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SALVADOR-BAHIA
2002
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
MESTRADO EM MÚSICA - EXECUÇÃO MUSICA
SALVADOR-BAHIA
2002
ii
Dedico este trabalho à memória de Manezinho da Flauta.
iii
Agradeço a:
Oscar Dourado, Lydia Hortélio, Juvino Alves, Amon, Perfilino Neto, Lucilene, Meri, João
Macambira, Seu Miguel, FranciscoAssis, Edmilson Capelupi, Antonio Carlos Carrasqueira,
Carlos Poyares, Fritz, João Parahíba, Seu Lula, Israel Almeida, Edson 7 Cordas, Pedro
Figuerôa, Pedro Augusto Dias, Carlito Chenaud, Ingo Goritzki, e a todas as demais pessoas
que me ajudaram nessa jornada.
iv
Resumo
Esse trabalho tem como objetivo estudar o estilo de interpretação de “Manezinho da
Flauta”, (1924-1990), extraordinário flautista nascido no Rio de Janeiro e que viveu grande
parte de sua vida em São Paulo, e sua contribuição para a linguagem do Choro. Para esse
trabalho foram escolhidos sete choros gravados por volta da década de setenta e transcritas
todas as partes da flauta. Estas transcrições serviram de base para a análise do estilo de
interpretação do mestre que foi Manezinho, buscando-se levantar os elementos interpretativos
utilizados. Com esse estudo pretende-se chegar a um entendimento de como o Choro deve ser
tocado, posto que as partituras do gênero não trazem indicações de interpretação, de modo a
possibilitar uma execução no estilo característico da tradição.
Através da análise das transcrições e das partituras dos respectivos choros foram
levantados os seguintes elementos interpretativos: ornamentação, articulação, variação
rítmica, improvisação, dinâmica e timbre.
Para uma aproximação maior e compreensão mais ampla do fenômeno “Manezinho da
Flauta” em seu tempo e sua atuação como músico, várias entrevistas foram feitas com músicos
que o conheceram e que com ele conviveram em Rodas de Choro e no meio artístico cultural
de São Paulo em geral, além de buscar depoimentos e informações através de artigos e
entrevistas em jornais da época.
Concluiu-se que o estilo de interpretação de Manezinho da Flauta traz em si mesmo
padrões de comportamento de um pensamento musical que o caracteriza inequivocamente.
Constatou-se também na pesquisa de campo que muitos dos elementos interpretativos
levantados são característicos do estilo dos flautistas de Choro e até mesmo do gênero.
Espera-se que estudos posteriores possam estender a investigação na busca de um
aprofundamento maior de suas muitas dimensões.
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Abstract
The objective of this paper is to study Manezinho da Flauta’s style of interpretation, as
well as his contribution to the Choro. This extraordinary flautist was born in Rio de Janeiro
(1924-1990) and lived a great part of his life in São Paulo. For the propose of this study seven
choros were chosen and transcribed. These choros were recorded by the artist sometime
during the 70’s. These transcriptions were the basis for analyzing Manezinho’s mastery of
interpretation, seeking to identify the interpretative elements used. The main goal of this study
is to shows how the Choro should be played, thus enabling a performance in the tradicional
style, bearing in mind that the scores of this genre do not indicate how it should be interpreted.
In the comparative analysis of the transcriptions and the scores were identified the
following interpretative elements: ornamentation, articulation, rhythmic variation,
improvisation, dynamics and timbre.
Several interviews were made with musicians who met and played with him in order to
acquire a broader understanding of his performance style. The testimonies and pieces of
information presented in newspaper articles and interviews were also included in the research.
The conclusion reached is that Manezinho da Flauta’s style of interpretation presents in
itself patterns of behavior that characterizes unmistakably his own musical thoughts. Even
thought the field research also confirmed that in general many of the interpretation elements
surveyed were also typical of other flutists’Choro style, and even of the genre as a whole.
However, this statement shall wait for further studies, so that it can be confirmed and
explained in a convenient way throughout different dimensions.
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Índice
1. Introdução 1
2. Procedimentos Metodológicos 3
3. O Choro 6
4. Manezinho da Flauta 16
5. Repertório Abordado 22
6. Elementos Interpretativos 31
6.1. Ornamentação 32
6.2. Articulação 54
6.3. Variação Rítmica 54
6.4. Improvisação 60
6.5. Timbre 69
6.6. Dinâmica 70
7. Conclusão 71
8. Discografia 75
9. Bibliografia 76
Anexo I – Fotos 81
Anexo II – Exemplo de transcrição para análise 89
Anexo III – Transcrições 96
Anexo IV – CD com as gravações estudadas 135
vii
1. Introdução
O Brasil apresenta em suas várias regiões incontáveis manifestações musicais de
variadíssimas formas, gêneros e estilos, com suas linguagens específicas que nascem e se
configuram na tradição oral. Diante desta consideração surge a seguinte questão: como
aprender estas linguagens hoje, quando vivemos outro tempo, a tradição oral esbarra em
Pouco foi visto até agora do Choro sob a relação do intérprete com os elementos
estruturais de sua linguagem. Grandes músicos como Jacob do Bandolim, Abel Ferreira e
Benedito Lacerda, dentre outros, criaram seus próprios estilos através de maneiras
gravações ou da atuação dos Mestres do Choro. Muito difícil é ter-se uma idéia de como o
Choro deve ser tocado, porque poucos estudos até agora têm sido dedicados ao aspecto da
aprendizado. É certo que não há estudo que possa substituir a criatividade peculiar do
Choro exercida na prática das Rodas de Choro. Por mais que se estude o gênero por outras
com os Mestres dessa arte e que é imprescindível para uma interpretação dentro do estilo.
1
No intuito de contribuir com o preenchimento dessa lacuna no estudo da música
muitos elementos interpretativos que enriquecem a sua execução. Como flautista, fiquei
fascinada pela sua forma de interpretar Choro e esse fato também foi um peso grande para a
2
2. Procedimentos Metodológicos
O presente estudo se desenvolveu a partir da transcrição e análise das interpretações
imensa riqueza musical. A intenção inicial era transcrever e analisar todas as interpretações
das interpretações fizeram com que a tarefa se tornasse impossível de ser executada dentro
dos limites deste trabalho. Assim o número de transcrições precisou ser diminuído,
Oliveira; “Flor Amorosa”, choro de Joaquim Antonio da Silva Calado e “Gosto que me
Como referência para a análise das transcrições foram tomadas partituras impressas
Através da análise foi observado que a melodia tocada nunca era igual à melodia
impressa na partitura. Mesmo nas repetições, cada vez que Manezinho tocava uma
determinada parte a melodia era diferente. Assim sendo, as transcrições de cada música
foram montadas com as repetições superpostas, para melhor visualização das diferenças e
identificação dos elementos usados. A partitura impressa também foi colocada junto com as
repetições como referência (exemplo no anexo I). Então o primeiro passo a ser dado foi
1
Não foi realizada uma busca dos manuscritos originais porque o foco do trabalho é a interpretação dada por
Manezinho e não a música escrita.
3
levantar os elementos utilizados por Manezinho para enriquecer sua interpretação e que
era utilizar a terminologia usada pelos próprios chorões. Eles não costumam, porém,
interpretativos são parte de um todo que eles dão o nome de “variação”, “improvisação”,
européia, pois essa tem relação direta com aquela tradição e seus ornamentos
falta de uma terminologia adequada, que só poderia existir depois de um estudo mais
terminologia da música européia. Nomes como grupeto, trinado, apojatura e outros, foram
utilizados por se aproximarem do fenômeno observado, não sendo aqui pensados como
equivalência de significado. Também foram utilizados nomes que puderam ser criados a
estudo, eles não estariam imbuídos de significados representados por outra qualquer
tradição.
bibliografia levantada, foi realizada uma viagem para São Paulo, cidade onde ele viveu os
últimos anos de sua vida, para efetuar entrevistas com músicos e pessoas que com ele
conviveram. Ao todo foram realizadas nove entrevistas, com as seguintes pessoas: “Seu”
4
Miguel, dono da loja “Contemporânea”2, Francisco Assis de Lima, pandeirista e amigo
pessoal de Manezinho; João Macambira, músico que toca violão tenor; “Seu” Lula,
Almeida, violonista.
