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GÉNESE,I
Do Individuo Fora do Mundo
ao Individuo no Mundo '

Este estudo compoe-se de duas partes. A parte principal incide sobre os


primeiros séculos do cristianismo. Nela ohservamos as primeiras ctapas de
urna evoluçào. Um complemento ou epilogo mostra quai foi, a longo prazo,
o desfecho dessa evoluçào cm Calvino.» **

Os começos cristâos do individualismo

Nas ultimas décadas, 0 indi vidualismo moderno apresentou-se cada vez


mais, a aIguns de nôs, coma um fen6meno na histôria das civili-

• P ublicado (m Le Débat, 15, Sctembro-Outubro de 1981, sob 0 titulo: «A genese crislà


do individualisljJ10 moderno. uma concepçâo modifïcada das nossas origens)) (cm inglês: Reli·
gion, 12. pp. 1-27, cf. a discussào ibid.• pp. 83-91) .
•• A primeira pane é uma versào francesa da Dcneke Lecture apresentada no Lady Marga-
rel Hall cm Oxford, cm Maio de 1980 (cf. anteriormente AnnuaÎre de l'lco/e pratique des hau-
teséludes, 6." secçâo, para 1973-1974). A hipOtesc gcral foi suscitada por:lm cOI6quio de Dae-
da/us sobre 0 primciro milenio a.c.. e muito dcvo aos seus participantes, principalmente a
Arnaldo Momigliano, Sally Humphreys c Peter Brown, pelas suas eriticas e sugestôes (cf. Dae-
daJus, Primavera de 1975. para uma primeira apresentaçâo da hip6tese, que as criticas contri-
b ulram para modificar e alargar). 0 complemento sobre Calvino foi proposto num seminârio
sobre « A Categoria dc Pessoa» (Oxford, Wolfson Col!egc, Maio dc 1980).

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" ......
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.1 / ·.. L /VV\..t \ 0
_ SOIJRE 0 INDI IIID UALlS.\lO
pensalld o c querendo, o u scja 0 exemplar individual da cspécîe hum ana, lai
. . ,,\ . . ' dividuo é tao idiossincrâtica como fundam en- como 0 encon tramos em tod as as sociedades; por outro Jade 0 ser moral
( , zaçôes. Mas, se a Idcla de III . S origcns Para certos aulOres,
:v . ct haver acordo quanto as sua . indcpendente, autonomo, e por consequência essencialmente nao social, que
tal, esta longe e . 1. lem mais força trata-se de urn a
;:; , onde 0 nomma Ismo . , veicul a os nossos valores supremos e ocupa 0 primeiro lugar na nossa ideo-
\ sobrelUdo nos palses te Para outros, surge corn
tJ.. " l. e cm toda a parte presen . logia moderna do homem e da sociedade. Deste ponta de Vis ta, ha duas
_ d b esia Mais frequenterncnte sem
- m a ascensao a urgu . espécles de sociedades. Nos casos em que 0 Inqividuo é 0 valQL..S..upremo..
{0 co . s da ideia na nossa herança
"""'..., d a lra<11çaO veern-se as ralze .. falarei de nos casos
". dU·VI, 0 ' - ' â is Para alguns estudiosos da r.o
,. d .' . ta cm proporçoes van ve . ". de holismo. .
,J classica e ju a lCQ-c n s , ,. d discurso caerente» é obra de
. FÈm traços largos, 0 problema das origens do individualismo estâ cm
Ciasslca, a descoberta na. Grccla as névoas do pensa-
. . 6pnos como ln I V ! . \ /saber como, a partir do tipo geraJ das socledades holistas ,"Sê pôde
hornens que se vI am a SI pr 1 d Atcnas 0 mito a entregar
.._-" . f se iam dissipado ao so e . , . <St) ver um nOVQ tlpO contradizendo fund amentalmente a concepçào comu m.
mente con uso ter- - . 1 . 0 começe da histona pro-
, - t 1 acontecirnento assma ana . :-...i ·CÔÎÏÏoror·possive] essa transiçào, como podemos n6s conceder ·uma tran si-
as armas a razao. e a d d esta afi rmaçào que todavla
· H' decerto alguma ver a en , çao entre estes dois uni versos antitétiêOs: estas duas
priamente d Ita. a, '. _ 'ta que ganha no mund e de veis?
' . - d rnasiado estrclta, tao estrel
ê uma de f Im çao. 'e Devera pelo menos, ser modificada..Para começar,
, .__ _ --A comparaçao corn a india sugere uma hip6tese, Ha mai s de dois mil
hoje um ar provlOclano, • ,.' 1" - em- vez dafiloso-
., ' matê ria a pnvl!çglar a re Iglao ,- ---:-- an os que a sociedade indiana se caracleriza por doi s traços complementa res:
o soclOlogo __ - --'--- --- , d d e esta em relaçâo Imedtata
-fla
. porque a re-l'Iglao '- age sobre toda a__:.. _ _ _-:- . a sociedade impôe a cada um uma interdependência estrita que substit ui ao
e nrocedeu individuo taI como 0 conhecemos:=mnjunt aç-es obrigat6rias,
corn a . .FOI -- - - ·1 nsideraçâo de causa e de
. - d 1d la nossa parte qua quer co mas por outro lado a instituiçào d renuncia ao mund permite a plena
- Deixemos ca o pe _ d ·deias e de valores, redes ideo-
d mente configuraçoes e 1 que es . Acontece que esse
efcilo e estu eruos , _ fundamentai s que pressupoem, Eis em
homem, é espo nsavel por todas as inovaçôes religiosas qu e
logicas, tentando atlOglr as relaçoes h ' Iquer coisa do individualismo
. ' a minha tese' a qua a fndia m disso, podcmos ver claramente nos textos antigos a
termos aproxlmatIvos : _ no mundo que os rodeia, mas
os primeiros cflstaos e . origem da instituiçâo, e compreenderno-Ia corn fac ilidade:... 0 homern gue
moderno presente n . l' e noS é familiar. Na reahdade,
nte do indivIdu a Ismo qu . _ procura a vcrdade ultima abandona a vida social e as suas imposiçôes para
nao se trata exac l ame das por uma transformaçao tao
. encontram-se separa se consagrar ao seu progresso e ao seu destmo
''f3..forma anl1ga e a nova â' nao menos de dezassete sécu-
\., v , _ 1 xa que foram necess nos · . mundo SOCIal que aelXOU para tras, vê-o à distância, como algo sem reali-
L 0'" ;;-' 'radical e tao comp e 1 ez essa mudança continue amda , dade, e a descoberta de si confunde-se para ele, nâo corn a salvaçâo no sen-
);,;::-" . \ los de historia crista para a completar, e ta v. . 1 primeiro na generaliza-
\} '\ "') , A r 'ao foi 0 fermento pnnclpa , , . tido cristâo, mas co.m a libertaçào dos da vida tai como ela é vivida
'>\Jo,), nos nossos d las, re Igl . 1 _ No quadro do: nossos hml-
neste mundo,
. , . 1 em-segwda na sua evO uçao, d.
çao da farmu a,?- . d .. d I·smo moderno é por assim Izer
r .. d· ree III IVI ua 1 1 o renunciante basta-se a si proprio, nâo se preocupa senao consigo,
tes cronolo glcO. ,ope 19 ma cer' a espécie, e uma tenta u:!nsfor- o seu pensamento é semelhante ao do individuo moderno, mas corn um a
-
..
duplo : uma ongeli1 ou êIdvento de u "
maçâo numa outra especle.
.. N te ensalo tcrel que me con en
y'
t tar corn c.aracte-
"etapas' de transfarmaçao.
-! diferença de tudo essencial: nos vivemos no rnundo social, ele vive
. 1 algum as das pnmelras fora desse munrlo. Foi por isso que chamel ao renunc13ntc loomno um
--nzara-ongcll'l e assma ar .0 condensada do que se segue,
. a perdoada a abstracça . d -mnêIlvldu ç-tora-do-mundo», Comparativamente, somos «i ndividuos-no-
Espero que me seJ 'd de e na sua especificlda e,
cultura na sua unt a . -mundm}, individuos mundanos, e ele um individuo extra-mundano, Farci
Para vermos a nossa d a corn outras culturas. SO aSSlm
, ct spectivar contrastan 0- . ' aqui um use intensivo da noçào de «indivfduo-fora-do-mu ndo», e gostaria
necessltarnos e a per. 0 ue de outro modo parecerâ ObVIO: 0
de chamar a atençâo para esta estran ha criatura e para a sua re laçâo carac!e-

A

podemos tomar conSCIcnCla de alg q . h b't al Deste modo,


. r 'to do nossO dlscurso a 1 u ' - rîstica corn a sociedade. 0 renunciante pode viver como eremita solitario ou
fundamento familiar e Imp ICi d . os duas cO·lsas ao mesmo tempo:
, d' 'd )) eSlgnam -
quando falamos de «Ill ça-o obriga-nos a distinguir
---·-'- -'''-·-f--aënos
um obJecto ora ___'_ _ _ _ _
e um valor. compara
1 do 0 sujeito emp(rico falan 0,
d 1 Cf. Dumont, «A renuncia nas religi6es da india)) (1959), em HH, ap. B.
analiTICa7üentëOS dois aspectos: por um a ,
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l
.{
ENSAIOS SOBRE 0 INDIV/DUALISMO r GÉNESE, J

pade juntar-se a um grupo de confradcs na sob a de


, diferenre. Eis uma tese baSlante arrojada que parece, à primeira vista, con-
l
rnestre-renunciante, represemante de urna «disciplIna de tradizer concepçôes "bem assentcs. De facto limita-se a modifica-Ias, e per-
cular. A semelhança corn 3S anacoretas ocidentais ou entre mosteUQS budlS- mite anicular melhor do que a perspectiva corrente um grande nûmero de
tas e cristàos pade ir muita longe. Por exempla, as duas espécies congre- dados dispersas. Admite-se em geraI que a transiçâo do pensamento filo-
gaçôes independentemente urna da outra aqU110 a que s6fico de Platào e de Arist6teles para as novas escolas do periodo helenis-

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chamarnas 0 voto maioritario. tico mostra urna descontinuidade (<<a great gap») 1 _ a emergência slibita
o que é essenciak ,para n 65 e' 0 ab'/smo que , separa
1 0 renuneiante
. 1"'- do do individualismo. Enquanto a polis era" considerada "auto-suficiente em
munda social e do hornem-no-munde. Em primclfo lugar, 0 Pla tao e Arist6teles, é agora 0 individuo que passa a ser considerado
libertaçào abre-se apenas a quem quer que deixe 0 A como bastando-se a si mesmo (ibid., p. 125). Este individuo é, ou pressu-
relativamente 30 munda social é a condiçào do desenvolvlmento espmtua! posto como um facto, ou afirmado coma um ideal por epicuristas, cinicos
individual. A relativizaçâo da vida 210 mundo resulta È_c:.. e estâicos no seu conjunto. Para abordarmos directamente a nossa ques-
remincia ao mundo. S6espÏritôsOëfdentais puderam corneter erfO supor tào, é claro que 0 primeiro passo do pensamento helenistico foi deixar
Qûèëërtas seitas renunciantes tentaram alterar a ordem SOCial: A mternc- para tras 0 mundo social. Poderiamos citar longamente, por exemplo, a
çào corn 0 mundo social assumia outras formas. Antes maiS, 0 classica Histôr;a do Pensamento POlflico de Sabine da quaI ja reproduzi
ciante depende deste mundo para a sua subsistência, e mstrm algumas fâ rmulas e que classifica de facto as três escolas como outras tan-
o hornem-no-mundo. Historicamente, ha toda uma dlalecuca mdlana que tas diferentes variedades de {(renuncia» (p. 137). Estas esco]as ensinam a
assim foi posta em movimento, mas que teremos que deixar aqui lado. sabedoria, e tera gue
Conservemos na mem6ria somente a situaçào inicial tal como a ao mundo. Um traço critico percorre todo 0 periodo sob diferemes for-
encontrarnos no budismo. Excepto no casa de se juntar à congregaçao, 0 '"--mas ; de uma dicotomia radical entre a sabedoria e 0 mundo, entre
leigo recebe como liçào apenas urna ética relativa: ser generoso para corn os o sabio e os ho mens nào esclarecidos que continuam a ser presas da vida
monges e evitar as acçôes excessivamente degradantes. . .. mundana. Diâgenes opôe 0 5abio e os 10ucos; Crisipo afirma que a alma
°
Precioso para n6s em tudo isto é 0 facto de desenvolvlmento mdlan.o do sabio sobrevive por mais tempo ap6s a morte do que a dos mortais
se compreender corn facilidade, e parecer na A ,partir cornuns. Tai como na india a verdade 56 pode ser alcançada pelo renun-
dele, podemos formular a seguinte hip6tese: se 0 ciante, assim segundo s6 0 sabio sabe 0 que é bom; as acçôes mun-
numa sociedade do tipo tradicional, holista, sera em opOSlçao a .socledade danas, mesmo da parte do sabio, nao podem ser boas mas apenas preferi-
e coma urna espécie de suplem"ento relativamente a ela, quer a 1 veis a outras : a adaptaçao ao mundo é obtida através da reJalivizoçào dos
forma do individuo-fora-do-mundo. Sera possivel que fOI assun valores, a mesma espécie de relativizaçào que sublinhei a proposito da
india.
que 0 inrlividualismo começot l no Ocidente? Trata-se do que
vou tentar mostrar; sejam quais forem as diferenças no A adaptaçao ao mundo carncteriza 0 estoicismo desde 0 inicio e. cada,
sentaçoes, 0 mesmo tipo sociol6gico que encontramos - 0 mdlvl- vez mais, a estoicismo médio e tardio. Contribuiu certamente para toldar,
'. - esta
redor no inicio da nOSsa era.
"presente no
__ . 'tf,..."A"_
e

. aos olhos dos intérpretes "posteriores. a ancoragem extra-mundana da dou':':;"
trina. Os estâicos de Roma exerceram cargos absorventes no mundo, e ...
Nào ha du vidas acerca da concepçào fundamental do Séneca foi como um vizinho chegado por autores da Idade Média e até
dos ensinamentos de Cristo: camo disse Troeltsch_, 0 h<??Iem e um md'VI=-. mesmo pOL Rousseau que muito bebeu nele. Contudo, nao é dificil detectar
duo-em-relaçao-com-Deus, 0 qu e §Jgr.ifica, pa!.a , 1 a permanência do divorcio original: 0 individuo bastando-se a si prâprio
fora-do-mundo. Antes de desenvolver este ponto, continua a ser 0 principio, ainda quando 0 individuo age no mundo.
gosYârlaaëtéiùar -uma--afirniaçào mar;- geral. Pode,:,os que 0 o estâico deve permanecer desprendido, deve permanecer indiferente, até
mundo helenistico estava no que se rerere às pessoas mstruldas, tao pene- rnesmo à dor que procura aliviar. Assim Epitecto: «Pode muito hem suspi-
trado pela" mesma concepçào q,ue 0 cristianismo a
podido triunfar nesse meio se tivesse apresentado um mdlvlduahsmo de ilp 1George H. Sabine, A His/ory of Political Theory, Londres. 1963. 3_&cd., p. 143.

