esmeraldas das araras, os rubis dos colibris, o lirismo dos sabiás e das
jandaias, os abacaxis, as mangas, os cajus, almejam localizar-se triunfantemente na
fremente celebração do universal”. Os sabiás, os cajus, as araras, as bananeiras são
evocadas pelas juvenialidades auriverdes para a integração do universal. Note-se o
extraordinário vigor plástico e cromático da evocação da natureza brasileira. Sua
paleta lembraria os tons vivos do fauvismo e a violência da cor pura de Van Gogh. A
diferença é que a visão do poeta é otimista (PEDROSA, 1998, p.143, grifo nosso).

Pedrosa se vale de uma comparação entre o poema de Mário de Andrade 117 e a forma
como artistas representantes do fauvismo 118 e Van Gogh utilizam as cores na pintura. A
“paleta” do intelectual paulista seria semelhante a dos artistas que lançam mão de cores puras
e vibrantes, evocando, na compreensão de Pedrosa, uma natureza brasileira passível de ser
apreendida apenas pelas faculdades sensíveis. Cabe assinalar que, embora a utilização de
cores puras fosse associada por Pedrosa a uma pintura que pretende escapar de uma
representação literal da natureza, ao comentar a poesia de Mário de Andrade, ele lança luz
sobre a utilização desse repertório cromático a serviço da expressão de uma brasilidade que
emana das sensações.
Pedrosa convoca outra passagem da mesma poesia de Mário de Andrade que expressa
a força sensorial que se manifesta na vertente nacionalista da qual ele é o principal
representante: “Noites pesadas de cheiros e calores amontoados...”. Ao evocar os sentidos do

117
Pedrosa cita trechos do poema O poeta come amendoim (1924), de Mário de Andrade.
118
Para Pedrosa, os fauves e Van Gogh foram, juntamente com outros artistas, precursores da arte moderna: “E
Van Gogh, que trouxe? Do ponto de vista propriamente técnico-pictórico, não muita coisa, pois segue a linha do
divisionismo cromático, é fiel à cor pura e ao jogo das complementares. Dá-se por tarefa combinar a cor e a
linha. Van Gogh não é um esteta como Gauguin; é um missionário da verdade. No entanto, o óleo, o cavalete e
um pincel cheio de tinta são para ele o meio de pregar, ao passo que as afinidades pictóricas de Gauguin o
aproximam dos piedosos muralistas da alta Renascença. É na técnica de cores cruas e vibrantes e no linearismo
vangoghianos que os fauves já no início deste século vão buscar recurso para o seu movimento” (PEDROSA,
1979d, p.125).
81

leitor, o poeta teria se aproximado da pintura de Di Cavalcanti cujo traço marcante é a


utilização da cor e a sensualidade das figuras. Outro ponto em comum entre o poeta e o pintor
seria o amor à vida, que poderia significar uma perda para o artista no que diz respeito à
técnica, mas garantiria um impulso vital à obra. Sem querer prolongar a comparação feita
entre os dois, importa somente destacar o movimento efetuado por Pedrosa ao longo do texto,
chamando a atenção para as relações entre artes plásticas e literatura, e suas consequências
para o nacionalismo propagado pelo primeiro projeto modernista.
Ainda sobre essa relação entre artes plásticas e literatura, Pedrosa menciona o
processo de educação artística pelo qual Mário de Andrade teria passado ao entrar em contato
com as obras de Anita Malfatti e Brecheret. Aqui, novamente, ele está ressaltando o papel da
pintura e da escultura na ampliação da capacidade de percepção do poeta, que teria
consequências não apenas em sua obra, mas iria influenciar também um grupo de artistas.
Essa educação estética oriunda do encontro com a arte moderna também aparece como
contraponto para outra postura vislumbrada por Pedrosa e que se caracteriza por uma
apreensão do mundo não direta, isto é, mediada por ideologias e conceitos: “fiel à volta às
fontes puras da inspiração, hostil então ao intelectualismo conceitual e aos preceitos
ideológicos estratificados, o seu Brasil é antes um motivo, ou a pequena sensação que em
Cézanne provocava o surto criador, do que uma abstração ideológica, convencional e cívica e
fria” (PEDROSA, 1998, p.143-144).
No trecho acima, não é possível desprezar a referência de Pedrosa ao nome de
Cézanne. Ele considera o pintor um marco por ter sido um dos precursores na conscientização
da função da cor na obra de arte e um dos primeiros artistas abstratos, para quem “os motivos
em si mesmo não tinham fim”.119 Além disso, a menção a Cézanne também se explica pelo
fato de Pedrosa colocá-lo como ponto de partida na evolução da arte moderna cujo fio
condutor é uma nova forma de experimentar o mundo, fundada em uma expansão das
faculdades sensíveis.120
Os artistas brasileiros, que são o objeto de análise de Pedrosa, também participam
dessa evolução da arte moderna. Isso poderia ser vislumbrado por meio de uma pista
fornecida pelo próprio crítico, quando ele menciona que o “Brasil é apenas um motivo”, a
força motriz que dá origem aos trabalhos artísticos e não um fim em si mesmo. Os

119
PEDROSA, Mário. O legado de Cézanne. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 09 abr. 1957. Coluna artes
visuais.
120
Não era uma unanimidade entre os críticos brasileiros a menção a Cézanne como um divisor de água na arte
moderna. Quirino Campofiorito, por exemplo, discorda de Pedrosa e aponta os impressionistas como verdadeiros
precursores (CAMPOFIORITO, Quirino. Os precursores. 9 jun. 1949).
82

representantes da vertente nacionalista que experimentaram uma relação com a realidade


brasileira nos moldes da revolução iniciada com Cézanne, como Mário de Andrade, teriam
produzido obras de valor, tendo o Brasil como inspiração criadora.
Enquanto os Europeus tiveram que entrar em contato com outros países localizados na
África e na Oceania para dar impulso às experiências modernas na arte, os artistas daqui se
voltaram para seu próprio país, “descobrindo” o Brasil por meio das sensações. Mais uma vez,
a ideia da importação de ideias e manifestações artísticas é refutada: não foi o olhar para fora
que nos fez modernos, e sim o olhar para dentro, mais especificamente, para o que Pedrosa
chama de um “Brasil caboclo” e que foi trazido à tona por Mário de Andrade. Segundo o
crítico, a vantagem do primeiro projeto moderno foi ter acesso a um Brasil autêntico que,
assim como a arte primitiva, foi o estímulo para o desenvolvimento de novas experiências
artísticas.
Os dois artistas escolhidos por Pedrosa para caracterizar esse novo estado de espírito
que impregnou a arte brasileira não eram os literatos, mas os seguintes artistas plásticos:
Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti. Eles teriam sido os primeiros a combinar a utilização das
técnicas modernas na arte com a apreensão intuitiva do ambiente. Diferentemente de um
artista como Almeida Júnior, 121 que viveu em Paris, mas teria passado incólume pelas
transformações que se passaram por lá quando da revolução impressionista, Di e Tarsila
foram afetados por aquelas mudanças e ao mesmo tempo não se deixaram levar pelo
virtuosismo, ao entrarem em contato com as novidades técnicas aprendidas na Europa. Na
descrição desses artistas, Pedrosa deixa evidente o “nacionalismo ingênuo” que esses artistas
representavam, ressaltando que eles não aplicaram diretamente os ensinamentos dos mestres
europeus com quem tiveram contato.

121
A posição de Pedrosa em relação a esse artista era diferente de outros críticos, entre os quais é possível
destacar Sergio Milliet, que via Almeida Júnior como um dos precursores do movimento modernista nas artes
plásticas. Pedrosa, por outro lado, considerada Eliseu Visconti como um dos marcos divisórios da pintura
nacional. Em um texto sobre esse artista, intitulado Visconti diante das modernas gerações, Pedrosa já fazia
ressalvas com relação àquele pintor: “Almeida Júnior, como bem acentuou o biógrafo, não inovou em nada do
ponto de vista puramente pictórico. Era um acadêmico da escola francesa e de lá voltou como foi, apenas senhor
de truques novos e sabidos, aprendidos, segundo o próprio Sergio [Milliet], nas escolas de Paris e Itália [...] Esse
resultado em parte negativo é sintomático da maioria dos nossos pintores que foram estudar ou aperfeiçoar-se em
Paris ou na Itália. Ali aprendem uma melhor cozinha, novos truques, adquirem maiores recursos úteis à
realização de obras convencionais, mas perdem o fogo, a espontaneidade dados pela inocência, a ignorância, o
provincianismo, a mocidade” (PEDROSA, 1998, p.122). Ainda sobre o texto de onde esse trecho foi retirado,
cabe destacar que Pedrosa tratou não apenas de ajustar as contas com o primeiro projeto moderno, mas também
com os artistas consagrados por esse movimento, e que faziam parte de uma tradição acadêmica. Segundo
Marcio Doctors, sobre a forma como Pedrosa colocou Visconti em outra posição no meio artístico brasileiro:
“Mário Pedrosa procura mostrar que Eliseu Visconti é o elo que faltava para juntar o movimento moderno à
tradição, estabelecendo a continuidade. Estamos seguros que esta é a abordagem correta não do ponto de vista
modernista, mas do ponto de vista daqueles que querem pensar a questão do internacional e do nacional como
paradoxo constituinte da nossa formação plástica” (DOCTORS, 2001, p. 54).
83

Pedrosa também cita outros artistas brasileiros importantes que deram continuidade às
122
transformações na arte brasileira após a Semana de 22. Esses artistas, porém,
representariam outra fase que já não seria mais aquela que caracteriza o “estado mental Pau-
Brasil”. O movimento antropofágico,123 de acordo com Pedrosa, marcou uma ruptura na linha
de desenvolvimento da Semana, cujo traço distintivo era o fim de uma apreensão ingênua e
primitiva da realidade brasileira. Nessa fase, o mais importante era atualizar o Brasil em
relação às nações estrangeiras, ainda que mantendo uma preocupação com o Brasil concreto e
suas raízes. Um novo estágio da pintura de Tarsila do Amaral seria o marco para a fase
antropofágica do modernismo brasileiro:

Tarsila entra então numa nova espécie de expressionismo simbólico que contrasta com a
maneira lírica, decorativa da fase anterior. As suas figuras já não saem da poesia popular.
Até então as deformações das imagens, santos e personagens populares de sua iconografia,
obedeciam apenas a uma estrita necessidade técnica de transposição para a superfície plana
do quadro. Agora, porém, as deformações valem por si mesmas, como simbolização da
imaginária antropofágica. Abapuru representa bem essa vontade de violar as proporções
naturais dos seres vivos e reais. A antropofagia nasceu dessa figura. E com ela acabou a
linha de desenvolvimento plástico que vem diretamente da Semana de Arte Moderna
(PEDROSA, 1998, p.149-150).

Embora não se possa desprezar essa afirmação da existência de uma ruptura na linha
de desenvolvimento da Semana, não é possível encontrar no texto uma explicação demorada
acerca do que seria essa fase antropofágica e quais seriam seus principais representantes.
Todavia, outras considerações importantes podem ser mencionadas tendo em vista essa ênfase
em uma nova fase do modernismo. Ao estabelecer Abapuru como um marco desse novo
estágio – posto que a maneira intuitiva de apreender o mundo dá lugar a (ou convive junto

122
Os outros artistas citados por Pedrosa são: Lasar Segall, Cândido Portinari, Cícero Dias, Alberto da Veiga
Guignard, Osvaldo Goeldi e Ismael Nery.
123
O movimento antropofágico, cujo manifesto foi publicado em 1927 por Oswald de Andrade, seria uma
continuação lógica das ideias elaboradas no Manifesto Pau-Brasil, e tinha como premissa básica a fusão de
elementos culturais díspares, para a criação de uma cultura nova e distinta dos aspectos heterogêneos que deram
origem a ela. Segundo Benedito Nunes (1990, p.05-06): “O Manifesto Pau-Brasil inaugurou o primitivismo
nativo, que muito mais tarde, num retrospecto geral do movimento modernista, Oswald de Andrade reputaria o
único achado da geração de 22. Nesse documento básico do nosso modernismo que figura, em forma reduzida,
no livro de poesias Pau-Brasil (“Falação”), já se introduz uma apreciação da realidade sociocultural brasileira. O
manifesto antropofágico trouxe um diagnóstico para essa realidade [...] Radicalização do primitivismo nativo,
aquele manifesto precipitou, como carta de princípios e filosofia de bolso do grupo da Antropofagia, o mais
aguerrido da fase polêmica do Modernismo, sob a liderança de Oswald de Andrade, a divisão ideológica latente
na sua divergência com as outras correntes de pensamento que então se confrontaram – duas delas, o
nacionalismo metafísico de Graça Aranha, e o nacionalismo prático verde-amarelo, reformulado no grupo da
Anta (Menotti Del Picchia, Cassiano Ricardo, Plínio Salgado, Cândido Motta Filho etc.), diretamente ligadas ao
modernismo, e o espírito católico, ligado ao simbolismo e à filosofia de Farias Brito (Jackson de Figueiredo e
Tristão de Athayde, principalmente) e com o qual se entrosou a revista Festa aparecida em 1926 [...]. De acordo
com o que foi exposto, a ideia de um primitivismo como um dos principais pilares do movimento modernista
parecia interessar Pedrosa, na medida em que ele atribuía o contato dos povos europeus com a arte primitiva
como uma etapa fundamental do desenvolvimento da arte moderna.
84

com) uma preocupação com a técnica, o que no caso da pintura de Tarsila significa violar as
proporções naturais do homem –, seria o caso perguntar se Pedrosa já não estaria indicando
um processo de desenvolvimento na pintura moderna brasileira que prepararia o terreno para
as experiências posteriores no campo da abstração, a partir do final da década de 1940, como
a valorização dos aspectos formais no processo de criação artística.
Finalmente, no último parágrafo do texto da Conferência de 1952, Pedrosa resume sua
avaliação sobre o papel da Semana de 22 para o crescimento das artes brasileiras:

Fiquemos por aqui e proclamemos a importância da Semana de Arte Moderna para o


desenvolvimento não só artístico e literário do Brasil, como cultural e espiritual. Pela
primeira vez nesse Brasil pachorrento, inerte que, no entanto, começava a esboroar-se sob a
desintegração da velha economia feudal e cafeeira, um punhado de jovens se levanta contra
a modorra e clama que não somente nos domínios interessados da política os homens
têm motivos de lutar, de brigar. A arte cada vez mais, em nossos dias, uma atividade
digna de por ela os homens, os melhores dentre eles, lutarem e se sacrificarem
(PEDROSA, 1998, p.152, grifo nosso).

Quando Pedrosa afirma que não é somente no terreno da política que os homens
devem se posicionar, sendo a arte também um espaço de luta e sacrifício, ele enfatiza mais
uma vez a importância das atividades artísticas para a transformação dos indivíduos. No caso
dos artistas da Semana de 22, o crítico ressalta a proximidade deles com a vida, com o
ambiente circundante, o que auxiliou na descoberta do Brasil, e consequentemente na
construção de um nacionalismo mais plástico. Aqueles que enveredaram para a política, ao
contrário, não tiveram contato com a produção pictórica moderna e produziram um
nacionalismo tacanho e superficial.
Ao assegurar que o domínio da arte também é um espaço de luta, Pedrosa parece
dialogar novamente com a conferência de Mário de Andrade, O movimento modernista.
Quando reavalia esse movimento, o escritor paulista reclama uma atitude interessada dos
artistas diante de vida (ANDRADE, 1974, p.252). Essa postura teria faltado aos artistas
modernos, e ele se inclui entre aqueles que pecaram por um suposto individualismo e
“aristocracismo”. A sua desconfiança em relação ao próprio passado se manifesta na cobrança
de um posicionamento que ele e os artistas deveriam ter assumido diante de um contexto
marcado por sérios embates políticos, em que os homens não poderiam se abster. Esse
abstencionismo aparece no seu discurso justamente na forma de um distanciamento em
relação à vida. Nas palavras de Mário de Andrade:
85

Vítima do meu individualismo, procuro em vão nas minhas obras, e também nas de muitos
companheiros, uma paixão mais temporânea, uma dor mais viril da vida. Não tem. Tem
mais é uma antiquada ausência de realidade em muitos de nós. Estou repisando o que já
disse a um moço [...] Francos, dirigidos, muitos de nós demos às nossas obras uma
caducidade de combate [...] O engano é que nos pusemos combatendo lençóis superficiais
de fantasmas. Deveríamos ter inundado a caducidade utilitária do nosso discurso, de maior
angústia do tempo, de maior revolta contra a vida como está (ANDRADE, 1974, p.252-
253).

É necessário, contudo, ressaltar que, embora Pedrosa dialogue com o texto de Mário
de Andrade em seu ensaio e ambos estejam discutindo a Semana de 22 e seus
desdobramentos, essas conferências apresentam diferenças significativas. De acordo com
Alfredo Bosi (1973, p.296), as ideias de Mário de Andrade chamam a atenção para três
discursos distintos, entre eles um “discurso narrativo, que vai do autobiográfico ao grupal, e
volta deste para aquele: o que dá à palestra um discreto mas inequívoco tom de confidência
oscilante entre o puro intimismo e a memória polêmica de toda uma geração”.124 Ainda de
acordo com Bosi, nesse texto o intelectual se deixou levar pelas reminiscências e pelo
desabafo, submetendo o movimento do qual fez parte a um juízo de valor. O texto de Mário
Pedrosa, por outro lado, foi escrito quando o crítico estava sendo reconhecido por sua atuação
no exercício judicativo e na formulação de projetos artísticos que ganhariam destaque; logo,
sua análise sobre o modernismo da década de 1920 deve ser vista como uma tentativa de
demarcar posição no exercício judicativo.125
Tendo isso em vista, o que chama a atenção no trecho citado anteriormente, se
comparado ao texto de Pedrosa sobre a Semana de Arte Moderna, é que a revisão de Mário de
Andrade, ao constatar o afastamento dos artistas do primeiro projeto modernista em relação a
seus semelhantes e suas lutas, não está de acordo com a avaliação feita por Pedrosa. O que
crítico enfatiza acerca da Semana de 22 e seus desdobramentos é justamente a proximidade
dos artistas com o ambiente a sua volta, e a descoberta de um Brasil primitivo e ingênuo que
contribuiu para um nacionalismo marcado pela “pura vivência psíquica” e de “alta vitalidade

124
Os outros dois discursos seriam os seguintes: o histórico-genético, que situa a Semana no interior da vida
brasileira, e o estético, em que Mário de Andrade apresenta problemas envolvendo a liberdade de pesquisa,
problemas de linguagem, entre outros.
125
Quando ambos realizaram conferências sobre a Semana de 22, eles estavam ocupando posições distintas no
meio artístico e intelectual brasileiro. Em 1942, Mário de Andrade havia retornado a São Paulo depois de ter
morado no Rio de Janeiro durante três anos, onde lecionou na Universidade do Distrito Federal e ocupou um
cargo no Instituto Nacional do Livro. Sobre esse período em terras cariocas, Helena Bomeny (2012) afirma que
Andrade teria passado por problemas financeiros e de saúde que se estenderam até sua morte em 1945, além das
angústias sofridas por conta do seu relacionamento ambíguo com as políticas culturais do Estado Novo. As
cartas que ele escreveu nesse período retratam “falta de dinheiro, dívidas, saúde afetada, esgotamento nervoso,
fobia, entre constrangimentos e humilhações” (BOMENY, 2012, p.109). Mário Pedrosa, por outro lado, quando
proferiu a conferência, em 1952, estava começando a se destacar como crítico de arte e formulador de um
projeto concretista nas artes. Ademais, ele havia acabado de defender sua tese Da natureza afetiva da forma na
obra de arte, em 1951, e de publicar uma coletânea de ensaios Arte, necessidade vital, em 1949.
86

artística e espiritual” (PEDROSA, 1998, p.145). Ao contrário da autocrítica do intelectual


paulista, Mário Pedrosa ressaltou as contribuições do movimento modernista, especialmente,
no que diz respeito à criação de um “estado mental” que favoreceu o desenvolvimento da arte
moderna no país.
Em vez de enfatizar o “aristocracismo” e individualismo de uma geração de artistas,
como foi o caso de Mário de Andrade em seu discurso, Pedrosa preferiu enfatizar o processo
de descoberta do Brasil efetuado pelos artistas ligados ao primeiro projeto moderno, além de
ressaltar que o âmbito artístico é também um território onde vale a pena lutar e defender
posições. Ao reforçar o papel das artes na criação de uma consciência moderna, Pedrosa
ressalta justamente a sua contribuição que extrapola o campo artístico propriamente dito,
produzindo também consequências diretas no nosso desenvolvimento cultural e espiritual. No
caso do nacionalismo plástico dos representantes da Semana, ele surtiu efeitos que tiveram
um alcance maior do que aqueles que optaram pelo caminho da política strictu sensu.
Outro aspecto da avaliação de Pedrosa sobre o primeiro projeto modernista é que ele
não associou diretamente esse movimento ao contexto político-econômico brasileiro daquele
período, ou aos acontecimentos importantes que se processaram na Europa e que produziram
consequências imediatas no país. Em vez de atribuir o movimento ao nacionalismo emergente
oriundo da Primeira Guerra Mundial, e ao processo de industrialização que começava a se
desenvolver com mais força no Brasil, especialmente em São Paulo, como faz Aracy Amaral
(1998a), Pedrosa prefere encontrar as razões que explicam o surgimento da Semana no
próprio meio artístico que começava a aflorar naquele momento, sublinhando a importância
da produção pictórica de artistas como Anita Malfatti e Brecheret. Nesse sentido, um aspecto-
chave para o qual o crítico quer chamar a atenção é um “clima” instaurado entre os principais
participantes do movimento modernista, fruto da “experiência psíquica” oriunda do contato
com a pintura e escultura moderna, em lugar de conferir uma importância maior ao contexto
mais amplo onde esse movimento teve origem.
Com seu olhar para o passado, Pedrosa reforçou a importância da Semana e de seus
principais protagonistas, tanto na pré-consciência do movimento, como Anita Malfatti e
Brecheret, como na liderança teórica, como foi o caso de Mário e Oswald de Andrade. Mário
de Andrade recebeu atenção destacada por parte de Pedrosa, que identificou na sua figura as
principais características do movimento, e utilizou seus argumentos mobilizados na
conferência O movimento modernista para confirmar suas teses acerca da Semana. Por outro
lado, Pedrosa também apresentou contraprovas para reverter o quadro negativo que havia sido
apresentado pelo intelectual paulista vinte anos após a Semana. Em vez de ressaltar o
87

individualismo dos artistas modernos, como fez Mário de Andrade e Milliet, Pedrosa optou
por olhar o movimento por meio dos seus aspectos positivos, enfatizando, por exemplo, a
proximidade dos artistas com o meio do qual faziam parte. Em meio aos diagnósticos
negativos apresentados pelos principais personagens da Semana, Pedrosa confere outro fôlego
ao movimento modernista, ao afirmar que esse evento e seus desdobramentos teriam sido
apenas o início de um processo vitorioso para a arte moderna brasileira que culminaria na I
Bienal de São Paulo, em 1951.126
Essa tomada de posição no que se refere ao primeiro projeto moderno deve ser
entendida também como uma tentativa de conferir um sentido ao desenvolvimento da arte no
país, em que a Semana de Arte Moderna seria o marco inicial desse processo – a arquitetura
moderna, capitaneada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, seria a fase intermediária e a I
Bienal, o prólogo (PEDROSA, 1995). Ao interpretar aquele primeiro marco e seus
desdobramentos, ele enfatizou o papel das artes plásticas nesse desenvolvimento,
influenciando literatos e outros artistas, além de identificar uma transformação na
“sensibilidade artística” no país oriunda justamente de experiências no campo das artes
visuais. Ao lançar luz para essas experiências, Pedrosa decididamente está enfatizando o
campo das artes plásticas, ao qual vai dedicar grande parte da sua energia intelectual,
principalmente após o final de década de 1940.
Com efeito, ao interpretar os acontecimentos que tiveram origem na Semana de Arte
Moderna, e também em um momento imediatamente anterior, Pedrosa lança luz para o
protagonismo de críticos como ele que elegem as principais questões que vão direcionar o
rumo das atividades artísticas, além de escolher os movimentos e os artistas que vão ser
lembrados e fazer parte de uma história que ainda estava para ser escrita. Na carência de uma
reflexão sobre as artes plásticas no Brasil, Pedrosa se colocou como portador de um discurso
cujo objetivo era não apenas compreender nosso desenvolvimento artístico, como também se
posicionar como um personagem central no cenário cultural brasileiro, produzindo uma
história onde ele mesmo desempenharia um papel fundamental. Considerando que a Semana
de Arte Moderna seria apenas uma etapa inicial de um projeto cujo ápice seria, conforme já
mencionado, a I Bienal de São Paulo, em 1951 – onde a arte abstrata começa a ganhar
destaque graças também ao papel desempenhado por críticos como ele que se posicionaram
de forma favorável em relação a essa tendência artística –, é necessário ter em vista que o
esforço intelectual empreendido por Mário Pedrosa também deve ser entendido como uma

126
A Bienal seria a última etapa do desenvolvimento da arte moderna no Brasil, como afirmou Pedrosa no texto
A Bienal de cá para lá, publicado em 1973.
88

forma de criar uma posição de destaque no meio cultural e intelectual do país. Não foi à toa
que ele elegeu o discurso de Mário de Andrade como principal referência no desenvolvimento
de suas ideias: por meio de um confronto ou mesmo reafirmação de seu discurso, ele
conseguiria questionar a posição do escritor paulista como principal intérprete da primeira
geração modernista.

2.3 Portinari, o artista em questão

No tópico anterior, foi abordado como Mário Pedrosa interpretou os eventos que agitaram
a vida artística no país a partir da Semana de 1922 e que contribuíram para a criação de um
“estado mental” propício para o desenvolvimento da arte moderna brasileira. Todavia, antes
mesmo daquela conferência de 1952, ele já havia chamado a atenção para a importância de
artistas vinculados ao modernismo da década de 1920, como Cândido Portinari, pintor ao qual
o crítico dedicou artigos em um período que vai de 1934 a 1949. Embora Pedrosa seja
lembrado, principalmente, pela sua ligação com os artistas que desenvolveram experiências
no campo do concretismo, ele também colocou em debate obras de artistas das mais variadas
tendências nas suas colunas de jornal, evidenciando um amplo espectro de abordagem.
Os textos que Pedrosa escreveu sobre Portinari serão analisados neste tópico, visto que
são um material privilegiado de análise, na medida em que permitem ver mais de perto o
diálogo de Pedrosa com outros críticos que atuavam no meio artístico brasileiro nos anos
1930 e 1940, como Mário de Andrade. Ainda que nem sempre esses críticos tenham se
enfrentado diretamente, procurando embates ou criando polêmicas, um cotejo dos textos
produzidos por eles sobre um artista emblemático do primeiro projeto modernista, como
Portinari, pode auxiliar na tentativa de compreender de que forma eles se aproximam e se
distanciam, além de elucidar o processo a partir do qual Pedrosa se destacou como crítico de
arte, em meados da década de 1940, indo na contramão da análise corrente sobre esse
artista.127

127
Uma importante referência teórica para o desenvolvimento deste trabalho é a análise empreendida por
Randall Collins (1989, 1998) a respeito das comunidades intelectuais. De acordo com o autor, as relações sociais
entre os intelectuais, incluindo os conflitos e as rivalidades, são os determinantes mais imediatos das ideias que
são produzidas nos círculos dos quais eles fazem parte. É também no interior dessas comunidades que um
indivíduo adquire proeminência entre seus pares, isto é, para se destacar ele precisa pertencer a um grupo
organizado. Nesse grupo, um intelectual pode angariar apoio e conquistar reconhecimento discordando de ideias
previamente existentes ou concordando com elas, acrescentando algum elemento novo. Embora nem sempre essa
estratégia seja perseguida de forma consciente, é a partir dela que uma nova posição pode ser criada, dando
origem a lideranças intelectuais que se tornam “objetos sagrados” em uma comunidade.
89

Além disso, conforme afirma Collins (1998), até mesmo intelectuais que ocupam posições
distintas – como era o caso de Mário de Andrade e Pedrosa, como será visto adiante –,
compartilham determinados conceitos e afirmações, além de se direcionarem para um mesmo
público. Nesse sentido, uma comparação dos textos de ambos os críticos sobre Portinari vai
evidenciar como eles possuíam um repertório de questões em comum, como a utilização do
conceito “realismo”, ainda que não possuísse um significado idêntico para eles. Por outro
lado, noções como brasilidade, recorrente nas análises do intelectual paulista, não têm
destaque na produção crítica de Pedrosa, que, por sua vez, foi privilegiando os aspectos da
composição do quadro, conforme será visto em seus ensaios sobre Portinari.

2.3.1 Mário de Andrade e Portinari: o crítico e o artista virtuose

Mário de Andrade publicou seu primeiro texto sobre artes plásticas em 1918, no jornal
A gazeta de São Paulo. De acordo com Claudéte Pohlit (1996, p.14), o intelectual e escritor
paulista escreveu sobre artes plásticas durante toda a sua produção jornalística em um formato
que ela denomina de “crônica-crítica”, isto é, textos “em que a visada principal de análise
opera um discurso pontuado por autorreferências que entram pelo cotidiano”. Apenas em
1920, no entanto, ao publicar quatro artigos sobre arte religiosa na Revista do Brasil, oriundos
de uma conferência que ele havia realizado na Congregação Mariana de Santa Ifigênia, a qual
pertencia, é que apresenta seu primeiro ensaio de fôlego focando as artes plásticas. Em 1923,
Mário de Andrade ainda colaborou na seção Crônicas de Arte, da Revista do Brasil, com
cinco artigos, e em 1926 também produziu textos para a revista Terra roxa & outras terras.
No ano seguinte, ele inaugurou uma seção de artes no jornal Diário Nacional, onde se
destacou o grande número de crônicas sobre artistas brasileiros como Victor Brecheret,
Tarsila do Amaral, Lasar Segall, entre outros. Finalmente, em 1933, é contratado pelo Diário
de S. Paulo para escrever crônicas de arte, permanecendo neste jornal até 1935. Depois disso,
ainda publicou artigos esparsos sobre artes plásticas em jornais e revistas que circulavam no
país.
Em 1934, Mário de Andrade debutou na análise dos trabalhos de Cândido Portinari
por ocasião da primeira exposição desse artista em São Paulo, no Clube dos Artistas
Modernos (CAM). Ele já havia se interessado pelo trabalho do pintor, quando analisou suas
obras expostas no Salão Modernista do Salão Nacional de Belas Artes (SNBA), em 1931. De
acordo com Tadeu Chiarelli (2007, p.123), mais do que interesse, houve uma identificação
imediata com o pintor. De acordo com esse autor: “Essa identificação, tal projeção dos
90

desejos de Andrade, foi sendo reforçada pela produção de Portinari que, ainda no início
daquela década, dava sinais de realizar no campo da pintura um projeto semelhante àquele do
escritor no campo da crítica, da literatura e da poesia: fixar o Brasil, produzir uma arte
nacional e moderna”.
No texto intitulado Portinari, de 1934, alguns pontos levantados por Mário de
Andrade chamam a atenção.128 Ele procura buscar as influências do pintor, lembrando artistas
como De Chirico, Picasso, Breughel e, ao mesmo tempo, diferencia-o deles, apontando as
diferenças entre Portinari e Picasso, por exemplo. Outro aspecto interessante de sua análise,
que também vai ser desenvolvida por Pedrosa em seus textos sobre Portinari escritos na
mesma década, é a identificação de dois polos para onde o artista oscila. No caso do artigo
mencionado, ele enfatiza o virtuosismo do pintor, a partir da maestria com que ele domina as
técnicas da pintura de cavalete.129 O outro polo seria a expressividade do artista, que, no caso
de Portinari, é sobrepujada por outros problemas, tais como o uso do material e a preocupação
com a composição do quadro. De acordo com o Mário de Andrade, o virtuosismo seria uma
característica marcante de Portinari, uma vez que ele abandona aquilo que denomina de “valor
social do quadro”, e os seus trabalhos se destacam por serem “pedaços de pintura duma
lindeza tão bonita que a gente só quer ver e gozar” (ANDRADE, 1934 apud POHLIT, 1996,
p.237).130
Cabe ressaltar que mesmo reconhecendo que Portinari deixa o “valor social do
quadro” de lado, Mário de Andrade não enxerga esse aspecto como algo negativo. O
virtuosismo do pintor teria origem no fato de ele ser um estudante apaixonado pelos
problemas da pintura. Na tentativa de dominar seu métier, Portinari pende para uma arte
desinteressada sem abandonar completamente uma preocupação com seus semelhantes e o
meio que o cerca:

É o drama ainda do estudioso duma curiosidade insaciável, que de tanto estudar, virou
virtuose. Porque Portinari, além do mais é um virtuose. Duma virtuosidade extraordinária,
que eu direi mesmo implacável. Essa virtuosidade do artista não entra em luta propriamente
com as intenções do homem expressivo, porque Portinari é dum equilíbrio psicológico
magnífico e domina a tela com maestria (ANDRADE, 1934 apud POHLIT, 1996, p.266-
267).

128
Os textos de Mário de Andrade sobre Portinari foram consultados na dissertação de mestrado de Claudéte
Ines Kronbauer Pohlit (1996), onde a autora transcreve artigos do escritor paulista, publicados entre 1918 e 1945.
O texto “Cândido Portinari” (1939), no entanto, foi consultado na edição de 2012 de O baile das quatro artes.
129
Sobre a crítica andradiana ao trabalho de Portinari, Chiarelli (2007, p.128) ressalta que está assentada em duas
bases: ênfase no virtuosismo e o interesse pelo assunto nacional.
130
A grafia de Mário de Andrade foi mantida em todas as citações feitas aqui. De acordo com Pohlit (1996,
p.11), a produção jornalística de Mário de Andrade não pode ser descolada de seu projeto de língua nacional.
91

Segundo Chiarelli (2007, p.128), Mário de Andrade, nos textos de maior fôlego sobre
Portinari, procurou justificar o virtuosismo do artista, que seria “entendido como uma
ferramenta artesanal do qual ele se vale para resolver problemas específicos de cada produção
em particular”. Mário de Andrade já estaria adiantando, nesse ensaio escrito em 1934, aquelas
ideias que iria desenvolver no texto O artista e o artesão,131 em que valoriza não apenas a
pesquisa na arte, mas também o artesanato como uma dimensão importante do processo
criativo, confundido com a técnica do artista: “A ‘técnica’, no sentido em que a estou
concebendo e me parece universal, é um fenômeno de relação entre o artista e a matéria que
ele move. E se o espírito não tem limites na criação, a matéria o limita na criatura”
(ANDRADE, 2012, p.22).
Outro ponto para o qual Mário de Andrade chama a atenção é a tendência ao
monumental que aparece nos quadros de Portinari. A maestria técnica do pintor, que é
perceptível na forma como são criados volumes em seus trabalhos, na utilização de cores e na
disposição das figuras, estaria levando o artista para o caminho do afresco, como seria
possível ver em quadros como Morro (1933) e Sorveteiro (1934). Cabe ainda notar como a
“monumentalidade escultórica” enfatizada pelo crítico nos trabalhos de Portinari está
diretamente associada àquilo que ele denomina de “força plástica” presente em suas obras.132
Essa força viria, acima de tudo, do fato de Portinari privilegiar a construção do espaço
pictórico, afastando-se de outros domínios como a literatura e a música, que, de acordo com
Mário de Andrade, se misturavam com as artes plásticas desde o simbolismo, no que ele
chama de “confusão detestável” (ANDRADE, 1934 apud POHLIT, 1996, p.268).
Finalmente, é preciso destacar o seguinte trecho:

Eu sei que para a amedrontada circunspecção paulista estes meus elogios poderão parecer
excessivos. Mas Portinari é um artista grande no Brasil como em qualquer parte do mundo.
Si, na sua mocidade, ele ainda não fez obra propriamente de criação original, a sua fase
mais recente já denuncia um cunho individual que me parece personalíssimo que torna uma
obra realmente original, é a sua força. E eu não hesitarei jamais em nomear um grande
artista, desde que os impulsos mais sinceros de todo o meu ser me levarem a designá-lo
(ANDRADE, 1934 apud POHLIT, 1996, p.269).

Na passagem acima, Mário de Andrade abandona a análise que fazia até então da
fatura dos quadros de Portinari, para afirmar seu apoio incondicional ao trabalho desenvolvido
pelo artista. Além disso, ele toca em um ponto que não havia sido mencionado em seu artigo:

131
Esse texto teve origem na aula inaugural de Mário de Andrade, realizada em 1938, para o curso de Filosofia e
História da Arte da Universidade do Distrito Federal, localizada no Rio de Janeiro.
132
Segundo Chiarelli (2007, p.128), “Andrade sempre se preocupou em demonstrar o quanto Portinari estava
muito mais ligado aos valores plásticos das obras que produzia do que propriamente a seus temas”.
92

a identificação de fases do pintor. Embora não destaque um marco para facilitar a visualização
do que seria a fase mais recente da trajetória de Portinari, 133 Mário de Andrade faz uma
distinção importante entre um primeiro momento de sua produção, que carecia de
originalidade, e um período posterior, no qual o artista virtuose imprime sua marca nas obras
criadas. Essa separação entre duas fases indicaria o processo de aprendizagem de Portinari até
o instante em que ele atinge pleno domínio do seu métier.
Mário de Andrade ainda aproveita para se posicionar, diferenciando-se de uma
“amedrontada circunspecção paulista” para quem seus elogios parecerão desmedidos. Na
última frase do texto, ele ainda ressalta que não deixará de mencionar aqueles que figuram no
rol dos grandes artistas, obedecendo, assim, a seus “impulsos sinceros”. Essas afirmações
podem ser interpretadas como uma tentativa de demarcar sua posição como crítico. Ao
manifestar suas impressões sobre Portinari, Mário de Andrade estaria expressando uma
sinceridade intelectual que seria contrária à postura do eclético: “em arte o ecletismo é a
posição mais dúbia e mais indefensável. A gente possue uma sinceridade só. Esta sinceridade
evolue e mesmo pode se modificar radicalmente de sopetão, porém é sempre uma só”
(ANDRADE, 1934 apud POHLIT, 1996, p.137).
Em 1938, Mário de Andrade publica outro texto sobre Portinari. Dessa vez, o assunto
era as fotografias das obras do artista que serviriam de estudo para a produção de seus
afrescos no Ministério da Educação. Logo de início, dois elementos chamam a atenção: em
primeiro lugar, Mário de Andrade faz questão de exaltar o Ministério de Educação e Saúde,
chefiado por Gustavo Capanema, pela iniciativa de convidar Portinari para tal realização; em
segundo lugar, as qualidades literárias do crítico em questão ficam bastante evidentes nesse
texto, chamando a atenção para a sua vertente cronista:

Estou seguindo de perto esta obra em que Cândido Portinari vai lentamente, com uma
honestidade absoluta, alcançando o que quer. Inquieto e inseguro de si mesmo como o são
todos os espíritos verdadeiramente conscientes, sensíveis à menor crítica, ferido ao menor
aleive, Portinari, tem sofrido a obra que está criando, com uma intensidade de martírio. Não
faz mal. Tudo nele, as irritações, as revoltas, as malquerenças, as irregularidades
psicológicas são duma verdade solar, ele não plagia nem macaqueia os defeitos dos gênios.
Em compensação está vivendo, vivendo e pensando a obra nascente com uma paternidade
quase absurda, de tão ereta. Si a obra vai surgindo esplêndida, o espetáculo do artista não
será talvez menos forte que a obra. Seguro da mão e inseguro do espírito, Portinari como
que tem ciúmes de todos os afrescos que já se fizeram no mundo. Não estou longe de
pensar que ele seja o mais útil, a mais exemplar aventura de arte que já se viveu no

133
No texto, ele fala de obras mais recentes como Mestiço (1934), Preto da enxada (1934), Pilar Ferrer (1934) e
Waldemar Costa (1931). Embora todos esses quadros mencionados tenham sido produzidos em 1934, com
exceção do retrato de Waldemar Costa, não é possível afirmar com certeza se a fase mais recente, a qual Mário
de Andrade se refere, inicia-se no ano em que seu artigo foi publicado.
93

Brasil. E, como talento ajuda a honestidade e a técnica, vai surgindo a obra


formidável (ANDRADE, 1934 apud POHLIT, 1996, p.270-271, grifo nosso).

Além de lançar luz para o talento inegável de Mário de Andrade como literato, o
trecho acima também evidencia seu posicionamento bastante explícito em relação ao trabalho
de Portinari, considerado por ele a “maior aventura de arte que já se viveu no Brasil”.
Chiarelli (2007) chama a atenção para a importância que o escritor paulista conferia
primeiramente a um artista como Aleijadinho, e posteriormente a Portinari na criação de uma
arte conectada com o problema da construção da identidade nacional. Embora o autor
destaque que a escolha de Portinari por Mário de Andrade se devia, principalmente, a sua
busca por uma tradição modernista ancorada em elementos que definiriam um sentimento de
brasilidade, vale a pena notar que, nos textos de 1934 e 1938, não são esses elementos que são
valorizados pelo crítico para colocar o artista em evidência. Se não é possível discordar de
Chiarelli, quando ele afirma que o crítico cobrava dos artistas um vínculo com o real, não se
pode esquecer que o que fica patente nesses textos é, acima de tudo, a importância que ele
atribui à qualidade plástica dos trabalhos de Portinari.
Com exceção de um trecho no final, em que Mário de Andrade diz gostar das
mulheres “brasileiras”, “brasileiríssimas” de Portinari, a questão do nacional, da representação
de um homem brasileiro, não é o foco central de seu artigo. Um dos principais pontos
discutidos pelo escritor paulista é o fato da obra de Portinari ser “essencialmente plástica”.
Mais uma vez, o crítico enfatiza que o pintor se destaca por ser um experimentador, por lançar
mão de processos antirrealistas na composição e da deformação em seus trabalhos. O
Portinari virtuose de seu texto de 1934 vem à baila novamente: “[...] a sua pintura em tela [...]
era especialmente uma pintura erudita, riquíssima de invenções, invenções essencialmente
plásticas, invenções de formas, de cor, de equilíbrio de massas, de verdadeiros ‘rubatos’
rítmicos e subtilezas de luz e sombra [...]” (ANDRADE, 1934 apud POHLIT, 1996, p.272).
De acordo com Fabris (1990), aquilo que Mário de Andrade chama de
“essencialmente plástico” na obra de Portinari diz respeito à síntese entre o estético e o social.
Embora o crítico ressalte o virtuosismo do artista, na utilização de técnicas de composição do
quadro, ele também chama a atenção para o “realismo” patente em seus trabalhos. A menção
a essa categoria para compreender os estudos para os afrescos do pintor é outro aspecto
importante desse texto. Em primeiro lugar, é a partir dessa categoria que Mário de Andrade
distingue Portinari de outro artista representante do muralismo, Diego Rivera; em segundo
lugar, é a partir dela que o crítico destaca o aspecto social presente na obra do artista ao lado
de seu virtuosismo. As mulheres brasileiras de quem Mário de Andrade diz gostar fazem parte
94

do “realismo otimista” de Portinari se comparadas à “obra amarga e rancorosa” de Rivera. O


crítico ainda diferencia os dois artistas, afirmando que a obra do artista mexicano expressa as
turbulências políticas de seu país e, por isso, seria “mais propriamente literária do que
plástica”, ao contrário de Portinari, cujo realismo seria apenas aparente.
Em um texto de 1939, intitulado Cândido Portinari, Mário de Andrade chama a
atenção novamente para o realismo nas obras do pintor, que se soma à qualidade plástica de
seus trabalhos. Seu realismo, de acordo com o crítico, é uma lição para outros artistas
brasileiros, posto que a natureza para ele não passaria de uma inspiração, “uma reveladora de
formas transitórias que ele irá converter num fenômeno de exclusiva plástica pictórica”
(ANDRADE, 2012, p.116). O realismo de Portinari, portanto, seria a junção entre o estético e
o social, que ficaria evidente no trabalho do artista, na medida em que a questão brasileira em
suas obras convivia com uma preocupação com a plástica: “E é de se observar que a cada
nova experiência técnica e a cada nova fase que lhe nasce oriunda de novos problemas
estéticos a resolver, logo ele ajunta um sentido possante, uma lógica viril de criação, um
significado poético muito intenso, que lhe derivam da sua vibrante compreensão humana da
vida. Principalmente do seu nacionalismo” (ANDRADE, 2012, p.112).
Comparado com os textos anteriores, esse artigo é aquele em que Mário de Andrade
mais enfatiza o aspecto nacionalista nas obras de Portinari, além de elevá-lo ao status de
artista brasileiro por excelência. Quando foi escrito, em 1939, Portinari já havia firmado sua
reputação como muralista, com seus afrescos para o Ministério da Educação e os três painéis
que apresentou na Feira Mundial de Nova York em 1939. Fabris (1990, p.48), ao distinguir as
fases na pintura de Portinari, afirmou que a tela Café (1935) foi o ponto de partida para uma
arte social na obra do artista, que se acentuou nos anos seguintes com a sua produção em
mural. Tendo em vista os rumos que a pintura de Portinari tomou, principalmente no que diz
respeito ao universo representado em suas telas, cabe ressaltar que a crítica de Mário de
Andrade em relação ao trabalho do pintor também acompanhou esse desenvolvimento de suas
obras, culminando na ênfase do caráter nacional das mesmas.
No que diz respeito à utilização da categoria “realismo” para compreender as obras de
Portinari, Chiarelli (2007) afirma que ela é tributária das concepções artísticas em voga no
modernismo de 1920, sem a qual não se pode compreender a crítica de arte de Mário de
Andrade. Para o autor, a crítica de artes plásticas, cujo principal representante era Mário de
Andrade, estava atrelada a questões ligadas ao ideário estético do século XIX, como é
95

possível ver na mobilização de um vocabulário oriundo da derivação realista/naturalista,


presente nas análises de críticos vinculados ao primeiro projeto moderno.134
A categoria “realismo” também é mobilizada pelo crítico paulista para destacar uma
evolução em Portinari. Para Mário de Andrade, Portinari se fez realista. Mesmo em busca da
forma, como afirma o crítico, suas obras não perdem um caráter educativo, não abandonam
sua “funcionalidade nacional”. Mário de Andrade chega inclusive a enxergar um papel bem
definido para o pintor no meio artístico brasileiro, não apenas servindo de inspiração para
outros artistas, mas fornecendo um repertório de tipos brasileiros – como o negro, a mulher, o
trabalhador – e de outros elementos ligados à questão nacional tão cara ao primeiro projeto
moderno: “Cândido Portinari tem servido como nenhum outro pintor nacional. A isto deverá
se ajuntar essa outra impulsividade nacionalística que o leva a servir incansavelmente, quase
como processo de identificação, de pequenos elementos formais, tão da nossa intimidade, a
purunga, o baú de lata colorida, a gangorra, o mastro de São João etc.” (ANDRADE, 2012,
p.117).
Essa evolução na trajetória artística de Portinari, identificada por Mário de Andrade a
partir da categoria realismo, teria sido interrompida. Em Esboço para um Portinari em
castelhano, publicado em 1944, Mário de Andrade identifica uma nova fase em que o pintor
teria se entregado ao virtuosismo em seu sentido pejorativo, isto é, aquele em que o artista se
torna vítima de suas próprias habilidades. Sem o contraponto do realismo das fases anteriores,
evidentes em sua preocupação com a questão nacional, Portinari teria se entregado ao
experimentalismo, abandonando o artesanato visto pelo intelectual paulista como um aspecto
central da produção artística.
No início desse texto, Mário de Andrade menciona as inúmeras fases na trajetória de
Portinari, sem a intenção de se deter em todas elas. Considerando o aspecto geral do texto,
cabe destacar que o crítico tem a intenção de lançar luz para uma primeira etapa da sua
pintura marcada pelo otimismo. Esse otimismo – que já aparece no texto de 1939 sobre
Portinari para diferenciá-lo de Rivera – se explica pelo fato de o pintor lançar mão de
deformações, sem, no entanto, deixar de “embelezar”. Mário de Andrade ainda completa,
afirmando que Portinari “embeleza dentro do espírito do Alto Renascimento italiano”
(ANDRADE, 1944 apud POHLIT, 1996, p.317).
Após se deter nessa primeira fase de Portinari, definida como otimista, Mário de
Andrade chama a atenção para outro momento, quando o artista já teria se iniciado no afresco

134
Entre os críticos filiados à linhagem intelectual inaugurada por Mário de Andrade, Heloísa Pontes (1998,
p.42) destaca Geraldo Ferraz, Luís Martins e Sergio Milliet.
96

e ao mesmo tempo extrapolado as experimentações artísticas, deixando de lado o “realismo”


das fases anteriores:

É tudo forma e cor. O assunto é realçado para um segundo plano de menor interesse para
não dizer de interesse nenhum. A obediência ao detalhe é desprezada. Dir-se-ia que o
artista, sempre ansioso de expressar o Brasil, se recusa de repente a servir de instrumento de
propaganda, que lhe deforme a pureza da mensagem. Pode e quer servir ao Brasil, mas uma
primeira sombra de desconfiança envolve uma névoa estética o hino franco e poderoso dos
estudos anteriores. E enquanto o valor bíblico, a lição coletivista e simbólica dos assuntos
dos murais enfraquece, predominam as exigências estéticas. Estamos quase em pleno
abstracionismo contemporâneo (ANDRADE, 1944 apud POHLIT, 1996, p.318).

Alguns valores que guiam a crítica andradiana podem ser destacados: a valorização do
assunto, o desacordo com as experiências artísticas no campo do “abstracionismo puro” e o
desejo de uma arte que expresse o Brasil. Nesse outro estágio da pintura de Portinari, o artista
parece estar em oposição a esses valores, e para caracterizar esse momento, o crítico
considera a sua pintura como pessimista. A deformação em seus quadros não embeleza mais;
transformou seus trabalhos em uma “sala dos horrores”. A obediência de Mário de Andrade
aos valores clássicos na pintura fez com que ele cobrasse de Portinari uma sujeição ao que
chama de técnica antiacadêmica, porém tradicionalista.135
Cabe ainda enfatizar que, no ano em que Mário de Andrade escreve Esboço para um
Portinari em castelhano, o artista pinta uma série de telas intitulada Retirantes, marcada por
um forte tom de denúncia social. Embora lançasse mão de deformações, como rostos e pés
vigorosos e rostos dilacerados pela dor, o pintor não estava se lançando ao “abstracionismo
puro”, tal como afirma o crítico paulista, mas sua pintura ainda estava no meio do caminho
entre a expressão pura e a mensagem de conteúdo social. Se até então Mário de Andrade
valorizava as soluções plásticas encontradas pelo artista, naquele momento Portinari parecia
fugir da sua missão de encontrar um Brasil autêntico, projeto defendido pelo crítico. Isso fica
claro quando Mário de Andrade enfatiza que não seriam mais “as festas rurais” de Brodowski
que animam o artista, como acontecia em outras fases de sua trajetória, e sim “as mulheres
proletárias”, “as caveiras de boi”, “o espantalho”. Se as deformações teriam o intuito de criar
uma atmosfera de tragédia na tela, ao mesmo tempo elas transformam o artista nesse
pessimista identificado pelo escritor paulista: “O otimismo individualista se alastrou num
pessimismo coletivo. A guerra, os fachismos, as ditaduras, os totalitarismos lhe escamotearam

135
Segundo Mário de Andrade: “E desde então, por mais firme que seja tecnicamente por mais conveniente
como criação plástica a obra de Portinari se torna antitradicional. E mesmo quando nalguma obra, o assunto
implica o otimismo ou se entremostra como uma saudade do passado, nos retratos do filho nos murais de
Washington nas telas musicais da Rádio Tupi no Rio, o artista não demonstra mais nenhuma confiança. Nem
confiança na técnica e nem confiança na vida” (ANDRADE, 1944 apud POHLIT, 1996, p.319).
97

a confiança na vida e no homem. E Cândido Portinari pergunta” (ANDRADE, 1934 apud


POHLIT, 1996, p.320).
Com efeito, a crítica de Mário de Andrade, nesse momento, em relação às
deformações na pintura de Portinari, parecia estar assentada no fato de que ele já não estava
mais se dedicando à construção de arquétipos nacionais, afastando-se, portanto, dos projetos
que o crítico nutria voltados para valorização do assunto brasileiro nas artes. O artista se
aproximava das ideias de Mário de Andrade, quando pintava negros, mulatas, festas de São
João, futebol, imagens que contribuíram para a construção de uma cultura autenticamente
brasileira. Nas figuras deformadas da série Retirantes, por outro lado, o artista teria perdido a
“confiança na vida e no homem”, evidenciando uma preocupação com as desigualdades
sociais, e não mais com a questão nacional.
Conforme será visto, a crítica de Mário Pedrosa em relação ao trabalho de Portinari
vai se desenvolver em um sentido oposto àquela de Mário de Andrade. Nos textos que
Pedrosa escreveu, principalmente, na década de 1940, nota-se seu entusiasmo pelas obras do
pintor, na medida em que acreditava em uma guinada para a valorização dos elementos puros
em seu trabalho. Aquilo que Mário de Andrade criticou no texto de 1944 (“é tudo forma e
cor”) vai ser valorizado por Pedrosa justamente porque seu projeto na crítica de arte estava de
acordo com uma expressão cada vez mais autônoma da arte, ao contrário do intelectual
paulista, para quem a arte deveria estar a serviço da construção de uma noção de brasilidade.
Se o conceito de realismo vai ser mobilizado por Mário de Andrade para enfatizar sua
preocupação com uma “funcionalidade nacional” dos trabalhos artísticos, Pedrosa vai se
afastar progressivamente dessa categoria como uma forma de compreender os trabalhos do
pintor, ressaltando, por sua vez, o equilíbrio que o artista mantinha entre a forma e o conteúdo
em seus trabalhos.

