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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA


MESTRADO EM MÚSICA - EXECUÇÃO MUSICAL

MANEZINHO DA FLAUTA NO CHORO -


UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DA FLAUTA BRASILEIRA

ELISA ALVES GORITZKI

SALVADOR-BAHIA
2002
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
MESTRADO EM MÚSICA - EXECUÇÃO MUSICA

MANEZINHO DA FLAUTA NO CHORO -


UMA CONTRIBUIÇÃO PARA O ESTUDO DA FLAUTA BRASILEIRA

ELISA ALVES GORITZKI

Tese apresentada ao curso de Pós-graduação em


Música da Escola de Música da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Música. Área de
concentração: Execução Musical.

Orientador: Prof. Dr. Oscar Nascimento Dourado


Co-Orientador: Profª. Drª. Ângela Lühning

SALVADOR-BAHIA
2002

ii
Dedico este trabalho à memória de Manezinho da Flauta.

iii
Agradeço a:
Oscar Dourado, Lydia Hortélio, Juvino Alves, Amon, Perfilino Neto, Lucilene, Meri, João
Macambira, Seu Miguel, FranciscoAssis, Edmilson Capelupi, Antonio Carlos Carrasqueira,
Carlos Poyares, Fritz, João Parahíba, Seu Lula, Israel Almeida, Edson 7 Cordas, Pedro
Figuerôa, Pedro Augusto Dias, Carlito Chenaud, Ingo Goritzki, e a todas as demais pessoas
que me ajudaram nessa jornada.

iv
Resumo
Esse trabalho tem como objetivo estudar o estilo de interpretação de “Manezinho da
Flauta”, (1924-1990), extraordinário flautista nascido no Rio de Janeiro e que viveu grande
parte de sua vida em São Paulo, e sua contribuição para a linguagem do Choro. Para esse
trabalho foram escolhidos sete choros gravados por volta da década de setenta e transcritas
todas as partes da flauta. Estas transcrições serviram de base para a análise do estilo de
interpretação do mestre que foi Manezinho, buscando-se levantar os elementos interpretativos
utilizados. Com esse estudo pretende-se chegar a um entendimento de como o Choro deve ser
tocado, posto que as partituras do gênero não trazem indicações de interpretação, de modo a
possibilitar uma execução no estilo característico da tradição.
Através da análise das transcrições e das partituras dos respectivos choros foram
levantados os seguintes elementos interpretativos: ornamentação, articulação, variação
rítmica, improvisação, dinâmica e timbre.
Para uma aproximação maior e compreensão mais ampla do fenômeno “Manezinho da
Flauta” em seu tempo e sua atuação como músico, várias entrevistas foram feitas com músicos
que o conheceram e que com ele conviveram em Rodas de Choro e no meio artístico cultural
de São Paulo em geral, além de buscar depoimentos e informações através de artigos e
entrevistas em jornais da época.
Concluiu-se que o estilo de interpretação de Manezinho da Flauta traz em si mesmo
padrões de comportamento de um pensamento musical que o caracteriza inequivocamente.
Constatou-se também na pesquisa de campo que muitos dos elementos interpretativos
levantados são característicos do estilo dos flautistas de Choro e até mesmo do gênero.
Espera-se que estudos posteriores possam estender a investigação na busca de um
aprofundamento maior de suas muitas dimensões.

v
Abstract
The objective of this paper is to study Manezinho da Flauta’s style of interpretation, as
well as his contribution to the Choro. This extraordinary flautist was born in Rio de Janeiro
(1924-1990) and lived a great part of his life in São Paulo. For the propose of this study seven
choros were chosen and transcribed. These choros were recorded by the artist sometime
during the 70’s. These transcriptions were the basis for analyzing Manezinho’s mastery of
interpretation, seeking to identify the interpretative elements used. The main goal of this study
is to shows how the Choro should be played, thus enabling a performance in the tradicional
style, bearing in mind that the scores of this genre do not indicate how it should be interpreted.
In the comparative analysis of the transcriptions and the scores were identified the
following interpretative elements: ornamentation, articulation, rhythmic variation,
improvisation, dynamics and timbre.
Several interviews were made with musicians who met and played with him in order to
acquire a broader understanding of his performance style. The testimonies and pieces of
information presented in newspaper articles and interviews were also included in the research.
The conclusion reached is that Manezinho da Flauta’s style of interpretation presents in
itself patterns of behavior that characterizes unmistakably his own musical thoughts. Even
thought the field research also confirmed that in general many of the interpretation elements
surveyed were also typical of other flutists’Choro style, and even of the genre as a whole.
However, this statement shall wait for further studies, so that it can be confirmed and
explained in a convenient way throughout different dimensions.

vi
Índice
1. Introdução 1
2. Procedimentos Metodológicos 3
3. O Choro 6
4. Manezinho da Flauta 16
5. Repertório Abordado 22
6. Elementos Interpretativos 31
6.1. Ornamentação 32
6.2. Articulação 54
6.3. Variação Rítmica 54
6.4. Improvisação 60
6.5. Timbre 69
6.6. Dinâmica 70
7. Conclusão 71
8. Discografia 75
9. Bibliografia 76

Anexo I – Fotos 81
Anexo II – Exemplo de transcrição para análise 89
Anexo III – Transcrições 96
Anexo IV – CD com as gravações estudadas 135

vii
1. Introdução
O Brasil apresenta em suas várias regiões incontáveis manifestações musicais de

variadíssimas formas, gêneros e estilos, com suas linguagens específicas que nascem e se

configuram na tradição oral. Diante desta consideração surge a seguinte questão: como

aprender estas linguagens hoje, quando vivemos outro tempo, a tradição oral esbarra em

dificuldades e os avanços tecnológicos oferecem outras formas de aproximação ao

fenômeno musical. A investigação, o estudo e a reflexão formam hoje, ao lado da

experiência a ser adquirida entre os portadores da tradição, o complemento imprescindível

para uma ação em busca do conhecimento.

Pouco foi visto até agora do Choro sob a relação do intérprete com os elementos

estruturais de sua linguagem. Grandes músicos como Jacob do Bandolim, Abel Ferreira e

Benedito Lacerda, dentre outros, criaram seus próprios estilos através de maneiras

particulares de interpretar. Esses elementos são facilmente percebidos através das

gravações ou da atuação dos Mestres do Choro. Muito difícil é ter-se uma idéia de como o

Choro deve ser tocado, porque poucos estudos até agora têm sido dedicados ao aspecto da

interpretação. É possível, porém, indicar princípios e caminhos mediante o estudo e a

observação das interpretações, possibilitando uma compreensão mais detalhada e mais

aprofundada sobre o fenômeno da interpretação do Choro, visando facilitar assim o seu

aprendizado. É certo que não há estudo que possa substituir a criatividade peculiar do

Choro exercida na prática das Rodas de Choro. Por mais que se estude o gênero por outras

formas, nada substitui o sentimento de compreensão obtido através da prática vivenciada

com os Mestres dessa arte e que é imprescindível para uma interpretação dentro do estilo.

1
No intuito de contribuir com o preenchimento dessa lacuna no estudo da música

brasileira, em particular o Choro, o presente trabalho tem como objetivo estudar a

interpretação do flautista Manoel Gomes, mais conhecido como “Manezinho da Flauta”, na

procura do entendimento de sua linguagem musical, com o intuito de uma sistematização

inicial de seu estilo de interpretação.

A escolha de Manezinho se deu por causa de seu estilo diferenciado na utilização de

muitos elementos interpretativos que enriquecem a sua execução. Como flautista, fiquei

fascinada pela sua forma de interpretar Choro e esse fato também foi um peso grande para a

escolha de Manezinho como objeto de estudo.

2
2. Procedimentos Metodológicos
O presente estudo se desenvolveu a partir da transcrição e análise das interpretações

feitas por Manezinho da Flauta, flautista de grande talento e instrumentista portador de

imensa riqueza musical. A intenção inicial era transcrever e analisar todas as interpretações

que estivessem ao alcance. O grande número de músicas e principalmente a complexidade

das interpretações fizeram com que a tarefa se tornasse impossível de ser executada dentro

dos limites deste trabalho. Assim o número de transcrições precisou ser diminuído,

chegando-se a um total de sete músicas, sendo elas: “Lamentos”, choro de Pixinguinha;

“Carinhoso”, choro canção de Pixinguinha; “Flor do Mal”, valsa de Santos Coelho;

“Brejeiro”, tango brasileiro de Ernesto Nazareth; “Flamengo”, choro de Bonfiglio de

Oliveira; “Flor Amorosa”, choro de Joaquim Antonio da Silva Calado e “Gosto que me

Enrosco”, samba de Sinhô.

Como referência para a análise das transcrições foram tomadas partituras impressas

das músicas em estudo1. Os impressos tomados como referência foram encontrados em

circulação no mercado ou na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.

Através da análise foi observado que a melodia tocada nunca era igual à melodia

impressa na partitura. Mesmo nas repetições, cada vez que Manezinho tocava uma

determinada parte a melodia era diferente. Assim sendo, as transcrições de cada música

foram montadas com as repetições superpostas, para melhor visualização das diferenças e

identificação dos elementos usados. A partitura impressa também foi colocada junto com as

repetições como referência (exemplo no anexo I). Então o primeiro passo a ser dado foi

1
Não foi realizada uma busca dos manuscritos originais porque o foco do trabalho é a interpretação dada por
Manezinho e não a música escrita.

3
levantar os elementos utilizados por Manezinho para enriquecer sua interpretação e que

foram denominados elementos interpretativos. São eles: ornamentação, articulação,

variação rítmica, improvisação, timbre e dinâmica.