Em uma roda de choro, que é realizada há mais de vinte anos na loja Contemporânea,
o músico João Macambira, tocou no violão tenor uma composição de Manezinho da Flauta,
chamada “Seu Zé”, o que mostra que Manezinho, além de instrumentista era também
2
Loja de instrumentos musicais, acessórios, partituras e CD’s no centro de São Paulo.
5
3. O Choro
A bibliografia do assunto diverge um pouco sobre o surgimento do Choro, talvez
pela ansiedade de estabelecer uma data precisa, sem que isso seja possível. Mozart de
a música popular e seus gêneros não surgem neste ou aquele ano, através desta ou
aquela música. O aparecimento é lento, através de vários anos e composições que
acabam definindo uma linguagem musical”. (Araújo, 1977)
peculiar com que eram tocadas as danças de salão européias em voga na época, como a
valsa, o schottish e, principalmente, a polca, dança essa que fez enorme sucesso no Brasil.
um conceito, de tal forma que não foi possível chegar à origem do nome devido a variedade
• Os nossos negros faziam em certos dias, como em São João, ou por ocasião de
festas nas fazendas, os seus bailes, que chamavam de xolo, expressão que, por
confusão com a parônima portuguesa, passou a dizer-se xôro e, chegando à
cidade, foi grafada chôro, com ch. (Raimundo por Cascudo, 1962, p. 222)
3
Chorão significava desde então, não o aumentativo da palavra choro, mas os músicos que tocavam esse
repertório.
6
impressão de melancolia que acabaria conferindo o nome choro a tal maneira de
tocar... (Tinhorão, 1974, p. 95)
• ...e Catulo dizia que a música dos choros era tão comovente que fazia chorar.
(Carvalho, 1970)
• ...diz tratar-se de uma colisão cultural da palavra ‘choro’ (do verbo chorar) com a
corruptela da grafia ‘chorus’, enquanto designação de conjunto instrumental.
(Siqueira por Neves, 1977, p. 18)
Depois do surgimento dos conjuntos de Choro por volta de 1870, uma outra forma de
expressão do gênero surgiu na virada do século: as bandas civis e militares. Surgida desde
músicos de Choro. A maioria dos músicos de sopro do séc. XIX e XX tiveram sua
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... tais bandas, cuja influência se estenderia até o advento do disco – quando ainda
gozavam da preferência do público no lançamento, inclusive, dos primeiros sambas –
eram importantes núcleos formadores de músicos. [Tinhorão por Civita (Abel
Ferreira), 1978, p. 8-10]
Cazes, em seu livro, traz uma citação de Oswaldo Passos Cabral, onde ele diz que em
1870 já existiam cerca de três mil bandas no país. (Cabral por Cazes, 1999, p. 30)
assim como as bandas militares e civis, que fizeram tanto sucesso. Isso ocorre por causa
das jazz-bands, que chegam pela influência da música norte americana, trazendo um novo
modelo de banda, que não condizia com o nosso. Junto com as jazz-bands, o foxtrote
passou a fazer parte, quase tão somente das festas populares e reuniões em casa de
pesquisadores de “idade de ouro”. Para a música cantada realmente foi, mas para o Choro,
gênero genuinamente instrumental, não foi tanto assim. Os músicos de Choro presentes na
década anterior continuam produzindo, mas poucas gravações chegam ao grande público.
Para os instrumentistas pouco espaço é dado nos meios de comunicação. Começa a crescer
sua grande maioria de chorões. Pouco espaço existia para divulgarem a sua própria música,
o Choro. (Vasconcelos, 1988, p. 86) Acredita-se que, mesmo não sendo divulgado pelos
meios de comunicação, o Choro nunca se enfraqueceu ou deixou de existir, fato que pode
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Na segunda metade da década de quarenta aparece a Orquestra Tabajara, de Severino
Araújo, fazendo enorme sucesso no Rio de Janeiro. Junto com ela, muitas outras orquestras
O primeiro deles foi o “I Festival da Velha Guarda”, em São Paulo. O segundo foi a “1ª
Noite dos Choristas” e o terceiro a “2ª Noite dos Choristas”, nesse último reunindo por
volta de cinqüenta violonistas, vinte e cinco bandolinistas, etc. (Vasconcelos, 1988, p. 93)
Nesta década viu-se também a consagração do Choro cantado. Apesar de ser um gênero
tradicionalmente instrumental, ele teve também sua vertente cantada, cuja expressão
máxima foi representada por Ademilde Fonseca, consagrada como a cantora rainha desse
gênero.
situação agravou-se com o surgimento da Bossa Nova, movimento que tomou a atenção
dos meios de comunicação, deixando ainda menos espaço para outros gêneros.
Nos anos 60, época da bossa nova, o choro quase desapareceu, vítima de desinteresse
e preconceito. A bossa era moderna, o samba que chegou aos palcos universitários
pela mão dos centros populares de cultura dos diretórios acadêmicos e o choro era
coisa de velho, aposentado, suburbano. Além disso, naquela época as letras eram tão
importantes quanto as músicas. E não é comum, nunca foi, que os choros tenham
letras. Assim, além de suburbano, o choro era desimportante, ou melhor, alienado,
para usar uma expressão que então estava em voga. (Dias, 1995)
Nos anos setenta muitos acontecimentos trouxeram o Choro de volta para o grande
público, dentre eles um show com Paulinho da Viola e o conjunto “Época de Ouro”, com
tanto sucesso que a temporada teve que ser prolongada. Muitos outros eventos foram
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partir desta década passaram a ser organizadas em todo o Brasil sociedades denominadas
São Paulo, dentre outros. Esse acontecimento proporcionou um espaço organizado que
possibilitou o reencontro de antigos e novos intérpretes com seu público cativo e o acesso
de um novo público, que até então não freqüentava as Rodas de Choro. Talvez esta “volta”
Os anos 70 deste século estão vivendo sob a égide do ‘boom’ do choro. Os anos 70 do
séc. passado é que são responsáveis por esse ‘boom’, por esse modismo de se reciclar
a mais autêntica música urbana brasileira. O choro comemorou o seu centenário de
existência e mostrou que é uma música ainda tão revitalizante e moderna, apesar de
seu ar antigo, que o seu conseqüente consumo não é influenciado apenas por uma
questão de moda passageira. (Soares, 1979)
O fato é que volta o interesse das gravadoras pelo gênero. Nessa década a Marcus
Pereira, gravadora que fez importante documentário da cultura brasileira, lançou uma série
de discos com músicos extraordinários, inclusive dois deles com interpretações de Manuel
Concerto de Choro”, no Rio de Janeiro; “1º Encontro Nacional de Choro”, em São Paulo,
outros.
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Música de Brasília, espaço onde antes predominava a música de tradição européia e
jazzística.
Choro” em São Paulo, “Roda de Choro” em Porto Alegre, “Roda de Choro” em Fortaleza,
O ensino do Choro até agora tinha acontecido baseado na tradição oral, através dos
mestres de Choro, em “Rodas de Choro” ou mesmo em aulas fornecidas por eles. Depois da
década de setenta, além dessa fonte para o aprendizado, um ensino mais formal do gênero
passou a ser buscado por músicos e pesquisadores do Choro. Em Brasília há uma escola de
Choro há pelo menos cinco anos, a “Escola Nacional de Choro Rafael Rabello”, que tem
O Choro é um gênero que apesar de estar, em sua grande parte, escrito em partituras,
a sua alma encontra-se na tradição oral. Muitos músicos da tradição do Choro não
conhecem a escrita musical ou pouco sabem dela. Alguns vieram a aprendê-la depois de
estarem na prática há algum tempo, como foi o caso de Jacob do Bandolim, que tinha trinta
e um anos quando aprendeu a ler e escrever música. (Paz, 1997, p. 49). Apesar disso todos
têm a preocupação de passar para o papel suas composições, pedindo a alguém que o faça
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ouvido acompanhando-se com a partitura em mãos. O ouvinte há de perceber que existem
variações na melodia que não fazem parte do original. É incrível a inventividade desses
músicos, pois não há uma só vez em que eles repitam a música da mesma maneira.
