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1- Introdução –

As religiões de matrizes africanas um importante legado de resistência cultural e


social dos negros e africanos no Brasil e que foram reprimidas desde a África até
chegaram do outro lado do Atlântico, visto que o colonialismo relegou as religiões de
matriz africana a posições que vão desde a demonização, até a fetichização, a
desqualificação e o epistemicídio. Perpetuando-se até hoje na sociedade brasileira, o
racismo religioso se manifesta nos mais diversos aspectos da vida cotidiana de seus
praticantes, ainda que sob novas formas de atuação.

Como as religiões de matriz africana, especialmente o Candomblé, se constituíram


durante o período colonial, num locus fraturado (LUGONES, 2014), onde pessoas
foram escravizadas, retiradas de seu lugar de origem e colocadas sob a ordem colonial,
branca e patriarcal, mas que traziam consigo a herança das sociedades africanas pre-
coloniais, o Candomblé pode ser entendido como um exemplo concreto de entre-lugar
(BHABHA, 1998), uma instituição fronteiriça entre o pré-colonial africano e o
colonialismo eurocêntrico. Nele podemos encontrar desde a reprodução de rituais que
simulam a escravidão, como o leilão da Yawo recém iniciada, até a resistência das
mulheres negras a submissão e sua ascensão ao posto mais alto de matriarcas das casas
fundadoras do Candomblé Ketu. A própria produção literária acerca do Candomblé é
marcada pelo colonialismo, sendo um dos seus precursores no Brasil o médico Nina
Rodrigues, que com suas teorias racistas hierarquizou as nações do Candomblé
conforme a origem étnica de seus participantes e rituais.

Porém, nas últimas décadas, depois da virada ontológica protagonizada por Stuart
Hall, os estudos pós-coloniais e decoloniais vêm trazendo conceitos que ajudem a
pensar os processos de colonização a que foram impostos as populações subalternas no
projeto colônial e como essas populações desenvolveram seus modos de vida sob o jugo
do colonizador. Nesse sentido, a produção dos estudos decoloniais e as novas tentativas
da produção de uma ciência que parta também da subjetividade de sujeitos subalternos
têm apresentado perspectivas transformadoras acerca das questões étnico-raciais e de
gênero, principalmente para países pós-coloniais, onde elas têm um peso fundamental
na formação histórica e social.

Através de conceitos como lugar de fala (RIBEIRO, 2017), cosmopercepção


(OYEWUMI,) entre-lugar (BHABHA, 1998), autorização do conhecimento
(KILOMBA, ) e ampliação do conceito de intelectualidade, trazidos pelos pós-coloniais
e decoloniais, podemos produzir novas perspectivas acerca das religiões de matriz
africana, que não apenas possam complementar ou corrigir as interpretações dadas pelos
intelectuais mainstream, mas que também tragam as demandas e conclusões daquelas
que dedicaram suas vidas a preservação do Candomblé.

Porém, antes de falar sobre decolonialidade e sobre as intelectuais negras do


Candomblé, eu devo começar falando de um homem branco: eu.

2- Lugar de fala: um branco no Candomblé

A fala a partir das mulheres negras, historicamente submetidas sempre ao olhar do


“Outro”, é uma premissa importante do feminismo negro (RIBEIRO, 2017, p.35), já que
a mulher negra sempre teve sua imagem mais ligada ao corpo, a sexualização, do que à
atividade intelectual (HOOKS, 1995, p.469). Portanto, é quase que natural que os
estudos decoloniais deem bastante ênfase na questão do lugar de fala e da problemática
de falar pelos outros (ALCOFF, 1991, RIBEIRO,), sendo os “outros” aqui entendidos
como outros grupos sociais dos quais não se faz parte.

A questão do problema em “falar pelos outros” surge de duas fontes. A primeira do


reconhecimento de que a posição do sujeito, entendida aqui como posição social ou
identidade social, influencia nas suas experiências acumuladas, na sua visão de mundo e
nas opiniões que omite, visto que é impossível transcender nossa própria posição. A
segunda fonte é a constatação de que muitas vezes o discurso em nome do outro,
reforçado por uma posição de privilégio, acaba reforçando a opressão sofrida pelos
grupos dos quais se propunha a falar (ALCOFF, 1991. P.7). Um exemplo disso é o
efeito que a hierarquização, produzida pelas noções racialistas e racistas de Nina
Rodrigues, tiveram nas nações de Candomblé, com a inserção de conceitos como pureza
e superioridade racial e cultural.