Surgiu então a necessidade de ordenar e classificar esses elementos. A intenção inicial

era utilizar a terminologia usada pelos próprios chorões. Eles não costumam, porém,

classificar separadamente esses elementos. Para os chorões todos os elementos

interpretativos são parte de um todo que eles dão o nome de “variação”, “improvisação”,

“embelezamento”, “bocadora” ou “floreio”.

Tão pouco se tinha a intenção de usar a terminologia utilizada na música ocidental

européia, pois essa tem relação direta com aquela tradição e seus ornamentos

característicos. O problema cresceu com a falta de bibliografia especializada no assunto. Na

falta de uma terminologia adequada, que só poderia existir depois de um estudo mais

aprofundado sobre a tradição do Choro, acabou sendo utilizada neste trabalho a

terminologia da música européia. Nomes como grupeto, trinado, apojatura e outros, foram

utilizados por se aproximarem do fenômeno observado, não sendo aqui pensados como

equivalência de significado. Também foram utilizados nomes que puderam ser criados a

partir da observação do fenômeno. Mesmo não sendo reconhecidos pela tradição em

estudo, eles não estariam imbuídos de significados representados por outra qualquer

tradição.

Para melhor embasamento do contexto vivido por Manezinho, além do estudo da

bibliografia levantada, foi realizada uma viagem para São Paulo, cidade onde ele viveu os

últimos anos de sua vida, para efetuar entrevistas com músicos e pessoas que com ele

conviveram. Ao todo foram realizadas nove entrevistas, com as seguintes pessoas: “Seu”

4
Miguel, dono da loja “Contemporânea”2, Francisco Assis de Lima, pandeirista e amigo

pessoal de Manezinho; João Macambira, músico que toca violão tenor; “Seu” Lula,

violonista; Fritz, percussionista que participou da gravação de um dos discos de

Manezinho; Carlos Poyares, flautista; Antonio Carlos Carrasqueira, flautista e Israel de

Almeida, violonista.

Em uma roda de choro, que é realizada há mais de vinte anos na loja Contemporânea,

o músico João Macambira, tocou no violão tenor uma composição de Manezinho da Flauta,

chamada “Seu Zé”, o que mostra que Manezinho, além de instrumentista era também

compositor, como sempre acontece com os chorões.

2
Loja de instrumentos musicais, acessórios, partituras e CD’s no centro de São Paulo.

5
3. O Choro
A bibliografia do assunto diverge um pouco sobre o surgimento do Choro, talvez

pela ansiedade de estabelecer uma data precisa, sem que isso seja possível. Mozart de

Araújo diz que:

a música popular e seus gêneros não surgem neste ou aquele ano, através desta ou
aquela música. O aparecimento é lento, através de vários anos e composições que
acabam definindo uma linguagem musical”. (Araújo, 1977)

Segundo a observação de fontes bibliográficas, foi nos subúrbios do Rio de Janeiro, em

meados do séc. XIX, o provável surgimento do que viria a ser o Choro.

A palavra não designava ainda um gênero musical, mas apenas conjuntos

instrumentais característicos desse período da música popular brasileira e a maneira

peculiar com que eram tocadas as danças de salão européias em voga na época, como a

valsa, o schottish e, principalmente, a polca, dança essa que fez enorme sucesso no Brasil.

Com o tempo os chorões3, que eram também compositores, foram transformando as

músicas advindas da Europa, traduzindo-as para o seu “vocabulário cultural”.

É interessante ver o significado da palavra Choro. Muitos autores procuram chegar a

um conceito, de tal forma que não foi possível chegar à origem do nome devido a variedade

de versões, ao todo oito explicações(!):

• Os nossos negros faziam em certos dias, como em São João, ou por ocasião de
festas nas fazendas, os seus bailes, que chamavam de xolo, expressão que, por
confusão com a parônima portuguesa, passou a dizer-se xôro e, chegando à
cidade, foi grafada chôro, com ch. (Raimundo por Cascudo, 1962, p. 222)

• Pois seriam esses esquemas modulatórios, partindo do bordão para descaírem


quase sempre rolando pelos sons graves, em tom plangente, os responsáveis pela

3
Chorão significava desde então, não o aumentativo da palavra choro, mas os músicos que tocavam esse
repertório.

6
impressão de melancolia que acabaria conferindo o nome choro a tal maneira de
tocar... (Tinhorão, 1974, p. 95)

• ...e Catulo dizia que a música dos choros era tão comovente que fazia chorar.
(Carvalho, 1970)

• Quer-me parecer, antes, que a designação deriva de choromeleiros, corporação de


músicos de atuação importante no período colonial brasileiro. Para o povo,
naturalmente, qualquer conjunto instrumental deveria ser sempre apontado como
os choromeleiros, expressão que, por simplificação, acabou sendo encurtada para
os choros. (Vasconcelos, 1984, p. 17 e 18)

• ...diz tratar-se de uma colisão cultural da palavra ‘choro’ (do verbo chorar) com a
corruptela da grafia ‘chorus’, enquanto designação de conjunto instrumental.
(Siqueira por Neves, 1977, p. 18)

• ...Portanto, se algo evocava melancolia era a maneira de tocar a melodia. Sendo


assim, acredito que a palavra Choro seja uma decorrência da maneira chorosa de
frasear, que teria gerado o termo chorão, que designava o músico que “amolecia”
as polcas. (Cazes, 1999, p. 19)

• Segundo Edson 7 Cordas, no princípio do choro os acompanhadores não liam


partitura, de forma que tinham que acompanhar de ouvido. Nas modulações
típicas do choro, que eram criadas mesmo para testar o acompanhador, acontecia
do violonista não conseguir acompanhar o solista e ser “derrubado”. Era quando
os outros diziam: - Deixe de choro, vá acompanhar o rapaz... (Santos 1999)

• ...que o vocábulo tanto poderia significar um grupo de instrumentos (flauta,


violão, cavaquinho, bandolim, clarinete, oficleide, etc.) como o ato de se reunirem
para tocar (por exemplo: ‘hoje fui a um choro’); ou, ainda, a melodia de compasso
2 por 4, que se caracterizava por frases sentimentais ou
modulações inesperadas. (Jacob do Bandolim por Hermínio Belo de Carvalho,
1995)

Depois do surgimento dos conjuntos de Choro por volta de 1870, uma outra forma de

expressão do gênero surgiu na virada do século: as bandas civis e militares. Surgida desde

o início do séc. XIX, a banda desempenhou um papel importantíssimo na formação dos

músicos de Choro. A maioria dos músicos de sopro do séc. XIX e XX tiveram sua

formação musical inicial na banda. Segundo Tinhorão:

7
... tais bandas, cuja influência se estenderia até o advento do disco – quando ainda
gozavam da preferência do público no lançamento, inclusive, dos primeiros sambas –
eram importantes núcleos formadores de músicos. [Tinhorão por Civita (Abel
Ferreira), 1978, p. 8-10]

Cazes, em seu livro, traz uma citação de Oswaldo Passos Cabral, onde ele diz que em

1870 já existiam cerca de três mil bandas no país. (Cabral por Cazes, 1999, p. 30)

Ao iniciar a década de vinte, o número de conjuntos de Choro começa a diminuir,

assim como as bandas militares e civis, que fizeram tanto sucesso. Isso ocorre por causa

das jazz-bands, que chegam pela influência da música norte americana, trazendo um novo

modelo de banda, que não condizia com o nosso. Junto com as jazz-bands, o foxtrote

tornou-se a música de sucesso, desbancando paulatinamente a música brasileira. Com essa

crescente mudança, o Choro, tendo os seus meios de divulgação praticamente bloqueados,

passou a fazer parte, quase tão somente das festas populares e reuniões em casa de

particulares. (Vasconcelos, 1988, p. 84 e 85)

Segundo Vasconcelos, a década de trinta e quarenta foi um período chamado pelos

pesquisadores de “idade de ouro”. Para a música cantada realmente foi, mas para o Choro,

gênero genuinamente instrumental, não foi tanto assim. Os músicos de Choro presentes na

década anterior continuam produzindo, mas poucas gravações chegam ao grande público.

Para os instrumentistas pouco espaço é dado nos meios de comunicação. Começa a crescer

o número de conjuntos para acompanhar os cantores em voga, grupos esses compostos em

sua grande maioria de chorões. Pouco espaço existia para divulgarem a sua própria música,

o Choro. (Vasconcelos, 1988, p. 86) Acredita-se que, mesmo não sendo divulgado pelos

meios de comunicação, o Choro nunca se enfraqueceu ou deixou de existir, fato que pode

ser constatado através do número de composições e interpretações não só desta época,

como de resto até hoje em dia.

8
Na segunda metade da década de quarenta aparece a Orquestra Tabajara, de Severino

Araújo, fazendo enorme sucesso no Rio de Janeiro. Junto com ela, muitas outras orquestras

aparecem no cenário musical brasileiro tocando e gravando Choro, como a big-band de

Fon-Fon, a orquestra de Carioca e a orquestra de Chiquinho. (Vasconcelos, 1988, p. 90)

Três eventos importantes vieram marcar a trajetória do Choro na década de cinqüenta.

O primeiro deles foi o “I Festival da Velha Guarda”, em São Paulo. O segundo foi a “1ª

Noite dos Choristas” e o terceiro a “2ª Noite dos Choristas”, nesse último reunindo por

volta de cinqüenta violonistas, vinte e cinco bandolinistas, etc. (Vasconcelos, 1988, p. 93)

Nesta década viu-se também a consagração do Choro cantado. Apesar de ser um gênero

tradicionalmente instrumental, ele teve também sua vertente cantada, cuja expressão

máxima foi representada por Ademilde Fonseca, consagrada como a cantora rainha desse

gênero.