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ENSA IQS SOBR E 0 I J'olVl VI D UA L/S.\ IG
Filon 1ll0slrou fUlu l"Os apo loget3s crislàos como adarl3r a menS3 QCm
rar {co m 3quele que sofre] C0I1(31110 que 0 se u suspiro !lao Ih e vcnha do rdigiosa a um plHllico pagào inslruido. Expri me calo rosamentc a sua fe;vo-
1 rosa predilecçao pela vida cO lllcmplaliva do recl uso, a que anseia impacien-
Este traço para nos tào est ranho mostra que, mes mo quando 0 eSloico temente regressa r, depo is de a 1er înrerrompido apenas para servir a sua
regressou ao mundo de uma maneira que é al heia ao renuncianle indiano, comu nidade no piano pOlÎtÎCo - coisa que alias fez corn disl inçào. Goode-
!rata-sc para ele de um a adaptaçào secundaria: no fundo continua a nough mos lrOll precisamcnte como esta hierarquia dos dois modos de vida
defin ir-se se mpre camo estranho ao mundo. e a da fé judaica e da filosofia pagà se reflcclem no duplo jujzo poHtico de
CQmo co mpreender a gé nese deste individualismo filosofico? 0 ind ivi· Filon, ora exotérico e apologélico>ora' esolérico e hcbraicol.
d ualismo ê a pomo uma evidência para n6s que no caso presente é habi· VoItando·ago ra ao por dizer que 0 meu prin-
tu almente considerado sem mais como um a co nsequ ência da ruina da polis cipal guia sera 0 historiador-sociologo da Igreja, Ern st Troeltsch. No seu
grega e da unificaçào do mundo - con-. volum oso livra, As DOM/rinas Sociois dos 19rejas e dos Grupos Cris/Gas
fûriaiaôS - so -o poder ·de -Alexandre. Sem duvida ha aq ui um aconteci- publicado em 1911 e que pode ser considerado um a obm-prima,
mento hi storico sem precedentes que pode ex plicar mu itos traças mas nào, apresentara jâ uma imagem re lativamente unificada, nos seus pr6prios ter-
pelo menos no meu entender, a emergência, a criaçao ex nihilo do individuo mas, de «toda a extensào da historia da 19reja Cristà»2 (p. VIII). Se a
co ma valor. Ternos antes do mais que olha r para 0 lado da propria filosofia. exposiçào de Troeltsch l'ode cm certos pontas necessitar de ser completada
Os mestres helen Îsticos nao s6 foram ocasionalmente buscar para se u uso ou modi ficada , 0 meu esforço COnSiSlira principalrnente em tentar alcançar
proprio elementos aos pré-socrâticos, nâo 50 sâo herdeiros dos sofistas e de graças à perspect iva comparativa que acabo de esboçar uma imagem ainda
outras correntes de pensamento que se nos deparam submersas durante a mais unificada e mais sim ples do conjunto, conquanto, de momento, s6 nos
periodo classico, mas a aClividade filos6fica, a cxercicio continuado por ocupemos de uma parte desse conjunto3 .
geraçôes de pensadores da indagaçào racional, deve ter par si pr6pria ali- Trata-se de matéria conhecida, e lim ilar-me-ei a isolar esquematicamente
mentado a individualismo, porque a razào, se em principio é universal, tra· alg uns traços criticos. Resulta dos ensinamentos de Cristo e em seguida de
balha na pratica através da pessoa particular que a exerce, e, pela menos Paulo que 0 cristào é um «indiv iduowem-relaçâo-com_DellS)}. Ha, diz
implicitamente, afirma a sua preeminência sobre todas as coisas. Platào e na relaçào
Arist6teles, depois de Socrates, tinham sabido reconhecer que 0 homem é corn Deus. A a lma individua l recebe va lor eterno da sua relaçào filial corn
essencialmente um ser social. 0 que os seus sucessores helenisticos fizeram Deus, e 'é nessa que igualmente se fundamenta a rraternidade
foi no fundo afirmar coma um ideal su peri or 0 ideal do sabio desprendido huma na: os crislâos reun emw sc em Cristo, de quem sâo os membres. Esta
da vida social. Se fo r esta a filiaçâo das ideias, a vasta transforillaçào poli- afirmaçâo extraordin ari a situa-se num plana que transcende 0 mundo do
tica, a nascimento de um lm pério Universal provocando relaçôes in tensifi- homem e das inSlituiçôes sociais, embora ta mbém elas procedam de Deus.
cadas em toda a sua cxtensâo, tera sem qualquer duvid a favorecido 0 movi -
mento. Noternos que, neste meio, a intl uência directa ou indi recta do tipo
E. R. An !lIfrodllClioll 10 Philo Judaeus. New haven, 1940.
indiano de renunciante nào pode ser a priori excluida. ainda que os dados Ems! Troehsch, Die SOZlalehrel/ der christ/ichen Kirchen III/d Gruppen, em GesammellC
sejam insuficientes. .... . Schrjj)en , 1. 1. Tubi nga, 1922; Aalen , 1965. Trad. inglesa: The Social Teaching af lhe ChriS/Îon
Se f6sse necessaria uma demQ nstraçào do facto de que à' mcntalidade Chuiches, New . York , Harper Torchbooks, 1960,2 vols. (A Iraduçl1o, mais aÛSSÎveJ
a nu rnttà'Ciio das notas de Troehsch; mas nem sem pre é segura.) As rcfcrêncîas de pagina înduî-
extra-mundana Împerava ent re as pessoas inst ruidas em geral, no tempo de das no lexlo relllelcr;1o para eSla obra, exceplO indicaçâo em contrario.
Cristo, poderiamos descobri-la na pessoa de um judeu, Filon de Alexandria. . 3 É peqtena a di stância elllrc 0 sentido geral do Ji\'ro de Troeltsch e a preseme formulaçao.
Assml um sociologo pcrspicaz, BenjamÎn Nelson. obser\'ando que 0 illleresse nào s6 de
Trocll sch mas p:in c.ipais. pcnsadores a!cmâes dos sêculos XIX e XX, a panir de Hegel, se
1 Cilado por Edwyn Be\'an, Stoïciens el Sceptiques, Paris, 1927, ;J.63, lraduzido do concentrou na ({lIlstlluclOnahzaçao da primîtiva», enunciou 0 problema de
inglês. Este amor viu benl a semelhança corn a renûncia indiana. Cita longam.:!l1le a Bhagavad man . . iras, sendo um a delas a seguinlc: «Corna deu uma sei la ultra-mundana orÎgem à Igreja de
Gita para ind icar 0 paralelismo cam as nuiximas dos eSl6icos acerca do dcsprcndimenlO (ibid., Roma?)) «(Weber, Troehsch. Jellinek as compara lÎ\'e historical sociologiSls» Sociofogicof
Anofysis, 36-3, 1975, pp. 229-240; cf. n. p. 232). '
pp. 75-79), de facto a Gîla contêm ja a adaplaçào da renuncia ao mundo. Cf. ({A renuncia ... » ,
loc. cit., sccçao 4.

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I,:
1
r

ENSAJOS SOBRE 0 /NDIV/D UALISMO GÉN ESE, J

o valûT infînito do individuo é 30 mesma tempo 0 rebaixamento, a desvalo- Troeltsch insisle Il CSSC ponto, «cxi stc purarncntc na prcscnça de Deus» . Em
rizaçao do munda tal como é: afirma-se uro dualismo, estabelece-se urna termos sociol6gicos, a emancipaçào do individuo por urna transcendência
tensao constitutiva do cristianismo e que atravessara toda a historia. pessoal, e a uniâo de indi viduos fora -do-mundo numa comunidade
. h que
Detenhamo-nos neste ponlO. Para 0 hornem moderno, tal tensao entre ver- a na tcrra mas lem 0 seu coraçâo no céu, talvez seja uma formula
dade e realidade tohnou-se muite dificil de aceitar, de apreciar positivamente. aceltavel para a definiçâo do crislianismo.
Falamos por vezes cm «mudar 0 mundQ), e é evidente nos seus primeiros Troeltsch sublinha a estranha co mbinaçâo de radicalismo e de conserva-
queo jovem
tal coma é. TodaviiI,
tcria preferido ver Cristo declru;ar guerra 30
vernas que se Cristo eoquanta li.omem
decorrente. É observar as ..coisas de um ponto de
VIsta hlcrarqUlco. Encontramos {oda umà série de oposlçôcS semelhantes entre J
tivesse agido desse modo, 0 resultado tcria sido pobre por comparaçào corn este mundo e 0 além, 0 corpo e a alma, 0 Estado e a Jgreja, 0 Anligo e 0
as consequências que os seus ensinamentos acarretaram ao longo dos sécu M

Novo a q.ue Caspary chama os «pares paulinianos». Remeto para


los. Na idade madura, Hegel corrigiu honestamente a impaciência da sua a sua anahse num ll vro recente e no tavel sobre a exegese de Origenes 1.
juventude reconhecendo plenamente a fecundîdade do subjectivismo cristao, É clara que nestas oposiçôes os dois pélos se encontram hierarquizados
quer dizer a tensâo congénita do cristianismo 1:...De facto.] se a mesmo q uando isso à superficie nao é evidente. Quando Jesus Cristo
comparativamente, a ideia de «rnudar 0 um ar tâo absurdo a dar a César 0 que é de César e a Deus 0 que é de Deus, a simetria é apenas
acabamos par s6 civillzaçaO que durante aparente, porque é em funçâo de Deus que nos devemos vergar às pretens6es
-muit"Otemj5Omantivera im . legitimas de César. A distância assim criada é cm ceno sentido maior do que
promeu a ao home!f1 e a vida que. de facto é a dele. Esta {oucura se as pretensoes de César fossem si mplesmente negadas. A ordem mundana
""enraiza-se naquilo a que alguém chamou 0 absurdo da cruz. Lembro-me de é relativizada enquanto subordinada aos valores absolutos. Ha aqui urna dico.
ouvir Alexandre Koyré, em conversa, opondo a loucura de Cristo ao bom tomia ordenada. 0 individualismo engloba 0 reconhecimento
senso de Buda. No entanto, ambos têm algo em comum: a preocupaçâo exclu- . em re2açâo aos poderes deste mundo. Se se ilustrasse esta situa:
siva corn 0 individuo ligada a ou antes assente nurna desvalorizaçao do . çào dois circulos coocêntncos, repre.
rnund0 2. É deste modo que as duas Teligiôes sâo deveras religiôes universais .. .. e pequeno
e por conseguinte missionarias, que se estenderam no espaço e no tempo e a
forneceram consolaçâo a inumeros homens. É deste modo - se me.posso per- de seT holista
mitir avançar tante - que as duas sao verdadeiras pela menos no sentido em Esta figura, onde a referência primaria, a <.lefiniçào
que afinnam que os valores devem ser mantidos fora do alcance do aconte- camo sua antitcse a vida mundana, onde 0 individuaIismo-fora.do-mundo
cimenta se quisermos que a vida humana seja suportavel, particularrnente para subordina 0 holismo normal da vida social, é capaz de conter economica.
uma mentalidade universalista. mente todas as principais transformaçôes subsequent.es conforme as for-
o que nenhuma religiao indiana plenamente alcançou e que pela contra M

mula Troeltsch. 0 que ac"ontecera na ;list6ria é que 0 valor supremo exercera


rio se encontra dado à partida no cristianismo é a fraternidade do amor em pressao sobre 0 elemento mundano antitético que contém. Par etapas,
e par Cristo, e a igualdade de tÇd9S que dai resulta, uma igualdade . que, a vlda sera assim contamin ada pelo elemento extramundano até
•. , . '>
a' hei·erogeneidade do mundo por completa se desvaneÇa . .
1 Cf. Hegels theologische ]ugendsc::i;:n, Thbinga, pp. 221 230, 327 sq., .trad . francesa:
M
Entâo todo 0 campo estara unificado, 0 holismo tera desaparecido da
L'Esprit du christianisme el son deslin, Paris. Vrin, 1971: ? .Hegel delxou-se arrastar sentaçào, vida no mundo sera concebida camo podenda conformar-se
pelo seu zelo revolucionario e pelo seu fascinio pda polis Ideal (Ibid.• pp. 163-164, 297-302. inteirarnente corn 0 valor supremo, 0 individuo-fora-do-mundo ter-se-a
335). Sobre as concepçôes da maturidade, cf. Michael Theunissen , H egels Ll!hre vorn absolulen
transformado no moderne indi vfduo-no-mundo. Trata-se da prova histérica
Cdsl ols lheologisch-polilischer Traktat, Berlim. 1970, p. 10-11.
20 facto de a desvalorizaçao seT relativa aqui. radical ali , é OUlra Queslâo. É claro Que 0 da cxlraordinaria potência da di sposiçào inicial.
paralelismo mais limitado estabelccido por Edward Conze entre «Buddhism (Mahayana)
Gnosis)) assenta na presença subjacente dos dois 1ados do individuo-fora-do-mundo. (Cf. paru-
culannente a cond usào e a liltima nota em Le Origini dello GnOSlicismo. Col6quio de Mes- 1 Gerard Caspary. Polùics and Exegesis: Origen and the Tho Swords, Berkeley University
of California Press. 1979. '
si na, 13-18 de Abril de 1966, Leyde, 1.967, p.665 S8· )

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ElvSA/OS so/mE () INDIVIDUALISMO GÉNESE,1