Concordando com essa visão, Ribeiro (2017) diz que quando se refere a lugar de
fala, não estamos falando necessariamente de indivíduos, mas deles inseridos no seu
contexto social, que permitem ou não o reconhecimento e acesso a cidadania. “Seria
principalmente um debate estrutural” (RIBEIRO, 2017. p.61).
Linda Alcoff demonstra que a questão do lugar de fala é um debate muito atual no
meio acadêmico, que tem suscitado diversas polêmicas e diferentes posições: desde a
rejeição da possibilidade de falar pelo Outro, a posições que entendem o conceito de
lugar de fala mais como qualitativo, do que como exclusivo.

Por não estar alienado a esse debate, quando comecei a pensar esse texto o primeiro
problema que me ocorreu foi: “como vou escrever um texto sobre intelectualidade
feminina negra no Candomblé, sendo um homem branco?”. E aqui, como reforça
Djamila Ribeiro, não se trata (apenas) de uma questão individual, mas de uma questão
estrutural. É possível produzir conhecimento que não reforce as opressões sofridas por
mulheres negras fazendo parte do grupo social que as subjugou por séculos?

A resposta não está dada e terá que ser construída ao longo do debate, mas por uma
questão de clareza metodológica e concordando com a importância do conceito de lugar
de fala trazido pelas autoras, que sinto a necessidade de me narrar, de forma breve.

Eu sou um homem branco, heterossexual, criado na zona sul do Rio de Janeiro e de


família católica. Estudei em colégio particular e convivi com pouquíssimos negros
durante toda minha adolescência. No geral, tive pouco contato com o que ficou
convencionado como “símbolos da cultura negra” no Brasil, e mesmo assim, quando os
tive, eram em espaços majoritariamente brancos. Demonstrando como a nossa posição
social influencia na nossa percepção do mundo, até meus 20 e poucos anos eu mal tinha
ouvido falar em religiões de matriz africana. Minha família não falava no assunto e na
escola isso era solenemente ignorado. Na rua só tinha ouvido a expressão “chuta que é
macumba” e que Iemanjá era rainha do mar. Procure um suburbano no Rio de Janeiro
que nunca tenha ouvido falar em religiões de matriz africana, e dificilmente você
encontrará.

Como a espiritualidade cristã nunca me contemplou, aos 14 anos me tornei ateu e


isso foi um fator importante na minha identidade até meus 20 e poucos anos. Eu
rejeitava a maioria das instituições cristãs, e negava a existência do sobrenatural,
naturalmente estendendo essa opinião a todo tipo de crença religiosa. Porém, por
questões pessoais, aos 24 anos fui parar num terreiro de umbanda, convidado por uma
amiga. Eu saí tão melhor do espaço que comecei a frequentar, até que um dia eu senti a
presença do sobrenatural e passei a acreditar em Orixá. Em pouco tempo eu estava
frequentando uma casa de Candomblé.
No terreiro, eu descobri um mundo novo, de cheiros, gostos, sensações, sons, vozes,
maneiras de se portar. Foi nesse momento que surgiu uma angústia muito grande em
mim. Como era possível eu ter ignorado a existência de um mundo inteiro, de mal ter
ouvido falar naquilo? Como que um conhecimento que é capaz de curar doenças com o
uso de ervas e cânticos, pode ser demonizado e diminuído? Como que um sistema tão
complexo de toques percussivos, cânticos e dança, que deram origem a maioria dos
ritmos da música popular brasileira, são completamente desconhecidos de 90% da
população? Pra mim era incompreensível que minha mãe de santo fosse detentora de
tamanho conhecimento, tendo sua intelectualidade reconhecida por seus pares e fora dos
muros do terreiro ela fosse xingada de “macumbeira” e “endemoniada”.