Se o Choro já vinha encontrando dificuldades de divulgação, na década de sessenta a

situação agravou-se com o surgimento da Bossa Nova, movimento que tomou a atenção

dos meios de comunicação, deixando ainda menos espaço para outros gêneros.

Nos anos 60, época da bossa nova, o choro quase desapareceu, vítima de desinteresse
e preconceito. A bossa era moderna, o samba que chegou aos palcos universitários
pela mão dos centros populares de cultura dos diretórios acadêmicos e o choro era
coisa de velho, aposentado, suburbano. Além disso, naquela época as letras eram tão
importantes quanto as músicas. E não é comum, nunca foi, que os choros tenham
letras. Assim, além de suburbano, o choro era desimportante, ou melhor, alienado,
para usar uma expressão que então estava em voga. (Dias, 1995)

Nos anos setenta muitos acontecimentos trouxeram o Choro de volta para o grande

público, dentre eles um show com Paulinho da Viola e o conjunto “Época de Ouro”, com

tanto sucesso que a temporada teve que ser prolongada. Muitos outros eventos foram

realizados por iniciativa de particulares e de setores municipais, estaduais e federais. A

9
partir desta década passaram a ser organizadas em todo o Brasil sociedades denominadas

de “Clube do Choro”: em Brasília, em Salvador, no Rio de Janeiro, em Pernambuco, em

São Paulo, dentre outros. Esse acontecimento proporcionou um espaço organizado que

possibilitou o reencontro de antigos e novos intérpretes com seu público cativo e o acesso

de um novo público, que até então não freqüentava as Rodas de Choro. Talvez esta “volta”

do Choro esteja vinculada ao centenário do gênero:

Os anos 70 deste século estão vivendo sob a égide do ‘boom’ do choro. Os anos 70 do
séc. passado é que são responsáveis por esse ‘boom’, por esse modismo de se reciclar
a mais autêntica música urbana brasileira. O choro comemorou o seu centenário de
existência e mostrou que é uma música ainda tão revitalizante e moderna, apesar de
seu ar antigo, que o seu conseqüente consumo não é influenciado apenas por uma
questão de moda passageira. (Soares, 1979)

O fato é que volta o interesse das gravadoras pelo gênero. Nessa década a Marcus

Pereira, gravadora que fez importante documentário da cultura brasileira, lançou uma série

de discos com músicos extraordinários, inclusive dois deles com interpretações de Manuel

Gomes, o Manezinho da Flauta, o objeto desse estudo.

Muitos outros eventos envolvendo o Choro aconteceram na década de setenta: a

“Semana Jacob do Bandolim”, realizada pelo Museu da Imagem e do Som; “Projeto

Concerto de Choro”, no Rio de Janeiro; “1º Encontro Nacional de Choro”, em São Paulo,

“Choro na Praça”, no Rio de Janeiro; I, II e III Concurso de Conjuntos de Choro, dentre

outros.

O ressurgimento do Choro nos meios de comunicação possibilitou a jovens em todo o

país o conhecimento desse gênero musical. Aliado a isso, os festivais e concursos

realizados incentivaram o surgimento de grupos de Choro com músicos jovens. Um outro

fato de importância foi a integração do Choro nos Festivais de Música de Verão ou

Inverno, como Festival de Inverno de Campos de Jordão e o Festival de Verão da Escola de

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Música de Brasília, espaço onde antes predominava a música de tradição européia e

jazzística.

Na década de noventa muitos movimentos de Choro foram criados ou revitalizados

em todo o país: “Clube do Choro” em Brasília, “Casa do Choro” em Salvador, “Clube do

Choro” em São Paulo, “Roda de Choro” em Porto Alegre, “Roda de Choro” em Fortaleza,

“Roda de Choro” em Recife, dentre outros.

O ensino do Choro até agora tinha acontecido baseado na tradição oral, através dos

mestres de Choro, em “Rodas de Choro” ou mesmo em aulas fornecidas por eles. Depois da

década de setenta, além dessa fonte para o aprendizado, um ensino mais formal do gênero

passou a ser buscado por músicos e pesquisadores do Choro. Em Brasília há uma escola de

Choro há pelo menos cinco anos, a “Escola Nacional de Choro Rafael Rabello”, que tem

duzentos e cinqüenta alunos e uma lista de espera de quinhentas pessoas! Em alguns

lugares do Brasil também começam a funcionar Oficinas de Choro, na busca de um ensino

mais formalizado, como no Rio de Janeiro, em Salvador e em São Paulo.

O Choro é um gênero que apesar de estar, em sua grande parte, escrito em partituras,

a sua alma encontra-se na tradição oral. Muitos músicos da tradição do Choro não

conhecem a escrita musical ou pouco sabem dela. Alguns vieram a aprendê-la depois de

estarem na prática há algum tempo, como foi o caso de Jacob do Bandolim, que tinha trinta

e um anos quando aprendeu a ler e escrever música. (Paz, 1997, p. 49). Apesar disso todos

têm a preocupação de passar para o papel suas composições, pedindo a alguém que o faça

ou procurando escrever ele mesmo.

É curioso observar a importância que é dada pelos chorões ao conhecimento


musical-teórico, visto que esse conhecimento não facilita o aprendizado do estilo do
gênero. Os chorões quase nunca utilizam a partitura (para não dizer nunca) e são da opinião
de que a partitura até atrapalha a interpretação. Isso é compreendido quando um choro é

11
ouvido acompanhando-se com a partitura em mãos. O ouvinte há de perceber que existem
variações na melodia que não fazem parte do original. É incrível a inventividade desses
músicos, pois não há uma só vez em que eles repitam a música da mesma maneira.

Um dos pontos que provam a riqueza do nosso populario ser maior do que a gente
imagina é o ritmo. Seja porquê os compositores de maxixes e cantigas impressas não
sabem grafar o que executam, seja porquê dão só a síntese essencial deixando as
subtilezas pra invenção do cantador, o certo é que uma obra executada difere ás vezes
totalmente do que está escrito. (Andrade, 1962, p. 21)

Os elementos utilizados para a variação abrangem ornamentação, articulação,

dinâmica, timbre, variações rítmicas e improvisação. Para cada instrumento solista, existe

uma forma de variação própria, condicionada também à técnica particular de cada

instrumento, havendo elementos comuns a qualquer um. Entram no jogo também os estilos

individuais, que se distinguem pelo caráter e compreensão musical de cada músico. Assim

sendo, podem ser observados elementos que são usados diferentemente ou de forma

semelhante pelos chorões. Como ilustração do que foi dito, seguem algumas informações

sobre Jacob do Bandolim:

Todos nós temos a escola dele. Eu tive muita influência, como não podia deixar de
ser. Comecei a tirar aquilo que eu achava bonito que ele fazia. Meu som é diferente
do dele. Mas tem muita coisa que eu tirei dele. Ele usava glissandos, mordentes,
muita coisa que existe na música e que o chorão usava indevidamente e que o Jacob
usava com muito bom gosto, com muita propriedade. Além disso. Tinha a maneira
dele de tocar um choro, de interpretar... (Nascimento por Paz, 1997, p. 66 e 67)

A primeira geração do Choro foi representada por conjuntos formados por violões,

cavaquinho, flauta, clarinete, trompete, bombardino, oficleide, dentre outros. Segundo

Mozart de Araújo, “os instrumentos de banda no choro deram maior riqueza de timbres e

mais possibilidades harmônicas”. (Carvalho, 1970) A melodia era apresentada pelo

instrumento solista, acompanhada pelos violões. Siqueira descreve o conjunto de Calado:

...Constava ele desde sua origem de um instrumento solista, dois violões e um


cavaquinho, onde somente um dos componentes sabia ler a música escrita; todos os
demais deviam ser improvisadores do acompanhamento harmônico. (Siqueira por
Tinhorão, 1974, p. 96)

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O pandeiro, instrumento hoje em dia imprescindível no Choro, só veio a aparecer

bem mais tarde, na década de vinte. Ary Vasconcelos afirma que foi através de Jacó

Palmieri, percussionista do grupo “Os Oito Batutas”, que o pandeiro entra no Choro.

É, aliás, pelas mãos de Jacó Palmieri que o pandeiro tem ingresso no choro. Pode-se,
assim, afirmar que a percussão no choro – através de pandeiros, ganzás, etc. – só
surge nesta fase. Em 1921, o pandeiro é mencionado, pela primeira vez, em um selo
de disco, como um dos instrumentos que, ao lado da clarineta, do trombone, do violão
e do cavaquinho, integravam o Grupo do Moringa. (Vasconcelos, 1988, p. 82)

Outro instrumento muito importante também no Choro é o violão de sete cordas, que

só foi introduzido no Choro no início do séc. XX. Arthur de Souza Nascimento, mais

conhecido como Tute, introduziu a sétima corda no violão, afinada em dó, inaugurando o

violão de sete cordas no Choro. O seu violão era logo percebido nas gravações pela

extensão do seu instrumento. Esse instrumento foi depois desenvolvido por Horondino

Silva, o Dino 7 Cordas, com as “obrigações”4 que hoje se ouve nos violões de 7 cordas:

O falecido Tute foi o primeiro que eu vi tocar um violão de sete cordas. E eu me


intrigava com aquilo, mas achava impossível vir a tocar um. Tute tocava com
Pixinguinha na Rádio Mayrink Veiga e, com sua morte, resolvi experimentar.
Encomendei um violão idêntico ao seu e iniciei um auto-aprendizado. Levei uns três
meses ‘apanhando’ do instrumento, até conseguir doma-lo. A vontade de tocar um
sete-cordas nasceu da necessidade de florear o acompanhamento do choro com
fraseados mais graves. O sete-cordas é um instrumento nacional, assim como o
cavaquinho de cinco cordas, que hoje já não se toca. [Silva por Civita (Jacob do
Bandolim), 1978, p. 10]

A formação de um conjunto de choro é comumente constituída de um violão de seis

cordas, um violão de sete cordas, cavaquinho, um instrumento solista e pandeiro. Os

instrumentos solistas mais utilizados são a flauta, a clarineta, o bandolim e o cavaquinho.