Gostaria de acrescentar pelo mena s uma observaçào sobre a aspeclo «A idcia mCSlra é a ideia de Deus como Lei da Nawreza universal, e5piri-
milcnarista do cristianismo nos scus começos. Os primeiros cristàos vivi am tual-e-fisica, que reina uniformemenle sobre IOdas as coisas e como lei uni-
na expectativa do iminente regresso do Messias que instauraria 0 reino de versai do mundo ordena a natureza, produz as diferentes posiçôes do indivi-
Deus. A crença era provavelmente funcional no senti do de ajudar as pes- duo na natureza e na sociedadc, e transforma-se no homem cm lei da razào,
soas a pelo menas provisoriamente, 0 dcsconforto de uma a quai reconhece Deus e é deste modo una corn cie... A Lei da Natureza
crença que nào cra imediatamente pertinente quanta à sua situaçào de exige assim por um lado a submissào ao curso harmonioso da natureza e ao
facto. Ora, acontece. que 0 mundo conheceu nos nossos, dias um!1 extra9r- pa pel atrlbuido a cada urrf-,no ) istG.ma social, c por outre a elevaçào interior
proliferaçâo de movimentos milenaristas, muitas vezes acima ' de \ud6 isso, a libe;dade é;ico-rcJigiosa e a dignidade da razào que,
cargo cuIts, em condiçôes muito seme1hantes às que prevaleciam na Pales- sendo una corn Deus, nâo podera ser penurbada por qualquer aconteci-
tina ao tempo da dominaçào romana. Em termos sociolégicos, a diferença menta exterior ou sensiveh) (p, 52).
principal consiste precisamente no cJima extramundano da épaca, c em Poderia objectar-se a esta afirmaçâo de Treeltsch de uma relaçâo espe-
particular na orientaçâo extramundana da comunidadc cristà, que triunfou cial corn 0 estoicismo a facto de semelhantes concepç6es se encontrarem lar-
duradouramente sobre tendências extremistas, fossem as dos judeus rebcJ- gamente difundidas na época, e de taillo Filon como, dois séculos mais
des ou dos autores apocalipticos, dos gn6sticos ou dos maniquclstas. tarde, os Apo!ogetas terem bebido igualmente e talvez mais ainda noutras
Desle ponta de vista, 0 primeiro cristianismo parece caracterizado pela escolas de pensamento. Objecçào à quai TrocJtsch respondeu antecipada-
combinaçào de um elemento milenarista e de um elemento extramundo, mente: 0 conceito de uma Lei da Natureza ética da quai sào derivadas todas
corn prcdominio deste ultimo J.
•'. as regras juridicas e todas as instituiçôes sociais é uma criaçâo da Sloa!, e
Por esquematico e insuficiente que seja 0 meu resumo, espero que tenha sera ao nivel da ética que a Igreja construira a sua doutrina social medieval,
tornado verosimil a ideia de que os primeiros cristàos estavam, afinal de «uma doutrina sem duvida imperfeita e confusa de um ponto de vista cienti-
contas, mais pr6xirnos do renunciante indiano do que de n6s. instalados Fico, mas que assumiria na pratica a mais alta significaçào cultural e social
corno hoje nos acharnas num mundo que julgamos ter adaptado às nossas e tornar-se·ia al go camo 0 dogma de civîlizaçào da Igreja» (p, 173).
necessidades, De facto - deveria dizer «também»? - fomos n6s que nos o empréstimo comraido parecera inteiramente natural se admitirmos que 0
adaptâmos a este mundo. Tai sera 0 segundo ponta deste estudo, onde con- esrolclSmô'éaïgrëjaestavam amoûs- apegà-dôs acoricêpçào extramundanà-e
sideraremos sucessivamente aIgu mas etapas dessa adaptaçâo. 'a-relahvlzaçâo conco"milantêëfà ··vida"nomû-ndo.-sêri1- vistas ··as ·c'015a5, -a
Como é que a mensagem extramundo do Sermâo da Montanha pôde mënS"à:[ëm-(fe Bu-d-; j;â;a·'ë' da natu-
exercer uma acçâo sobre a vida "do mundo? No piano das instituÎçôes, a
relaçâo foi estabelecida através da Igreja. que podemos ver coma urna espé- no mundo "e as imposiçô-es·s ûdaj·s por eos
cie de ponta de aJ.:.oio ou de testa de ponte do divino e que s6 lentamente e
por etapas cresceu, se unificou e estabeleceu 0 seu irnpério, Mas era necessa-
ria também uma ferramenta inte1ectual que permitisse pensar as instituiçôes
terrenaS a partir da verdade extranid:iid-a nâ',' Eni'st Treeltsch insistiu muito mi
i
1
-,ntOs-porontrb-. -------..-.. ".. - - .... --.-_.-.-.
fundador da Sloa, três séculos antes de Cristo, 0 prind-
pio de todo 0 posterior desenvolvimenta. de Chîum - mais '.JJm,
.' _ profeta do que um [ilosof;: segundo Ed"wyn sëV'a;2 - 0Bem é aquiio qu e
..

ideia da Lei da -Natûrèza os'-Padres da 19reja adoptaram dos est6icos.


o que era ao certo essa «Lei da Natureza ética» dos pagâos? Passo a citar:
•• .
, toma 0 homem independente de todas as
- ._------ _. _- _ .- - --_..-..-.-
Bem é imerior ao homem. A vontade do Îïiaivfcfuo é a fonte da sua digni-
---_. -_.
qûë aJustë-asûâ a tuctè-;; qüè
! Sir Edmund Leach chamou a atençâo para 0 aspecto mîlenarista, mas viu·o um lamo f odêst"lÎl-OTh-e poss'a- rcservar, estara a salvo, ao abrigo de todos os ataques do
apressadamcllle como um modelo de «subversàOH. (Leach, «MeJchisedech and the Emperor:
!cons of subversion and orthodoxy», Proceedillgs of the Royal Amhropologicallnstitute for
1972, Londres, 1973, pp. 5-24; cf. também mais adiante a nota 18. Trad. francesa em L'Unité ! Troeltsch, «Das stoisch-christichc Naturrecht und das moderne profane Naturrecht)),

de "homme et Autres Essais, Paris, Gallimard, «Bibliothèque des sciences humaines», 1980, Gesamm. Schriftell, 1. IV (pp. 166-191), pp. 173-J74.
pp. 223-261. 2 Cf. nOla 3, acima.

42 43
E NSAIOS SOJJRE 0 IN DIVID UALJSMO GÉNESE.I

mund a cXlcrior. Camo sob re 0 mundo reina Deus, ou a Lei da Na lureza, ou mos aqui em contacto corn 0 tipo primitivo, sacral, de soberania, 0 do rei
a razâo - tomando-se a natureza razâo no hom em - , esta exigência é divino ou do rei -sacerdote, uma representaçào muita difundida, que eslava
aquiJo a que TroelLsch chama a Lei da Natureza abso/uta. Além disso, presente no mundo helenistico e mais tarde no império de Bizâncio 1 e que
enquanto 0 sabio permanece indiferen te às coisas e às acçoes exleriores, voltaremos a encontrar.
pode contudo disti,nguir entre elas segundo a sua maior ou men or conformi- As concepçôes e as atitudes dos primeiros Padres da Igreja em matéria social
dade à natu reza, à razâo: certas acçoes sao re/ativamente reco mendaveis _ acerca do Estado e do principe, da escravatura, da propriedade privada -
par comparaçâo corn outras. 0 mundo é rclativizado ëomo deve sê-Io, e sao 0 mais das vezes estudadas -pelos modernos separadamente e de um ponto
ser-the afectados 'va/ores relarivos:Ta l é a de vista interior ao munda. Podemos compreendê-Ias melhor de um ponto de
lei da natureza relativa que tâo largamente sera usada pela Igreja. A estes vista extra-mundano, lem brando-nos de que tudo era percepcionado à luz da
dois niveis da Lei corrcspondem duas imagens da humanidade, no estado relaçâo do individuo corn Deus e da concomitante fratemidade da Igreja-=-.!>.i!:-_
ideal e no estado real. A primeira é 0 estado de natureza - co mo na cosmo- -se-ia que 0 firn ûltimo esta nurna relaçào. corn a vida no mund?,
polis ideal de Zenâo ou mais tarde na utopia de Jambulos 1 - que os cris- -porque-omundo onc!e#Q"ërlStàô' pêregrll1a n.esta vida é ao mesmo te"?J?D um
tâos identificaram com 0 estado do homem antes da Queda. obstaculo' e Ufna condiçâo para a salvaçâo. 0 melhor é considerarmos tudo
Quanto ao eSlado real da humanid ade, é bem conhecido 0 paralelismo Isto·em 'porquèa vida no mundo nâo é directamente recu-
estreito existente entre a justificaçâo par Séncca das institui çoes camo resul- sada ou negada, é somente relativizada por referência à uniâo corn Deus e à
tado da maldade dos homens, e ao mcsmo tempo como remédio para essa beatitude no além a que 0 homem se encontra destinado. A orientaçâo ideal
maldade, e os pontos de vista semelhantes dos cristâos. 0 que Troeltsch con- para 0 fim transcendente, coma por um iman, produz um hierarquico
sidera camo essenciaI é 0 aspecta racio nal, a saber que a razâa passa ser no quaI devemos esperar descobrir situada cada uma das COIS3S mundanas.
apli cada às instituiçôes reais, ou para as justificar tendo cm conta 0 presente A primeira consequência tangivel desta relativizaçâo hierarquica é uro
estado da moralidade, ou para as condenar coma contrarias à natureza, ou grau notavel de latitude na maior parte dos assuntos do Como
ainda para as temperar e corrigi r corn 0 auxilio da razao. nào sao importantes em si pr6prios mas apenas por referencl3 a um ftm,
Assim Orfgenes defendeu contra Celso que as lcis positivas que contradi- pode haver variaçôes de grande amplitude segundo 0 temperamento de cada
zem a lei natural nâo merecem 0 nome de Icis (Caspary, op. cil., p. 130), 0 pastor ou autor e, sobretuda, segundo as circunstâncias. Mais do .procu-
que justificava os cristâos na sua recusa de prestarem culto ao imperador ou rar regras fixas, trata-se assirn de determinar em cada caso os limItes da
de matarem ao serviço dele. variaçâo permitida. Estes cm prindpio sào claros: por um lado 0 mundo
Ha um ponto no quai 0 livro de Troeltscb pede um addendum. 0 autoi nâo deve ser pura e simplesmente condenado, como pelos heréticos gnosti-
nao conscguiu reconhecer a importância da realeza sacral na época helenis- cos, por outro nâo deve usurpar a dignidade que s6. Deus
tica e posteriormente. A lei naturai enquanto «nâo escfita» ou enquanto E podemos supor que a variaçào sera menor nas matenas relauvamente
«animada» (empsychos), encarna-se no rei. Tai é nitido em Filon, que falou mais importantes do que nas outras.
de «Ieis encarnadas e racionais) , e nos Padres da Igreja. Segundo Filon, «os Urn autor recente sublinhou a espécie de flexibilidade aqui em causa.
sabios da historia antiga, os patriarcas e padres da raça apresentam nas suas exegese de Origenes, Caspary mostrou como
vidas leis nâo escritas, qu"8"Moisés registou mais tarde por ... Neles a (0 que me pareee ser) a oposiçào fundamental actua a divers9s- niveis sob
lei cumpre-se ê "torna-se' in Troeltsch, n.O 69). E Clemente diversas formas e constitui uma rede de significaçao espiritual, urna hlerar-
de Alexandria escreveu sobre Moisés que este efa «inspirado pela lei e assim quia de 2. 0 que é verdadeiro para a hermenêutica biblica

um homem régio»2. Trata-se de um aspecto importante porque nos acha-

1 F. Dvornik, Early Christian and Byzantine Political Phifosophy, Origins and Bock·
Bidez. «A cidade do mundo c a cidade do sol nos Est6icos», Bulletin de l'académie de
1 J. ground, Washington, 1966, 2 vols. •
Belgique. Leures. serie V. vol. 18-19, p. 244 sq. , 2 Corn efeito, Caspary distingue quatro dÎmensQcs de contraste ou os
2 Arnold A. T. Ehrhardt. Politische Melaphysik von Solon bis Augustus, Tubinga. 1959- quais s6 um considera hierârquico (op. cil., pp. 113-114), mas é fâcil vtr que a hltrarqUia se
-1969, 3 vols., t. 11, p . 189. estende a todos eles.

44 45
GÉNESE.I
ENSAIOS SOBRE 0 IXf) /l1D UALlSM{)

. na con tradiçào incrcntc à vida nO mundo, a quai


pode apli ear-se rambém â inlcrprclaçào dos dados cm brulo da experÎf'ncia. humana ser para clas UI . ' esgale da humanidadc, para tedos
Di zia eu ha poueo que podemos considerar as coisas deste mundo como hie- 'd elo propno C n sto para r
fora asSUml a P . ct ct ' al Todo 0 esfo rço no sentido
para a· salvaçào. duvida, , 1 mildade uma vlrtu e ca r J •
lOrnando asslm a lU ém ao individuo-fora-do-
. para dentro como conv
Tai nào se nàs nossas fontes, mas ha pelo da perfeiçào se onentava ' la ao nive! «tropologico» da exegese
menos um aspeclo sob 0 qua i a diferença de val or relativo deve ser levada d É C vernoS bem por exemp
-mun o. 0 qu · . t s biblicos sâo interpretados camo
em conta. Mostrei noutro lu gar que 0 mundo mod erne subvertcra 0 pri- i de Origencs pois todos os aconteclmen 0 '1 )
, . . ' do crisüio (Caspary, op. CI •.
made trad icio nal da s relaçôcs cntre home ns sob re as dos ITo méns L '. ,.
'por teatro a' Vida _ 1'1' a sua abordagcm por Troeltseh
\.
,. . corn as coisas. Neste POntO a atilude dos prÎmeiros cristàos nào deixa mar- ee
No que se re: : à Carlyle: a atitude perante
\\'\ / gens para duvidas, porq ue as coisas so padern constituir meios ou impedi-
i\ mentos na dema nda do reine de Deus, enquanto as re laçôes entre homens
pode ser sem duv lda
as leis é governada pelas concepçodefs a
_ d Le· da Nawreza mas 0 poder que