2.3.2 Inflexões na arte e na crítica: relação entre forma e conteúdo em Mário Pedrosa e
Cândido Portinari

No mesmo ano em que Mário de Andrade publicou seu primeiro artigo sobre Portinari,
em 1934, Mário Pedrosa também escreveu sobre o artista no texto Impressões de Portinari,
sua estreia na análise dos trabalhos do pintor. Cabe enfatizar, todavia, que, nesse momento,
Pedrosa ainda não estava se dedicando sistematicamente à crítica de arte, mas sim atuando na
98

formação de uma frente única de esquerda contra o fascismo. 136 Uma hipótese para seu
interesse pela obra do artista, portanto, pelo menos no que se refere aos textos que ele
escreveu na década de 1930, é que as obras de Portinari estariam afinadas com seu
posicionamento político (REINHEIMER, 2008). Por outro lado, a preocupação com as
soluções plásticas do artista, e não apenas com as mensagens de conteúdo social de seus
trabalhos, poderia também ser um indício de um investimento no exercício crítico já naquele
período, considerando que Portinari era um artista em ascensão e outros críticos, como o
próprio Mário de Andrade, também estavam interessados em analisar as obras do pintor.
Em Impressões de Portinari, Pedrosa destaca, no trabalho do artista, o mesmo
equilíbrio apontado por Mário de Andrade – qual seja: aquele que diz respeito à valorização
das questões técnicas, por um lado, e a expressividade, por outro. A essa dicotomia, ele ainda
introduz outra que estaria presente nas criações de Portinari: aquela entre o campo e a cidade.
De acordo com Pedrosa, o início da carreira do pintor foi marcado por um “primitivismo
sentimental”, tributário de sua vivência no campo, lembrando a sua terra natal Brodowski.
Essa experiência ficaria evidente em seus primeiros quadros que eram, na concepção de
Pedrosa, “ingênuos” (PEDROSA, 1998, p.155).
A utilização dessas categorias aparece como forma de contrapor a arte produzida pelo
pintor no campo e aquela produzida por ocasião de sua mudança para a cidade. O
“primitivismo sentimental” e a ingenuidade de suas obras depois vão ser substituídos por
outros problemas estéticos, como aqueles que dizem respeito ao equilíbrio entre o conteúdo e
a forma na obra de arte. Vale a pena citar o trecho onde Pedrosa descreve essa transformação
do trabalho do artista:
As coisas agora começam a ter um traço maior de organização social. A gente já se
individualiza mais, o sensualismo se intumesce. Acentua-se o realismo, e a plasticidade das
formas começa a surgir. A vida é mais trepidante, mas a concepção geral do mundo ainda é
quase a mesma: é idealista, é puramente visual. É verdade que o mundo material alarga-se,
mas aquela superfície escura dominante, a pastosidade satisfeita das cores, o mesmo
processo de claro-escuro, a transparência dos tons, ainda simbolizam a mesma
contemplatividade sentimental e apriorística da era brodosquiana (PEDROSA, 1998, p.155-
156).

Pedrosa já não toca mais nos temas trabalhados por Portinari em seus primeiros
quadros. Ao falar de “plasticidade das formas” e em uma concepção de mundo “puramente
visual”, ele denota uma transformação que se dá, acima de tudo, na fatura do artista, no uso da
paleta e no contraste de cores visíveis em suas pinturas. Essa mudança, no entanto, não
implica uma perda de contato com a vida por parte de Portinari. Ao contrário, ele ainda

136
No ano anterior, ele havia fundado, juntamente com o também crítico Geraldo Ferraz, o semanário
antifascista O Homem Livre.
99

preservaria o “primitivismo sentimental” da fase brodosquiana. Embora a vida seja mais


“trepidante” nessa nova fase, ela ainda está presente, aliada a outras preocupações do artista
como a pesquisa do material e a utilização das cores. O contraste, portanto, entre as pesquisas
técnicas e a expressividade desaparece, aparentemente, da obra do artista: “Os problemas em
Portinari chegam a seu tempo à medida que se amplia a sua concepção total da vida e sua
maestria técnica se apura” (PEDROSA, 1998, p.156).
Mais adiante, Pedrosa reforça as transformações no artista, afirmando que Portinari
começa a ter mais consciência da necessidade de uma unidade estrutural do quadro. Seriam
suas leis internas que ocupariam agora o artista. Nesse momento, o crítico enfatiza que a
realidade nos quadros do pintor aparece por meio de abstrações geométricas, isto é, linhas e
planos. Essa fase seria marcada pela radicalização de uma “racionalidade abstrata”. O quadro
Sorveteiro (1934) é a expressão desse estágio de sua pintura:

Esse rigorismo formal construtivo se opõe à representação do conteúdo. À força de


procurar a essência interior da forma, a unidade estrutural da composição, o conteúdo
material (e social) se perdeu. Falta agora a realidade ponderável, concreta, da matéria. É o
novo problema que surge, com um problema técnico correspondente a resolver. O
modelado, como novo instrumento de expressão, e as exigências da plástica (PEDROSA,
1998, p.157).

Pedrosa distingue o rigor formal da representação do conteúdo nos trabalhos de


Portinari, naquilo que ele define como fase ascendente na trajetória do artista. Se, em um
primeiro momento, afirma que não existe uma contradição entre uma fase de pesquisa e uma
concepção de mundo nos seus quadros, ele reconhece que, nessa fase intermediária, Portinari
ainda estaria em busca de um equilíbrio entre o desejo de abstração e o conteúdo social nos
seus trabalhos. O contraste que, aparentemente, havia deixado de existir, volta novamente à
cena, e vai pontuar não apenas a discussão do crítico nesse texto, mas também seus ensaios
posteriores sobre o artista, mudando apenas a ênfase. Se, inicialmente, ele parece estar mais
preocupado com a mensagem social, destacando que ela não pode se perder em um contexto
de experimentações estéticas, na década de 1940 o tom se modifica, e a forma é valorizada em
detrimento do conteúdo.
O último estágio da pintura de Portinari trabalhada por Pedrosa é o da tela Café
(1934). Nessa etapa, um ciclo estaria fechado na trajetória do pintor, visto que ele teria
atingido a unidade estrutural que vinha buscando em seus trabalhos e ao mesmo tempo
manifesta uma preocupação com seus semelhantes, isto é, com o destino dos homens. Nesse
100

momento, Pedrosa afirma que Portinari atingiu o auge como pintor de cavalete, aproximando-
se cada vez mais da pintura mural e de uma arte de caráter monumental.
Em relação ao conteúdo social que havia sido deixado de lado na fase intermediária,
Pedrosa afirma que ele estaria espreitando o artista nesse estágio. Sem abandonar as pesquisas
e a racionalidade abstrata da fase anterior, o conteúdo agora não fica mais de lado nos
trabalhos do pintor, porém, aquilo que Pedrosa define como “valores extraplásticos” aparece
independente da intenção imediata do artista, evidenciando que ele teria atingido o equilíbrio
entre o rigor formal e a expressividade (PEDROSA, 1998, p.158). Desse modo, ao atingir
essa etapa, e se aproximar da pintura mural, Pedrosa afirma que Portinari representa a arte
sintética buscada por ele, que diz respeito justamente ao equilíbrio entre aqueles dois
aspectos.
De acordo com Arantes (1991), Pedrosa, nesse texto sobre Portinari, cobraria do
artista uma maior atenção aos “valores extraplásticos”. Essa afirmação, no entanto, precisa ser
nuançada: embora Pedrosa chame atenção para a importância do conteúdo social na arte, seu
objetivo maior é analisar o equilíbrio que um trabalho artístico deve manter entre esse
conteúdo e os aspectos formais. Isso pode ser visto nos textos posteriores sobre o pintor, onde
o debate sobre essa dicotomia vai ser aprofundado.137 Portinari se prestaria a essa discussão,
porque, de acordo com Mari (2006, p.171), “havia a impressão generalizada e difundida nos
meios cultos, que ele fora um dos únicos artistas capazes de encontrar o elo entre conteúdo e
forma, entre a relevância dos aspectos intrínsecos da especificidade cultural do país e a
expressão moderna”.
Inicialmente, Pedrosa parece compartilhar essa impressão de que Portinari havia
conseguido atingir o equilíbrio entre expressão plástica e uma mensagem de fundo social,
tanto que esse é novamente o mote de outro texto sobre o artista que ele publica em 1935,
intitulado Pintura e Portinari.138 Chama a atenção o fato de Pedrosa ter escrito outro artigo
sobre o artista em um intervalo de um ano, enquanto Mário de Andrade só lança o próximo
texto sobre ele em 1938. Mesmo que Pedrosa tenha escrito esse texto por insistência de

137
Nesse sentido, é possível falar sobre as diferenças em relação à análise feita por ele do trabalho de Kollwitz e
de Portinari. No texto sobre a gravurista alemã, a discussão sobre a relação entre forma e conteúdo não tem a
mesma dimensão como tem no caso do artigo sobre o pintor brasileiro. Além disso, de acordo com Arantes
(1991), no texto de 1934, o crítico suaviza o arcabouço marxista mobilizado no texto sobre Kollwitz, parecendo
abandonar o projeto de uma arte proletária. Todavia, mesmo reconhecendo essas divergências, não cabe falar em
um retrocesso ou em um súbito aprimoramento de seu instrumental analítico no trato das criações desses artistas,
como faz Arantes, ao mencionar o texto sobre Portinari: “Num certo sentido a formulação do problema dá um
passo atrás, torna-se mais convencional, rompendo com o ímpeto revolucionário do ano anterior” (ARANTES,
1991, p.23)
138
Este artigo está reproduzido em Reinheimer (2008, p.325).
101

Rodrigo de Melo Franco, que queria publicá-lo no jornal Folha de Minas, não se pode
desprezar o fato de Pedrosa ter aceitado o desafio de encarar novamente os trabalhos do
pintor, reforçando alguns pontos que já haviam sido mencionados no outro artigo, além de
retomar questões que já o preocupavam quando escreveu sobre Käthe Kollwitz, e que haviam
sido abrandadas na crítica de 1934.
No artigo de 1935, Pedrosa reforça a ideia de arte sintética que ele já havia
mencionado no texto anterior sobre o artista. No entanto, um elemento novo enfatizado pelo
crítico diz respeito à síntese buscada entre forma e conteúdo, que só seria atingida por artistas
modernos revolucionários, “inspirados socialmente pelo proletariado”, cujo principal exemplo
é o artista mexicano Diego Rivera. Note-se aqui a referência a uma arte de inspiração
proletária que já havia sido destacada pelo crítico no texto sobre Käthe Kollwitz.139 Enquanto
no texto de Portinari de 1934, a condição para uma arte sintética não estava atrelada de forma
explícita a uma posição de classe, no artigo do ano seguinte o referencial do materialismo
histórico, que havia sido minimizado no texto anterior, volta à tona para radicalizar alguns
pares de oposição que Pedrosa lança mão para compreender o fenômeno estético:140

Em face do dualismo tremendo que corrói a arte moderna burguesa entre o conteúdo e a
forma, a realidade natural e a realidade social, o homem e a natureza, o ser e a consciência,
e que nenhuma ideologia (filosofia, religião, arte) consegue dominar, mesmo o artista mais
dotado impacienta-se, e, em último recurso, impõe a sua vontade despótica para desempatar
a contenda. A lei dos contrastes domina nas obras mais representativas dos artistas
modernos. É uma lei de nossa época (PEDROSA, 1935 apud Reinheimer, 2008, p. 325).

Pedrosa lança luz para as antinomias que cercam a criação artística. O problema para
ele é que os artistas, no afã de resolver aquilo que eles consideram um dilema – expresso nas
dicotomias apresentadas por Pedrosa –, optam por um polo dos contrários, caindo no que o
crítico chama de “realismo idealista” e “idealismo realizante”. Outro pecado cometido por

139
Segundo Pedrosa (1995, p.59): “Este mundo novo obriga todos os homens que ainda restam de fora a uma
determinada posição social. O destino da arte de Käthe Kollwitz não está, pois, na própria arte. Está socialmente
no proletariado. É uma arte partidária e tendenciosa. Mas que assombrosa universalização! É que, representando
a expressão social da nova classe, futura senhora dos destinos da sociedade, o que ela aspira através da miserável
opressão da hora presente é um novo humanismo superior, um autêntico e novo classicismo surgido dramática e
espontaneamente da própria vida”.
140
Sobre esse artigo de 1935, Reinheimer (2008, p.139-140) afirma: “Parece ter sido então nesse artigo que
Pedrosa se viu pela primeira vez confrontado com o desafio de conciliar essas duas formas de apreensão do
mundo, os conflitos de classe cujo fundamento é a coletividade e o fenômeno artístico cuja representação
moderna fundamenta-se na singularidade do artista-criador. Quem sabe tenha alguma coisa a ver com isso o fato
de Pedrosa só ter voltado a escrever sobre artes plásticas sete anos depois, em 1942”. Não é possível saber ao
certo por que a autora atribui a essa tentativa de conciliação o fato de o crítico ter ficado sete anos sem publicar
um artigo sobre artes plásticas. Todavia, é necessário enfatizar que aquilo que ela chama de duas formas de
apreensão do mundo pode ser relacionada com a dinâmica entre forma e conteúdo que aparece na produção
crítica de Pedrosa, e que não necessariamente é um elemento problemático, isto é, que deve ser resolvido; ao
contrário ela garante a tônica dessa produção, especialmente quando se têm em vista os artigos sobre Portinari.
102

esses artistas é confiar apenas nas soluções oriundas de sua vontade criadora, de sua intuição,
colocando obstáculos para a criação de uma arte sintética. Quando Pedrosa faz referência a
essa arte, menciona a relação dialética que deve ser mantida entre os pares de oposição para
que ela se realize: “É preciso arriscar-se tudo no jogo dialético dos contrários – elementos e
composição, figuras e objetos, perspectivas e planos, espaço e fundo, conteúdo e forma,
natureza e sociedade – para se atingir a síntese artística necessária, e não apriorística. Este é o
método do materialismo dialético” (PEDROSA, 1935 apud Reinheimer, 2008, p.325).
Ao contrário do texto de 1934, Pedrosa não está interessado em descobrir fases na
trajetória de Portinari, ou avaliar seus trabalhos individualmente. O artista, nesse artigo, é
mais um pretexto para Pedrosa discutir questões que lhe eram caras e que vão aparecer em
outros textos seus, incluindo aqueles sobre Portinari que ele publicou na década de 1940. Se o
seu interesse era discutir problemas centrais da criação artística, cabe perguntar o porquê da
escolha de Portinari. Em um trecho destacado do texto em foco, Pedrosa justifica a escolha do
artista, afirmando que a evolução na sua arte já teria chegado ao ponto em que enfrenta os
problemas mencionados por ele. Embora todos os artistas de sua geração tenham consciência
desses problemas, apenas os artistas revolucionários, como Portinari e Picasso, poderiam
resolvê-los.
Sete anos depois do último artigo sobre o artista, quando se encontrava exilado nos
Estados Unidos, 141 Pedrosa publicou outro texto sobre o pintor, intitulado Portinari: de
Brodowski aos murais de Washington.142 Nele, os objetos de análise são os quatro painéis que
foram encomendados a Portinari para figurar na Fundação Hispânica da Biblioteca do
Congresso de Washington (Descoberta, Bandeiras, Catequese, Garimpo). Por ocasião da
feitura desses painéis, o crítico estava morando em Washington, onde se encontrou com o
artista. A partir de um depoimento fornecido pelo próprio Pedrosa, é possível concluir que ele
e o pintor tinham alguma proximidade, quando Pedrosa afirma que, naquela ocasião, eles
haviam retomado “a camaradagem e o velho papo de outros tempos” (PEDROSA, 1995,
p.228).
Sobre essa passagem do pintor pelos Estados Unidos, Pedrosa enfatiza que foi nesse
país que Portinari conseguiu realizar uma de suas experiências mais audaciosas para atingir
uma arte sintética, isto é, “capaz de restaurar a dignidade artística do assunto, perdida na

141
O período em que Pedrosa viveu nos Estados Unidos será abordado no próximo capítulo.
142
Pedrosa publicou esse texto em duas partes, em abril e maio de 1942, no Bulletin of Pan American Union. Em
inglês o título é Portinari: from Brodowski to the Library of Congress. Nesse período, o crítico estava
trabalhando como tradutor em Washington na União Pan-Americana. No periódico, Pedrosa também é
apresentado como membro da divisão editorial dessa instituição.
103

grande arte moderna puramente analítica, e reintegrar por essa forma o homem humano, o
homem social, na pintura de onde havia sido excluída” (PEDROSA, 1981, p.14). Isso porque
o artista, fora de seu país de origem, podia desfrutar de uma maior liberdade de experimentar,
de ceder “ao demônio de sua virtuosidade”. Se o pintor não podia ceder aos caprichos dessa
virtuosidade no seu país, isso acontecia, segundo o crítico, por culpa dos literatos. Pedrosa
interpreta as palavras do próprio artista para confirmar sua hipótese: “Ele queria dizer com
isso que as ideias forçosamente literárias dos intelectuais amigos interferiam frequentemente
com as suas, ou os seus projetos puramente pictóricos. E ele nunca soube, com efeito, se livrar
delas. No princípio da sua carreira, eu também, então seu amigo e frequentador, me incluo
entre esses intelectuais” (PEDROSA, 1995, p.229).143
A viagem do pintor teria sido um divisor de águas em sua trajetória, na medida em que
seus painéis para a Biblioteca do Congresso evidenciam elementos na evolução da obra do
artista para uma arte mais preocupada com as soluções formais em detrimento do tema,
embora ele não o perca de vista. Esse movimento na obra do artista foi acompanhado por
Pedrosa em sua crítica, quando ele atribui uma importância salutar à questão estética. Citando
o texto de 1940 de Mário de Andrade, Pedrosa fala que os afrescos de Portinari têm a
“funcionalidade nacional”. Todavia, Pedrosa também enfatiza que o artista não se prende ao
assunto, e que em vez de exprimir uma realidade, ele a interpreta:

Nos afrescos de Portinari esteve sempre presente, ao lado ou acima da realidade, a


finalidade plástica. Ele foge sempre – mesmo quando faz as maiores concessões ao
elemento da realidade ou didático, ao qual chama de ilustração. No entanto, o seu realismo
é profundo e orgânico; eco talvez de suas origens campesinas. Esse elemento plebeu e
camponês, inato nele, é o que demora a sua mão, que pesa sobre o seu pincel retardando ou
evitando que se liberte ou se desgarre de uma vez, para entregar-se à abstração da pura
expressão plástica, independente do que está representando [...] Portinari tende a buscar, e
buscará sempre, constantemente, uma síntese fugidia, dramática na sua precariedade, entre
o plástico e o abstrato, entre o puro e o pictórico e a vida. Esse dualismo deu o drama à sua
obra anterior. Dá à sua obra atual. E continuará a dar à sua obra futura (PEDROSA, 1981,
p.16).

Pedrosa concebe a possibilidade de que a finalidade plástica esteja acima da realidade


nos murais de Portinari. Essa afirmação, no entanto, é nuançada mais adiante, quando ele
lança mão da categoria “realismo”, assim como Mário de Andrade, para fazer referência ao
conteúdo social expresso nas pinturas do artista, e que, de acordo com Pedrosa, teria relação
com sua origem campesina. Vale a pena notar que não é a primeira vez que Pedrosa mobiliza

143
Nesse depoimento, Pedrosa pode estar fazendo referência aos literatos vinculados ao primeiro projeto
modernista, dentre eles, Mário de Andrade, afirmando que, para avançar nas suas pesquisas estéticas, Portinari
deveria se desvencilhar desse grupo.
104

a vivência de Portinari para explicar sua pintura. Assim como nesse artigo de 1942, que
começa falando da infância de Portinari em Brodowski, o texto de 1934 também inicia com os
primeiros trabalhos do artista que sofreriam uma influência direta de sua experiência no
campo. A diferença nesse caso é que, para Pedrosa, suas origens pesam na sua mão – em uma
referência à oposição entre a mão, materialista, e a cabeça, “fantasista”, que aparece no texto
de 1935 –, impedindo que ele se liberte completamente para se lançar à abstração.
O “realismo” em Portinari é contrastado com o dos muralistas mexicanos, posto que
esses cairiam na anedota, no didatismo. Tanto Pedrosa quanto Mário de Andrade diferenciam
a produção de Portinari de artistas como Rivera, ressaltando que aquele não sacrifica as
propriedades intrínsecas do quadro para fins de propaganda política. Para Mário de Andrade,
Rivera é um expoente dos conflitos que assolaram seu país e, por isso, sua pintura reflete a
postura de um artista combatente. Pedrosa marcou ainda mais essa diferença, ressaltando que
aos distintos contextos social e político de cada país, acrescenta-se também a extensão que o
movimento muralista atingiu nos dois países e o seu impacto nos artistas. Para Pedrosa, o
muralismo de Portinari foi muito mais uma forma de desenvolver suas potencialidades no
campo da técnica do que exprimir uma arte de teor social.
A maneira como Pedrosa compreende a produção mural de Portinari já o coloca em
outro patamar se comparado com Mário de Andrade, que não colocou os problemas estéticos
acima da preocupação com a realidade circundante.144 Já a preocupação central para Pedrosa,
repousava na síntese entre o conteúdo social e o estético. No texto de 1942 sobre Portinari,
nota-se que a balança já começa a pender para o lado da “finalidade plástica”. Diversos
elementos de seu texto apontam para essa direção: a ênfase no distanciamento de Portinari dos
literatos brasileiros e do muralismo como um campo de experimentação e não de expressão da
realidade, e a afirmação de que Portinari estaria mais próximo de Picasso do que dos
muralistas mexicanos. Finalmente, assim como no texto de 1934, quando Pedrosa afirmou
que os valores extraplásticos em seus quadros apareciam independente da vontade do artista,
no artigo de 1942 ele enfatiza que o assunto nos trabalhos de Portinari fica subentendido: “[...]
os elementos constitutivos de seus quadros são, ao fim, unidos por um pensamento sempre
presente, que, embora sem sugestão realista específica, implica a existência de um ‘assunto’”
(PEDROSA, 1981, p.18).

144
Sobre Mário de Andrade, Chiarelli (2007, p.27) afirma: “Nunca, porém, o seu modernismo privilegiou ou
incentivou pesquisas que rompessem com o referencial da realidade circundante, ou menos ainda com as
modalidades consagradas da arte – experiências típicas das tendências de vanguarda”.
105

Sobre a categoria “realismo”, Mário Pedrosa não a associa à presença de elementos


nacionais nas pinturas de Portinari, como faz Mário de Andrade. Essa categoria nem mesmo
chega a ser um parâmetro para a avaliação do artista. Não é mera coincidência o fato de seus
textos de 1934 e 1942 começarem com uma descrição dos primeiros quadros de Portinari e de
sua infância, respectivamente. O “realismo” na obra do pintor é descrito por Pedrosa como
uma característica orgânica, fruto da sua vivência no campo e de suas experiências com
trabalhadores rurais. Nesse sentido, ao cobrar do artista um compromisso com o meio que o
cerca, sem perder de vista as questões estéticas que contribuem para o desenvolvimento da
personalidade artística, Pedrosa relativiza a noção de “realismo” tal como foi utilizada por
Mário de Andrade: esta não estaria associada à transposição de elementos que evocam um
sentimento de brasilidade, ainda que pudessem desempenhar essa função; ela é mobilizada
para ressaltar os laços que ligam o artista a seu semelhante. É por estar ligado à práxis vital
que a “realidade” fica implícita em seus quadros, assim como a sugestão de um assunto.
Segundo Mari (2006, p.125), o artigo de 1942 “foi um ajuste de contas com os
posicionamentos anteriores de Pedrosa e suas predileções pelo muralismo e pela arte filiada à
revolução comunista”. Esse ajuste de contas, no entanto, não se encerrou nesse artigo, uma
vez que, seis anos depois, ele deu continuidade à análise dos trabalhos de Portinari no artigo A
missa de Portinari, publicado em 1948. Nesse texto, o que está em discussão é, acima de
tudo, uma análise da composição do quadro. Alguns elementos, no entanto, chamam a
atenção: Pedrosa enfatiza justamente o fato de Portinari não ter se detido nos detalhes
descritivos, valorizando as soluções plásticas em detrimento do tema. Ele aboliu a luz natural,
não se preocupou em ser fiel aos fatos históricos, primou pelas linhas retas em vez das curvas,
diferentemente de Vitor Meireles, que já havia pintado o tema na obra intitulada A primeira
missa no Brasil (1860). Pedrosa menciona as soluções naturalísticas da obra de Meireles
como um contraponto ao trabalho de Portinari, que abandonou os “pseudoproblemas
pictóricos”.145
No ano seguinte, Pedrosa analisou a solução que Portinari deu a outro tema de caráter
histórico, o martírio de Tiradentes, que não apresentou o mesmo resultado satisfatório como
aconteceu com a pintura A primeira missa no Brasil. Em O painel de Tiradentes, publicado
em 1949, ele afirma que o pintor se perdeu em minúcias descritivas, prejudicando o conjunto

145
No fim do texto, Pedrosa ainda faz um jogo com a palavra “finalidade”. Ao falar da missa de Portinari, ele
diz que, no quadro do artista, sua função se transforma, não visa à catequização dos fiéis. No entanto, a
finalidade também pode se referir à própria pintura, que, no caso do artista, deixa de lado o didatismo, ao
abandonar a preocupação com a descrição do tema: “Sua missa não visa ainda o proselitismo. Ela é apenas para
os iniciados; inicia, prepara os fiéis para saírem a campo, uma vez terminada, a propagar a fé por aquele mundo
virgem, desconhecido. E não é esta precisamente a sua finalidade” (PEDROSA, 1998, p.171).
106

da obra. Ao contrário do que aconteceu em A primeira missa no Brasil, Portinari não teria
colocado no Painel de Tiradentes a sua “verdade artística” acima da “verdade histórica”,
prendendo-se em detalhes de caráter anedótico. Embora Pedrosa reforce que não se pode
negar a importância da iniciativa de Portinari para o progresso da arte moderna brasileira,
posto que, para chegar à arte sintética, era necessário que a pintura mural também se
desenvolvesse, é possível deduzir que o crítico enxerga nesse painel um momento de inflexão
no trabalho do artista. Enquanto em A primeira missa no Brasil sua obra parecia apontar para
o aprimoramento das questões técnicas e das soluções plásticas em detrimento do assunto, o
mesmo não parecia acontecer em Painel de Tiradentes.
Um dos argumentos para explicar essa transformação na crítica de Pedrosa diz respeito
a seu papel na formulação de um projeto artístico que deu origem a um núcleo concretista no
Rio de Janeiro. No final da década de 1940, quando aparentemente Pedrosa parece acertar as
contas com Portinari, o debate entre os artistas e críticos defensores de uma arte de caráter
figurativo e aqueles que apoiavam o concretismo teria se acirrado, obrigando, portanto, os
integrantes do meio artístico a assumir posições no que tange a essa discussão.146 Não teria
sido diferente com o crítico, que aproveitou a oportunidade de debater o trabalho de um artista
com o qual já tinha alguma proximidade, visto que se debruçava sobre suas pinturas desde
1934, para se posicionar em relação à tendência da qual Portinari era um dos principais
representantes no Brasil, a saber: o realismo pictórico.
Enquanto nos outros artigos sobre o pintor Pedrosa enfatizava que a relação entre a
forma e o conteúdo havia atingido um equilíbrio na obra de Portinari, nesse texto de 1949 ele
ressalta o conflito entre esses dois elementos, sugerindo que, em vez do progresso que se
anunciava na tela A primeira missa no Brasil, o que acontecia agora na obra Painel de
Tiradentes era uma ênfase no assunto em detrimento da composição do quadro:

Quando se desce, entretanto, ao acabamento minucioso dos membros gotejantes de sangue


e dos quartos escalpelados de Tiradentes, sobretudo o do poste no primeiro plano, que sai
positivamente fora da tela, é forçosa a queda na catalogação dos detalhes, com vistas
apenas no assunto. É inevitável também que a composição sofra. No nosso painel, essas
minúcias descritivas, entre as quais nenhuma supera em mau gosto as pocinhas de sangue
vivo tirada diretamente da casa de ferragens para a carreta de amarelo bruto, onde se
amontoam os despojos do herói, ainda se justificam menos em face do destino da obra, que
é de ser vista à distância, como todo mural. Assim, esses pormenores não têm a menor

146
Nesse período, uma arte com preocupação social ainda era valorizada no meio artístico brasileiro, contando
com forte apoio de críticos como Rubem Navarra, Sergio Milliet, Ibiapaba Martins, Fernando Pedreira, entre
outros. Sobre essas disputas, Aracy Amaral (1984, p.242) afirma: “Às vésperas da implantação da I Bienal de
São Paulo esse era o clima presente no meio artístico brasileiro. O abstracionismo era encarado, por muitos
artistas politizados, como uma forma de fuga do artista do mundo exterior”.
107

função plástica ou pictórica; o artista aqui foi simplesmente vítima do prisma literal sob que
encarou o tema (PEDROSA, 1998, p.179).

Segundo Mari (2006, p.194), quando o trabalho de Portinari sobre Tiradentes foi
exposto, críticos ligados ao Partido Comunista Brasileiro, como Astrogildo Pereira e Ibiapaba
Martins, elogiaram a obra.147 Considerando que esses críticos eram defensores do realismo
socialista, corrente contra a qual Pedrosa se posicionava, a sua postura em relação a essa
pintura do artista também pode ser explicada como uma tentativa de enfatizar suas críticas em
relação àquela tendência nas artes, sobre a qual ele já havia prestado contas em uma série de
artigos em 1947. Ademais, a oportunidade de demarcar posições contrárias a outros críticos,
como aqueles mencionados, também poderia ser encarada como uma forma de criar novas
posições no meio artístico brasileiro, que, naquele período, era dominado pelos defensores do
realismo nas artes.148 A partir dos textos que publicou sobre o artista Alexander Calder em
1944, e daqueles que escreveu no Correio da Manhã a partir de 1946, Mário Pedrosa deu
início a um investimento mais acirrado no exercício judicativo. Tal esforço esteve atrelado à
construção de uma posição mais explícita nas artes, que, na década de 1950, consolidou-se
com a formulação de seu projeto crítico atrelado à defesa de uma plataforma artística que
legitimou as experiências concretistas, especialmente, no Rio de Janeiro.
Os últimos textos de Pedrosa sobre o pintor podem ser interpretados à luz de uma
inflexão de seu projeto crítico, que pode ser vista no trato com as obras do artista.
Considerando o crítico como alguém que passa pelo processo de autoeducação diante de seu
público, nos artigos analisados aqui, Pedrosa revisou seus próprios critérios de julgamento

147
É importante mencionar que Portinari se filiou ao PCB em 1945, ano em que se candidata a deputado federal
pelo estado de São Paulo. Em 1947, ele tentou uma posição no Senado. Sobre isso, cabe destacar que o PCB
defendia no plano artístico o realismo socialista, corrente contra a qual Pedrosa se posicionava naquele
momento, ao defender a liberdade de criação em detrimento da utilização da arte para fins políticos. A filiação
partidária do artista e sua candidatura não passaram incólumes por Pedrosa, como é possível ver no irônico texto
escrito por ele, intitulado O senador Portinari. Em um trecho, ele diz: “Mas o que pode fazer num senado um
artista como Portinari? Parece uma espécie de aposentadoria. O Senado é como uma espécie de promoção final
para os que já atingiram a idade de dar conselhos graves em meio a cochilos solenes ou disfarçados ou de
aposentar. Francamente, é difícil conceber-se um Portinari senador a tarde inteira no Palácio Monroe, ouvindo as
gravíssimas ponderações do sr. Ivo d’Aquino ou as cavilações octogenárias do senador Graco Cardoso
(PEDROSA, Mário. O senador Portinari. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 30 jan. 1947).
148
Sobre os críticos de arte que atuavam em São Paulo no final da década de 1940, Aracy Amaral (1984, p.245)
diz: “Vivia-se em São Paulo um período de ebulição cultural, ambiente em que coexistiam vários críticos
oriundos da literatura, como Sergio Milliet, José Geraldo Vieira, Geraldo Ferraz, Luís Martins, da sociologia,
como Lourival Gomes Machado, ou ainda do jornalismo e pintura, como Quirino da Silva, ou simplesmente do
jornalismo, como Ibiapaba Martins. Escrevendo regularmente ou não, com exceção de Ibiapaba e Lourival, todos
os demais procediam da época da implantação do modernismo entre nós. Mas correto é dizer que nenhum
manifestou entusiasmo, ou se propôs a estimular a nova tendência abstracionista no meio local, como o faria no
Rio de Janeiro, Mário Pedrosa que, por essa mesma razão, seria alvo de ataque do campo oposto (dos realistas),
em particular de Fernando Pedreira, jovem crítico – precedente do jornalismo – que, a partir da I Bienal, seria o
mais acirrado opositor do abstracionismo entre nós, sobretudo através da revista Fundamentos: revista de cultura
moderna, ligada às políticas culturais do Partido Comunista Brasileiro”.
108

diante dos trabalhos de um mesmo artista. O contraste entre conteúdo social e questão
estética/plástica, por exemplo, assumiu uma importância capital em sua produção crítica, e a
maneira como ela foi abordada se alterou à medida em que ele intensificou sua atuação no
exercício judicativo, preocupando-se em consolidar sua posição e realizar seu projeto voltado
para a arte concreta. Enquanto em um primeiro momento a síntese entre forma e conteúdo era
sua principal preocupação, a questão estética vai ganhando força ao passo que o crítico
reconhece que nem sempre é possível conciliá-los sem que o artista tenha que sacrificar sua
liberdade criadora.
Nessa perspectiva, o acerto de contas com o modernismo da década de 1920 foi um
importante aspecto de seu percurso crítico. Em primeiro lugar, porque as análises
empreendidas por Pedrosa sobre as obras de Portinari foram um espaço, por excelência, para a
discussão de questões que ocupariam sua agenda no trato do fenômeno estético, e também
para a elaboração de um repertório para sua crítica, em que surgiram à tona termos como
“finalidade plástica”. Em segundo lugar, o debate em torno da Semana de Arte Moderna de
1922 e seus desdobramentos, que já haviam sido objeto de análise de seus principais
protagonistas, como Mário de Andrade e Sergio Milliet, permitiu a Pedrosa evidenciar seu
posicionamento em relação à primeira geração modernista, fugindo dos diagnósticos
negativos sobre esse movimento. Desse modo, ele reinterpretou esse evento e suas
consequências para o desenvolvimento da arte brasileira, conferindo um papel de destaque
para as artes plásticas e para sua capacidade de criar uma “sensibilidade moderna” entre nós.
Considerando que a principal hipótese desta tese diz respeito à consagração gradual de
Pedrosa na crítica de arte, o objetivo deste capítulo foi chamar a atenção para o fato de que
Pedrosa angariou uma posição de autoridade no exercício judicativo por meio de um acerto de
contas com movimentos e artistas com os quais ele manteve proximidade a partir da década
de 1920. Mesmo não aderindo ao primeiro projeto moderno e ao surrealismo, ao participar de
redes que incluíam artistas e intelectuais que participavam desses grupos, Pedrosa se inseriu
em discussões sobre o modernismo nas artes e sobre as relações entre estética e política que o
colocaram em condições de reformular as concepções vigentes sobre o fenômeno artístico nas
décadas posteriores. Nessa perspectiva, cabe sublinhar que, em um período em que Pedrosa
era visto, sobretudo, como um militante político, ele já estava expandindo seu capital social e
cultural e investindo em reflexões sobre arte que certamente contribuíram para a construção
de seu projeto na crítica e nas artes plásticas.
109

CAPÍTULO 3

IDAS E VINDAS DO CRÍTICO: O EXÍLIO NOS ESTADOS UNIDOS

3.1 O período de crise e a constituição de uma “sensibilidade escrupulosa”

No capítulo anterior, o objetivo foi investigar as redes de contato construídas por


Mário Pedrosa entre as décadas de 1920 e 1930, especialmente com artistas e intelectuais
filiados ao primeiro projeto moderno no Brasil, e também com aqueles que viviam no
exterior, como os expoentes do movimento surrealista na França. Além disso, o debate em
torno da obra de um artista como Cândido Portinari e o acerto de contas com aquele projeto,
cujo marco teria sido a Semana de Arte Moderna de 1922, evidenciam também como a
revisão do movimento modernista, juntamente com uma análise da contribuição dos artistas
ligados a ele, foi fundamental para o progressivo reconhecimento de Pedrosa no exercício
judicativo, garantindo a ele um lugar de destaque no meio artístico do país, principalmente, a
partir do final da década de 1940.
Neste capítulo, a experiência de Pedrosa em outros países será considerada um fator
importante na investigação de sua trajetória na crítica de arte. Conforme mencionado, sua
estadia na Europa no final dos anos 1920 impactou seu percurso intelectual, na medida em
que sua relação com artistas surrealistas franceses foi fundamental não apenas para sua adesão
ao movimento de oposição de esquerda, como também para que travasse contato com os
debates acerca das relações entre arte e política que faziam parte da agenda daqueles artistas.
É importante destacar ainda que, no fim da década de 1920, Mário Pedrosa
permaneceu na Alemanha, onde estudou filosofia, sociologia e estética na Universidade de
Berlim. Foi nessa universidade que teve contato pela primeira vez com a teoria da Gestalt, que
desempenhou um papel central em seu pensamento estético e que foi mobilizada por ele
especialmente na década de 1940.149 No decurso de tempo em que viveu na Alemanha, ele
também viu de perto a efervescência cultural e intelectual do país, no contexto das reformas
de modernização e industrialização implantadas na República de Weimar, e também
acompanhou a produção dos artistas ligados ao expressionismo alemão, assim como da

149
Cabe enfatizar que, embora tivesse travado conhecimento com a teoria da Gestalt no fim dos anos 1920,
Pedrosa só vai sistematizar os ensinamentos adquiridos nessa época na década de 1940, por ocasião da escrita de
sua tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte. Nesse sentido, uma hipótese deste trabalho é que, durante
todo esse tempo, isto é, no período compreendido entre o final da década de 1920 e final da década de 1940, ele
esteve envolvido no processo de construção do vocabulário que será utilizado em sua crítica, como será visto
neste capítulo que irá tratar de sua experiência no exílio.
110

gravurista Käthe Kollwitz, sobre quem o crítico escreveu seu primeiro artigo sobre análise
estética em 1933.150
A essa vivência no exterior – que não tinha sido a primeira experiência de Pedrosa
fora do Brasil, visto que ele morou na Suíça durante a adolescência entre 1913 e 1916 –,
acrescenta-se também o período em que ele viveu nos Estados Unidos entre 1938 e 1945.
Essa foi a primeira vez que Pedrosa saiu do país na condição de exilado, após a perseguição
de militantes de esquerda no período posterior ao golpe de 1937, seguindo-se a essa outras
situações em que ele foi expatriado.151 Como será visto adiante, embora o motivo da sua
viagem fosse sua atuação na política, que seria levada adiante em outro país, como havia sido
determinado pelo partido do qual fazia parte no Brasil – o Partido Operário Leninista (POL) –
esse momento também foi considerado de importância capital para sua reaproximação com o
mundo da arte e para sua trajetória na crítica. 152 O fato de ter escrito importantes textos
durante o exílio – sobre Portinari (1942), a coleção Widener nos Estados Unidos (1943), o
compositor Camargo Guarnieri (1943), e o escultor Alexander Calder (1944) – e assumido
uma coluna de artes plásticas apenas um ano após ter retornado ao Brasil, em 1946,
corroboram a hipótese de que Pedrosa teria redefinido suas prioridades nesse decurso de
tempo, ao se afastar da militância política sem, no entanto, abandonar suas ideias de
transformação social que seriam integradas ao seu pensamento estético.
Sua experiência como exilado nos Estados Unidos, entre 1938 e 1945, foi acionada
para elucidar as mudanças de posicionamento de Pedrosa tanto no campo das artes como no
campo da política, e também para explicar como as atividades em áreas tão distintas se
relacionam em sua produção crítica. Marcelo Vasconcelos (2012) elege a condição de exilado
e o cosmopolitismo de Pedrosa como hipóteses centrais na compreensão de sua trajetória. De

150
Em uma carta enviada a Mário de Andrade, quando estava em Berlim, Pedrosa relata sua experiência nessa
cidade: “Tenho visitado museus e exposições. Uma, de desenhos de modernos, do outono passado, uns [George]
Grosz – paisagens de Marselha (algumas aquarelas). Mas ainda não descobri a fase de lirismo dele de que falou
o Segall aí. Não está aqui presentemente. Estou esperando que chegue. Música: tenho sobretudo ouvido Bach,
quando posso [...] Estive para ir para a Rússia, mas adiei a viagem por doença. E ainda não estou bem. Perdi
quase todos os quilos. Provavelmente vou fazer uma cura de repouso em uma destas pequenas cidades ao sul da
Alemanha ou à margem do Reno” (PEDROSA, Mário. [Carta a Mário de Andrade]. Berlim, 1927. Manuscrito.
Fundo Mário de Andrade, Instituto de Estudos Brasileiros, MA-C-CPL, n.5651).
151
Pedrosa ficou exilado também entre 1971 e 1977, passando pelos seguintes países: Chile, México e França.
152
Em 1937, o comitê do POL havia decidido que ele deveria sair do Brasil pelo fato de estar sendo processado
pelo Tribunal de Segurança Nacional. Embora o comitê tivesse deliberado o destino de Pedrosa, que seria os
Estados Unidos, ele vai primeiramente à França onde estava localizado o Secretariado Internacional para o
Movimento da IV Internacional, com o qual seu partido tinha contato. No ano seguinte, durante o Congresso
para a fundação desse movimento, realizado em Paris, Pedrosa era o único representante das dez seções latino-
americanas filiadas, e foi escolhido para se tornar membro do comitê dessa organização. Por ocasião dessa
conferência, também ficou decidido que o comitê deveria se transferir para Nova York, para onde Pedrosa
também foi devido às funções que desempenhava no comitê. Ver Dainis Karepovs (2001).
111

acordo com o autor, o exílio teve uma importância fundamental para sua formação como
crítico de arte, posto que, nos Estados Unidos, ele teria entrado em contato com outra forma
de militância que não se daria exclusivamente pela atuação em partidos, e com os artigos
publicados na revista Partisan Review,153 com destaque para o texto Manifesto por uma arte
revolucionária independente, lançado em 1938, ao qual Pedrosa teria aderido. 154 Esse
manifesto que apresentava as alternativas de Trotski e Andre Breton à instrumentalização da
arte imposta na URSS teria causado um grande impacto em Pedrosa, e seria um dos fatores
explicativos para a sua defesa da arte concreta após seu retorno ao Brasil, juntamente com os
contatos estabelecidos com críticos e artistas norte-americanos.
Embora esses fatores sejam importantes para explicar a atuação de Pedrosa no
exercício judicativo, após seu retorno ao Brasil, o período do exílio também foi descrito por
ele como um momento de crise, como pode ser visto no seguinte depoimento, quando foi
perguntando se a carreira de crítico de arte era uma possibilidade naquele contexto: “Não.
Passei a pensar em crítico de arte na crise de Nova York. É que comecei a achar que a coisa
estava muito preta, muito ruim. A greve, a guerra e tudo mais. Houve uma grande crise no
movimento trotskista e eu comecei a me interessar no movimento da arte. Fui para o Museu
de Arte Moderna [MoMA] para trabalhar no cinema”.155 Mais adiante, Pedrosa prossegue:

O que aconteceu primeiro foi a crise no movimento trotskista. Uma cisão no partido
principal [...] Bem, houve uma cisão e eu estava em Washington, comecei a achar que a
situação era muito difícil, que não havia perspectivas, as piores possíveis, a vitória do
nazismo por toda a parte era tranquila e geral. Aí, depois de muitos anos, eu tive um
encontro, em 1947, com [Giorgio] Morandi (PEDROSA, 1979b).

Chama a atenção o fato de Pedrosa atribuir sua incursão na crítica de arte, a partir de
meados da década de 1940, a uma crise vivenciada durante seu exílio nos Estados Unidos, que
diz respeito a seu rompimento com Trotski em 1940, conforme será visto adiante.
Contrariando as principais hipóteses apresentadas por seus estudiosos sobre o impacto de seu

153
Sobre essa revista, ver o tópico 3.2 deste capítulo.
154
A relação entre as ideias presentes nesse manifesto e aquelas desenvolvidas por críticos norte-americanos
como Meyer Schapiro e Clement Greenberg, na Partisan Review, e os argumentos de Pedrosa sobre o fenômeno
estético serão objeto do próximo tópico deste capítulo.
155
Nessa entrevista concedida a Funarte, em 1979, Pedrosa afirmou que em 1943, após seu retorno à Nova York,
ele ainda teria trabalhado na seção de cinema do escritório do Coordenador de Negócios Interamericanos,
dirigido por Nelson Rockefeller, em substituição a Paulo Duarte na tradução de filmes para guerra, e também no
MoMA. No Rockefeller Arquive Center, localizado em Tarrytow, Nova York, e no arquivo do MoMA não foi
encontrado nenhum registro da participação de Pedrosa. Aproveito para agradecer à arquivista Michelle Elligott
e ao diretor do programa internacional do MoMA, Jay Levenson, pela ajuda durante o período em que estive
fazendo a pesquisa nessa instituição.
112

expatriamento em sua aproximação com a crítica de arte,156 Pedrosa enfatiza uma situação
limite experimentada por ele na condição de exilado que teve uma repercussão no seu
percurso intelectual dali por diante, com ênfase nos movimentos artísticos e com o
investimento na carreira de crítico.
Embora o discurso de Pedrosa em relação à sua aproximação com as atividades
artísticas deva ser relativizado, um importante aspecto que não mereceu a atenção de seus
estudiosos foi esse momento de “crise” como uma etapa fundamental para a reconfiguração
de sua identidade. A experiência no exílio, portanto, aliada à falência de um projeto político
destacada por ele em seu depoimento, desencadeou um processo de crise, principalmente, no
que se refere aos papéis que ele poderia desempenhar dentro de um universo de opções
possíveis naquele contexto. Conforma afirma Velho (1994, p.47): “As trajetórias dos
indivíduos ganham consistência a partir do delineamento mais ou menos elaborado de
projetos com objetivos específicos. A viabilidade de suas realizações vai depender do jogo e
interação com outros projetos individuais ou coletivos, da natureza e da dinâmica do campo
de possibilidade”.
A vivência nos Estados Unidos, portanto, pode ter significado uma abertura no campo
de possibilidade para Pedrosa, especialmente, naquilo que será considerado aqui um segundo
momento da sua trajetória no exílio: se entre 1938 e 1942, o crítico se dedicou a diversas
atividades, tanto no secretariado da IV Internacional como na União Pan-Americana,157 entre
1943 e 1945, o crítico pediu afastamento deste último cargo, partindo novamente para Nova
York. Nesse segundo momento, ele se reaproximou das artes plásticas, passando a conviver
com artistas que terão um impacto marcante em seu projeto no campo da crítica, e a
frequentar exposições de artistas modernos em espaços como o Museu de Arte Moderna de
Nova York (MoMA).