Após esse momento inicial de descoberta e paixão à primeira vista, passaram-se 2


anos e meu Orixá pediu minha iniciação. Hoje sou iniciado, candomblecista e
pesquisador na área da educação, motivado justamente para que, ou as crianças de
candomblé possam se ver mais representadas em sala de aula, ou para que os que não
conhecem, ignoram, ou mesmo demonizam, possam ter uma visão trazida por uma
perspectiva decolonial e intercultural do currículo.

Portanto, é este o lugar do qual eu falo hoje. Um individuo contemplado pelo


privilegio branco e masculino, mas que ao ter contato com toda a sabedoria ancestral
das matriarcas negras do candomblé, se questiona como pode contribuir para que o
racismo religioso e a visão deturpada que a sociedade tem do Candomblé e de suas
práticas possa mudar.

3 – Pós-colonialismo e decolonialidade

Os estudos pós-coloniais surgem a partir dos processos de descolonização,


principalmente da América latina, da África e da Ásia. Influenciados também pela
virada cultural promovida por Stuart Hall e os estudos culturais subsequentes que, ao
mesmo tempo influenciados e críticos ao marxismo, começaram a se debruçar sobre
outras questões para além da “luta de classes” (BALLESTRIN, 2013. p.93), esses novos
estudos começaram a lançar novos olhares, principalmente para as relações
colonizador/colonizado, denunciando as diferentes formas de opressão dos povos, do
gênero e das raças.
Os estudos pós-coloniais também foram amplamente influenciados pelo pós
estruturalismo de Michel Foucault e Jacques Derrida. Ainda assim, o pós-colonialismo
não tem uma matriz teórica única e coesa, podendo ser associado a trabalhos desde
Stuart Hall, até Franz Fanon, Aimé Césaire e Edward Said (ROSEVICS, 2017. p.187).

Essa tendência crítica a colonialidade foi uma marca dos estudos pós-coloniais, a de
interceder pelo colonizado nas suas análises. Porém, a partir da década de 90, com o
surgimento do Grupo Latino-Americano de Estudos Subalternos nos EUA, começou a
se desenhar o que viriam a ficar conhecidos como estudos decoloniais. A sua diferença
para o pós-colonialismo, mais ligado aos estudos asiáticos, foi uma intensa crítica a
matriz teórica que estava sendo utilizada, uma matriz europeia (ROSEVICS, 2017.
p.190). As divergências teóricas acabaram desagregando o grupo, dos quais alguns
membros viriam formar, mais tarde, o Grupo Modernidade/Colonialidade, que no final
dos anos 90 e no início dos anos 2000 produziu diversos seminários e publicações
focadas nas problemáticas pós-coloniais, mas pensadas num novo contexto, da
emancipação do próprio pensamento das matrizes europeias.

Os latino-americanos formaram parte da vanguarda dos estudos decoloniais, que


começaram a se diferenciar dos pós-colonialistas, não em seu projeto de emancipação
do colonizado, mas na sua forma, dando cada vez mais peso a agência e produção
própria dos grupos subalternizados.

Outro conceito caro aos deocloniais foi o de colonialidade do poder, cunhado por
Alberto Quijano, em 1989(BALLESTRIN, 2013. p.100). Para Quijano a colonialidade
foi peça chave para o desenvolvimento da modernidade, tendo o capitalismo colonial
moderno utilizado, principalmente, três eixos de classificação para sua formação: raça,
gênero e trabalho. É através dessas três linhas que as relações de exploração, dominação
e conflito foram ordenadas e hierarquizadas (Quijano, 2000, p. 342).

A partir desses pressupostos e da noção crítica a colonialidade e a produção


intelectual europeia, que muitas vezes desconsiderava a importância das questões de
gênero e étnico-raciais como formadoras da modernidade colonial, que a partir da
década de 90, e principalmente da de 2000, começam a se estruturar outros estudos
debruçados para as demandas trazidas pelos próprios autores coloniais.
Um exemplo são os estudos feministas produzidos por feministas negras e latino-
americanas como Bell Hooks, Patricia Hill Collins, Linda Alcoff e Maria Lugones.
Lugones (2014) advoga por um feminismo decolonial que através da produção daquelas
que sempre tiveram negada sua condição de sujeito pelo projeto colonial.