Um dos pontos que provam a riqueza do nosso populario ser maior do que a gente
imagina é o ritmo. Seja porquê os compositores de maxixes e cantigas impressas não
sabem grafar o que executam, seja porquê dão só a síntese essencial deixando as
subtilezas pra invenção do cantador, o certo é que uma obra executada difere ás vezes
totalmente do que está escrito. (Andrade, 1962, p. 21)
dinâmica, timbre, variações rítmicas e improvisação. Para cada instrumento solista, existe
instrumento, havendo elementos comuns a qualquer um. Entram no jogo também os estilos
individuais, que se distinguem pelo caráter e compreensão musical de cada músico. Assim
sendo, podem ser observados elementos que são usados diferentemente ou de forma
semelhante pelos chorões. Como ilustração do que foi dito, seguem algumas informações
Todos nós temos a escola dele. Eu tive muita influência, como não podia deixar de
ser. Comecei a tirar aquilo que eu achava bonito que ele fazia. Meu som é diferente
do dele. Mas tem muita coisa que eu tirei dele. Ele usava glissandos, mordentes,
muita coisa que existe na música e que o chorão usava indevidamente e que o Jacob
usava com muito bom gosto, com muita propriedade. Além disso. Tinha a maneira
dele de tocar um choro, de interpretar... (Nascimento por Paz, 1997, p. 66 e 67)
A primeira geração do Choro foi representada por conjuntos formados por violões,
Mozart de Araújo, “os instrumentos de banda no choro deram maior riqueza de timbres e
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O pandeiro, instrumento hoje em dia imprescindível no Choro, só veio a aparecer
bem mais tarde, na década de vinte. Ary Vasconcelos afirma que foi através de Jacó
Palmieri, percussionista do grupo “Os Oito Batutas”, que o pandeiro entra no Choro.
É, aliás, pelas mãos de Jacó Palmieri que o pandeiro tem ingresso no choro. Pode-se,
assim, afirmar que a percussão no choro – através de pandeiros, ganzás, etc. – só
surge nesta fase. Em 1921, o pandeiro é mencionado, pela primeira vez, em um selo
de disco, como um dos instrumentos que, ao lado da clarineta, do trombone, do violão
e do cavaquinho, integravam o Grupo do Moringa. (Vasconcelos, 1988, p. 82)
Outro instrumento muito importante também no Choro é o violão de sete cordas, que
só foi introduzido no Choro no início do séc. XX. Arthur de Souza Nascimento, mais
conhecido como Tute, introduziu a sétima corda no violão, afinada em dó, inaugurando o
violão de sete cordas no Choro. O seu violão era logo percebido nas gravações pela
extensão do seu instrumento. Esse instrumento foi depois desenvolvido por Horondino
Silva, o Dino 7 Cordas, com as “obrigações”4 que hoje se ouve nos violões de 7 cordas:
Mesmo sendo esses os instrumentos mais usados, outros foram observados no Choro, como
o trompete, bombardino, trombone, oficleide (em desuso desde o início do séc. XX),
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acordeon, cítara, guitarra havaiana, banjo, violão tenor, piano, violino, flautim, dentre
apesar ter seus instrumentos tradicionais, é conhecido como um gênero que absorve
qualquer instrumento.
Cada instrumento tem uma função dentro do conjunto: o solista toca a melodia,
enquanto o outro sola a melodia; o cavaquinho é chamado de “centro”, faz o ritmo e a base
harmônica; o violão de sete cordas conduz a harmonia e faz contracanto com a melodia
violão de seis cordas realiza a harmonia e dobra as “obrigações” do violão de sete cordas
uma oitava acima do que está escrito na partitura. O registro da flauta utilizado
normalmente no Choro é o registro médio e o agudo, sendo que a melodia está quase
sempre escrita no registro grave/médio para a flauta. Isso ocorre porque se a melodia fosse
escrita de acordo com o registro utilizado, seria necessário o uso de muitas linhas
suplementares, o que tornaria a tarefa mais complicada. Esse trabalho não é necessário
porque, na verdade, para os chorões a partitura não tem função no momento da execução,
quando muito utilizam-na para o estudo de uma melodia ainda não conhecida. Assim que a
melodia foi assimilada eles deixam a partitura de lado e passam a executar a estrutura que
fica guardada na mente. Essa estrutura não é nominativa mas sim somente indicativa, onde
4
Denominação dada pelos Chorões à linha melódica realizada pelo violão de 7 cordas no Choro.
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o espaço para as infinitas variações é aberto. A função da partitura é somente registrar a
O registro grave da flauta não é muito utilizado porque não é muito audível frente aos
outros instrumentos acompanhadores, sendo esse registro usado mais como efeito de
da melodia pode ser observada como um elemento interpretativo para variação da melodia,
importante dizer que, mesmo depois do aparecimento do nome Choro como composição, o
repertório dos chorões continuou abrangendo outros gêneros, como em seus primórdios,
longo do tempo isso foi modificando um pouco, mas é sempre esperado que um chorão
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4. Manezinho da Flauta
Manuel Gomes, o ”Manezinho da Flauta”, nasceu no Rio de Janeiro em
1924. Neto de flautista, aos cinco anos começou a tocar flauta de latão. O pai,
estivador, também gostava de tocar esse instrumento e muito incentivou o filho,
levando-o a programas de calouros da Rádio Tupi do Rio de Janeiro. Estudou na
Escola Quinze de Novembro e, com a morte do avô, ganhou como herança uma
flauta francesa, marca Djalma Julliot, que nunca mais deixou. Aos 15 anos de idade
já tocava como profissional na Rádio Guanabara e aos 16, numa escola de dança
carioca, o Farolito Danças. Em 1952, quando se diplomou pelo Conservatório
Musical do Rio de Janeiro, trabalhava na Rádio Mauá do Rio de Janeiro. Em 1961
percorreu a Europa com o compositor Humberto Teixeira, apresentando-se na
França, Inglaterra e Bélgica. Em 1963 e 1964 tocou no Zicartola e em 1967 gravou
seu primeiro LP como solista, O Melhor dos Chorinhos, pela CBS. Um ano depois,
na Odeon, participou da gravação do LP Gente da Antiga, ao lado de Pixinguinha,
João da Baiana e Clementina de Jesus. Durante três meses, 1969, tocou na gafieira
Som de Cristal, de São Paulo SP, sendo contratado, um ano depois, como flautista
do Jogral, e atuando no show Os homens verdes na noite, montado por Luis Carlos
Paraná, criador daquela casa noturna. Radicado em São Paulo, passou a fazer parte
do conjunto regional do bandolinista Evandro, com o qual gravou em 1974 o LP
Brasil, flauta, bandolim e violão, na etiqueta Marcus Pereira. Faleceu em 17 de
junho de 1990. (Marcondes, 2000, p. 473)
Marcelino, estivador, e Guilhermina, doméstica, era um dos treze filhos do casal. Teve uma
infância difícil: “Minha infância foi como a de qualquer criança pobre do Rio. Talvez eu
fosse apenas um pouco mais quietinho, mais reservado. Moleque, andei vendendo laranjas
pela cidade. Essas coisas.” (Gomes por Borges e Cabral Júnior, 1979)
A primeira flauta de lata ele ganhou do tio, Laureano, que era motorista e também
tocava o instrumento. Aos cinco anos já tocava músicas tão bem quanto o tio. Gostava tanto
da flauta que não queria deixa-la nem para ir à escola, tendo cursado somente até a terceira
série primária. Nessa época, uma senhora em Jacarepaguá notou o talento dele e
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...Aí uma senhora, cujo nome eu nem me lembro mais, lá em Jacarepaguá, me
arranjou uma escola particular de música. Foi a minha sorte, pois bem que meus pais
viram que eu tinha jeito para a carreira, mas eles não tinham condições de me pagar
um professor. (Gomes por Borges e Cabral Júnior, 1979)
1952, aos vinte e oito anos. (Marcondes, 2000, p. 473) Nas entrevistas realizadas, não foi
Assis5, músico e amigo pessoal de Manuel, disse ter sido pago um curso de música por
amigos, por ele não ter condição de arcar com seus estudos. (Assis, 2001) Sobre sua
passagem pelo Conservatório não foi conseguida nenhuma informação adicional além da
emitida por Marcondes. Um dado que foi confirmado por muitas pessoas que conheceram
Manuel é dele ter sido sobrinho de Pixinguinha. Confirmação documental não foi obtida,
mas nenhuma pessoa contestou o fato. Por causa desse parentesco, algumas pessoas
acreditam que ele deve ter tido aulas com o mestre Pixinguinha, o que seria bem plausível.