156
Entre essas hipóteses, destaca-se o argumento desenvolvido por Vasconcelos (2012) sobre a relação de
Pedrosa com os círculos sociais organizados em torno da IV Internacional, e também com críticos norte-
americanos como Meyer Schapiro e Clemente Greenberg, que escreviam na revista Partisan Review. Mari
(2006) e Costard (2011) enfatizam a importância das ideias desenvolvidas no Manifesto por uma arte
revolucionária independente, principalmente, no que diz respeito à aproximação do crítico com a tendência
abstrata – que foi fundamental para seu reconhecimento no exercício judicativo.
157
No início da década de 1940, Pedrosa entrou em contato com o diretor-geral da União Pan-Americana, Leo S.
Rowe, que ofereceu ao crítico um posto de tradutor para português na divisão editorial do boletim dessa
instituição, ganhando 3000 dólares ao ano, além de uma posição de taquígrafa inglês-português a Mary Houston,
que ganharia 1800 dólares ao ano (ROWE, L.S. [carta] 1941. 10/03/1941, Washington [para] PEDROSA, Mário.
Rio de Janeiro). De acordo com Muneratto (2011), esse emprego teria alterado a condição de Pedrosa no exílio,
oferecendo condições a ele para atuar como pensador da cultura.
113

Desde sua chegada aos Estados Unidos, quando foi trabalhar no secretariado da IV
Internacional, Pedrosa se dedicou a atividades no Comitê Pan-Americano (PAC), 158 além de
ter entrado em contato com os membros do Socialist Workers Party (SWP), como James P.
Cannon, Max Shachtman, C.L.R. James e Nathan Gould.159 Porém, de acordo com Dainis
Karepovs (2001), as atividades de Pedrosa no PAC foram diminuindo à medida que as
dificuldades financeiras para se manter no país aumentaram, principalmente após a chegada
de sua esposa e filha em 1939. Nesse mesmo ano, ele se transfere com a família para
Washington, onde sua esposa havia conseguido um trabalho de taquígrafa bilíngue no
Departamento de Estado. Após essa mudança, Pedrosa não participou mais das reuniões do
PAC, que, naquele momento, já havia se transformado em Departamento Latino-Americano.
Esse afastamento, no entanto, não teve como resultado o fim de sua participação nas
principais discussões políticas do período. Em 1940, quando já estava em Washington,
Pedrosa publicou dois importantes artigos: A defesa da URSS na guerra atual,160 no boletim
interno do SWP, e Massa e classe na sociedade soviética,161 na revista New International. A
importância desses textos deve-se principalmente ao fato de eles terem manifestado uma
oposição do crítico em relação às ideias de Trotski.162 A discordância contribuiu para seu
afastamento da IV Internacional, após ter sido censurado pelo próprio Trotski e por seus
colegas de militância no Brasil. Após perder o apoio nas fileiras daquele movimento, Pedrosa
decide sair dos Estados Unidos, ainda em 1940, com o intuito de retornar ao Brasil. Primeiro,
porém, passou por alguns países na América Latina. De acordo com Karepovs, seu objetivo
era entrar em contato com outros grupos da IV Internacional. Em 1941, ele chega ao Rio de
Janeiro, onde é imediatamente preso. Seu pai, Pedro da Cunha Pedrosa, obteve a soltura do
filho com a condição de que saísse imediatamente do país.
Esse breve resumo dos anos iniciais de Pedrosa no exílio teve o objetivo de destacar
seu compromisso com as atividades políticas, vide sua atuação como militante na IV
Internacional e a publicação de textos em que se posicionava a respeito do papel da URSS

158
Quando chega aos Estados Unidos, Pedrosa começa a trabalhar no Comitê Pan-Americano (PAC). Segundo
Karepovs (2001, p.109), esse órgão “tinha por incumbência manter correspondência com as seções da América
do Sul e editar boletins em espanhol com as traduções dos textos mais importantes publicados na imprensa
trotskista internacional”.
159
Durante minha estadia em Nova York, entre novembro de 2011 e maio de 2012, consultei o arquivo com
documentos do Socialist Workers Party, e de seus membros, como Max Shachtman, localizado na Tamiment
Library, da Universidade de Nova York. Não encontrei, entretanto, nenhum documento que fizesse referência à
atuação política de Pedrosa nos Estados Unidos, juntamente com outros integrantes desse partido.
160
No original, The defense of the U.S.S.R. in the present war.
161
No original, Mass and class in Soviet society.
162
Enquanto Trotski caracterizava a URSS como um estado operário degenerado, e que, portanto, deveria ser
defendido em caso de guerra, Pedrosa questionava o apoio incondicional ao país.
114

durante a guerra. Todavia, sua dedicação à militância política será interrompida após a crise
no “movimento trotskista” gerada, principalmente, pelas disputas no interior da IV
Internacional. Se essa “crise” não significou seu afastamento das questões ligadas à política,
pode-se dizer que ela deu ensejo para que Pedrosa refletisse acerca do papel que vinha
desempenhando até então, redefinindo, portanto, os projetos nos quais faria um investimento
intelectual. Esse investimento em novos objetivos, com projetos no campo da crítica que
seriam vistos nos anos seguintes, teria relação com a própria experiência do exilado e do
“estado de ser descontínuo”, tal como afirma Edward Said (2003, p.54): “Grande parte da
vida de um exilado é ocupada em compensar a perda desorientadora, criando um novo mundo
para governar. Não surpreende que tantos exilados sejam romancistas, jogadores de xadrez,
ativistas políticos e intelectuais. Essas ocupações exigem um investimento mínimo em objetos
e dão um grande valor à mobilidade e à perícia”.
Essa redefinição de projetos pode ser vista ainda em 1941, quando Pedrosa retorna a
Washington com sua família, onde ele passa a trabalhar como tradutor na União Pan-
Americana. No período em que viveu nessa cidade, Pedrosa publicou três artigos no boletim
dessa instituição na condição de membro do conselho editorial: sobre o compositor brasileiro
Camargo Guarnieri, 163 sobre o pintor Cândido Portinari e outro sobre a coleção Widener
doada à Galeria Nacional de Artes de Washington. Além disso, nesse período, Pedrosa
também retomou o contato com Portinari, quando o artista foi convidado para pintar os
murais da Fundação Hispânica da Biblioteca do Congresso. Essa reaproximação gradual com

163
É importante destacar a convivência de Pedrosa com Camargo Guarnieri durante seu exílio nos Estados
Unidos. Essa relação pode ter sido um dos fatores que motivou o artigo do crítico sobre o artista, publicado em
1943. Em uma carta do compositor para Mário de Andrade, ele diz: “Antes de me instalar aqui, estive uma
semana em Washington, na casa de Mário Pedrosa. Que camarada formidável! Fizemos muito boa
camaradagem. Estamos no carteado, a propósito, polemicando sobre arte. Ele é muito seu amigo.
Constantemente falamos de você. A Mary, que criatura encantadora, não? Felizmente, parece que agora estão
bem de vida. Todas as noites ficávamos conversando até altas horas, relembrando os tempos passados... Ele me
emprestou seu último livro de poemas: Poesias” (GUARNIERI, 1943 apud SILVA, 2001, p.291-292). Cabe
ainda enfatizar a possibilidade que Pedrosa encontrou de conviver com artistas brasileiros que passaram períodos
no exterior, como Guarnieri, Portinari e sua cunhada Elsie Houston – que vivia em Nova York desde 1937. Essa
convivência deve ser compreendida no contexto da Política da Boa Vizinhança, vigente durante o governo de
Franklin Roosevelt nos Estados Unidos, entre 1933 e 1945. Nesse período, houve uma mudança da política
externa norte-americana, com o incentivo ao intercâmbio cultural entre os países da América Latina, por meio do
Office of the Coordenator of Inter-American Affairs (OCIAA), criado em 1940, e chefiado por Nelson
Rockefeller. Esse órgão firmava alianças com instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York, que
chegou a promover um festival de música brasileira e uma mostra com obras de Cândido Portinari, em 1940. Em
1939, o Brasil já havia participado com um pavilhão na Feira Mundial de Nova York, que havia sido projetado
por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, além de contar com três painéis de Portinari. A própria ida de Guarnieri para
os Estados Unidos aconteceu dois anos após ele ter conhecido o compositor norte-americano Aaron Copland,
que havia vindo ao Brasil em 1941, como integrante da missão oficial do governo norte-americano. O momento
favorável à divulgação de trabalhos de artistas brasileiros nos Estados Unidos e a presença desses artistas em
solo norte-americano também são fatores que devem ser levados em consideração caso se queira compreender a
aproximação de Pedrosa com as atividades artísticas a partir de 1940, durante sua vivência no exílio.
115

o mundo das artes a partir de seu retorno aos Estados Unidos seria confirmada nos anos
posteriores, principalmente a partir de 1943, quando pede afastamento de seu cargo na União
Pan-Americana para retornar a Nova York.
O segundo momento de seu exílio, definido aqui como o período que Pedrosa retorna
a Nova York, em 1943, vai ser considerado uma etapa crucial para a redefinição de sua
identidade, dessa vez com o investimento na crítica de arte. Nesse contexto, ele expandiu suas
redes de contato com artistas norte-americanos e de outros países que residiam no país.
Embora ele tenha afirmado em uma entrevista concedida ao Projeto Memória do Instituto
Nacional de Artes Plásticas, em 1979, que seus interesses na década de 1940 ainda estavam
no terreno da política, cabe relembrar que em 1942 ele havia publicado um importante texto
sobre Portinari, além de ter convivido com o artista. Nesse mesmo ano, ele ainda visitou duas
exposições no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA): a de Joan Miró e outra de
Salvador Dalí. Nessa entrevista, Pedrosa também enfatizou que chegou a conhecer Dalí por
intermédio de sua cunhada, Elsie Houston, que tinha contato com um colecionador dos
trabalhos dele.164 Esse encontro e as comparações feitas por ele entre os trabalhos de Dalí e
Miró deram origem a seu artigo Salvador Dalí ou a paranoia dirigida.165
Uma hipótese apresentada aqui diz respeito ao fato de que a aproximação com
exposições de artistas estrangeiros e a oportunidade de comparar produções artísticas
diversificadas teriam contribuído para que Pedrosa acumulasse um cabedal cultural que lhe
permitiu desempenhar o papel de crítico de arte quando de seu retorno ao Brasil. Isso pode ser
visto, por exemplo, no texto publicado em 1943, no Boletim da União Pan-Americana,
intitulado A coleção Widener na Galeria Nacional de Artes nos Estados Unidos. Nele,
Pedrosa comenta as obras que teve oportunidade de ver nessa galeria, mencionando,
principalmente, as pinturas e esculturas de artistas de diversas tendências como Rembrandt,
Vermeer, El Greco, Ticiano, Donatello, Giovanni Bellini, Andrea Del Castagno, entre outros.
Comparando com o meio artístico brasileiro naquele momento, onde as exposições com obras
de artistas estrangeiros eram raras, a oportunidade que ele encontrou de ver de perto os
pintores e escultores mencionados pode ser considerada um dos fatores que contribuiu para
que ele investisse novamente na análise estética.
Além de chamar a atenção para as obras com as quais ele teve contato no exterior, o
artigo também lança luz para outro fator importante de sua produção crítica. Conforme já

164
Cabe destacar mais uma vez a importância de Elsie Houston exercendo o papel de mediadora entre Pedrosa e
artistas e intelectuais. No momento em que Pedrosa retornou a Nova York, ela vivia nessa cidade e pode ter
contribuído para que ele se inserisse no meio artístico local.
165
Este texto não foi encontrado.
116

mencionado no capítulo anterior, o texto publicado sobre Portinari no mesmo boletim, em


1942, evidenciava uma análise que priorizava os aspectos formais da obra de arte, com
destaque para a composição do quadro e elementos como cor, volume, planos, linhas etc. O
texto de 1943, sobre as obras que foram doadas à Galeria Nacional de Artes, apresenta um
crítico ainda mais preocupado com esses elementos, como é possível ver no trecho a seguir,
quando ele faz referência à obra Davi jovem (1450), de Andrea Del Castagno:

É notável a economia de meios usada pelo artista para alcançar a poderosa fascinação de
seu desenho e de sua composição, patente neste broquel de festa em que a violência de
gestos do vencedor de Golias não lhe faz perder uma elegância quase feminina. O uso
simplificado da linha, da luz, da cor e do espaço dá aqui, de novo, neste exemplar de sua
arte, aquela condensação admirável de composição e de desenho que lhe é característica;
sente-se a dramática dificuldade com que é contido o arrojo de sua linha, nervosa e
serpenteante, e de seus planos atrevidos. No seu tempo, ou logo depois, na Alta
Renascença, acusavam-no de dureza de desenho e crueza na cor; hoje a nossa
sensibilidade plástica está mais inclinada a ver nisso antes uma virtude do que um
defeito, pois denota consistência formal que se retém às portas das pretensas doçuras
naturalistas tão em moda então, e é o segredo de sua sedução sobre artistas e críticos
modernos (PEDROSA, 2000, p.29-30, grifo nosso).

O trecho acima merece destaque pelo fato de ressaltar a preocupação do crítico com os
aspectos plásticos da obra analisada, assim como já havia acontecido com o texto sobre
Portinari no ano anterior. Além disso, ele também enfatiza a contenção formal do artista,
lançando luz para um aspecto que terá destaque na sua produção crítica, qual seja: aquele que
diz respeito à valorização das “formas privilegiadas” nos trabalhos artísticos, justamente
aquelas que seriam mais simples e, portanto, mais fáceis de comunicar.166 Cabe ainda chamar
a atenção para o destaque que Pedrosa dá aos artistas vinculados ao espaço plástico
renascentista, mas que, sob os olhos de uma sensibilidade artística moderna, podem ser
analisados a partir de critérios que não aqueles do tempo em que suas obras foram criadas. Se,
como diz Pedrosa, Del Castagno, na sua época, foi acusado “de dureza de desenho e crueza na
cor”, para os críticos modernos esses elementos vão ser valorizados justamente por conta de
sua simplicidade.167

166
Na tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte, escrita em 1949, Pedrosa define com mais clareza o
critério mobilizado por ele para compreender a percepção estética e para analisar os objetos artísticos: “[...]
Como poderia o pintor saber se sua pintura é boa, pelo menos quanto àqueles aspectos particulares? É nesse
sentido que os teóricos da Gestalt falam de formas privilegiadas, naturais, normais, mais fortemente organizadas,
de tendência à correção das irregularidades etc. [...] No campo perceptivo há, assim, formas privilegiadas:
regulares, simples, simétricas. A forma privilegiada se impõe aos nossos sentidos. A simetria é aí o supremo
diapasão” (PEDROSA, 1979a, p.20, grifo do autor).
167
Quando Pedrosa se debruça sobre a escultura Davi (1440?), de Donatello, o que acontece é justamente o
contrário, isto é, o artista foi admirado em sua época por mobilizar elementos que serão desprezados por essa
sensibilidade artística moderna: “Se no seu tempo ele é aclamado sobretudo pelas realizações em que as curvas e
as formas arredondadas predominam, nos nossos tempos o traço de sua obra que mais envelheceu é a sua
117

Esse breve parêntese para mencionar o texto de 1943 objetiva lançar luz para o fato de
que os marcos para compreender uma mudança na crítica de Pedrosa – que teria passado a
compreender as obras de arte a partir do instrumental da Psicologia da Forma e não mais do
materialismo dialético, como acontecia na década de 1930 –, 168 de acordo com seus
estudiosos, são os dois artigos que ele escreveu sobre o escultor Alexander Calder em 1944. O
texto sobre a coleção Widener, na maioria das vezes, é omitido das análises, dando a
impressão de que, subitamente, o crítico passou a valorizar outros elementos no trato com a
arte moderna.169 O que uma visada tanto no texto sobre Portinari quanto naquele que aborda a
coleção da Galeria Nacional de Artes evidencia, todavia, é que a sua atuação como crítico de
arte passou por transformações graduais e não abruptas, que podem ser relacionadas ao
processo de reconfiguração de identidade em sua experiência no exílio.
Ao enfatizar que não é possível falar de rupturas e mudanças súbitas no que diz
respeito ao investimento de Pedrosa no exercício judicativo, que se acentuou, principalmente,
após seu retorno ao exílio, não se quer desprezar o encontro sui generis do crítico com o
artista Alexander Calder, que deu origem aos textos vistos como um marco na sua defesa de
uma arte abstrata e também na valorização de questões como a autonomia da arte na sua
produção crítica. Ao contrário, a visita à primeira exposição individual do escultor no MoMA
em 1944, e a ida a seu ateliê no mesmo ano – oportunidade que desencadeou uma amizade
entre ambos – 170 também são elementos importantes para compreender o processo de
metamorfose do crítico. Segundo Gilberto Velho:

A metamorfose de que falo possibilita, através do acionamento de códigos associados a


contextos e domínios específicos – portanto a universos simbólicos diferenciados – que os
indivíduos estejam sendo permanentemente construídos. Assim eles não se esgotam numa

preocupação pelo realismo, que procura atingir na imitação literal dos antigos, sobretudo os da Roma de
Augusto. Com ele emerge o realismo estético da Renascença, servo do modelo e do detalhe puramente
descritivo, ditado por considerações não formais” (PEDROSA, 2000, p.30).
168
O léxico do materialismo dialético estaria presente nas análises de Pedrosa feitas na década de 1930, como
aquelas que fez sobre a gravurista Käthe Kollwitz, em 1933, e o pintor Cândido Portinari, em 1935, em que a
compreensão do fenômeno estético estava vinculada à posição de classe dos artistas. Segundo Vasconcelos
(2012, p.09), isso poderia ser associado ao papel que a militância política ocupava na trajetória de Pedrosa
naquele contexto, vide sua aproximação com a oposição de esquerda: “Fortemente influenciado pela oposição de
esquerda, criada por Leon Trostki para opor-se à ascensão stalinista da URSS, sua crítica de arte aparece então
submetida ao materialismo dialético enquanto principal léxico mobilizado, dando às suas críticas um teor
sociológico, o que era, então, pouco usual no Brasil”.
169
De acordo com Arantes (1991, p.31), “Talvez se possa datar de 1944 – justamente dez anos depois da
conferência inaugural sobre Käthe Kollwitz – a total conversão de Mário Pedrosa à causa da arte moderna, em
particular na sua forma mais radical, a da arte abstrata. A ocasião foi novamente a retrospectiva de um grande
artista, no caso, a primeira grande mostra de Calder nos Estados Unidos. De forma bem mais direta do que no
ensaio sobre Portinari, enfrentam as questões estéticas que estavam na ordem do dia: autonomia da arte e
abstração, relações com o mundo científico da técnica, arte e utopia etc.”.
170
A relação de Pedrosa e Calder será objeto do tópico 3.3 deste capítulo.
118

dimensão biológico-psicologizante, mas se transformam não por volição, mas porque fazem
parte, eles próprios, do processo de construção social da realidade (VELHO, 1994, p.29).

A ideia de que o crítico teria passado por uma “metamorfose”, portanto, parece se
aplicar a sua vivência no exílio, na medida em que ela representou um retorno do crítico à
análise estética e também à construção de novas redes que envolveram artistas e intelectuais.
O contexto social encontrado por ele nos Estados Unidos, marcado por uma efervescência
cultural, principalmente, com o debate em torno da arte moderna promovido por críticos
ligados a Partisan Review, e pela vinda de intelectuais exilados da Europa, também não pode
ser desconsiderado. Nesse país, Pedrosa não apenas entrou em contato com artistas e
importantes discussões sobre arte que estavam na ordem do dia, como também retomou seus
estudos sobre a Gestalt, assistindo a conferências de teóricos que haviam se mudado para o
país – Wolfgang Köhler, Max Wertheimer e Kurt Koffka –171 e que desenvolviam estudos
sobre a Psicologia da Forma (ABRAÇOS, 2012, p.59). Em solo norte-americano, portanto,
ele teve a oportunidade de repensar questões com as quais já havia tido contato, como aquelas
relativas à Gestalt, porém em um novo contexto marcado pelo debate sobre as vanguardas
artísticas e sua relação com as questões políticas.172
O contexto encontrado por Pedrosa nos Estados Unidos, portanto, colaborou para que
os conhecimentos e contatos adquiridos por ele fossem reelaborados agora em uma nova
situação, isto é, em um momento em que o debate em torno da arte moderna e suas diversas
tendências estava no auge. Sobre essa ênfase em outros projetos e a importância da
experiência de vida e dos conhecimentos acumulados, afirma Alfred Schutz: “[...] temos de
considerar que não só a extensão, mas também a estrutura do nosso estoque de conhecimento
à mão modifica-se continuamente. O surgimento de uma experiência posterior resulta
necessariamente numa mudança, mesmo que pequena, de nossos interesses principais, e, em
consequência, de nosso sistema de relevâncias” (SCHUTZ, 1979, p.136).
Considerando, portanto, tal como afirma Schutz, que o estoque de conhecimento e os
projetos associados a ele passam por mudanças constantes, essa transformação no “sistema de
relevâncias”, no caso de Mário Pedrosa, não chega a causar estranhamento, principalmente,
quando se tem em vista que ele já participava das discussões sobre arte desde a década de
1920. Nos Estados Unidos, todavia, ele teria enfrentado uma situação de crise, no que diz
171
Wolfgang Köhler, Max Wertheimer e Kurt Koffka foram responsáveis pela criação da Psicologia da Forma,
ou Gestalt. Em meados da década de 1930, eles saíram da Alemanha para fugir das perseguições de Adolf Hitler,
mudando-se para os Estados Unidos.
172
Esse debate será visto no tópico 3.2 deste capítulo, quando a influência do Manifesto por uma arte
revolucionária independente, escrito por Breton e Trotski, e das ideias desenvolvidas por críticos norte-
americanos na obra de Pedrosa forem analisados.
119

respeito a seu investimento nos projetos no campo da política, encontrando, por sua vez, um
ambiente favorável para expandir seus contatos com outros artistas e intelectuais. Além disso,
ele tomou conhecimento de um debate sobre os movimentos de vanguarda encampado pelos
críticos de arte que passaram a assumir posições de destaque naquele país.
Se a experiência no exílio assumiu um destaque aqui para compreender o progressivo
envolvimento de Pedrosa com a crítica artística a partir da década de 1940, é preciso destacar
também aquilo que ele não vivenciou pelo fato de estar fora de seu país de origem, e que
contribuiu para que assumisse uma posição diferenciada no meio artístico quando de seu
retorno ao Brasil. O período em que o crítico viveu no exterior coincidiu com um momento
sui generis no campo artístico e cultural brasileiro, com o envolvimento de intelectuais nos
projetos do governo Vargas, incentivando o desenvolvimento de uma arte preocupada com a
configuração de uma identidade nacional.173 Seu afastamento do país nesse período, portanto,
também significou um distanciamento em relação às preocupações que atingiam os
intelectuais brasileiros naquele contexto.
Enquanto no Brasil, as discussões em torno da relação entre arte e política ficavam no
terreno do incentivo estatal aos projetos de cunho cultural, nos Estados Unidos esse debate era
colocado em um plano completamente distinto, com auxílio de críticos de arte ligados a
revista Partisan Review. No Manifesto por uma arte revolucionária independente, publicado
nessa revista, a defesa da liberdade artística e do papel da arte na transformação da sociedade
colocou em pauta justamente uma nova forma de conjugar política e vanguardas artísticas, o
que pode ter causado um impacto em Pedrosa, caso se considere que ele estava em um
momento de redefinir seus projetos. Segundo Vasconcelos (2012, p.62): “Foi nos Estados
Unidos que Pedrosa foi apresentado a novas possibilidades de militância política, que não
apenas ultrapassaram o bolchevismo como também ultrapassaram os limites da política strictu
sensu”.
A experiência do exílio, portanto, foi fundamental para que Pedrosa redefinisse o
papel que viria a desempenhar, principalmente, após seu retorno ao Brasil. Essa experiência

173
Essa situação de convergência entre cultura e política ficou mais patente no governo Vargas. Nesse
momento, o Estado passou a ser a principal instância de difusão e consagração da produção cultural, tendo como
principal mentor Gustavo Capanema, que ficou à frente do Ministério da Educação e Saúde entre 1934 e 1945.
Nesse ministério, um grupo de intelectuais se dispôs a contribuir na elaboração de projetos culturais do Estado, o
que gerou (e gera) controvérsias, dado o caráter autoritário que o governo Vargas assumiu, principalmente, após
a instauração do Estado Novo, em 1937. Entre os intelectuais e artistas que participaram desse ministério,
destacaram-se aqueles ligados ao movimento modernista. Atraídos pelo privilégio conferido por Vargas ao
âmbito cultural e por suas iniciativas supostamente modernizantes, esses intelectuais não teriam hesitado em
participar do projeto estatal. Sobre essa relação entre intelectuais e Estado, existe uma bibliografia vasta, com
destaque para Daniel Pécaut (1990), Helena Bomeny (2001), Sergio Miceli (1979) e Angela Gomes (2000).
120

deve ser considerada sob os mais diversos aspectos, incluindo aquilo que o crítico não
vivenciou ao se afastar de seu país natal e dos grupos aos quais estava vinculado. Segundo
afirma Said, o exílio pode ser descrito como “uma solidão vivida fora do grupo” – como um
contraponto ao nacionalismo, que diz respeito a uma vida comunal –, em que os indivíduos
podem se recusar a levar uma vida de infelicidade e sentimento de banimento, cultivando, em
vez disso, uma “subjetividade escrupulosa”. Essa parece ter sido a tarefa levada a cabo pelo
crítico no período em que viveu no exterior, o que explica, em parte, a posição que ele viria a
ocupar como crítico no final da década de 1940.
Por fim, é necessário ter em vista também o contexto intelectual encontrado pelo
crítico assim que chegou ao Brasil. Na entrevista concedida ao Projeto Memória do Instituto
Nacional de Artes Plásticas, Pedrosa enfatizou que tinha desejo de voltar ao país com o intuito
de “fazer uma boa carreira”, embora ainda nutrisse, naquela época, o desejo de continuar
militando na fileira socialista por meio da criação de um partido e um jornal independente.174
Já sobre o ambiente que encontrou no Brasil no momento imediatamente posterior à sua
chegada, ele afirma: “Aí, comecei a interessar-me pelas artes e vi que havia muita coisa a
fazer culturalmente em torno da arte moderna que era uma coisa que ainda tinha uma abertura
enorme”.
Para compreender a afirmação de que estava em busca de uma “boa carreira”, é
necessário lembrar que, quando retornou ao Brasil, o crítico estava com 45 anos. Depois de
viver no exílio com poucos recursos, contando com a ajuda da família, e trabalhando como
tradutor em um emprego arranjado por um amigo, Pedrosa ainda não havia se firmado em
nenhuma atividade. Sua atuação como jornalista havia sido interrompida no período em que
residiu nos Estados Unidos. Mesmo com a publicação de dois artigos no Correio da Manhã
em 1944, sua parceria com esse jornal só se concretizaria em 1946. Desse modo, a intenção de
buscar uma “boa carreira” expressa a sua situação em 1945: mesmo tendo exercido diversas
atividades, como jornalista e militante, a sua instabilidade ocupacional era flagrante naquele
momento. Seu afastamento do Brasil durante sete anos só faria agravar essa situação. Seria

174
Em 1945, Mário Pedrosa fundou o semanário Vanguarda Socialista. Além de Pedrosa, que era o diretor da
publicação, o Vanguarda também agregou antigos militantes trotskistas descontentes com a atuação do PCB.
Entre suas principais características, destacam-se: a ausência de vínculos com partidos políticos e a existência de
uma base comum entre seus membros. Sobre o jornal, Loureiro (1984, p.28) afirma: “Vanguarda Socialista se
apresenta como um jornal democrático e independente cujos editores e colaboradores pertencem a diferentes
organizações políticas ou não possuem qualquer vínculo partidário, ou, como dizem as Diretivas, tendo em
comum a ‘mesma base cultural marxista. Dirige-se ‘sobretudo aos jovens proletários e intelectuais’ e visa a
propagandear o socialismo com o objetivo de formar ‘quadros para o futuro’. Como o próprio nome indica é um
jornal para a vanguarda que procurará lançar ideias em torno das quais indivíduos e grupos se organizem para
atuar sobre as largas massas”.
121

necessário, portanto, retomar suas redes de contato e encontrar um nicho onde pudesse
construir uma carreira.
O desejo de construir uma carreira após viver sete anos exilado, somado às
possibilidades encontradas por ele no exterior de se aprofundar nas discussões relacionadas ao
fenômeno estético, contribuiu para que Pedrosa investisse no papel de crítico de arte,
investimento que havia começado ainda no exílio e se intensificou após sua chegada ao Brasil,
quando começou a atuar em uma coluna de artes plásticas no jornal Correio da Manhã.175
Esse investimento, no entanto, não seria possível se Pedrosa não tivesse encontrado aqui um
ambiente favorável para mobilizar o cabedal cultural e teórico adquirido na vivência em
outros países. No campo da política, seu retorno ao Brasil coincidiu com o período de
redemocratização do país, após o fim do Estado Novo. Já no que diz respeito ao cenário
artístico, no final da década de 1940, espaços dedicados à arte moderna foram criados,
aumentando o número de exposições de artistas de diversos movimentos, concretos e
abstratos. Nesse cenário, os embates entre os paladinos das tendências modernas na arte já
haviam substituído a disputa entre os defensores da arte moderna e do academicismo.176 Foi
no interior desse debate que Pedrosa forjou um papel de destaque, ao posicionar-se ao lado
dos artistas na formulação do projeto concretista.
Não foi, portanto, apenas no exílio que Pedrosa passou por um processo de
“metamorfose”, em que suas experiências de vida em outro país alteraram o seu “sistema de
relevância”, com ênfase em um projeto ligado ao exercício judicativo. Não fosse pela
possibilidade de se inserir no Correio da Manhã como crítico de arte e pela abertura
encontrada por ele para se posicionar em relação à situação da arte moderna no Brasil, ele não
teria a oportunidade de investir em outro projeto. Segundo Schutz (1979, p.138): “A
possibilidade prática de desenvolver a ação projetada dentro do quadro imposto da realidade
do Lebenswelt é uma ação característica essencial do projeto. No entanto, ela depende do
nosso estoque de conhecimento à mão na ocasião do projeto”.

175
Ainda no exílio, em 1943, Pedrosa conheceu o proprietário do jornal carioca Correio da Manhã, Paulo
Bittencourt, por intermédio de Niomar Muniz Sodré, esposa de Paulo, surgindo daí o convite para publicar no
jornal. Inicialmente, o crítico foi convidado para ser correspondente do periódico na França, para onde iria em
1945. Porém, seu visto de saída dos Estados Unidos para esse país foi negado, e ele acabou retornando ao Brasil.
176
Sobre o ambiente encontrado por Pedrosa, Zílio (1997, p.18) destaca: “Em 1945, a arte moderna brasileira já
estava implantada culturalmente e as lutas contra o academicismo já não eram o dado mais importante. Surgia
uma nova geração e o debate começava a ser interno ao próprio campo da arte moderna. Não se tratava mais de
uma frente de artistas em torno de uma visão ampla da arte, típica dos primeiros anos de Modernismo, mas da
discussão das suas diversas concepções. Assim, 1945 marca o início de um período que se prolonga até os
primeiros anos da década de 1950, quando, de uma predominância da pintura pós-cubista (e nacionalista), vai-se
passar a um novo período caracterizado pelo abstracionismo”.
122

A relação entre estoque de conhecimento e possibilidades de realização de um projeto


pode ser mobilizada aqui para compreender a atuação de Pedrosa como crítico de arte a partir
dos anos 1940. A experiência de crise no exterior, especialmente no que diz respeito a seu
investimento na militância política, somada ao contexto encontrado por ele no Brasil, com a
intensificação dos debates no interior da arte moderna, contribuíram sobremaneira para a
constituição daquela “subjetividade escrupulosa” da qual fala Said. Já no Brasil, Pedrosa
encontrou a chance de mobilizar os recursos adquiridos em sua vivência como exilado na
formulação de um projeto artístico juntamente com um grupo de artistas jovens que
formariam o núcleo de arte concreta na cidade do Rio de Janeiro, que iria garantir, por sua
vez, a legitimidade de suas concepções acerca do fenômeno artístico.

3.2 O contato com as ideias sobre uma arte revolucionária independente

O ano em que Pedrosa chega a Nova York coincide com a publicação de um


177
importante texto na revista Partisan Review, intitulado Manifesto por uma arte
revolucionária independente. Esse manifesto apresentava algumas questões elaboradas por
Trotski e Andre Breton178 no que se refere à utilização da arte para fins de propaganda política
pela URSS e ao cerceamento da liberdade artística. Alguns fatores evidenciam a importância
desse texto na produção crítica de Pedrosa, especialmente nos seus textos publicados a partir
da segunda metade da década de 1940: em primeiro lugar alguns pontos que são abordados no
manifesto irão aparecer nas análises de Pedrosa sobre o fenômeno artístico, como, por
exemplo, a relação entre arte e política; em segundo lugar, o manifesto chegou a ser publicado
no periódico Vanguarda Socialista, criado pelo crítico quando já encontrava no Brasil. 179

177
Essa revista foi criada em 1934 pelos editores Philip Rahv e William Philips, reunindo, principalmente,
intelectuais próximos ao partido comunista nos Estados Unidos. Em 1936, essa publicação foi suspensa como
uma resposta dos intelectuais ligados à revista a diversos acontecimentos ligados às esferas da arte e da política.
Ao cancelarem provisoriamente a veiculação do periódico, eles teriam manifestado sua desilusão com as
políticas da União Soviética, especialmente com o pacto Russo-Germânico, e com o Partido Comunista de seu
país, que defendeu uma aliança de classes. No que concerne às artes, o questionamento da qualidade de uma
literatura dita “proletária” e a desconfiança em relação a uma arte de teor nacionalista também concorreu para a
mudança do posicionamento dos membros da revista. Em 1937, a mudança de posicionamento dos intelectuais
da partisan fica evidente após o retorno da publicação. Além da mudança dos editores, a linha da revista sofreu
alterações. Em primeiro lugar, a defesa de uma “literatura proletária” foi abandonada para dar lugar a seguinte
posição: a literatura moderna deveria ser livre de todas as interferências políticas.
178
Embora o manifesto tivesse a assinatura de Trotski e Diego Rivera, as ideias apresentadas ali expressam as
posições do primeiro e de um dos fundadores do movimento surrealista, Andre Breton, em relação ao fenômeno
estético.
179
Segundo Vasconcelos (2012: 116), o manifesto foi publicado de forma pioneira no periódico Vanguarda
Socialista, em 1946 (ed. 26). O autor ainda destaca que embora o crítico não tivesse publicado nenhum texto na
seção de artes desse semanário, suas posições estéticas ficariam claras no Vanguarda, observando os textos
escolhidos para figurar no periódico.
123

Conforme será visto adiante, as posições adotadas pelo crítico em relação ao realismo
socialista no final dos anos 1940, e a defesa de um papel transformador para a arte, que ele
começa a adotar, sobretudo, a partir da publicação dos dois textos sobre Alexander Calder
ainda no exílio, seriam indícios de que aquele manifesto teve um impacto no processo de
redefinição da identidade do crítico, assim como outros importantes artigos publicados por
críticos norte-americanos no período, que desempenharam um papel central na discussão
sobre arte moderna nos Estados Unidos.
Sobre a publicação desse manifesto, em uma carta que escreveu para a revista em
1938, Trotski afirma que foi convidado para publicar um texto na Partisan Review em que
apresentasse suas posições acerca das artes, iniciativa que ele não tomava desde o lançamento
do seu livro Literatura e revolução em 1923.180 Esse convite também expressaria as posições
dos editores da Partisan Review que, desde 1937, quando a revista passou a circular
novamente após a interrupção de um ano, estariam obcecados com a seguinte questão: como
as artes podem manter sua atitude revolucionária e incorporar as descobertas do modernismo?
(GUILBAUT, 1985). Diante das críticas ao regime stalinista, que usava a arte como
instrumento de propaganda, Trotski foi chamado a debater o problema da criação artística em
um contexto de crise como aquele em que a liberdade dos artistas estava sendo colocada em
risco.181
O diagnóstico de crise é um dos primeiros pontos abordados por Trotski e Breton no
manifesto. Antes mesmo de mencionar os problemas ligados ao universo artístico, os autores
buscaram fazer uma breve discussão do contexto político da época com o intuito de explicar a

180
Embora o manifesto tivesse sido publicado na Partisan Review, após o pedido dos editores para que Trotski
se manifestasse a respeito do estado das artes naquele momento, as ideias desse autor não estavam em total
consonância com a linha editorial adotada pela revista. Tanto que na carta enviada por ele à publicação, Trotski
admite que estava em desacordo com a ausência de um posicionamento político explícito da revista, citando o
trecho da carta de um leitor que afirma serem os grupos de oposição, incluindo os trotskistas, “anêmicos
separatistas”. Ainda que tivesse sido criada por antigos membros do Partido Comunista, ainda em 1934, a revista
voltou a circular em 1937 – após ter sua circulação suspensa pelos seus próprios editores durante um ano – em
novas bases, declarando independência em relação a facções políticas. De acordo com Kurzweil (1996, p.03),
com exceção de um dos editores do periódico, Dwight Macdonald, eles não se tornaram trotskistas após o
desligamento do PC. No editorial da revista em 1937, os editores afirmam: “That we do not consider ourselves
‘trotskyists’ and that Partisan Review hás been founded precisely to fight the tendency to confuse literature and
party politics – these facts Comrade Jerome chooses to ignore” RIPOSTES, 1937 apud KURZWEIL, 1996: 03).
181
Nessa carta, Trotski faz críticas ao realismo socialista, afirmando que essa tendência não passava de uma
expressão do declínio da luta do proletariado pela emancipação, além de reforçar que a função da arte é
determinada pelas suas relações com a revolução, endossando a posição que ele já havia demonstrado no
manifesto. Diogo Rivera aparece como exemplo do artista engajado na luta de classes e que ao mesmo tempo
produz obras de arte. De acordo com Trotski, Rivera foi o grande intérprete da Revolução de Outubro. Por outro
lado, sem ela, sua obra não teria nenhuma profundidade: “Without October, his power of creative penetration
into the epic of work, opression, and insurrection would never have attained such breadth and profundity. Do
you wish to see with your own eyes the hidden springs of the social revolution? Look at the frescoes of Rivera.
Do you wish to know what revolutionary art is like? Look at the frescoes of Rivera”. (TROTSKI, 1938 apud
KURZWEIL, 1996, p.17).
124

posição ocupada pelos artistas naquele momento: “Atualmente, é toda a civilização mundial,
na unidade do seu destino histórico, que vacila sob a ameaça das forças reacionárias armadas
com toda a técnica moderna. Não temos somente em vista a guerra que se aproxima. Mesmo
agora, em tempo de paz, a situação da ciência e da arte se tornou absolutamente intolerável”
(BRETON; TROTSKI, 1938 apud FACIOLI, 1985, p.35).
No contexto descrito pelos autores, haveria também a necessidade de preservar as
criações artísticas e intelectuais que teriam o papel de contribuir para o desenvolvimento de
um “conhecimento geral”, acumulado pela humanidade, e para o processo revolucionário. Na
carta que escreveu para a Partisan Review, no mesmo ano da publicação do manifesto,
Trotski coloca ainda mais ênfase nesse ponto, ao afirmar que a função da arte naquela época
seria determinada por sua relação com a revolução. Todavia, se, no manifesto, Trotski e
Breton admitem que as atividades artísticas teriam um papel significativo para as
transformações políticas que entrariam em curso, isso não significa que elas deveriam se
submeter a outras esferas fora de seu campo de atuação. Ao contrário, como expressão da
necessidade do homem por uma vida harmoniosa e completa, seria imprescindível “zelar para
que seja garantido o respeito às leis específicas a que está sujeita a criação intelectual”
(BRETON; TROTSKI, 1938 apud FACIOLI, 1985, p.36).
Comparando os dois textos publicados no mesmo ano – a carta e o manifesto –, é
possível perceber que o equilíbrio entre a defesa das leis que regem a atividade artística e o
seu papel no processo revolucionário não é tão fácil de ser concebido. Enquanto no manifesto
a intenção é preservar a criação artística das pressões políticas sofridas em países regidos por
governos autoritários, como a URSS de Stalin e a Alemanha de Hitler, na carta Trotski deseja
enfatizar a necessidade de artistas e intelectuais se posicionarem de forma explícita em um
contexto de crise. A menção a Diego Rivera na carta – que não é citado no manifesto – deixa
patente justamente sua intenção em demonstrar que a arte deveria expressar também a luta de
classes em vez de se tornar um objeto passivo de contemplação estética.
Ao sofrer as coerções impostas pelos regimes políticos, que querem utilizar a arte
como arma de propaganda, o artista não poderia ser indiferente às lutas que movimentam a
sociedade. É nesse sentido que os autores do manifesto negam que estejam partindo em defesa
de uma “arte pura”, identificada por eles como expressão de um “indiferentismo político”:

[...] nós temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influência sobre
o destino da sociedade. Consideramos que a tarefa suprema da arte em nossa época é
participar consciente e ativamente da preparação da revolução. No entanto, o artista só pode
servir à luta emancipadora quando está compenetrado subjetivamente de seu conteúdo
social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e
125

quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior (BRETON;
TROTSKI, 1938 apud FACIOLI, 1985, p.43).

O objetivo de Trotski e Breton, portanto, não era defender a liberdade artística em


detrimento de qualquer vínculo da arte com as questões políticas, e sim alçar a arte a uma
nova posição, diferente da que era destinada a ela em países como a Alemanha e a URSS,
onde as atividades artísticas estavam presas a modelos prontos, esquemas fixos, que
impediam a livre expressão. Por oposição ao papel desempenhado pelas atividades do espírito
nesses países, Breton e Trotski tentaram estabelecer um equilíbrio entre a liberdade de
expressão e a função social da arte, que ficaria expresso nas palavras finais do manifesto,
quando os autores resumem suas intenções: “O que queremos: a independência da arte – para
a revolução –; a revolução – para a liberação definitiva da arte” (BRETON; TROTSKI, 1938
apud FACIOLI, 1985, p.46).
Na medida em que as ideias de Trotski e Breton não representavam um consenso sobre
a relação entre arte e política, que parecia ser um campo em disputa naquele momento, é
necessário atentar para a importância dos críticos de arte ligados a Partisan Review na
condução de um debate em torno dos vínculos que uniam essas duas esferas. Em 1937, o
crítico Meyer Schapiro 182 apresentou o texto Nature of abstract art na revista Marxist
Quaterly, cuja importância pode ser atribuída ao fato de ter sido uma tentativa de dar voz aos
artistas que já começavam a criticar as diretrizes do Partido Comunista. Em 1939, outro
importante crítico, Clement Greenberg, 183 publicou Avant-garde and Kitsch na Partisan
Review, influenciado pelas ideias de Trotski e Breton, defendendo, porém, uma concepção
elitista de arte em detrimento da cultura de massa, conforme será visto adiante.
Antes mesmo da publicação do manifesto, portanto, já existia um debate sendo
conduzido por intelectuais norte-americanos a respeito dos vínculos entre a arte e as esferas
social e política e sobre as diversas tendências da arte moderna, como a arte abstrata e o
realismo. O texto de Schapiro Nature of abstract art, já era uma resposta a outra publicação,

182
Meyer Schapiro (1904-1996) nasceu na Lituânia, mas migrou para os Estados Unidos com seus pais aos três
anos de idade. Em 1935, ele terminou seu doutorado em Columbia e no ano seguinte tornou-se professor
assistente nessa instituição. Nesse período, ele já era conhecido no círculo de intelectuais nova-iorquinos como
historiador da arte. Juntamente com Clement Greenberg e Harold Rosenberg, ele participou da agitação
intelectual que teve início na década de 1930 em Nova York, onde defendeu as posições políticas de esquerda e
o modernismo na arte e na arquitetura.
183
Clemente Greenberg (1909-1994) teve uma importância fundamental para o reconhecimento mundial da arte
moderna norte-americana, notadamente aquela que vai ser denominada expressionismo abstrato. Filho de
imigrantes lituanos de origem judaica, ele nasceu em Nova York, onde também se graduou em literatura inglesa
pela Universidade de Syracuse, em 1930. Após terminar a faculdade, ele estabeleceu contato com diversos
escritores e críticos, participando do círculo de intelectuais dessa cidade. Sua reputação como crítico, no entanto,
começou a se delinear após iniciar sua colaboração na revista Partisan Review, a partir de 1937.
126

intitulada Cubism and abstract art, de Alfred Barr.184 Embora ambos os textos tratassem da
ascensão da arte abstrata, a diferença entre os dois repousava no fato de que Barr, de acordo
com Schapiro, abordava essa tendência desconsiderando os aspectos sociais e históricos que
permitiram seu surgimento: “[...] a história da arte moderna é apresentada como um processo
interno, imanente dos artistas; a arte moderna surge segundo o autor, porque a arte
representativa estava esgotada” (SCHAPIRO, 2010, p.253).
Schapiro, ao contrário de Barr – que tributaria as mudanças no meio artístico a uma
transformação das suas leis internas, com as disputas entre artistas e movimentos artísticos, e
ao esgotamento de determinada tendência –,185 não admite a independência total do artista em
relação a seu ambiente social, assim como também discorda da existência de uma “arte pura”:
“[...] não há ‘arte pura’, não condicionada pela experiência; toda fantasia e construção formal,
mesmo garatujas aleatórias, são moldadas pela experiência e por preocupações não estéticas”
(SCHAPIRO, 2010, p.260). Essa categoria, no entanto, foi mobilizada por Barr e Trotski de
maneiras distintas: o primeiro partindo em sua defesa e o segundo criticando a existência de
uma manifestação artística descolada de propósitos revolucionários.186
Segundo Guilbaut (1985, p.24), o texto de Schapiro Nature of abstract art respondia
não apenas às ideias defendidas por Barr, especialmente aquela que diz respeito à
independência do artista, mas também àquelas veiculadas por intelectuais ligados ao Partido
Comunista, que diziam ser a arte abstrata presa em uma torre de marfim, completamente
descolada da vida social.187 Ainda segundo o autor, a importância do artigo de Schapiro diz

184
O norte-americano Alfred Barr Jr. atuou como historiador da arte e se destacou como primeiro diretor do
Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), permanecendo nessa instituição entre 1929 e 1968. De acordo
com Sabrina Sant’Anna (2009), durante esse período, a imagem do MoMA se confundia com a figura de Barr,
que auxiliou na construção de um discurso em torno da “missão” do museu. Inicialmente, essa missão foi
definida como uma superação do hiato entre as conquistas artísticas promovidas pelos movimentos de vanguarda
e a aceitação dessas conquistas pelo público. Sobre o texto Cubism and abstract art, ele foi publicado por Barr,
em 1936, como introdução do catálogo de uma mostra com o mesmo nome que foi realizada no MoMA naquele
ano.
185
No texto Cubism and abstract art, Alfred Barr faz a seguinte afirmação sobre o surgimento da arte abstrata:
“The more adventurous and original artists had grown bored with painting facts. By a common and powerful
impulse they were driven to abandon the imitation of natural appearance” (BARR, Alfred. Cubism and abstract
art. Nova York: MoMA, 1936. Catálogo de exposição, 02 mar.-19 abr. 1936,. p.11).
186
Alfred Barr menciona a categoria “abstração pura” para diferenciar os artistas que utilizam figuras
geométricas em suas composições daqueles que partem de formas naturais para chegar a essas figuras abstratas:
“To resume: pure abstractions are those in which the artist makes a composition of abstract elements such as
geometrical or amorphous shapes. Near-abstractions are compositions in which the artist, starting with natural
forms, transforms them into abstract or nearly abstract forms. He approaches an abstract goal but does not quite
reach it” (BARR, Alfred. Cubism and abstract art. Nova York: MoMA, 1936. Catálogo de exposição, 02 mar.-
19 abr. 1936, MoMA. p.12-13).
187
Segundo Guilbaut (1980, p.62), sobre o texto de Schapiro: “[...] his celebrated article Nature of abstract art,
important not only for its intelligent refutation of Alfred Barr’s formalist essay Cubism and abstract art but also
for the displacement of the ideology of his earlier writing, a displacement that would subsequently enable the left
to accept artistic experimentation, which the communist Popular Front vigorously opposed”.
127

respeito ao fato de que deu voz aos intelectuais que já começavam a criticar o Partido
Comunista e sua política para as artes. Assim como os editores da Partisan Review
apresentavam sua nova linha editorial, a partir de 1937, afirmando que defendiam uma
independência das manifestações artísticas em relação a facções políticas – embora tivessem
consciência da responsabilidade de intelectuais e artistas no processo revolucionário –, o autor
de Nature of abstract art parecia também discordar da relação mecânica e estreita entre arte e
política proposta pelos membros do PC.
O texto de Schapiro também apresenta seu posicionamento em relação à oposição
entre a arte realista e a arte abstrata, que, segundo Barr, explicaria o desenvolvimento da arte
moderna. A oposição fundamenta-se na ideia de que a arte realista “é um espelhamento
passivo das coisas”, e “essencialmente não artística”, enquanto a arte abstrata é “uma
atividade puramente estética”, e está “baseada em suas próprias leis internas”. Contra esse
argumento, Schapiro afirma que em matéria de arte não existiria uma representação passiva
do mundo exterior, o que impossibilitaria vislumbrar a ascensão da arte abstrata apenas como
superação do realismo pictórico:

Tanto o realismo quanto a abstração afirmam a soberania da mente do artista, o primeiro na


capacidade de recriar minuciosamente o mundo num campo limitado e intimista, por meio
de séries de cálculos abstratos de perspectiva e gradação de cor, a segunda na capacidade de
impor novas formas à natureza, de manipular livremente os elementos abstratos de cor e
linha, ou de criar formas correspondentes a estados de espíritos sutis. Mas assim como uma
obra não tem garantia estética por assemelhar-se à natureza, tampouco a tem por sua
abstração ou “pureza”. As formas abstratas e naturais constituem igualmente matéria-prima
para a arte, e a escolha de uma delas decorre de interesses historicamente mutáveis
(SCHAPIRO, 2010, p.260).

Contrário à ideia de que existiria uma forma pura expressa na arte abstrata, Schapiro
enfatiza que a diferença entre a abstração e o naturalismo repousa no fato de eles
privilegiarem um determinado elemento plástico – como cor, superfície, contorno, entre
outros – e adotarem métodos distintos no processo de criação artística. Se a arte realista não
pode ser descrita como uma “representação fac-símile da natureza”, a abstração também não
se caracteriza por um desligamento completo das referências exteriores. Conforme afirma o
autor: “Ao desprezar ou distorcer drasticamente as formas naturais, o pintor abstrato emite um
juízo sobre o mundo exterior” (SCHAPIRO, 2010, p.262).
Outro aspecto importante do texto de Schapiro é a aproximação feita por ele entre a
arte abstrata e aquela produzida pelas crianças, esquizofrênicos e “artistas primitivos”, que,
conforme será visto mais adiante, é uma questão que assumiu uma importância capital no
pensamento crítico de Mário Pedrosa. De acordo com Schapiro, esse tipo de produção
128

artística era desprezada pelos críticos, todavia, com a ascensão da abstração na arte, eles
modificaram sua postura, considerando essas obras de arte uma evidência de que o sentimento
e a liberdade do artista teriam precedência sobre o mundo representado. 188 Em vez da
referência ao mundo exterior, o artista teria agora a possibilidade de libertar sua fantasia sem
fazer uma referência direta ao mundo físico: “Se hoje um pintor abstrato parece desenhar
como uma criança ou um louco, não é porque seja infantil ou louco. Está apenas valorizando,
como qualidades relacionadas com os seus próprios objetivos de liberdade de imaginação a
espontaneidade desapaixonada e a falta de preocupação técnica da criança, que cria apenas
para si mesma [...]” (SCHAPIRO, 2010, p.263).
Schapiro reforça as afinidades que os artistas modernos têm com a “arte primitiva”,
que distorce as figuras e valoriza as fantasias. Além disso, o crítico também enfatiza que, mais
do que uma aceitação puramente estética dos trabalhos dos artistas ditos primitivos, estavam
em jogo também outros valores que não apenas os artísticos, uma referência a uma mudança
nas “concepções gerais da vida”: “o novo respeito pela arte primitiva foi progressivo, no
sentido de que as culturas dos selvagens e outros povos atrasados passaram a ser vistas como
culturas humanas, e a alta criatividade, longe de ser prerrogativa das sociedades avançadas,
era atribuída a todos os grupos humanos” (SCHAPIRO, 2010, p.264).
As questões levantadas por Schapiro nesse texto merecem destaque pelos seguintes
aspectos: por ele ter dado voz aos intelectuais já descontentes com a política artística adotada
pelo Partido Comunista; pela crítica a Alfred Barr e sua ênfase na forma pura em detrimento
dos aspectos sociais que cercam a produção artística; e pela valorização da arte produzida
pelos “povos primitivos”. Além disso, assim como Trostki e Breton no Manifesto por uma
arte revolucionária independente, Schapiro não deixa de lado as conexões entre o fenômeno
artístico e as esferas social e política, destacando as condições históricas que possibilitam o
surgimento de novas tendências na arte. Seu texto também já evidencia um posicionamento
no debate entre defensores do realismo e da abstração na arte. Ao afirmar que a arte abstrata
não está segregada da realidade social, isto é, não está presa em uma torre de marfim,
Schapiro fornece argumentos em defesa do abstracionismo.

188
Cabe destacar que o interesse pela “arte primitiva” não era recente, considerando que, entre o final do século
XIX e o início do século XX, de acordo com Villas Bôas (2008, p.209), “parte importante do campo artístico
europeu se viu tomada pelo debate sobre autenticidade, pureza e espontaneidade da produção dos ‘povos
primitivos’ da África, da Oceania e da América”. Ainda segundo a autora, a experiência do assistente da Clínica
Psiquiátrica da Universidade de Heidelberg, Hans Prinzhorn, nas primeiras décadas do século XX, que reuniu a
produção artística dos esquizofrênicos e defendeu o caráter inato da expressão artística, encontrou acolhida entre
um grupo de artistas, entre os quais se destacaram Paul Klee, Andre Breton, Paul Eluard, Mar Ernst, entre outros.
129

A importância do artigo de Schapiro e do manifesto de Trotski e Breton pode ser vista


também nas ideias apresentadas por Clement Greenberg no texto Avant-Garde and Kitsch,
publicado em 1939, na revista Partisan Review. 189 Nele, Greenberg não apenas retoma
algumas questões presentes no manifesto, especialmente aquelas que dizem respeito a um
contexto de crise que afetaria a produção artística, mas também discute as relações entre arte e
os aspectos sociais e políticos. Além disso, posiciona-se de maneira explícita a favor de uma
arte de caráter abstrato como resposta à decadência da cultura burguesa, conforme será visto a
seguir.
Os vínculos entre a produção artística e seu contexto histórico e artístico são
enfatizados logo no início do texto pelo autor, quando ele procura responder como em uma
mesma civilização é possível conviverem juntos tanto um poema de T.S. Eliot como uma
canção de cabaré. Para responder a essa questão, Greenberg afirma que é necessário apelar
para um contexto mais amplo em que as manifestações culturais e artísticas são produzidas:
“Parece-me ser preciso examinar mais de perto, e de maneira mais original do que até agora, a
relação entre a experiência estética, tal como vivida por um indivíduo específico [...] e os
contextos sociais e históricos em que essa experiência tem lugar” (GREENBERG, 1997a,
p.27).
Embora indique a intenção de investigar o contexto histórico e social que possibilitou
mudanças significativas nos movimentos artísticos e culturais, Greenberg não explica a
“decadência da nossa atual sociedade”, expondo apenas seu produto, isto é, a polarização
entre uma arte de vanguarda e a cultura Kitsch, essa última como expressão da crise da
sociedade burguesa. As vanguardas, por outro lado, foram defendidas pelo crítico como uma
única cultura viva, que, por isso, deveriam ser preservadas. Por outro lado, por conta de sua
própria “natureza”, isto é, por fecharem-se cada mais em si mesmas, desligando-se de seu
público, as vanguardas acabam correndo o risco de se extinguirem. Segundo o intelectual
norte-americano:

A especialização da vanguarda nela mesma, o fato de seus melhores artistas serem artistas
para artistas, seus melhores poetas, poetas para poetas, afastou grande número dos que
anteriormente eram capazes de apreciar e admirar a arte e a literatura ambiciosas, mas que
agora não têm disposição ou capacidade para se submeter a uma iniciação a seus segredos
do ofício. As massas sempre permaneceram mais ou menos indiferentes à cultura em seu
processo de desenvolvimento. Hoje esta cultura está sendo abandonada por aqueles a quem
realmente pertence: nossas classes dominantes, pois é a elas que a vanguarda pertence.
Nenhuma cultura pode se desenvolver sem uma base social, sem uma fonte estável de

189
Segundo Guilbaut (1980, p. 65): “Inspired by Schapiro’s article, and by an article published in Partisan
Review in the fall of 1938 by Rivera e Breton, Greenberg, who for the moment was allied with Trotskyism,
wrote ‘Avant-Garde and Kitsch’ for Partisan Review in 1939”.
130

receita. E, no caso da vanguarda, isso era providenciado por uma elite interna às classes
dominantes dessa sociedade da qual a vanguarda pretendia estar desvinculada, mas à qual
sempre continuou ligada por um cordão umbilical de ouro. O paradoxo é real. E agora essa
elite está minguando rapidamente. Já que a vanguarda constitui a única cultura viva que
temos agora, a sobrevivência da cultura em geral no futuro próximo está ameaçada
(Greenberg, 1997a, p.31).