Mesmo sendo esses os instrumentos mais usados, outros foram observados no Choro, como

o trompete, bombardino, trombone, oficleide (em desuso desde o início do séc. XX),

13
acordeon, cítara, guitarra havaiana, banjo, violão tenor, piano, violino, flautim, dentre

outros. Alguns desses instrumentos tem também a função de contrapontear a melodia,

como o trombone e o antigo oficleide, além de tocarem também a melodia. O Choro,

apesar ter seus instrumentos tradicionais, é conhecido como um gênero que absorve

qualquer instrumento.

Cada instrumento tem uma função dentro do conjunto: o solista toca a melodia,

havendo mais de um solista no grupo, eles dividem a melodia ou fazem contracanto

enquanto o outro sola a melodia; o cavaquinho é chamado de “centro”, faz o ritmo e a base

harmônica; o violão de sete cordas conduz a harmonia e faz contracanto com a melodia

através de linhas melódicas chamadas pelos chorões de “baixaria” ou “obrigações”; o

violão de seis cordas realiza a harmonia e dobra as “obrigações” do violão de sete cordas

uma terça acima e o pandeiro realiza o ritmo.

Diferentemente de outros instrumentistas, é observado que os flautistas chorões tocam

uma oitava acima do que está escrito na partitura. O registro da flauta utilizado

normalmente no Choro é o registro médio e o agudo, sendo que a melodia está quase

sempre escrita no registro grave/médio para a flauta. Isso ocorre porque se a melodia fosse

escrita de acordo com o registro utilizado, seria necessário o uso de muitas linhas

suplementares, o que tornaria a tarefa mais complicada. Esse trabalho não é necessário

porque, na verdade, para os chorões a partitura não tem função no momento da execução,

quando muito utilizam-na para o estudo de uma melodia ainda não conhecida. Assim que a

melodia foi assimilada eles deixam a partitura de lado e passam a executar a estrutura que

fica guardada na mente. Essa estrutura não é nominativa mas sim somente indicativa, onde

4
Denominação dada pelos Chorões à linha melódica realizada pelo violão de 7 cordas no Choro.

14
o espaço para as infinitas variações é aberto. A função da partitura é somente registrar a

criação, para que ela não se perca por causa na memória.

O registro grave da flauta não é muito utilizado porque não é muito audível frente aos

outros instrumentos acompanhadores, sendo esse registro usado mais como efeito de

variação, mais comumente em choros lentos. A mudança de registro em pequenos trechos

da melodia pode ser observada como um elemento interpretativo para variação da melodia,

de resto utilizado também por outros instrumentistas, não só os flautistas.

O repertório do Choro era composto inicialmente por polcas, quadrilhas, tangos

brasileiros e valsas, tendo o gênero Choro se estabelecido no início do séc. XX. É

importante dizer que, mesmo depois do aparecimento do nome Choro como composição, o

repertório dos chorões continuou abrangendo outros gêneros, como em seus primórdios,

vindo a acrescentar-se depois o frevo e o baião.

Quase todos os chorões são também compositores. Os músicos só podiam se dizer

chorões quando também compunham. Era quase inaceitável um músico só intérprete. Ao

longo do tempo isso foi modificando um pouco, mas é sempre esperado que um chorão

toque suas composições.

15
4. Manezinho da Flauta
Manuel Gomes, o ”Manezinho da Flauta”, nasceu no Rio de Janeiro em
1924. Neto de flautista, aos cinco anos começou a tocar flauta de latão. O pai,
estivador, também gostava de tocar esse instrumento e muito incentivou o filho,
levando-o a programas de calouros da Rádio Tupi do Rio de Janeiro. Estudou na
Escola Quinze de Novembro e, com a morte do avô, ganhou como herança uma
flauta francesa, marca Djalma Julliot, que nunca mais deixou. Aos 15 anos de idade
já tocava como profissional na Rádio Guanabara e aos 16, numa escola de dança
carioca, o Farolito Danças. Em 1952, quando se diplomou pelo Conservatório
Musical do Rio de Janeiro, trabalhava na Rádio Mauá do Rio de Janeiro. Em 1961
percorreu a Europa com o compositor Humberto Teixeira, apresentando-se na
França, Inglaterra e Bélgica. Em 1963 e 1964 tocou no Zicartola e em 1967 gravou
seu primeiro LP como solista, O Melhor dos Chorinhos, pela CBS. Um ano depois,
na Odeon, participou da gravação do LP Gente da Antiga, ao lado de Pixinguinha,
João da Baiana e Clementina de Jesus. Durante três meses, 1969, tocou na gafieira
Som de Cristal, de São Paulo SP, sendo contratado, um ano depois, como flautista
do Jogral, e atuando no show Os homens verdes na noite, montado por Luis Carlos
Paraná, criador daquela casa noturna. Radicado em São Paulo, passou a fazer parte
do conjunto regional do bandolinista Evandro, com o qual gravou em 1974 o LP
Brasil, flauta, bandolim e violão, na etiqueta Marcus Pereira. Faleceu em 17 de
junho de 1990. (Marcondes, 2000, p. 473)

Manuel Gomes nasceu no Rio de Janeiro em 1924, em Jacarepaguá. Filho de

Marcelino, estivador, e Guilhermina, doméstica, era um dos treze filhos do casal. Teve uma

infância difícil: “Minha infância foi como a de qualquer criança pobre do Rio. Talvez eu

fosse apenas um pouco mais quietinho, mais reservado. Moleque, andei vendendo laranjas

pela cidade. Essas coisas.” (Gomes por Borges e Cabral Júnior, 1979)

A primeira flauta de lata ele ganhou do tio, Laureano, que era motorista e também

tocava o instrumento. Aos cinco anos já tocava músicas tão bem quanto o tio. Gostava tanto

da flauta que não queria deixa-la nem para ir à escola, tendo cursado somente até a terceira

série primária. Nessa época, uma senhora em Jacarepaguá notou o talento dele e

matriculou-o em uma escola particular de música:

16
...Aí uma senhora, cujo nome eu nem me lembro mais, lá em Jacarepaguá, me
arranjou uma escola particular de música. Foi a minha sorte, pois bem que meus pais
viram que eu tinha jeito para a carreira, mas eles não tinham condições de me pagar
um professor. (Gomes por Borges e Cabral Júnior, 1979)

Estudou também no Conservatório Musical do Rio de Janeiro, diplomando-se em

1952, aos vinte e oito anos. (Marcondes, 2000, p. 473) Nas entrevistas realizadas, não foi

possível obter qualquer confirmação de estudos formais implementados por Manezinho.

Assis5, músico e amigo pessoal de Manuel, disse ter sido pago um curso de música por

amigos, por ele não ter condição de arcar com seus estudos. (Assis, 2001) Sobre sua

passagem pelo Conservatório não foi conseguida nenhuma informação adicional além da

emitida por Marcondes. Um dado que foi confirmado por muitas pessoas que conheceram

Manuel é dele ter sido sobrinho de Pixinguinha. Confirmação documental não foi obtida,

mas nenhuma pessoa contestou o fato. Por causa desse parentesco, algumas pessoas

acreditam que ele deve ter tido aulas com o mestre Pixinguinha, o que seria bem plausível.

Talvez advenha daí, inclusive, o seu domínio da arte do contracanto, que era também uma

das especialidades de Pixinguinha. Algumas pessoas contestaram o conhecimento teórico-

musical de Manuel, tendo sido essas pessoas as que conviveram com ele profissionalmente

durante pouco tempo ou travaram conhecimento mais superficial com ele. Provavelmente

isso se deve ao fato de Manezinho da Flauta, assim como qualquer chorão, nunca utilizar

partitura para tocar, pois normalmente eles sabem tudo o que tocam de cor. Pessoas que

tiveram um relacionamento mais pessoal, ou que trabalharam com ele durante muito tempo

disseram que Manezinho tinha uma leitura musical excelente.

Manezinho, ele tinha uma grande vantagem, que tanto fazia ser com a partitura na
frente como ser de ouvido, ele tinha ouvido absoluto. Lia muito. E de ouvido era
melhor ainda. Manezinho era realmente uma coisa impressionante. (Assis, 2001)

5
Francisco Assis de Lima, pandeirista do grupo “Bando de Macambira”, atuante em São Paulo.

17
Todos entrevistados, sem exceção, testemunharam o extraordinário domínio do

instrumento, considerando-o um dos maiores flautistas do Brasil. Tocava qualquer música

em qualquer tonalidade e muitos dizem que ele tinha ouvido absoluto. Muitas histórias

foram contadas sobre brincadeiras que fazia com os músicos que o acompanhavam:

Quando chegava alguém abusando na roda, Manezinho, se estava tocando alguma


música em ré maior, ele descia para mi bemol, quebrando com os músicos. Ele tocava
em qualquer tom. (Macambira, 2001)

Todos falaram do estilo próprio de execução de Manezinho, um estilo com muita

variação e domínio do instrumento. Segundo Fritz6, tinha o domínio da improvisação em

qualquer gênero da música brasileira.