· , 'sto de modo 1 erente e


1 olhado divino 1. De facto
in cidem sobre suje itos fcitos à Îmagem de De us c destinados à uniào com promulga as 1elS C VI _ uito estranhas uma à outra. Eis
cIe. Talvez seja aqui que 0 cont raste corn os modern os se toma mais vin- l ealeza sacral nao eram m
a lei natura e a r . _ h' rarquica das coisas pareee mais co nve-
ca do. asO cm que a Vlsao le D
de novo um c P lo' todo 0 poder vern de euS.
Podemos ass im su por, e verificamos que a subordinaçào do ho mem em . 0 t esscncial cncontra-se cm au .
mente. pon 0 . , . lobaI ha lugar para a restriçào ou para a
sociedade, quer no Estado quer em escravatura, levanta questôes mais vitais Mas no quadro destc p nnclplO g mentario sobre Paulo do grande
para os p ri meiros cr istàos do que a atribuiçâo permanente de possessôes a cont ra d1'ça-o • 0 que se vê daramente num co
pessoas, quer dizer do que a propriedade pri vada das coisas. 0 ensinamento Origenes, no seu Contra Celsum:
de Jesus sobre a ri queza como ObSlaculo e a pobreza camo auxi lia r da salva-
çào dirige-se à pessoa individualmente considc rada . Ao nivel social, a regra Ele diz: ha peder
sec ular da Igreja é bem conhecida, é uma reg ra de uso e nào urna regra de poderia entao dlzer. ,Cd D ' s? Respondamos brevemente a este res-
propriedade. Pouco importa a quem pertence a propriedade conta nto que scrvidores de Deus... e e : u . _ sa nào para abuso. Havera
seja utilizada para bem de todos, e antes de mais dos necessitados, porq ue, peite. 0 dom de ?:us, a: que adrninistram a
coma diz Lactâncio (Di v. instit., lIt, 21. cont ra 0 cornunismo de Platâo), a na verdade um JUIZOsedgundo as suas impiedades e nào segundo a lei
j ustiça tem que ve r corn a alma e nào COOl as circunstâncias exteriores. oder que receb cra m f' por
. Ele [Paulol nâo fa ta desses poderes que perseguem -
Troeltsch disse em termos felizes corno 0 amor no interior da comunidade
é necessario dizer: «Devemos obedecer a Deus e aos
irnpli cava 0 desprendimento relalivamente aos bens (n.o 57 e p. 114 sq.; l31 que q do peder em geral (Troeltsch, n. 73),
sq.). Seg undo 0 qu e sabemos, podemos supor que na a usê ncia de qua lqu er homens» , mas fala apenas
insistência dogrnatica na matéri a. as jovens igrejas, pequenas e em grande to camo uma instituiçao relativa ultrapasso u os
med ida aut6nomas, lerâo podido variar no seu tratamento da propriedade, Vernos bem neste exemp
fli to corn 0 valor abso1ut o.
pondo talvez aIgu mas delas :udo em comum a dado momento, enquanto s6 seus limites e entroU .cm con l r ultimo dos cristâos, a subordinaçao politica
a injunçâo de ,auxi liar os\.-tr-mâos desprovidos de recursos era obriga toria. Enquanto contrana ao va 0 . 'r' - a Lei da .Natureza rela-
trava a sua JU StI lcaçao n

raci onals. A
----
--.....---:--- .. ._- - ---
Os est6kos e outres tinham declarado os hQl1J.cns iguais enq uantq
_._- ---- -_. .. . - -----,.
talvez estivesse mais profundamente enraizada
resultava da Queda, e enco n
' 1
tiva. Asslm reneu.
.
. «Os homens calram
[longe) de Deus... le}... Deus impôs-
s impedir de tai coma os
•. d de outres homens ... para 0
\ --no coraçào da pessda., mas era do mesmo modo uma -lhes 0 fre10 do me 0 0 onto de vista foi aplicado
., ext ram unda-n-a:-- « Nâo pode haver judeu ncm grego ... ncm esc ravo nem
,; \ homem li vre... nem macho nem fêmca, porque todos vos so is um homem
peixes se dcvorarem un s aos outros.» mesmo P

1:111 Jesus-Cristo», diz Pau lo, e Lactâncio: «Ninguém, aas olhos de Deus, é . ! le tratou, em dois capilU!OS separados. da (jgual-
1 Numa obm a liàs classlca, A. J. Car y d d P,', ", ;pe)) R W. e A. J. Carlyle,
escravo ou senhor. .. Som os lOdos ... seus A escravatura era coisa - d t ·dade sagra a 0 . . d
dade natural e do governo») e a «au o n . Th West t 1 por A. J. Carlyle. «The Secon
deste mundo, mas é uma indicaçào do abismo q ue nos separa dessas pe"Ssoas A Hîslory of Mediaeval Political Theory m e , . ., .
o facto de aq uilo que para nos ' fcre 0 proprio pri ncipio da d ign id ade Century 10 lhe Ninth», Edimburgo e Londres, 1903.
47
46
1

ENSAIOS SOBRE 0 INDIVIDUALISMO


Agoslinho ci: do seu tcmpo. e lodavia prefigura, aponta, co m 0 dedo ,infa-
por Ambrosio à escravatura, um pouco mais tarde, talvez porque esta apare· livelmentc 0 que esta para vir. É assim que a sua inlluêncl3, ou a sua hnha-
cia como urna queslâo individual , ao passo que 0 Estado era urna arneaça gem inte1ectual, sc estenderâ à ldade Média, e muito para dela:
para a Igreja inteira. (É nctavel que uma explicaçao semelhante nao tenha pensarmos cm Lutero, nos janseni stas, e até mesroO nos, eXlstenclahstas.
sido dada para a propriedade privada, salvo par Joao Crisôstomo, que era Corremos portanto 0 risco de nos enganarmos a seu respclto, talvez a
urna figura excepc)onal). Também aqui lui lugar para alguma variaçâo. Por perspectiva aqui esboçada permita situa-lo melhor, ,mclhor.
um lado 0 Estado e 0 imperador sâo queridos por Deus coma todas as coi- Assim, Q:uanto aq. que aqui nos aeupa. nao
... :. sas da terra. Por outro 'Iado o' Ëstado esta para}a 19rejà como a terra para em relaçâo aos seus anlecessores, Agostinho rcstringe 0 campo aphcaçao
o céu. e um mau principe 'pode ser puniçâo envlada por Deus. É neces- da Lei da Natureza e alarga 0 da Providência, 0 da vontade dlvma . lntra-
sario em geral nâo esquecer que na perspectiva exegética a vida na terra duz, corn efeita, urna mudança mais radical. Em vez de aceitar a realeza
depois de Cristo é uma mistura: Cristo abriu uma etapa de transiçâo entre sacral, subordina absolutamente 0 Estado à Igreja, e é neste nove quadro
o estado dos homens ainda nâo resgatados do Antigo Testamento e a plena que a Lei da Natureza conserva um valor limitado. .
realizaçao da prornessa esperada corn 0 regresso do Messias (Caspary, op. Toma-se deste modo muito clare um duplo desenvolvlmento
cil., p. 176-177). No intervalo, os ho mens 56 dentro de si proprios possuem mos sobre 0 Estado na Cidade de Deus (cf. Troeltsch, n.o 73). AdrnntndO
o reino de Deus. Cicero que 0 Estado sc funda na justiça, Agostinho começa par afirmar vlgo-
Apresentamos urna perspectiva sumaria das concepçôes dos Padres da rosamente que um «Estadm) que nao preste justiça a Deus e à relaçào do homern
Igreja dos primeiros séculos em maté ria social e politica, deixando de fora corn Deus nao conhece a justiça e por conseguinte nao é um
Santo Agostinho. que deve ser considerado à parte 1. Por um lado, corn ele lavras nao pode haver justiça onde a dimensào transcendente da jUStIça esteJa
encontramo-nos ja no século v, no Império torn ado cristào, mas sobre- 'Trata-se de um julzO nonnativo, de uma questao de XIX,
tudo, a originalidade do pensador renova 0 quadro conceptual que herdara. 21). Mais longe, 0 problema volta a ser abordado: estabelecido 0 pnnclplo, como
Sabemos estar di ante de um homem que exprimiu 0 cristianismo corn urna '"' poderemos nos apesar de tudo reconhecer que 0 povo romano lem rca-
intensidade de pensamento e de sentimento inteiramente nova. Corn ele, a lidade empirica, cmbora nao sendo um povo, ou uro Estado,. no .senudo nor-
mensagem crista de Pa ulo ganha toda a sua profundidade, toda a sua para- mativo? Pois bem, podemos reconhecer que 0 povo romano esta umdo cm
doxal grandeza. Agostinho ergueu a sua religiâo a um nivel filosofico sem de algurr.a coisa, ainda que tal coisa nao seja, coma deveria ser,. a
precedentes, e ao fazê-Io antecipou no mesmo gesto 0 futuro, de ta] modo justiça. Empiricarnente, um pava é um agrupamento de seres
a sua inspiraçâo pessoal coincide corn a força mot riz, 0 principio capital do pela amor em comum por alguma coisa, por valores comuns,. DJflamOS nos, e
desenvolvimento posterior. Por algo que muito precisarncnte se nos rcfere, a é melhor ou pior conforme os seus valores sao melhores ou (CD,
hist6ria exige-nos que saudemos aqui 0 génio. 0 que sentimos toma-se sem 24). Vernos mal coma pôde Carlyle dizer que Agostinho concebi3 msufi:lente-
dûvida ainda mais forte por sabermos pelos cscritos de através de mente a justiça (p. 175); de uro modo geral, 0 comentârio de Carlyle aproXlma-se
que limites humanos, de que sofrimentos e de que esforços ele pôde subir 1 da incompreensao sistematica (op. cil., pp. _. .
1 tao alto. Seja co ma for, trata-se de al go que faz corn que seja dificil falar- , :> o..Vejamos as coisas mais de 0
mos condignamente. formarmos urn a ideia adequada da amplitude e da . L __ Estaao.éÔ-rnüïïdoëmgërél4 -coQIO
profundidade contudo, mesrno neste breve ensaio, tere- - . l . j· ·por e ao dominio da relaçao do hômzm corn D:us. q que
1 mos que lhe dedicar um pequeno ni cho - ou talvez urna capela onde possa- Agostinho raz é reclamar que 0 Estado seja d? de vista,
mos, honrando-o, esperar sermos beneficiados pela sua extraordinaria pene- .. ,. cendente 30 tfIünoo, da relaÇà6 ao corn Deus, que é 0 po nta
traçao. Hfâëiüi urria preteiisiO teocratica, um passo em frente na ap!lca-
i;ào' de valores supramundan . . . s às .mund o.
1AfaSlamo-nos assim um lanto de Trocllsch, cmbora nos sirvamos principalmenlc das - anlffféia- a:qul . a,
suas eitaçôes, e mais ainda de Carlyle, cm quem Troeltsch se apoiava. Nâo live accSSQ à obra gem de Greg6rio Magno: ({Qûc 0 rcino terrestre sirva seJa
que Troellsch scparadamcnte eonsagrou a Agostinho (Augustin, die christjche Anlike und dos
Mittleolrer, Muniquc, 1915). Outras refcrências: Étienne Gilson, Introduction à /' étudede saint seu escravo: Jamuletur) (E]J:05). --
Augustin, Paris, 1%9; Peter Brown, Lu Vic de SoÎ11I Augustin, trad . J.- H. Marrou , Paris, 1971.
49
48
ENSAIOS SOBRE a INDIVIDUALIS MO GENESE. 1

,) 0 que se passa nesle caso é caracteristico da atitude de conjunto de Agostinho intcressa-se pouco pela propricdade. S6 trata ocasionalmel11 e
. Agostinho, da sua reivindicaçâo radical, revolucionaria. Cristianizar desle do te ma na sua luta contra os donatistas. Estes ultimos alegavam, contra a
"", modo a justiça é nào so obrigar a razâo a inclinar-se perante a fé, !1laS -
"- confiscaçào d2S suas igrejas pela governo imperial, que tinham adquirido a s
';::'1 ::.'-: "-ürii parëï1tesco corn eIi-:-<
r ver"na -fé cois; suas propriedades par meio do trabalho - amecipando assim 0 fmuro
\.:, :: "00010 a pôtênèia j"sso {nada menos"ëfè)" que argumenta de Locke, conforme Carlyle observou. É clara que para Agosti -
lJrna -nova forma pe pensarnenlO correspondendo à imanência-e- nho a propriedade privada é exclusivamente uma questào de «di reito
("\\.. de De,us. Tai foi a ; e . " " . , ".
"
, gante de Agostmho: filosofar a partIT da fe, colocar a fe - a expenenCla de Creio na nao mtelra JUStlça a on-
.:-:- Deus - no fundamento do pensamento racional. Os antigos podiam sem ginalidade do pens3.mento de Agostmlio, e procederel a algumas observa-
" ' ,\" dùvida ver nisto urna hybris; mas é apesar de tudo possivel sustentar que çoes a proposito das passagens em que os doi s autores se lhe referem. Lem-
\2.
( : "'.
"'" todos os fil6sofos fazem a mesrna coisa, no sen lido ern que toda a filosofia
parte de urna experiência pessoal e de urna tendência, senâo de um designio,
-Ressoal. No plana da hist6ria universal, 0 acontecimento, 0 facto que ternos
que reconhecer, é que começa aqui, sob a invocaçâo do Deus cristâo, a era
bremos para começar que, camo a maior pane dos antigos, gregos ou
ro manos 0 homem é para Agostinho uma criatura social. Ele proprio era
, -------
- .- ,.,-
" -
de resta üri1â'pessoa' eminëntëmente sociavel na vida de todos os dias. Além
do mais. a ideia de hierarquia nào Ihe efa de maneira nenhuma esuanha, H a
moderna que podemos olhar coma U!ll esforço gigantesco visando reduzir 0 uma hierarquia da alma e do corpo, ainda mais vincada pelo facto de em
abismo inicialmente dado entre a razào e a experiência. (Devo confessar que Agostinho 0 corpo ter uro valor, uma dignidade que por ceTta nàa possuÎa,
imensidadc do fen6meno ultrapassa os meus conceitos habituais e me digamos, em Origenes 1. É através da alma que estamo.!...t::m
" .. _ - -
'1 obriga à retorica.) Agostinho inaugura urna luta milenar, sempre renascente, Deus ; existe portanto ' uma ·câaë la de subordinaçâo.... à alma ... dp.
proteiforme, existencial. entre a razâo e a experiência que, à força de se
. = -...... ..-. - - - ...,_ ...,,- a
alma ao corpo. Assim Agostinho escreve, prop6sito da justiça em relaçao
expandlf de um nivel para outro, acabara finalmè nte por modificar a rela- --Com -01:staoo: «:""
quando um homern nâo serve Deus, que quantidade de
, çâo entre 0 ideal e 0 real, sendo nos de ceTto modo 0 seu produto. j justiça podemos supor que existe nele? Porque se urna alma nào serve Deus,
r
Esta espantosa mutaçào tem consequências no dominio que J:fÎ J nào pode comandar 0 corpo corn aigu ma justiça, nem a razào de urn
Em prirneiro lugar, trata-se de urn reforço da t6nica posta na homem pade controlar os elementos viciosos da alma» (CD, XIX, 21;
Deus «nào quis que a criatura dotada de razào feita à XIX, 23).
dorilinio dë'èutras'c rfiÜÜàsexce plôaiisdêsprovidas (colocou) nào Penso no entanto que é de
' "0 honièm aCiina do homem :"mas A"ssim os pri- em Agostinho, uma progressao do mdlvlduahsmo...-o stado e urna
- meiras ho niens "l "ùStosfû;a"ffi fei iospastores -de rebaÎÎhos- e nâo reis de
homens». Eis urna declaraçào que se diria quase est6ica, mas 0 vocabulario
---_._---- -
colecçâo de homens unidos pelo acOtde-s e os v Tes e a UtI Idade
- - ---"'
.·comuril:-A definiçilo vern de Cicero, --- -
mas em Cicero nâo é tào individualista
-- ------
e 0 tom quase fazem pensar também em John Locke. Segue-se imediata- nesta traduçào. Numa passagem citada por Agostinho na pri-
mente a afirmaçâo do pecado, tâo categorica coma era a da ordem natural, meira referênc.ia que faz à questào em A Cidade de Deus, a conc6rdia da
por$ll)e· a escravatura é justamente imposta ao pee:ador», a rriultidâo no Estado é a de diferentes ordens de pessoa,s, alla, baixa e média,
puniçâo resulta da pr6pria Lei da Natureza, infringida pele pecildo '(CD, e é comparada corn a harmonia de diferentes sons na musica (CD II, 21).
XIX, 15). Do homem que se tornou escravo do pecado é justo fazer um mas esta referência a um conjunto nào é retida por Agostinho, e ficamos
dc)"ho;;;em. 0 quesê poÏiiica à e;cra- corn a impressâo de que para ele 0 Estado é fcita de individuos, ao passo
valura, 'mas "è'"nota"vel que a consequência seja explicitamente extraida ape- que sô a Igreja seria um organismo. --- -
nas qu anto à escravatura, sem duvida por ser ai que é mais gritante a sujei-
çào do homem ao hornem, coma mais violentamente desrnentida a igualdade l --
1" ,.. '·t:' "
,.1);" ·-L
-:,'} "{"t".-O
naturai querida por Deus. Ao senhor é lembrado que tambérn 0 orgulho Ihe '1..