Talvez advenha daí, inclusive, o seu domínio da arte do contracanto, que era também uma
musical de Manuel, tendo sido essas pessoas as que conviveram com ele profissionalmente
durante pouco tempo ou travaram conhecimento mais superficial com ele. Provavelmente
isso se deve ao fato de Manezinho da Flauta, assim como qualquer chorão, nunca utilizar
partitura para tocar, pois normalmente eles sabem tudo o que tocam de cor. Pessoas que
tiveram um relacionamento mais pessoal, ou que trabalharam com ele durante muito tempo
Manezinho, ele tinha uma grande vantagem, que tanto fazia ser com a partitura na
frente como ser de ouvido, ele tinha ouvido absoluto. Lia muito. E de ouvido era
melhor ainda. Manezinho era realmente uma coisa impressionante. (Assis, 2001)
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Francisco Assis de Lima, pandeirista do grupo “Bando de Macambira”, atuante em São Paulo.
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Todos entrevistados, sem exceção, testemunharam o extraordinário domínio do
em qualquer tonalidade e muitos dizem que ele tinha ouvido absoluto. Muitas histórias
foram contadas sobre brincadeiras que fazia com os músicos que o acompanhavam:
Manezinho tinha um estilo próprio, é que tem quem toque e tem quem toque. Porque
Altamiro é o topo, Carlos Poyares é outro grandíssimo músico, mas Manezinho tinha o
estilo próprio dele, ele sobressaía entre o Altamiro e o Poyares. Tocando do mesmo tanto,
mas fazendo um estilo bem próprio. (Assis, 2001)
...era impressionante a técnica que ele tinha. E ele, olha, eu não vi um cara assim que
tivesse a escola, que ele vem dentro do chorinho direto, não é? Então, naquela área
vão ser poucos que vai ter a técnica dele e a suavidade que ele tinha para tocar...
(Fritz, 2001)
Segundo Fritz, Manezinho tocava qualquer tipo de música popular brasileira, mas o
que ele realmente gostava era de Choro. Segundo ele a música que ele mais gostava de
...Ele improvisava muito bem no choro, era um cara que conhecia o instrumento.
Acho que já nasceu com a flauta na mão porque ele sabia tudo, a maciez que ele
tinha; mandou improvisar ele sabia tudo, todas as escalas, de trás pra frente, não tinha
aquilo de errar nota, já sabia, conhece o instrumento, não adianta....tocava de tudo se
você pedisse, mas não gostava, só gostava de tocar chorinho, aí sim tava dentro do
que ele gostava: ele tocava Bossa Nova muito bem, improvisava muito bem, mas não
gostava. (Fritz, 2001)
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Fritz, músico do Trio Mocotó, grupo atuante desde a década de setenta em são Paulo e todo o Brasil.
Fritz gravou o disco “Flauta, Cavaquinho e Violão” – pela Marcus Pereira, junto com Manezinho da Flauta,
tocando pandeiro.
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Jogral foi uma casa noturna muito importante em São Paulo na década de setenta.
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Segundo Edmilson Capelupi8, esse estilo provinha da respiração curta que tinha por
causa do álcool e do cigarro que consumia (Capelupi, 2001). Esse foi um fato interessante.
Alguns disseram que Manezinho consumia muito álcool e que essa foi inclusive uma das
causa que levou-o ao falecimento. Outros disseram ser impossível isso acontecer por conta
do caráter que tinha. Foi impossível na pesquisa de campo constatar de quando tenha sido a
Sobre sua pessoa, foram todos unânimes quando disseram ser Manezinho da Flauta
uma pessoa boníssima, reservada, séria, humilde, íntegra. Fritz disse que quando não estava
O pessoal do Jogral, todo mundo levava a sério o que fazia. Você não via a pessoa lá
fora, à toa, falando bobagem não, é música, estudar. Manezinho subia e ficava lá,
estudava o tempo todo. (Fritz, 2001)
Ainda segundo Fritz, era muito exigente e queria que tudo saísse muito bem ensaiado,
...ele queria o choro perfeito, se a música era feita assim, ele conhecia, estudou aquilo,
ele não admitia que tocasse notas foras, para ficar floreando muito. Primeiro você faz
a base, para depois você tentar fazer alguma nota diferente. (Fritz, 2001)
João Parahíba, também músico do Trio Mocotó, disse ter aprendido muito com
Manezinho, pois este trazia sempre à lembrança a importância do estudo para um músico e
a necessidade do Choro ser levado a sério por aqueles que tocavam o gênero.
brasileira como Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Emilinha Borba, tendo
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Edmilson Capelupi, um dos violonistas que acompanhou Manezinho no “Clube do Choro” em São Paulo.
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De acordo com a entrevista feita por Borges e Cabral Júnior, foi em 1959 e não em
...época de Juscelino, da euforia geral que tomava conta do Brasil de ponta a ponta.
Tempos da ‘raça varonil’ que no ano anterior havia maravilhado o mundo vencendo a
Copa do Mundo, na Suécia. (Borges e Cabral Júnior, 1979)
que o convidou para fazer parte de um conjunto que havia sido contratado por Juscelino
conjunto era “Os Brasileiros” e era composto por: maestro Guio no cavaquinho, Sivuca no
Durante dois meses nós tocamos na França, no Olímpia. Depois fomos para a
Inglaterra, onde gravamos na BBC. Também estivemos em Hamburgo, Alemanha, e
em Portugal. O que mais me marcou foi num teatro onde nos apresentamos, em
Londres. Se apresentaram conjuntos de vários países, mas o único que os ingleses
aplaudiram de pé, entusiasmados, foi o nosso. (Gomes por Borges e Cabral Júnior,
1979)
Manezinho radicou-se em São Paulo por volta da década de 70. Em São Paulo
dentre outras. Gravou vários discos acompanhando Daniel Santos, Carlos Paraná, Carlos
“O Melhor dos Chorinhos”, seu primeiro disco solo, foi gravado pela CBS em 1967.