Manezinho tinha um estilo próprio, é que tem quem toque e tem quem toque. Porque
Altamiro é o topo, Carlos Poyares é outro grandíssimo músico, mas Manezinho tinha o
estilo próprio dele, ele sobressaía entre o Altamiro e o Poyares. Tocando do mesmo tanto,
mas fazendo um estilo bem próprio. (Assis, 2001)

...era impressionante a técnica que ele tinha. E ele, olha, eu não vi um cara assim que
tivesse a escola, que ele vem dentro do chorinho direto, não é? Então, naquela área
vão ser poucos que vai ter a técnica dele e a suavidade que ele tinha para tocar...
(Fritz, 2001)

Segundo Fritz, Manezinho tocava qualquer tipo de música popular brasileira, mas o

que ele realmente gostava era de Choro. Segundo ele a música que ele mais gostava de

tocar no Jogral7 era “Carinhoso”, de Pixinguinha.

...Ele improvisava muito bem no choro, era um cara que conhecia o instrumento.
Acho que já nasceu com a flauta na mão porque ele sabia tudo, a maciez que ele
tinha; mandou improvisar ele sabia tudo, todas as escalas, de trás pra frente, não tinha
aquilo de errar nota, já sabia, conhece o instrumento, não adianta....tocava de tudo se
você pedisse, mas não gostava, só gostava de tocar chorinho, aí sim tava dentro do
que ele gostava: ele tocava Bossa Nova muito bem, improvisava muito bem, mas não
gostava. (Fritz, 2001)

6
Fritz, músico do Trio Mocotó, grupo atuante desde a década de setenta em são Paulo e todo o Brasil.
Fritz gravou o disco “Flauta, Cavaquinho e Violão” – pela Marcus Pereira, junto com Manezinho da Flauta,
tocando pandeiro.
7
Jogral foi uma casa noturna muito importante em São Paulo na década de setenta.

18
Segundo Edmilson Capelupi8, esse estilo provinha da respiração curta que tinha por

causa do álcool e do cigarro que consumia (Capelupi, 2001). Esse foi um fato interessante.

Alguns disseram que Manezinho consumia muito álcool e que essa foi inclusive uma das

causa que levou-o ao falecimento. Outros disseram ser impossível isso acontecer por conta

do caráter que tinha. Foi impossível na pesquisa de campo constatar de quando tenha sido a

fase do vício e se realmente existiu.

Sobre sua pessoa, foram todos unânimes quando disseram ser Manezinho da Flauta

uma pessoa boníssima, reservada, séria, humilde, íntegra. Fritz disse que quando não estava

ensaiando ou em apresentação, estava estudando sua flauta:

O pessoal do Jogral, todo mundo levava a sério o que fazia. Você não via a pessoa lá
fora, à toa, falando bobagem não, é música, estudar. Manezinho subia e ficava lá,
estudava o tempo todo. (Fritz, 2001)

Ainda segundo Fritz, era muito exigente e queria que tudo saísse muito bem ensaiado,

dentro do estilo do Choro.

...ele queria o choro perfeito, se a música era feita assim, ele conhecia, estudou aquilo,
ele não admitia que tocasse notas foras, para ficar floreando muito. Primeiro você faz
a base, para depois você tentar fazer alguma nota diferente. (Fritz, 2001)

João Parahíba, também músico do Trio Mocotó, disse ter aprendido muito com

Manezinho, pois este trazia sempre à lembrança a importância do estudo para um músico e

a necessidade do Choro ser levado a sério por aqueles que tocavam o gênero.

No Rio de Janeiro Manezinho acompanhou grandes nomes da musica popular

brasileira como Francisco Alves, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Emilinha Borba, tendo

trabalhado nas grandes casas noturnas da época.

8
Edmilson Capelupi, um dos violonistas que acompanhou Manezinho no “Clube do Choro” em São Paulo.

19
De acordo com a entrevista feita por Borges e Cabral Júnior, foi em 1959 e não em

1961 (Marcondes, 2000) que Manezinho da Flauta foi à Europa:

...época de Juscelino, da euforia geral que tomava conta do Brasil de ponta a ponta.
Tempos da ‘raça varonil’ que no ano anterior havia maravilhado o mundo vencendo a
Copa do Mundo, na Suécia. (Borges e Cabral Júnior, 1979)

Naquele ano Manezinho tocava no “Regional do Pernambuco”, na Rádio Mauá. O

pandeirista do regional, Pernambuco, apresentou Manezinho ao maestro Guio de Moraes,

que o convidou para fazer parte de um conjunto que havia sido contratado por Juscelino

Kubitschek de Oliveira para mostrar a Música Popular Brasileira na Europa. O nome do

conjunto era “Os Brasileiros” e era composto por: maestro Guio no cavaquinho, Sivuca no

acordeon, Abel Ferreira na clarineta, Pernambuco no pandeiro e Manezinho na flauta.

Durante dois meses nós tocamos na França, no Olímpia. Depois fomos para a
Inglaterra, onde gravamos na BBC. Também estivemos em Hamburgo, Alemanha, e
em Portugal. O que mais me marcou foi num teatro onde nos apresentamos, em
Londres. Se apresentaram conjuntos de vários países, mas o único que os ingleses
aplaudiram de pé, entusiasmados, foi o nosso. (Gomes por Borges e Cabral Júnior,
1979)

Manezinho radicou-se em São Paulo por volta da década de 70. Em São Paulo

trabalhou em muitas casas noturnas, dentre elas: “O Jogral”, “Catedral do Samba”, no

“Bexiga”, no “Café Society”, no “Clube do Choro”, no “Cochichando”, no “3º Wisky”,

dentre outras. Gravou vários discos acompanhando Daniel Santos, Carlos Paraná, Carlos

Cunha, Germano Matias e muitos outros músicos.

“O Melhor dos Chorinhos”, seu primeiro disco solo, foi gravado pela CBS em 1967.

Nessa época era conhecido como “Escurinho da Flauta”. Durante o período em que estava

trabalhando no “Jogral”, por volta dos anos setenta, gravou mais dois discos solo, através

dos quais ficou mais conhecido pelo selo Marcus Pereira: “Brasil, Flauta, Cavaquinho e

Violão”, dividido com Benedito Costa, cavaquinhista, em 1968 e “Brasil Flauta, Bandolim

20
e Violão”, dividido com Evandro do Bandolim, em 1974. Já era então conhecido como

Manezinho da Flauta. Na mesma época mais um outro disco solo foi lançado em 1973, pela

gravadora Beverly, que teve o nome de “Pixinguinha e Benedito Lacerda”, onde Manezinho

gravou junto com Evandro do Bandolim, evocando o duo de Pixinguinha e Benedito

Lacerda, ambos fazendo a melodia e contracanto. Fazendo somente contracanto ele gravou

ainda “Inéditos de Jacob do Bandolim”, em 1980, onde faz contracanto com Deo Rian no

bandolim, gravação que foi reeditada em 1995 em forma de CD; Manezinho gravou ainda

“Gente da Antiga” fazendo contracanto com Clementina de Jesus e Pixinguinha. É possível

que gravações feitas em encontros informais ou em arquivos de rádio possam ser

encontradas, assim como discos nos quais ele teria feito contracanto, acompanhando

cantores e outros músicos.

Manezinho veio a falecer em São Paulo, em dezessete de junho de 1990.

21
5. Repertório Abordado
Em termos de sua estrutura, o Choro é tradicionalmente em três partes, obedecendo a

seguinte ordem de execução: A-A-B-B-A-C-C-A. Podem ser encontradas composições

também em duas partes, que seriam executadas seguindo a ordem: A-A-B-B-A. Sobre isso

há uma declaração de K-Ximbinho, clarinetista e compositor de Choro:

... É menos enfadonho porque três partes é o choro característico brasileiro dos
bandolins... isso ainda existe hoje mas... desde que iniciaram a apresentação de
chorinho, parece que, talvez, obrigatoriamente, o choro tinha que apresentar três
seções. Hoje eu acho que é desnecessário isso; em duas seções você demonstra o
conteúdo melódico de uma composição popular como é o chorinho, e acho que na
primeira seção a melodia já fica explicitada, estabelecida, esclarecida... Isso é uma
maneira de pensar... não sei se estou fugindo da regra... se estou fugindo, eu volto!
(K.Ximbinho, 1980)

É muito comum, porém, a forma não ser rigidamente seguida quanto às repetições.

Muitas são as versões, alteradas até mesmo pelo compositor. Como exemplo está

Pixinguinha que em diversas gravações de suas composições altera a forma originalmente

composta.

Normalmente cada parte do Choro está em uma tonalidade. A primeira parte está na

tonalidade principal e as demais estão cada uma em tonalidades vizinhas. Por exemplo:

uma música na tonalidade de Sol maior poderá ter a segunda parte em Mi menor- relativa

menor e a terceira em Dó maior- a subdominante; em outro caso, se uma música está em Lá

menor, a segunda parte pode estar em Dó maior-relativa maior e a terceira parte em Lá

maior, a homônima. Esses são alguns exemplos, podendo ocorrer outras relações.

As tonalidades mais comuns encontradas nas composições variam de acordo com o

instrumento para qual foi composta. Não são comuns, porém, choros escritos em tonalidade

muito alterada.