1 Sobrea atitude Perante 0 corpo enquanto d"if; rente também da dos fil6 sofos pagàos, ver
é tâo funesto coma salutar a humildade ao servidor. (Vernos neste casa que agora 0 bdo estudo de M1ria Daraki, ((A emergênda do sujeito singutar nas Conjiss6es de
a subordinaçâo nas relaçôes nào é por principio recusada.) Agostinho», Esprit, Fcvcreiro de 198J, pp" 95-115, espedalmcnte pp" 99 sq")"

50 51
GÉNESE. 1
ENSAIOS SO BRE 0 INDIVIDUALISMO
. . paz nâo se consegue coma os sobcranos
A definiçao em Contra Faustum (XXII, Troeltsch, n.o 69) daquilo a que d en t em ente dos bens supeno res. da ·t. ··a (CD XV 4) Esta dislancmçao . -
geralmcme se cham a Lei da Natureza esta pr6xima da de Cicero, celebrada . . m através da guerra e a vion " . ., .
o lmagma U
olhar frio os horrores da hlslO:"la: os
por laclâncio (Troeltsch, ibid.), e contudo djfere subtilmente dei a : «A lei permite a Agostinho .co: : no crime e na violência: R6mulo coma
eterna é a razao divina ou vontade de Deus, que manda conservar a ordem Estados têm na sua malOna ige f
. . _ (CD XVIII 2). Temos aqui algo que nos az pen-
natural e a sua Tudo isto se encantra em Cicero, Calm matou 0 seu lfmao • 'Agostinho confia nas possibilidades
excepta as palavras «vontade» e «ordem Se nao me engano, Hume Ao mesmo tempo, .
sar em. . ' . ... como num desenvolvimento sem precedentes -
a .tem como resultado separar em duas aquilo ainda VlrtualS do 0 dos donatistas recomenda dinamismo e
que para Cicero efa a Lei da Natureza: ha a ordem, que é dada par Deus, era Contra 0 qUleUsm ' .
anos toldados de sombras pela queda de Roma. l;te-
e a lei, que vern também de Deus mas que, 56 ela, esta entre as maos dos au· . entusiasmo aplicando a visào de Plotmo a or em
homens. Talvez nao seja ir longe de mais afirmar que tanto a transcendência lectualmente chelo d e . 'd dobrando' é inspirado por um senti-
de Deus como 0 dominio distinto do homem recebem aqui uma mais nitida
qu: : ::e se toma' pradigioso, coma quando
acentuaçào. no
m estar entre os que escrevem avançando e ava. nçam
Passa-se algo de semelhante a prop6sito da ordem e da justiça. Ambas escrcve: <Œento h sao
assim) Dir-se-ia que corn Agostm 0 a VI
sao definidas na linguagem da justiça distributiva. A ordem é (CD, XIX, l3) vendQ) p. da trabalharam os primeiros Padres da
«a disp05içào que atribui 0 seu lugar respectivo às coisas seme/han/es e dis- .sob 0 l.mpeers'tOa' longe de ter chegado ao fim, começa jâ a _
semelhantes»; a justiça é «a virtude que distribui a cada um 0 que lhe é 1 eJ' a • __
cUJa carrelra . _.. creoC'a moderna - no
- progresso
.. - -_.-
devidQ» (CD, XIX, 21). Num outro texto (De Div. Quest., 31, Troeltsch, n. 73) . os f or _ . ,._ . . __ .. __ ._.-. -.. -"- -.. -- -- ---
«a justiça é a disposiçâo de espirito que, uma vez garantida (conservata) a --(BrOWn; _po.473.SQ .) . . avan a no caminho que a
utilidade cornu m, atribui a cada um a sua Coisa notavel, a jus- Corn Agostmho , a .IgreJa do '--'. _-- . d
.......- ..-.. .
'rmâ oriental, por bem-aven-
., do- e a afâsta cada vez fl sua 1 . ,-_ __ _ _. - - ; - - .... _ -
liça opera aqui em relaçào aos individuos, no interior de uma ordem ou de para 0 mun . __ --- ' - -.. . 1 no mtenor
um todo (a utilidade comum), mas à margem de:,sa ordem ou todo - no sen- __ _. . -.
tido em que se diz que a justiça serve 0 pr6prio todo através da sua operaçào. a01inpërio...... . d corn a que existe
._ _ -_.-:- ' 1 res a uOiao da alma e 0 corpo
Parece-me que basta aproximarrnos umas das outras estas três passagens . Agostmho compara a gu 1 (CD XIX 3' Gilson, p. 58). A pr6pria
para nos apercebermos de que indicam de certo modo uma direcçào que nos c?tre caval.eiro viva,' e fala do eudemonismo de
é familiar, a n6s modernos: urna distância acrescida entre a natureza e 0 aima 66) Aqui nesta identidade virtual da racionalidade e
urna tendência para isolar, sob a égide de uma ordem querida por AgostlO 0 p. - , . ' d · · d sua reconciliaçào reside talvez
Deus, um mundo de homens considerados essencialrnente coma individuos 'd arantia ou promessa Ivma a '
da VI a, na g . .' d 0 olh?'Uos ao longo da sua his-
e tendo apenas corn a ordem urna relaçâo indirecta. a mensagem central do cnsuaOls mo quan 0 _
o 0 ôe em absoluto ao budismo.
Algo de sernelhante ocorre muitas vezes ao espirito do leitor da Intro- toria, urna rnensagem que . P l do este conjunto, quando fé e senti-
duction à l'étude de saint Augustin de Étienne Gilson. Assirn, damo-nos Finalrnente, °uandO a histOria adquire urna forma
conta de UID deslizar subtil en1re a teologia de Plotino e a de Agostinho, de mento iluminado de esper:mça, crern.os
..ma estrutura para uma hierarquia um tanto substanciaIizada.
aOuma reabilitaçâo da vida no mundo, coma esta em vIas
rJ..:' Gilson nota que as entidades sucessivas engendradas pela Uno em Plotino
sâo, cada uma delas urn pouco inferior à precedente, de maneira a formarem de ser pelo transbordar de uma luz de
urna escala descendente regular, a começar pela Inteligência, a que se segue . . 'd' dO ' adres da IgrejuClac)
a Alma. Em Agostinho 0 Filho e 0 Espirito Santo sào iguais ao Pai, for- Dep01-s de termos passado em 'revlsta as 1 1elas- da
_ .," . -.....-- -
re1'àÇà.o.-entre a'"lgreJa
mando um s6 corn Ele; depois, abaixo deles, ha uro intervalo, 0 intervalo tivas ao nOSSO tema, U::
açâO de Carlos Magno
entre geraçào e criaçâo (Gilson, p. 143-144). e 0 Estado, esse resumO ' notavel de ta! reJaçâo, e moS-
Mas valtemos às Împlicaçôes· do estatuto dependente do Estado: bens em 800. Isolarei principalrnente urna formula . .
terrestres reais, coma a paz, nào.'podem ser solidamente obtidos indepen- trarei coma ela veio posteriormente a ser modlflcada.
53
52
GtNESE, J
' ENSAIOS SOBRE 0 INV/I 'IDUA U SM Q

dobrar a finados pelo monoteismo poli-


Em pri meiro lugar, a conversâo ao cristiani smo do imperador Constan- tantino pla, 381) fo i de faclo 0

-'
tino no in ic io do sécul o IV, além de ter obrigado a Igreja a uma unificaçâo
mais avançada, abfiu um problema temivel: 0 que seria um Estado cristâo?
'

De boa ou ma vp ntadc, a Igreja via-se fre nte.:;-r;ntëëOiTIû mundo".· Sëntia-


.
tJco .
1
j ct 500 quando a
Por vo ta C ,
havia cerca de dois séculos, 0
ias io Dt
oficialmente no Impéno
' .
oduzlu uma teona not ve
a 1
1 fOl mais tarde recolhi da
-se feliz po r ver ao fim as perseguiçôes, e [ornou-se uma institui- da relaçao entre a Igreja e 0 impe ,qua ,
,,' ela tratliçâo e abund antemente uti lizada. os
çâo oficial ricamente subsidiada. Nâo podia continuar a desvalorizar 0
nâo parecem ter prestado inlcifa justJça a GelasIo. '.
Estado tâo livri"rhente camo até entào. i. ,. il'
o mais das vezes a sua declaraçao nobre e clara como expondo
o Estado dera em suma um passa para fora do mundo na direcçâo da
mente a justaposiçao e a cooperaçâo dos dois poderes, ou,. coma cu pro-
Igrej a, mas ao mesmo tempo a Igreja tamara-se mais mundana do que até
prio prefiro dizer, das duas ent idadcs ou . funçôes. Admlte-se de ce rtc
esse momcnto havia sida. Contud o, a inferioridade estrutural do Estado,
modo que contém um elemento de hierarqUla, mas como os modernos :e
ainda que corn mat izes, foi mantida. A latitude para a quai charnei a alen-
· vontade nessa dimensâo apresentam-na mal ou nao
çâo aument ou no sentido cm que se [ornou possivel julgar 0 Estado mais sentem pouco a . .
tlva
logram ver todo 0 seu alcance. Pelo co ntrârio, a com.pa:a
ou menos favoravelmente segundo as circ unstâncias e os tempcramentos.
que é a nos sa deve permitir-nos restaurar a estrutura 16gIca e a dlgmd ade
Os co nflitos nâo fi cavam excl uidos, mas passaria m doravante a se r inter-
nos, tanto para a Igreja corno para 0 Império. A herança da rcaleza sac ral da teoria de Gelasio. l
A sua declaraçào encontra-se contida dois que se comp etam.
helenist ica tinha inevitavelmente qu e entrar de quando cm quando em con-
fronto corn a pretensâo mantida pela Igrcja dc co ntinuar a ser instituiçào o papa diz nu ma carta ao imperador (Epistola 12) .
superior. As fricçôes que posteriormente se produziram entre 0 irnperador H a principal mente duas coisas, Augusto pe.las
e a Igreja, e em particular corn 0 primeiro dos bispos, 0 de Roma, incidi- mun-do .é -governado: a 0 poder
rarn principalmente cm pontos ' de doutrina. Enquanto os imperadores, _._--_ .. um fardo tanto mais pesado quanto
Destas os sacer ·· ·b 1
prcocupados co rn a unidadc polftica, insistiam no sentido da proclarnaçâo -ct .-:..·-star·ëërrtas ao Senhor pelos proprios reis perante 0 tn una
evem pre .. _. - . b' a cabeça sub-
de compromissos, pelo seu lado a Igreja, os seus conselh os ecuménicos e - --- (E um poüêû- mais adiante:) Devels alxar um ..
espccial rn ente 0 Papa queriam definir a doutrina coma fundamento da uni- .
QIVmo... . '
_mlssa
.... ct'la nte dos
. ministros das
.
., ._ COlsas dIV
. .. ,.mas
__ ..e...- e e.. es .la .
-j- -qtiê:>aeveis ret e-
. f (
dade ortodoxa, e suportavam mal a intrusâo do principe no domînio da 'bê-r-os -meios - , <;IJ b" <t V\.() jLI.> *:<::ru. 0-.-:
autoridade eclesiastica. Uma sucessâo de divergências doutrinais obrigaram
eferência dica c1aramente que se a?ui nivel i'}
a Igreja a elaborar uma doutrina unifi cada. Estes debates terrninaram pela
r ultimo sideraçâo. Notemos a distinçào hIerarqUica
condenaçào de heresias como 0 arianismo, 0 monofîsismo, 0 monotelismo, supremo ou . d . d m breve comenta-
a auctoritas do sacerdote e a poleSlQS do rct: epols e u
activas sobretudo a Leste, em torno das antigas Igrejas de Alexandria e
Antioquia. É di gno de nota que a maior parte destes debates se tenh a cen- rio, Gelasio continu a :
trado na dificuldade de conceber e formul ar correctamente a un.i âo do coisa,s r efç(entes à disciplina chefes com- _.
..
,', '
Deus e do hornem cm Jesus Ora é nesse ponto q u'c nos aparece preendem ' que a pader imperial vos foi confendo pelo. Alusslmo, c
rel rospectivamente coma que 0 ântij;, pr6prios obedeccrâo às vossas leis, receando parecer Ir contra a •
'fadO";; lo;go'dë tOdoo 'seu ' seja:
_-_. __ .-
vontade nos assuntOS do mu ndo.
a bstraCtos,--â- i ·trrma çâo ; nt ·re· 0
.. .. .. _-.-- . - - ._- e."-- -
mundo, entre 0 extramun dano-ë 0 intramundano, a Encarriaçao do Va/or.
A rn'ësma tarde
1E
ik Peterson « Der Monothcismus ais po litÎsches ProbleOl», Trot.tale.
onde talvez tenha sido catalisada por uma influência purila na muçulmana . ' 19 51 '25.147 Leach estabelcceu a ligaçào entre arianisOl<- C ml1ena n smo
Mumq ue, ' pp. .
(0 sagrado nâo pode ser figurado). Ao mesmo tempo havia claramente no
(d. acima, n . 10). . ( f n 22). A traduçâo
arianismo e no iconoclasmo um interesse po!ùico imperial. Mas Peterson 2 Os tcxtos de Gelàsio sao extraidos de Carlyle, op. Clf. mas c . .
seguc prcfcrcncialm cnl c a d e Dvornik , op. ci!. , pp. 804· 805.
mostrou qu e a adopçao do dogma da Santissima Trindade (concilio de Cons-
55
54
ENSAIOS SOBRE 0 INDIVIDU -1USMO GÉNESE.I