Nessa época era conhecido como “Escurinho da Flauta”. Durante o período em que estava
trabalhando no “Jogral”, por volta dos anos setenta, gravou mais dois discos solo, através
dos quais ficou mais conhecido pelo selo Marcus Pereira: “Brasil, Flauta, Cavaquinho e
Violão”, dividido com Benedito Costa, cavaquinhista, em 1968 e “Brasil Flauta, Bandolim
20
e Violão”, dividido com Evandro do Bandolim, em 1974. Já era então conhecido como
Manezinho da Flauta. Na mesma época mais um outro disco solo foi lançado em 1973, pela
gravadora Beverly, que teve o nome de “Pixinguinha e Benedito Lacerda”, onde Manezinho
Lacerda, ambos fazendo a melodia e contracanto. Fazendo somente contracanto ele gravou
ainda “Inéditos de Jacob do Bandolim”, em 1980, onde faz contracanto com Deo Rian no
bandolim, gravação que foi reeditada em 1995 em forma de CD; Manezinho gravou ainda
encontradas, assim como discos nos quais ele teria feito contracanto, acompanhando
21
5. Repertório Abordado
Em termos de sua estrutura, o Choro é tradicionalmente em três partes, obedecendo a
também em duas partes, que seriam executadas seguindo a ordem: A-A-B-B-A. Sobre isso
... É menos enfadonho porque três partes é o choro característico brasileiro dos
bandolins... isso ainda existe hoje mas... desde que iniciaram a apresentação de
chorinho, parece que, talvez, obrigatoriamente, o choro tinha que apresentar três
seções. Hoje eu acho que é desnecessário isso; em duas seções você demonstra o
conteúdo melódico de uma composição popular como é o chorinho, e acho que na
primeira seção a melodia já fica explicitada, estabelecida, esclarecida... Isso é uma
maneira de pensar... não sei se estou fugindo da regra... se estou fugindo, eu volto!
(K.Ximbinho, 1980)
É muito comum, porém, a forma não ser rigidamente seguida quanto às repetições.
Muitas são as versões, alteradas até mesmo pelo compositor. Como exemplo está
composta.
Normalmente cada parte do Choro está em uma tonalidade. A primeira parte está na
tonalidade principal e as demais estão cada uma em tonalidades vizinhas. Por exemplo:
uma música na tonalidade de Sol maior poderá ter a segunda parte em Mi menor- relativa
maior, a homônima. Esses são alguns exemplos, podendo ocorrer outras relações.
instrumento para qual foi composta. Não são comuns, porém, choros escritos em tonalidade
muito alterada.
22
As músicas transcritas para a análise foram retiradas dos dois discos gravados por
Manezinho pelo selo Marcus Pereira: “Brasil, Flauta Cavaquinho e Violão” e “Brasil,
Flauta, Bandolim e Violão”. Do primeiro foram transcritas seis músicas sendo elas:
Costa, cavaquinho; Geraldo Cunha e Adauto Santos, violões e Fritz, pandeiro. Em todas as
acompanhamento. Do outro disco foram retiradas mais uma música, “Flor Amorosa”. A
Bandolim, bandolim; José Pinheiro, violão de seis e sete cordas; Eduardo dos Santos
Gudim, violão de seis cordas; Lúcio França, cavaquinho; José Reli e Balto da Silva,
Apesar de algumas músicas não serem Choro, não há diferenciação na utilização dos
elementos interpretativos.
“Lamentos”
Alfredo da Rocha Viana Filho, mais conhecido como Pixinguinha, foi uma das
pessoas mais importantes não só para o Choro como para a Música Popular Brasileira como
desenvolvimento do gênero durante muitos anos, tendo participado ativamente desde sua
23
composições, que estima-se chegar até duas mil. Em 1919, segundo Vasconcelos,
Pixinguinha fundou o grupo “Os Oito Batutas”. O grupo foi formado para tocar na sala de
espera do cinema carioca Palais. Em 1922 fazem uma turnê na França, onde permanecem
Pixinguinha compôs com Benedito Lacerda um duo de flauta e saxofone tenor. Neste duo
Benedito tocava a melodia na flauta e ele contrapontos no saxofone tenor. Juntos gravaram
sido bem recebido pela crítica naquela época. Cruz Cordeiro, crítico da revista Phono-Arte,
escreveu:
depois de “Carinhoso”. Quando foi lançada pela orquestra tinha o nome de “Lamentos”.
Depois foi incluída na trilha sonora do filme “Sol sobre a Lama”, quando recebeu letra de
“Lamentos” é dividida em duas partes, fato raro na época quando o Choro deveria ter
diferenciado-se nos dois últimos compassos, para cumprir a função de término da música.
24
A primeira vez que toca a parte A, Manezinho utiliza o registro médio/grave, na
mesma região escrita na partitura impressa; na volta à parte A, ele retorna uma oitava
acima. A parte B ele toca uma oitava acima em relação à partitura e quando volta pela
última vez para a parte A, ele começa na altura escrita no impresso e em determinado ponto
“Flor do Mal”
“Flor do Mal”, é uma valsa composta por Santos Coelho, autor de um método de
guitarra portuguesa muito usado em sua época, compositor que floresceu no Rio de Janeiro
no início do séc. XX. Na verdade, a música tinha o nome de “Saudade Eterna”. A valsa
saudade dorme num luar de calma” e era pouco conhecida na época, até ter-se tornado
grande sucesso em 1912, com o título “Flor do Mal”, e a letra de Domingos Correia. Um
dos motivos do sucesso talvez tenha sido a tragédia ocorrida com Domingos Correia pouco
depois de ter escritos aqueles versos. O poeta suicidou-se em maio de 1912 bebendo um
copo de desinfetante Lisol em uma casa de chope no Rio de Janeiro por causa de uma
paixão não correspondida por uma jovem que iniciava carreira artística no Rio de Janeiro,
Arminda Santos. Os versos traduziam a tristeza pelo amor não correspondido. (Severiano e
A valsa tem três partes e sua forma musical na partitura impressa é: A-A-B-C-C-A-A.
25
canção através do timbre escuro com o qual ele reveste a melodia, principalmente na
primeira parte, que é de tonalidade menor. Na terceira parte, que está em tonalidade maior,
A melancolia permeia toda a música, e isso é notado pelo registro que Manezinho usa,
“Brejeiro”
Nazareth foi, sem dúvida, o grande sistematizador da nova música popular brasileira,
... (Neves, 1977, p. 19)
Ernesto Nazaré, completa a tríade de autores que mais significação tiveram nesse
processo de fixação de um tipo nacional de música... Diversos processos rítmicos
curiosos, autenticamente nacionais, mas pela primeira vez recebiam a consagração da
pauta, foram utilizados por esse compositor de músicas de dança, bem como
sugestões provenientes do instrumental típico do choro, que ele habitualmente
reproduzia no piano. (Heitor, 1956, p. 151)
tango brasileiro, do qual seria grande fixador. “Brejeiro” chegou a ser gravado até pela
Banda da Guarda Republicana de Paris. Esse tango está presente no repertório atual do
Choro, tendo sido arranjado de diversas formas. Uma versão muito conhecida é a de Jacob
26
De acordo com a partitura impressa a tonalidade principal da música e da primeira
parte é lá maior e a segunda parte mi maior. Uma modificação aparece aqui na versão de
Manezinho. A primeira parte ele respeita a tonalidade original; a segunda parte, porém, em
dessa mudança não foi possível explicar, não sendo comum uma tal mudança na relação
mesmas.
“Carinhoso”
Cordeiro, que considerava a música muito influenciada pela melodia e ritmo do jazz:
combinações de pura música popular ianque. Não nos agradou.” (Cordeiro por Cabral,
1997, p. 123) O fato é que essa música agradou tanto que é a música de Pixinguinha mais
gravada até hoje. Muito interessante é a concepção que Pixinguinha teve de “Carinhoso”:
Coda. A coda tocada por Manezinho não é a igual a que consta na partitura impressa.
27
A tonalidade principal e da primeira parte é fá maior, a segunda parte lá menor e fá maior,
“Flor Amorosa”
brasileiros, condecorado pelo Imperador com a Ordem da Rosa em 1879. (Heitor, 1956, p.