Diferente do texto de Schapiro e do manifesto de Breton e Trotski, aquilo que garante


a tônica do artigo de Greenberg é a defesa da arte de vanguarda como salvaguarda da cultura,
identificada com a abstração. Ademais, se Schapiro afirmava que mesmo a arte abstrata era
um ponto de vista em relação ao mundo físico, enquanto os autores do manifesto defendiam a
liberdade do artista, que, no entanto, não deveria abdicar de contribuir para o processo
revolucionário, Greenberg aposta nas manifestações artísticas, cuja única inspiração é o meio
em que trabalham, sem nenhuma referência exterior: “Picasso, Braque, Mondrian, Miró,
Kandinsky [...] retiram sua inspiração principal do meio em que trabalham. O que anima sua
arte parece residir, sobretudo, em sua preocupação exclusiva com a invenção e o arranjo de
espaços, superfícies, formas, cores etc., deixando de lado tudo que não esteja necessariamente
implicado nesses fatores” (Greenberg, 1997a, p.30).
O polo contrário da arte de vanguarda defendida pelo crítico é o Kitsch. Cabe destacar
que o inimigo em Avant-Garde and Kitsch não é o realismo socialista, como afirmava Trotski
na carta publicada na Partisan Review em 1938, e sim outro fenômeno identificado por
Greenberg como produto da Revolução Industrial, da urbanização e da alfabetização
universal. A ascensão das massas urbanas, vistas na figura do proletariado e da pequena
burguesia, teria criado terreno para uma nova forma de cultura que pudesse ser consumida por
essas massas. O fato de ser produzida industrialmente ainda potencializaria os efeitos danosos
dessa manifestação cultural típica da sociedade capitalista. A arte e a literatura populares, as
capas de revista, as ilustrações, os quadrinhos, os filmes de Hollywood, entre outros, são
exemplos da cultura kitsch.190

190
No período em que Greenberg escreveu esse texto, os intelectuais Theodor Adorno e Max Horkheimer –
membros do Instituto para Pesquisa Social, localizado em Frankfurt – viviam em Nova York, após fugirem da
Alemanha, onde estavam sendo perseguidos. Nos Estados Unidos, eles escreveram uma de suas maiores obras, o
livro Dialética do esclarecimento (1947), em que evidenciavam, assim como Greenberg, um processo de
decadência da cultura com a ascensão da “indústria cultural”. A semelhança entre os diagnósticos produzidos
pelos intelectuais alemães e por Greenberg salta aos olhos, como é possível ver no seguinte trecho em que
Adorno e Horkheimer também mencionam o fato de as manifestações artísticas e culturais estarem a serviço da
propaganda política: “Atualmente, as obras de arte são apresentadas como os slogans políticos e, como eles,
inculcadas a um público relutante a preços reduzidos. Elas tornaram-se tão acessíveis quanto os parques
públicos. Mas isso não significa que, ao perderam o caráter de uma autêntica mercadoria, estariam preservadas
na vida de uma sociedade livre, mas, ao contrário, que agora caiu também a última proteção contra sua
degradação em bens culturais. A eliminação do privilégio da cultura pela venda em liquidação dos bens culturais
não introduz as massas nas áreas de que eram antes excluídas, mas serve, ao contrário, nas condições sociais
131

Ainda de acordo com Greenberg, um ambiente propício para essa cultura são os países
com regimes totalitários, como a Alemanha e a União Soviética. Assim como acontece no
manifesto de Breton e Trotski, a instrumentalização das artes também é vista como principal
inimiga para o pleno desenvolvimento das atividades artísticas, embora, diferentemente deles,
o intelectual norte-americano atribua a uma arte livre de referentes externos o papel de
“verdadeira cultura”. Sobre a relação entre a cultura Kitsch e os regimes autoritários, ele
afirma:

De fato, o principal problema com a arte e a literatura de vanguarda, do ponto de vista de


fascistas e stalinistas, não é que sejam demasiado críticas, mas que sejam excessivamente
“inocentes”, sendo difícil injetar-lhes uma propaganda efetiva, ao passo que o Kitsch é mais
maleável para esse fim. O Kitsch mantém um ditador em estreito contato com a “alma do
povo”. Se a cultura oficial ficasse acima do nível geral das massas, haveria o perigo do
isolamento (Greenberg, 1997a, p.39).

Para Greenberg, somente as manifestações artísticas vanguardistas poderiam fazer


frente à indústria cultural. A arte de vanguarda a que ele se refere no texto, todavia, não é
qualquer uma, e sim a arte abstrata, cujos representantes seriam criadores como Picasso,
Mondrian, Cézanne, entre outros.191 A defesa explícita dessa tendência na arte posicionou o
crítico como um dos intelectuais que auxiliou no delineamento de um “paradigma
modernista”, 192
abrindo espaço para ascensão de movimentos artísticos como o
expressionismo abstrato na década de 1940.193

existentes, justamente para a decadência da cultura e para o progresso da incoerência bárbara” (ADORNO;
HORKHEIMER, 1985, p.132).
191
Um ano após a publicação de Avant-Garde and Kitsch, Greenberg reafirmou seu posicionamento em relação
à arte abstrata no artigo Towards a newer Laocoon – que saiu também na revista Partisan Review, em 1940 –,
dessa vez fazendo um breve panorama histórico que teria levado ao desenvolvimento dessa tendência. Nesse
texto, ele menciona como se deu a superação do realismo pictórico e seus desdobramentos para a pintura
moderna, como é possível ver no trecho seguinte: “Na verdade, boa parte dos artistas – senão a maioria – que
deu contribuições importantes para o desenvolvimento da pintura moderna chegou a ela com o desejo de
explorar a ruptura com o realismo imitativo em busca de uma expressividade mais forte, mas a lógica do
desenvolvimento foi tão inexorável que, no final das contas, sua obra não passou de um degrau a mais rumo à
arte abstrata, e a uma maior esterilização dos fatores expressivos. Foi assim, quer o artista fosse Van Gogh,
Picasso ou Klee. Todos os caminhos levaram ao mesmo lugar”. Mais adiante, sobre o texto que escreveu, ele
conclui: “Assim, o que escrevi tornou-se uma apologia histórica da arte abstrata” (GREENBERG, 1997b, p.58).
192
Segundo Nancy Jachec (1998, p.123): “This paradigm understood modernist art as experimental, autonomous
and innovative, and conducted by the subjective yet rational individual”.
193
Sobre a importância de críticos de arte para a consagração de movimentos artísticos como o expressionismo
abstrato, Diane Crane (1987, p.36) afirma: “Before 1948, the Abstract Expressionism were largely ignored by
the New York art magazines, the mass media, and museums generally. A few critics wrote enthusiastically about
them, including Clement Greenberg and James Johnson Sweeney. In addition to writing art criticsm, the latter
became director of painting and sculpture at the Museum of Modern Art in 1945 where he presumably played a
major role in the museum’s decision to acquire and exhibit works by these artists”. Sobre o papel de Greenberg
na legitimação do expressionismo abstrato e de um de seus artistas mais emblemáticos – Jackson Pollock –, Dore
Ashton (1992, p.160) afirma: “What made the first phase of Greenberg’s criticism important in the genesis of the
new American painting was his willingness to speak firmly, and often with keen passion, of the issues that
preoccupied the artist who interested him. His ear for studio talk – always important to a good art critic – was
132

Ainda sobre esse texto, de acordo com T.J. Clark (1997), Greenberg partia de uma
perspectiva marxista, assim como Breton e Trotski, no Manifesto por uma arte revolucionária
independente. Greenberg menciona no final do seu artigo a importância de “citar Marx
palavra por palavra” diante de um contexto de decadência da cultura burguesa e da ascensão
do Kitsch. O vocabulário marxista, contudo, estaria apenas implícito nesse texto e, em vez de
se posicionar a favor de uma arte engajada com o processo revolucionário, tal como os
autores do manifesto, Greenberg afirmou a necessidade de preservar a verdadeira cultura
identificada com a vanguarda – e que nasceu no seio da sociedade burguesa –, mesmo em um
contexto de superação do capitalismo pelo socialismo: “Hoje, já não nos voltamos para o
socialismo na esperança de uma nova cultura – que surgirá inevitavelmente, desde que de fato
tenhamos socialismo. Hoje, nos voltamos para o socialismo simplesmente para preservar a
cultura viva que temos agora, qualquer que seja ela” (GREENBERG, 1997a, p.41).
Se, de acordo com Trotski, a arte deveria estar livre de ligações partidárias, mas não
deveria se abster completamente da política e da vida social, Greenberg via como solução
para a crise cultural a preservação das manifestações artísticas e culturais das disputas
ideológicas, sendo as vanguardas aquelas que poderiam transcender essas disputas, na medida
em que elas estão voltadas para si mesmas, isto é, distanciam-se do grande público e
representam uma “arte para artistas”. É nesse sentido que Guilbaut (1980, p.66) afirma que,
embora utilize um vocabulário marxista em sua análise – que estava em voga entre os
intelectuais norte-americanos na década de 1930 –, Greenberg acabou estabelecendo uma
base teórica para um modernismo de caráter elitista.194
O debate do qual participaram Greenberg e outros críticos, em torno dos vínculos entre
arte e política e também em relação ao papel da arte abstrata em um contexto de crise,
evidencia o momento de efervescência cultural nos Estados Unidos, especialmente em Nova
York, onde foi importante também a presença de diversos intelectuais exilados. Mesmo
alguns membros da Partisan Review, como Greenberg e Schapiro – que não desfrutavam

alert, and his ambition for his chosen artists was tremendous. This ambition made it possible for him to claim,
unabashedly, superior status for Pollock and later for one or two others. It enabled him to declare that Pollock
was ‘great’ (a statement that would have made many another art critic blush), and that there was something
brewing in America that was superior to developments elsewhere. His role as agent provocateur in relation to
general public was indispensable”.
194
Esse elitismo não seria privilégio de Greenberg, foi identificado em outros contribuidores da revista Partisan
Review: “In fact, there were elements of elitism inscribed in Partisan Review’s project from its inception. It
overreacted to vulgarized marxism by assigning high culture its virtually exclusive center of interest and was
rather selective in the modernist writers it promoted. This approach, of course, contradicted Trotsky’s views. His
well-known opposition to a theory of proletarian culture as an official policy of the Soviet Union did not stem
from a lack of interest in creative activity among workers or literary depictions of working-class life” (WALD,
1987, p.95).
133

dessa posição, mas eram filhos de imigrantes judeus, e ocupavam o posto de “outsiders” em
relação às elites dirigentes brancas e protestantes, conforme afirma Pontes (2003, p.44) –,
conseguiram galgar postos importantes no plano cultural e intelectual, especialmente no pós-
guerra, contribuindo para a ampliação do debate em torno da arte moderna, no qual
conseguiram destaque.
Foi nesse contexto de densidade social, 195 movimentado por esses debates, que
Pedrosa pôde travar contato com novas formas de articulação entre arte e política, problema
com o qual já se defrontava desde os seus primeiros escritos sobre arte.196 Em Nova York, ele
também presenciou discussões em torno do realismo pictórico e da abstração, nas quais um
grupo de intelectuais já se posicionava a favor do abstracionismo, buscando justificativas
históricas e sociais para explicar sua predominância naquele contexto, como era o caso de
Greenberg, quando este último afirmou que “a arte abstrata, como qualquer outro fenômeno
cultural, reflete as condições sociais e outras circunstâncias da época em que seu criador vive,
e que não há nada na própria arte, dissociado da história, que a force a seguir numa ou noutra
direção” (GREENBERG, 1997b, p.45).
Se, conforme afirmou Guilbaut, os críticos da Partisan Review viviam em uma espécie
de “não lugar” no campo da política,197 descobrindo no mundo das artes um espaço onde
poderiam atuar de forma bem-sucedida, Pedrosa, que também experimentou no exílio um
momento de redefinição de sua identidade, pode ter descoberto ali uma nova frente de
atuação. Ao ser perguntado sobre o porquê de ter começado a atuar na crítica de arte de forma
mais sistemática após ter retornado do exílio, Pedrosa afirmou que via muito ainda o que fazer
pela arte moderna no Brasil. Uma hipótese defendida aqui diz respeito ao fato de que, ainda

195
De acordo com Randall Collins (1998, p.29), elementos como cosmopolitismo e densidade social, presentes
em um contexto de interação no interior de grupos, interferem sobremaneira no capital cultural adquirido por
indivíduos que tomam parte nessas situações de interação: “Depending on the degree of cosmopolitanism and
social density of the group situations to which they have been exposed, they will have a symbolic repertoire of
varying degrees of abstraction and reification, of generalized and particularized contents. This constitutes their
cultural capital”. No que diz respeito à produção intelectual, ela tenderia a se desenvolver em contextos em que a
densidade das relações sociais aumenta de forma significativa, como era o caso dos grupos intelectuais e
artísticos atuantes na cidade de Nova York durante o período em que Pedrosa esteve exilado. Nesse momento,
essa cidade havia se tornado o centro das atenções, afirmando-se como “capital cultural”: “Paris deixara de ser a
capital cultural do mundo. Nova York, com seus novos movimentos artísticos, sobretudo com o abstracionismo,
seus críticos de arte, seus museus e poderosos mecenas, converteram-se no polo de atração mundial.
Contribuíram para isso não só as instituições locais, respaldadas por suas elites dirigentes, como os novos
círculos de intelectuais nova-iorquinos ligados a Partisan review” (PONTES, 2003, p.34).
196
Segundo Heloísa Pontes (2003, p.33), os editores da Partisan Review teriam sido os principais responsáveis
por renovar “a discussão sobre a relação entre modernismo nas artes e radicalismo na política”.
197
No campo da política, os intelectuais ligados à Partisan Review se encontravam em uma espécie de “não
lugar”, nas palavras de Guilbaut (1985), posto que foram se afastando progressivamente do Partido Comunista
de seu país sem aderir de forma explícita a oposição de esquerda capitaneada por Trotski, que era uma opção às
diretrizes do PC. Todavia, foi no terreno das artes que eles se encontraram, ao discutirem os rumos da arte
moderna norte-americana e contribuírem para seu desenvolvimento.
134

nos Estados Unidos, ele viu no debate em torno do fenômeno artístico um campo em
expansão onde poderia se inserir. Além disso, o fato de os intelectuais nova-iorquinos não
deixarem de lado as questões políticas e sociais, mesmo quando o assunto era as artes, pode
ter contribuído para que Pedrosa visse no exercício judicativo um terreno onde poderia
conciliar seus interesses de militante e intelectual.
Embora não seja possível afirmar em que medida Pedrosa participou desses debates
durante o período que passou exilado, já que não foi possível encontrar nenhum indício de
que ele teve vínculos diretos com aqueles críticos,198 a influência dos textos e das discussões
sobre os laços entre arte e política e a arte abstrata pode ser vista a partir de sua atuação como
crítico de arte ainda nos Estados Unidos, quando escreve sobre o artista Alexander Calder, em
1944, encontrando justificativas para a defesa da arte abstrata no contato com aquele artista.199
Já no Brasil, nota-se essa influência a partir de 1947, quando Pedrosa publica artigos em que
se posiciona de forma contrária ao realismo socialista, em sua coluna no jornal Correio da
Manhã.
Deve-se considerar ainda que Pedrosa já manifestava uma preocupação em relacionar
as atividades artísticas com as esferas social e política desde seus textos sobre arte na década
de 1930, conforme é possível ver em seus artigos sobre Portinari publicados nessa época.200
Nos Estados Unidos, contudo, ele testemunhou a tentativa dos críticos nova-iorquinos de
relacionar a arte abstrata com o contexto histórico no qual viviam, justificando, portanto, que
não haveria necessidade de defender os aspectos literários na obra de arte para que ela
pudesse “emitir juízos sobre o mundo exterior”. Ao contrário, a arte abstrata seria apresentada
como uma opção para um tempo futuro e para os novos valores que entraram na pauta do dia.
Conforme afirma Schapiro, sobre a arte abstrata, em um texto publicado em 1957: “Não foi
uma simples experiência de ateliê ou um jogo intelectual com ideias e tintas; fazia parte de
uma reação mais ampla e profunda aos elementos básicos da experiência comum e ao
conceito de humanidade, que se desenvolvia sob novas condições” (SCHAPIRO, 2010,
p.280).

198
No Archives of American Art, localizado em Washington, onde estão as correspondências de Greenberg, não
existe nenhuma carta ou referência a Pedrosa. Já na seção de livros raros e manuscritos da Universidade de
Columbia, onde está localizado o Fundo Meyer Schapiro, também não foi encontrado nenhum documento que
pudesse indicar a relação de Pedrosa com esse crítico. Todavia, em depoimento ao Núcleo de Sociologia da
Cultura (NUSC), em 2008, a filha de Mário Pedrosa, Vera Pedrosa, disse possuir lembranças de Meyer Schapiro,
da época em que eles viviam exilados nos Estados Unidos. Já em entrevista realizada com a crítica de arte Dore
Ashton, ela disse que Pedrosa e Greenberg não faziam parte do mesmo grupo e que ela desconhece que tenha
havido qualquer contato entre ambos (Entrevista concedida por Dore Ashton a Tarcila Soares Formiga em 2012,
em Nova York, em 25 maio 2012).
199
Os textos que ele escreveu sobre Calder serão analisados no tópico 3.3.
200
Ver tópico 2.3.
135

É preciso lembrar que a vertente da tendência abstrata defendida pelos críticos ligados
à Partisan Review não foi aquela a qual Pedrosa se vinculou após seu retorno ao Brasil.
Enquanto nos Estados Unidos o expressionismo abstrato angariou reconhecimento a partir da
década de 1940 – sendo uma corrente reconhecida pela utilização de “formas abertas, fluidas
ou móveis”, que possuem qualidade “de movimentos excitados que emergem e se modificam
diante dos nossos olhos” (SCHAPIRO, 2010, p.282) –, Pedrosa insistiu na definição de outro
projeto moderno para as artes plásticas no Brasil. Em vez das formas abertas, o crítico iria
defender as formas que possuem um “caráter objetivo”, como o quadrado e o círculo, e que
constroem um espaço onde há “uma clara diferença entre acima e abaixo, o primeiro plano e o
fundo, o próximo e o distante” (SCHAPIRO, 2010, p.282).
Essas diferenças, contudo, não diminuem o impacto que a experiência do exílio teve
na redefinição dos papéis que Pedrosa viria a desempenhar. Ao contrário, essa nova
experiência modificou seu “estoque de conhecimento” e seu “sistema de relevância”. As
ideias da Gestalt, por exemplo, com as quais teve contato ainda na década de 1920, foram
trazidas à tona e reformuladas por ele no contexto de um debate em torno dos vínculos entre a
arte abstrata e o âmbito social. Posteriormente, ele também buscaria as justificativas históricas
para o concretismo, assim como os críticos vinculados à Partisan Review para a vertente que
auxiliaram a legitimar, utilizando as categorias que retirou dos estudos da Gestalt para se
posicionar contrariamente às formas flexíveis e fluidas mencionadas por Schapiro, que faziam
parte do repertório dos expressionistas abstratos. Contudo, vale sublinhar que, em comum,
tanto o concretismo quanto o expressionismo abstrato posicionavam-se em um polo oposto à
facção figurativa na arte.
Com efeito, os desdobramentos da crise vivenciada por Pedrosa no exílio e seu contato
com a efervescência intelectual e cultural de Nova York nos anos 1930 e 1940 somente
podem ser compreendidos quando se analisam os projetos que Pedrosa realizou a partir de
meados da década de 1940, quando sua atuação como crítico se tornou mais sistemática. Se
uma experiência traz “seu próprio horizonte de indeterminação no que se refere ao seu futuro”
(SCHUTZ, 1979, p.134), das opções em aberto e dos papéis disponíveis, o exercício da crítica
apareceu como um posto de atuação em que Pedrosa poderia desenvolver seus projetos,
manter suas atividades como intelectual engajado, além de ocupar uma posição ainda carente
no Brasil, isto é, de crítico paladino da tendência concretista, seguindo o exemplo dos críticos
norte-americanos em relação ao expressionismo abstrato. Antes, porém, de analisar como se
deu sua reinserção no ambiente artístico e intelectual brasileiro, cabe destacar outra etapa da
136

configuração de uma “sensibilidade escrupulosa” ainda no exílio, qual seja: a que marcou sua
amizade com o artista Alexander Calder.

3.3 O crítico e o artista: a relação entre Mário Pedrosa e Alexander Calder

As relações de amizade não podem ser encaradas como um espaço de concordância e


consenso, e como um reforço da autoidentidade, mas devem ser entendidas como “material
para a transformação e criação de si”. Tendo isso em vista, os vínculos de amizade
estabelecidos entre Mário Pedrosa e Alexander Calder, 201 que tiveram início quando o
primeiro ainda estava vivendo no exílio, também podem ser compreendidos como um aspecto
central da reestruturação da sensibilidade pela qual passou Pedrosa e que, de acordo com
Bruno Gustavo Muneratto (2011, p.13), “recondicionou o destino de Pedrosa como crítico de
artes plásticas”, “quando em contato com aquelas novas possibilidades sensoriais da arte
abstrata materializadas nos móbiles do estadunidense Alexander Calder”. Sendo assim, não
foram apenas os debates sobre arte abstrata que tiveram um impacto sobre Pedrosa, mas o
próprio contato com uma produção artística que dificilmente ele teria acesso se estivesse
vivendo no Brasil.
O artista e o crítico se conheceram em 1944, após Pedrosa ter visitado sua exposição
individual no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA). Essa mostra foi a primeira
grande retrospectiva das obras de Calder, desde seus primeiros trabalhos até aqueles mais
recentes.202 Após a oportunidade de ver uma exposição com um panorama do trabalho do

201
Alexander Calder nasceu no dia 22 de julho na Pensilvânia, Estados Unidos. Era filho de pais artistas, sendo a
mãe pintora e o pai escultor. Em 1919, formou-se em engenharia pelo Stevens Institute of Technology,
realizando trabalhos como engenheiro hidráulico e de automóveis. Em 1923, mudou-se para Nova York, onde se
matriculou no Art Students League. Nessa cidade, começou a trabalhar como desenhista na National Police
Gazette, que o enviou para esboçar cenas circenses. Essa experiência no circo despertou o interesse de Calder,
cujos primeiros trabalhos giraram em torno desse universo, utilizando fios de arame. Em 1926, ele se mudou
para Paris, onde teve contato com artistas como Joan Miró, Fernand Léger e Braque, que tiveram uma grande
influência sobre o escultor. Durante esse período na Europa, Calder chegou a participar de algumas exposições
em cidades como Paris e Berlim. Em 1933, ele retornou aos Estados Unidos, dessa vez instalando-se em
Connecticut, onde montou seu ateliê. O retorno a esse país marcou sua consagração como escultor, associando-
se a uma galeria em Nova York, Pierre Matisse Gallery, e o início dos seus trabalhos com os “móbiles” e os
“stábiles”, que o tornaram conhecido. A exposição de 1944, no MoMA, com um texto no catálogo do crítico
James Johnson Sweeney, foi um divisor de águas em sua trajetória artística, que deslanchou a partir de então,
marcando um período produtivo na sua carreira, especialmente, entre os anos 1940 e 1950 (CARANDENTE,
1968).
202
A primeira retrospectiva dos trabalhos de Calder nos Estados Unidos aconteceu em 1938, no Smith Museum,
localizado em Massachussets. Apenas cinco anos após essa exposição o Museu de Arte Moderna de Nova York
(MoMA) apresentou um grande panorama de seu trabalho. Foi nessa ocasião que o crítico James Jonh Sweeney
publicou um ensaio sobre o artista que se tornou uma referência por ter auxiliado na consagração do escultor
entre o público e a crítica especializada. Ainda sobre essa mostra, cabe mencionar que o sucesso foi tão grande
que ela teve que ser estendida por mais dois meses.
137

artista, o crítico o encontrou em seu ateliê. Em sua autobiografia, o escultor confirma essa
informação, mencionando onde teria começado sua amizade com Pedrosa: “Nós nos
conhecemos em Nova York, em 1944. Ele veio me procurar e nos tornamos grandes amigos”.
(CALDER, 1966 apud SARAIVA, 2006, p.116)
Nesse encontro, Pedrosa, de acordo com sua esposa Mary Houston, fez diversas
anotações durante a conversa com o artista, tomando notas para futuros trabalhos, além de ter
sido presenteado com uma escultura. O impacto dessa conversa e também da visita à
exposição pode ser visto nos dois artigos que o crítico escreveu sobre o artista e que foram
publicados em 1944 no jornal Correio da Manhã. Nos textos Calder, escultor de cataventos e
Tensão e coesão na obra de Calder, Pedrosa realizou um estudo profundo da obra do artista,
além de ter desenvolvido ideias que passaram a fazer parte não apenas de seu pensamento
crítico dali por diante, mas também do projeto que ele previa para a arte moderna.
No artigo Calder, escultor de cataventos, Pedrosa começa mencionando a infância do
artista e sua iniciação nas atividades artísticas. O crítico enfatiza, por exemplo, a importância
de sua formação em engenharia e seu trabalho como repórter de circo, oportunidade em que
ele teria se aproximado do universo circense. Essa vivência do escultor teve como
consequência a criação de um artista com duas facetas: como engenheiro, ele adquiriu a
perícia, a técnica, o trato com a matéria; já a proximidade com o circo havia lhe garantido
uma relação com a vida mediada pela fantasia. Desde o início do artigo, portanto, Pedrosa já
coloca a questão principal que parece ter chamado sua atenção para o trabalho de Calder: a
harmonia entre o plástico e o funcional que aparece no escultor transfigurado em engenheiro,
por um lado, e artista, por outro.
Sobre as primeiras esculturas do artista, Pedrosa afirma que elas ainda estavam no
nível da representação, da caricatura. Nas suas experiências com o arame, considerado pelo
crítico um material não ortodoxo, Calder teria atingido um “valor plástico mais estruturado”,
principalmente por meio da sugestão do volume. Nesse momento, seu trabalho teria se
aproximado da caligrafia oriental:203

Mas por outro lado, com sua atração irresistível pelo mundo das formas abstratas puras –
esse andaime de formas virtuais constituindo como que a própria estrutura abstrata do
universo, e que revela no artista que a sente um traço indelével de classicismo – Calder é o

203
De acordo com Muneratto (2011), esse caráter “caligráfico” dos trabalhos de Calder tinha relação com a
presença de elementos gráficos em sua escultura, como o desenho de linhas no espaço. Sobre isso, é preciso
observar também que, em 1958, Pedrosa viajou ao Japão com uma bolsa concedida pela Unesco, onde foi
pesquisador visitante do Museu Nacional de Arte Moderna de Tóquio. Lá, ele se interessou pelo estudo das
relações entre a caligrafia e a abstração, tendo publicado um ensaio intitulado “A caligrafia sino-japonesa
moderna e a arte abstrata no ocidente”. Ver Pedro Erber (2009).
138

oposto dos artistas chineses. Padece desse perene encantamento formal puro, desconhecidos
daqueles artistas embebidos de subjetivismo, mas tão assinalado nas grandes manifestações
da arte ocidental (PEDROSA, 2000, p.57).

Esse fragmento merece destaque por conta do vocabulário utilizado pelo crítico para
fazer referência ao trabalho do escultor. Além do já citado “valor plástico mais estruturado”,
Pedrosa ainda menciona aquelas que seriam “formas abstratas puras” e uma “estrutura
abstrata do universo”. Mais adiante, quando ele descreve um divisor de águas na trajetória do
artista – qual seja: seu encontro com o trabalho de Piet Mondrian –, Pedrosa ressalta que um
mundo novo se abriu para o artista, isto é, aquele da “pura forma abstrata”.
Na utilização desses termos, é possível notar a ênfase que o crítico dá à expressão
formal do artista, em detrimento da representação do conteúdo na obra de arte. Não é à toa
que ele destaca que, após o contato com Mondrian, Calder teria abandonado a preocupação
com o assunto, com a representação, como quando começou suas experiências com o arame.
A partir desse momento-chave, Pedrosa afirma que o escultor teria se tornado um artista
abstrato: “Da representação direta ou sugestiva, ele passa ao campo da composição abstrata. É
uma fase decisiva na curva da arte de Calder. A partir de então, foi enfileirado entre os
abstracionistas” (PEDROSA, 2008, p.58).
Em vez da improvisação e do humor que marcavam suas figuras do circo, quando
ainda estava começando sua carreira artística na década de 1920, Pedrosa ressalta uma virada
no trabalho do artista, que iria privilegiar formas mais simples, figuras geométricas, como
“esferas, esferoides, círculos e discos”, e utilizar cores primárias. É dessa nova fase, da
valorização dos elementos plásticos em detrimento do assunto, que teriam surgido as
“esculturas abstratas, estáveis e imóveis”, que, de acordo com Pedrosa, o artista Hans Arp
teria denominado de “estábiles”. Nesse momento, aquilo que preocupava Calder era a
projeção dessas formas abstratas no espaço.
Após essa experiência com as esculturas abstratas imóveis, os “estábiles”, Calder
passou a incorporar outro elemento em seus trabalhos: o movimento. A preocupação com esse
elemento, para Pedrosa, já estava presente desde o início da trajetória do artista, quando ele
dava vida a seus bonecos. Porém, o crítico afirma que o movimento havia sido incorporado ali
devido à sua faceta de engenheiro, isto é, tratava-se apenas de mecânica. Após essa fase,
todavia, o movimento adquiriu uma feição artística, dando origem aos “móbiles”:

O problema fundamental dos móbiles, essa busca das relações espaciais dos objetos,
equivale quase à procura metafísica da realidade não contingencial das coisas. A
essencialidade das formas desencarnadas de qualquer convenção, ou função eterna. Para
139

mover-se nesse mundo das formas puras mais facilmente, recorre a sugestões e motivos não
orgânicos. Assim, evita qualquer sugestão naturalista ou realista e mais facilmente achará o
material com que construir aquele próprio mundo, em que só o movimento cósmico, o
movimento em abstrato, é senhor absoluto (PEDROSA, 2000, p.61).

Pedrosa lança luz para o abstracionismo presente nas obras do artista, isto é, as
“formas desencarnadas” denominadas de “móbiles”, enfatizando que elas se distanciam de
qualquer representação do mundo exterior. Ao destacar a importância dessas formas abstratas
nas esculturas do artista, o crítico estaria antecipando o privilégio que iria conferir à arte
abstrata posteriormente, quando se tem em vista, por exemplo, a tese que escreve no final da
década de 1940, intitulada Da natureza afetiva da forma na obra de arte. Na tese, ele afirma
que as propriedades formais de um objeto possuiriam, por si mesmas, um sentido, uma
fisionomia moral, que independe das experiências anteriores dos sujeitos que contemplam
esses objetos (PEDROSA, 1979, p.68).
O texto Calder, escultor de cataventos pode ser contextualizado, portanto, da seguinte
maneira: em primeiro lugar, ele deve ser localizado no interior dos debates com os quais
Pedrosa teve contato nos Estados Unidos, notadamente aqueles que diziam respeito à arte
abstrata, que, desde a década de 1930, já era objeto de discussão de intelectuais como Meyer
Schapiro e Clement Greenberg; em segundo lugar, esse texto e também Tensão e coesão na
obra de Calder evidenciam a formulação de questões que vão aparecer com mais ênfase nos
trabalhos posteriores de Pedrosa, especialmente, aqueles escritos após sua tese, em que a
defesa das “formas privilegiadas” na arte vai assumir um papel central em suas análises sobre
o objeto artístico.
Na discussão sobre a abstração na arte, todavia, Pedrosa enfatiza um elemento
importante para além da valorização das formas puras e desencarnadas. A escolha de Calder
para dar início a esse debate pode ser explicada, dentre outros aspectos, pelo fato de o artista
unir purismo e humor em seus trabalhos. Se o pontapé para que o artista evitasse a sugestão
naturalista veio com a obra de Mondrain, o contato com os trabalhos de Miró o colocou em
relação novamente com o humor que já estava presente no início de sua carreira artística.
Sobre a influência do pintor catalão nas esculturas de Calder, o crítico afirma: “E então, só
então, recobrava, graças a Deus, o humor, quase recalcado no ambiente depurado, quase
místico, do abstracionismo. Seu humor casava-se perfeitamente com a alegria gritante da
pintura de Miró” (PEDROSA, 2000, p.61-62).
140

A junção de humor e formas puras é um elemento importante do trabalho de Calder,


segundo Pedrosa.204 Seria esse primeiro elemento incorporado aos trabalhos do escultor que
garantiu a sua proximidade com a vida, entendida a partir de dois aspectos: de um lado, seus
trabalhos seriam desprovidos do “não me toque” característico da maioria dos objetos
artísticos modernos; de outro, o humor em sua arte o aproximaria do grande público.
Diferentemente de um crítico como Greenberg, para quem a arte de vanguarda deveria ser
uma “arte para artistas” e para um público restrito, Pedrosa manifesta nesse texto sobre Calder
uma concepção sobre o fenômeno estético que pressupõe uma integração da arte na vida
cotidiana e não como um domínio separado:

Essa é uma arte, pois, que não se separa da vida, e, se acontece, também não se recusa a
servir a outra, tende a impregnar com sua sedução o ambiente da vida moderna; e resiste,
galharda, aos iluminados espaços ao ar livre, nos livrando das estátuas indefectíveis das
praças e jardins públicos, de homens a cavalo, ou de barba e espada, quando não de fraque
ou camisolão. Mas pode povoar essas praças e esses jardins de coisas nunca vistas, de
sugestões de mundos e bichos desconhecidos, de fábulas novas, de sonhos, de imaginações
e silêncios revificantes... que se mistura, para dar realce e beleza às atividades industriais da
vida moderna [...] E sua bonomia é tanta, e também sua virtualidade plástica, que pode
condescender, sem que isso se degrade, mas antes na vida cotidiana se integre para purificá-
la do vulgar e do feito, a servir até de distintivo para estabelecimentos comerciais
(PEDROSA, 2000, p.65).

A união entre “purismo e vida”, conforme escreve Pedrosa, era um contraponto ao tom
assumido pelos debates sobre a abstração e a relação entre a arte e o âmbito social e político,
especialmente, da forma como eles estavam sendo conduzidos no ambiente intelectual nova-
iorquino. A defesa da tendência abstrata por Greenberg era uma tentativa de resguardar a arte
moderna dos avanços da indústria cultural, em um diagnóstico negativo em relação ao
desenvolvimento do fenômeno artístico. Pedrosa, por sua vez, buscou os vínculos entre arte e
seu contexto sócio-histórico, afirmando que eles não se restringiam apenas, conforme analisou
Schapiro, ao ambiente que possibilitou o surgimento de manifestações artísticas como a
abstração, mas sim ao papel que a arte teria na transformação da sociedade. Nesse sentido, os

204
Cabe enfatizar aqui a importância do texto que James Johnson Sweeney escreveu no catálogo da mostra de
Calder no MoMA, em 1944, para a análise de Pedrosa. Nesse texto, Sweeney enfatizou justamente a junção entre
humor e abstração: “But Calder’s most original contribution is his unique enlivening of abstract art by humor.
Through humor he satisfies the observer’s appetite for feeling or emotion without recourse to direct
representation. The appeal of representation had evidently been the culprit in upsetting the balance between form
and subject in art” (SWEENEY, 1951). Além do humor, outros elementos são destacados pelos dois críticos,
como o fato de as esculturas de Calder possuírem um caráter de “inacabado”, o que daria vida às suas obras; o
aspecto caligráfico de seus trabalhos; e a influência de artistas como Miró e Mondrian. A importância do texto de
Sweeney pode ser vista na apropriação por parte de Pedrosa de uma expressão utilizada por ele no catálogo,
quando denominou um aquário do artista, cujo nome era Goldfish Bow (1930), de “music Box with visual
rhytyhms”, e que o crítico brasileiro traduziu literalmente como “caixinha de música de ritmos visuais”, no texto
Calder, escultor de cata-ventos.
141

argumentos que ele defende no texto sobre Calder pareciam se aproximar mais das ideias
defendidas por Trotski e Breton no Manifesto por uma arte revolucionária independente, em
que esses autores preveem o posicionamento dos artistas diante do contexto social e político
no qual estão inseridos, com o objetivo de contribuir para sua reflexão e mudança.
Em outro texto também publicado em 1944, Tensão e coesão na obra de Calder,
Pedrosa reforça novamente a relação que o escultor estabeleceu entre a “vida e a
abstração”. 205 Além de retomar a discussão sobre os “estábiles” e “móbiles” do artista, o
crítico também aproveita para reafirmar que, para além da unidade formal que seus trabalhos
apresentavam – que seria garantida pelo contorno das linhas e pelo material utilizado pelo
escultor –, ele conseguiu agregar o sonho, a fantasia e a imaginação. Cabe ainda destacar que
a ênfase nessa unidade é discutida juntamente com a noção de “funcionalidade”, que é
mobilizada nesse artigo não para vincular seus trabalhos a uma realidade que lhe é exterior,
mas a fim de ressaltar a força sugestiva que seus trabalhos apresentam: “A arte de Calder só
conhece uma funcionalidade – a do próprio material em que trabalha, a que é vital, inerente à
matéria. E mais nenhuma externa ou estranha à intrínseca propriedade desta” (PEDROSA,
2000, p.78).
Mesmo sem nenhuma função prática, a sugestão oriunda das formas desencarnadas
nos trabalhos do artista, unidas à fantasia, já o teria colocado em outro patamar, segundo
Pedrosa, na medida em que Calder conseguiu juntar o purismo do construtivismo com a
poética do surrealismo, desrespeitando os cânones artísticos até então estabelecidos. Desse
modo, o escultor escaparia tanto do distanciamento da arte em relação à práxis vital quanto de
um subjetivismo desprovido de uma expressão formal: “Casando a vida e a abstração,
conjugando o humor à mecânica, ele navega entre as duas grandes alas da arte moderna: o
surrealismo, com seu romantismo incurável que degenera às vezes em charada anedótica, e o
abstracionismo cuja obsessão do purismo formal se revolve não raro entre uma espécie de
misticismo branco e a pura puerilidade” (PEDROSA, 2000, p.79).

205
Flávio Moura (2011, p.09) destaca a forma como os críticos vêm mencionando a aproximação entre “arte e
vida” como um traço definidor daquilo que ele denomina de “arte contemporânea”: “A expressão é tão vaga
quanto onipresente no discurso sobre arte contemporânea. A ideia de fusão entre “arte” e “vida” opera como um
grande guarda-chuva para abrigar experimentos artísticos que envolvem uma proposta deliberada de abandonar o
espaço bidimensional e enfatizar os aspectos “relacionais” do trabalho: em todos os casos, o fim último
é intensificar a interação com o espectador. É frequente o argumento segundo o qual a questão já está posta
no debate em torno da arte moderna, mas por ora basta indicar o uso difundido e consolidado da expressão”.
Embora o autor esteja destacando como a relação entre arte e vida se tornou um lugar comum nos discursos
sobre arte, não se pode menosprezar a importância que ela adquiriu na produção crítica de Pedrosa,
principalmente, quando se tem em vista a reformulação dos vínculos entre o fenômeno estético e o âmbito social.
142

O trabalho de Calder, portanto, foi uma espécie de acerto de contas com os dilemas
que Pedrosa enfrentava desde as suas primeiras análises sobre artes plásticas, principalmente,
aquelas em que tratou dos trabalhos de Cândido Portinari, quando oscilava entre as
preocupações com os elementos plásticos das obras e sua relação com o meio circundante. Ao
se deter nos trabalhos do escultor, o crítico concluiu que a “funcionalidade” dos objetos
artísticos não deve ser encontrada em uma relação direta entre eles e a realidade exterior, mas
na influência que esses objetos podem ter na transformação da sensibilidade dos homens,
argumento que ele vai aprofundar alguns anos mais tarde em sua tese, conjugando
experimentação no campo estético com transformação social.206
Os dois textos sobre Alexander Calder escritos por Pedrosa em 1944 também chamam
a atenção para os vínculos criados entre o artista e o crítico, conforme já mencionado no início
deste tópico. Um importante aspecto do exercício judicativo são as relações de amizade
criadas entre aquele que analisa as obras de arte e o artista. Segundo Cauquelin (1992), são
esses vínculos de amizade e as querelas em torno dos pequenos grupos e artistas que formam
os postos mais avançados da arte. Os textos escritos por Pedrosa sobre Calder podem ter
contribuído para consolidar a relação de amizade entre ambos ainda na década de 1940. Um
indício da força dessa relação encontra-se no fato de Pedrosa ter sido um dos principais
divulgadores da obra do artista no Brasil.
A proximidade entre Calder e Pedrosa fica evidente não apenas nos textos – o crítico
escreveu artigos esparsos sobre o artista durante um período de trinta anos –, mas também no
fato de o vínculo entre eles ter se mantido mesmo com o retorno de Pedrosa ao Brasil em
1945. 207 A permanência dessa relação pode ser vista, por exemplo, nos esforços de
organização de uma mostra individual do artista que aconteceu em 1948, em São Paulo e no
Rio de Janeiro, contando também com a iniciativa de outro amigo brasileiro de Calder, o
arquiteto Henrique Mindlin. 208 Os laços de amizade que uniam ambos, portanto, foram

206
De acordo com Arantes (1991, p.31): “Ao contrário do que dera a entender em sua fala de estreia, agora lhe
parecia possível uma síntese, embora precária, entre atualidade estética máxima e arte social. Com uma
diferença: a reconciliação entre estas duas províncias da civilização contemporânea se daria menos no plano
mais explícito dos temas do que no terreno dos procedimentos artísticos, onde, à sua maneira e com recursos
próprios, a arte reinterpreta o mundo moderno, nele incluído o universo tipicamente capitalista da técnica”.
207
Foram encontrados dois cartões postais trocados entre Pedrosa e Calder, em 1945, na Calder Foundation,
localizada Nova York.
208
Em 1944, o arquiteto Henrique Mindlin também estava nos Estados Unidos, trabalhando na National Housing
Agency. Foi durante esse período que o arquiteto e o artista se conheceram – provavelmente por intermédio de
Philip Goodwin, que havia organizado a exposição Brazil Builds Architecture New and Old, 1652-1942, no
MoMA, em 1943. No ano seguinte a essa mostra, Calder presenteou Mindlin com seu catálogo e também com
um móbile. A partir daí, eles passaram a trocar correspondências, e Mindlin se interessou em levar o escultor ao
Brasil. Além das cartas, Calder também enviava ao Brasil móbiles aos cuidados de Mindlin, que incorporava os
trabalhos do artista a seus projetos arquitetônicos, dando origem a diversas encomendas particulares. Em 1945, o
143

alimentados durante um longo decurso de tempo, em que a influência mútua entre crítico e
artista assumiu um aspecto central, principalmente, no caso de Pedrosa, para quem o escultor
se tornou uma espécie de referência para projetos no exercício judicativo.

3.3.1 Alexander Calder e a defesa da abstração

Em 1948, Alexander Calder aportou no Brasil com o objetivo de participar de sua


primeira mostra individual no país, em duas cidades: Rio de Janeiro e São Paulo.209 Além da
oportunidade para o público brasileiro entrar em contato com o trabalho do artista, o escultor
também teria aproveitado para expandir seus círculos de amizade aqui, além de fazer viagens
para outras cidades do país e visitar exposições de artistas brasileiros.210 Se essa estadia no
Rio de Janeiro teve impacto em Calder, que narrou a passagem por essa cidade em sua
autobiografia, ela também foi considerada um divisor de águas para Pedrosa, que incluiu a
exposição do artista entre os principais marcos do desenvolvimento artístico do país no
período anterior à realização das bienais.
Alguns fatores indicam a importância da mostra. Em primeiro lugar, ela ocorreu em
um prédio ícone da arquitetura brasileira, o edifício do Ministério da Educação, projetado por
uma equipe que contava com nomes como Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, sob a consultoria

arquiteto começou a planejar uma exposição do artista no Brasil, porém, isso não se concretizou. Dois anos
depois, Mindlin voltou aos Estados Unidos e passou uma semana na casa de Calder, em Connecticut, juntamente
com sua esposa e com Joan Miró. Nesse mesmo ano, outros arquitetos brasileiros visitaram o artista: Jacob
Ruchti e Miguel Forte.
209
Cabe destacar que, embora Calder tivesse debutado como uma exposição individual no Brasil apenas em
1948, não era a primeira vez que suas obras eram expostas no país. Em 1939, o trabalho do artista foi
representado por meio de três gauches e um móbile no III Salão de Maio, realizado em São Paulo, na galeria Itá.
210
Por ocasião de suas mostras no Rio e em São Paulo, Calder aproveitou para fazer viagens ao Brasil, passando
brevemente pelas cidades de Salvador e Ouro Preto – esta na companhia do crítico Marc Berkowitz –, e expandir
sua rede de relações no país. Em sua passagem por São Paulo, Calder também frequentou exposições de artistas
brasileiros, como a de Cícero Dias no prédio provisório do MAM paulista, e visitou Flávio de Carvalho, em sua
fazenda próxima a Campinas. Após deixar essa cidade, ele retonou ao Rio de Janeiro, onde instalou uma oficina
para trabalhar com ajuda da arquiteta Lota de Macedo Soares, ficando por lá aproximadamente duas semanas.
Em uma passagem da sua autobiografia, Calder relata a estadia no Brasil, especialmente o período que passou no
Rio de Janeiro. Além de trabalhar na casa arranjada por Lota de Macedo Soares, o artista também pôde
aproveitar o convívio com seus amigos brasileiros em festas realizadas em lugares como o Copacabana Palace,
animadas por rodas de samba e pela cachaça. Em sua festa de despedida, Calder relata que o seu amigo Heitor
dos Prazeres, cantor e pintor, levou seu grupo de música para tocar no evento. Já em outra circunstância, ele
narra sua ida a um terreiro, que foi fotografada e publicada na revista Fon-Fon, causando escândalo na época:
“Certa noite, fomos a uma macumba, em algum lugar no interior do Rio. Havia mulheres de branco dançando
num grande círculo. Nós entramos no círculo também. Eu dancei com uma mulher de cor. Algum fotógrafo
russo tirou uma foto nossa e publicou no Fon-Fon, um jornal escandaloso do Rio” (CALDER, 1966 apud
SARAIVA, 2006, p. 118).
144

do arquiteto franco-suíço Le Corbusier. 211 Em segundo lugar, a montagem da exposição


carioca contou com importantes expoentes do cenário artístico brasileiro, como Pedrosa,
Mindlin, Niemeyer e Roberto Burle Max. 212 Além disso, cabe destacar a recepção da
imprensa. Carlos Drummond de Andrade, Pietro Maria Bardi, Sergio Milliet, Pedrosa e
Mindlin manifestaram-se publicamente a respeito da exposição, fazendo críticas elogiosas a
mostra.213
Coube a Pedrosa fazer um pronunciamento na mostra, intitulado Calder a música dos
ritmos visuais, em que faria um resumo dos dois artigos que ele havia escrito sobre o artista
ainda em 1944. Em sua autobiografia, Calder narra a experiência de fazer parte da
inauguração da mostra, naquela que seria a primeira de muitas visitas ao país, e também suas
impressões sobre a situação que cercou o pronunciamento do crítico: “Sentei-me na primeira
fileira para ouvi-lo melhor, mas, como era tudo em português, cochilei. A certa altura, a
imprensa quis tirar uma foto e me acordaram para isso. Mas como Mário estava no canto
oposto do palco, todos os olhos estavam voltados para ele, exceto os meus, que olhavam
diretamente para a câmera” (CALDER, 1966 apud SARAIVA, 2006, p. 116).
O testemunho acima merece destaque porque é uma espécie de metáfora para a
posição de destaque que Pedrosa viria a ocupar como crítico de arte no Brasil entre o fim da
década de 1940 e a década de 1950. De um lado, o crítico recebia todas as atenções; de outro,
o escultor estava dormindo do lado oposto do palco onde Pedrosa tinha os holofotes voltados
para ele. Embora tivesse todos os olhares voltados para si, Pedrosa não estava sendo
observado por seu objeto do desejo: o artista entediado pela formalidade de uma abertura de
214
exposição e pela presença de outros artistas e autoridades. Em contraposição à
insignificância que Calder atribui à cerimônia, ele enfatizou o que a sua exposição realmente

211
Esse prédio servia de abrigo provisório para as mostras do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, que
ainda não havia inaugurado, mas já possuía uma diretoria desde 1947. Além desse museu, o Instituto dos
Arquitetos do Brasil também apoiou a exposição, assim como o Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU).
212
Já a mostra paulista, realizada no Museu de Arte de São Paulo (MASP), teve a participação direta de Pietro
Maria Bardi, diretor do museu, e sua esposa Lina Bo. A montagem dessa exposição, encabeçada pelos dois,
recebeu resenhas elogiosas, como a do crítico Léon Degand, responsável pelo recém-fundado MAM paulista.
Degand afirmou que a mostra paulista superava outra do artista realizada em Paris, na galeria Louis Carré, em
1946.
213
Como exemplo da recepção da mostra de Calder no MASP, vale a pena citar um trecho do artigo de Sergio
Milliet: “Esse homem simples e modesto, que não sabe se é escultor e faz arte ou se diverte em construir
brinquedos geniais, de uma gratuidade admirável, operou sem dúvida a maior das revelações plásticas de que se
tem memória. Precedendo as anunciadas exposições de Flexor na galeria Domus e dos abstracionistas,
patrocinada pelo Museu de Arte Moderna, a mostra de Calder será indiscutivelmente um acontecimento em São
Paulo, como já o foi no Rio de Janeiro, onde o livro dos visitantes se encheu de observações curiosas ou
absurdas” (MILLIET, 1948 apud SARAIVA, 2006, p.152). Vale lembrar também que Milliet era o responsável
pela Bienal de São Paulo, em 1953, quando o artista ganhou uma sala especial nessa mostra.
214
Entre os presentes na abertura, cabe citar Portinari, Oswald Goeldi, Joaquim Tenreiro, Milton Dacosta, Carlos
Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Gustavo Capanema e o embaixador norte-americano.
145

significava naquele momento: a oportunidade de conviver por alguns dias com seus amigos
brasileiros no Rio de Janeiro e as consequências que essa vivência teria em sua trajetória dali
por diante.
Essa exposição também deve ser entendida em um contexto de transformações que se
processavam no meio artístico brasileiro. Vários fatores relacionados a essa mostra podem ser
enumerados para ilustrar essas mudanças. Nesse período, os debates em torno das diversas
tendências no interior da arte moderna, como aquelas ligadas ao realismo pictórico e ao
abstracionismo, estavam no ápice, haja vista a disputa de diversos críticos e artistas
defensores dessas correntes. Cabe destacar, por exemplo, que um ano após essa mostra
individual de Calder, o MAM paulista inaugurou com uma exposição intitulada Do
figurativismo ao abstracionismo, que, apesar do nome, apresentava em sua maioria artistas
ligados à tendência abstrata.215 Nesse contexto, porém, a arte abstrata sofria críticas por parte
de um grupo de críticos, como aqueles que atuavam na Fundamentos: revista de cultura
moderna216 – plataforma de defesa do realismo socialista –, e também de Sergio Milliet, para
quem a abstração “é uma arte egoísta e estéril que isola o indivíduo e destrói nele a
capacidade de simpatia. Que chega, portanto, exatamente ao extremo oposto daquilo que visa
em sua essência a arte” (MILLIET, 2004, p.243). Pedrosa, por sua vez, além de trabalhar para
o desenvolvimento do concretismo no Rio de Janeiro, ainda se manifestou de forma favorável
a seus representantes em textos de jornal e catálogo, e também em debates com outros
críticos.217
A exposição de Calder também entraria com um papel de destaque nesse contexto,
como o próprio Pedrosa procurou demonstrar ao colocar ênfase na mostra do artista realizada

215
Calder também participou dessa exposição com cinco móbiles, todos oriundos de coleções locais.
216
Essa revista circulou entre 1948 e 1955, e estava ligada às políticas culturais do Partido Comunista Brasileiro,
cuja plataforma artística era o realismo socialista. Mário Pedrosa, em uma série de artigos publicados em 1947 –
isto é, um ano antes dessa revista começar a circular –, posicionou-se de forma contrária a essa tendência na arte.
Em uma pesquisa nesse periódico, foi possível notar que as menções ao crítico aparecem sempre como um
contraponto às opiniões veiculadas ali, como é possível ver nesse trecho sobre Pedrosa: “Este último, realmente,
nas páginas da Tribuna da Imprensa [...] depois de rever ainda uma vez os seus cansados manuais, produziu um
artigo em que pretende provar as ligações entre a arte abstrata e a revolução soviética. Citando Kandinsky,
Rodchenko e Mahlevitch, Mário Pedrosa faz funcionar o desmoralizado realejo trotskista para acusar os
“stalinistas” que traem a um tempo a revolução de Lenin e a arte revolucionária... Na verdade, esta arte que o
crítico Pedrosa ainda chama de revolucionária iludiu por algum tempo muita gente boa” (PEDREIRA, Fernando.
A Bienal e seus defensores. Fundamentos, São Paulo, ano IV, n. 22, p. 13, set. 1951).
217
Vale destacar como exemplo o debate entre Mário Pedrosa e o cronista Rubem Braga, que se posicionou
contrário ao concretismo. Sobre uma declaração de Pedrosa, afirmando que o concretismo seria uma espécie de
gramática cujo objetivo era dar uma disciplina aos artistas na ausência de critérios do figurativismo, Braga
ironiza e pede a Pedrosa que pare de aconselhar os artistas a “fazer essas coisas” – em uma alusão à arte
concreta: “Mário, mande tocar a sineta, acabe com essa eterna aula de ginástica ou de gramática. Mande os
meninos para o recreio, Mário, deixe que provem ao menos uma vez a merenda do bem ou do mal e façam,
como a idade pede, um pouco de vadiação” (BRAGA, Rubem. Um malvado. Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 21 jun. 1959).
146

no Rio de Janeiro, e também do artista suíço Max Bill,218 em 1950, no Museu de Arte de São
Paulo. No artigo Às vésperas da Bienal, Pedrosa quis evidenciar os acontecimentos artísticos
que precederam esse evento e que haviam desempenhado o papel de revelar novas tendências
na arte no meio artístico brasileiro. Sobre a mostra de Calder, ele afirma: “A mostra dele no
Rio exibia um grande artista, sui generis, que, pela própria maneira jovial e original com que
se apresentava em pessoa e na obra, parecia a muitos espíritos da Europa e daqui também, e
dos mais avisados, como não se enquadrando na concepção que tinham da escultura”
(PEDROSA, 2007, p.282).
O papel de Pedrosa na divulgação da obra do artista não se esgotou na organização
dessa mostra nem, retrospectivamente, quando avaliou seu impacto no meio artístico
brasileiro antes das bienais. Em 1948, o crítico ainda escreveu outro texto, intitulado A
máquina, Calder, Léger e outros, que se destaca dos artigos anteriores que ele publicou sobre
o artista por diversos aspectos. Entre eles chama atenção a ênfase na proximidade do trabalho
de Calder com a produção industrial e também com a forma como os “primitivos” se
relacionavam com os objetos da vida cotidiana. Além disso, o artigo contrapõe as formas
como Calder e os outros artistas se relacionam com o desenvolvimento técnico da sociedade
moderna.
No referido texto, Pedrosa compara os trabalhos de Calder aos objetos produzidos
pelos “primitivos”. Esse aspecto não pode ser menosprezado, na medida em que o crítico já
participava de debates em que defendia a produção artística não apenas dos “povos
primitivos”, como também das crianças e dos esquizofrênicos, o que contribuiu para o
desenvolvimento de seu repertório crítico.219 Nesse artigo de 1948, Pedrosa lança luz para um
“sentido estético” presente nas atividades do “selvagem-artesão”, que não poderia ser
separado dos objetos empregados no cotidiano. Sobre a forma como Calder se aproxima de
uma prática artesanal da arte, associada, para Pedrosa, a uma preocupação com a
funcionalidade dos objetos, ele afirma: “Calder, como tantos outros artistas modernos, recorre

218
O artista Max Bill foi um dos principais expoentes do concretismo e da Escola de Ulm, desenvolvendo
trabalhos em diversos ramos da arte, como pintura, escultura, arquitetura e design gráfico, e valorizando o rigor
matemático em suas composições. Além da exposição de 1950, no MASP, ele também participou com um
trabalho na I Bienal de São Paulo, realizada em 1951, onde ganhou o primeiro prêmio de escultura com sua
Unidade Tripartida (1948-1949). A sua influência entre os artistas brasileiros foi atribuída às experiências
desenvolvidas pelos artistas concretos paulista, agrupados em torno do Grupo Ruptura, que começou a atuar em
1952, e previa uma arte “construída objetivamente”. Ver Aracy Amaral (1988).
219
No tópico 4.1, a importância da arte produzida pelos esquizofrênicos no projeto crítico de Pedrosa vai ser
investigada por meio de sua relação com o ateliê de pintura do Centro Nacional Psiquiátrico Pedro II, onde
conheceu a médica Nise da Silveira e artistas como Almir Mavignier, Ivan Serpa e Abraham Palatnik. Foi a
partir do contato com os trabalhos feitos lá que o crítico cunhou o termo “arte virgem” para designar a produção
artística dos internos do hospital psiquiátrico.
147

ao trabalho artesanal, usa dos instrumentos da indústria moderna. Dá-lhes, contudo, de saída,
fins em aparência inconsequentes. Empresta, assim, à mecânica uma gratuidade que ela não
tem, nem é de sua natureza. Com isso, ele supera a própria civilização utilitária, da qual
provém” (PEDROSA, 2000, p.82).
A diferença entre as obras de Calder e a “lógica artesanal do primitivo” repousaria no
fato de ele conferir aos objetos do cotidiano outro destino, preocupando-se em criar aquilo
que Pedrosa chama de “forma nova”. Esse processo de violação da mecânica funcional desses
objetos estava relacionado, para o crítico, ao encantamento do artista pelas “beldades fugidias
do abstracionismo” e ao desenvolvimento do meio artístico no período, que contava com o
movimento construtivista em ascensão, a utilização de novos materiais não tradicionais –
como o aço, o vidro, o plástico, entre outros –, e as experiências de uma escola como a
Bauhaus na Alemanha, que se destacou justamente por associar funcionalidade com as
pesquisas estéticas modernas.220
Comparando esse texto de 1948, de Pedrosa sobre Calder, com os dois anteriores
publicados em 1944, cabe destacar que o primeiro chama a atenção por mostrar uma
maturação das ideias que haviam sido apresentadas, principalmente aquelas que dizem
respeito à importância das atividades artísticas para a transformação da sociedade e o papel de
um artista como Calder na integração da arte com a vida cotidiana. Ademais, o artigo de 1948
evidencia um crítico defensor das experiências artísticas no campo da abstração, não apenas
associando Calder a essa tendência, mas também demonstrando a influência dessa tendência
sobre o artista. O abstracionismo, para Pedrosa, é o ponto de chegada para onde convergem as
experiências estéticas e também a própria possibilidade de junção entre arte e vida: “Essa
marcha do natural para o abstrato formal é uma constante de nossa civilização, marca um dos
traços profundos da cultura moderna. Graças a ela, pôde a arte de nossos dias influenciar,
como talvez só a arte da renascença o conseguiu, a produção industrial do seu tempo”
(PEDROSA, 2000, p.83).