22
As músicas transcritas para a análise foram retiradas dos dois discos gravados por

Manezinho pelo selo Marcus Pereira: “Brasil, Flauta Cavaquinho e Violão” e “Brasil,

Flauta, Bandolim e Violão”. Do primeiro foram transcritas seis músicas sendo elas:

“Brejeiro”, “Flor do Mal”, “Lamentos”, “Carinhoso”, “Flamengo e “Gosto que me

Enrosco”. Participaram deste disco os seguintes músicos além de Manezinho: Benedito

Costa, cavaquinho; Geraldo Cunha e Adauto Santos, violões e Fritz, pandeiro. Em todas as

faixas transcritas Manezinho toca a melodia, tendo os outros instrumentos a função de

acompanhamento. Do outro disco foram retiradas mais uma música, “Flor Amorosa”. A

formação instrumental neste disco é um pouco diferente: Manezinho, flauta; Evandro do

Bandolim, bandolim; José Pinheiro, violão de seis e sete cordas; Eduardo dos Santos

Gudim, violão de seis cordas; Lúcio França, cavaquinho; José Reli e Balto da Silva,

percussão (pandeiro e surdo). Em “ Flor Amorosa” Manezinho da Flauta divide a melodia

com Evandro do Bandolim, ficando os outros músicos com a função de acompanhamento.

Apesar de algumas músicas não serem Choro, não há diferenciação na utilização dos

elementos interpretativos.

“Lamentos”

Alfredo da Rocha Viana Filho, mais conhecido como Pixinguinha, foi uma das

pessoas mais importantes não só para o Choro como para a Música Popular Brasileira como

um todo. Nascido ainda no séc. XIX, Pixinguinha (1897-1973) acompanhou o

desenvolvimento do gênero durante muitos anos, tendo participado ativamente desde sua

adolescência do movimento musical em sua época. Grande músico, flautista, saxofonista,

compositor, arranjador e orquestrador, deixou muitas gravações importantes, além de

23
composições, que estima-se chegar até duas mil. Em 1919, segundo Vasconcelos,

Pixinguinha fundou o grupo “Os Oito Batutas”. O grupo foi formado para tocar na sala de

espera do cinema carioca Palais. Em 1922 fazem uma turnê na França, onde permanecem

durante seis meses, em grande sucesso. (Vasconcelos 1988) Na década de quarenta

Pixinguinha compôs com Benedito Lacerda um duo de flauta e saxofone tenor. Neste duo

Benedito tocava a melodia na flauta e ele contrapontos no saxofone tenor. Juntos gravaram

ao todo, segundo Cabral, trinta e quatro discos, testemunho da grande habilidade e

genialidade de Pixinguinha. (Cabral, p. 160, 1997)

“Lamentos” foi gravado em 1928 pela “Orquestra Pixinguinha-Donga”, não tendo

sido bem recebido pela crítica naquela época. Cruz Cordeiro, crítico da revista Phono-Arte,

escreveu:

O quarto disco contém dois choros: um de Pixinguinha, Lamentos, outro de Donga,


Amigo do Povo, sobre os quais não podemos deixar de notar que em suas músicas não
se encontra um caráter perfeitamente típico. A influência das melodias e mesmo do
ritmo das músicas norte-americanas é nesses dois choros bastante evidente. (Cordeiro
por Cabral, 1997, p. 122)

Apesar desse fato, “Lamentos” é a segunda música de Pixinguinha mais gravada,

depois de “Carinhoso”. Quando foi lançada pela orquestra tinha o nome de “Lamentos”.

Depois foi incluída na trilha sonora do filme “Sol sobre a Lama”, quando recebeu letra de

Vinícius de Moraes e foi transformada em “Lamento”.

“Lamentos” é dividida em duas partes, fato raro na época quando o Choro deveria ter

três partes. A forma musical original é: A-A-B-B-A-Coda. Na versão de Manezinho da

Flauta a forma apresentada é: Introdução-A-A-B-A-Coda. A coda é igual a introdução,

diferenciado-se nos dois últimos compassos, para cumprir a função de término da música.

A tonalidade principal de “Lamentos” é ré maior, estando a segunda parte em si

menor, tonalidades essas respeitadas por Manezinho em sua versão.

24
A primeira vez que toca a parte A, Manezinho utiliza o registro médio/grave, na

mesma região escrita na partitura impressa; na volta à parte A, ele retorna uma oitava

acima. A parte B ele toca uma oitava acima em relação à partitura e quando volta pela

última vez para a parte A, ele começa na altura escrita no impresso e em determinado ponto

transpõe uma oitava acima em relação à partitura.

“Flor do Mal”

“Flor do Mal”, é uma valsa composta por Santos Coelho, autor de um método de

guitarra portuguesa muito usado em sua época, compositor que floresceu no Rio de Janeiro

no início do séc. XX. Na verdade, a música tinha o nome de “Saudade Eterna”. A valsa

recebeu primeiramente letra de Catulo da Paixão Cearense sob o título de “Ó como a

saudade dorme num luar de calma” e era pouco conhecida na época, até ter-se tornado

grande sucesso em 1912, com o título “Flor do Mal”, e a letra de Domingos Correia. Um

dos motivos do sucesso talvez tenha sido a tragédia ocorrida com Domingos Correia pouco

depois de ter escritos aqueles versos. O poeta suicidou-se em maio de 1912 bebendo um

copo de desinfetante Lisol em uma casa de chope no Rio de Janeiro por causa de uma

paixão não correspondida por uma jovem que iniciava carreira artística no Rio de Janeiro,

Arminda Santos. Os versos traduziam a tristeza pelo amor não correspondido. (Severiano e

Homem de Mello, 1997, p. 37)

A valsa tem três partes e sua forma musical na partitura impressa é: A-A-B-C-C-A-A.

A forma da versão de Manezinho segue o mesmo modelo do impresso.

A primeira parte está na tonalidade de lá menor, a segunda também em lá menor e a

terceira na homônima, em lá maior. A versão de Manezinho transparece a tristeza da

25
canção através do timbre escuro com o qual ele reveste a melodia, principalmente na

primeira parte, que é de tonalidade menor. Na terceira parte, que está em tonalidade maior,

o timbre clareia um pouco.

A melancolia permeia toda a música, e isso é notado pelo registro que Manezinho usa,

chegando a usar notas bem graves, incomum para a flauta no Choro.

“Brejeiro”

Ernesto Nazareth (1863-1934) foi um excelente pianista e compositor,

considerado por muitos autores um dos mais importantes de sua geração:

Nazareth foi, sem dúvida, o grande sistematizador da nova música popular brasileira,
... (Neves, 1977, p. 19)

Ernesto Nazaré, completa a tríade de autores que mais significação tiveram nesse
processo de fixação de um tipo nacional de música... Diversos processos rítmicos
curiosos, autenticamente nacionais, mas pela primeira vez recebiam a consagração da
pauta, foram utilizados por esse compositor de músicas de dança, bem como
sugestões provenientes do instrumental típico do choro, que ele habitualmente
reproduzia no piano. (Heitor, 1956, p. 151)

Se todo o repertório do choro se perdesse, o gênero poderia sobreviver só com


composições de Nazaré... (Vasconcelos, 1984, p. 19)

O tango “Brejeiro”, composto em 1893, é considerado sua iniciação no gênero – o

tango brasileiro, do qual seria grande fixador. “Brejeiro” chegou a ser gravado até pela

Banda da Guarda Republicana de Paris. Esse tango está presente no repertório atual do

Choro, tendo sido arranjado de diversas formas. Uma versão muito conhecida é a de Jacob

do Bandolim. No original a primeira parte é em lá maior. Como é uma composição de duas

partes, Jacob transformou a primeira parte em uma terceira, tocando-a em lá menor.

Como já foi dito, a forma musical de “Brejeiro” original mente é: Introdução-A-A-B-

B-Introdução-A-A. A versão de Manezinho é: A-A-B-B-A-Improviso.

26
De acordo com a partitura impressa a tonalidade principal da música e da primeira

parte é lá maior e a segunda parte mi maior. Uma modificação aparece aqui na versão de

Manezinho. A primeira parte ele respeita a tonalidade original; a segunda parte, porém, em

vez de estar na dominante, ele a apresenta na subdominante, ou seja, em ré maior. A causa

dessa mudança não foi possível explicar, não sendo comum uma tal mudança na relação

entre as partes, que já vem preestabelecida na estrutura da composição. A mudança de

tonalidade de choros é possível, neste caso as relações entre as partes continuam as

mesmas.

“Carinhoso”

Em Janeiro de 1929, “Carinhoso”, também recebeu duras críticas do mesmo Cruz

Cordeiro, que considerava a música muito influenciada pela melodia e ritmo do jazz:

“...choro cuja introdução é um verdadeiro foxtrote, que, no seu decorrer, apresenta

combinações de pura música popular ianque. Não nos agradou.” (Cordeiro por Cabral,

1997, p. 123) O fato é que essa música agradou tanto que é a música de Pixinguinha mais

gravada até hoje. Muito interessante é a concepção que Pixinguinha teve de “Carinhoso”:

– Como é que você classificaria, Pixinguinha, o gênero de “Carinhoso”? – Bem,


quando eu fiz o ‘Carinhoso’, era uma polca. Polca lenta. Naquele tempo, tudo era
polca qualquer que fosse o andamento. Tinha polca lenta, polca ligeira, etc. O
andamento de ‘Carinhoso’ era o mesmo de hoje e eu o classifiquei de polca lenta ou
polca vagarosa. Mais tarde mudei para chorinho. Outros o classificaram de samba.
Alguns preferiram choro estilizado. Houve uma quinta classificação – samba
estilizado – que eu coloquei para fins comerciais. (Pixinguinha, 1966-68, p. 15)

“Carinhoso” também é formado somente de duas partes. A forma musical original

é: Introdução-A-A-B-A-A-B-Coda. A versão de Manezinho é menor: Introdução-A-A-B-

Coda. A coda tocada por Manezinho não é a igual a que consta na partitura impressa.