148) Seu pai era mestre de banda na sociedade carnavalesca dos “Zuavos” e na “Sociedade
União dos Artistas”. Por conta disso cresceu no meio do rebuliço das músicas dançantes da
época. Estudou composição e regência com Henrique Alves de Mesquita. Calado já atuava
como profissional desde muito cedo e com dezoito anos apresentou-se num concerto para a
a ser considerado como o maior flautista do seu tempo. Nessa época organizou um grupo
de horo que fez enorme sucesso, sendo por isso lembrado até hoje em muitos livros sobre
sua execução na flauta, tinha estilo próprio, pois valendo-se de sua incrível agilidade,
Calado fazia ouvir a melodia em rapidíssimos saltos oitavados, que davam a
impressão de haver duas flautas tocando. (Heitor, 1956, p. 149)
composições.
mantendo as mesmas relações entre as partes. Talvez isso se deva ao fato dele dividir
28
a melodia de “Flor Amorosa” com Evandro do Bandolim, que seguindo um costume
“Flamengo”
“Diabos do Céu” e “Grupo da Velha Guarda”. Jacob do Bandolim gravou duas músicas
suas que se tornaram famosas depois dessas gravações: a valsa “Glória” e o choro
menor e a terceira em dó maior, tendo Manezinho mantido a mesma tonalidade em que foi
escrita.
José Barbosa da Silva (1888-1930), mais conhecido como Sinhô, já era conhecido
Freqüentador da casa de Tia Ciata, estava entre as pessoas que reclamaram a autoria do
samba “Pelo Telefone”, gravado em 1917 como autoria de Donga. Além de compositor de
músicas carnavalescas musicava teatros de revistas, onde fez grande sucesso. Em 1927, na
Noite Luso-Brasileira, foi coroado “Rei do Samba”. Foi professor de violão de Mario Reis,
levando-o para a Odeon, onde este gravou seu primeiro disco. Foi Mario Reis quem gravou
29
o disco com as músicas que levaram Sinhô ao auge de sua popularidade: “Jura” e “Gosto
que me Enrosco” (essa última em parceria com Heitor dos Prazeres). Um traço
característico de sua atuação como compositor era celebrar e pontuar com suas
“Gosto que me Enrosco”, samba, é dividido em duas partes, todas duas na mesma
30
6. Elementos Interpretativos
Antes de abordar os elementos interpretativos, é necessário considerar dois fatores
definidos a partir destes fatores. Assim sendo, um tipo de ornamento é escolhido segundo o
caráter que ele atribui àquela música. Além dos ornamentos, a dinâmica, o timbre, a
articulação, enfim, todos os elementos interpretativos têm relação direta com o andamento e
Durante os vinte dias que fiquei lá, fiz uma música por dia. Quase todas valsas. Você
sabe, eu estava triste. E, para exprimir a tristeza, nada melhor do que uma valsa.
[Pixinguinha por Civita (Pixinguinha), 1978, p. 11]
31
6.1. Ornamentação
Apojatura:
• 2ªm
É sempre ascendente, sendo a apojatura a sensível individual da nota a ser ornamentada.
Acontece em sua maioria em notas do acorde. Esse ornamento é sempre curto, que não tem
tempo real .
32
• Sensível
É também sempre ascendente. Neste tipo de apojatura, Manezinho insere a sensível
individual da nota a ser ornamentada. Esta apojatura toma metade do valor da nota ou
mesmo o valor total dela, empurrando-a para o próximo tempo. É um recurso muito
utilizado por ele.
• Típica do Choro
Predomina o movimento descendente, em grau conjunto, sugerindo uma
expressão chorada. Foi observada somente uma vez em movimento ascendente. É
utilizado sempre em músicas mais melodiosas (cantadas). Foram observadas
apojaturas típicas com as seguintes notas: sol, lá, si, dó e ré. A apojatura típica
pode vir em seqüência ou também isolada, com uma só apojatura. A apojatura
típica do Choro é sempre curta e seu âmbito é restrito à região média. O tipo mais
comum é com a nota lá, depois com si.
A apojatura típica do Choro com a nota lá tem uma forma especial de ser
executada: para cada vez que se tocar a apojatura lá não é necessário executar o
dedilhado correto, basta retirar o anular entre as notas da melodia que o resultado
é a nota lá.
33
Exemplo: seqüência descendente de Exemplo: seqüência ascendente de
apojaturas típicas do choro, apojaturas típicas do choro,
com a nota lá. com a nota sol.
“Flamengo”, compasso 62. “Lamentos”, compasso 66.
34
Exemplo: a exceção – seqüência ascendente de apojaturas típicas do Choro com a nota lá.
“Flor Amorosa”, compasso 26 e 27.
• 2ªM
Com o intervalo de 2ªM, a apojatura só foi observada em movimento descendente. Esta
apojatura foi observada em todos os registros, em maior número no médio. Este ornamento
é predominantemente curto, só houve uma exceção.
35
• Harmônica
A apojatura harmônica é construída com base no acorde do compasso, indicando algumas
vezes a mudança da harmonia, antecipando na apojatura notas do acorde seguinte. Esse tipo
de apojatura tem sempre intervalo maior que de 2ª. O movimento é em sua maior parte
ascendente. Ocorre predominantemente no registro médio e agudo, quase sempre em notas
antecipadas.
• Apojatura dupla
É uma apojatura curta com duas notas em movimento cromático. A primeira nota
é sempre a sensível da segunda, e a segunda pode ser também sensível da nota à
qual está ligada ou não, a depender da harmonia do compasso.
36
Exemplo: apojatura dupla, descendente. Exemplo: apojatura dupla, descendente.
“Carinhoso”, compasso 36. “Flor do Mal”, compasso 48.
• Nota repetida
É um ornamento em que a apojatura é igual à nota imediatamente anterior da nota
a ser ornamentada. Pode ocorrer em seqüência ou isoladamente.
37
Exemplo: apojatura de nota repetida, Exemplo: seqüência descendente de
descendente, isolada. apojaturas de notas repetidas.
“Flamengo”, compasso 12. “Lamentos”, compassos
116 e 117.
Trinado
colcheia. Não existe aqui a função cadencial como no trinado na música européia. A função
Exemplo: trinado.
“Lamentos”, compasso 90.
38
Exemplo: trinado. Exemplo: trinado.
“Brejeiro”, compasso 8. “Flor do Mal”, compasso 51.
Mordente
Acontece sempre em notas de curta duração, com valor menor ou igual a uma colcheia.
Não foi observado mordente em nota com duração maior do que a colcheia.
39
Exemplo: mordente. Exemplo: mordente.
“Flor do Mal”, compasso 84. “Flor do Mal”, compasso 92.
Exemplo: mordente.
“Carinhoso”, compasso 39.
Ornamento de 8ª
O ornamento de 8ª é um tipo de apojatura de 8ªJ, que não foi incluído nas apojaturas porque
possui características próprias: pode ser ligado ou destacado, vir em seqüência ou isolado e
ter movimento ascendente (predominante) ou descendente. Quando ligado ele dá um caráter
mais cantado à interpretação. Quando destacado o ornamento de 8ª dá uma ambiência mais
saltitante à música, tendo sido mais observado em choros de andamento mais rápido. O
ornamento de 8ª é dividido em dois tipos: apojatura e nota real. Todos os ornamentos de 8ª
do tipo apojatura são ligados e ascendentes. Este é um ornamento que acontece em sua
grande maioria do registro médio para o agudo. As notas oitavadas geralmente são notas do
acorde. Esse ornamento tem a função de embelezar, dar ritmo à melodia, como também
afirmar a harmonia do compasso.
• Nota real
40
Exemplo: ornamento de 8ª ascendente, Exemplo: ornamento de 8ª ascendente,
em nota real, ligado. em nota real, ligado.
“Flamengo”, compasso 60 e 61. “Carinhoso”, compassos 28 e 29.
41
Exemplo: ornamento de 8ª ascendente, Exemplo: ornamento de 8ª ascendente,
tipo apojatura, ligado. tipo apojatura, ligado.
“Flor do Mal”, compasso 59. “Carinhoso”, compassos 30 e31.
Glissando
É um ornamento de movimento cromático sem tempo real. Ele pode ser destacado ou
intervalo harmônico executado9. O registro mais utilizado para esse ornamento é o médio.