220
Criada em 1919, a partir da fusão da Academia de Belas Artes com a Escola de Artes Aplicadas de Weimar, a
Bauhaus destacou-se por incentivar a criação artística em contato efetivo com a sociedade urbano-industrial que
se configurava naquele contexto. De acordo com Pedrosa: “Na Alemanha, Bauhaus reeducava as novas gerações
no gosto severo das linhas puras e associava, proeza essencialmente moderna, o estilo ao conforto, pela primeira
vez. Esses objetos da vida moderna, de uso cotidiano, com a sua personalidade formal já encontrada, clara e
brilhante, abstrata e confortável, constituem sem dúvida uma das maiores revoluções estéticas da história das
civilizações” (PEDROSA, 2000, p.82). Sobre a influência da Bauhaus em Calder, Muneratto (2011, p.75) lembra
que o artista fez uma exposição em Berlim, em 1929, quando estava na Europa, mas não existem referências
sobre sua passagem pela capital alemã nem sobre o contato com os artistas que faziam parte daquela escola,
como Paul Klee, Josef Albers, Wassily Kandinsky, Walter Gropius, entre outros.
148

Com efeito, a discussão dos trabalhos de Calder contribuiu para que Pedrosa forjasse
os argumentos que utilizaria dali por diante em sua defesa da abstração. Nos artigos de 1944,
essa defesa ainda não era explícita, embora Pedrosa fizesse referência a uma unidade formal
nos trabalhos do escultor, mencionasse a influência do “purismo” do construtivismo em suas
obras, e posicionasse Calder no rol dos artistas abstratos. Já no texto de 1948, Calder não
aparece apenas como um artista-referência para o crítico; é considerado “o mais fiel dos
construtivistas”. A tendência da qual ele seria um representante figura, para Pedrosa, como a
maior expressão no mundo das artes, aquilo que ele chama de “cultura moderna”.
Outro argumento que pode ser mobilizado para destacar a importância que Pedrosa
conferia a um artista como Calder e também à arte abstrata pode ser visto na forma como o
crítico descreve os movimentos vanguardistas europeus do século XX, como o dadaísmo e o
surrealismo. Ao contrário dos artistas desses movimentos, o escultor conseguiu encontrar
soluções artísticas para os problemas enfrentados pela sociedade moderna – como o
desenvolvimento industrial acelerado – que deram origem a um dos “duendes mais temíveis”:
a máquina. Em vez do desespero e do otimismo, meio pelo qual os artistas vanguardistas
encararam “a máquina”, a arte de Calder brotou da relação com a produção industrial, e o
escultor buscou na forma como essa produção afeta os indivíduos uma inspiração para seu
processo criativo, ao mesmo tempo em que a transcendia:

[...] Calder não representa, nem abstrai, nem “estiliza a máquina. Nenhuma de suas
estruturas é constituída de formas e volumes puramente geométricos, apresentados
analiticamente. Seus desenhos e composições são formas puras, convergindo para um todo
orgânico. Seus objetos já são máquinas também, mas... de poesia e improvisações. Seus
estábiles ou móbiles criam relações fantasiosas, arbitrárias, não mecanizadas. Dessas
construções geométricas saem, por vezes, monstros ou animais dir-se-ia pré-históricos,
vegetais contemplativos ou tímidos, insetos inéditos, irônicos, de ar diabólico. Mas tudo
com vida, e tendo em si mesmo a sua realização e finalidade.
Nas suas mãos a máquina volatiza-se, ganhando em virtualidade que transcendem as
contingências funcionais, deixando por isso de ser máquina. Mesmo nos móbiles
motorizados, a ideia inspiradora não é o reflexo da máquina, mas o seu elemento dinâmico,
o movimento enquadrado a serviço de relações formais e cores, quer dizer da pintura
(PEDROSA, 2000, p.85).

Além de evidenciar o relacionamento de Calder com a produção industrial moderna –


expressa na imagem da “máquina” –, Pedrosa reforça novamente as “formas puras” e as
“construções geométricas” no trabalho do artista, que dão origem a seus “móbiles” e
“estábiles”; e a presença do movimento em suas obras, que estaria, porém, a serviço das
“relações formais e cores”. Na utilização dessas expressões, o crítico reforça um vocabulário
que ficaria evidente em seus textos posteriores, na medida em que passa a trabalhar na
149

construção de um projeto moderno associado ao construtivismo. Se esse projeto passa a se


configurar com mais clareza na década de 1950, quando se junta a um grupo de artistas, foi
por meio da relação com Calder e com suas obras que Pedrosa conseguiu enxergar soluções
para os problemas que ele vinha tratando em seus textos sobre artes plásticas, como a relação
entre arte e vida, forma e conteúdo, objetividade e subjetividade na criação artística.
Foi também nesse artigo sobre o artista que Pedrosa fez referência a um “devenir
pictórico”, isto é, uma arte como utopia, como projeto para o futuro, que teria o papel de
transformar a sociedade e, não, de representá-la. Em textos posteriores, sobretudo aqueles que
ele escreveu sobre a arquitetura na década de 1950,221 o crítico iria desenvolver de forma mais
explícita o argumento de que as atividades artísticas teriam o papel de antecipar
transformações futuras, no âmbito social e político, entrando em conflito, muitas vezes, com o
estado de coisas de onde elas surgem. A importância que o crítico atribuía ao fenômeno
estético, portanto, estaria ligada a seu potencial transformador, quando ele se imiscui na vida e
no cotidiano dos homens, o que lhe garante uma dimensão utópica, aspecto que estaria
presente, de acordo com Pedrosa, em um artista como Calder:

Esta arte calderiana não reflete sociedades, nem sublima pesadelos subjetivos. É antes uma
porta para o futuro. É já atitude de quem, desprezando o dia presente, sombrio como nos
pareça, divisa, de onde está, os horizontes longínquos da utopia, da utopia que eternamente
está a esboçar diante de nós. Não é, todavia, um veículo para o artista escapar-se
espiritualmente, para com ele isolar-se na sociedade, sem contato vital com esta, todo
entregue à expressão de seu próprio extremado e hermético subjetivismo, desesperançado
de comunicabilidade. Comunicar-se, ele se comunica quando mais não seja com os homens
das futuras gerações, pois estes talvez tenham, enfim, energia bastante para o necessário
esforço de integrar a arte à própria vida (PEDROSA, 2000, p.90).

Pedrosa apresenta de forma breve sua concepção acerca do fenômeno artístico,


afirmando que ele não deveria representar a sociedade presente, mas vislumbrar os caminhos
do futuro, daí seu caráter utópico. Além disso, ao se contrapor a essa imagem da arte como
um mero reflexo, ele respondia aos comentários sobre a tendência abstrata, quando outros
críticos diziam que ela estava distante dos homens e da sua luta, isto é, do ambiente social de
onde surgira. A relação da arte com a vida, conforme fala Pedrosa, não se manifesta de
maneira explícita, como um reflexo da sociedade. Essa ideia foi desenvolvida posteriormente
pelo crítico, quando ele enfatizou que, ao contrário dessa imagem, a arte deveria ser

221
Por ocasião da construção de Brasília, Pedrosa relacionou o papel da arquitetura na transformação da
sociedade, enxergando aquela cidade como uma realização utópica. No texto Reflexões em torno da nova
capital, o crítico faz a seguinte afirmação: “Brasília foi, enfim, definida por uma ideia. Transformou-se, portanto,
numa utopia. Ora, quem diz utopia, diz arte, diz vontade criadora. A partir daí, todos podemos trabalhar por ela”
(PEDROSA, 1998, p.397).
150

considerada ao mesmo tempo “um fator autônomo e determinante na sociedade e no


mundo”.222
Conforme afirma Argan (1995, p.130), uma das tarefas da crítica é relacionar a arte
com outras esferas da sociedade justamente em um contexto onde ela parece estar separada do
público. A forma como Pedrosa desempenha esse papel começa a se desenvolver nesse
momento, quando ele ressalta a autonomia da arte, que não representaria nada a não ser ela
mesma, cobrando, porém, a necessidade de sua comunicabilidade. A comunicação na arte –
outra questão que passa a figurar na agenda de Pedrosa, fazendo parte de seu projeto crítico a
partir da década de 1940 – não se resumiria a uma adaptação do artista ao gosto já
estabelecido. A arte preservaria sua autonomia, rompendo com o gosto dominante, ao mesmo
tempo em que iria contribuir para a criação de uma nova sensibilidade estética nos indivíduos,
alterando sua percepção da realidade e comunicando unicamente por meio de suas
propriedades intrínsecas, isto é, suas características fisionômicas.223
A menção a essas questões, que iriam fazer parte da produção crítica de Pedrosa,
evidencia como, na análise dos trabalhos de um artista com quem manteve uma relação
próxima, Pedrosa começou a forjar conceitos e um novo repertório que ele passou a usar nas
suas reflexões sobre arte. Nessa perspectiva, a relação com Calder desempenhou um papel
importante no que está sendo chamado aqui de “reestruturação da sensibilidade” – atravessada
pelo crítico e que lhe permitiu destacar as seguintes questões: a valorização da autonomia da
arte, da comunicação da obra a partir de seus aspectos fisionômicos, dos vínculos entre arte e
vida; e a relação entre mudanças na percepção no contato com os objetos artísticos modernos.

222
Mais adiante, Pedrosa continua: “Não sendo ‘reflexo’, a arte é, porém, responsável como qualquer outra força
decisiva do contexto cultural-social onde medra. A crise das artes individuais de nosso tempo está precisamente
nessa ausência de sentimento de responsabilidade do artista em face do homem e do mundo. Um extremo
subjetivismo apoderou-se da maioria dos artistas da Europa e dos EUA. Esses artistas, ao negarem que suas
obras sejam reflexo de alguma coisa – seguindo aqui a lição dos mestres do início do século – se tornam,
contudo, reflexo de si mesmos. E a obra ‘feita’ – ou melhor, resultante – não tem nenhuma autonomia, porque é
apenas autorreflexo. Ora, no domínio da autorreflexão não há objetividade, não há, portanto, nem
responsabilidade nem criação. Nessa atitude do artista para com o mundo é que reside a crise das artes
individuais nos dias que correm” (PEDROSA, Mário. “Arte-reflexo”, irresponsabilidade do artista. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 21 out. 1959).
223
No artigo “Comunicação em arte”, Pedrosa ressalta que a arte moderna rompeu com os velhos cânones
artísticos, o que ocasionou a progressiva separação entre o artista e o público. Para diminuir esse fosso criado
entre ambos, no entanto, não basta que “o artista se adapte ao gosto geralmente imaturo ou estratificado do
público, seja burguês ou proletário”. De acordo com Pedrosa, o problema da comunicação na arte se coloca ao
artista, mas ele não deve sucumbir a uma arte digerível, exagerando na simplificação e na clareza. O realismo
socialista seria um dos exemplos dessa “demagogia” no campo das artes, porque abre mão de propor qualquer
iniciativa inovadora em nome do público. A questão, no entanto, não é “obedecer” ao gosto dominante, mas
aperfeiçoá-lo com vistas ao desenvolvimento da sensibilidade dos indivíduos (PEDROSA, Mário. Comunicação
em arte. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 nov. 1957).
151

Se para Pedrosa a arte moderna teria o papel de alterar a percepção dos homens, não se
pode deixar de notar que ele mesmo, no contato com os trabalhos de Calder, reconfigurou seu
arsenal crítico, além de ter se dedicado com mais intensidade à atuação no exercício
judicativo após o encontro com o artista e o início da relação de amizade entre ambos.
Embora o empenho nessa atividade, que se acentuou especialmente após seu retorno ao Brasil
em 1945, não possa ser atribuído apenas à amizade do crítico com o escultor, não é possível
desprezar o impacto dessa relação para o projeto artístico no qual Pedrosa trabalhou. Segundo
Muneratto (2011, p.19): “O que se deseja, [...] no estudo da afinidade de Calder com Pedrosa
e com o Brasil, é a revelação histórica dessa enquanto um evento-chave para os rumos
estéticos e intelectuais do país dentro do projeto construtivo brasileiro dos anos 1950/60”.
Nesse sentido, a experiência que se buscou evidenciar neste capítulo, isto é, aquela que
se refere à sua condição de exilado, destacou-se como um episódio capital na mudança no
“sistema de prioridade” do crítico. Foi a partir desse período que ele passou a se dedicar ao
exercício mais sistemático da análise dos objetos artísticos, sobretudo, a partir de 1943,
quando retornou a Nova York, e teve a oportunidade de visitar exposições de artistas como
Calder, Dalí e Miró. A transformação desse “sistema de prioridade” englobou também um
questionamento dos projetos políticos nos quais Pedrosa esteve envolvido no período em que
passou expatriado, que culminou com a saída da IV Internacional e ruptura com Trotski. Esse
momento, encarado como “crise”, lança luz para uma reformulação de seus projetos pessoais,
que passaram a estar cada vez mais atrelados à construção de uma plataforma crítica e
estética.
Essa “reconfiguração identitária”, analisada até aqui, deve ser compreendida ainda
tendo em vista os debates que Pedrosa teve a oportunidade de presenciar por ocasião de sua
estadia nos Estados Unidos. Entre 1938 e 1945, um grupo de intelectuais atuantes em Nova
York, que tinha como veículo de divulgação das suas ideias importantes revistas como a
Partisan Review, chamou a atenção para novas formas possíveis de conjugar as discussões
sobre o fenômeno artístico e suas implicações para a vida social e política. A publicação do
Manifesto por uma arte revolucionária independente e de artigos escritos por Clement
Greenberg e Meyer Schapiro – que viriam a se destacar como importantes críticos de arte
naquele país, sobretudo, pelo papel na legitimação do expressionismo abstrato – colocou
Pedrosa em contato com um novo repertório para a análise estética que permitiu a ele
valorização de uma arte autônoma, porém, não desconectada do universo social mais amplo,
onde ela teria o papel de modificar a percepção dos indivíduos.
152

Finalmente, cabe enfatizar a condição de exilado, nesse contexto, como uma


oportunidade que Pedrosa encontrou de se afastar das discussões sobre o fenômeno artístico
que eram travadas no Brasil, e estavam pautadas por um repertório de questões que
valorizavam, sobretudo, noções como “realismo” e “nacionalismo”. A partir da comparação
entre as críticas realizadas por Mário de Andrade e Mário Pedrosa sobre Portinari, 224 foi
possível perceber como o segundo foi progressivamente se afastando desse repertório, a partir
da segunda metade da década de 1940, priorizando, por sua vez, os aspectos plásticos dos
trabalhos artísticos e noções como “formas privilegiadas”. Sua experiência no exílio, portanto,
desempenhou um papel fundamental na reconfiguração tanto dos projetos que o crítico se
engajaria dali por diante quanto de suas concepções sobre arte, que, por ocasião de seu retorno
ao Brasil, vão ser mobilizadas na realização do programa construtivo nas artes.

224
Ver tópico 2.3 desta tese.
153

CAPÍTULO 4

A CONSTRUÇÃO DE UM “DEVENIR PICTÓRICO”: O RECONHECIMENTO DE


MÁRIO PEDROSA COMO CRÍTICO E FORMULADOR DE UM PROJETO
ARTÍSTICO

4.1 A importância da discussão sobre “arte virgem” para a demarcação de posições no


meio artístico e para a construção de um repertório crítico

No capítulo anterior, a passagem de Mário Pedrosa por um longo período de exílio nos
Estados Unidos foi objeto de investigação. Uma das principais hipóteses desta tese é que
alguns momentos da trajetória de Pedrosa evidenciam o processo a partir do qual ele se
inseriu gradualmente na crítica de arte, culminando na definição do projeto construtivo
brasileiro na década de 1950. Durante o momento em que esteve expatriado, o crítico não
apenas experimentou um momento de crise – devido ao afastamento de seu país de origem e
de seus círculos de convivência –, como também passou por um processo de “reestruturação
de sensibilidade” e de redefinição identitária que teve consequências significativas para sua
inserção no exercício judicativo, principalmente, a partir de seu retorno ao Brasil em 1945.
Cabe relembrar que, após chegar ao país, Pedrosa deu início a duas atividades por
meio das quais foi formando um público: tornou-se editor e diretor do periódico Vanguarda
225
Socialista, no qual se dedicava, principalmente, à discussão política, tendo como
plataforma o socialismo democrático; e também jornalista no Correio da Manhã,226 com uma

225
Vale lembrar ainda que Pedrosa foi um dos incentivadores na criação de jornal, cuja criação data justamente
de 1945.
226
Para compreender a importância da coluna de Pedrosa nesse jornal, é necessário também remeter à história
desse periódico. O Correio da Manhã foi criado pelo advogado Edmundo Bittencourt, e seu primeiro número
saiu no dia 15 de junho de 1901. De acordo com Nelson Werneck Sodré (1966, p.287), esse periódico
caracterizou-se desde o início por ser um veículo de oposição política, com uma linha editorial combativa, o que
lhe rendeu prestígio entre as camadas populares. Cinco anos após sua criação, foi o primeiro jornal a ter um
caderno especial aos domingos. Em 1933, o periódico passou por inovações editoriais, com a inauguração de
seções infantis, femininas, de rádio, entre outras. Em 1959, ganhou o segundo caderno em definitivo. Em suas
maiores tiragens, o jornal chegou a 200 mil exemplares. Na época em que circulou, o Correio da Manhã chegou
a ser considerado um dos mais bens escritos, com uma linguagem enxuta e direta. Sobre isso: “Teve revisores e
redatores famosos, como Costa Rego (que esteve no jornal, em períodos intercalados, de 1912 a 1930),
Graciliano Ramos e Aurélio Buarque de Holanda (década de 40) e Antonio Callado (iniciou sua carreira
jornalística no Correio, em 1937, como repórter e cronista, retornando em 1954 e lá permanecendo até 1960). Os
rodapés literários de Álvaro Lins, redator-chefe de 1940 a 1956, ficaram famosos”. Além do bom texto, o jornal
também se destacou pela questão estética: “O Correio da Manhã já nasceu com uma preocupação estética,
aspecto pouco comum na imprensa da época. As fotos, charges e ilustrações mostravam que o bom jornalismo
não se faz apenas com texto. Mesmo sem cores e numa impressão que deixava a desejar, faziam sucesso e
tornaram seus autores famosos, além de dar espaço para novos desenhistas” (PREFEITURA DA CIDADE DO
RIO DE JANEIRO, 2005).
154

coluna dedicada às artes plásticas. 227 A sua inserção nesses dois periódicos, no período
imediatamente posterior ao seu retorno ao Brasil, chama a atenção para o fato de que, mesmo
tendo permanecido sete anos afastado do país, Pedrosa conseguiu mobilizar sua rede de
relações aqui com o intuito de construir uma “boa carreira”.
Outro aspecto que merece destaque na participação de Pedrosa nesses dois periódicos,
principalmente no Vanguarda, é sua capacidade de agregar um grupo de indivíduos com
interesses em comum, mobilizando-os em algo concreto, por meio da criação de um jornal, de
um partido, ou até mesmo de um grupo artístico228. Mesmo no caso da sua coluna de artes
plásticas no jornal Correio da Manhã, ela também funcionou como um espaço de legitimação
das ideias do crítico acerca do fenômeno artístico, auxiliando, portanto, no papel que ele iria
desempenhar dali por diante na formulação de um projeto artístico que iria se configurar no
Brasil a partir da década de 1950. O fato de ter esse espaço em um periódico de grande
circulação no país, conferiu não apenas visibilidade a Mário Pedrosa, mas também contribuiu
para que suas críticas funcionassem como uma “moeda de troca” no meio artístico, na medida
em que, ao atuar legitimando os artistas e as tendências dos quais estes eram os principais
portadores, ele atingiu uma posição de destaque.
Nesse sentido, não foi apenas na formação de partidos políticos e de um semanário
como o Vanguarda que Pedrosa teria contribuído com sua capacidade de reunir indivíduos em
torno de um projeto em comum. Essa importante faceta de sua atividade intelectual também
aparece na ligação com um grupo de artistas no Rio de Janeiro na década de 1940, onde
ocupou a posição de um dos principais teóricos. O incentivo de Mário Pedrosa ao debate de
ideias e à criação de um sentimento de grupo229 foi fundamental para o estabelecimento de um
núcleo de experimentação em torno da arte concreta na cidade, que deu origem ao Grupo
Frente nos anos de 1950. Por outro lado, sua reputação como crítico de arte também se daria,
em parte, por meio de sua circulação nesse grupo, como será visto nos depoimentos dos

227
Sua relação com Niomar Muniz Sodré e Paulo Bittencourt, proprietários do Correio da Manhã, colocou
Pedrosa em uma posição privilegiada no interior do jornal, considerando que foi convidado para inaugurar uma
coluna de artes plásticas, permanecendo no periódico até 1951.
228
Esse aspecto já havia sido vislumbrado por Marques Neto (1993), quando analisa a atuação de Pedrosa na
oposição de esquerda no Brasil nos anos 1920. De acordo com esse autor, após o crítico retornar da Europa em
1929, não havia um movimento organizado de oposição ao PCB. Diante desse cenário, Pedrosa auxiliou na
promoção de debates informais e estudos teóricos entre os oposicionistas, a fim de garantir uma homogeneidade
ao grupo. Nesse período, ele ajudou a organizar o Grupo Comunista Lenine.
229
Segundo Sant’Anna (2004, p.19): “Pensando a identidade como sentimento de pertença que implica visões de
mundo partilhadas e orienta tomadas de posição com relação ao bem fazer artístico, à modernidade, e ao Brasil,
optei, portanto, por entender que relações se estabelecem objetivamente no interior do grupo carioca, de que
modo suas trajetórias de vida se cruzam, e se mantêm juntas, para dar origem a um movimento de ruptura. Trata-
se de saber que formas de sociabilidade permitem uma identidade partilhada: valores comuns, um mito de
origem coletivo e um destino coletivamente almejado”.
155

artistas. Desse modo, a criação do Grupo Frente também é um importante marco na trajetória
de Pedrosa, redefinido sua atuação no exercício crítico.
Para compreender o papel de Pedrosa na formulação do projeto concreto é necessário
atentar para como ele foi se inserindo progressivamente no meio artístico brasileiro, muitas
vezes, por caminhos não convencionais. Após seu retorno ao Brasil, mais especificamente em
1947, Pedrosa travou contato com artistas que frequentavam o ateliê de pintura do Centro
Psiquiátrico Nacional Pedro II, 230 onde teve acesso à produção artística dos internos desse
hospital, incentivada pela doutora Nise da Silveira 231 e pelo artista Almir Mavignier.232 Além
de ter entrado em contato com artistas que iriam sobressair mais adiante no interior do projeto
construtivo, como o próprio Mavignier, além de Ivan Serpa e Abraham Palatnik, o período em
que Pedrosa frequentou o hospital, entre 1947 e 1952, também se destacou como um
momento extremamente produtivo para o crítico. Além de ter atuado como “teórico” de um
grupo de artistas, conforme será visto nos discursos, sua relação com os internos do centro
psiquiátrico permitiu que depurasse seu repertório crítico no contato com os trabalhos
artísticos que eram produzidos lá.
A participação de Pedrosa em debates sobre valor artístico da produção dos internos,
durante o período em que frequentou o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, lança luz para
as interseções entre prática artística e processos terapêuticos, e também para as relações entre
arte e loucura. De acordo com Lima & Pelbart (2007), a entrada de Nise da Silveira na Seção
de Terapêutica Ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional Pedrosa II, em 1946,
desempenhou um papel central na reconfiguração dos vínculos entre arte, clínica e loucura.
Por outro lado, a entrada dos artistas e de Pedrosa nessa instituição também foi importante,
porque eles travaram uma batalha em torno da produção artística dos internos, ao mesmo
tempo em que aproximavam essa produção das manifestações artísticas modernas, conforme

230
Em pesquisa sobre arte concreta no Rio de Janeiro, Glaucia Villas Bôas evidenciou as relações significativas
entre o Ateliê do Engenho de Dentro e o concretismo carioca, que até então não tinham sido apontadas. Ver a
respeito Villas Bôas (2008).
231
Nise da Silveira (1905-1999) foi uma médica psiquiatra brasileira que se destacou por utilizar novos métodos
no tratamento da esquizofrenia. Após se formar, aos 21 anos, na Faculdade de Medicina na Bahia, Nise veio
trabalhar no Rio de Janeiro, no Hospital da Praia Vermelha. Na década de 1930, durante o governo Vargas, foi
denunciada e presa como comunista durante 16 meses, abandonando, portanto, seu emprego naquele hospital.
Durante a anistia, em 1946, ela foi reintegrada ao serviço público, passando a trabalhar no Centro Psiquiátrico
Nacional Pedro II, onde criou o serviço de terapêutica ocupacional, de onde saíram os artistas que iriam fazer
parte do Museu do Inconsciente, criado por ela em 1952.
232
O pintor e artista gráfico Almir da Silva Mavignier (1925) iniciou seus estudos artísticos com os artistas
exilados Arpad Szenes e Axl Leskoschek, no Rio de Janeiro, em 1945. No ano seguinte, funda o ateliê de pintura
da seção de terapêutica ocupacional do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, onde fica até 1951. Nesse período,
convive com Mário Pedrosa e os artistas Ivan Serpa e Abraham Palatnik, que frequentavam o hospital, além de
ter promovido exposições com os artistas do ateliê que levaram a polêmicas entre os críticos de arte e deram
grande projeção a Mário Pedrosa.
156

será visto adiante. Para Pedrosa, esse debate foi especialmente importante, visto que ele teve a
oportunidade de continuar o processo de construção de seu vocabulário crítico, analisando os
trabalhos dos internos do ponto de vista formal, em vez de compreendê-los a partir de uma
perspectiva científica.233
Essa distinção entre um ponto de vista científico em relação às obras, que seria
representando por Nise da Silveira, e outro que tentaria compreender o valor artístico dos
trabalhos produzidos no ateliê de pintura pode ser vista na criação do Museu do Inconsciente
pela médica, em 1952. Mesmo adotando o critério científico como referência para esse
espaço, o debate entre arte e loucura, que contou com a participação de artistas e críticos
como Pedrosa, teria contribuído para legitimar essa iniciativa, conforme é possível ver no
trecho a seguir:

Se Nise da Silveira sempre se manteve discreta quanto ao julgamento estético das obras
produzidas nos ateliês, reiterando um interesse “científico” (leia-se, circunscrito aos
discursos psiquiátrico e psicanalítico) pelas obras, buscando interpretá-las do ponto de vista
do estado psíquico dos doentes, de suas evoluções ou retrocessos, da expressão de seus
medos e “despotencialização de suas figuras ameaçadoras”, nem por isso esteve alheia às
conexões possíveis entre arte, psicanálise e psiquiatria. Ao contrário, ela alimentou-se desse
debate para enriquecer o seu trabalho terapêutico. Entretanto, o critério que se estabeleceu
para a criação do Museu de Imagens do Inconsciente, em 1952, foi o científico: sem
orientar-se pelo estatuto artístico atribuído às obras, estas foram catalogadas como
“documentos plásticos” capazes de serem estudados em série, seguindo os critérios de
análise propostos pela teoria junguiana. Assim, desfez-se a aliança estreita entre psiquiatria,
psicanálise e artes plásticas que está na origem do ateliê de pintura. Porém, o encontro mais
intenso que se deu, nos seus primeiros anos de funcionamento, com integrantes do campo
artístico, contribuiu para a elaboração de um discurso de oposição aos tratamentos
psiquiátricos tradicionais aplicados aos internos daquelas instituições (TOLEDO, 2012).

A criação do Museu do Inconsciente marcou a organização de um acervo com


trabalhos desenvolvidos no ateliê de pintura do hospital, que foram agrupados obedecendo a
um critério científico, além de também ter coincidido com o afastamento dos artistas e de
Mário Pedrosa daquela instituição. Por outro lado, no final da década de 1940, as
classificações a respeito da produção dos internos eram objeto de disputa, transpondo os
limites da psiquiatria e chamando atenção dos participantes do meio artístico. Nesse contexto,
Mário Pedrosa foi um dos principais protagonistas de um debate entre os críticos de arte a
respeito da definição da produção plástica dos doentes mentais. Ao defender o caráter artístico

233
Em depoimento, Nise da Silveira destaca o papel que ela desempenhou como representante do ponto de vista
científico em relação àquilo que era produzido no ateliê de pintura: “Mas sempre me mantive discreta quanto a
pronunciamentos sobre a qualidade das criações plásticas dos doentes. Isso competia aos conhecedores de arte. O
que me cabia era estudar os problemas científicos levantados por essas criações. E certamente era um problema
científico a investigar o fato de que certos esquizofrênicos, inclusive alguns ditos ‘crônicos’, exprimissem suas
vivências através de formas que os conhecedores de arte admiravam. E, acima de tudo, eu me sentia no dever de
ressaltar o aspecto humano desse fenômeno” (SILVEIRA, 1981, p.16).
157

dessa produção, o crítico lançou mão do vocabulário que estava desenvolvendo para tratar da
arte moderna, especialmente aquela da vertente construtiva, e que aparece com força não
apenas nos artigos de jornal publicados por ele nesse período, mas também na tese que ele
estava redigindo naquele momento, intitulada Da natureza afetiva da forma na obra de
arte.234
Se nesse momento Mário Pedrosa estava forjando o instrumental de sua crítica, a
oportunidade de analisar os trabalhos criados no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II e
enfrentar outros intelectuais para defender seu ponto de vista seria a ocasião ideal para
“testar” a força de seus argumentos. Essa chance apareceu em duas exposições organizadas
com as obras do ateliê de pintura: a primeira em 1947, sob a iniciativa de Almir Mavignier, no
Ministério da Educação e da Cultura (MEC), e a segunda em 1949, realizada no Museu de
Arte Moderna de São Paulo, contando com a organização do diretor dessa instituição, Léon
Degand, e Mário Pedrosa. Essa última mostra também foi para o Rio de Janeiro, instalando-se
no Salão Nobre da Câmara Municipal.
Em 1947, o crítico já havia publicado um artigo no Correio da Manhã, intitulado
“Ainda a exposição do Centro Psiquiátrico”, em que defendia a iniciativa da mostra realizada
nesse ano. 235 Nele, Pedrosa inicia tecendo elogios à mostra: “[...] é uma experiência de
extraordinário valor tanto para os que se interessam pelos problemas da arte, como para os
interessados nas graves questões da psicopatologia.”236 Vale notar que mesmo reconhecendo
o valor artístico dos trabalhos exibidos, o crítico não descarta outro viés, que seria o
reconhecimento daquela produção a partir de sua importância para o desenvolvimento de
pesquisas científicas. Esse parece ser o diapasão de todo o texto, na medida em que ele afirma
que aquelas “imagens do inconsciente” devem ser decifradas pela psiquiatria, mas nada
impediria que também fossem vistas como imagens “sedutoras, dramáticas, vivas ou belas”.
Por fim, Pedrosa ainda avalia os objetivos de Nise da Silveira ao promover aquela produção:

[...] a finalidade de uma cientista da sensibilidade e do valor moral e profissional da dra.


Nise da Silveira não é de fazer exibição de extravagâncias de “doidos” e “malucos” nem de
exaltar o valor artístico dessas obras (embora muitas delas tenham de fato um autêntico
interesse científico); mas de educar também o público, de levá-lo a compreender que esses
jovens e esses homens que se encontram asilados” existem também como nós, têm os seus

234
A discussão das ideias apresentadas na tese será objeto do tópico 4.3.1 deste capítulo.
235
Em 1947, Almir Mavignier organizou a primeira mostra com trabalhos do ateliê de pintura do Centro
Psiquiátrico Nacional Pedro II na Galeria do Ministério da Educação e Cultura. No total, a mostra exibiu 245
pinturas. Segundo Villas Bôas (2008, p.204), foi nessa exposição que Mavignier conheceu Mário Pedrosa, que
passou a frequentar o ateliê a partir dali.
236
PEDROSA, Mário. Ainda a exposição do Centro Psiquiátrico. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 07 fev.
1947.
158

problemas que não são muitos diferentes dos nossos, são sensíveis como nós outros
normais [...] O valor educacional da exposição é de primeira ordem; seu valor artístico
também é imenso.237

O crítico ainda se mostrava tímido na defesa do caráter estético dos trabalhos do ateliê
de pintura, tendo em vista que o estatuto científico das obras é bastante enfatizado por ele. Em
outro texto, dessa vez publicado por ocasião da mostra de 1949, intitulado “Os artistas do
Engenho de Dentro”, a timidez é deixada de lado, e o que Pedrosa procura enfatizar são
justamente os critérios artísticos que mobilizaram a organização da mostra:

Trata-se com efeito de manifestação de arte da maior importância para o nosso


país. Os trabalhos ali apresentados têm todas as qualidades que caracterizam as autênticas
obras de arte. Os desenhos e pinturas de Rafael são de uma pureza de linguagem
inigualável. Os óleos de Emygdio denotam uma fascinante personalidade de pintor. As
construções abstratas e figuras de Carlos revelam uma extraordinária inventiva formal.
Vicente, de que publicamos aqui reprodução de um de seus quadros, é um pintor
espontâneo, na veia de Douanier Rosseau; é primitivo mas sem o infantilismo, o excesso de
detalhes tão característico desse gênero de pintura. Wilson consegue revelar em algumas
cabeças uma dramática personalidade. Kleber é um paisagista dos morros suburbanos. Isso
quanto aos pintores.
[...] O critério que presidiu a exposição atual foi rigorosamente artístico. É
uma demonstração de que o fenômeno da criação artística é inerente a todo homem dotado
de sensibilidade e talento, e por isso mesmo se verifica tanto na criança como no adulto, no
letrado como no analfabeto, no primitivo como no civilizado, no são como no insano. Em
nenhuma parte do mundo, hoje, se pode apresentar demonstração mais indiscutível e
eloquente dessa formidável conclusão psicoestética moderna do que a coleção de obras dos
artistas de Engenho de Dentro [...].238

Nesse fragmento, chama a atenção o vocabulário utilizado por Pedrosa para analisar os
trabalhos dos artistas presentes na mostra. Em expressões como “construções abstratas”,
“inventiva formal” e “pureza de linguagem”, o crítico estava evidenciando aspectos que ele
identificava em artistas abstratos, como Alexander Calder, enfatizando os elementos plásticos
do quadro em detrimento de uma descrição do assunto. Ao mobilizar esse repertório, Pedrosa
já estaria rompendo com as fronteiras que separariam a arte produzida pelos internos de
hospitais psiquiátricos e os artistas considerados modernos, na medida em que utilizava as
mesmas expressões para caracterizar os trabalhos de ambos. Por outro lado, buscou aproximar
esses trabalhos, afirmando que todo homem estaria dotado de capacidade inventiva. Na

237
PEDROSA, Mário. Ainda a exposição do Centro Psiquiátrico. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 07 fev.
1947.
238
PEDROSA, Mário. Os artistas do Engenho de Dentro. Correio da manhã, Rio de Janeiro, 27 nov. 1949.
Grifo nosso.
159

conferência Arte, necessidade vital, realizada por ocasião da mostra dos internos em 1947, 239
o crítico já havia destacado esse ponto, quando analisa o processo de criação artística:

O problema da criação, em todos os domínios mentais, portanto, consistiria em libertar os


criadores, que se esqueceriam de associações mentais já feitas, já acorrentadas
automaticamente a certas fórmulas. Não se explica por aí também a razão pela qual a
criança é mais liberta dessas associações tirânicas que o adulto, e o homem mentalmente
anormal mais do que o mediano – o que fica dentro da média estatística? (PEDROSA,
1996, p.48).

As referências para separar o artista do não artista, portanto, não seriam tão óbvias,
bastando reconhecer que um trabalho fosse produto de um interno de hospital psiquiátrico
para classificá-lo de imediato como desprovido de um estatuto artístico. Para Pedrosa, esse
não parecia ser o caso; para ele, era importante que os artistas se desligassem de fórmulas
prontas para que suas obras fossem dotadas de valor estético. A inspiração também é um
elemento que deveria ser enfatizado na classificação das obras de arte, segundo o crítico. Não
é à toa que ele destaca as “forças vitais, espontâneas e inconscientes” que emanam dos
indivíduos, mas que devem ser portadoras de uma estrutura formal para que sejam
consideradas arte: “cada indivíduo é um sistema psíquico à parte, e também uma organização
plástica e formal em potência” (PEDROSA, 1996, p.54).
Essa discussão sobre o estatuto da produção dos internos do Centro Psiquiátrico
Nacional Pedro II deu ensejo para um debate entre os críticos de arte atuantes no período,
como foi o caso de Quirino Campofiorito,240 que se posicionou em relação à mostra de 1949.
Nesse mesmo ano, no artigo “Esquizofrenia e crítica”, o autor entrou em um embate direto
com Pedrosa, quando destacou o maior ponto de discordância entre os dois:

Afinal só estamos em desacordo realmente em um ponto: no exagero com que a crítica de


arte aprecia os trabalhos dos enfermos do Centro Nacional Psiquiátrico. A mais do que isso,
apenas temos denunciado o perigo que constitui o menosprezo pela correta compostura do
artista na sociedade e pela sua dignidade profissional, o que só pode levar uma lamentável
confusão aos jovens e uma prevenção da sociedade contra a arte [...] Também jamais nos
opusemos a que se chamassem de artistas a esses expositores (achamos ridículo sim que se
considerasse ‘geniais’, ‘formidáveis artistas’ e outras classificações que escapam ao bom
senso) – ‘quem já viu doido ser artista’ – é outra invenção inexplicável do crítico do

239
Essa conferência foi publicada em uma coletânea de artigos com mesmo título em 1949. A recepção desse
livro será objeto do tópico 4.3.2.
240
Quirino Campofiorito (1902-1993) iniciou sua carreira no meio artístico como caricaturista em revistas no
Rio de Janeiro, na segunda metade da década de 1910. Em 1920, iniciou um curso de pintura na Escola Nacional
de Belas Artes (ENBA), localizada nessa cidade. Em 1929, ganhou uma viagem ao exterior como premiação.
Após ficar na Europa até 1935, voltou ao Rio de Janeiro, onde criou e dirigiu o primeiro jornal a tratar
exclusivamente de artes, intitulado Belas Artes. Em 1938, passou a dar aulas de desenho e artes decorativas na
ENBA, tornando-se seu vice-diretor. Em 1940, integrou a comissão organizadora da Divisão Moderna do Salão
Nacional de Belas Artes promovida pela ENBA. Em 1942, foi eleito presidente dessa instituição. Paralelamente
às suas atividades na Escola, atuou também como crítico de arte.
160

Correio da Manhã, pois jamais diríamos semelhante tolice: nunca apelamos para
psiquiatras em vista do confusionismo da crítica, e sim estranhamos que a exposição
estivesse sendo esquecida pelos cientistas que deveriam ser os grandes interessados no
assunto, enquanto a elevada iniciativa do Centro Nacional Psiquiátrico parecia apenas
entusiasmar desmesuradamente a curiosidade artística; em momento algum formamos entre
os ‘leigos em psiquiatria que proíbem aos deficientes mentais as possibilidades da arte’,
mas sim não nos afastamos um instante do nosso reduto, que é o da arte, e no qual não
somos leigos, e por isso negamos interesse artístico excepcional aos trabalhos dessa
exposição.241

Cabe enfatizar no comentário de Campofiorito algo que a própria Nise da Silveira


havia destacado: o maior interesse dos críticos de arte nas obras dos internos se comparado
com os psiquiatras.242 Esse aspecto seria problemático, de acordo com o crítico, na medida em
que ele parece buscar um estatuto diferenciado para os artistas, cujos trabalhos não poderiam
se confundir com a produção dos esquizofrênicos. Ademais, merece destaque também o fato
de Campofiorito atentar para uma suposta confusão entre os artistas profissionais e os
esquizofrênicos, o que poderia prejudicar o papel desempenhado pelos próprios críticos de
arte, cuja função seria justamente distinguir a produção artística da não artística. Nesse
sentido, ele também pretendia, de certa forma, defender não apenas os artistas, em detrimento
dos “loucos”, mas também aqueles que atuavam no exercício judicativo.
O trecho mencionado anteriormente foi uma resposta a um artigo de Pedrosa,
intitulado “Os artistas do Engenho de Dentro”, que não apenas criticava Campofiorito, 243
como também aproveitava para reforçar que havia a possibilidade de ser “louco” e artista ao
mesmo tempo:

De qualquer modo, para nós eles continuam a ser “formidáveis artistas”. E desafiam quem,
diante de algumas daquelas telas, nos prove o contrário. Estamos mesmo dispostos a
comparecer a um tribunal de críticos e especialistas, para aí sustentar, de pés juntos, ser um
artista da sensibilidade de um Matisse ou de um Klee, e que o Municipal de Emygdio, por
exemplo, é uma tela que, pela força de expressão, o sopro criador, a atmosfera especial e o
arranco da imaginação, não tem talvez segunda na pintura brasileira. Não temos medo nem
de Santos Sínodos nem de outras inquisições. 244

241
CAMPOFIORITO, Quirino. Esquizofrenia e crítica. O Jornal, Rio de Janeiro, 17 dez. 1949.
242
Segundo Nise da Silveira (1981, p.14): “Será forçoso reconhecer que os críticos de arte mostram-se
surpreendentemente mais atentos aos fenômenos da produção plásticas dos esquizofrênicos que os psiquiatras
brasileiros”.
243
No início do artigo, Pedrosa afirma: “A exposição dos artistas de Engenho de Dentro tem inquietado muita
gente. Em alguns essa inquietação vai até a hostilidade, inclusive às criaturas que ali expõem. O nosso colega
Campofiorito em sucessivas crônicas vem representando essa corrente hostil, feita de preconceitos caducos
quanto aos privilégios da nobre corporação dos artistas profissionais, tidos como ‘normais’” (PEDROSA, Mário.
Os artistas do Engenho de Dentro. Correio da Manhã, Rio de janeiro, 14 dez. 1949.).
244
PEDROSA, Mário. Os artistas do Engenho de Dentro. Correio da Manhã, Rio de janeiro, 14 dez. 1949.
161

Apoiando-se também em outros críticos como Lourival Gomes Machado, 245 Sergio
Milliet e Léon Degand, além da própria Nise da Silveira, 246 Pedrosa enfatizava que qualquer
artista, ao atingir um determinado nível de sensibilidade, deve ser trazido à luz, mesmo não
sendo considerado um artista strictu sensu, como era o caso dos participantes daquela
exposição. Ao contrário de Campofiorito, que buscava afirmar sua condição de crítico
distinguindo quem deveria ser considerado um artista profissional, Pedrosa parecia estar de
acordo com a ideia de que aqueles envolvidos no exercício judicativo devem descobrir valores
artísticos, não se preocupando onde eles se manifestam. Nesse sentido, cabe observar o fato
de Pedrosa destacar em sua trajetória crítica a “descoberta” dos artistas do Engenho de Dentro
como um elemento importante de sua atuação no exercício judicativo: “[...] apesar de ter sido
eu [...] um dos primeiros neste país a defender, entusiasticamente, a obra dos artistas virgens
de Engenho de Dentro, a criação maravilhosa das crianças e o espontaneísmo figurativo dos
primitivos e ingênuos”.247
Outro crítico mencionado por Pedrosa é Sergio Milliet, que também se posicionou
sobre a discussão em torno do valor artístico dos trabalhos dos internos do Centro Psiquiátrico
Nacional Pedro II. No artigo “Arte e loucura”, o crítico paulista lembra os avanços da
psicologia, especialmente da psicanálise, na descoberta do inconsciente. Sobre a mostra, ele
também ressalta que seria possível identificar ali trabalhos portadores de valor artístico,
embora nem sempre a obra dos “alienados” pudesse ser classificada como arte. Partindo de
uma polarização entre artistas e loucos, Milliet afirma:

Entre os loucos, tão curiosos nas suas manifestações gráficas pictóricas ou plásticas,
encontramos verdadeiros artistas que não são artistas porque são loucos, mas apesar de
loucos, e que por serem loucos e artistas gozam de uma liberdade de expressão, possuem
uma força emocional tão profunda e soluções de tal maneira perfeitas que alcançam não
raro a obra-prima.248

245
Lourival Gomes Machado (1917-1967) atuou como crítico de artes plásticos da revista Clima, criada em
1941, em São Paulo. De acordo com Pontes (1998, p.40), ele era reconhecido a partir da chancela da Faculdade
de Filosofia, Ciências e Letras, pois era formado em Direito e em Ciências Sociais e ocupava a cátedra de
política na Universidade de São Paulo. Segundo a autora, um diferencial de Lourival Gomes Machado em
relação aos outros críticos de arte da época era que ele tentava “marcar a sua competência no campo da crítica
brasileira, por meio da afirmação da formação sociológica recebida na Universidade de São Paulo”.
246
Nesse artigo, Pedrosa afirma que Nise da Silveira teria contribuído para que o trabalho dos internos fosse
considerado arte, indo de encontro, portanto, à ideia de que ela teria valorizado essa produção estritamente pelo
viés científico: “Todo trabalho da doutora Nise da Silveira consistiu precisamente em demonstrar a razão pela
qual é possível ser-se louco e artista, ao mesmo tempo. Ela quis demonstrar precisamente que não há razão para
espanto com tal afirmação. E, na realidade, respondeu antecipadamente aquele crítico [Quirino Campofiorito],
quando, comungando da opinião vulgar, julga que os loucos ‘são seres embrutecidos’ confundidos numa só
categoria desprezível de débeis mentais” (ver nota 243).
247
PEDROSA, Mário. Crítica da crítica crítica. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 15 jul. 1959.
248
MILLIET, Sergio. Arte e loucura. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 15 out. 1949.
162

Embora o artigo de Milliet possua diferenças significativas em relação ao texto de


Campofiorito, na medida em que o primeiro atribuiu um estatuto de arte a alguns trabalhos
presentes na mostra, os criadores daquelas obras, por sua vez, não poderiam ser considerados
artistas justamente porque, na expressão de Milliet, eles seriam “loucos”. Nessa perspectiva,
ele guarda semelhanças com a crítica de Campofiorito, considerando que a mostra se prestou
muito mais a uma discussão sobre a forma de classificar os indivíduos que expunham ali – se
para Milliet, eles eram, acima de tudo, “loucos”, para Campofiorito eles eram “débeis
mentais”, e por isso, não poderiam ser considerados artistas profissionais – do que sobre os
elementos plásticos presentes nos próprios trabalhos que colocariam em evidência sua
natureza (artística ou não).
No interior dessa disputa, um dos críticos que mais se aproximava da posição adotada
por Pedrosa em relação ao trabalho dos internos era Rubem Navarra.249 No artigo “Pintura e
loucura”, ele destaca a proximidade dos trabalhos apresentados na mostra com a arte abstrata:

Na verdade, muito artista moderno da arte abstrata se orgulharia de assinar alguns


daqueles trabalhos. Diversas das pinturas expostas apresentam enorme semelhança com os
“fauves”, praticamente o mesmo espírito plástico – certas pinturas são dotadas de um
requinte espantosos no colorido e sua fatura é tal qual a do fauvismo. Outros lembram a
pureza abstrata dos desenhos das cavernas. Outros são de modo a chocar a convicção de
certos “abstratos” educados na Escola de Paris.
[...] Os que conhecem a obra da pintora Maria Helena Vieira da Silva farão uma bela
experiência indo olhar tais pinturas. A semelhança é fundamental. Um pintor abstrato não
poderia desejar melhor. São construções rítmicas admiráveis de linhas e manchas puras,
numa espécie de obsessão repetitiva. A construção é tal qual a de Vieira da Silva, somente
sem a ideia de perspectiva – aproximando-se, nesse ponto, de Kandinski. 250

No artigo de Navarra, a questão não parece ser um questionamento acerca da


classificação entre artistas e não artistas, arte e não arte. Além da relação analisada por ele
entre os trabalhos exibidos e a arte abstrata, ele observa que o que estava em jogo era a
dicotomia entre sensibilidade artística e razão, que, conforme será visto adiante, também era
uma questão cara a Pedrosa. Nesse sentido, os trabalhos artísticos dos internos do Centro
Psiquiátrico Nacional Pedro II não poderiam ser pensados isoladamente, mas no conjunto de
questões relativas à arte moderna – cujo “estado de espírito”, segundo Navarra, nasceu de