Nessa produção, mesmo que recente, a construção de conceitos que ajudassem a


compreender a situação dos sujeitos e corpos marginalizados sob o jugo do colonizador
foi profícua e é através de alguns conceitos cunhados por algumas dessas feministas
negras e latino-americanas que proponho repensar alguns fatores da história do
Candomblé. Proponho isso não para mudar qualquer tradição ou rito, de fato não tenho
essa pretensão, mas para que através desses conceitos pensados por mulheres negras
através de suas demandas, possamos lançar outros olhares sobre a história de uma
religião que teve esse grupo social, mulheres negras, como seu maior fator de
preservação.

4 – Candomblé e decolonialidade

O Candomblé, assim como as Capitanias Hereditárias, é uma instituição colonial, no


sentido de que foi criada e desenvolvida como fruto do processo de escravização de
africanos e da colonização da América. Porém, elas guardam uma diferença vital entre
elas. Enquanto as Capitanias são um produto pensado pela metrópole para a melhor
gestão do projeto colonial, o Candomblé, e as religiões africanas como um todo, são, na
visão do colonizador, um efeito colateral desse processo. Por isso proponho que
entendamos o Candomblé como o que Homi Bhabha (1998) chamou de “entre-lugar”.

Em sua ideia de entre-lugar Bhabha destaca que as identidades se constroem não


mais nas singularidades – como as de classe, gênero, etc. – mas, nas fronteiras das
diferentes realidades. Trata-se dos entre-lugares. Eles são compreendidos como um
pensamento liminar, construído nas fronteiras, nas bordas (BHABHA, 1998. p. 20).

“o trabalho fronteiriço da cultura exige um encontro


com "o novo" que não seja parte do continuum de passado e
presente. Ele cria uma ideia do novo como ato insurgente de
tradução cultural. Essa arte não apenas retoma o passado como
causa social ou precedente estético, ela renova o passado,
refigurando-o como urn "entre-lugar" contingente, que inova e
interrompe a atuação do presente. O "passado-presente" torna-
se parte da necessidade, e não da nostalgia, de viver.”
(BHABHA, 1998. p. 27)

Portanto, o Candomblé pode ser considerado um entre-lugar, por excelência. Ele


renova o passado daqueles que foram, ou tiveram seus antepassados, arrancados de suas
terras, capturados e trazidos para realizar trabalhos forçados no Brasil, ele revive a
África ancestral. Um xirê de Candomblé nada mais é do que algo que “inova e
interrompe a atuação do presente”, levando seus participantes de volta para o lar
ancestral.

Porém, essa reconfiguração se dá num espaço de fronteira ainda mais desigual e


conflituoso que as já desiguais e conflituosas interações culturais humanas, que é o do
colonialismo. Dessa forma o Candomblé se configura como uma instituição fronteiriça
entre a colonialidade e as religiões africanas pré-coloniais, herdando tanto
características de uma, como da outra. Isso fica claro na relação do Candomblé com o
corpo. Ao contrário da Igreja Católica, instituição religiosa hegemônica no período da
formação do Candomblé no Brasil, no final do século XVIII e início do século XIX, que
condena o corpo como algo pecaminoso e sujo, o Candomblé evidencia o corpo, seja
através da dança, seja através dos rituais que vão preparar aquele corpo para incorporar
a energia do Orixá. Ao mesmo tempo, o Candomblé tem um código de vestuário que
costuma cobrir todo o corpo e colocar anáguas nas mulheres, ao em franca contradição
com as práticas africanas onde a ausência da sexualização do corpo feminino e negro
permite que as vodunsis possam dançar com os seios descobertos.