Existem intervalos que são mais favoráveis e, por isso, mais comuns na realização do
9
O sinal representante do glissando destacado é o sinal de glissando interrompido na extremidade em que é
destacado da melodia. Para realizá-lo deve-se tocar a nota do início do glissando, repeti-la em seguida
completando o glissando. Como referência observar as transcrições junto com as gravações, ambos em anexo.
42
• 3am
Predomina o movimento ascendente. O registro médio foi o mais utilizado.
43
Exemplo: glissando 3ªm, ascendente, ligado. Exemplo: glissando 3ªm,
“Flor do Mal”, compasso 13. ascendente, ligado.
“Flor do Mal”, compasso 96.
• 3ªM
Em comparação à 3ªm, foram poucos os exemplos. Aqui também a grande parte
foi ascendente. O glissando de 3ªM ocorreu em grande maioria no registro médio.
44
Exemplo: glissando 3ªM, descendente,
destacado.
“Brejeiro”, compasso 6.
• 4ªJ
É mais comum o movimento ascendente. Aqui o registro mais usado foi o médio.
45
“Flor do Mal”, compasso 36.
• 4ªaum.
Os intervalos de 4ªaum. foram todos descendentes; um intervalo de 5ªdim. foi
ascendente. A maioria foi realizada no registro grave.
46
ligado. descendente, ligado.
“Carinhoso”, compasso 63. “Flor do Mal”, compasso 5.
• 5ªJ
Predomina o movimento descendente. O registro médio foi o mais utilizado.
47
• 6ªm
A maioria foi descendente. O registro mais utilizado foi o grave.
• 6ªM
Dois exemplos foram observados, um descendente e outro ascendente, todos no registro
médio.
• 7ªm
Foram observados dois exemplos, todos ascendentes, um no registro grave e outro
no médio.
48
Exemplo: glissando 7ªm, ascendente, Exemplo: glissando 7ªm, ascendente,
ligado. ligado.
“Flor do Mal”, compasso 112. “Carinhoso”, compasso 56.
• 7ªdim.
Somente um exemplo de 7ªdim, descendente e no registro médio.
• 8ªJ
Todos ascendentes. Não há exemplos no registro agudo, somente no médio e
grave.
49
Exemplo: glissando 8ªJ, ascendente, ligado.
“Flor do Mal”, compasso 66.
• Intervalos compostos
Grupeto
50
Exemplo: grupeto ligado. Exemplo: grupeto ligado.
“Brejeiro”, compasso 7. “Brejeiro”, compasso 14.
51
Bordadura
Exemplo: bordadura.
“Flor do Mal”, compasso 61.
Frulato
interpretações de Manezinho o frulato só foi utilizado em notas longas, como uma maneira
52
Mudança de 8ª
Nota Dobrada
Este é um outro artifício que Manezinho utiliza para ornamentar a melodia: dobrar
53
6.2. Articulação
Como os demais elementos interpretativos, a articulação está diretamente ligada ao
andamento e ao caráter da peça. De acordo com isso, um choro rápido, de caráter mais
alegre, necessita de uma articulação mais solta, salpicada. Em músicas lentas a articulação
mais usada é a ligada, sendo a destacada utilizada como um ornamento para reforçar ou
indicar o fraseado. O golpe duplo é usado nos choros rápidos para dar mais agilidade.
... o que diferenciava a interpretação desse artista, tornando-a característica, não eram
os desenhos que traçava com a melodia, nem o ritmo, nem tampouco as variações do
contracanto; era tudo isso repousando numa preguiça, indecisão propositada, espécie
de ganha-tempo. (Heitor, 1956, p. 149)
que acontece com a melodia, a partir de variações rítmicas as mais diversas. Os chorões
nunca tocam o que está escrito na partitura, e cada vez que repetem, o resultado é diferente.
– Quer dizer, você não obedeceu muito à partitura, não é? – É, eu não obedecia muito
à partitura, porque era do choro e tinha bom ouvido. Então, eu fazia umas bocaduras,
quer dizer, executava o que vinha na minha inspiração. (Pixinguinha, 1966-68, p. 6)
54
É notória a necessidade de variação sobre a melodia original. Para exemplificar, uma
estrutura rítmica da música. Cazes, citando Pixinguinha, traz esse princípio evocado pelo
grande mestre, dizendo que em Choro nunca se toca o que está escrito. (Cazes, 1999, p.195)
É tão natural a realização de variações rítmicas no Choro, que se não realizadas a música
soa estranha. Um outro exemplo para ilustrar esse fato é a citação de K-Ximbinho, grande
Eu gosto do chorista que apresenta em primeiro lugar a melodia, mas dentro desta
apresentação, mesmo na primeira vez, mesmo dentro da melodia pura, ele demonstre
um pouco de colorido, um pouco de bossa, apenas não ficar restrito à execução
melódica de choro, dentro da melodia simples...Então, ao executar pra mim um bom
solista é aquele que apresenta, dentro da melodia já conhecida por todos um
pouquinho de bossa, porque isso inclusive faz parte do ensinamento ao público em
geral, dessa forma de tocar em bossa... ( K-Ximbinho, 1980)
Uma observação deve ser feita em relação à duração das notas no Choro. Raramente
as notas são tocadas até o final de sua duração, principalmente notas longas. Isso se deve
também ao fato da escrita musical não condizer com a prática da música de Choro. A
uma atitude consoante com a expressão musical e o estilo do gênero. É imprescindível, para
55
que se apreenda as variações rítmicas do Choro, conviver com os músicos que pertençam a
esta tradição.
56
Exemplo: 1) antecipação da nota sol;
2) colcheia pontuada e uma semicolcheia em semínima.
“Brejeiro”, compassos 73 e 74.
57
Exemplo: 1) antecipação
2) transformação em tercinas.
“Flamengo”, compassos 46 e 47.
Exemplo: retardo.
“Carinhoso”, compasso 10.
58
Exemplo: retardos. Exemplo: retardo.
“Lamentos”, compassos 12 a 14. “Lamentos”, compasso 46.
59
6.4. Improvisação
Nas interpretações de Manezinho foram observados dois tipos de improvisação, um
que acontece nas notas longas e pausas da melodia (ou mesmo substituindo-a) e outro que
acontece depois do término da melodia, sem ligação com a melodia. No primeiro tipo,
Ornamento Livre
Foi considerado ornamento livre todos os movimentos de notas que não pertenciam à
podendo ser um agrupamento de notas ou até mesmo uma nota isolada. Abaixo
• Salto e resolução
Lembra a escapada pelo movimento, constituído de salto e resolução em grau
conjunto. Os saltos são sempre de alguma nota do arpejo para uma dissonância,
com resolução em grau conjunto para outra nota do arpejo. Os saltos mais comuns
são: tônica para a 4ª, resolvendo na 3ª; 3ª para a 6ª, resolvendo na 5ª; 5ª para a 9ª,
resolvendo na 8ªe 7ª para a 9ª, resolvendo na 8ª.
60
Exemplo: salto e resolução. Exemplo: salto e resolução.
“Lamentos”, compassos 32. “Flamengo”, compasso 51.
• Arpejo
O arpejo é muito comum na ornamentação livre. Geralmente acontece em notas
longas. Foram observados vários tipos de arpejos: o arpejo simples do acorde, o
arpejo acrescido da 6ª do acorde, arpejo acrescido da 7ª do acorde, arpejo que
anuncia a harmonia do compasso seguinte. O arpejo pode vir conjugado com
outros ornamentos e ter movimento ascendente ou descendente.
61
Exemplo: arpejo do acorde. Exemplo: arpejo com a 6ª
“Flamengo”, compasso 61. do acorde acrescentada.
“Flamengo”, compasso 93.
62
• Sensível
É um tipo de ornamento livre construído em cima das notas do acorde e suas
sensíveis individuais. É uma manobra muito utilizada por Manezinho da Flauta.