249
Rubem Navarra (1917-1955) teve sua iniciação na crítica por meio do casal Arpad Szenes e Maria Helena
Viera da Silva – artistas que estavam exilados na cidade e contribuíram para a formação de artistas brasileiros –,
de quem ele era amigo. Sua atuação na imprensa carioca foi intensa, principalmente na década de 1940,
contribuindo para a Revista do Brasil, Revista Acadêmica, entre outras. Sobre a trajetória de Navarra na
crítica, ele estaria vinculado ao primeiro projeto moderno, devido às suas reservas em relação à abstração e pela
defesa de uma representação do povo brasileiro na arte (COUTO, 2004, p.55).
250
NAVARRA, Rubem. Pintura e loucura. Diário de Notícia, Rio de Janeiro, 02 mar. 1949.
163

uma desconfiança em relação à razão – e à descoberta do inconsciente pela psicanálise: “A


faculdade artística se comprova ser a mais forte do espírito humano, a mais orgânica e menos
aprendida. Sobrevive ao naufrágio da razão e lhe é anterior”251.
Embora o texto de Navarra aponte para proximidades na defesa de Pedrosa do caráter
artístico da produção dos artistas do Engenho de Dentro, é necessário enfatizar as distâncias
que separam não apenas os dois críticos, mas também o próprio Pedrosa em relação a outros
intelectuais dedicados à análise dos objetos artísticos, incluindo Milliet e Campofiorito.
Navarra, por exemplo, enfatiza a relação entre os trabalhos dos internos e a arte abstrata, mas
sua posição em relação a esta última não coincidia com a defesa que Pedrosa faria dessa
tendência, como é possível ver nesse trecho: “De que vale quebrarmos a cabeça com procuras
abstratas e intelectualizadas de uma pintura blasée, quando nem exploramos ainda a plástica
viva da nossa gente? Para destruir o academismo ou cerebralismo, basta olhar o povo
brasileiro” (NAVARRA, 1945 apud COUTO, 2004, p.55).
Pedrosa, por sua vez, posicionou-se de maneira diferenciada ao fazer uma análise da
produção dos artistas do Centro Psiquiátrico, valorizando as características formais do quadro,
além de vincular essa mesma produção a uma arte desinteressada, “independente da expressão
verbal”. Isso acontece no texto “Pintores de arte virgem”, que foi publicado em 1950 e
ocupou uma folha e meia do jornal Correio da Manhã. Diferentemente dos artigos escritos
por Pedrosa em 1949, em que era necessário, em primeiro lugar, defender os trabalhos dos
internos de seus detratores, no texto de 1950, foi possível fazer uma análise mais acurada
desses trabalhos e dos artistas individualmente.
Nesse artigo, Pedrosa aborda aspectos mais gerais do fenômeno artístico, fazendo um
paralelo entre a música e as artes plásticas. Segundo o crítico, as artes plásticas aspirariam
atingir o mesmo estatuto da música, na medida em que “cria seu mundo próprio, de onde as
pretensões à realidade objetiva são afastadas”. A concepção de arte defendida por Pedrosa,
portanto, não valorizaria o assunto no quadro, importando apenas “o valor expressivo, as
relações formais”. Como exemplo, ele faz referência justamente aos trabalhos dos internos do
Engenho de Dentro, que superam “qualquer respeito a convenções acadêmicas estabelecidas e
a quaisquer rotinas da visão naturalista e fotográfica”.252
Mais do que nos artigos anteriores, no texto de 1950, Pedrosa parece elevar o tom no
que diz respeito à defesa da importância dos artistas do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II.
Isso pode ser visto tanto pelo fato de o crítico mobilizar questões mais abrangentes

251
NAVARRA, Rubem. Pintura e loucura. Diário de Notícia, Rio de Janeiro, 02 mar. 1949.
252
PEDROSA, Mário. Pintores de arte virgem. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19 mar 1950.
164

relacionados ao fenômeno estético – e que faziam parte de sua agenda naquele momento –,
para introduzir o trabalho do ateliê de pintura, quanto por apresentar alguns artistas
separadamente, conforme é possível ver nesse trecho: “Carlos, ao contrário de Emygdio, é o
homem de contornos precisos, das formas límpidas bem marcadas, em que o modelado é
quase nenhum e o estilo é dado pelo jogo dos contrastes e as exigências de ordem simétrica.
Nele o objetivo e o subjetivo tendem a unir-se sob uma organização arquitetônica
dominadora”.253
Quando enfatiza a presença da simetria e de contornos precisos, em detrimento do
modelado, Pedrosa destaca que a pintura de Carlos se aproximaria da linguagem musical,
considerando que ela não apelaria para a expressão verbal. Por outro lado, quando o crítico
lança luz para as “formas privilegiadas” no trabalho do artista, ele destaca também outros
elementos, como a intuição e o inconsciente do criador na feitura de sua obra. Para Mário
Pedrosa, a existência das estruturas formais nos trabalhos artísticos não independeria do
mundo interior do artista, assim como, para criar obras de arte, não bastaria apenas que os
homens dessem vazão às forças inconscientes que atuam nele.
É importante salientar que as questões em torno da valorização da simetria e das
“formas límpidas bem marcadas” e da relação entre sensibilidade e forma no processo de
criação artística, que aparecem no artigo com o intuito de validar as obras dos internos do
Centro Psiquiátrico, fazem parte de um leque de problemas sobre o qual Pedrosa estava se
debruçando naquele momento, vide as discussões que aparecem em sua tese Da natureza
afetiva da forma na obra e em outro ensaio, intitulado “Forma e personalidade”, de 1951. Na
tese, por exemplo, o crítico já lançava luz para o que ele vai chamar de formas privilegiadas,
isto é, aquelas que são regulares, simples e simétricas. De acordo com ele, essas formas se
impõem aos sentidos do espectador – cujo prazer estético é obtido pela contemplação das
formas mais simples –, criando uma comunicação entre o público e a obra de arte. No caso de
um artista como Carlos, destacado por Pedrosa, a presença dessas formas privilegiadas em
seus trabalhos garantiria a eles um valor artístico, na medida em que apresentavam os
elementos que o crítico definia como “boa pintura”.
Já em 1951, Pedrosa publica ensaio “Forma e personalidade”, no qual as referências à
aos internos do Centro Psiquiátrico e a discussão sobre a loucura aparecem com bastante
frequência.254 O principal mote do texto são justamente os vínculos entre os aspectos plásticos

253
PEDROSA, Mário. Pintores de arte virgem. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19 mar 1950.
254
Quando está discutindo a posição do artista, que deve olhar seu trabalho como algo externo, “independente
dos elementos psíquicos”, o crítico diz ter notado esse processo no ateliê de pintura: “Essa observação, tivemos
165

da obra de arte e a inspiração no processo de criação artística, isto é, a relação entre os


impulsos subjetivos e sua expressão em formas objetivas. Essa questão já havia sido abordada
pelo crítico na conferência de encerramento da primeira exposição dos internos do ateliê, em
1947, quando ressalta a importância das forças vitais do homem para a realização de obras de
arte, ao mesmo tempo em que destaca que os impulsos do inconsciente devem se estruturar
formalmente a fim de que adquiram um valor artístico. 255 Todavia, é em “Forma e
personalidade” que Pedrosa vai aprofundar essa questão, mobilizando não apenas a produção
dos esquizofrênicos, como também a das crianças e dos povos primitivos.256
Para diferenciar a produção dos artistas virgens, Pedrosa lembra aquela dicotomia
mencionada por Navarra – que diz respeito à sensibilidade, por um lado, e à razão, por outro –
quando ele afirma que, em vez da habilidade aprendida, aqueles trabalhos artísticos seriam a
expressão de um “dinamismo expressivo”, de um “ritmo puro”. 257
Em “Forma e
personalidade”, o autor lança luz para essa questão, ao destacar que o problema da criação
artística consiste em libertar o homem do aprendizado adquirido e da visão rotineira que ele
tem do mundo. Nesse sentido, as crianças e os doentes mentais poderiam ser considerados
artistas por excelência, na medida em que o mundo perceptivo desses indivíduos estaria
povoado pelos sentimentos e os objetos percebidos carregados de afetividade:

O fenômeno artístico consiste, no fundo, em ver tudo fisionomicamente, como se tratasse


de um conjunto de planos e linhas animados de expressão, isto é, uma cara, um todo. As
formas exteriores se apresentam aos nossos sentidos, ao nosso pensamento, dotadas de
vida, como o corpo, o rosto dos seres humanos. Se tal maneira de ver era a mais
generalizada no mundo primitivo, ao passo que no mundo adulto civilizado é ultrarrestrita,
na criança e no alienado de hoje, seres que transpõem os espaços históricos e os tempos,
para afinar com os povos primitivos, é o modo predominante de “conhecer” (PEDROSA,
1979c, p.96).

ocasião de fazê-la, diversas vezes, no Centro Psiquiátrico do Engenho de Dentro, ao presenciar a maneira pela
qual um pintor como Emygdio ou um desenhista como Rafael se comporta no trabalho artístico. Rafael é
empolgado pelo dinamismo de suas linhas; Emygdio para, recua, olha, mede, apaga, recomeça, retoca”
(PEDROSA, 1979c, p. 101).
255
Segundo Pedrosa (1979a, p.54): “É ela [obra de arte] puramente do domínio da sensação que se transmuda
por autêntico milagre, numa harmonia de emoções estruturadas formalmente”.
256
Na tese, Pedrosa já fazia essa aproximação, como é possível ver neste trecho: “O fenômeno artístico, pois,
como o consideram hoje, numa coincidência feliz, psicólogos e artistas modernos e como o tomamos aqui agora,
em face dessas suas manifestações primárias, elementares, vagidos inconsequentes de uma criação que jamais
vingará, tem de ser entendido num sentido mais amplo que até ontem [...] Nesse sentido, até as garatujas dessas
crianças e menores mentais são da mesma natureza fundamental das obras dos grandes artistas universais,
obedecendo a idêntico processo psiquiátrico de elaboração criadora tanto nos adultos, artistas conscientes,
quanto nos doentes e crianças. Em todas essas múltiplas e diversas manifestações em maior ou menor grau de
intensidade, o de que se trata, em essência, não é senão de emprestar forma simbólica, mas forma aos
sentimentos e imagens do eu profundo” (PEDROSA, 1979a, p.54).
257
PEDROSA, Mário. Pintores de arte virgem. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19 mar 1950.
166

Essa posição, sobre um “modo de conhecer” peculiar às crianças e aos artistas virgens,
é endossada por Pedrosa, quando ele encerra o texto “Pintores de arte virgem”, afirmando
mais uma vez o estatuto de obra de arte dos trabalhos dos internos do ateliê de pintura:

A representação visionária do mundo, tão viva e profunda em todo primitivo, em toda


criança, em todo artista, em todo ser sensível como estes, que além de artistas são
alienados, é o que a arte deles nos dá. Essa transfiguração do mundo sob uma visão mais
fantasista; ora sob uma dimensão da realidade mais profunda é o milagre da arte. E
ninguém pode negar que esse milagre esteja presente na obra desses criadores virgens. 258

Esse estatuto é reforçado quando Pedrosa define que aquela produção artística pode
ser atribuída aos “criadores virgens”. 259 Se nos textos anteriores sobre os trabalhos do ateliê
de pintura ele se eximiu de classificar aqueles artistas – diferentemente de críticos como
Campofiorito e Milliet –, no texto de 1950, Pedrosa parece encontrar uma solução para
enfatizar a qualidade dos trabalhos apresentados, mencionando o caráter peculiar do processo
de criação artística daqueles indivíduos. Para o crítico, os artistas virgens seriam aqueles que
conseguem enquadrar sua vivência subjetiva por meio das manifestações da pura forma,
unindo em suas obras a necessidade de expressão com uma percepção plástica. Sobre a obra
de Rafael, Pedrosa evidencia como se dá a relação entre forma e expressão: “A forma é para
ele uma reação instintiva ao relâmpago das imagens na representação intuitiva; é a percepção
quase pura, apenas um pouco mais disciplinada pelo ritmo natural da mão do artista”.260
A oportunidade de presenciar in loco o processo de criação artística dos internos do
Engenho de Dentro foi fundamental para Pedrosa elaborar algumas das questões presentes
tanto em “Forma e personalidade” como em sua tese Da natureza afetiva na obra de arte.
Segundo Abraços (2012), a experiência de Pedrosa no ateliê de pintura do hospital funcionou
como um “laboratório”, na medida em que ele pôde relacionar a produção artística dos
alienados com as discussões que iriam aparecer nesses trabalhos. Foi também no engajamento
em debates com outros críticos sobre essa produção que Pedrosa continuou o processo de
forjar seu vocabulário crítico, utilizando o arsenal teórico da Gestalt, especialmente na ênfase
que daria à presença de “formas privilegiadas” nas obras de arte. Diferentemente dos outros
críticos mencionados aqui, Pedrosa lançou mão de critérios distintos para compreender os

258
PEDROSA, Mário. Pintores de arte virgem. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19 mar 1950.
259
No texto de 1950, Pedrosa denomina o trabalho dos internos de “arte virgem”. Em 1945, o pintor francês Jean
Dubuffet já havia utilizado o termo “arte bruta” para fazer referência a uma arte marginalizada que incluiria,
entre outros trabalhos, aqueles produzidos por artistas mentais. Sobre isso, ver Villas Bôas (2008). No livro
Imagens do inconsciente (1981, p.15), Nise da Silveira compara o papel de Mário Pedrosa com o do pintor
francês, na divulgação da produção artística dos esquizofrênicos: “No Brasil, Mário Pedrosa assumiu posição
equivalente a partir do encontro com desenhos e pinturas de internos do Centro Psiquiátrico”.
260
PEDROSA, Mário. Pintores de arte virgem. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 19 mar 1950.
167

trabalhos produzidos no ateliê de pintura. Se o ponto de vista científico e as classificações


mobilizadas por aqueles que se dedicavam ao exercício judicativo não eram suficientes, o
crítico buscou um repertório da Psicologia da Forma, que era pouco usada no Brasil naquele
período, e destacou ser necessário analisar as obras dos artistas virgens a partir dos elementos
intrínsecos presentes no quadro. A questão, portanto, era saber se esses elementos
comunicavam a partir de sua estrutura formal, despertando a emoção do espectador. Caso o
fizessem, a arte virgem não se diferenciaria do trabalho de outros artistas:

A questão ultrapassa o domínio das discussões acadêmicas e puramente psiquiátricas, e de


algum modo escapa ao domínio da psicanálise, a não ser nos limites já definidos por Roger
Fry. A solução do mistério só pode ser encontrada no exame crítico das obras produzidas. E
diante delas a reação dos homens sensíveis à forma artística em nada se diferencia da
emoção que sentem diante de uma tela de Delacroix, Goya ou Picasso, ou de uma escultura
medieval europeia (PEDROSA, 1979c, p.98).

Vale lembrar também que a discussão com outros críticos sobre a natureza dos artistas
e dos trabalhos apresentados nas mostras do ateliê de pintura não pode ser descolada de um
debate mais amplo no interior da própria arte moderna brasileira. No momento em que essas
mostras foram realizadas, o debate entre os defensores da abstração e do realismo pictórico
estava no auge, fomentado, muitas vezes, pelas exposições realizadas nos recém-inaugurados
espaços dedicados à arte moderna, como foi o caso da mostra Do figurativismo ao
Abstracionismo, que abriu as atividades do MAM paulista. Desse modo, o engajamento nas
contendas em torno do significado das exposições dos artistas virgens foi uma oportunidade
para demarcar posições e evidenciar os critérios mobilizados na avaliação dos objetos
artísticos. No caso dos críticos mencionados aqui – Campofiorito, Navarra e Milliet –,
Pedrosa era o único que se posicionava favoravelmente em relação à arte concreta, e as
diferenças entre eles apareceram também com relação aos artistas virgens.
O processo a partir do qual Pedrosa forjou progressivamente sua posição como crítico
não pode ser analisado sem se ter em vista a construção de um repertório, que foi se
desenvolvendo à medida que ele se dedicou aos trabalhos de artistas como Cândido Portinari,
Alexander Calder e os artistas virgens. A importância da construção de novos critérios para o
exercício judicativo vai ser tomada aqui como argumento para compreender o papel de
destaque que Mário Pedrosa ocupou no projeto construtivo brasileiro a partir da década de
1950. Conforme será visto adiante, sua ligação com os artistas que fizeram parte do Grupo
Frente deve-se, em parte, à penetração que suas ideias tiveram no interior desse grupo,
conferindo a ele o lugar de “teórico”. Por outro lado, ele também escreveu sobre esses artistas,
168

utilizando algumas das categorias que foram apresentadas aqui, como a própria noção de
“formas privilegiadas”, com vistas a legitimar esses artistas. 261

4.2 Os primórdios do Grupo Frente: o papel desempenhado por Mário Pedrosa na


constituição de um grupo de artistas

4.2.1 O crítico como “teórico”: as reuniões na casa de Mário Pedrosa

No tópico anterior, o objetivo foi chamar a atenção para as relações entre a discussão
em torno da arte virgem e o repertório mobilizado por Pedrosa para dar conta dessa produção
artística. No contato com os internos do ateliê de pintura do Centro Psiquiátrico nacional
Pedro II, o crítico teve a oportunidade de lançar luz para questões mais abrangentes sobre a
arte moderna, utilizando-se do arsenal teórico da Gestalt, além de participar de contendas com
seus pares, em que foi possível evidenciar o posicionamento distinto que ele ocupava no
interior dos embates que marcavam o cenário artístico naquele contexto. No período em que
frequentou o Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, entre 1947 e 1952, a polêmica realismo
versus abstração estava em seu auge. Nesse momento, a discussão sobre os trabalhos dos
artistas virgens serviu também como plataforma para a defesa do projeto artístico concreto,
que vai reunir aqueles que iriam formar o Grupo Frente, conforme será visto ao longo desse
tópico.
Com efeito, não apenas a polêmica sobre as mostras com os internos do Centro
Psiquiátrico foi uma ocasião propícia para Mário Pedrosa discutir e depurar suas ideias acerca
do fenômeno artístico; os núcleos de sociabilidade no Rio de Janeiro, como o ateliê de
pintura, as aulas com Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna e as reuniões na casa do crítico
foram fundamentais para o desenvolvimento do projeto concretista na cidade, atuando
também como espaços em que suas ideias poderiam circular. Quando se tem em vista o
discurso dos artistas em relação aos encontros promovidos pelo crítico, por exemplo, surge à
tona o papel de Pedrosa como mediador e teórico, promovendo debates, estimulando a criação
artística. Nesse sentido, Pedrosa não vai ser apenas aquele que desempenha a função de
analisar os objetos artísticos, mas também vai ser o catalisador de experiências estéticas,

261
Pierre Bourdieu (1996, p.260) menciona os “incontáveis autos de crédito” trocados entre artistas e críticos,
cada um auxiliando na consagração do outro: “[...] os críticos de vanguarda que se consagram obtendo a
consagração dos artistas que defendem ou operando redescobertas ou reavaliações de artistas menores nos quais
empenham e põem à prova seu poder de consagração, e assim por diante”.
169

atuação que terá um impacto significativo no desenho do movimento concretista brasileiro a


partir da década de 1950.
As reuniões na casa de Pedrosa, portanto, terão destaque aqui, na medida em que elas
podem ser vistas como um polo agregador de artistas e também como um espaço de
circulação e discussão de ideias que terão um papel central na formulação de seu projeto
artístico. Nesse ambiente, ele organizava encontros que contavam com a presença de artistas
frequentadores do ateliê de pintura do Centro Psiquiátrico, e outros que viriam a fazer parte
do Grupo Frente, núcleo do concretismo no Rio de Janeiro. Sobre essas reuniões, Abraham
Palatnik (1987, p.126) afirma:

Primeiro a nossa atividade não foi tão ostensiva, não foi elaborada de uma maneira tão
gritante. A gente se reunia muito, o Mário Pedrosa recebia a gente com muita alegria,
embora ele estivesse muito entrosado em problemas políticos [...] O Mário realmente
também estava muito empolgado em relação à arte. Foi nessa ocasião que pelo menos eu
me interessei e muito pelo problema da cibernética e pelos problemas da forma, da Gestalt.
Esses problemas foram todos muito discutidos. Eu tinha lido bastante e pedido ao Mário
alguns livros, alguma literatura sobre isso porque era uma sensibilidade que eu e os outros
tínhamos.

A partir desse depoimento, é necessário fazer algumas observações acerca de uma


confluência de fatores que tornou possível o encontro entre artistas em formação e o crítico.
Nesse momento, Pedrosa estava ocupado com a tese Da natureza afetiva da forma na obra de
arte, cuja importância reside não apenas em discutir os problemas relativos à percepção
estética com embasamento na teoria da Gestalt, mas também em lançar alguns dos problemas
que estavam em sua agenda naquele contexto. O debate das ideias que estava presente nesse
texto seria uma boa oportunidade para Pedrosa construir uma relação com os artistas e obter
um respaldo acerca dos argumentos mobilizados por ele para compreender a arte moderna,
desenvolvendo, portanto, seu repertório crítico.
Os encontros na casa de Pedrosa parecem ter ficado vivos na memória daqueles que
participaram das discussões realizadas ali. Em depoimentos, Palatnik fornece um rico
testemunho sobre o que representou a reunião de artistas e críticos em torno de problemas em
comum, reforçando não apenas o papel de Pedrosa na formação e legitimação dos artistas,
mas também a importância desses para a consolidação da carreira do crítico. Embora o crítico
tivesse um cabedal cultural e teórico importante, que fez dele um elemento fundamental junto
aos artistas, o desenvolvimento de suas ideias também se fez no debate, no diálogo, 262 como é

262
Em seu estudo sobre redes intelectuais, Randall Collins (1998) afirma que as ideias não são “coisas”, e sim
comunicação, interação entre humanos. São as redes de interação entre os indivíduos, os conflitos e as alianças,
os elementos mais imediatos na produção das ideias surgidas no interior de um grupo. Nessa perspectiva, as
170

possível ver ainda em outro depoimento de Palatnik: “Porque eu acho que o Mário aprendeu
muito com a gente. Ele queria saber exatamente o que a gente estava fazendo, o que eu estava
fazendo. Mas ele tinha o conhecimento muito apurado da Gestalt, não é. E foi ele que falou
comigo a respeito da Gestalt”.263
Ainda sobre esses encontros, Almir Mavignier lança luz para outro aspecto que diz
respeito à posição de Pedrosa no grupo, e que tinha relação com sua tese Da natureza afetiva
da forma na obra de arte:

Mas essa experiência, o que ele leu, os trechos nos influenciaram muito. Começamos a
fazer essa pintura não naturalista, digamos. E eu mesmo no meu catálogo de São Paulo quis
primeiro as pinturas abstratas. Agora, hoje, pensando sobre esse grupo, denominando esse
grupo, eu denominei de não-grupo e incluo Pedrosa como participante desse grupo,
porque ele era o teórico, ele era a pessoa que nos dirigia, nos orientava.264

No trecho destacado acima, Mavignier chama a atenção para o fato de Pedrosa ter
atuado como um “teórico”, o que conferira a ele uma autoridade no interior do grupo. O fato
de o crítico ter compartilhado os ensinamentos da Gestalt com os artistas, que era aplicado por
ele em sua tese sobre a percepção estética, teria contribuído para que se criasse uma “aura”
em torno dele no que diz respeito à sua posição no grupo. É importante salientar que não se
quer aqui investigar a ressonância das ideias discutidas por Pedrosa nos encontros promovidos
por ele, e se, de fato, a teoria da Gestalt teve uma aceitação naquele círculo, mas sim lançar
luz para suas ideias que funcionavam como cimento para unir aqueles indivíduos em torno de
algo em comum, e que, posteriormente, também concorreram para criar uma espécie de
memória afetiva em torno do crítico, vide os depoimentos dos artistas que testemunharam os
debates promovidos nas reuniões.
Lygia Pape, que também participou dos momentos iniciais da formação do Grupo
Frente, lembrou a importância da tese do crítico:

Desse campo fértil se alimentariam os jovens pintores na época. Esses eram os conceitos
novos que desencadeavam indagações no meio de uma atmosfera pobre de informações, de
comodismo cultural e hábitos acadêmicos. Essas considerações em torno do problema da
arte iniciavam mudanças profundas nos conceitos de espaço, nos critérios e funções da arte,
na essência mesma de seu ser (PAPE, 1980, p.48).

reuniões na casa de Pedrosa são entendidas como um espaço onde o crítico teve a oportunidade de desenvolver
suas concepções de arte no debate com artistas. O encontro sui generis entre esse crítico e os artistas produziu,
portanto, um fluxo de motivação social intenso, contribuindo para a definição de um projeto artístico em torno
do concretismo.
263
Entrevista concedida por Abraham Palatnik a Nina Galanternick em 2008, no Rio de Janeiro. Acervo Nusc –
Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura.
264
Entrevista concedida por Almir Mavignier a Glaucia Villas Bôas e Nina Galanternick em 29 jul. 2005, em
Hamburgo. Acervo Nusc – Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura.
171

Embora seja necessário relativizar as afirmações de Lygia, principalmente as que


dizem respeito à existência de uma atmosfera pobre de ideias e de um “comodismo cultural”
,265 deve-se enfatizar o impacto que as ideias trazidas por Pedrosa tiveram no grupo do qual
ela fez parte. A relação daqueles jovens artistas, em início de carreira, com o crítico, que
trazia em sua bagagem não apenas um cabedal teórico importante, mas também um capital
social e cultural significativo, não pode ser desprezada, caso se queira entender como se
configurou um projeto concretista, especialmente, tal como ele se desenvolveu no Rio de
Janeiro. Ademais, para além das relações de autoridade e afeto que podem ser depreendidas
das relações entre os membros desse grupo, o reconhecimento de Pedrosa no exercício
judicativo se deu também, em parte, por seu esforço na legitimação desses artistas,
escrevendo textos de jornal e de catálogo, e inserindo-os em espaços de exposição.266 Desse
modo, sua autoridade não ficou apenas em um círculo restrito de artistas, embora seu papel na
formulação de um “devenir pictórico”, construído em sua relação com eles, tenha assumido
uma dimensão central na notoriedade que ele adquiriu no exercício judicativo a partir da
década de 1950.
Outro que vai lembrar as discussões com Pedrosa e a sua tese é Ferreira Gullar.
Embora sua posição no Grupo Frente seja diferenciada em relação aos outros integrantes,
visto que o artista se destacou mais como poeta e crítico – ainda que tenha desenvolvido
experiências com artes plásticas –, e, oficialmente, ele não tenha feito parte do grupo, na
medida em que não participou das exposições, Gullar também marcou presença nos encontros
organizados por Pedrosa e deu início ali a uma relação com artistas que vai se acentuar
notadamente no final da década de 1950, quando ele passa a liderar o movimento
Neoconcreto.267 Sobre sua relação com Pedrosa, Gullar narra:

Quando eu estava em São Luís, em 1950, a Lucy Teixeira, que era maranhense e morava no
Rio e era amiga do Mário, ela foi a São Luís e manteve contato comigo e levou para eu ler a

265
É importante lembrar outros núcleos de sociabilidade que contribuíram para a diversificação do meio artístico
brasileiro, como as aulas de artistas exilados, entre os quais se destacaram Arpad Szenes, Maria Helena Vieira da
Silva e Axel Leskoschek.
266
Na administração de Niomar Muniz Sodré, entre 1952 e 1958, Pedrosa era um dos responsáveis por auxiliar
na escolha dos artistas que participariam das mostras do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Sobre sua
importância nessa instituição, ver Sant’ Anna (2008).
267
Flávio Rosa (2011) menciona as diversas posições ocupadas por Gullar no campo artístico, enfatizando que,
na condição de poeta, ele ocupou um status elevado se comparado com sua atuação na crítica. Sua ligação com o
Neoconcretismo no final da década de 1950, no entanto, foi um de seus principais trunfos no exercício
judicativo. O autor ainda completa afirmando que seu papel de autor do manifesto Teoria do não-objeto, que
lançou os Neoconcretos no panorama artístico, e de agitador teórico do grupo foi garantido sob a égide dos
princípios aprendidos por Pedrosa.
172

tese que o Mário tinha escrito para o Pedro II, chamada Da natureza afetiva da forma na
obra de arte. Eu li e comentei com ela que eu discordava de algumas coisas, eu achava a
tese muito legal, muito interessante, mas eu discordava de algumas coisas. Em seguida, vim
para o Rio, encontrar o Mário, conhecê-lo, neste trecho da sala, eu sentado aqui de frente
com ele [...] Eu, um garoto dando palpites sobre a tese do Mário Pedrosa... Mas eu era
metido. Então ele falou: “as críticas, as observações que você fez são pertinentes. Claro que
são motivos para uma conversa, mas são pertinentes”. Eu estava encabulado. A Lucy havia
contado para ele. Começamos a conversar e eu fiquei bastante “ganho” por ele, pelo
fato mesmo dele ter, aquela pessoa inteligente, que eu admirava tanto, ter aceito a
crítica que eu fiz, em um nível de igualdade, como se eu fosse igual a ele. Eu achei
aquilo uma abertura, uma tolerância muito grande, o que me ganhou imediatamente e
que mostrou que eu estava diante de uma pessoa especial. O que ele só fez confirmar
pelo resto de sua vida toda.268

Sobre a relação entre Pedrosa e Gullar, merece destaque o fato de este último ter
enveredado para a crítica, principalmente no final dos anos 1950. Gullar atribui a sua entrada
no exercício crítico a uma “iniciação” teve com Pedrosa. De acordo com Mari (2001), não
seria possível compreender o papel de Gullar na afirmação da tendência construtiva no Brasil
– por meio de sua liderança no movimento Neoconcreto – sem atentar para a influência que
Pedrosa teria exercido sobre ele. Nas palavras de Gullar:

Bem, quando vim para o Rio parei de pintar. Comecei a estudar história da arte. Apanhava
livros sobre o assunto na casa do Mário Pedrosa. Ele me ensinou a analisar a gramática e a
visualidade da pintura. Mais tarde, adquiri uma postura totalmente distinta da dele. Com a
ditadura, fomos para o exílio e tivemos que rever tudo. Mário, como eu disse, era uma
pessoa generosa, íntegra, realmente rara (CADERNOS DE LITERATURA, 1998, p.38).

Nos depoimentos de Gullar é possível perceber sua ênfase nas qualidades de Pedrosa,
como a generosidade, por exemplo. Vale lembrar que os artistas com os quais o crítico
manteve contato durante o período tratado neste capítulo também ressaltam os aspectos
mencionados por Gullar, contribuindo para a construção da reputação de Pedrosa como
crítico, que se perpetuou, inclusive, para a posteridade.269 Já com relação aos outros pontos do
depoimento do poeta, também é importante chamar a atenção para o momento em que ele
afirma que Pedrosa o ensinou “a analisar a gramática e a visualidade da pintura”. Visto que
Gullar também se tornaria um crítico, é possível inferir que a amizade com Pedrosa foi capital
para sua trajetória, embora eles tivessem divergido em algumas posições com relação à arte.
Essas diferenças apareceram principalmente no final da década de 1950, quando Gullar se

268
Entrevista concedida por Ferreira Gullar a Nina Galanternick, em 2008, no Rio de Janeiro. Acervo Nusc –
Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura. Grifo nosso.
269
Segundo Sant’Anna (2009, p.15): “[...] sugiro que se tome a figura de Mário Pedrosa como ordenadora de
sentido da crítica brasileira em dois momentos distintos. Num primeiro momento, quando Pedrosa exerceu papel
fundamental junto às instituições de arte em meados do século XX. Num segundo momento, quando, meio
século mais tarde, sua memória é acionada para explicar e legitimar o surgimento de novas práticas junto às
mesmas – e outras – instituições”.
173

juntou ao grupo Neoconcreto. Nesse momento, passou a criticar a utilização da Gestalt para
compreender o fenômeno artístico, lançando mão da fenomenologia e de autores como
Maurice Merleau-Ponty.270
As reuniões na casa de Pedrosa e seu papel de intelectual do grupo foram perscrutados
com o objetivo de compreender como se deu sua relação com artistas no Rio de Janeiro que
enveredaram para o concretismo. Se não é possível atribuir apenas ao crítico a condição de
arauto da arte moderna brasileira a partir do final da década de 1940, não se pode esquecer de
sua contribuição para criar valores estéticos que seriam compartilhados por artistas ainda em
formação.271 Embora a relação entre os artistas e os críticos não seja incomum, um diferencial
na atuação de Pedrosa, nesse contexto, é que ele trabalhou para a criação de um projeto
estético, além de se destacar em outras frentes, ora teorizando as disputas em torno da arte,
ora exercendo um papel didático junto ao público.

4.2.2 As posições de Mário Pedrosa e Ivan Serpa no grupo concreto carioca

Com o objetivo de avaliar a relação de Pedrosa com um grupo de artistas no Rio de


Janeiro e a construção de seu arcabouço intelectual, é importante também mencionar o ano de
1951. Além de marcar o desligamento do crítico e de Mavignier, Serpa e Palatnik do ateliê de
pintura do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, foi nesse período que Pedrosa defendeu a
sua tese Da natureza afetiva da forma de arte e escreveu um texto de apresentação para a
primeira exposição individual de Ivan Serpa, que naquele mesmo ano ganhou o prêmio de
Jovem Artista da I Bienal de São Paulo com a obra Formas (1951). A menção a esses dois
acontecimentos se deve aos seguintes fatores: foi nessa tese que Pedrosa apresentou suas
ideias sobre o fenômeno artístico, mobilizando a teoria da Gestalt, que vai servir não apenas
de embasamento para sua atuação como crítico, mas também vai contribuir para a formação
de um grupo de artistas em torno do projeto concreto; sobre o texto para exposição de Serpa,
o crítico evidenciaria o apoio a um jovem artista, ainda em início de carreira, que ganharia
destaque em um evento da importância da I Bienal. 272

270
Ver Moura (2011).
271
Segundo Moura (2011, p.173): “Pedrosa, mais do que qualquer crítico do período, foi influente a ponto de
formar uma geração de artistas capazes de produzir a partir do conjunto de valores que passara a defender dos
anos 1940 em diante. É evidente que o construtivismo no Brasil não é obra apenas sua, mas é impossível contar
essa história sem tomá-lo como protagonista”.
272
Além da participação na Bienal e de uma exposição individual, em 1951, nesse mesmo ano Serpa também
expôs seu trabalho no Salão Nacional de Belas Artes, no Rio, e no I Salão Paulista de Arte Moderna, na Galeria
Prestes Maia, na capital paulista.
174

Na primeira exposição individual de Ivan Serpa, realizada no Instituto Brasil-Estados


Unidos (IBEU), Pedrosa foi responsável por apresentar o artista no catálogo. 273 Nele, Pedrosa
enfatiza o contato do pintor com os internos do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II. Para
ele, essa proximidade de Serpa com os artistas virgens permitiu ao pintor compreender o valor
da arte e do artista. Além de destacar essa e outras experiências que configuraram a identidade
de Serpa, Pedrosa também aproveita para inseri-lo no panteão dos artistas abstratos:

Enveredando pelo caminho mais difícil da pintura moderna – o da pura abstração criadora –
ele procura uma simbiose de suas qualidades de desenhista, com o amor das cores
cantantes. A integração de todos os seus meios encontrou-a numa pintura depurada de
quaisquer sugestões naturalistas [...] Descobriu então a ordem superior autônoma, do
quadro animado exclusivamente pelas relações da forma com a forma e da cor com a cor.
Nessa ascese, o drama plástico desempenhado pelas formas privilegiadas (círculos,
quadrados etc.). A vontade de ordem exacerba em Ivan a obsessão da limpeza, do bom
acabamento que o faz estender o quadro até a moldura e tratar de cada polegada da tela com
desvelo e paciência iguais. No quadro universal de Ivan também vigoram as leis cósmicas
de simpatia e repulsa, expansão e recesso. Rotação e projeção vigorando no mesmo espaço
real (PEDROSA, 1951, grifo nosso).

No catálogo, Pedrosa ainda apresenta uma pequena biografia de Ivan Serpa, e cita
alguns dos prêmios recebidos pelo artista. Além disso, o crítico afirma de forma bastante
explícita que Serpa é um artista cuja pintura pode ser inserida no campo do concretismo. O
que mais chama a atenção, no entanto, é o vocabulário utilizado por Pedrosa para dar conta
dos trabalhos do pintor. Por meio de expressões como “jogo arquitetônico de linhas no
espaço”, “formas privilegiadas” e “ritmos lineares”, Pedrosa reforça as inovações contidas nos
trabalhos desenvolvidos por Serpa.274

273
Além dessa exposição de Ivan Serpa, realizada com patrocínio do IBEU, em 1951, um ano antes, Almir
Mavignier também teve sua primeira mostra individual organizada sob os auspícios dessa instituição. Em 1954,
o Grupo Frente debutou também com uma exposição no instituto. A realização dessas mostras no IBEU não é
coincidência, conforme aponto em minha dissertação de mestrado, intitulada Instituto Brasil-Estados Unidos:
uma experiência no campo artístico carioca. Nesse trabalho, analisei como os membros da comissão de arte
dessa instituição, com destaque para o crítico Marc Berkowitz, veiculavam um discurso em torno dos valores
novos na arte, contribuindo, portanto, para a legitimação de artistas e grupos que começavam a despontar no Rio
de Janeiro entre as décadas de 1940 e 1950. Desse modo, o IBEU funcionou com um espaço onde artistas ainda
em início de carreira poderiam mostrar seus trabalhos, destacando-se aqueles ligados ao núcleo concretista
carioca.
274
Nesse catálogo, Pedrosa ainda parte em defesa de uma arte cujo significado é dado apenas pelo jogo das
puras relações formais (PEDROSA, 1979a, p.86-87). Essa preocupação do crítico em ressaltar a autonomia da
arte em relação aos fatores extrínsecos já aparecia em sua tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte. Ao
investigar o problema da percepção estética, Pedrosa afirma que aquilo que emociona os indivíduos quando eles
entram em contato com uma obra de arte tem origem nas qualidades sensíveis do objeto apreciado. Contrário a
uma perspectiva utilitarista da percepção artística, que afirma que os indivíduos só percebem aquilo que os
interessam, e também às explicações que associam a apreensão dos objetos artísticos aos fatores externos a esses
objetos, Pedrosa ressalta que são as características formais da obra de arte que provocam um reação no
espectador. Para o crítico, os objetos artísticos têm uma autonomia em relação aos apreciadores. Eles possuem
propriedades formais que independem das experiências anteriores dos indivíduos e que são responsáveis por
comunicar algo aos espectadores.
175

Em outro artigo sobre Serpa, Pedrosa reforça as qualidades presentes no trabalho do


artista, afirmando que suas pinturas estavam norteadas “por um rumo firme e moderno”. 275
Ademais, ele também justifica a terminologia utilizada para analisar as obras do pintor,
respondendo a um crítico que havia questionado o uso da expressão “formas privilegiadas”
para fazer referência às figuras geométricas presentes nos quadros de Serpa. 276 Na sua
resposta, Pedrosa ainda aproveita para afirmar que a terminologia mobilizada por ele em seu
artigo é científica. Nessa justificativa chama a atenção o fato de ele destacar uma mudança na
linguagem utilizada pelos críticos de arte para dar conta dos novos movimentos artísticos, e a
sua tentativa de se distanciar dos laços de amizade que o uniam a Serpa por meio de uma
análise fundada em conceitos científicos.
Sobre a relação entre Pedrosa e Serpa, nota-se também que eles “disputaram” o papel
de liderança entre jovens artistas concretos cariocas que davam seus primeiros passos ainda
no início da década de 1950. Conforme já mencionado, enquanto os artistas frequentavam os
encontros promovidos por Pedrosa em sua residência, eles também participavam do ateliê de
pintura de Serpa, no Museu de Arte Moderna, considerado o espaço onde se formou o núcleo
do Grupo Frente.277 Foi da primeira turma de adultos desse curso que saíram cinco dos oito
integrantes da primeira exposição do grupo, realizada em 1954: Aluísio Carvão, João José da
Silva Costa, Vincent Ibberson, Carlos Val e Décio Viera.
O período de gestação do Grupo Frente foi marcado, portanto, por uma grande
agitação, considerando que os artistas participavam de diversos encontros nos quais podiam
discutir seus trabalhos entre si, além de contarem com o papel desempenhado por Pedrosa e
Serpa, o primeiro mobilizando seu background cultural e teórico, e o segundo sua capacidade
didática na orientação do trabalho dos artistas. Além do ateliê e da casa de Pedrosa, outros
espaços também foram fundamentais para a constituição de uma sociabilidade entre esses
artistas: “Além das aulas, o Grupo Frente se reunia, geralmente nos fins de semana, na casa do
Serpa, no Méier, na casa do Ibberson, no Leblon, na casa da Lygia Pape, no Jardim Botânico,
na casa do Décio Vieira, à rua Djalma Ulrich, em Copacabana” (MORAIS, 1984).
Além disso, no início da década de 1950, a cidade de Petrópolis também concentrava
uma movimentação artística capitaneada pela Associação Petropolitana de Belas Artes, que

275
PEDROSA, Mário. A experiência de Ivan Serpa. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 18 ago. 1951.
276
Não foi encontrado o nome do crítico ao qual Pedrosa se refere.
277
“Em 1952, Ivan Serpa criou o primeiro curso de arte do Museu de Arte Moderna do Rio (MAM). Funcionava
não nas dependências do MAM, cujas obras de construção sequer haviam sido iniciadas, mas no ginásio do
IPASE, situado no 13º andar da rua Pedro Lessa, 33. Transferiu-se, em seguida, para uma sala no 23º andar do
Edifício Darke, à rua 13 de Maio, quando recebeu seus primeiros alunos adultos, até que, finalmente, instalou-se
entre os pilotis do edifício do Ministério da Educação e Cultura, sede-provisória do MAM (MORAIS, 1984).
176

promovia exposições anuais, e por nomes como Lygia Pape, Décio Vieira, Edmundo Jorge,
Antonio Luiz e Sergio Camargo – esse último mantinha um ateliê de escultura no Palácio de
Cristal. 278 Assim como acontecia no Rio de Janeiro, esses artistas também promoviam
reuniões, que muitas vezes contavam com as visitas de Ivan Serpa e Aluísio Carvão, como é
possível ver no depoimento de Edmundo Jorge:

Da associação provieram os frequentadores locais das reuniões mensais em nossa casa. Os


dois primeiros citados [Décio Vieira e Antônio Luiz], Lygia Pape, sempre acompanhada do
marido interessado, e um aspirante a escultor, Francis Dosne, podem ser reconhecidos hoje,
em fotos desbotadas, junto aos cariocas Ivan e, às vezes, Aluísio Carvão, com o seu mito de
pintor amazonense, perdido nas selvas com seus pincéis definitivamente gastos. Os que
apareceram ocasionalmente são, agora, sombras sem nome (JORGE, 1984).

No depoimento acima, chama a atenção não apenas a constituição de uma rede de


artistas, mas também a presença do nome de Ivan Serpa que, de acordo com Edmundo Jorge,
frequentava alguns encontros promovidos pelos artistas petropolitanos. Segundo Jorge,
“ouvia-se muito o Ivan e debatiam-se os trabalhos submetidos à crítica geral”. Ainda nas
palavras do artista, o programa concretista, que foi seguido por ele, além de Décio Vieira e
Lygia Pape, era uma proposta de Serpa, que era o responsável por discutir os trabalhos
artísticos: “A orientação proposta então por Serpa tinha a sua pitada dogmática: simplificar,
clarear, cortar, cortar, cortar...” (JORGE, 1984).
As referências ao nome de Serpa como uma peça-chave para o desenvolvimento do
concretismo no Rio de Janeiro são recorrentes entre os artistas que participaram dos encontros
e reuniões que formaram o núcleo do Grupo Frente. Em depoimento, Lygia Pape reforça a
ligação do artista com o grupo:

[...] era uma coisa ligada basicamente em torno do Ivan Serpa, em torno do Museu de Arte
Moderna. O Ivan tinha um curso e, através desse curso, as pessoas começavam a se unir, a
se tornar amigas. A gente se frequentava o tempo todo, tinha festas, virou uma espécie de
quase clube, sabe? Todos nós éramos muito amigos e aí surgiu essa ideia”. Mais adiante,
Pape ainda completa, afirmando que, no Rio de Janeiro, “o teórico era basicamente o Mário
Pedrosa via Ivan Serpa (PAPE, 1987, p.154).

A partir de algumas pistas fornecidas por Pape, cabe destacar a importância do Museu
de Arte Moderna do Rio de Janeiro para os artistas concretos do Rio de Janeiro,
especialmente por meio das aulas de Serpa. Além disso, os diferentes papéis desempenhados
pelo artista e Pedrosa na criação do grupo também começam a se esboçar aqui, quando se tem
278
Não teria sido coincidência, portanto, que em 1953 foi realizada a I Exposição Nacional de Arte Abstrata
nessa cidade. Diversos artistas do Grupo Frente participaram dessa mostra, como Lygia Pape, Abraham Palatnik,
Ivan Serpa e Lygia Clark.
177

em vista a afirmação de Pape de que o crítico era o teórico via Serpa. 279 Primeiramente, Pape
indica o lugar ocupado por Pedrosa entre os artistas, que é aquele do “teórico”, do
“intelectual”, como se procura demonstrar nesse trabalho. O crítico é lembrado como aquele
que discutia suas ideias e emprestava livros para os artistas, enquanto Serpa é visto como
aquele que estava presente na prática artística, no momento de criação, desempenhando,
assim, o papel de professor280 – atividade pela qual se destacou –, na medida em que orientava
os artistas em seu cotidiano e nas aulas que ministrava no ateliê.
O arquiteto César Oiticica – irmão de Hélio Oiticica – conta as experiências que teve
com Serpa e Pedrosa, e ressalta as diferenças entre as aulas no ateliê de pintura e as reuniões
na casa do crítico. Além de enfatizar as distinções entre esses dois espaços de sociabilidade
centrais para a configuração do projeto concreto, Oiticica também acentua o papel de Pedrosa
como crítico, escrevendo sobre os artistas com assiduidade em sua coluna de jornal, e o de
Serpa como professor, destacando-se pela liberdade com que conduzia as aulas, embora desse
a palavra final:

Antes eu preciso explicar como era a aula do Serpa. Ele fazia mais ou menos a mesma
coisa. O Mário escrevia quase toda a semana sobre alguém. Mas a discussão sobre a obra
de alguém era mais na aula do Serpa e com todo mundo. A aula era assim: todos
trabalhavam a semana toda e levávamos o trabalho da semana e expúnhamos para os outros
alunos. Todos criticavam livremente as obras, dizendo se gostava ou não gostava e
explicando o porquê, e a última crítica do trabalho de cada um era sempre do Serpa que
sintetizava, discutia, dizia que estava uma merda, dizia que tinha gostado. Era quase uma
análise do grupo. Sempre livre. As pessoas pensam que o Serpa tentava influenciar as
pessoas, mas coisa nenhuma. O Mário a mesma coisa. Ele chegava e conversava sobre
determinado trabalho que a gente levava lá para ele ver. Mas era raro levarem trabalho para
o Mário.281

Novamente, é Lygia Pape quem fornece outra definição para os papéis de Serpa e
Pedrosa no grupo, chamando o primeiro de “matemático intuitivo” em contraposição à
posição de Pedrosa como intelectual (PAPE, 1980). Essa forma de fazer referência ao artista é
importante, na medida em que lança luz para as especificidades que seriam atribuídas aos
concretistas do Rio de Janeiro, isto é, o fato de não terem seguido à risca a cartilha concretista
cujo principal expoente era Max Bill.282 Por outro lado, ser caracterizado como “matemático

279
De acordo com Villas Bôas (2014a), Ivan Serpa transmitia em seu ateliê de pintura aquilo que havia
aprendido com Pedrosa no Engenho de Dentro.
280
Antes de ministrar as aulas no ateliê de pintura do MAM carioca, Serpa já havia montado uma escolinha de
pintura em sua casa em 1947. Paralelamente às aulas no MAM, ele também lecionava no Colégio Coelhinho
Branco em Copacabana.
281
Entrevista concedida por César Oiticica a Nina Galanternick em12/11/2008, no Rio de Janeiro. Acervo Nusc
– Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura.
282
Max Bill (1908-1994) foi um dos precursores da arte concreta. Nascido na Suíça, e radicado na Alemanha, ele
“argumentava que a matemática sempre fora a base da arte e deveria ser utilizada em suas novas proposições
178

intuitivo” fazia parte de uma tentativa não apenas de diferenciar Serpa de outra vertente de
artistas concretos – localizados em São Paulo e que dariam origem ao Grupo Ruptura em
1952 –, mas também o próprio grupo ao qual ele estava vinculado, enfatizando o adjetivo
“intuitivo”, que seria oposto à rigidez dos preceitos concretos. É Décio Pignatari quem vai
chamar a atenção para os vínculos que uniam Serpa a um subjetivismo que seria característico
do grupo carioca: “A nossa ideia era de que o pessoal do Rio, a partir da visão do Ivan Serpa,
tinha uma visão muito mais abstrata: a escolha aleatória de cores etc. Para nós, a cor tinha que
ser determinada, não tinha essa coisa de colorido, esse subjetivismo – eu gosto mais desse
vermelho. Era uma luta incrível para acabar com esse subjetivismo” (PIGNATARI, 1987, p.
73).
O objetivo aqui não é discutir as diferenças entre os concretistas do Rio de Janeiro e de
São Paulo, e sim chamar atenção para o fato de que essas distinções devem ser
compreendidas, sobretudo, por meio das formas de sociabilidade distintas que uniram
indivíduos em torno de um projeto em comum.283 No caso do Rio, a atuação de Serpa e de
Pedrosa foi fundamental para a consolidação do Grupo Frente, embora eles tivessem
desempenhado papéis distintos na criação do grupo. Enquanto o primeiro compartilhou
experiências com os artistas em seu ateliê, atuando como professor responsável por vivenciar
in loco o processo de criação artística, Pedrosa fazia um debate de ideias, mobilizava o arsenal
teórico que havia adquirido e sugeria leitura àqueles que frequentavam as reuniões
promovidas por ele. Uma das maneiras, portanto, de compreender as especificidades do
concretismo em sua versão carioca seria acompanhar a trajetória desses protagonistas em sua
relação com os representantes dessa tendência.

4.2.3 O crítico como porta-voz dos artistas

Até esse momento, percorreu-se o período de formação do núcleo concretista no Rio


de Janeiro, que passou pela formulação de um repertório crítico por parte de Pedrosa no

para preencher as necessidades do mundo sentimental dos tempos modernos” (VILLAS BÔAS, 2014a). No
Brasil, suas ideias tiveram uma repercussão maior entre os artistas paulistas do Grupo Ruptura.
283
Segundo Villas Bôas (2014a), a conjunção de fatores que explica a diferença entre os projetos adotados pelo
grupo paulista e carioca passa pelo papel desempenhado, no Rio de janeiro, por espaços como o ateliê de pintura
do Engenho de Dentro, as aulas ministradas por Ivan Serpa no MAM-RJ, e, sobretudo, pela liderança destacada
do crítico de arte Mário Pedrosa. Em São Paulo, por sua vez, o principal responsável por levar adiante as
propostas em torno dessa tendência foi o artista Waldemar Cordeiro, influenciado pelas ideias do também artista
Max Bill. Em 1952, Cordeiro publicou o Manifesto Ruptura, que lançou as diretrizes para a atuação do grupo de
mesmo nome naquela cidade, em que se destacaram artistas como Geraldo de Barros, Luiz Sacilotto, Lothar
Charoux, Kazmer Fejer, Leopoldo Haar e Anatol Wladyslaw. Sobre o papel de Waldemar Cordeiro no
concretismo paulista, ver também Moura (2011).
179

contato com a produção do ateliê de pintura do Centro Psiquiátrico, e pelo estabelecimento de


espaços de sociabilidade que incluíram as reuniões promovidas pelo crítico em sua casa e as
aulas ministradas no ateliê de pintura do MAM por Ivan Serpa. Se esses momentos se
configuraram etapas essenciais para a criação de um grupo de artistas envolvidos com a causa
do concretismo, foi apenas a partir da primeira exposição em conjunto que esse mesmo grupo
tomou forma. Como será possível ver adiante, a realização dessas mostras também foi uma
oportunidade para críticos como Pedrosa e Gullar manifestarem seu posicionamento em
relação àqueles artistas, além de entrarem em debates como seus pares.
A primeira exposição do Grupo Frente foi realizada em 1954, no Instituto Brasil-
Estados Unidos (IBEU), que também patrocinou as primeiras mostras individuais de Almir
Mavignier e Ivan Serpa, em 1950 e 1951, respectivamente. Nessa exposição, participaram
oito artistas: Ivan Serpa, Aluísio Carvão, Lygia Clark, João José Costa, Vincent Ibberson,
Lygia Pape, Carlos Val e Décio Viera. O responsável por apresentar esses artistas, naquilo
que vai ser definido como “singelo catálogo”, foi Ferreira Gullar, que introduz o grupo,
enfatizando o papel de Serpa como elemento aglutinador:

Diante disso, torna-se clara a importância de haver entre nós um grupo de artistas jovens,
como este que ora expõe no Instituto Brasil-Estados Unidos: ele é uma mostra de que o
conformismo ainda não empestou todas as nossas reservas. Reunidos em torno de Ivan
Serpa, jovem como eles, estes rapazes trabalham pacientemente, seriamente, na
invenção de uma linguagem plástica nova. Com outros poucos artistas moços de São
Paulo e alguns mais aqui do Rio, que não participam da presente exposição, constituem a
atual linha de frente da atual pintura brasileira, encarnam as forças renovadoras da nossa
arte. Serpa já é um valor real dessa nova pintura e sua experiência, bebida nos precursores
do neoplasticismo, vai aos poucos se aprofundando, assumindo formas mais pessoais de
expressão, como nas colagens aqui expostas (GULLAR, 1974, grifo nosso).