27
A tonalidade principal e da primeira parte é fá maior, a segunda parte lá menor e fá maior,

tanto na partitura original como na versão de Manezinho da Flauta.

“Flor Amorosa”

Joaquim Antonio da Silva Calado (1848-1880) foi um dos maiores flautistas

brasileiros, condecorado pelo Imperador com a Ordem da Rosa em 1879. (Heitor, 1956, p.

148) Seu pai era mestre de banda na sociedade carnavalesca dos “Zuavos” e na “Sociedade

União dos Artistas”. Por conta disso cresceu no meio do rebuliço das músicas dançantes da

época. Estudou composição e regência com Henrique Alves de Mesquita. Calado já atuava

como profissional desde muito cedo e com dezoito anos apresentou-se num concerto para a

família imperial. Em 1870 torna-se professor no Conservatório Imperial de Música e passa

a ser considerado como o maior flautista do seu tempo. Nessa época organizou um grupo

de horo que fez enorme sucesso, sendo por isso lembrado até hoje em muitos livros sobre

Choro. Segundo Heitor:

sua execução na flauta, tinha estilo próprio, pois valendo-se de sua incrível agilidade,
Calado fazia ouvir a melodia em rapidíssimos saltos oitavados, que davam a
impressão de haver duas flautas tocando. (Heitor, 1956, p. 149)

Além de grande flautista foi também compositor renomado. É o autor de “Flor

Amorosa”, polca considerada um marco na história do Choro, dentre muitas outras

composições.

A tonalidade que consta na partitura de “Flor Amorosa” é dó maior, sendo a primeira

parte em dó maior, a segunda em lá menor e a terceira em fá maior. Nessa música

Manezinho não segue a mesma tonalidade da partitura, tocando em ré maior e

mantendo as mesmas relações entre as partes. Talvez isso se deva ao fato dele dividir

28
a melodia de “Flor Amorosa” com Evandro do Bandolim, que seguindo um costume

generalizado entre os bandolinistas, toca essa música em ré maior.

“Flamengo”

Bonfiglio de Oliveira (1894-1940) foi considerado um dos maiores trompetistas

brasileiros. Participou de vários grupos instrumentais junto com Pixinguinha, como

“Diabos do Céu” e “Grupo da Velha Guarda”. Jacob do Bandolim gravou duas músicas

suas que se tornaram famosas depois dessas gravações: a valsa “Glória” e o choro

“Flamengo”. (Marcondes, 2000, p. 585)

“Flamengo” é composto de três partes. A sua forma original é: A-A-B-B-A-C-C-A,

forma essa seguida por Manezinho nesta sua versão.

A tonalidade principal e da primeira parte é sol maior, a segunda parte está em mi

menor e a terceira em dó maior, tendo Manezinho mantido a mesma tonalidade em que foi

escrita.

“Gosto que me Enrosco”

José Barbosa da Silva (1888-1930), mais conhecido como Sinhô, já era conhecido

como pianista profissional em 1910, quando animava bailes de diversas agremiações.

Freqüentador da casa de Tia Ciata, estava entre as pessoas que reclamaram a autoria do

samba “Pelo Telefone”, gravado em 1917 como autoria de Donga. Além de compositor de

músicas carnavalescas musicava teatros de revistas, onde fez grande sucesso. Em 1927, na

Noite Luso-Brasileira, foi coroado “Rei do Samba”. Foi professor de violão de Mario Reis,

levando-o para a Odeon, onde este gravou seu primeiro disco. Foi Mario Reis quem gravou

29
o disco com as músicas que levaram Sinhô ao auge de sua popularidade: “Jura” e “Gosto

que me Enrosco” (essa última em parceria com Heitor dos Prazeres). Um traço

característico de sua atuação como compositor era celebrar e pontuar com suas

composições acontecimentos políticos, sociais e do cotidiano da vida do Rio de Janeiro da

época em que viveu. (Marcondes, 2000, p. 741-743)

“Gosto que me Enrosco”, samba, é dividido em duas partes, todas duas na mesma

tonalidade, em si bemol maior. Manezinho, em sua versão, muda a tonalidade para ré

maior. A forma musical original é: Introdução-A-A-B-B-Introdução. Manezinho dobra essa

forma em sua versão: Introdução-A-A-B-Introdução-A-A-B-Introdução.

30
6. Elementos Interpretativos
Antes de abordar os elementos interpretativos, é necessário considerar dois fatores

muito importantes que regem a interpretação do Choro em Manezinho: o caráter e,

conseqüentemente, o andamento da música. Todos os elementos interpretativos são

definidos a partir destes fatores. Assim sendo, um tipo de ornamento é escolhido segundo o

caráter que ele atribui àquela música. Além dos ornamentos, a dinâmica, o timbre, a

articulação, enfim, todos os elementos interpretativos têm relação direta com o andamento e

a textura da música, como conseqüência, do caráter dado a ela.

Durante os vinte dias que fiquei lá, fiz uma música por dia. Quase todas valsas. Você
sabe, eu estava triste. E, para exprimir a tristeza, nada melhor do que uma valsa.
[Pixinguinha por Civita (Pixinguinha), 1978, p. 11]

31
6.1. Ornamentação
Apojatura:

• 2ªm
É sempre ascendente, sendo a apojatura a sensível individual da nota a ser ornamentada.
Acontece em sua maioria em notas do acorde. Esse ornamento é sempre curto, que não tem
tempo real .

Exemplo 2: apojatura 2ªm, ascendente. Exemplo 3: apojatura 2ªm, ascendente.


“Carinhoso”, compasso 28. “Brejeiro”, compasso 24.

Exemplo 5: apojatura 2ªm, ascendente. Exemplo: apojatura 2ªm, ascendente.


”Lamentos”, compasso 33 “Lamentos”, compasso 67.

Exemplo: apojatura 2ªm ascendente, curta.


“Flor do Mal”, compasso 16.

32
• Sensível
É também sempre ascendente. Neste tipo de apojatura, Manezinho insere a sensível
individual da nota a ser ornamentada. Esta apojatura toma metade do valor da nota ou
mesmo o valor total dela, empurrando-a para o próximo tempo. É um recurso muito
utilizado por ele.

Exemplo: apojatura sensível, ascendente. Exemplo 1: apojatura sensível, ascendente.


“Brejeiro”, compasso 13. “Brejeiro”, compasso 22.

Exemplo: apojatura sensível, ascendente. Exemplo: apojatura sensível, ascendente.


“Flor Amorosa”, compasso 11. “Lamentos”, compasso 18.

• Típica do Choro
Predomina o movimento descendente, em grau conjunto, sugerindo uma
expressão chorada. Foi observada somente uma vez em movimento ascendente. É
utilizado sempre em músicas mais melodiosas (cantadas). Foram observadas
apojaturas típicas com as seguintes notas: sol, lá, si, dó e ré. A apojatura típica
pode vir em seqüência ou também isolada, com uma só apojatura. A apojatura
típica do Choro é sempre curta e seu âmbito é restrito à região média. O tipo mais
comum é com a nota lá, depois com si.
A apojatura típica do Choro com a nota lá tem uma forma especial de ser
executada: para cada vez que se tocar a apojatura lá não é necessário executar o
dedilhado correto, basta retirar o anular entre as notas da melodia que o resultado
é a nota lá.

33
Exemplo: seqüência descendente de Exemplo: seqüência ascendente de
apojaturas típicas do choro, apojaturas típicas do choro,
com a nota lá. com a nota sol.
“Flamengo”, compasso 62. “Lamentos”, compasso 66.

Exemplo: seqüência descendente de Exemplo: seqüência descendente de


apojaturas típicas do choro, apojaturas típicas do choro,
com a nota dó. com a nota si.
“Flor Amorosa”, compasso 57 e 58. “Lamentos”, compasso 35.

Exemplo: apojatura típica do choro, Exemplo: seqüência descendente de


descendente, isolada, apojaturas típicas do choro,
com a nota lá. com a nota ré.
“Carinhoso”, compasso 15. “Gosto que me Enrosco”, compasso 54.

34
Exemplo: a exceção – seqüência ascendente de apojaturas típicas do Choro com a nota lá.
“Flor Amorosa”, compasso 26 e 27.

• 2ªM
Com o intervalo de 2ªM, a apojatura só foi observada em movimento descendente. Esta
apojatura foi observada em todos os registros, em maior número no médio. Este ornamento
é predominantemente curto, só houve uma exceção.

Exemplo: apojatura 2ªM, descendente. Exemplo: a exceção, apojatura 2ªM,


“Lamentos”, compasso 30. descendente, longa.
“Lamentos”, compasso 33.

Exemplo: apojatura 2ªM, descendente. Exemplo: apojatura 2ªM, descendente.


“Carinhoso”, compasso 52. “Carinhoso”, 58.

35
• Harmônica
A apojatura harmônica é construída com base no acorde do compasso, indicando algumas
vezes a mudança da harmonia, antecipando na apojatura notas do acorde seguinte. Esse tipo
de apojatura tem sempre intervalo maior que de 2ª. O movimento é em sua maior parte
ascendente. Ocorre predominantemente no registro médio e agudo, quase sempre em notas
antecipadas.

Exemplo: apojatura harmônica ascendente. Exemplo: apojatura harmônica,


“Flamengo”, compasso 69. ascendente.
“Brejeiro”, compasso 57.

Exemplo: apojatura harmônica ascendente.


“Brejeiro”, compasso 61.

• Apojatura dupla
É uma apojatura curta com duas notas em movimento cromático. A primeira nota
é sempre a sensível da segunda, e a segunda pode ser também sensível da nota à
qual está ligada ou não, a depender da harmonia do compasso.