63
A nota ornamentada é a nota lá, quinta do acorde de ré maior. Foi inserida a
sensível individual inferior, o sol#, logo após a sensível individual superior, o si.
“Flor do Mal”, compasso 94.
Neste exemplo ele também antecipa o acorde do compasso seguinte, sol maior. A
nota ornamentada é a terça do acorde, si, a sensível inserida é o lá#.
“Flor do Mal”, compasso 38.
Aqui foi inserido o ré#, sensível individual da quinta do acorde, lá maior; e o sol#,
sensível individual também da quinta do acorde, ré menor.
“Flamengo”, compassos 97 e 98.
64
• Grau conjunto
São escalas ou grupo de notas em grau conjunto, irregulares ou regulares,
utilizando notas de passagem, em movimento ascendente ou descendente. São
sempre feitas de acordo com a harmonia do compasso.
• Ornamento Pré-Estabelecido
É um ornamento que parece ter sido pré-concebido porque ele aparece em lugares similares
como também em outros momentos, sempre igual, inclusive em gravações diferentes. Esse
fenômeno foi observado somente em duas músicas, entre todas as observadas.
65
§ Lá-mi# - ornamento pré-organizado que ele toca em “Lamentos”, repetindo-o
em vários momentos.
66
• Bordadura
A bordadura é um dos elementos que composição encontrados nos ornamentos livres.
Várias delas foram observadas, todas em notas longas.
67
• Cromatismo
Manezinho da Flauta utiliza o movimento cromático para ligar notas, em tempo
regular, diferenciando de um glissando, que não tem tempo real.
Movimento cromático no Choro nem sempre significa que todas as notas sejam
cromáticas. Podem ser diatônicas, mas o final tem que soar a sensível da nota a
ser alcançada, dando assim a impressão do cromatismo. (Figuerôa 2001)
Os movimentos cromáticos aparecem sempre unindo notas do arpejo do acorde.
Outro tipo observado foi escalas cromáticas, mas sempre ligando notas do acorde:
68
Exemplo: movimento cromático, ascendente Exemplo: movimento cromático,
e descendente. descendente.
“Brejeiro”, compasso 68. “Flor do Mal”,
compasso 102.
6.5. Timbre
O timbre é um dos elementos mais difíceis de serem descritos, principalmente na
utilizado somente por poucos intérpretes. Apesar disso é muito utilizado por Manezinho em
suas interpretações. Em “Flor do Mal”, uma valsa de andamento lento, de tonalidade menor
e que evoca tristeza ou melancolia (vide histórico de “Flor do Mal”), ele usa um timbre
escuro, sempre no registro grave. Na terceira parte da mesma música, na qual a tonalidade é
maior, ele utiliza também a região média e coloca um pouco mais de brilho no som,
brilhante e ele utiliza quase que somente a região aguda da flauta. Em “Carinhoso”, por ser
69
choro-canção, ele traz o caráter cantado muito claro com o som brilhante e cheio, utilizando
a região grave e média, pouco alcançando a região aguda. Apesar de utilizar muito a região
grave, não transparece o “tom” melancólico como em “Flor do Mal”, devido à utilização do
6.6. Dinâmica
A dinâmica também entra como um dos recursos raramente utilizados pelos chorões
em geral. Uma exceção foi Jacob do Bandolim, que fazia questão do uso da dinâmica nas
Manezinho também faz uso da dinâmica, elemento esse que também está diretamente
ligado ao caráter e andamento da música. É percebido que, de uma forma geral, nos choros
de andamento rápido a dinâmica é mais forte e nos de andamento lento a dinâmica tende a
cair um pouco. No caso acima citado a dinâmica está diretamente relacionada com a região
da flauta, piano no registro grave e forte no registro agudo. Podem ser observados também
momentos em que Manezinho faz piano na região aguda e forte na região grave, o que
sua execução, não somente a dinâmica natural de seu instrumento, mas também de acordo
70
7. Conclusão
Realmente, depois do trabalho realizado, foi percebido que existe sim uma
coerência no emprego dos elementos interpretativos observados, o que leva a crer que
com padrões de comportamento que devem ser observados e estudados por quem deseja
dobrada.
andamento e ao caráter da peça. O golpe duplo é usado nos choros rápidos para dar mais
agilidade.
nunca tocam o que está escrito na partitura, e cada vez que repetem, o resultado é diferente.
São muitas as variações que são realizadas nas interpretações de Manezinho. Algumas
delas foram mais freqüentes: antecipação, retardo, transformação de alguma célula rítmica
para que se apreenda as variações rítmicas do Choro, conviver com os músicos que
ornamento livre, que acontece nas notas longas e pausas da melodia (ou mesmo
71
substituindo-a) e outro que acontece depois do término da melodia, sem ligação com a
melodia.
recurso utilizado somente por poucos intérpretes. Apesar disso é muito utilizado por
A dinâmica também entra como um dos recursos raramente utilizados pelos chorões
em geral. Manezinho faz uso da dinâmica, elemento esse que também está diretamente
dúvida, um grande desafio e que não se encerra com o término deste trabalho. Na verdade
ele significa apenas um começo. Muitas portas se abriram durante essa tarefa, algumas das
várias. O problema maior foi, certamente, tentar traduzir e sistematizar de alguma forma
Seria necessário muito mais tempo para chegar a um aprofundamento maior na tradição do
Choro, através da vivência e da prática entre os chorões e, assim, poder chegar a uma
72
análise das interpretações foi visto que a partitura impressa não é a referência para a
Por tudo isso, podemos dizer que o chorão é um músico privilegiado que, para tocar
bem e comover a quem ouve, não precisa de papel pautado nem de freqüentar escola
para aprender a bater compasso. Para ele, basta apenas o instinto, a bossa e o talento
que Deus lhe deu. [Araújo por Civita (Abel Ferreira), 1978, p. 1)
Os músicos da tradição do Choro tocam baseados no esquema mental que têm das músicas,
todas elas viventes na memória deles. Esse esquema mental é somente indicativo do
cada elemento a ser tocado. Então seria necessário um entendimento maior de como
funciona a mente dos chorões na realização das interpretações para assim chegar-se a um
Outro ponto muito difícil de ser contornado também foi a escolha de uma
vontade inicial de usar a nomenclatura utilizada pelos próprios chorões não foi possível de
ser realizada porque seria necessário um estudo muito mais aprofundado no meio da
tradição do gênero, o que não caberia dentro dos limites deste trabalho. Durante toda a
pesquisa foi observado que os chorões não usam nomes para classificar os elementos
outras formas, fato, de resto, já descrito nos procedimentos metodológicos desta pesquisa.
Seria necessário um tempo maior de convívio com esses músicos para que fosse possível
detectar na prática o conhecimento detalhado de uma terminologia própria ou, pelo menos,
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Um outro fato interessante também fica em aberto para posterior estudo: os
Carlos Poyares, flautista renomado no meio do Choro e Pedro Figuerôa, flautista de Choro
interpretativos utilizados para a execução das músicas sejam os mesmos. Este fato
talvez mais particularmente à flauta no Choro, o que seria muito interessante e merecia ser
estudado.
É possível que, a partir desta pesquisa, muitas outras se seguirão com novas formas
espera o concurso de muitos. Este fato é visto como ponto positivo pois, realmente, é
necessário que se estude a música do Brasil, país tão rico de manifestações musicais, para
que venhamos a conhecer nossa verdadeira cultura, saber quem somos e desenvolvermos o
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8. Discografia
O Melhor dos Chorinhos. Manezinho da Flauta. CBS, 1967. LP.
Gente da Antiga. Clementina de Jesus e João da Baiana. EMI 522658 2, 1968. CD.
Bandolim, Jacob do. Inéditos de Jacob do Bandolim. Déo Rian e Conjunto Noites Cariocas.
Eldorado 935.032, 1995. CD.
75
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