Cabe ressaltar que, embora Gullar chame a atenção para a juventude dos artistas que
faziam parte do grupo, ele mesmo era um jovem crítico na época, com apenas 24 anos, e
Serpa tinha a mesma idade que os outros integrantes, com 29 anos por ocasião da mostra,
embora já fosse destacado como uma referência para os concretistas. Ainda que a idade não
seja um elemento fundamental para avaliar a importância de ambos, não se pode esquecer da
responsabilidade que era liderar e introduzir um grupo novo no meio artístico brasileiro,
considerando a hostilidade que os artistas representantes do concretismo ainda enfrentavam
no período. Por outro lado, é a mesma juventude ressaltada por Gullar, associada a uma
experiência até então inédita, que vai ser mobilizada para conferir uma “aura” em torno do
grupo e que vai ser repetida de forma recorrente pelos artistas e críticos que estiveram
envolvidos com o mesmo, construindo sua memória.
180

Em 1955, a segunda exposição do Grupo Frente foi realizada no Museu de Arte


Moderna do Rio de Janeiro. Essa mostra contou com mais artistas que no ano anterior, 15 no
total: Eric Baruch, Aluísio Carvão, Lygia Clark, João José da Silva Costa, Vicent Ibberson,
Rubem Mauro Ludolf, César Oiticica, Hélio Oiticica, Abraham Palatnik, Lygia Pape, Ivan
Serpa, Elisa Martins da Silveira, Carlos Val, Décio Vieira e Franz Weissmann. Mário Pedrosa
escreveu o texto do catálogo e proferiu uma conferência no museu nessa ocasião. Como será
possível observar, essa atuação mais ostensiva do crítico na segunda exposição tinha como
objetivo reforçar a construção de uma identidade do grupo, fortalecendo, portanto, o projeto
artístico no qual estava engajado.
Alguns aspectos merecem destaque no texto que Pedrosa escreveu para o catálogo. De
um lado, ele justifica a adoção da ideia de “grupo” para caracterizar aquela reunião de artistas.
Assim como Gullar, ele enfatiza que uma das características que une aqueles artistas é a
juventude. De outro, mesmo considerando que os artistas já formavam um grupo, o crítico
afirma que eles não constituem uma “panelinha fechada”. Outro elemento identificado por
Pedrosa, que serve para descrevê-los, é o desprezo pelo ecletismo. 284 Essa repulsa pela
conciliação de estilos, aliada à defesa da liberdade de criação, seria responsável pelo
sentimento de grupo nutrido por aqueles artistas, embora as experiências desenvolvidas por
cada um deles não fossem semelhantes. Por fim, a possibilidade de juntá-los sob o mesmo
nome é reforçada pelo crítico justamente para demonstrar que os vínculos que os unem não
têm relação com o acaso ou apenas com as relações de amizade, e sim com valores de uma
linguagem artística.
Diferentemente daquele “singelo catálogo” da primeira exposição, Pedrosa teve mais
espaço para escrever, o que permitiu a ele não apenas falar das características que envolviam
o grupo, mas também dos artistas individualmente. O crítico também se posiciona de forma
explícita em defesa do grupo, ao anunciar que, naquele momento, ele se configurava como um
divisor de águas para as artes brasileiras:

Está feita a apresentação do Grupo Frente que agora, graças à boa iniciativa da direção do
Museu de Arte Moderna, atinge o grande público, através da mostra que ora se inaugura. A
honra que o museu lhes faz é merecida. Com isso o Museu de Arte Moderna cumpre a sua
missão de estimular os valores novos e estimular o público pelo contato que estabelece
entre este e aqueles. A experiência desse contato só pode ser fecunda, mesmo que a reação
do público não seja de ponto favorável. Mesmo que seja hostil. Nem sempre as amizades
duradouras se fazem à primeira vista. Algo nos diz, entretanto, que esta exposição
vingará; que será um marco no processo de conquista da opinião culta pela arte atual,
pela arte verdadeiramente viva do nosso tempo. Se, no entanto, essas experiências

284
Aqui, quando fala em ecletismo, Pedrosa está se referindo ao artista que mescla estilos diferentes, que não
cria de um ponto de vista exclusivista (PEDROSA, 1995, p.163).
181

falharem, nem por isso a batalha estará perdida. Nem por isso haveremos de negar a boa
qualidade já alcançada pela maioria desses jovens artistas; nem por isso haveremos,
sobretudo, de negar que estão certos nos seus esforços e no seu caminho. Nem tampouco
deixaremos de escrever que já conseguiram apreciável capacidade realizadora. Não é por
orgulho ou por empenho polêmico que fazemos tais afirmações; é, pelo contrário, por uma
humilde, por uma resignada e bem curtida paciência (PEDROSA, 1955, grifo nosso).

Nesse fragmento, Pedrosa lança luz para o papel do Museu de Arte Moderna que
abrigou aquela exposição, promovendo valores novos na arte.285 O que mais chama a atenção,
no entanto, é a postura engajada do crítico que se posiciona ao lado dos artistas, defendendo
um projeto que ele liderava. Isso fica evidente quando faz menção aos artistas participantes
daquela mostra como representantes de uma arte viva de seu tempo. A ideia de que a crítica
visa o futuro, isto é, busca as potencialidades ainda não plenamente desenvolvidas de
experiências artísticas, parece se adequar à atuação de Pedrosa no exercício judicativo nesse
momento. No trecho citado, o crítico parecia estar em busca de um “devenir pictórico” que
passava pela afirmação das qualidades dos artistas envolvidos naquele núcleo e pela ênfase na
ideia de que eles estariam no caminho certo. Além disso, a própria iniciativa de escrever o
texto de catálogo evidencia que, se não podia ser encarada como um “empenho polêmico”,
seria, certamente, uma tentativa de convencer o público da validade daquelas experiências
artísticas, por meio do argumento de que aqueles artistas representavam o futuro das artes.
O fato de Pedrosa compartilhar um projeto com aqueles artistas não passou
despercebido na época, como pode ser visto em artigos de jornal que foram publicados por
ocasião dessa exposição.286 Em uma matéria sobre a mostra, Pedrosa aparece como o único
crítico que apoiava o “rejuvenescimento” das artes plásticas brasileiras por meio de seu
incentivo aos artistas concretos cariocas.287 Em uma entrevista com esses artistas, o nome de

285
De acordo com Santa’Anna (2008, p.87), ao abrigar a exposição do Grupo Frente, o MAM carioca – espaço
onde também esse grupo havia sido gestado, nas aulas de Ivan Serpa realizadas nessa instituição –, o museu
poderia cumprir sua missão didática, ensinando o público a ser moderno: “Além de mostrar a modernidade como
modelo, o museu havia de exibir a modernidade no momento em que tomava forma, missão concretizada, alunos
transformados em artistas. Com efeito, é em 1955 na exposição das obras do Grupo Frente que, acredito, mais
paradigmaticamente se rompa hiato entre público e artista, recepção e produção. O Grupo Frente, formado pelos
alunos de Ivan Serpa, apresentava a missão realizada do MAM”. Além disso, essa exposição também
significava, de acordo com a autora, uma tomada de posição em relação ao tempo, na medida em que, mesmo
como instituição de memória, ela se colocaria ao lado das vanguardas artísticas, naquele caso, representado pelo
núcleo concretista.
286
Ao todo, o Grupo Frente realizou quatro exposições entre 1954 e 1956. A primeira delas aconteceu no
Instituto Brasil-Estados Unidos (IBEU); a segunda foi realizada no MAM carioca em 1955; a terceira também
em 1955, no Itatiaia Country Club; e a última, em 1956, na Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta
Redonda.
287
GRUPO ‘FRENTE’ NO MAM. Rio Magazine, Rio de Janeiro, ago. 1995.
182

Pedrosa aparece novamente vinculado ao grupo: “A ligação de Mário Pedrosa com o Grupo
Frente é pequena, mas suas teorias são de grande penetração em todos nós”.288
Por ocasião das exposições do Grupo Frente, o papel de Pedrosa na formação de um
núcleo de artistas concretos no Rio de Janeiro já se fazia notar, como é possível perceber nas
notícias destacadas que foram veiculadas sobre as mostras. Até mesmo sua atuação como
“teórico” do grupo foi enfatizada, por meio da importância que suas ideias tiveram na
formação daqueles artistas. Seria, portanto, por meio dessa posição de “intelectual” que o
crítico se destacaria como uma autoridade naquele grupo, e também como um de seus
principais porta-vozes. Sua participação na segunda exposição realizada no MAM
evidenciava o fato de que falava pelos artistas, apresentando-os ao público e a outros críticos,
entrando em batalhas para legitimá-los em um meio artístico muitas vezes hostil, conforme
será visto a seguir nos debates que travou com o crítico Quirino Campofiorito e o artista
Onofre Penteado. Pedrosa atuou também como um mediador em pelo menos dois planos:
entre o público e os artistas e entre os artistas e as ideias das quais ele era o principal portador,
como aquelas relativas à Gestalt.
Essa posição que Pedrosa ocuparia no interior do Grupo Frente também pode ser vista
na reação de outros críticos de arte com os quais entrou em disputa para legitimar o projeto
artístico no qual estava engajado. Quirino Campofiorito – com quem já havia entrado em
polêmicas por ocasião das mostras dos artistas do Engenho de Dentro – chegou a enfatizar
que Pedrosa justificava a presença do abstracionismo no meio artístico brasileiro, o que
poderia ser encarado como uma atitude normal. Todavia, também ressaltava que Pedrosa
havia tomado para si essa tarefa ao mesmo tempo em que negava o figurativismo, atitude
reprovável, segundo Campofiorito.289

288
A ARTE DEVE INFLUIR SOBRE O HOMEM CONTEMPORÂNEO. Correio da Manhã, Rio de Janeiro,
12 dez. 1955.
289
Campofiorito estava se pronunciando a respeito de uma conferência de Pedrosa, realizada no MAM carioca,
em 1949, intitulada “Revolução na pintura moderna”. Segundo aquele crítico: “O ilustre conferencista vai chegar
seguramente à justificativa do ‘abstracionismo’. Tarefa até aí normal e com a qual concordaremos. Passando da
justificativa ao elogio muito do hábito de hoje que não se contenta em generalizar-se, mas de ampliar-se num
sentido escandaloso de negar o ‘figurativismo’, então estaremos em total desacordo (CAMPOFIORITO, Quirino.
“Revolução na pintura”. Diário da Noite, Rio de Janeiro, 29 maio 1949). Cabe ainda enfatizar que Pedrosa
chegou a ser visto como um sectário, devido a sua forte relação com o abstracionismo, como foi ressaltado por
Di Cavalcanti em uma entrevista concedida ao crítico Jayme Maurício no Correio da Manhã. Perguntado sobre
o que ele achava do concretismo, disse: “Não tenho nada contra eles. Só não penso como o sectário Mário
Pedrosa que chama evoluir abandonar a pintura figurativa pela abstrata, concreta” (CAMPOFIORITO, Quirino.
Picasso e Carlitos são meus únicos mestres. Correio da manhã, Rio de Janeiro, 11 fev. 1954, p.11).
183

Foi durante a exposição do Grupo Frente no MAM, em 1955, que Pedrosa participou
de outra polêmica, quando proferiu palestra intitulada “Apologia da arte de vanguarda”, 290 na
qual falou sobre o Grupo Frente e defendeu suas posições acerca do fenômeno artístico. O
crítico Jayme Maurício,291 do Correio da Manhã, resumiu a palestra de Pedrosa da seguinte
maneira: “Em seguida fez o elogio dos ideais do Grupo Frente, lembrou os objetivos da arte
de vanguarda, citou algumas teorias de Herbert Read, e defendeu os pontos de vista artísticos
que constituem seu pensamento há alguns anos, e que são bem conhecidos de todos”. 292
Jayme Maurício comenta também o debate que ocorreu após o encerramento da
palestra de Pedrosa. Antes de falar sobre a discussão que aconteceu no final dessa
conferência, entretanto, é necessário explicar sua origem, visto que, após a sua realização,
quem se manifestou foi o artista e professor de arte Onofre Penteado Neto, que havia
publicado uma carta aberta, dias antes, em que polemizava com Pedrosa. Nessa carta, o artista
discordava da posição desfavorável de Pedrosa em relação ao ecletismo, posição que aparecia
no catálogo do Grupo Frente.293 Para defender seu ponto de vista, Onofre Neto afirmava que
seria necessário adotar uma postura aberta diante da diversidade de manifestações artísticas,
isto é, evitar qualquer dogmatismo. Essa atitude seria um contraponto àquela que ele
identifica em Pedrosa, cujo “horror ao ecletismo” significaria, para o pintor, assumir que
apenas uma tendência na arte poderia ser considerada “verdadeira”. Cabe observar que nessa
polêmica também aparece como pano de fundo uma disputa entre o realismo e o
abstracionismo, conforme é possível perceber na fala de Penteado: “Além disso, por ter
‘horror ao ecletismo’ vejo-me obrigado a equacionar o problema: qual é mais atual o
abstracionismo ou o realismo? Eis uma questão ociosa, vã! Não há uma escola que seja a
consequência última e necessária de pretenso progresso unilinear”.294

290
Essa palestra foi anunciada com antecedência em vários números do jornal Correio da Manhã. Havia uma
expectativa em torno da mesma, haja vista que o jovem artista Onofre Penteado Neto havia publicado uma carta
aberta ao crítico dias antes, onde polemizava com ele. Desse modo, esperava-se que Pedrosa respondesse os
comentários dele.
291
Jayme Maurício Rodrigues Siqueira começou sua carreira de jornalista no jornal Correio da Manhã em
1950, escrevendo sobre teatro, música, cinema, balé, entre outros assuntos. Nesse mesmo jornal, ele escrevia
também na coluna Itinerário de artes plásticas, onde se destacou como crítico.
292
MAURICIO, Jayme. Uma palestra em três episódios. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 ago. 1955.
Quando Jayme Maurício faz referência aos pontos de vista de Pedrosa, que já seriam conhecidos, é possível
inferir que ele esteja falando da defesa de Pedrosa do concretismo.
293
“Não se riam, porém, os céticos e amorfos. Não se juntam esses artistas em grupo por mundanismo, pura
camaradagem ou por acaso. A virtude maior deles continua a ser – a que sempre foi: horror ao ecletismo”
(GRUPO “FRENTE” NO MAM. Rio Magazine, Rio de Janeiro, ago. 1995).
294
PENTEADO, Onofre. Polêmica com Pedrosa? Correio da manhã, Rio de Janeiro, 27 jul. 1955. Coluna de
Jayme Mauricio.
184

Voltando ao debate, cabe ainda enfatizar que ele foi anunciado no Correio da Manhã
como uma oportunidade em que Pedrosa teria de responder ao artista. Como já se esperava,
Onofre Penteado se manifestou após a palestra de Pedrosa. Pela descrição de Jayme Maurício,
sabe-se que o artista leu a carta na íntegra, além de ter afirmado que sua presença ali era como
aluno diante do professor e não de um mero polemista. Em vez do tom de polêmica, o debate
ocorreu de forma amistosa. Onofre Penteado chegou a oferecer um trabalho seu a Pedrosa, em
que representava D. Quixote. Esse desenho seria uma referência ao próprio crítico, que o
artista descrevia como “D. Quixote da pintura não figurativa”. Pedrosa, por sua vez, teria
agradecido o presente e reconhecido as considerações do artista.
Chama a atenção nesse debate entre Pedrosa e um artista a forma como esse se
posicionou em relação ao primeiro, oferecendo pistas para compreender o lugar que Pedrosa
ocupava naquele momento no meio artístico brasileiro. Para fugir do rótulo de polemista que
havia sido atribuído a ele pelos jornais, Onofre Penteado preferiu mencionar a imagem da
relação professor e aluno para se colocar diante de Pedrosa. Essa imagem remete à posição de
autoridade que o crítico desfrutava naquele contexto, não apenas por apresentar um grupo de
artistas na exposição de 1955, com um texto de catálogo, mas também ao proferir uma
conferência, cujo objetivo era fazer uma apologia da arte de vanguarda, com o intuito de
aproximar o público das novas manifestações artísticas que estavam surgindo, como era o
caso do concretismo.
É necessário destacar mais uma vez que, embora essa não fosse a primeira exposição
do Grupo Frente, seus membros estavam debutando em um espaço voltado para a arte
moderna, como era o caso do museu. Ademais, o respaldo de Pedrosa com o texto do catálogo
e a palestra – que, segundo Jayme Maurício, contou com um numeroso público – pode ter
auxiliado na recepção da mostra, mais divulgada que a primeira. Em outra matéria de Jayme
Maurício para o Correio da Manhã, é possível identificar uma chamada da reportagem que
está afinada com o discurso do crítico presente no texto do catálogo: “O ‘vernissage’ do
Grupo Frente marcou um dos mais significativos acontecimentos para a vida artística do
Distrito Federal e para a vida e finalidades do Museu da Rua da Imprensa – Renovação e
liberdade de criação, as únicas normas desse núcleo de jovens voltados unicamente para a
‘boa arte’”.295
A aparição de Pedrosa em 1955 também deve ser compreendida tendo em vista a
situação vivenciada pelo crítico naquele contexto. Nesse ano, ele não estava escrevendo

295
MAURICIO, Jayme. Gente moça renovando a paisagem artística. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 15 jul.
1955.
185

regularmente para nenhum jornal, após ter saído do Correio da Manhã em 1951 e da Tribuna
da Imprensa em 1954. 296 Jayme Maurício, por ocasião da publicação da carta de Onofre
Penteado, chegou, inclusive, a escrever uma nota, em que dizia ser o debate com o artista uma
oportunidade para o crítico se manifestar em um momento em que ele andaria
“preguiçosamente retirado da imprensa militante”. 297 Visto, portanto, que Pedrosa estava
afastado de suas atividades como crítico de arte em jornais, o texto para o catálogo do Grupo
Frente e a palestra pareciam ser uma boa ocasião para se manter em cena.
Por fim, as atividades realizadas por Pedrosa não só no interior do Grupo Frente,
orientando os artistas, mas também como um porta-voz do grupo, apresentando-os ao público
por meio de textos em jornais e catálogos e também se engajando em polêmicas, lança luz
para o papel de mediador desempenhado pelo crítico. Pedrosa exerceu a função de mediador
em diversos níveis: fez uma ponte entre a universalidade do visual e as especificidades
locais,298 atuou como elemento de ligação entre o público e a arte moderna, e também entre os
artistas e os espaços de exposição dos quais participou.
Com efeito, essa atuação como mediador atribuída a Pedrosa se tornou mais explícita a
partir das ligações não apenas com um grupo de artistas no Rio de Janeiro, com os quais
lançou as bases para o projeto concreto, como também com os artistas virgens no Centro
Psiquiátrico Nacional Pedro II, na medida em que defendeu o valor artístico das obras
produzidas no ateliê de pintura. Nesses vínculos, destaca-se também sua participação em
debates e polêmicas, em que defendia a presença de “formas privilegiadas” na arte em
detrimento da plataforma artística identificada com o figurativismo. Nas polêmicas descritas
anteriormente, esse posicionamento teria provocado a manifestação de figuras como Onofre
Penteado e Campofiorito, que condenavam a identificação de Pedrosa com as propostas
artísticas do Grupo Frente. Essa manifestação, no entanto, pode ser entendida também com o
fato de Pedrosa ter dado início a um processo de ruptura com as tendências que
monopolizavam as atenções do meio artístico brasileiro, cujos principais protagonistas, até o
final da década de 1940, consagravam artistas no campo do realismo pictórico, como Portinari
e Di Cavalvcanti.
Esse processo de ruptura teve seu auge no momento em que Pedrosa estava inserido
em uma rede que contava com artistas ainda jovens, em início de carreira. Foi na defesa das
296
Cabe destacar que, em 1955, Pedrosa escreveu outro ensaio de fôlego, intitulado “Da missão francesa, seus
obstáculos políticos”, para concorrer a uma vaga de professor de história do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro.
297
MAURICIO, Jayme. Uma palestra em três episódios. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 ago 1955.
298
Segundo Pedro Erber (2009, p.46): “[...] art critics occupied a strategic position as mediators between the
visual and verbal realms; they translated between the apparent universality of the visual and the diverse local
dialects of cultural politics”.
186

experiências artísticas desenvolvidas por eles que o crítico contribuiu para a legitimação de
um projeto no qual era o principal protagonista e também adquiriu autoridade no meio
artístico brasileiro, notabilizando-se como um crítico paladino dos movimentos de vanguarda.
Finalmente, merece destaque também o fato de a produção intelectual de Pedrosa ter
aumentado nesse período, considerando que, entre 1949 e 1951, ele não apenas manteve sua
coluna de artes plásticas no Correio da Manhã, como também publicou uma coletânea,
defendeu sua tese, além de ter escrito o ensaio “Forma e personalidade”, em 1951, em que
dava continuidade às ideias desenvolvidas em Da natureza afetiva da forma na obra de arte.
Juntamente com a sua participação em polêmicas e a convivência com artistas, essa intensa
atividade intelectual contribuiu para que os valores artísticos defendidos por ele adquirissem
visibilidade. Desse modo, Pedrosa teve um papel de destaque em um círculo de artistas e
também foi reconhecido por outros integrantes do meio artístico brasileiro, incluindo os
críticos de arte. É a respeito da recepção de sua produção crítica e ensaística no meio artístico
e intelectual brasileiro que trata o último tópico deste capítulo.

4.4 Afirmação de Pedrosa como crítico no meio artístico brasileiro: a recepção da tese
Da natureza afetiva da forma na obra de arte e do livro Arte, necessidade vital

4.4.1 A tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte

Em 1949, Pedrosa redigiu sua tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte.
Embora as ideias apresentadas nessa tese – embasadas na teoria da Gestalt – sejam
importantes para compreender a influência de Pedrosa sobre um grupo de artistas, o trabalho
ficou inédito durante muito tempo: só foi publicado trinta anos depois de ter sido escrito, em
um conjunto de ensaios intitulado Arte, forma e personalidade (1979). Todavia, a tese chegou
a ser apresentada em 1951, quando foi submetida pelo crítico para concorrer a uma vaga na
cátedra de História da Arte e Estética da Faculdade Nacional de Arquitetura, quando obteve o
segundo lugar, conquistando o título de livre-docente e não de catedrático, que ficou com
Carlos Otávio Flexa Ribeiro.299

299
É importante assinalar o papel destacado que Mário Pedrosa e Carlos Flexa Ribeiro desempenharam no meio
artístico carioca, inclusive, atuando no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, onde seriam os “detentores do
saber”: “Ao lado de sua expertise, contudo, a diretora se cercava de um grupo de connoisseurs a que recorria
para a escolha de exposições, para a avaliação de obras doadas, para a compra de novas aquisições. Mário
Pedrosa e Flexa Ribeiro – professores, críticos de arte e autoridades do conhecimento – seriam recorrentemente
consultados sobre as próximas atividades da instituição. Mário Pedrosa assinaria prefácios de catálogos,
auxiliaria na escolha das exposições, selecionaria os quadros a serem aceitos e comprados. Flexa Ribeiro, por
187

Otília Arantes (1979, p.02) chama atenção para o ineditismo da tese de Pedrosa,
enfatizando que o trabalho era um dos primeiros em plano mundial a utilizar a Psicologia da
Forma para resolver problemas estéticos, tais como a percepção artística, a comunicação na
arte, entre outros. Esse ineditismo poderia ser uma das hipóteses para o fato de o crítico não
ter ficado em primeiro lugar no concurso, tendo em vista que a Gestalt não era conhecida no
Brasil, com exceção de alguns psicólogos no Brasil representantes dessa teoria.300 Conforme
será visto adiante, na repercussão que a defesa da tese teve na imprensa, os membros da banca
pareciam desconhecer os autores que forneciam o arcabouço teórico do trabalho de Pedrosa, o
que teria gerado uma incompreensão das ideias apresentadas ali.
Antes porém de analisar a repercussão e as questões presentes na tese, cabe chamar
atenção para alguns aspectos. Embora fosse um concurso para a cátedra de História da Arte,
não havia ainda no Brasil, no ano de 1951, um curso de ensino superior nessa área, o que só
aconteceu em 1961. A criação desse curso aconteceu por iniciativa da Secretaria de Estado de
Educação e Cultura da Guanabara, que, na época, era chefiada justamente por Carlos Flexa
Ribeiro, vencedor do concurso. A importância desse agente na institucionalização da História
da Arte nas universidades brasileiras pode ser vista por meio de sua atuação como professor
de arte no Instituto de Belas Artes (IAB) 301 no Rio de Janeiro, como catedrático dessa
disciplina na Faculdade Nacional de Arquitetura e também como consultor do MAM carioca.
A tese submetida por Flexa Ribeiro no concurso em que concorreu com Pedrosa –
intitulada Velásquez e o realismo – apresentava não apenas um objeto distinto daquele
analisado por Pedrosa, mas também um referencial teórico-metodológico que guardava
diferenças significativas. Enquanto Pedrosa buscava investigar problemas mais gerais do
fenômeno estético, Flexa Ribeiro estava interessado em discutir o conteúdo realista presente
no trabalho do pintor espanhol, analisando desde as condições sociais que possibilitaram sua
produção artística até os elementos de composição do quadro. No que se refere ao repertório
de autores utilizados nesses trabalhos, Pedrosa mobilizava os teóricos da Gestalt, como
Wolgand Koehler, Kurt Kofka e Paul Guillaume, enquanto seu concorrente lançava mão do
historiador da arte Heinrich Wölfflin e do filósofo José Ortega y Gasset.

sua vez, seria correntemente responsável pela redação dos boletins e chegaria mesmo a assumir provisoriamente
a diretoria da instituição no lugar de Niomar” (SANT’ANNA, 2008, p.100).
300
Em São Paulo, a professora Anita Marcondes Cabral, desde a década de 1940, já publicava trabalhos
embasados em autores como Max Wertheimer. No Rio de Janeiro, Newton Campos também era influenciado
pela Psicologia da Forma (ARANTES, 1979, p.03).
301
O Instituto de Belas Artes foi criado em 1957, pela Secretaria de Cultura do Estado da Guanabara. Lá foi
criado o primeiro curso superior de História da Arte, em 1961.
188

As diferenças presentes nesses trabalhos devem ser consideradas aqui pelo fato de
apresentarem soluções distintas no que se refere à análise dos objetos artísticos. Flexa Ribeiro,
por exemplo, evidenciou o contexto social que cercou a produção de um pintor como
Velásquez, indo desde a situação do artista como pintor de corte, sua condição de retratista
oficial até o convívio com artistas como Rubens. Além disso, ele destaca o fato de que a
Espanha era um meio refratário ao idealismo clássico, proporcionando um ambiente em que
Velázquez poderia desenvolver um conteúdo realista , aspecto esse visto como uma vocação:

E o que havia de mais fundamental era a sua irreprimível vocação para uma interpretação
realista. Velásquez não conhece maneira alguma de entender a vida e de representar a
beleza que lhe pareça superior e que ele possa colocar acima da realidade que está contida
no próprio mundo exterior. Tem-se a impressão, ao ver a Forja de Vulcano ou a Túnica de
José, de que, na obra do pintor, só há lugar para uma interpretação da vida olhada
corajosamente de frente, sem pestanejamentos diante da verdade. Além disso e mais
significativa ainda, é essa deliberada maneira do artista virar as costas para a torrencial
bagagem de temas mitológicos, arquétipos de um ideal apolíneo de beleza, que tão
exaustivamente tinha o renascimento italiano cultivado (RIBEIRO, 1949, p.44).

Essa recusa do ideal clássico – vista no trabalho do artista por meio do conteúdo
humano de seus trabalhos e pelo tratamento de temas mitológicos e religiosos sem uma
“idealização do heroico” –, além de sua vocação para o realismo conferiam a Velásquez o
estatuto de um artista moderno, segundo Flexa Ribeiro.302 A ausência de idealização em seus
trabalhos, desrespeitando, portanto, os padrões consagrados da arte renascentista colocava o
artista em uma posição que se coadunava com os avanços da ciência, o desenvolvimento de
métodos de observação e experimentação, que marcavam os valores espirituais de um novo
tempo que se iniciava. Flexa Ribeiro compara Velásquez a um escritor como Miguel de
Cervantes, na medida em que ambos seriam “porta-vozes de ideias e sentimentos que estavam
de forma nebulosa generalizados no subconsciente do tempo” (RIBEIRO, 1949, p.86).
Com relação ao que chama de “estética de Velásquez”, Flexa Ribeiro prioriza um
estudo da temática dos trabalhos do artista, afirmando que o assunto presente nos quadros
exprime sua condição de pintor de corte e também a época e a sociedade em que viveu.
Todavia, o próprio autor do texto reconhece que não é possível analisar o trabalho do artista
vislumbrando apenas o conteúdo de sua obra, embora esse seja importante, considerando que
ele pode ser visto como “manifestação, com maior ou menor intensidade, do período que
condicionou a sua produção” (RIBEIRO, 1949, p.144). Nesse sentido, Flexa Ribeiro avalia a

302
Segundo Ribeiro (1949, p.89): “Não só pela própria importância da sua arte, como em relação ao tempo em
que viveu, Velásquez poderia ser considerado, por muitos títulos, o primeiro pintor do mundo moderno”.
189

necessidade de a História da Arte também se deter em elementos que dizem respeito a


aspectos intrínsecos da obra de arte, valorizando outro prisma que seria o da forma.
Quando se debruça no “esquema visual” dos trabalhos de Velásquez, Flexa Ribeiro
afirma que o pintor tinha uma apreensão óptico-sensorialista do objeto que buscava retratar.
De acordo com o autor:

O critério realista de Velásquez seria, sob este aspecto, de natureza óptico-sensorial,


consistindo em tomar a visão, como o Sujeito, em função de cuja acuidade específica, varia
a imagem do Objeto. Dizemos por isso que, como maneira de ver o mundo exterior, o seu
realismo tem um caráter subjetivista, no sentido de que o objeto não é considerado nas suas
qualidades intrínsecas, mas sim segundo o efeito visual que produz. Ao invés de pesquisar
o objeto em si, o pintor investiga os meios de representar com fidelidade a imagem que
temos dele (RIBEIRO, 1949, p.157).

Quando vai analisar os elementos estéticos da obra do artista, Flexa Ribeiro tem a
preocupação em identificar o realismo em seus quadros, mesmo que ele seja entendido não
como uma apreensão exata do objeto, mas conforme o olhar do pintor, isto é, retrataria o
mundo real “traduzido em termos de pura visualidade”. Ao mencionar o realismo e o
idealismo na arte – embora diga que eles não podem ser encarados em sentido absoluto –,
Flexa Ribeiro diz que Velásquez é realista na maneira de encarar os valores da vida,
eximindo-se de idealizar os aspectos do mundo exterior. Desse modo, o pintor procuraria
“exprimir os caracteres efetivos do que é” (RIBEIRO, 1949, p.170).
A menção a algumas ideias apresentadas por Flexa Ribeiro em sua tese tem o objetivo
de lançar luz para a importância que o autor conferia a uma arte de conteúdo realista, e a um
pintor como Velásquez, considerado por ele um representante do espírito moderno nas artes.
Pedrosa, por sua vez, ao investigar questões relativas à percepção estética, afirma que a obra
de arte não pode ser apreendida a partir de seu conteúdo e sim por seus aspectos formais, o
que garantiria a comunicação dos trabalhos artísticos com o público. Para compreender como
as ideias de Pedrosa se afastam das concepções de arte evidenciadas na tese de Flexa Ribeiro,
alguns dos argumentos desenvolvidos na tese Da natureza afetiva da forma na obra de arte
serão examinados a seguir.303
Em seu estudo, Pedrosa investiga as relações entre a fisiologia da percepção humana
com o fenômeno artístico, elegendo como questão central a apreensão dos objetos pelo
sentido (PEDROSA, 1979a, p.12). Ao examinar os vínculos entre a forma como os objetos

303
O objetivo aqui não é esgotar os temas discutidos por Pedrosa nessa tese, mas, a partir de uma breve
comparação entre suas ideias e aquelas apresentadas no trabalho de Flexa Ribeiro, enfatizar o estatuto
diferenciado de Pedrosa na crítica de arte.
190

são percebidos pelos indivíduos e a comunicação da obra de arte, o crítico enfatiza a


importância da impressão primeira como alicerce para a percepção estética. 304 Daí sua ênfase
nas qualidades formais do objeto artístico. Sobre seu objeto de pesquisa, ele afirma:
“Interessa-nos, sobretudo, a obra de arte, o objeto de arte. Este existe independentemente, e
são suas qualidades intrínsecas, suas propriedades formais que o distinguem como um todo à
parte, com existência própria. E é através dessas qualidades estruturais que ele exerce
influência sobre nós. Este é o nosso problema” (PEDROSA, 1979a, p.53).
Para Pedrosa, são os aspectos fisionômicos dos objetos artísticos que comunicam algo
ao público. A emoção diante de uma obra de arte tem origem nas características formais desse
objeto, e não no apelo do espectador às suas experiências anteriores ou ao aprendizado
adquirido. A importância que Pedrosa confere à forma na obra de arte é ressaltada quando o
crítico afirma que todo objeto tem uma fisionomia moral: “Os objetos têm por si mesmos, em
virtude de sua própria estrutura, independentemente de toda experiência anterior do sujeito
que os percebe, um caráter próprio, as qualidades do insólito, do estranho, do assustador, do
irritante, ou do plácido, do gracioso, do elegante, do áspero, do repulsivo, do atraente etc.”
(PEDROSA, 1979a, p.68).
Ao reforçar as qualidades fisionômicas dos objetos, Pedrosa se posicionava contrário à
defesa da função representativa da arte e ao mesmo tempo enfatizava a especificidade do
fenômeno artístico. Afirmando que a chave para a questão da comunicabilidade da arte (ou da
sua universalidade) estaria, portanto, nas propriedades intrínsecas da obra, ou mais
precisamente nas formas privilegiadas que se impõem aos sentidos, o crítico quis dizer que
todo objeto artístico é autônomo e independente, e as propriedades formais desse objeto têm
valor por si mesmas. 305 Mesmo quando é possível recorrer às experiências vividas no
momento de apreender o objeto, isso é apenas uma forma de enriquecer a compreensão acerca
da obra de arte.
Quando Pedrosa discute a questão da “boa forma”, isto é, as formas mais simples,
simétricas e fortemente organizadas, é possível inferir que ela seria um parâmetro para a
avaliação dos objetos artísticos, na medida em que as formas privilegiadas são aquelas
apreendidas pelo sujeito de maneira imediata, independente de elementos externos. Nesse
304
Segundo Pedrosa (1979a, p.13, grifo nosso): “Essas impressões primeiras constituem, já o disse Koffka, o
alicerce da impressão estética. A arte se funda sobre elas, e perde sua força expressiva, sua pureza, quando essa
percepção sincrética global, esse sentimento primeiro do objeto se mareia. Como? Mesclada de preocupações
analíticas ou significativas de outra ordem: exigências externas, didáticas, científicas, intelectuais, morais,
religiosas, práticas etc. A arte deixa de ser fim para ser meio”.
305
Segundo Pedrosa (1979a, p.86-87): “A obra de arte, porém, é uma construção completa, autônoma, isolada, e
sua finalidade está em si mesma e consigo termina. Ainda muito pouca gente, entretanto, é capaz de perceber só
o significado das puras relações formais”.
191

sentido, ao contrário de Flexa Ribeiro, ele não estaria preocupado com o conteúdo dos
trabalhos artísticos, isto é, com aspectos extrínsecos que podem ser depreendidos da obra de
arte, e sim com aquilo que seria peculiar a essas obras, que possuiriam uma estrutura própria
que desperta a emoção do espectador. A relação conteúdo e forma, que aparece na tese de
Velásquez, portanto, perde o sentido no trabalho de Pedrosa, na medida em que o crítico
advoga a autonomia desse fenômeno em relação a seu referente externo.
Se não é possível encontrar a defesa de uma tendência artística em sua tese, merece
destaque o fato de Pedrosa ter utilizado as ideias que desenvolveu ali para analisar,
principalmente, os trabalhos de artistas ligados ao núcleo concretista, quando, por exemplo,
utilizou a noção “formas privilegiadas” para fazer referência às obras de Ivan Serpa. 306 Além
disso, em um contexto de debates entre defensores do realismo pictórico e do abstracionismo
e também onde ainda reinava uma crítica de arte vinculada aos valores artísticos dessa
primeira tendência, a discussão levada a cabo em sua tese representava uma tentativa de
superar a forma como os objetos artísticos eram examinados até então, muitas vezes, a partir
de uma descrição do assunto do quadro. É nesse sentido que a pergunta sobre o porquê de
Pedrosa ter se interessado pela Gestalt faz todo o sentido:

A necessidade de legitimar teoricamente a objetividade da crítica é compreensível se


pensarmos que Pedrosa estava empenhado no debate figurativismo × abstração e no embate
contra a atitude impressionista que impregnava a crítica naquela época. Ou seja, aquele
interesse também poderia se justificar dado o processo de transformação da própria arte do
pós-guerra, com a predominância do abstracionismo, que acabou deixando os críticos sem
assunto [...] Mas, a partir daí, não é possível pensar que Pedrosa se interessaria pela Gestalt,
tendo em vista apenas a busca de fundamentos científicos para a crítica da nova arte. Mais
profundo, tal interesse era motivado pela expectativa de superação das oposições
forma/conteúdo, inteligência/sensibilidade, imaginação/realidade sob as quais se oculta
uma outra: a clássica antinomia subjetividade/objetividade. Para essa problemática
epistemológica, a noção de Gestalt parecia oferecer uma solução, uma vez que seria
possível explicar a experiência estética por intermédio das propriedades intrínsecas da
Forma. E o campo a partir do qual tal estética da forma se concebe é primordial e
especificamente o campo da visão (FRAYZE-PEREIRA, 2009, p.131).

Esse interesse pela Gestalt não é óbvio, quando se tem em vista, por exemplo, os
comentários do crítico Antonio Bento por ocasião da defesa da tese de Pedrosa. Sobre o
segundo lugar conquistado, Bento afirma que ele poderia ser explicado pela falta de
conhecimento da banca a respeito da Psicologia da Forma e pelo atraso dos programas da
cátedra para qual Pedrosa concorria. 307 Em suas palavras: “De tudo se conclui que os
programas da cadeira de História da Arte e Estética das nossas universidades devem ser
306
Ver tópico 4.2.2.
307
Os membros da banca eram: Frei Hasselman, Jayme Coelho, Pedro Calmon, Lucas Meyhofer e Carlos Del
Negro.
192

revistos com urgência a fim de que os próprios professores tomem conhecimento da ‘Gestalt’,
e das teorias estéticas modernas”.308
Em uma matéria do Correio da Manhã, sobre a defesa da tese, o comportamento dos
membros da banca foi descrito da seguinte maneira: “[...] os ilustres professores tinham de
consultar os livros a cada momento para apontar as inexatidões ou temas suscetíveis de
controvérsias, enquanto o candidato se defendia nos exíguos 15 minutos concedidos a cada
um”.309 Já em outra edição desse mesmo jornal, a crítica aos julgadores fica mais explícita:
“No Brasil, existem examinadores de concurso universitário que declaram publicamente
ignorar o assunto e a bibliografia sobre o assunto. Esqueceram-se de estudá-lo. Mas também
se esqueceram de declinar a honra de julgá-lo”.310
Quando Antonio Bento enfatiza o desconhecimento da banca em relação às teorias
estéticas modernas, o que estava em jogo era justamente a discussão sobre o que seria a
modernidade nas artes brasileiras. As referências para compreender essa modernidade
estavam expostas nos trabalhos de Flexa Ribeiro e Pedrosa: o primeiro via no realismo de
Velásquez a primeira evidência de um “espírito moderno” nas artes; já a partir de seus estudos
sobre a Gestalt, o segundo elege a abstração e suas formas depuradas como representantes
daquilo que chama de “revolução modernista”.311
Sobre o caráter científico que Pedrosa estaria tentando conferir a sua produção crítica,
Moura (2011) indica os “excessos racionalistas” na tese. O autor ainda enfatiza que o episódio
da defesa e o segundo lugar conquistado pelo crítico revelariam aspectos menos prestigiosos
em sua carreira, na medida em que sua tentativa de entrar no meio universitário não foi bem-
sucedida. Todavia, considerando que os “lugares da crítica” de Pedrosa estavam estabelecidos
em outros espaços de legitimação, como nos artigos de jornal e catálogo e na própria relação
com os artistas, e que as ideias apresentadas na tese acabaram se tornando o arcabouço teórico
a partir do qual ele vai atuar no exercício judicativo, é necessário relativizar esse suposto
fracasso de seus projetos acadêmicos. Conforme será visto na recepção da coletânea Arte,

308
BENTO, Antonio. A Gestalt e os examinadores. Diário carioca, Rio de Janeiro, 19 jan. 1951.
309
NATUREZA AFETIVA DA FORMA NAS ARTES PLÁSTICAS. Correio da Manhã, 13 jan. 1952.
310
A CADEIRA DE HISTÓRIA DA ARTE. Correio da Manhã, 18 jan. 1951.
311
No ensaio “Forma e personalidade”, escrito no mesmo ano em que Pedrosa defendeu a tese e onde ele
continuou a desenvolver os argumentos que já havia apresentado nesse trabalho, o crítico sublinha: “Com
Kandinsky, Mondrian e parcialmente Klee, todo esse movimento artístico em sua pureza chega ao apogeu.
Kandinsky foi o primeiro que postulou as premissas de uma arte na qual a imaginação gratuita seria substituída
por puras relações abstratas ou mesmo matemáticas. Em Klee ou numa escultura de Brancusi as reminiscências
do real que ainda existem são recriadas num sentido inteiramente novo e estritamente subordinadas ao mundo,
plano do quadro, ou às formas embrionárias ou primárias irredutíveis; Mondrian, que é o jacobino da revolução
modernista, faz a depuração final. Para ele, a obra de arte é apenas um conjunto de ritmos inteiramente
destacados de qualquer relação exterior” (PEDROSA, 1979d, p.143).
193

necessidade vital, no próximo tópico, a mudança atribuída a Pedrosa nas concepções sobre
arte e principalmente na maneira de realizar a crítica de arte já havia sido reconhecida por
alguns de seus pares, que notaram uma mudança em seu repertório por ocasião do lançamento
de seu livro.

4.4.2 Lançamento do livro Arte, necessidade vital em 1949

Conforme mencionado no tópico anterior, no mesmo ano em que Mário Pedrosa


escreveu sua tese, ele publicou o livro Arte, necessidade vital. Tanto a tese quanto o livro
tiveram uma repercussão nos meios artístico e intelectual brasileiro: a tese influenciou um
grupo de artistas, sendo destacada por eles como um marco na transformação de suas carreiras
– na medida em que se converteram a uma nova tendência artística, o concretismo –, além de
ter despertado uma polêmica em relação à grade do curso de História da Arte das
universidades do país; o livro, por sua vez, teve uma recepção entre os críticos de arte, que
aproveitaram para debater sobre os parâmetros do exercício judicativo. Tendo em vista a
ressonância de seus trabalhos, cabe investigar em que medida o cabedal teórico evidenciado
por Pedrosa naquele momento atuou como um fator preponderante em sua afirmação como
intérprete das obras de arte, sendo, portanto, um elemento decisivo para que ele fosse
reconhecido como crítico.
Cabe chamar atenção novamente para o fato de que não é uma mera coincidência
Pedrosa ter travado intensa relação com artistas justamente em um período em que ele se
empenha em organizar suas ideias em um corpus – a tese – e divulgar seus textos sobre arte a
partir de uma coletânea. Conforme mencionado, a posição que Pedrosa ocupava nas reuniões
com os artistas lhe garantia um estatuto diferenciado no interior dessas relações, como pode
ser visto nas imagens associadas a ele de “mentor” e “teórico”. Se suas ideias sobre o
fenômeno artístico foram consideradas um dos fatores que levaram à formação de um núcleo
concretista no Rio de Janeiro, por outro lado, os artistas que participavam desses encontros
também contribuíram para legitimar o projeto artístico de Pedrosa e sua posição como crítico.
Foi nesse contexto que essas ideias se materializaram em dois projetos: a tese e o livro.
É importante também atentar para as diferenças entre essas duas produções do crítico.
Enquanto a tese evidenciava um intelectual preocupado em organizar suas ideias a partir de
um ponto de vista científico – embasado nos ensinamentos da Gestalt – para apresentar a uma
banca na Faculdade Nacional de Arquitetura em um concurso público, o livro foi resultado de
uma compilação de artigos que iam desde o início da década de 1930, quando Pedrosa
194

publicou seu primeiro texto sobre arte, até o final da década de 1940, chamando a atenção
para outro viés, qual seja: aquele do jornalista que escreve sobre arte e que endereça seu texto
para um público mais amplo. Nesse caso, o papel didático que ele deveria desempenhar,
especialmente em um contexto de transformação do papel da arte e do artista, era o destaque
se comparado à tese que visava um público restrito, formado por professores universitários.
O livro Arte, necessidade vital, publicado em 1949, é composto por dez capítulos,
demonstrando o vasto repertório de Pedrosa não só no que se refere ao instrumental utilizado
para analisar os trabalhos artísticos, mas também nos próprios artistas escolhidos. Os dez
artigos que faziam parte da coletânea eram: “As tendências sociais da arte de Käthe
Kollwitz”, “Portinari”, “Alexander Calder”, “Arte, necessidade vital”, “A coleção Widener na
Galeria Nacional de Arte nos Estados Unidos”, “Dos primitivos a primeira Renascença
Italiana”, “A resistência alemã na arte”, “Crônicas de artes plásticas”, “A ação da presença na
arte” e “A força educadora da arte”.
Em uma nota no Correio da Manhã, o livro foi apresentado, juntamente com seu
autor, da seguinte maneira:

Mário Pedrosa não é apenas a figura política ou o jornalista de primeira ordem que estamos
acostumados a admirar. É também um dos nossos melhores e mais esclarecidos críticos de
arte, um ensaísta de cultura, de bom gosto e capacidade interpretativa. Por isso mesmo tem
especial significado o aparecimento do seu livro, Arte, necessidade vital – volume em que
reuniu uma coletânea de estudos escritos entre 1933 e 1948. Muitos desses trabalhos foram
publicados na imprensa carioca, inclusive nas páginas do Correio da Manhã, onde Mário
Pedrosa exerce a crítica de artes plásticas desde 1946. 312

Esse trecho, além de apresentar o livro, destaca características que são atribuídas a
Pedrosa enquanto crítico de arte. Como ele exercia essa função no Correio da Manhã, é
preciso enfatizar a importância que o jornal teve para o reconhecimento de Pedrosa no
exercício judicativo. Seus vínculos com Niomar Muniz Sodré – que também o convidou para
ser um dos consultores do MAM-RJ, quando foi diretora dessa instituição na década de 1950
– e Paulo Bittencourt, diretores do periódico, explicam não apenas o convite para que ele
escrevesse uma coluna de artes plásticas ali, mas também seu progressivo reconhecimento
nessa função. Essa nota no jornal, que apresenta Pedrosa como “um dos nossos melhores e
mais esclarecidos críticos de arte”, lança luz justamente para esse aspecto. Todavia, o
lançamento do livro serviu ainda como uma ocasião para seus pares saudarem Pedrosa como
um dos principais expoentes do exercício judicativo, momento em que alçou reconhecimento
definitivo.
312
ARTE, NECESSIDADE VITAL. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 13 mar. 1949.
195

Antes, porém, de discutir a recepção desse livro, vale ainda ressaltar alguns aspectos
da produção crítica de Pedrosa destacados no meio artístico e intelectual brasileiro a partir da
década de 1940, como aqueles lembrados por José D’Assunção Barros (2008). Conforme já
313
mencionado, Barros indica o cruzamento de diversos papéis que Pedrosa teria
desempenhado, e também as peculiaridades de seu texto crítico, que combinaria
“especialização” e “atenção generalizante”:

Um primeiro traço característico da atividade crítica e dos textos sobre arte de Mário
Pedrosa é talvez a rara combinação de “especialização” e “atenção generalizante”,
cuidadosamente proporcionais uma à outra. Já foi notado que, por vezes no mesmo texto,
Mário Pedrosa lida tanto com uma crítica cuidadosamente especializada – que em alguns
casos chega a atingir mesmo a análise pericial como também com uma atenção
enfaticamente voltada para as implicações universalizantes da arte e da cultura. Esta dupla
natureza do discurso crítico de Mário Pedrosa já marca uma originalidade com relação a
quase tudo o que vinha sendo feito no gênero de crítica de arte nos ambientes intelectuais
brasileiros onde frequentemente se via uma crítica laudatória ou agressiva, conforme as
relações entre o produtor da crítica e o artista examinado, e quase sempre tendente ao
discurso meramente literário, mas com frequência sem nem atingir a análise especializada,
e nem a visão que integra a obra em um circuito mais amplo. A combinação entre o
aprimoramento analítico e horizonte mais amplo, então, era rara (BARROS, 2008, p.42-
43).

O autor destaca o fato de Pedrosa ter saído de um discurso meramente literário, o que
era comum na crítica de arte no período. Sua coletânea publicada em 1949 chama a atenção
justamente para esse aspecto, o que é corroborado por outros críticos de arte, que afirmam que
Pedrosa teria modificado os parâmetros do exercício judicativo no Brasil. Considerando que
nesse livro foram incluídos artigos até 1948, é necessário ressaltar a existência de textos ali
que evidenciavam um refinamento da linguagem de Pedrosa no trato com os objetos
artísticos. Lembrando também que o período de publicação do livro coincidiu com o
momento em que ele finalizou sua tese, estando ali as bases teóricas para seu repertório
crítico.
Sobre a relação entre um discurso especializado e outro generalizante, os próprios
artigos da coletânea evidenciam esse aspecto, como os ensaios de Alexander Calder que
foram selecionados para compor o livro. Além dessa análise pericial, preocupada com a fatura
do artista, Pedrosa também discutia questões mais amplas do fenômeno estético, como o
potencial transformador da arte e sua influência na vida cotidiana, além da relação da arte
moderna com a sociedade industrial. Já um artigo como “Arte, necessidade vital”, cuja origem
é uma conferência do crítico por ocasião de uma mostra com os trabalhos dos internos do
Engenho de Dentro, em 1947, deu ensejo para que ele analisasse a relação entre inspiração e

313
Ver capítulo 1.
196

elementos formais no processo de criação artística, além da questão da arte e da loucura.