Em termos de condição feminina, o Candomblé reforça sua noção fronteiriça de


entre-lugar. Primeiramente, porque, como já citado, para o colonialismo o gênero é um
dos eixos de ordenamento de mundo, enquanto nas sociedades yorubas pré-coloniais a
primazia estava muito mais sob o conceito de senioridade, isto é, do mais velho para o
mais novo, do que centrado no conceito de gênero (OYEWUMI, 2017. p.20). Além
disso, nas sociedades yorubas, a posição social muitas vezes se dava de forma mais
relacional, do que essencializada. Enquanto no mundo ocidental, o sexo biológico
define a essência do seu gênero, para os yorubas a definição é muito mais relacional.
Oyewumi demonstra que a própria linguagem não era essencializada. Enquanto no
mundo ocidental a palavra noiva necessariamente irá se referir necessariamente a uma
mulher, a palavra yoruba iyawo, traduzida pelos ocidentais como “noiva” tem um
sentido muito mais relacional, tanto que assim são designadas tanto as pessoas que estão
entrando para uma família, quanto aquelas iniciadas para o Orixá.

É nesse locus fraturado gerado pela colonização, representado pelo binômio


opressão/resistência, que se desenvolvem as vidas das matriarcas do Candomblé. As
matriarcas são trazidas, ou nascem, para uma sociedade onde elas se tornam sujeitos em
colaboração e conflito intersubjetivo, na medida em que “assumem, respondem,
resistem e se acomodam aos invasores hostis que querem expropriá-los e desumanizá-
los” (LUGONES, 2014. p.942).

Foi exatamente isso que as matriarcas fizeram. Assumiram, responderam, resistiram


e se acomodaram. Numa sociedade extremamente Católica, que via não apenas seus
corpos negros apenas como força de trabalho ou objeto sexual, e que colocava sujeitos
pré-coloniais sob uma nova episteme, de forma forçada, as mulheres negras do
Candomblé buscaram suas formas de viver e sobreviver no sistema colonial.

Um dos principais fatores do locus fraturado no qual essas mulheres se encontram


na diáspora é justamente o do epistemicídio. Além de suas práticas religiosas serem
condenadas, primeiramente como frutos de obra do demônio cristão, mesmo na
transformação para o paradigma científico, as práticas religiosas e o conhecimento
contido nelas, de ervas para a cura, festejos e confraternizações continuaram mal vistos,
inclusive punidos pela lei.

A repressão policial às manifestações negras populares foi regra durante a Primeira


República e para isso foi usado o Código Penal de 1890. Ainda que o Código Criminal
do Império, de 1830, contivesse artigos que pudessem dar margem a interpretação para
a repressão das reuniões com finalidade de culto das tradições de matrizes africanas, o
código de 1890 é o primeiro a condenar essas práticas criminalmente de forma explícita.
Diz o artigo 157 sobre crimes contra a saúde pública:

”Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilegios,


usar de talismans e cartomancias para despertar
sentimentos de odio ou amor, inculcar cura de
molestias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar
e subjugar a credulidade publica”, (BRASIL, 1891)
Ou seja, nem a separação do Estado Brasileiro da Igreja Católica garantiu que as
religiões de matriz africana não fossem ser perseguidas.

Ao mesmo tempo, como sinal de permanência e herança da África pré-colonial,


dentro dos terreiros esses saberes e práticas, e principalmente, os sujeitos que as detêm
são valorizados e ocupam os postos mais altos na hierarquia, exemplificando a fratura
que as mulheres afro-religiosas de fato vivem em suas vidas cotidianas. Como a
senioridade é um fator de primazia social, valoriza-se muitos os anciãos, e hierarquia é
tão forte que cada mãe de santo é uma rainha dentro de seu próprio terreiro. Lá dentro,
acima dela, só os Orixás. Porém, dos muros do terreiro para fora, esse mundo parece se
desmanchar. A autorização do conhecimento concedida por seus pares e pelos ancestrais
da África pré-colonial se inverte no mundo capitalista, onde o conhecimento dessas
mulheres é visto como atraso, primitivismo ou mesmo coisa maligna. A mãe de santo, a
mulher negra, deixa de ser rainha, para ser vista como ignorante ou potencialmente
perigosa, uma ironia para quem tem o poder de curar doenças e salvar vidas. Isso irá
ocorrer enquanto quem autorizar o conhecimento, quem decidir quem pode falar e o que
é importante de se falar for o patriarcado branco colonialista (KILOMBA, 2010. p.25).