o sacerdOlC fica por conseguÎme subordinado ao rei nos assunlos mun- para nos supor que a sobe rania sacral original , por exemplo a do fa ra6 ou
danof qûe dizem respeito à ordem publica. 0 que os co mentado res moder- do impcrador da China, se tcnha em certas culturas diferenciado em duas
nos nâo conseguem ver par completo é que 0 nivel de consideraçâo se deslo- funçoes, conforme aco nteceu na Îndia.
cou das allura\ da salvaçào para a baixeza das coisas deste mundo. Seri a interessante disc utir as dificuldades dos comentadores destes lex-
Os sacerdoles sào' superiores, porque so sào inferiores a uro nivel também tos. Vejo-me obrigado a fazer uma escolha. Vm auior recente, 0 padre
:., Nào
:: sWlplessubmlssao _do$
uma sïrriples«èôï-reJaçacm (Morr{son) ou uma
aos sacerdoles (Vllmann), mas perante uma
Congar l, considera a fôrmula hierâ rq ui ca autoridade/ poder como pu ra-
. mente ocasional; . e facto vim.9 J proposito da diferenciaçào,
. complementaridade hierdrquica '.-" falar apenas dos «doi s poderes ». Mas a distinçao nao sera a melhor cxpres·
............ a
que encont rei configuraçào na India an tiga, védica. sao de toda a tese de Gelasio? Por outro Jado, Congar tem cerlamente razào
Ai, os sacerdotes viam-se coma religiosamente ou absolutamente superiores ao dizer (p. 256) que aqui a Igrej a nao tende para « uma rcalizaçào temporal
ao rei, mas mate rialmente a cie submetidos 2 • Se os terrnos sao diferentes, a da Cidade de Deus». Como no caso indiano, a hierarquia opôe-se logica-
di sposiçâo é exactamente a mesma que cm Gelâsio. 0 facto surpreend e, mente ao poder: nào pretende, como mais tarde fara, transcrever-se ela pro-
dadas as diferenças importantes entre os panos de fundo correspondentes. pria no pIano do poder. Mas eis que Congar sustenta (p. 255-256) que Gela-
Do lado indiano, os fïéi s nao formavam um corpo unido, 0 sacerdocio nao sio nao subordina 0 poder imperial ao «podem sacerdotal, mas apenas 0
estava organizado de modo unilârio, e acima de tudo nao estavam em causa imperador aos bispos no que respeita às res divinae, e conclui que sc 0 impe-
individuos. (0 renuncianle, de que falei acima, ainda nao aparecera.) Pode- rador como crente, estava dentro da Igreja, a prôpria Igreja estava dentro do
-se chegar à suposiçao audaciosa de que a forma comum, a configuraçào império (sublinhado por Congar). Por mim, defendo que nào lem cabi-
em causa é muito simpJesmente a formula logica da relaçâo das duas fun- mento introduzirmos aqui uma distinçao entre a funçao e 0 seu agentc, que
çôes. de resto arruinaria a argumentaçao de Gelâsio, e que Carlyle reconhece a
o outro texto principal de Gelâsio encontra-se num tratado, De Anathe- seu modo ser muitas vezes descurad a nas nossas fontes (p.
matis Villculo. 0 seu principal Interesse para nos esta na explicaçao da dife- o Império compreender .Qehisio como
renciaçâo das duas fun çôes enquanto instituida por Cristo. Antes dele, a 1 re'a as _d.o
«existiam de faclo - embora num sentido pré-figurativo - homen s que o _", Em geral, os comen-
foram ao mesmo tempo reis e e foi ele, Cristo, que «tendo cm racfores parecem aplicar uma proposlçao do an 500 m modo de pensa·
vista a fragilidade humana ... separou os oficios dos dois poderes) por mcio mento mais tardio e completamente diferente. Re uzem 0 usa estrutural,
de funçôcs e de dignidades distintivas ... na intcnçâo de que a sua propria rico, flexivel da opos içao fundamental para a quaI Carlyle nos chamou a
(gente) fosse salva por uma salular humildade ... ». Apenas 0 demonio imi- atençào a urna questào unidimensional de «ou/ou», a preto e branco. Ora,
a mist ura pré·crislà das duas funçôes, de tal maneira que, diz Gelasio, tais formas so apareceram, segundo Caspary, quando, «corn a rtxaçào das
ho uvc «imperadores pagâos [queJ se fizeram nomcar pontifiees sagrados.» posiçôes politicas resultantes da controvérsia (das investiduras) e, mais
Pode ser que haj a aqui uma alusao ao que continuava a subsîstir de realeza ainda, por obra do lento crescirnento dos rnodos de pensameDlO cscohistico
,?, ,
·sacral cm Bizâncio. Quanta ao reSlo, possivel ver-se neste texto uma hipON segunda metade XII perdeu ess.a espécie de flcxibil!-
lese inteiramente plausivel sobre a evôl uçao das instituiçôes. Nao é insensato ,-dade ..-.· e insistiu mais na clareza e nas distinçôes do que nas_ _
(p. 190).
Estudâmos uma importante f6rmula ideologica. Nao devemos imaginar
1 Ka rl F. Morrison. Tradition and Authority ÎII the Western Churcil 300-J/40 Princeton
Univcrsity Press, 1969, p. 101·105; Walter Ullmann, The Groll'th of Papal Goverm:/ent in ,he que 0 dizer de Gelâsio tenha resolvido todos os conDitos entre os dois pri n-
Middle A ges, Londres, 1955. p. 20 sq. cipais protagonistas. nem que tenha obtido 0 acordo de todos, duradoura-

.
«A concepçào da reaJcza na jndia amigan (espccialmcnte §3), liH., ap. C.
Neste ponta os textos apresentados pelas nossos autores parcccm (divcrsameme) corrom-
i
.1 mente ou nao. 0 proprio Ge!âsio fora levado à sua decJaraçào por urna crise
pldos. urnos, corn Schwartz: officia po!eslalis ulriusque (E. Schwartz, «Publizistische Samm-
aguda nascida da promulgaçao pelo imperador de uma formula, 0 Henolikoll,
Jungen», A brandI. der Bayer. Akademie. Philo/-His /or. Abtei/ul1g, N.E JO, Munique, 1934,
p.14. ).
J Yves-M .-J. Congar, O.P., L'Ecclésiologie du haut Moyen Âge. Paris. Ed. du Cerf, 1%8.

56 57
ENSA/OS SO BRE 0 1.f\'/J/V/ DUALlSM O
GEN ESE. 1
deSlinada a pacificar OS SCus sûbd' ..
da J r" _ . nos monoflsltas. Em geral, os palriarcas
g CJ3 orIentaI naD segUJam cega mente ' , . d S- explicita: a papa obrém de Pep ino e mai s tarde de Carlos 0 reconhecimemo
[udo 0 mais . . 0 VJgano e ao Pedro, e 3n1es de
lOS 1 0 lrn perador tll1ha 0 seu proprio ponto de vista na matéria Cef- dos ({direitos)) e territ 6rios da «republica dos romanos)), sem distinçào pre-
raços mostram que cm Bizâ' b" . cisa entre direitos e poderes privados e publicos, mas incluindo no reconhe-
leza sacral helenist ica (cf. acim su SlstlU sempre aIgu ma coisa da rea - cimenlO em causa 0 Exarcado de Ravena. Nào podemos falar ainda de um
::;:::or
. ct
e !'alàcio
110
a sYRrel}13C}'3 30 meSffio tempo que temp0ral
Estado papal, embora exista uma entidade politica rom ana. Um faiso docu-
menta, taivez um pouco posterior. a chamada doaçào de Constantino,
[en POT vezes conseguido. Nao 56, antes de Gelas'o J '. ' exprime pretensao Nesse texto, considera-se que
depOls dele, no Ocidente, Carlos Magna e Otao 1 ct l , ustmlano, mas meiro imperador crislào, cm 315, transmitiu ao bispo de Roma nâo sô 0
mira f - .. ' • ca a um a seu modo assu -
m as unçoes relJglosas supremas como parte integrante do seu reinado. «pal:kio» de Latrâo, terras patrimoniais extensas e 0 «principado» religioso
sobre todos os outros bispos, mas também 0 poder imperial sobre a Italia
d Seria imaginar contradiçâo mais flagrante da doutrina de Ge lasio romana e as insignias e privilégios imperiais '.
E: pelo papado a parrir de meados do sécuJo VIII. Do nosso ponto de vista, 0 que aqui importa, cm primeiro lugar, é a
, 0 papa Estevao Il, numa iniciativa sem precedentes abando
tra nsformaçào ideolégica que vernos assim iniciar-se e que plenamente se
Roma, atravessQu os Alpes e foi visitar 0 rei franco Pepin o. desenvolvera mais tarde, de modo por completo independente da sorte reser-
o na sua e deu-lhe 0 titulo de «patricio dos romanos» e 0 papel de vada de facto à pretensâo papal. Corn a reivindicaçao de um direito inerente
protector e ahado da Igreja Ro C" ao poder politico, é uma
mana. mquenta anos mais tarde Leào III
coroava ..ICarlos Magno imperador em Sao Pedro de Roma no de Natal .a agora reinar sobre 0 mundo por intermédio da
d o ano ;Je 800. ' 'até entao 0
POdemos compreender a parrir da sua situaçào geral como foram os ··Os pâpas, por 'meio de lima historica, anularam a formulaçâo /ogica
papas levados a adoptar uma linha de acçào tao radical D' . par Gelasio da relaçao entre a funçâo religiosa e a funçâo polilica e escolhe-
corn Carlyle, Ih' . . Ir-se-la quase, rarn uma outra relaçào. À diarquia hierarquica de Gelasio substitui-se uma
d' que esta. es fOI lm posta pelas circunstâncias. No pIano irne-
lato, podcmos resumlr cm dois POntos 0 que mo narquia de um tipo sem precedentes, uma monarquia espiritua L Os dois
;!m a si.tuaçào de dominios ou funçôes sào reunidos e a sua distinçâo é relegada do nivel fun-
BlzanclO c SUbsUlumdo um protector civilizado mas inc6 damental para um nivel secundario como se diferissem nào em natureza mas
tal •_por um oUl.re mai s pr6ximo. mais eficaz. menos civilizado e que PO; apenas em grau. É a distinçâ.o entre espiritual e temporal tal coma desde
razao se podefJa esperar mais dôcil. Ao mesmo tempo " entao a conhecemos. e 0 campo unifica-se, de maneira que passamos a
mudança . . d' • aproveltavam a poder falar de «poderes)} espiritual e temporal. É caracteristico que 0 espiri-
1 para relvm Icarem a autoridade polftica soberana b
dee Italida., irn peradores ocidentais poderao mais tarde :e;;ote tuai seja co::cebido corno superior ao temporal mesmo 00 nive/ temporal,
1 m nos Ocels d 0 que 0 d • • coma se se tratasse de um grau superior de temporal ou, por assim dizer. do
'. espera 0, e, para começar, Carlos Magno via rova
1 os politicos que garantia 30 papa COrno temporal elevado a urna potência superior. Mais tarde, st!fél segundo este

i nas .\J.ma especle Y autonomia sob a sua prôpria supremacia Ar"


dever na ' ct :
, o,so e proteger, mas de dirigir a Igreja.
• Irmou a seu
'" :eixo que 0 papa podera 's er c'oncebido coma «deJegando» 0 poder temporal
no irnperador camo num seu representa"nte. ...".
Pa ra nos, 0 essencial é 0 facto de os papas se Ern contraste corn a teoria de GcJasio, a superioridade é aqui acentuada

the '
Pol't" t' arrogarem uma funçao
1 Ica, COn larme se torn a c1aro desde a . ,. S à custa da diferença, e assumirei 0 risco de charnar por isso a esta tran sfor-
1 lIll CIO. egundo 0 professo r Sou-
1 Il comentando 0 paclO P' maçào uma perversào da hierarquia. Ao mesmo tempo, contudo, alcança-se
" corn eplOo, «pela primeira vez na histôria 0
como urna polirica suprema autorizando a transferên- uma coerência de um tipo nova. A nova unificaçào represenla uma transfor-
e po cr para 0 remo franco, e sublinhara 0 seu papei polîtico coma maçao de uma antiga unidade. Sc tivermos em conta 0 modela arquetipico
1 dos ao dispor de terras imperiais em Itéilia», A a ro-
pnaçao de tcrrHonos Imperiais em Italia nâo " d "" p 1 RW. Southern, Wesrern Society and Ihe Church in Ihe Middle Ages. Penguin
e, e comcço, lOtelramente
Books, 1970. p. 60; cf. Peler Panner, The Lands of St. hter, Londres, 1972, pp. 21-23.
1 58
59
",Cl ,.-
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_ SOBRE 0 INDIVIDUA L/SMO GÉNESE.I