Todavia, o que esses artigos, de uma forma geral, revelam é o percurso traçado por Pedrosa
nas artes plásticas, com uma ênfase cada vez maior para o polo do discurso especializado e
pericial, como será visto adiante no depoimento dos críticos que comentaram o livro.
Voltando à recepção da coletânea, na seção de livros novos do Correio da Manhã, o
trabalho de Pedrosa aparece como um dos poucos exemplares de um gênero escasso na
literatura brasileira, a saber: a crítica de artes plásticas. 314 Outro aspecto que merece atenção é
que, embora o livro tivesse dez ensaios, apenas aqueles que versavam sobre dois artistas
tiveram destaque: os de Portinari e o de Käthe Kollwitz. O primeiro por ser o único artista
brasileiro contemplado pelo crítico, e o segundo por valer um “esboço de livro”. Metade do
texto trata justamente do ensaio sobre a artista alemã, enquanto os outros artigos não são nem
mesmo mencionados e figuram como trabalhos que apenas integram e completam aquele que
seria o carro-chefe do livro.
Cabe observar que a maioria dos comentários sobre o livro vai destacar apenas os
ensaios sobre Cândido Portinari, Alexander Calder e Käthe Kollwitz. Uma primeira hipótese
para isso repousa no fato de os textos sobre os três serem os únicos na coletânea que tratam de
artistas individuais, ao mesmo tempo em que revelam o ponto de vista a partir do qual o
crítico analisava as obras de arte. O jornalista Claudio Abramo, por exemplo, afirma que esses
ensaios seriam o pilar do livro de Pedrosa:

Temos em Arte, necessidade vital um triângulo preciso: a um canto, Käthe Kollwitz, com
sua intenção nítida de propaganda e seu poderoso valor plástico examinado à luz de sua
intenção. Noutro ângulo, Calder, sem intenção, mas visto tanto pelo valor plástico, pela
beleza dos “móbiles” e dos “estábiles” quanto pela inapelável relação com o mundo
moderno, o mundo das máquinas, o mundo mecânico. No último ângulo, enfim, está o sr.
Cândido Portinari, examinado pelo seu valor plástico, sem que a sua “intenção
socializante”, e a de seus partidários e a de seus copartidários turve as águas da obra do
artista.315

Além de reforçar a importância dos artigos sobre os três artistas mencionados, Abramo
menciona duas categorias que, segundo ele, vão guiar a leitura de Pedrosa acerca dos
trabalhos daqueles artistas: intenção e valores plásticos. Enquanto a primeira dizia respeito,
principalmente, a uma identificação do conteúdo social dos trabalhos analisados, a segunda
teria relação com uma pesquisa da fatura do artista e dos elementos plásticos que
caracterizariam sua obra. Para Abramo, o texto de Kollwitz expressaria essa preocupação com

314
ARTE, NECESSIDADE VITAL. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 12 abr. 1949.
315
ABRAMO, Claudio. Do artista e de sua intenção. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 04 maio 1949. Seção
livros novos.
197

a intencionalidade da artista e as mensagens presentes no seu trabalho, por meio da


identificação dos temas em suas gravuras; enquanto nos artigos sobre Portinari e Calder, o que
estaria em jogo seriam os valores intrínsecos da obra de arte expressos em elementos tais
como cor, volume, linhas, entre outros.
Um dos críticos que escreve sobre o livro é Sergio Milliet. Em 1949, em um artigo
cujo título é o nome do livro de Pedrosa, Milliet enfatiza que a literatura estética no Brasil era
pobre e que os críticos, na verdade, não passariam de cronistas diários. Segundo ele, a
coletânea Arte, necessidade vital, no entanto, alteraria esse cenário:

Num momento em que a crítica artística do país era toda ela impressionista ou
convencional, nem sequer técnica, Mário Pedrosa com uma inquietação louvável e uma
curiosidade fecunda tentava explicar a obra de arte de um ponto de vista menos superficial.
Já lera muita coisa e não apenas marxistas, embora a influência de suas ideias sociais
domine as demais leituras (grifo nosso).316

Em seu artigo sobre o livro de Pedrosa, Milliet faz ressalvas sobre a influência das
ideias sociológicas em sua crítica estética. 317 Essa influência estaria presente, principalmente,
no ensaio sobre Käthe Kollwitz, cujo maior aporte teórico seriam, segundo o crítico paulista,
as ideias de Karl Marx. 318 Embora Milliet ressalte que uma das grandes contribuições de
Pedrosa foi divulgar essa gravurista no Brasil, ele afirma que a análise de Pedrosa sobre o
trabalho da artista sucumbe a um “esquematismo marxista”, e apresenta uma “insuficiente
análise técnica”. No entanto, se as questões formais ficariam de lado nesse artigo, o crítico
paulista reconhece que o ensaio sobre as esculturas de Alexander Calder revela menos
“restrições de ordem técnica”, evidenciando, portanto, um crítico mais amadurecido.
Sobre as diferenças que Milliet reconhece nos textos que fazem parte da coletânea,
cabe enfatizar os diferentes momentos em que eles foram escritos. O artigo sobre Käthe
Kollwitz foi o primeiro ensaio de Pedrosa sobre artes plásticas. Ele foi publicado por ocasião

316
MILLIET, Sergio. Arte, necessidade vital. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 maio 1949.
317
Outro fator importante apontado por Milliet nesse artigo é o fato de Pedrosa ter sido responsável por
introduzir uma crítica de fundo sociológico no Brasil. Essa informação, no entanto, pode ser questionada tendo
em vista que as implicações sociológicas da arte já estão presentes na crítica estética desde o decênio de 1920, e
vários intelectuais, incluindo o próprio Milliet, também contribuíram para a realização de uma crítica de teor
social (BARATA, 1973).
318
Para investigar o caráter social da arte, Pedrosa começa falando dos povos primitivos, que não separavam a
técnica da arte, condição essa que teria se modificado com o avanço da civilização. Todavia, à medida que a arte
se decola das atividades básicas do homem, de seu trabalho, sua função social, decai. Pedrosa também vai
mencionar a separação entre o homem e a natureza para compreender esse processo, lançando mão de um
conceito de Marx: “À medida que a civilização avança, a separação entre o homem e a natureza cresce e o
instrumento intermediário entre os dois torna-se cada vez mais complexo. Esse processo é o que Marx chamou
de ‘formação dos órgãos produtivos do homem social’” (PEDROSA, 1995, p.37). Além disso, Pedrosa também
analisa, nesse texto, o papel desempenhado pelos artistas a partir de sua posição de classe.
198

da mostra da gravurista ocorrida no Rio de Janeiro e São Paulo, em 1933, que deu origem a
uma conferência do crítico no Clube de Artistas Modernos (CAM), cujo título era “Käthe
Kollwitz e o seu modo vermelho de percebera vida”.319 Já os textos de Calder datam de 1944
e 1948. Considerando, portanto, que uma das principais hipóteses desse trabalho é a
construção gradual da carreira de Pedrosa como crítico de arte, as diferenças presentes nesses
textos devem ser compreendidas tendo em vista o desenvolvimento progressivo de suas
concepções sobre o fenômeno artístico.
O próprio Milliet notou as diferenças entre os textos, principalmente quando adotou
como referência os artigos sobre Calder. Escritos a partir de meados da década de 1940,
quando Pedrosa estava vivenciando uma mudança em seu “sistema de prioridades”, os textos
já evidenciavam um crítico mais próximo da abstração e também de questões relacionadas às
propriedades formais do objeto artístico. Isso é o que parece identificar Milliet, quando afirma
que o artigo possuía menos “restrições de ordem técnica”. Ademais, o crítico paulista vai
advogar a favor de uma percepção das obras de arte que estaria mais ligada aos problemas
estruturais, identificando-se, portanto, com a postura assumida por Pedrosa na década de
1940: “[...] o que importa do ponto de vista estético, e, portanto, o que faz a obra uma obra de
arte são suas qualidades formais. O que faz que a apreciemos ou não é que pode ser a
elevação do sentimento ou a função socializadora, segundo nossa posição na sociedade. Mas a
obra-prima não dura por estes motivos e sim por aquelas qualidades”.320
Em outros comentários sobre o livro, intelectuais aproveitam para reforçar essa
diferença entre os textos da coletânea. O escritor José Lins do Rego, em artigo intitulado
também “Arte, necessidade vital”, tece elogios à publicação, mas aproveita para fazer
algumas ressalvas, especialmente no que diz respeito a uma análise dos trabalhos artísticos
que, muitas vezes, segundo ele, pecava pelo “combate político”: “Pedrosa é por decidida
vocação um verdadeiro crítico. Às vezes, as necessidades da dialética filosófica que lhe abafa
as intuições vigorosas arrastam o crítico para o seco e duro combate político. Mas nunca este
combate rude reduziu a atividade de Mário a uma servidão de assecla fanático”.
Carlos Drummond de Andrade lembra a faceta de Pedrosa como militante político,
relacionando esse aspecto com sua crítica de arte. Em vez de problemática, conforme
afirmava Lins do Rego, para Drummond o “duro combate político” presente em alguns textos
seria um fator positivo, diferenciando-o de outros intelectuais envolvidos no exercício

319
Quando foi publicado, no periódico O Homem Livre, o título foi alterado para “As tendências sociais da arte
e Käthe Kollwitz”.
320
MILLIET, Sergio. Arte, necessidade vital. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 10 maio 1949.
199

judicativo, como é possível notar no comentário seguinte: “Dotado a um tempo de aguda


consciência dos problemas sociais e de forte percepção artística, o sr. Mário Pedrosa já por
essa dupla característica se distingue do comum de nossos escritores políticos, para os quais a
arte não conta e do comum dos nossos críticos que abominam a política”.321
Apesar de ser possível encontrar comentários enfatizando uma postura combativa, que
poderia ser vista em textos como o de Käthe Kollwitz, na maioria das resenhas sobre o livro,
Pedrosa aparecia como um crítico de arte verdadeiro ou como um dos poucos representantes
dessa atividade no país. Ao lado de afirmações como essa, o que também estava em jogo era
uma tentativa de definir os parâmetros a partir dos quais o exercício crítico deveria se pautar.
Sobre esse aspecto, o crítico e presidente da comissão de arte do Instituto Brasil-Estados
Unidos, Marc Berkowitz, ressaltou: “Para mim, Mário Pedrosa foi sempre um dos poucos
críticos de arte verdadeiros que o Brasil possui. E quando digo ‘crítico de arte’, quero dizer
isso mesmo, um homem capaz de analisar uma obra de arte e de servir como guia e por vezes
como explicador para o artista e para o público”.322
No ano seguinte ao lançamento do livro, Pietro Maria Bardi323 enfatizou as qualidades
de Pedrosa no exercício crítico. No artigo intitulado “Pedrosa crítico”, ele chamou a atenção
para o fato de Pedrosa ter descoberto um artista como Giorgio Morandi antes mesmo de ter
participado da Bienal de Veneza. 324 Bardi ainda menciona o fato de Pedrosa compartilhar
certos valores com os artistas, o que poderia ser encarado como um diferencial de sua atuação
no exercício judicativo: “E afigura-se-nos ser esta a verdadeira arte de Pedrosa: compreender,
mas não por meio das aprendizagens, ou melhor, de mal aprendidos, e sim através de ideias
afins; de sentimentos adequados, de paixões comuns com os artistas”.325
O artigo de Bardi foi publicado um ano após o lançamento do livro de Pedrosa,
fazendo parte de sua fortuna crítica, que desempenhou um papel crucial em sua consagração
como crítico de arte. No mesmo ano em que Bardi publicou esse texto, em 1950, a coletânea
Arte, necessidade vital também conquistou o prêmio de melhor estreia de 1949 pelo jornal

321
ANDRADE, Carlos Drummond de Andrade. Arte, necessidade vital. Minas Gerais, Belo Horizonte, 05 jun.
1949.
322
BERKOWITZ, Marc. Das artes... Paralelo 23, Rio de Janeiro, 06 maio 1949.
323
Pietro Maria Bardi veio de seu país de origem, a Itália, para o Brasil em 1946. No ano seguinte, ele foi
chamado por Assis Chateaubriand para comandar o Museu de Arte de São Paulo (MASP). Além de dirigir o
museu, ele desempenhou diversas atividades, como crítico e jornalista.
324
Giorgio Morandi participou da Bienal de Veneza em 1948, e Pedrosa havia publicado um artigo sobre ele em
1947, intitulado “Giorgio Morandi” (Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 23 maio 1947). Em 1948, o crítico
conheceu o artista, por ocasião de uma visita a Itália: “Quando em 1948 o visitei em Bolonha, era praticamente
desconhecido fora dos círculos artísticos adiantados da Europa” (PEDROSA, 2000, p.221). Em 1957, o pintor
foi premiado na Bienal de São Paulo.
325
BARDI, Pietro M. Pedrosa crítico. Diário de S. Paulo, São Paulo, 23 jan. 1950.
200

Correio da Manhã. 326 Embora Pedrosa tivesse uma coluna nesse jornal, o que poderia ter
contribuído para a sua escolha, o prêmio também reforçou a divulgação da coletânea,
explicando, em parte, a sua repercussão entre intelectuais e membros do campo artístico,
como o próprio Bardi.
A publicação do livro coincidiu com um momento importante para a crítica de arte, de
cujo desenvolvimento Pedrosa participou ativamente. Em 1948, ele esteve no I Congresso
Internacional de Críticos de Arte, realizado em Paris. No ano seguinte, ele foi ao II
Congresso, juntamente com críticos como Antonio Bento, Mário Barata e Sergio Milliet, além
de ter presenciado nessa mesma ocasião a fundação da Associação Internacional de Críticos
de Arte (AICA) – entidade filiada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura (UNESCO) – e uma de suas seções, a Associação Brasileira de Críticos de
Arte (ABCA).327
No contexto, no qual os críticos estavam preocupados em criar instituições para
discutir os termos que envolviam suas atividades, Pedrosa lançou seu livro. Além de
participar ativamente da criação de entidades como a AICA e a ABCA, Pedrosa também
organizou sua produção crítica em uma coletânea, dando ensejo para que outros participantes
do meio artístico debatessem as questões que concerniam ao exercício judicativo. Nesse
sentido, a fundação da ABCA e o lançamento do livro de Pedrosa no mesmo ano seriam
indicativos das mudanças que estavam ocorrendo no exercício crítico, sendo o autor da
publicação um dos principais protagonistas nesse processo.
Sobre a coletânea de Pedrosa, vale notar que não houve uma preocupação com a
coerência dos textos reunidos, o que fica evidente pela escolha de publicar seu texto de estreia
nas artes plásticas e pela seleção de artigos em um intervalo de tempo de 15 anos. Essa
característica pode ser um indício de que o crítico estava interessado em evidenciar o processo
que marcou sua incursão na crítica, a partir das transformações em suas concepções acerca da
arte. 328 Vide a recepção de alguns intelectuais mencionados anteriormente, a iniciativa de

326
Os membros do júri que votaram em Pedrosa foram: Eugênio Gomes, Murilo Mendes, Jorge de Lima, Ciro
dos Anjos, José Simeão Leal, João Condé, Antonio Bento, José César Borba e Costa Porto.
327
Sobre a criação da AICA e da ABCA e o papel que elas desempenharam na legitimação de uma categoria
sócio-profissional – qual seja: a crítica de arte –, ver Reinheimer (2008).
328
Sobre a diversidade dos textos que foram selecionados para o livro de Pedrosa, é importante fazer uma
comparação com uma publicação do crítico norte-americano Clement Greenberg. No seu livro Art and Culture,
publicado em 1961, Greenberg chama a atenção para o fato de ter sido um desses críticos que se educam em
público, por isso a diversidade de sua produção crítica. Por outro lado, ele enfatiza que não pretendia desperdiçar
todo esse processo de autoeducação em um livro (DAMISH, 1997, p.251). Tendo em vista esse depoimento, é
possível afirmar que Pedrosa pretendia demonstrar justamente a construção complexa que foi sua carreira na
crítica, não se eximindo de publicar seu ensaio de estreia e outros textos que deixariam evidente suas mudanças
de posicionamento ao longo de sua trajetória no exercício judicativo.
201

lançar esse livro foi uma opção acertada, que revelaria uma espécie de “evolução” de sua
produção crítica.
Nem todos, no entanto, receberam de forma positiva o seu livro. Na coluna de artes
plásticas do jornal Diário de Notícias, em uma nota bibliográfica, o jornalista José
Valladares329 discorda dos intelectuais mencionados até aqui, no que se refere à situação da
crítica de artes plásticas no Brasil, ao afirmar que não faltavam pessoas exercendo essa função
no país. O problema, para ele, seria o perfil daqueles envolvidos no exercício judicativo, que
muitas vezes teriam sensibilidade para desempenhar essa tarefa, carecendo, todavia, de
cultura, ou vice-versa. Sobre Pedrosa, Valladares parece incluí-lo em uma categoria de crítico,
cuja principal característica seria o “autodidatismo”:

Desconhecemos inteiramente a formação universitária e cultural do autor. Será, por acaso,


um bacharel em direito desgarrado das lides forenses e prestando seu bom serviço em outro
setor, como têm acontecido a tantos brasileiros de antes das faculdades de Filosofia? Ex-
aluno de Belas Artes? Ou terá tido o privilégio de cursar História da Arte, Crítica e Estética
em universidade estrangeira? Seja como for (e a resposta pouco ofereceria de fundamental),
o que desejamos observar é que ele deixa a impressão de autodidata. De um autodidata, é
óbvio, dotado de qualidades fora do comum, mas incorrendo, como é quase fatal entre os
autodidatas, naquelas precipitações, generalizações de efeito e afirmações categóricas que o
homem de formação universitária severa geralmente cuida de evitar. 330

A despeito de concordar com outros intelectuais que notaram as diferenças nos textos
que fazem parte do livro de Pedrosa, Valladares não compartilha a opinião de que ele seria um
dos poucos críticos de arte verdadeiros do país, como enfatizou Marc Berkowitz. Um dos
problemas apontados pelo autor do trecho acima é o fato de o crítico não ter uma formação
acadêmica compatível com o papel que ele estava desempenhando. 331 Essa afirmação de
Valladares pode ser entendida em um contexto em que os críticos já estavam inseridos nas
universidades, como os membros do Grupo Clima, em São Paulo, cuja atuação estava cada
vez mais apoiada em disciplinas especializadas, como a Sociologia e a Filosofia. No Rio de
Janeiro, por sua vez, espaço onde Pedrosa desempenhou seu papel como crítico, a inserção em
um posto acadêmico não parecia ter a mesma importância, considerando que obteve
legitimidade no exercício judicativo em outras esferas: juntando-se aos artistas, atuando como

329
José Valladares tornou-se conhecido na Bahia por suas atividades relacionadas às artes no Estado. Esteve
presente durante o processo de consolidação do antigo Museu de Arte do Estado da Bahia, atual Museu de Arte
da Bahia (MAB), tornando-se seu primeiro diretor. Em 1944, foi nomeado professor de Estética na Faculdade de
Filosofia da Universidade da Bahia. No jornal baiano Diário de Notícias, foi responsável pela crítica de arte,
tendo escrito mais de cem artigos.
330
VALLADARES, José. Nota bibliográfica. Diário de Notícias, Bahia, 05 jun. 1949.
331
É curioso observar que o próprio José Valladares era bacharel em direito, assim como Pedrosa, e também
escrevia sobre artes plásticas.
202

crítico em jornais, escrevendo textos de catálogo e trabalhando no MAM-RJ como consultor


de exposições.332
Por outro lado, embora estivesse forjando os “lugares da crítica”, Pedrosa possuía uma
preocupação em dar um caráter científico à sua produção crítica como uma forma de
demarcar sua posição como autoridade no exercício judicativo.333 Ainda que Arantes (1996)
reforce que o crítico dosava erudição com um grau de improvisação, e, conforme já
mencionado, Barros (2008) afirmasse que ele unia especialização com preocupações mais
generalizantes, não passou despercebido por Pedrosa que a construção de uma posição no
exercício judicativo passava também por uma renovação na própria linguagem utilizada para
dar conta do fenômeno estético. Se isso aparece em sua tese, cujos argumentos estão
embasados na Psicologia da Forma, ele também destacou essa necessidade quando disse que o
“crítico é forçado a adotar para a abordagem da obra um método de análise e não mais uma
linguagem de transposição” (PEDROSA, 1991, p. 145). Nesse sentido, o crítico deveria
desenvolver uma perícia contrária a uma descrição do assunto das obras, passando pela
análise formal dos objetos artísticos. Foi a partir da construção de um novo repertório e do
desenvolvimento desse olhar pericial que Pedrosa notabilizou-se no exercício judicativo.
Ao prever que a própria crítica deveria modificar seus dispositivos de análise para dar
conta da arte moderna, Pedrosa rompeu com a crítica literária e impressionista 334 que
predominava no meio artístico brasileiro, quando começou a se destacar no exercício
judicativo ainda na década de 1940. O debate sobre a recepção de seu livro, que foi abordado
aqui, quis chamar a atenção justamente para o fato de que essa mudança na sua crítica foi
percebida por um grupo de intelectuais, que aproveitou para discutir os parâmetros que regem
essa atividade em um momento em que as instituições voltadas para a crítica de arte
começaram a ser criadas no Brasil e no exterior. Ao lançar seu livro nesse contexto, ao

332
Se no Rio de Janeiro, a universidade não desempenhou um papel tão importante como acontecia em São
Paulo, é preciso lembrar que aquela cidade concentrava instituições artísticas tidas como “oficiais”, como era o
caso da Escola Nacional de Belas Artes. Essa instituição, além de ter contribuído para a formação de artistas e ter
sido um dos principais espaços de exposição em solo carioca até a década de 1940, também auxiliava na
consagração dos críticos de arte, vide o exemplo de Quirino Campofiorito, que havia se formado nessa escola,
além de tê-la presidido nos anos 1940.
333
“Pobre dos críticos! Em sua maioria nesta altura do século já de língua de fora. Ai de quem não se fizer uma
visão global do conjunto do fenômeno artístico da época, ou se armar de uma concepção filosófica, científica,
sociológica, estética, histórica, para enfrentar o caleidoscópio dos ismos sem faniquito de impaciência, sem
timidez, sem seguidismo acrítico ou bocó, sem frustração de incompreensão, sem negativismos, mas aberto e
crítico” (PEDROSA, Mário. O guerreiro Mário Pedrosa. Versus, n.1).
334
De acordo com Antonio Candido (1999, p.59), a crítica impressionista é aquela que é “nutrida do ponto de
vista pessoal de um leitor inteligente”. Em vez de reivindicar o estatuto de ciência, essa crítica baseava-se,
principalmente, na intuição.
203

mesmo tempo em que havia acabado de sistematizar suas ideias sobre o fenômeno artístico
em sua tese, Pedrosa demarcou sua posição como um dos principais críticos do período.
Foi, portanto, este o percurso que se quis traçar nesta tese, qual seja: aquele que levou
à consagração de Mário Pedrosa na crítica de arte. Se não é possível estabelecer um
momento-chave que teria provocado uma alteração em seu “itinerário crítico” é porque o
processo a partir do qual ele se sobressaiu nessa atividade envolveu o investimento em
diversas frentes. O lançamento do livro em 1949 pode ser considerado um deles, mas não foi
o único. Seu envolvimento com artistas, promovendo reuniões e debates em sua casa, que
tiveram um papel crucial para as carreiras dos participantes desses encontros – conforme é
possível ver em seus depoimentos – também foi crucial para garantir a autoridade de Pedrosa
como crítico, na medida em que, ali, foi considerado o “teórico”. Isso porque ao mesmo
tempo em que batalhou para legitimar aqueles artistas, atuando como protagonista no projeto
estético no qual eles estiveram envolvidos, ele também legitimou sua plataforma na crítica.
Explicando: suas concepções sobre arte estavam diretamente relacionadas às novas
experiências artísticas que ele estava defendendo; desse modo, obter o reconhecimento dessas
experiências significava também ocupar um lugar de destaque no exercício judicativo.
Conforme afirma Cauquelin (1992), ser crítico de vanguarda implica participar nesse
campo de batalha que envolve a defesa de posições diante de outros críticos e o esforço de
convencimento do público frente às inovações artísticas. Um momento crucial para Pedrosa
nessa batalha foi o debate em torno daqueles que definiu como “artistas virgens”. Embora um
dos pontos da discussão fosse o estatuto artístico dos trabalhos produzidos por esses artistas, a
oportunidade serviu também para o crítico dar visibilidade às suas concepções sobre arte que
estavam em pleno processo de maturação durante a escrita de sua tese. A chance, portanto, de
debater com críticos de destaque naquele período, como Rubem Navarra, Sergio Milliet e
Quirino Campofiorito, ao mesmo tempo em que analisava aqueles trabalhos do ponto de vista
formal – em vez de apenas se limitar ao questionamento do valor estético das obras do ateliê
de pintura do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II –, também pode ser compreendida aqui
como uma etapa importante da construção do percurso de Pedrosa na crítica de arte.
Este capítulo tratou de acontecimentos importantes, a partir da segunda metade da
década de 1940, que contribuíram para a consagração de Mário Pedrosa como crítico de arte.
Vale enfatizar, no entanto, que esse processo não começou a partir desse período, que é
apenas o ápice de um caminho que começou a ser traçado ainda nos anos 1920, quando o
crítico começou a se interessar pelas manifestações artísticas e culturais, após se envolver em
redes que contavam com expoentes da primeira geração do modernismo brasileiro e do
204

movimento surrealista francês. Sua participação nesses grupos colocou Pedrosa em contato
com as discussões em torno da modernidade nas artes e também das relações entre arte e o
âmbito social, que ocuparam lugar de destaque em seu repertório crítico nos anos seguintes.
Os textos que ele escreveu sobre um artista emblemático como Cândido Portinari evidenciam
justamente a preocupação com essas questões e também o processo a partir do qual ele foi
construindo seu projeto no campo da crítica, na medida em que analisou os trabalhos desse
artista durante um período que marca justamente sua iniciação nessa atividade – na primeira
metade da década de 1930 – e sua consagração – final da década de 1940.
Foi a partir de seu retorno ao Brasil, todavia, na segunda metade da década de 1940,
que Pedrosa adquire autoridade no exercício judicativo, vide o reconhecimento conquistado
por ele entre seus pares, o papel que desempenhou como teórico junto aos artistas e a
marcação de posições em disputas envolvendo o fenômeno artístico. Nesse processo, é
preciso destacar a importância que a articulação entre duas plataformas teve na construção de
sua carreira como crítico de artes plásticas. Seu projeto na crítica, que passou pela elaboração
de um novo repertório com vistas a superar a análise impressionista, não pode se desvincular
de um projeto artístico que ele liderou, sendo, portanto, um dos trunfos na sua consagração.
Desse modo, é possível afirmar que foi descoberto um ponto de convergência, em que o
crítico e o articulador de um projeto artístico se encontram, dando origem a um percurso sui
generis na crítica de artes plásticas brasileira.
205

CONCLUSÃO

No texto “Autodidata”, em que escreve sobre o crítico norte-americano Clement


Greenberg, Hubert Damish (1997, p.251) fez os seguintes questionamentos: “Como alguém se
torna crítico de arte? E mais: uma vez que o crítico estabelecido, lido, reconhecido, celebrado,
temido, exposto ele próprio à crítica de seus pares, que sinais da sua própria história, de seu
tornar-se crítico, conserva o texto que produz?”. Essas perguntas são mobilizadas aqui, porque
lançam luz para o processo que se quis descortinar ao longo desta tese – aquele a partir do
qual um crítico envereda para o exercício judicativo e se torna reconhecido, submetendo seus
juízos ao escrutínio do público, que tem acesso a seus textos e aos de seus pares.
Na escolha do crítico Mário Pedrosa para investigar esse processo, foi possível perceber
que a sua consagração na crítica de artes plásticas foi gradual, não datando do início de seu
percurso intelectual. Sua incursão nessa atividade envolveu a construção de “lugares da
crítica”, que passavam por sua atuação como jornalista, com uma coluna de artes em jornais
importantes como Correio da Manhã e Tribuna da Imprensa, pela relação que manteve com
artistas, dentre outros espaços que forjou ao longo de seu “itinerário crítico”. Os textos,
conforme defende Damish, também podem ser interpretados tendo em vista o percurso no
qual Pedrosa foi se tornando um crítico de arte. Explicando: desde seu primeiro artigo sobre
artes plásticas publicado em 1933 até aqueles dos anos 1950, é possível perceber a elaboração
de concepções acerca do fenômeno artístico, que foram se transformando durante esse
período.
Durante o intervalo de tempo mencionado acima, Pedrosa ainda se dedicou a diversas
atividades, entre elas destaca-se o papel que desempenhou como militante político de
esquerda. Para compreender sua inserção em universos tão distintos, alguns estudiosos que se
debruçaram sobre sua obra tentaram encontrar um fio condutor que conciliasse sua atuação
tanto no campo da política como no campo da arte. Isso pode ser notado, por exemplo,
quando se afirma que ele sempre defendeu uma arte engajada, preocupada com questões
sociais, embora a forma como relacionava essas duas esferas tivesse se alterado ao longo do
tempo. Otília Arantes (1991) destaca justamente a existência de continuidades no percurso de
Pedrosa na crítica de artes plásticas, mesmo quando ele ainda não se dedicava
sistematicamente a essa atividade, como acontecia nos anos 1920 e 1930.
Para estabelecer uma relação entre arte e política – ou entre arte e o âmbito social –,
todavia, não é necessário enfatizar a atuação de Mário Pedrosa nessas duas atividades, isto é,
como militante político de esquerda e como crítico. O próprio exercício judicativo prevê a
206

necessidade de relacionar essas duas esferas como uma das tarefas centrais daqueles que se
arriscam nessa função, conforme afirma Argan (1995). Os vínculos entre o fenômeno estético
e a vida social seriam fruto de uma constante negociação; nesse processo, os críticos de arte
desempenham um papel crucial, evidenciando esses laços, quando, muitas vezes, a arte é vista
como um domínio completamente separado da práxis vital. Desse modo, quando Pedrosa
relacionou a arte com outras esferas da sociedade, afirmando que a primeira também é
produtora de valores, isso não se dava pelo fato de ele também ter sido engajado em questões
políticas, mas pode ser visto como parte das negociações que fez como crítico.
Nessa perspectiva, não foi objetivo desta tese compreender como se deu a atuação de
Pedrosa como crítico de artes plásticas e militante político. A questão fundamental que guiou
este trabalho foi outra: como se deu sua consagração no exercício judicativo? Uma das
principais hipóteses que se procurou demonstrar aqui diz respeito ao fato de que, mesmo
engajado em diversas atividades, foi como crítico que Pedrosa conquistou maior
reconhecimento. Embora sua recepção pelos críticos contemporâneos não tenha sido
contemplada na tese, o fato de ele ser visto como um inaugurador dessa atividade, sendo
lembrado até os dias de hoje como representante de um momento áureo para a crítica, tal
como destacam Sant’Anna (2009) e Osório (2005), já seria uma evidência de que suas ideias
sobre o fenômeno artístico tiveram um impacto que ultrapassou até mesmo a geração da qual
fez parte. Desse modo, embora não se queira menosprezar a importância de suas ideias no
campo da política, a ressonância de expressões mobilizadas por ele para dar conta da análise
estética, como “exercício experimental da liberdade”, lança luz para a importância que ele
teve, principalmente, como crítico de artes plásticas.
Para investigar como se deu esse reconhecimento, foi necessário atentar para os “lugares
da crítica” de Mário Pedrosa. Conforme já mencionado, ele trabalhou em diversos jornais,
onde escrevia em colunas de artes plásticas, com destaque para o Correio da Manhã, onde ele
inaugurou essa seção em 1946. A atuação como crítico, porém, não se esgotou por aí. Sua
força nessa atividade não dependeu apenas do trânsito entre órgãos da imprensa, mas também
da participação em diversas redes que incluíam importantes artistas e intelectuais, que o
auxiliaram no processo de construção de suas concepções sobre arte, e onde ele também
encontrou espaço para divulgar suas ideias. Nesse sentido, quando se pergunta de onde vem a
legitimidade de Pedrosa como crítico de arte, não é possível localizar apenas um espaço onde
ele se consagrou. Ao contrário, seu reconhecimento nessa atividade envolveu a construção de
“lugares da crítica”, entre os quais se destacaram a relação com os artistas, a participação em
207

espaços de exposição e em periódicos, o engajamento em debates com outros críticos, a


escrita de textos de catálogo, e outras formas de atuação.
Cabe enfatizar, no entanto, que nem todos os “lugares da crítica” de Pedrosa fizeram parte
do escopo desta tese. Tiveram destaque aqui a divulgação de suas ideias por meio de artigos
de periódico e catálogo, e também por meio de sua tese Da natureza afetiva da forma na obra
de arte, escrita em 1949, onde foi possível ver a elaboração de suas concepções sobre arte; a
sua relação com artistas, incluindo os “artistas virgens”, o norte-americano Alexander Calder
e aqueles que viriam a formar o Grupo Frente, na década de 1950; por fim, sua participação
em debates com outros críticos por ocasião das exposições desse grupo e dos artistas que
participavam dele, e também as que foram organizadas com os artistas do ateliê de pintura do
Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II. Vale lembrar ainda que ele atuou como consultor do
Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, principalmente, durante a gestão de Niomar
Muniz Sodré, na década de 1950, e também participou destacadamente da criação de
importantes instituições voltadas para a crítica de arte, como a AICA e a ABCA.
A importância da tese de Mário Pedrosa para sua consagração, por exemplo, fica evidente
quando se tem em vista o fato de que os artistas que participavam das reuniões em sua casa,
realizadas a partir do final da década de 1940, enfatizam o papel que suas ideias tiveram em
sua formação. Quando começou a promover esses encontros, o crítico tinha aproximadamente
45 anos, havia passado pela experiência do exílio e já publicava colunas sobre artes plásticas,
enquanto os artistas estavam no início de carreira, a maioria possuindo cerca de vinte anos de
idade. Nos depoimentos mencionados pelos artistas ao longo desta tese, os ensinamentos da
Gestalt, que foram mobilizados por Pedrosa em seu estudo, tiveram uma forte penetração
entre eles, garantindo ao crítico uma posição de autoridade, vista no papel que ele
desempenhou como “teórico” do grupo. Essa posição foi, inclusive, reconhecida por outros
críticos, que o viam como um dos principais defensores dos artistas concretos reunidos no
Grupo Frente.
Desse modo, embora Moura (2011) afirme que a tese de Pedrosa foi um investimento
menos prestigioso em sua carreira – na medida em que ele a submeteu a uma banca para
concorrer à vaga de professor na Faculdade Nacional de Arquitetura, em 1951, conquistando
o segundo lugar –, esse trabalho, no qual o crítico desenvolveu as ideias que mobilizaria na
análise estética, foi fundamental para consolidar sua relação com artistas como Ivan Serpa,
César Oiticica, Almir Mavignier, Abraham Palatnik, entre outros, e também com um crítico
como Ferreira Gullar, que ganhou destaque no final dos anos 1950. Ainda que não tivesse
alçado um posto acadêmico, sua tese deve ser compreendida como um meio a partir do qual
208

angariou uma posição de prestígio entre os artistas, e fortaleceu os sentimentos de


pertencimento dos mesmos, que passariam a formar um grupo na década de 1950,
compartilhando valores artísticos cuja formulação se deve a Pedrosa.
Ainda sobre a tese, vale enfatizar também que a sistematização das ideias que estão
presentes ali foi gradual. Isso porque Mário Pedrosa teve contato com a teoria da Gestalt
ainda no final da década de 1920, quando passou um período na Europa e estudou na
Universidade de Berlim. Nesse momento, embora estivesse se relacionando com uma rede de
artistas no Brasil e no exterior – como os expoentes da primeira geração modernista no Brasil,
como Mário de Andrade, e membros do movimento surrealista francês, como Andre Breton e
Benjamin Péret –, as questões estéticas ainda não eram uma prioridade, assim como a
formulação de um projeto no campo da crítica. Esse projeto começa a se delinear de forma
mais explícita quando se tem em vista, por exemplo, os textos escritos sobre um artista como
Cândido Portinari, ainda na década de 1930. Embora ainda não mobilizasse o repertório da
Gestalt para analisar os trabalhos do pintor, ao lado de suas preocupações com uma
mensagem de conteúdo social, o crítico já evidenciava um interesse nos valores plásticos dos
quadros. Conforme foi possível ver em seus artigos sobre o artista, escritos ao longo de um
período de 15 anos, a valorização dos elementos formais foi assumindo um destaque cada vez
maior, deixando entrever, portanto, as transformações pelas quais a crítica de Pedrosa passou,
e o processo de tornar-se crítico.
As ideias que estão presentes em sua tese são fruto de uma intensa elaboração
intelectual, considerando que entre o contato com a teoria da Gestalt e sua sistematização na
tese passaram-se vinte anos. As mudanças pelas quais atravessaram suas concepções artísticas
podem ser vistas a partir de um cotejo da forma como Pedrosa e outro importante crítico
contemporâneo a ele, como Mário de Andrade, analisaram os trabalhos de Portinari. Enquanto
o crítico paulista passou a valorizar cada vez mais o “realismo” no trabalho do artista, com
ênfase nos elementos que contribuem para a construção da nacionalidade, Pedrosa se afasta
progressivamente desses valores, analisando as obras do pintor a partir de seus aspectos
formais. Não chega a ser coincidência o fato de Pedrosa ter publicado um texto sobre o artista,
em que critica as soluções plásticas que ele deu ao Martírio de Tiradentes, no ano em que
escreve sua tese; nesse momento, Pedrosa já havia se afastado de conceitos como “realismo” e
“funcionalidade nacional” que garantiam a tônica de críticos filiados ao primeiro projeto
moderno.
A publicação do livro Arte, necessidade vital, em 1949, é outro indício dessa
elaboração de ideias que marcou o “itinerário crítico” de Mário Pedrosa. Nesse trabalho, ele
209

reuniu artigos escritos entre 1933 e 1948, com destaque para seu primeiro texto sobre artes
plásticas, em que analisava os trabalhos da gravurista alemã Käthe Kollwitz, e sobre outros
artistas como o próprio Cândido Portinari e Alexander Calder. Além de sua recepção positiva
por críticos atuantes no período, como Sérgio Milliet, Marc Berkowitz, entre outros, vale
destacar que a iniciativa de publicar um livro com artigos que deixam clara as transformações
de sua reflexão sobre arte serviu para chamar a atenção para o processo que o levou a se
tornar um crítico de arte. As diferenças entre os textos foram notadas por aqueles que
comentaram a publicação, todavia, elas acabaram sendo mobilizadas para ressaltar as
qualidades de Pedrosa como crítico e também para discutir os valores que regem aqueles que
atuam no exercício judicativo.
O destaque que foi conferido neste trabalho à recepção do livro de Pedrosa e às ideias
apresentadas na tese tem relação com o trecho citado no início desta conclusão, que diz
respeito à forma como os textos evidenciam sinais de um processo de tornar-se crítico. Foi
também por meio desses trabalhos e de suas reflexões sobre arte, que Pedrosa conquistou
reconhecimento tanto em um círculo de artistas, onde teve a posição de autoridade graças ao
papel que desempenhou como “teórico”, detentor de um saber, como também entre seus
pares, justamente em um momento em que importantes instituições voltadas para a
legitimação da crítica estavam sendo criadas, como a AICA e a ABCA. O investimento em
dois trabalhos tão distintos – a tese e a coletânea –, portanto, foi uma iniciativa acertada que
chamou a atenção para uma reflexão sobre as artes plásticas que se diferenciava da crítica
impressionista vigente no período.
Foi também por meio de seus artigos que Mário Pedrosa procurou marcar um
posicionamento distinto em relação a outros críticos, como aconteceu no texto “A Semana de
Arte Moderna”, resultado de uma conferência proferida em 1952, isto é, 30 anos após a
realização do evento de 1922, em São Paulo. Nele, o crítico aproveita para enfatizar não
apenas a importância da Semana e seus desdobramentos, mas também a criação de uma
“sensibilidade moderna” no Brasil a partir desse período, especialmente, por meio de artistas
plásticos como Anita Malfatti e Vitor Brecheret. Enquanto na década de 1940 críticos como
Mário de Andrade e Sérgio Milliet revisaram as conquistas dessa geração, produzindo
diagnósticos negativos em relação ao desenvolvimento da arte moderna, Pedrosa procurou
compreender a Semana como uma primeira etapa do modernismo brasileiro, que culminaria
com a realização da Bienal de São Paulo em 1951.
Vale lembrar, todavia, que esses textos devem ser relacionados também com o
contexto em que estavam sendo produzidos. No caso da conferência mencionada, ela coincide
210

com um importante momento no desenvolvimento das artes plásticas no Rio de Janeiro. A


partir de 1952, Pedrosa e artistas como Ivan Serpa e Abraham Palatnik haviam deixado de
frequentar o ateliê de pintura do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, após a criação do
Museu do Inconsciente pela médica Nise da Silveira. Nesse contexto, além das reuniões
realizadas na casa de Pedrosa, um grupo de artistas passou a frequentar também as aulas de
pintura de Ivan Serpa no Museu de Arte Moderna, um dos principais espaços de sociabilidade
de onde saiu o Grupo Frente, núcleo concretista carioca. Considerando a importância de
Pedrosa na defesa dos artistas desse grupo, e também como um dos teóricos na formulação do
projeto artístico associado ao mesmo, é necessário enfatizar que sua produção crítica no
período deve ser encarada também como um importante instrumento na teorização dos
debates em torno das diversas tendências da arte moderna.
Mesmo no caso da conferência sobre a Semana de Arte Moderna, em que o crítico
exaltava algumas das conquistas – como a criação de um movimento nacionalista mais
“plástico” –, é possível destacar também como ele analisou esse acontecimento artístico e
seus desdobramentos utilizando argumentos que são centrais para seu projeto crítico. A ênfase
dada aos artistas plásticos, por exemplo, em detrimento dos literatos, é importante dentro
desse projeto, quando se considera que Pedrosa defendia uma arte que se comunicasse a partir
de formas simples e simétricas – afastada de qualquer referência externa – e não a partir do
assunto. Ainda nesse texto, o crítico ressalta não apenas a importância dessas manifestações
artísticas, mas também seu papel na criação de uma sensibilidade moderna, que teria surgido a
partir de 1922. Esse argumento também lança luz para um aspecto relevante de seu projeto,
considerando que um dos principais objetivos da arte defendida por ele seria transformar a
percepção e a sensibilidade dos homens.
A posição defendida por Pedrosa nessa conferência e em outros textos publicados por
ele chama a atenção também para sua participação em debates, nos quais estavam em jogo
não apenas a defesa de suas ideias, mas também de um projeto mais amplo, no campo da
estética e da crítica. Um dos primeiros debates de destaque no qual Pedrosa se engajou foi
aquele travado por ocasião das mostras com artistas do ateliê de pintura dos internos do
Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, realizadas em 1947 e 1949. Além de frequentar esse
ateliê com os artistas, Pedrosa também defendeu os trabalhos produzidos ali, analisando-os a
partir de um ponto de vista que destacava os valores artísticos presentes neles. Enquanto
outros críticos como Quirino Campofiorito e Sérgio Milliet questionavam a natureza estética
daquelas obras, Pedrosa cunhou o termo “arte virgem” com o intuito de valorizar a produção
dos esquizofrênicos.
211

A participação nesse debate deve ser destacada, na medida em que o contato com os
trabalhos dos artistas virgens foi fundamental para que o crítico desenvolvesse ideias que
estão presentes em sua tese e em um importante ensaio escrito por ele em 1951, intitulado
“Forma e personalidade”. Nesses trabalhos, Pedrosa afirmava que as possibilidades para a
criação artística não têm nenhuma relação com aprendizado, posto que a sensibilidade inata
do homem coloca todos os indivíduos em condições de se tornar um artista. Além de valorizar
o que chama de conhecimento afetivo-expressivo como forma de defender os valores
artísticos presentes nas obras dos internos do Centro Psiquiátrico, Pedrosa enfatizou que a arte
moderna deveria partir de uma perspectiva nova, definida por ele como afetiva, que, em vez
de partir de alguma fórmula aprendida, exterior, obedece ao ritmo poético e plástico oriundo
das forças inconscientes, e que assumem uma organização formal para se transformar em obra
de arte.
A participação na discussão sobre os trabalhos dos “artistas virgens” foi importante, na
medida em que Pedrosa conseguiu teorizar questões não apenas sobre os artistas que estavam
no centro do debate, mas sobre o fenômeno estético, que vão ser mobilizadas posteriormente
como parte de seu repertório crítico na análise e defesa do concretismo. O contato com a
produção dos esquizofrênicos no ateliê de pintura e o engajamento na defesa das obras
produzidas nesse espaço contribuiram, sobremaneira, para que o crítico desenvolvesse
concepções sobre arte que vão torná-lo reconhecido, considerando que as posições levantadas
por ele já se mostravam diferentes em relação a seus pares. Essa oportunidade de debater com
outros críticos e chamar a atenção para seus argumentos lança luz para outra etapa de sua
consagração no exercício judicativo, marcada, principalmente, pelo conflito e pela
discordância. De acordo com Collins (1987), são nessas relações de antagonismo que novas
ideias são geradas por oposição às ideias dos rivais; no caso das ideias de Pedrosa, elas
acabaram ganhando destaque nesse processo.
Outra oportunidade que o crítico encontrou de debater suas ideias foi durante a
segunda exposição do Grupo Frente, realizada em 1955, no Museu de Arte Moderna do Rio
de Janeiro. Nessa ocasião, ele escreveu o texto do catálogo da mostra, defendendo a existência
de valores compartilhados por um grupo de artistas, com destaque para ênfase à liberdade de
criação. A importância desse texto pode ser atribuída também ao fato de que ele atuou como
uma espécie de porta-voz do grupo, considerando que eles não haviam lançado um manifesto
como forma de apresentar as ideias e as intenções subjacentes às suas proposições estéticas. O
papel desempenhado por Pedrosa como teórico, que não datava daí, mas das reuniões
realizadas em sua casa e da penetração que suas ideias tiveram entre aqueles artistas – que
212

podem ser consideradas como um aspecto central na formação do grupo –, aparece também
nessa iniciativa de escrever no catálogo da mostra, em que ele não apenas introduziu as
intenções do grupo, mas também as apresentou ao público, atuando, nesse caso, como um
mediador.
Foi por ocasião dessa mostra que Mário Pedrosa proferiu uma conferência no MAM
carioca, intitulada “Apologia da arte de vanguarda”. Essa palestra, que contou com um grande
público, era muito aguardada, pois prometia um debate entre Pedrosa e o artista Onofre
Penteado, que havia publicado uma carta divergindo das posições do crítico. Embora esse
embate tenha ocorrido em tom ameno, rompendo com as expectativas de um grande
confronto, o que parecia estar em jogo ali era outra discussão que movimentava o meio
artístico brasileiro, qual seja: aquela que envolveu defensores da tendência figurativa e
defensores da arte abstrata. Nesse contexto, Pedrosa foi considerado “papa do concretismo”,
rótulo que ele mesmo fez questão de negar, mas que encontrou ressonância entre críticos e
artistas, especialmente aqueles que se posicionavam a favor do figurativismo.
Ainda que negasse o título de “papa do concretismo”, afirmando ser um dos sujeitos
menos “ortodoxos do mundo” e defensor de qualquer manifestação artística que fosse uma
“expressão da sua época”, a atribuição desse rótulo pode ser compreendida tendo em vista sua
atuação como um dos principais protagonistas na formulação de um projeto artístico, que deu
origem ao núcleo concretista carioca, e também como porta-voz do grupo. Na mesma ocasião
em que buscou questionar o papel de “líder” desses artistas que lhe foi conferido, Pedrosa
manifestou suas preferências em relação às tendências artísticas na arte moderna em disputa:
“E a arte dita abstrata e concreta representa uma expressão das mais profundas da realidade
contemporânea”.335
O papel de Pedrosa na legitimação da arte concreta e na formação de um grupo
vinculado a essa tendência no Rio de Janeiro foi enfatizado neste trabalho, considerando que,
até o final da década de 1940, os artistas consagrados eram aqueles que produziam uma arte
com uma preocupação social de cunho nacionalista, como, por exemplo, Emiliano Di
Cavalcanti, que chegou a se posicionar nessas disputas, defendendo uma participação da arte
na vida do povo por meio da valorização de mensagens sociais nas obras. Nesse contexto em
que, segundo Amaral (1984), o que estava em jogo no meio artístico era a questão
nacionalismo versus internacionalismo, Pedrosa se destacou por defender um projeto de arte

335
PEDROSA, Mário. “Só duas vezes por ano o crítico vai à praia”. Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro, 9
dez. 1955.
213

associado à sociedade moderna industrial, conforme fica evidente no ensaio “Panorama da


pintura moderna”, publicado em 1964, e nos artigos que ele escreveu sobre Alexander Calder.
A atuação de Mário Pedrosa nessas disputas deve ser compreendida como uma etapa
crucial no processo de tornar-se crítico. Quando se manifestou em relação aos “artistas
virgens” e à arte concreta, ele deixou explícito um projeto no campo da crítica que passava
pela elaboração de um repertório para justificar suas posições, ao mesmo tempo em que se
diferenciava de outros críticos, que defendiam tendências artísticas como o figurativismo.
Cabe ainda enfatizar que a formulação desse projeto passava não apenas pela legitimação da
arte concreta; o crítico também contribuiu para construir uma plataforma estética associada a
esse grupo, e o reconhecimento do concretismo foi fundamental também para a sua
consagração no exercício judicativo.
Outras etapas cruciais para o percurso de Mário Pedrosa na crítica de arte brasileira
foram suas viagens para o exterior. A primeira analisada aqui foi a sua ida a Europa no final
da década de 1920, onde ele se relacionou com artistas surrealistas franceses como Andre
Breton e Benjamin Péret. A outra foi a sua passagem pelos Estados Unidos como exilado,
entre 1938 a 1945, quando teve a oportunidade de visitar exposições de importantes artistas
modernos, em instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York, de conhecer o
escultor Alexander Calder, que se tornou um artista-referência para Pedrosa, e de voltar a
escrever sobre artes plásticas depois de um período de sete anos sem publicar um texto sobre
esse assunto.
A menção a essas viagens tem relação com o fato de que foi por meio delas que o
crítico acumulou um “estoque de conhecimento” fundamental para que passasse a atuar de
forma mais sistemática na crítica artística a partir da segunda metade de década de 1940.
Embora as duas viagens tivessem sido motivadas por sua militância partidária, nessas
oportunidades ele entrou em contato com debates acerca das relações entre arte e política,
tanto aquelas que foram travadas entre os surrealistas franceses, como pelos críticos norte-
americanos que atuaram na revista Partisan Review. Se uma das hipóteses apresentadas nesta
tese dizia respeito a uma gradual construção de um repertório para a análise estética que
acompanhou o processo de consagração de Pedrosa na crítica, essas viagens mereceram
destaque, considerando que o cabedal teórico e cultural acumulado pelo crítico nessas
ocasiões foi mobilizado por ele, principalmente, após seu retorno ao Brasil depois do exílio
nos Estados Unidos, quando ele parecia estar em busca de uma “boa carreira”.
Foi no exterior também, mais precisamente nos Estados Unidos, onde Mário Pedrosa
esteve exilado, que o encontro com um artista marcou definitivamente sua trajetória. Em
214

1944, ele conheceu o escultor Alexander Calder, depois de visitar a primeira retrospectiva
desse artista no MoMA, naquele mesmo ano. A ida ao ateliê de Calder e a amizade que se
firmou a partir daí deram origem a dois artigos sobre o escultor, publicados ainda em 1944,
que colocaram em evidência uma inflexão de sua produção crítica. Além de uma mudança de
ênfase, com a valorização dos elementos plásticos das obras, foi também nesses textos que a
discussão sobre a relação entre arte e vida e o papel das atividades artísticas na transformação
da sociedade assumiram uma centralidade nas concepções de Pedrosa acerca do fenômeno
artístico.
Nessa perspectiva, para além dos vínculos de amizade que foram estabelecidos entre
Calder e Pedrosa, as consequências desse encontro tiveram grande impacto em Pedrosa, no
que se refere à formulação mais explícita de um projeto na crítica. No contato com as obras
do escultor, Pedrosa debateu questões presentes desde seus primeiros textos sobre artes
plásticas, quando oscilava entre valorização do conteúdo social, por um lado, e as questões
plásticas, por outro. Pedrosa enfatiza, na obra de Calder, a presença de “formas privilegiadas”,
como as “esferas, esferoides, círculos e discos”, pendendo, portanto, para uma análise da obra
de arte a partir de seus elementos formais. Além disso, ele também redefine as relações entre
a arte e a esfera social, afirmando que a primeira teria um potencial transformador, um caráter
utópico. Nesse sentido, as atividades artísticas teriam a missão de jogar as bases para o futuro
da sociedade.
As experiências no exterior, especialmente o exílio em solo norte-americano,
marcaram um processo de redefinição identitária do crítico. Outra hipótese que se procurou
demonstrar nesta tese diz respeito ao período de seu expatriamento, dividido aqui em duas
etapas: a primeira, que vai de sua chegada ao país até 1942, quando ele se dedicou,
principalmente, às atividades políticas; e a segunda que coincide com seu retorno a Nova
York, em 1943, até 1945, momento em que ele se reaproximou das atividades artísticas. Vale
lembrar ainda que, nesse contexto, ele teria passado por uma “crise” com relação a seus
projetos pessoais, após romper com Trotski e sair da IV Internacional, redefinindo seu
“sistema de prioridades” a partir de um investimento mais voltado para a elaboração de uma
plataforma na crítica de artes plásticas.
A participação de Mário Pedrosa em diversas redes intelectuais e artísticas, que
garantiram a ele o cabedal social para proferir discursos válidos sobre as artes plásticas,
também foi enfatizada nesta tese, tendo em vista, principalmente, as relações de amizade e
autoridade estabelecidas no interior desses grupos. Considerando que os laços de amizade são
um material indispensável para a “transformação e criação de si”, por um lado, e os de
215

autoridade criam vínculos entre indivíduos desiguais, por outro, eles não podem ser
descartados, quando se tem como objetivo compreender a forma como ele se inseriu no
exercício judicativo. Ao entrar em redes privilegiadas de artistas, Pedrosa divulgou (e
elaborou) suas reflexões sobre arte, ao mesmo tempo em que construiu uma posição de
autoridade no meio artístico brasileiro, onde suas ideias tiveram repercussão.
A entrada em redes marcadas por uma forte “densidade social” foi destacada neste
trabalho, na medida em a ressonância das ideias de Pedrosa, tanto no interior de um grupo
artístico como no campo da crítica de arte, foi entendida em um contexto de participação ativa
em grupos – nos quais contribuiu para a formação –, onde conseguiu angariar uma posição de
autoridade. Foi justamente nessas redes, notadamente aquelas estabelecidas a partir da década
de 1940, que Pedrosa conseguiu fazer melhor uso do “estoque de conhecimento” acumulado
ao longo de seu percurso intelectual. A partir desse período, que marcou sua consagração na
crítica, ele não apenas mobilizou seu conhecimento sobre arte para criar solidariedade entre
um grupo de indivíduos, como também entrou em debates, lançando luz para suas ideias, que
se tornaram reconhecidas, ao mesmo tempo em que refutava outras concepções sobre arte e
projetos na crítica já consolidados.
Assim, foi possível identificar que o período que marcou uma intensa produção
intelectual do crítico, com a publicação de sua tese, de artigos e ensaios, foi justamente aquele
que vai do final da década de 1940 ao início da década de 1950, momento esse que coincidiu
com um acirramento dos debates artísticos em torno da arte moderna, nos quais Pedrosa
desempenhou um papel central. Sua posição nesses debates era de defesa da abstração e da
arte concreta, ou seja, um lugar minoritário se comparado com aquele ocupado pelos
defensores de outras tendências, especialmente o figurativismo. Essa posição, no entanto,
contribuiu, sobremaneira, para sua consagração no exercício crítico. Nesses debates e nas
relações firmadas por ele com os artistas, ele construiu um lugar diferenciado no meio
artístico brasileiro que chamou a atenção para suas ideias. Se os conflitos e as rivalidades
podem ser compreendidos como ferramentas importantes na conquista de reconhecimento,
Pedrosa soube usar as oportunidades que encontrou de debater e evidenciar suas ideias a seu
favor, destacando-se, sobretudo, por suas reflexões sobre arte.
Enquanto os projetos de transformação política acalentados por Pedrosa, desde a
década de 1920, não encontraram espaço para sua efetiva concretização, sua atuação no
exercício judicativo, voltada para a construção de um “devenir pictórico”, encontrou nas
realizações dos concretistas cariocas um lugar em que ele poderia desenvolver um repertório
para tratar o fenômeno artístico, e também desempenhar um papel de protagonista,
216

construindo valores artísticos que foram compartilhados pelos artistas. Desse modo, a “espera
da hora plástica” mencionada no título desta tese merece uma correção: Pedrosa não esperou
que esse momento chegasse, mas se engajou ativamente na elaboração de uma “hora
plástica”, modificando as concepções sobre a arte moderna e de vanguarda. O que se procurou
mostrar, portanto, foi o processo que deu origem a uma confluência entre dois projetos, isto é,
aquele que marcou sua incursão na crítica e outro que previa uma nova “plástica”. Num certo
sentido, Mário Pedrosa formulou uma plataforma crítica que contribuiu para mudar os rumos
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Entrevista concedida por Almir Mavignier a Glaucia Villas Bôas e Nina Galanternick em
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Entrevista concedida por César Oiticica a Nina Galanternick em 12 nov. 2008, no Rio de
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Acervo Nusc – Núcleo de Pesquisa em Sociologia da Cultura.

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