Por isso, outra importante contribuição que os estudos decoloniais podem trazer é a
valorização da produção intelectual dessas mulheres. Não apenas em termos de
mercado, pois fica claro que o capitalismo cada vez mais se apropria dos discursos
decoloniais e das lutas de grupos subalternos para lucrar, mas a valorização de suas
práticas antes mesmo delas serem avalizadas pela academia. Um exemplo disso é o
lançamento das produções literárias de Iyalorixás como Mãe Stella de Oxóssi ou Mãe
Beata de Iemanjá.

Enquanto Rodrigues estava escrevendo também sobre mulheres negras de


candomblé, na década de 1890, inclusive fazendo experimentos de hipnose com uma
iniciada (RODRIGUES, 1934. p. 120), ele iniciou uma tradição que se manteve com
outros intelectuais brancos que estudaram o candomblé e lançaram seu próprio olhar
colonial sobre ele. Como já citado, As opiniões de Nina, que estudou muito mais a
fundo as casas de candomblé Ketu ou de tradição Jeje-Nagô (Fon-Yorubá) da Bahia,
reverberaram de maneira muito intensa nas grandes casas de candomblé Ketu baianas,
como o Engenho Velho, o Gantois e o Opô Afonjá e nos intelectuais estudiosos do
candomblé que vieram depois de Nina Rodrigues (1935) como Edison Carneiro(2002),
Ruth Landes(1967), Arthur Ramos(2002) e Juana Elbein dos Santos(1998). Todos se
debruçaram muito mais sobre os cultos de origem sudanesa, especialmente os de matriz
Yorubá, do que sobre os cultos Bantus, o que causou certos efeitos no senso comum
como a rápida expansão das casas Ketu pelo Brasil em detrimento das nações Jeje e
Angola e a popularização dos Orixás, as divindades Yorubás, enquanto há um total
desconhecimento do público leigo acerca dos Inquices e Voduns, as divindades Bantus
e Fons, dos Candomblés Angola e Jeje, respectivamente. Isso ficou conhecido no meio
acadêmico como nagocentrismo.

Exmplificando a questão da autorização do conhecimento levantada por Grada


Kilomba, esse monopólio branco só viria a ser quebrado a partir do final da década de
80 e início da década de 90, “coincidindo” com a emergência dos estudos pós-coloniais,
quando as Iyalorixas citadas lançaram seus próprios livros, Mãe Stella com "E Dai
Aconteceu o Encanto” (1988) e Mãe Beata com “Caroço de Dendê: a sabedoria dos
terreiros” (1998).

É interessante notar que mesmo as referências decoloniais estando ausentes dos


seus livros, ambos tratam de questões que parecem muito caras ao estudos feministas
decoloniais, como a necessidade de produção autoral e a auto narração como estilo
literário. O livro de Mãe Beata abre o prefácio com sua narrativa em primeira pessoa do
seu próprio nascimento em uma encruzilhada. Essas mulheres já eram decoloniais antes
da academia.

5 – Conclusão

Com sua produção de conceitos e seu compromisso com uma perspectiva


descolonizadora do mundo pós-colonial, os estudos decoloniais, produzidos por
feministas negras e latino-americanas podem ser uma ferramenta que nos ajude a lançar
outros entendimentos sobre o nosso passado colonial, e não apenas aquele registrado
pela sociedade branca masculina autorizada a falar e classificar os sujeitos e objetos.

Com isso não quero dizer que os estudos decoloniais trarão a solução para todos os
problemas que viveram e vivem as mulheres negras de Candomblé. Creio que aqui o
exercício é mais de buscarmos novas formas de escuta, do que de soluções.
Entendermos com quais conceitos essas mulheres estão trabalhando sua própria história
e do grupo social do qual fazem parte.
Isso dizer que todos os outros que não fizerem parte desses grupos estão
desautorizados a falar sobre isso, se fosse o caso eu nem estaria escrevendo esse texto,
mas significa que aqueles que advogam por um compromisso decolonial na sua escrita
têm por dever a interlocução e o debate com a produção intelectual dessas mulheres.

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