/
\t /"// da realeza sacral, vernos substituir-se-lhe agora aquîlo a que pOderia cha- holismo e que os primeiros séculos da historia da Igreja most ra- ....
mar-se uro sacerd6cio rcal. vam os começos da adaptaçào ao mundo desse ser estranho. À partida, -
-:... -' .
sublinhamos a adopçào da Lei da Nahlreza dos um instru- 0'
Esta nova configuraçâo érica em sen tidos _e desenvolvîmentos historicos ;;
;.: <:;;.
filturos. cristâo menta racional de adaptaçâo à érica mundana dos valores extramundanos . . ". '/
. saré a estar doravante mais intensamente,jmplicado no munda. Para perm a- Errf:seguida viramo-nos para uma dimensào s6, mas muito significativa,
das' instituiçôe,s. 0 rnovi;;'ento é; como os anteriores movi- dimensào politjca. Inicialmente, 0 Estado esta para a Igreja como 0 mundo
"
mentas semelhaJ.1tes: uma faca de dois gumes: se a Jorna mais ,esti! para por, isso 'que a hist6ria da concepçào pela Igreja da sua
mundana, cm contrapartida 0 domînio politico participa agora mais direc- relaçào corn 0 Estado è central na evoluçâo da relaçào entre 0 portador de
tamente dos valûres absolutos, universalistas. Por assim dizer, [ica consagrado valores, 0 individuo-fora-do-mundo, e 0 mundo. DepoiSOë a." conversào do
de um modo completamen te nova. E podemos deste modo entrever uma vir- imperador, e· ém seguida a do Império ter imposto à Igreja uma relaçào mais
tualidade que se realizara mais tarde, a saber que uma unidade polftica par- da relaçào, a-
ticular podeni por seu turno emergir como portadora de valoTes absolutos. que podernos chamar uma diarquia hierarquica. Contudo a verdade dessa
Etal é 9...P.jtaçlo moderno, uma vez que nao se encontra na continuidade de __ Térmülâ nâô ·deve 0 facto de que ela-naô-tëmreIaçâo absoluta:: .

outras formas politicas; é orna Igreja transformada, camo 0 vemos no facto mente ' nenhu'ma corn 0 individualismo, coma 0 indica '0 ·paralelo indiano.
de nao ser constituido por diferentes ou mas por individuos Mai.!i tarde, no século VIII, produz-se dramatica. Por
- um ponto que 0 proprio Hegel nao conseguiu reconhecer 1. uma decisào hist6rica, os papas rornpem a sua Iigaçào corn Bizâncio e
É impossivel dar aqui ainda que apenas um esboço deste futuro desen- garn-se 0 poder temporal supremo no Ocidente. A situaçâo extrema mente
volvimento. Digamos somente que 0 deslizar que acabo de referir sera dificil em que se achavam convidara-os a esse acto de pesadas consequên-
seguido por outras movimentos na mesma direcçao, e que esta longa cadeia cias, mas nâo basta para explica-Io. Ha aqui um deslizar ideolégico subtil
desembocara por firn na legitimaçào completa deste mundo, ao mesmo mas fundamental. A Igreja pretende agora reinar, directa ou indirectamente,
tempo que na transferência completa do individuo para den/ro deste sobre 0 mundo, 0 que signifîca que 0 individuo cristào se encontra dora-
mundo. Esta cadeia de transiçào pode ser vista à imagem da Encarnaçào do vante empenhado no mundo num grau ..!iem outras
Senhor corna a encarnaçâo progressiva no mundo desses mesrnos valores etapas nas mesma direcçâo, mas esta é decisiva em termos gerais, e partîcu-
que 0 cristianismo inicialmente reservara ao individuo-fora-do-mundo e à larmente no que se œfere aos desenvolvimentos politicos futuros. Passamos
sua Igreja. assim em revista alguns dos estadios da transformaçào do indiVWuQ:i'0r3=-'
-, .. - ._- . _. - -" - -.
....".

! Concluindo :..P'r opus que nos abstivéssemos de aplicar a nossa idcia farni- seja a seguinte; a mais efectiva huma-
liâ'r-do'-individüoaospf"imejrôsèiisfàose 'alf'seu-meiO-amoiënte nizaçâo do mundo resultou a longo prazo de uma religiào que 0 sl'bordi-
que, pela entre "as nava da maneira estrita a um vaJor transcendente.
cépç6es '0 coma va lor era entào concebido no
da organizaçào social e politica dada, estava fora e acima dela, um indivi-
. duo-fora-do-mundo em contraste corn 0 nosso individuo:no--mundo. 'Com 0 ..,...,.•..i.i...',.,-_. .

Calvino
'âiixilio ifoexêmplo indiâno,' s u stentei que 0- individualismo nào podido
a esenvolver-se de out ra modo, surgir sob urna outra forma, a partir do Vma fraqueza; do presente esturlo é 0 facto de se deter no século· VIIt)
A tese sairia reforçada se fosse possive! apresentar aqui 0 desenvolvirrlë'n1o"
1 Cf. Principios da Fi/osofia do Direiro, 3,' parte, secçào IIJ, e a impaciência do autor em
posterior até à Reforma. Nào estou em condiçôes de 0 fazer neste momento
1831 perante a idcia de que a Revoluçâo poderia recomeçar (cf. ,<The English Reform Bîlh), in mas para nalguma medida remediar tal faila, proponho-me considerar
Hegel's Political Writings, Oxford; 1964, in fine , e a correspondéncia ; cf. 0 posfacio de Haber- vemente. 0 estadio terminal do processo conforme 0 representa Calvino 1.
mas em Hegel, Polirische Schriften, Francoforte, Suhrkamp, 1966, pp. 364-365 , e muito espe-
cialmente a referência ao § 25 8 - de facto, - da Fi/osofin do Direito: ,<Se 0 estado for confun-
dido corn a sociedade civil.,, »), 1 Espera poder vir a fornecer mais tarde uma exposiçâo completa .

60 61
ENSAIOS SOBR E 0 lND1V1DUALlSMO GENESE. 1

Tomaremos por base a interpretaçào de Troeltsch, tenlando mostrar a vanta· tnirio a passa a govcrnar a vida cspiritual. 0 dualismo hi e-
gem de a reformularmos na linguagem aqui utilizada 1. rarquico é substituido por ul11.., caitlin;;;"" raso governado por uma alter-
Em que sentido podera Calvino ser considerado como naliva.
dè"ütÏi- ptocëssolîJepoTSaël ê;lJtlëSêifVÔlvimenfo 0 indivi- Calvino julga scguir Lutero, e todavia produz uma doutrina difercnte.
corn as Luzes, e posteriormente. o facto convida-nos a tomar par ponta de partida 0 seu caracter ou temM
Mas do ponto de vista que escolhçmos, 0 da relaçao conceptual entre 0 peramento particular. Como notou Troeltsch, Calvino tem uma muito sin-
viduo. a Igreja e p mundo. CalviQo uma conclusao: a sua IgreJa é gular conccpçâo de Deus. Essa concepçao corresponde precisamente à.-
a tiltima forma que a 19reja podia assumir sem desaparecer. Alérn disso, se inclinaçào de Calvino, c de um modo geral ele projecta em toda a parte
digo Calvino, tenho em mente a Reforma na medida em que ela culmina a sua inspiraçao pessoal profunda. Calvino nào é um temperamento con-
_ do nossO ponto de vista - em Calvino. Calvino construiu a partir de templativo, é um pensador rigoroso cujo pensamento se orienta para
Lutero. Tinha consciência de que se limitava a explicitar. a articular a posi- a acçao. De faclo, reinou sobre Genebra coma um homem de Estado
çào de Lutero e a tirar dela as suas conclusôes logicas. Podemos portanto, expcriente. e ha nele urna ceeta tendência legalista. Gosta de promulgar
para abreviar. evitar a consideraçao do luteranismo em si, reter apenas dos regras e de submeter à di sciplina destas a sua pr6pria pessoa e a dos
pontos de vista de Lutero os que sac retomados por Calvino e deixar de outres. Encontra-sc possuido pela vontade de agir no munda e afasta par
as suas restantes concepçôes na medida em que sejam snperadas ou substl- meio de raciocinios coerentes as ideias fcitas que disso poderiam im-
tuidas por CalvinQ. . pedi-lo.. f-2
pessoal
•.
os
CAr: -..
elementos estreitamente ligados
A tese é simples. Corn Calvino, a dicotamia hierarquica que caractenzava
o nosso tempo de estudo chega ao fim: 0 elemento mundano antagonico, ao p__':Jotre SI que sao fundamentals na doutnna de Calvino: as concepçôes de
quaI até entao 0 individualismo devia dar algum lugar, desaparece inteira- Deus predestinaçào, e 0 -,objëZt"O,
mente na teocracia de Calvino. 0 campo toma-se absolutamente unificado. sobre 0 quai a vontade do mdividuo incide.
o indiv{duo eslâ agora no ÎnlerÎor do munda, e a valor rein!!.. Para 0 que implica
sem në;;; ii;;;[iÔçQ
c; nôs Oindividuo-no-mundo. uma distância : Deus "esta agora mais longe do que antes. Lutera expulsara
---- d réconhécimèôto do facto nao é novidade. uma vez que se acha pre- Deus do mundo ao rejeitar a mediaçào instituCÎonalizada da Igreja
sente em cada pagina do capitulo de Troeltsch sobre Calvino, ainda que se Cat61ica J, onde Deus estava presente através de delegaçào em homens que
exprima ai numa linguagem algo diferente. Desde 0 inîcio do seu livro, se distinguiam como intermediarios (dignitarios da Igreja, sacerdotes inves-
desde 0 final do capitulo sobre Paulo, que Troeltsch dirigia ja 0 olhar para tidos de poderes sacramentais, monges consagrados a uro tipo superior de
esta unificaçào (p. 81-82): «Este principio da simples justaposiçào das con- vida). Mas. para Lutere. Deus era ainda acessivel à consdênda individual
diçôes dadas e das pretensôes ideais, quer dizer a rnistura de conservado- por meio da fé, dO'3rTiôr e, 'ëm
c'e rta da rmo. Em Qii\iiii,Ço amor
risrna e de radicalisrno. s6 se desagregara corn 0 calvinismo.» rceua, ê"â fazào aplica-se apenas mundo. Ao mesmo tempo, 0 Deus
o contexto sugere a possibilidade de urna alternativa: apôs a unificaçâo, de Calvino é 0 arquétipo da vontade, onde podemos ver a afrrmaçao indi-

... '"
---
- bu como acontece corn Calvino,o espirito anima a vida intei:.a, pela
.
., recta do pr6prio homem coma vontide, e,. .
"'s e necessario
a Ul3lS foiΠcas
'opostô,Oü- SüPerior à
é Central "iiâ"1ili16na de
1 Este epilogo nao passa, assim, de um simples exercicio sobre 0 texlO de Troelt sch". " a civilizaçao crista, de Santo Agostinhoa rÙosofia alemâ moderna, para
tiver que me desculpar por nao ter levado em linho de conta uma literatura. mais vaSla,
que, na sequência de algumas incursôes, nomeadamente nos livros de ChOISY para os quais
Troeltsch remete, ou nos pr6prios InslilulOs de Calvino, descobrimos que as questôes 1Este aspecto parece ter sido bastante descurado pela hist6ria das ideias, Semelhante lipo
recebern corn facilidade urna resposta univoca : nao ha penumbra. nao hâ zona que exlJa um de trans-:endència afigurar-se-a mais tarde insuportavel aos fil 6sofos alemies.. Colin Morris
outro ângulo de observaçâo ou outra luz; os contornos foram traçados por mao fi rme e conlrasla oe forma fel iz 0 dizer de Karl Barlh, segundo 0 quai nao ha ponto contacta entrt'
ha enganos possfveis. Ha att algo de um tanto inquielante na decidida segurança de Calvmo. Deus e 0 homem , corn a presença pr6xima de Deus em Sao Bernardo e no esforço osterciense
E nisso como noutros aspectos, ele é moderno: 0 ffiundo rico, complexo e nu· de «descobrir Deus no homem e através do homem» (Discovery of rhe Individuol. I05().1200,
Londres, 1972, p" 163).
tuante da estrutura foi banido.

62 63
GÉNESE. 1
ENSAIOS SOBRE 0 INDlVIDUALlSMO

nao falarmos jâ da Iiberdade em geral e da ligaçao com 0 nominalismo chamaram «ascetismo-no-mundo)), seria prefcrivel inverter os termos e falar
.. (Occam). antes de umalniiimundanidade 'ascética ou condicionada 1•
. .. A _.
supremacia da vonlade exp rime-se dramaticamente no dogma da . . .Podemos também contrapor a Calvino em Deus à
\. -
",:1. } ')prede_sÊ1?açào...... Aqui, 0 ponta de partida encontra-se na rejeiçào por participaçao é'aih-tfa .a .. Luter,o. Dir-se-ia
L

'TùÎero da salvaçilp pelas obras, que visava antes de tudo 0 mais a destrui- que cm vez de achar' iiUffi-aufrê,-- riiJn d6 0 reftigio que nos permite
çao do edificio catolico, do ritualismo da Igreja e da dominaçao que esta desembaraçarmo-nos melhor ou pior no meio das imperfeiçôes deste, deci-
.,1
_ exercia sobre 0 individuo. sujJstituira a justificaçào pelas obras pela,; " en.c arnar -nos pr6prios esse outro mundo na nossa acçào decidida

l'' :-.
justificaçào pela fé, e no essencial por ai se ficara, deixando ao individuo': ';f-
-_. -_. - . .• -- .. . ...
sobre E cis - ponto da maior importância - 0 modela do artificia-
_ . uma margç.ffi , de liberdade. Calvino foi mais longe, afirmando corn uma lismo moderno em geral, a aplicaçào sistematica às coisas deste mundo de
," implacavel a completa impotência do homem frente à omnipo- valor extrfnseco, imposto. Nâo um valor extraido da nossa pertença ao
tência de Deus. À primcira vista, ver-se-ia aqui mais uma limitaçào do mundo, da sua harmonia ou da nossa harmonia corn ele, mas uro valor
ind ividualismo do que urn seu progresso. E Troeltsch vê no calvinismo enraizado na nossa heterogeneidade cm relaçào a cie: a identificaçào da
uma forma particular de individualismo, e nào propriamente um indivi- nossa vontade corn a vontade de Deus (Descartes: 0 homem tornar-se-a
duali smo Întensificado (n.o 320):. de mostrar pela meu lado ..que «senhor e dono da natureza»). wund9, 0 fim
estamos de facto perante uma intensificaçào no que se refere à relaçào do procurado, :) motivo ou mola pro un a da vontade sào estranhos ao mundo.
individuo éom ' o . .. _- .. --- - '-' . Por outras palavras, sac c:xtramundanos __
-A ïnsonaif"ëf 'vôiitade divina investe certos homens corn a graça da agora na vontade individual. 0 que corresponde bem à distinçào de Toen-
eleiçào, e condena outras como réprobos. A tarera do eleito é trabalhar espontânea e vontade arbitraria, Naturwille e Kürwille. e
para a glorificaçào de Deus no mundo, e a fidelidade a essa tarefa sera 0 vernos onde 0 arbitrario. Willkür, tem a sua fonte. Na minha opiniào. esta
sina1 e a unica prova da eleiçâo. Assim 0 eleito exerce se m descanso a sua disposiçâo subjaz tambérn àquilo a que Weber chamou a racionalidade dos
vontade na acçào. Ora, ao fazê-Io na absoluta submissào de Deus, partici- modernos.
para nele contribuindo de facto para a realizaçào dos seus designios. Para mais, a concepçào de Calvino permite-nos corrigir e aprofundar 0

Estou a tentar, sem duvida muito imperfeitamente, captar ' 0 complexo de paradigma até aqui
submissào e de exaltaçào do eu presente na configuraçào das ideias e dos vontade do individuo, podemos pensar que 0 arttflclahsmo mo(femo
valores de Calvino. A este nivel, quer dizer na consciência do eleito, reen- enquanto na historia da humanidade so pode com-
contramos a dicotomiéi hienhquica que nos é familiar. Troeltsch previne- preender-se como urna historica 10nginqua do individ ualismo-
-nos contra uma interpretaçào que visse em Calvino um individualismo -fora-do-mundo dos cristàos, e que aquilo a que charoamos 0 moderno
alomico e desenfreado. E é verdade que a graça divina, a graça da eleiçào, «individuo-no-mundQ) tem em si proprio, escondido na sua constituiçào

-._--. --
é central na doutrina, e que a Calvino nada interessa a 1iberdade do interna um elemento nào percepcionado mas essencial de extramundani-
--
homem. Considera que «a honra de Deus esta salva quando 0 liOmem se
verga à sua Jei, .}
a sua submissào.1ivre ou forçada» (Choisy,
' .
citado pOI "'1 Mix Weber pouco mais ou menos a mesma 'coisa em' 1910 numa discussao a"
. . Troeltsch, n.o 330). Conludo, se vernos aqui a emergência ·do individuD-no- .,. C conferência de Troelsch sobre 0 'Oireito Natural: opunha as «formas de sentimento rdiglOSO
-mundo, e se conhecernos a dificuldade intrinseca desta atitude, • recusando 0 mundo» ao «S(:ntimento religioso calvinista que descobre a certcza de ser ntho de

por ver na submissào do eleito à graça de Deus a condiçào necessdria da


, :-:-::r"or Deus na prova.de si pr6prio consistente
nado)), iljnda 'l. Èt.arp.or
legitimaçào desta transiçào decisiva. "*'"aa1ûssia à «sociedade}) ou dormaçao da estrutura social numa base egocentnca» (4I:Max
Até entào, corn efeito, 0 individuo era obrigado a reconhecer no mundo - Webèi-· on- êhurch. Séet Por Nelson. Sociological AnalysÎS, 34-2, 1973,
um factor antagonico, um outra irredutivel que nào podia suprimir mas . .
Benjamin Nelson diz alias que 0 mÎsticismo-no-mundo exige uni rero,lheclmento malS
apenas subordinar, englobar. Esta limitaçào desaparece corn Calvino, e explicito do que 0 proposto por Weber e TI"oeltsch (Sociological Analysis, 36-3. 1975: p. 236.
descobrirno-Ia de certo modo substituîda par uma submissào muito espe- cf. acima n. 6). Tai parece confirmar a t6nica aqui colocada mais sobre a intramundamdade do
cial à vontade divina. Se tal é daquilo a que Troeltsch e Weber que sobre 0 ascetÎsmo.

64 65
ENSAIOS SOBRE 0 lND1VIDUALlSMO GÉNESE. J

dade, Existe pois ent re os dois individualismos urna continuidade maior do ços do calvinismo 0 fizessem tender para a seita, e independentemente dos
que de inicio supu semos, de onde decorre que uma hipotética transiçâo ulteriores desenvolvimentos nessa direcçao ou na das «igrejas livres», Cal-
directa do holismo tradicional para 0 individualismo moderno ja Dào nos vino sempre aderiu estritarnente ao controlo pela 19reja de todas as activida-
parece apenas improvavel, mas impossivel l , des no interior da comunidade social no seu conjunto - mais ainda: apli-
A transiçào para 0 individuo-no-mundo, ou, se assim posso dizer, a con- cou estritamente esse controlo em Genebra. Poderiamos portanto supor que
versâo à intramund'anidade, tem em Calvino concomitantes notaveis. Houve nem todos os traços holistas desapareceram e que, para Calvino coma ante-
jéi quem assinalasse ,a recessào dos aspectos misticos e afectivos. Nâo se riormente, 0 individ_ualismo- dev,Ç ter sido contrapalapçado em cena medida
è acham ausentes (Jos eScritos de Ca1vino, mas sim, e muita pelas necessidades dà vida Troeltsch explica que nào foi assim:
espectacularmente, da sua doutrina. A pr6pria redençào é considerada, de «A ideia de cornunidade nào é desenvolvida a partir da concepçào da Igreja
um ponta de vista secamente legalista, como a reparaçao de uma ofensa à e da graça, coma na 19reja luterana ; pela contrario, deriva do rnesmo prin-
honra de Deus. Cristo é 0 chefe da Igreja (em vez do papa), 0 paradigma da cipio do quai ernana a independência do individuo - a saber 0 dever ético
vida cristâ, e 0 selo autenticador do Antigo Testamento. Os ensinamentos de preservar a eleiçào e de a tomar efectiva - e de urn biblicismo abstracto»
pr6prios de Cristo nào eram adequados à regulamentaçao de uma cidade (p. 625-626).
terrestre cristâ, e 0 Sermao da Montanha acaba por desaparecer por tras do Troeltsch cita Schneckenburger (n.o 320): «Nao é a Igreja que
Decalogo. 0 pacto entre Deus e a Igreja reproduz 0 antigo pacto entre Deus crentes aquilo .. ..cr.e.!1t<:s que.ela.é»,
e Israel. Choisy insistiu na transiçâo da «cristocracia» de Lutero para a e situa-se no quadro da predestinaçâo».
«Domocracia» ou «logocracia» de Calvino, ._-- - ._- - Em suma, através 0 indivîduo passa à frente da 19reja. Eis
..... Domesmo modo, "a correspondentes à extramun- uma transfcrmaçao fundaJl'l'êîUâi, que se compreendera melhor se nos lem-
danidade perdem a sua funçâo e desaparecem. 0 regresso do Messias per- brarmos de que Lutero, embora cODservando inalterada, segundo pensava, a
,tel1!P.9 grande sua urgêiiërâPOêleaizer:Se' q'ue 0 ideia da Igreja, a esvaziou de facto do seu nucleo vital. Continuava a ser
reine de Deus é agora algo que a pouco e pouco se constr6i na terra graças uma instituiçào de graça ou de salvaçao (Heilsanstalt), mas a predestinaçâo
ao esforço dos eleitos. Para quem quer que enfrente sem descanso os de Calvino até mesmo dessa dignidade ia priva-la, no pIano dos factos
hornens e as instituiçôes tais como sâo, 0 estado de natureza ou de inocên- senao no dos princîpios. Da Igreja ficou um instrumento de disciplina
cia, a distinçâo entre Leis da Natureza absoluta e relativa, nao passam de agindo sobre os individuos (tanto sobre os eleitos coma sobre os réprobos.
vas especulaçôes. uma vez que na pratica é imposslvel distingui-Ios) e sobre 0 governo politico.
Ha uma questào que se Ievanta: poderemos deveras afirmar que 0 valor Mais precisamente tratava-se dé urna instituiçào de santificaçâ,o (Heiligung-
individualista reina agora sem contradiÇâo nerri liiiiitâÇap?-Ap r1iîieirnvista, sans/ait), eficaz na cristianizaçào da vida da cidade. A vida no seu todo, a
nào parece que seja-assim·.-_.
deve
.. __ a
........ medieval _.- Igreja,. a famI1ia e 0 Estado, a sociedade e a economia, todas as relaçôes pri-
vadas e publicas, deviam ser modeladas pela Espirito Divino e pela Palavra
acima de tudo perÎsà s "ernpre a Igreja como identificada corn a sociedade Divina comunicados pelos ministros da Igreja (e eventualmente confirmados
globaL Troeltsch sublinhou "este ponto:
\ pela Consistçdo onde os leigos se representados). No pIano -
, .. '- 0- - -
1 dos factos,.3<:Igreja-era agora 0 6rgào através do qual os eleitos deviam rei-
1 As duas partes do nosso paradigma inicial começaram por ser introduzidas mais ou nar sobre o; --:réprobos e cumprir a sua tarefa para maior gloria de Deus.
menos independentemenle, e podiam parecer contradit6rias, Ou em resumo: a dist!nçào Conservava'certos traços da antiga Igreja e distinguia-se assim da seita, mas
holismo/individualisr,iO pressupôe Ufi îndividualismo-no-mundo, enquanto na distinçào intra- ao mesmo tempo tamara-se na pratica uma associaçào composta de indivi-
mundano/extramundano 0 p610 cxtramundano nâo se opôe ao holismo (pelo menos do
rnesmo modo que 0 p610 intramundano), De facto, 0 individualismo extramundano opôc-se duos (cf. n.· 29).
hierorqlûcamente ao holismo : à sociedade, deixa-a no seu Jugar, ao passo que 0 indi- Em suma, Calvino nào reconhecia nem na Igreja nem na sociedade ou
vidualismo intramundano nega ou destroi a sociedade holista e suhstitui-a (ou pretende fazê- comunidade, na republica ou cidade de Genebra - coincidindo as duas
-10), A continuidade que acabamos de detenninar entre os dois tipos, especia]mente no exem-
plo de Calvino, reforça a sua unidade e matiza a sua diferença, 0 paradigrna inicial fica assim quanta aos seus membros - , um principio de natureza holista que limitasse
confirmado. a aplicaçào do valor individualista. Conhecia apenas imperfeiçôes, resistên-

66 67
ENSAIOS SOBR E 0 IN DIVIDUALISMO

cias OU obstaculos a tratar da maneira apropriada, e um campo unificado


para 0 exerdcio da actividade do eleito, quer dizer para a glorirJC.aÇào de
Deus.
Sem esquecer 0 vasto hiato cronol6gico que continua a cdttir neste
estudo, arriscarei um'a conclusao provis6ria. Com Calvino, • Js;reja que
" englobava 0 Estado desapareceu como ...
- -- E no a . y.,:. \t
por Calvino - a do campo Ideo16gtco e a coirJttSSi do
.<!Y9...aQjI1undQ -,sofô,'possfvel graças à acçâci ,eê'ü1âf"' c1iïT...
dente que, até à Reforma, a Igreja fora 0 grande agente da tranaformaçào
que estudamos, urna espécie de rnediadar activa
-munda
... or
e•
0 mundo, quer dizer a sociedade e em particular 0 lmpério ou 0

Estado,
Podemos por conseguinte substituir, em principio, 0 nosso modelo 2
cial por um Qutra mais preciso, mas tenho que me cootentar corn um
esboço. Entre 0 valor englobante - a individuo-fora-do-mundo GÉNESE. II
necessidades e obrigaçôes terrenas, eoloèar a Vemo-Ia A Categoria Politica e 0 Estado
dos séçulos 'manter-se duels' frentes:'MaffrmandO-se contra a a Partir do Século XIII *
instituiçâo politica e também, a traços largos, contra 0 individuo. Corn
efeito, creseeu por dois Iados: subordinando. pele menO$ cm principio, 0
Império, e também - através da reforma gregoriana e em particular através Introdaçlo
da doutrina dos sacramentos (entre os quais a penitência) - ao atribuir-se
certas funçôes ou capacidades, permitindo aplanar para 0 eomum dos fiéis Na medida cm que incide sobre a concepçào modema do individuo, 0
a estrada da salvaçâo, mas que corn a Reforma 0 iodividuo quis dcpois recu- estudo que se segue é muito limitado por comparaçào COrn a analise que
perar. Lutera e Calvino atacam a Jgreja cat6lica acima de tudo come insti- 'Vh:ber sugeria n? eomeço do século 1. 1tata-se de um trabalho compa-
tuiçào de salvaçào. Em nome da auto-suficiência do individuo--em·reJaçao- ratlvo tanto na sua ongem como no seu objeetivO. Expressôes como «indivi-
-corn-Deus, pôem fim à divisao do trabalho instituida DO piano religioso dualismo), «atomismQ), «secularismo}) servem COrn para carae-
pela Igreja. Ao mesmo tempo, aceitam, ou pelo menos Calvino muito niti- de hpo tradidonal.
damente aeeita, a unificaçào obtida pela Igreja no pIano politico, Em particular, ja um lugar-comum opor a sociedade de castas e a socie-
Por meio desta dupla atitude, 0 campo ja em grande medida unificado dade ocidental moderna. De um lado surgem no primeiro plano liberdade e
pela Igreja, ,é _conquistado de urna s6 vez p'5!IQ
. ,- , '>..
individualismo-no-munde
'
de .•. do ou..tro interdg>epdênçia e hierarquia: "'Podem enumerar-se
Calvino. A Reformacelhe 0 fr'u te que no scio ,ja ""t'l,;t;\
Na continuidade do pracesso de conjuntÔ ,' Reforma constitui crise
marcada por uma inversao a um nivel preciso: a instituiçâo que fora a testa • Este em 1965, assinaJa 0 in,cio da investigaçao. Dai 0 seu titu10 original"
de ponle do elemento extramundano e conquistara 0 mundo é agora ela pr6- de grande «The Modern Conception of the IndividuaJ. Notes 00 ils genesis and that
of InslJUillORS)), Contributioru 10 Indian Sociology, VIII, Outubro de 1965. Em
pria eondenada como tendo-se tornado entretanto mundana. Espnt, Fevareiro.de 1978: «La conception moderne de l'individu. Notes sur sa genèse, en
relation a\ItC Ica conceptions de la politique et de l'État, à partir du XIJye siécle.».
1 «0 termo "individualismo" cobre as mais ..... v ""rc;.,Q que'Imagmar
,
" se possa
1...] uma amhle radica1 destes conceitos seria presentemente, e urna vez mais lsegundo Burck-
extremamenk preclosa para a ciêoCÎa (L'Éthique protestante el l'Esprit du capitalisme
Pans, Plon, 1964. p. 122, n. 23). '

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