36
Exemplo: apojatura dupla, descendente. Exemplo: apojatura dupla, descendente.
“Carinhoso”, compasso 36. “Flor do Mal”, compasso 48.

Exemplo: apojatura dupla, ascendente. Exemplo: apojaturas duplas,


“Flor do Mal”, compasso 60. ascendentes.
“Flor do Mal”, compassos 65 e 66.

• Nota repetida
É um ornamento em que a apojatura é igual à nota imediatamente anterior da nota
a ser ornamentada. Pode ocorrer em seqüência ou isoladamente.

Exemplo: seqüência ascendente de apojaturas de notas repetidas.


“Carinhoso”, compassos 45 e 46.

37
Exemplo: apojatura de nota repetida, Exemplo: seqüência descendente de
descendente, isolada. apojaturas de notas repetidas.
“Flamengo”, compasso 12. “Lamentos”, compassos
116 e 117.

Exemplo: apojatura de nota repetida, ascendente, isolada.


“Carinhoso”, compasso 56.

Trinado

Acontece em sua grande maioria em notas de duração maior ou igual a uma

colcheia. Não existe aqui a função cadencial como no trinado na música européia. A função

maior aqui em Manezinho é embelezar e dar movimento às notas longas.

Exemplo: trinado.
“Lamentos”, compasso 90.

38
Exemplo: trinado. Exemplo: trinado.
“Brejeiro”, compasso 8. “Flor do Mal”, compasso 51.

Exemplo: trinado. Exemplo: trinado.


“Carinhoso”, compassos 4 e 5. “Carinhoso”, compasso 21.

Mordente

Acontece sempre em notas de curta duração, com valor menor ou igual a uma colcheia.

Não foi observado mordente em nota com duração maior do que a colcheia.

Exemplo: mordente. Exemplo: mordente.


“Flamengo”, compasso 32. “Flamengo”, compasso 100.

39
Exemplo: mordente. Exemplo: mordente.
“Flor do Mal”, compasso 84. “Flor do Mal”, compasso 92.

Exemplo: mordente.
“Carinhoso”, compasso 39.

Ornamento de 8ª

O ornamento de 8ª é um tipo de apojatura de 8ªJ, que não foi incluído nas apojaturas porque
possui características próprias: pode ser ligado ou destacado, vir em seqüência ou isolado e
ter movimento ascendente (predominante) ou descendente. Quando ligado ele dá um caráter
mais cantado à interpretação. Quando destacado o ornamento de 8ª dá uma ambiência mais
saltitante à música, tendo sido mais observado em choros de andamento mais rápido. O
ornamento de 8ª é dividido em dois tipos: apojatura e nota real. Todos os ornamentos de 8ª
do tipo apojatura são ligados e ascendentes. Este é um ornamento que acontece em sua
grande maioria do registro médio para o agudo. As notas oitavadas geralmente são notas do
acorde. Esse ornamento tem a função de embelezar, dar ritmo à melodia, como também
afirmar a harmonia do compasso.

• Nota real

40
Exemplo: ornamento de 8ª ascendente, Exemplo: ornamento de 8ª ascendente,
em nota real, ligado. em nota real, ligado.
“Flamengo”, compasso 60 e 61. “Carinhoso”, compassos 28 e 29.

Exemplo: seqüência de ornamentos de 8ª, Exemplo: ornamento de 8ª, ascendente,


descendentes, em nota real, ligados em nota real, destacado.
“Carinhoso”, compassos 45 e 46. “Flamengo”, compasso 9.

Exemplo: ornamento de 8ª, ascendente, Exemplo: ornamento de 8ª, ascendente,


em nota real, ligado. em nota real, destacado.
“Flor do Mal”, compassos 66 e 67. “Brejeiro”, compasso 19.

Exemplo: seqüência de ornamentos de 8ª, em nota real, ascendentes, ligados.


“Lamentos”, compassos 71, 72 e 73.
• Tipo apojatura

41
Exemplo: ornamento de 8ª ascendente, Exemplo: ornamento de 8ª ascendente,
tipo apojatura, ligado. tipo apojatura, ligado.
“Flor do Mal”, compasso 59. “Carinhoso”, compassos 30 e31.

Exemplo: seqüência de ornamentos de 8ª ascendentes, tipo apojatura, ligados.


“Carinhoso”, compassos 47 e 48.

Glissando
É um ornamento de movimento cromático sem tempo real. Ele pode ser destacado ou

ligado. O glissando destacado é quando uma das extremidades do ornamento é destacada da

melodia. O ligado é quando as extremidades do ornamento são ligadas à melodia. O

glissando é predominantemente ligado. O glissando destacado tem a função de enfatizar o

intervalo harmônico executado9. O registro mais utilizado para esse ornamento é o médio.

Existem intervalos que são mais favoráveis e, por isso, mais comuns na realização do

glissando, devido, justamente, à facilidade técnica circunstancial do instrumento ou da

tonalidade da música. Abaixo estão descritos os intervalos encontrados:

9
O sinal representante do glissando destacado é o sinal de glissando interrompido na extremidade em que é
destacado da melodia. Para realizá-lo deve-se tocar a nota do início do glissando, repeti-la em seguida
completando o glissando. Como referência observar as transcrições junto com as gravações, ambos em anexo.

42
• 3am
Predomina o movimento ascendente. O registro médio foi o mais utilizado.

Exemplo: glissando 3ªm, descendente, ligado. Exemplo: glissando 3ªm,


“Lamentos”, compassos 96 e 97. ascendente, ligado.
“Flamengo”, compasso, 27.

Exemplo: glissandos 3ªm, ascendentes, ligados.


“Lamentos”, compasso 20.

Exemplo: glissando 3ªm, ascendente, ligado. Exemplo: glissando 3ªm,


“Flamengo”, compasso 43. ascendente, ligado.
“Flor do Mal”, compasso 5.

43
Exemplo: glissando 3ªm, ascendente, ligado. Exemplo: glissando 3ªm,
“Flor do Mal”, compasso 13. ascendente, ligado.
“Flor do Mal”, compasso 96.

Exemplo: glissando 3ªm, ascendente, ligado. Exemplo: glissando 3ª m, descendente,


“Brejeiro”, compasso 71. destacado.
“Brejeiro”, compasso 9.

Exemplo: glissando 3ªm, ascendente, ligado.


“Flor do Mal”, compasso 41.

• 3ªM
Em comparação à 3ªm, foram poucos os exemplos. Aqui também a grande parte
foi ascendente. O glissando de 3ªM ocorreu em grande maioria no registro médio.

Exemplo: glissando 3ªM, ascendente, Exemplo: glissando 3ªM, ascendente,


destacado. ligado.
“Flamengo”, compasso 43. “Flor do Mal”, compasso 18.

44
Exemplo: glissando 3ªM, descendente,
destacado.
“Brejeiro”, compasso 6.

• 4ªJ
É mais comum o movimento ascendente. Aqui o registro mais usado foi o médio.

Exemplo: glissando 4ªJ, ascendente, Exemplo: glissando 4ªJ, ascendente,


ligado. ligado.
“Brejeiro”, compasso 34. “Brejeiro”, compasso 9.

Exemplo: glissando 4ªJ, ascendente, ligado. Exemplo: glissando 4ªJ,


“Brejeiro”, compasso 36. descendente, ligado.

45
“Flor do Mal”, compasso 36.

Exemplo: glissando 4ªJ, ascendente, Exemplo: glissando 4ªJ, ascendente,


ligado. ligado.
“Flor do Mal”, compasso 45. “Lamentos”, compassos 15 e 16.

Exemplos: 1) glissando 4ªJ, descendente, ligado. Exemplo: glissando 4ªJ,


2) glissando 4ªJ. ascendente, ligado. descendente, ligado.
3) glissando 4ªJ, ascendente, ligado. “Lamentos”, compasso 86.
“Carinhoso”, compassos 16 e 17.

• 4ªaum.
Os intervalos de 4ªaum. foram todos descendentes; um intervalo de 5ªdim. foi
ascendente. A maioria foi realizada no registro grave.

Exemplo: glissando 5ªdim, ascendente, Exemplo: glissando 4ªaum,

46
ligado. descendente, ligado.
“Carinhoso”, compasso 63. “Flor do Mal”, compasso 5.

Exemplo: glissando 5ªdim., descendente, destacado.


“Brejeiro”, compasso 23.

• 5ªJ
Predomina o movimento descendente. O registro médio foi o mais utilizado.

Exemplo: glissando 5ªJ, ascendente, ligado.


“Brejeiro”, compasso 57.

Exemplo: glissando 5ªJ, descendente, ligado. Exemplo: glissando 5ªJ,


“Flor do Mal”, compasso 9. descendente, ligado.
“Flor do Mal”, compasso 32.

47
• 6ªm
A maioria foi descendente. O registro mais utilizado foi o grave.

Exemplo: glissando 6ªm, descendente, Exemplo: glissando 6ªm,


ligado. ascendente, ligado.
“Brejeiro”, compasso 20. “Flor do Mal”, compasso 48.

• 6ªM
Dois exemplos foram observados, um descendente e outro ascendente, todos no registro
médio.

Exemplo: glissando 6ªM, ascendente, ligado. Exemplo: glissando 6ªM,


“Brejeiro”, compasso 53. descendente, ligado.
“Lamentos”, compasso 83.

• 7ªm
Foram observados dois exemplos, todos ascendentes, um no registro grave e outro
no médio.

48
Exemplo: glissando 7ªm, ascendente, Exemplo: glissando 7ªm, ascendente,
ligado. ligado.
“Flor do Mal”, compasso 112. “Carinhoso”, compasso 56.
• 7ªdim.
Somente um exemplo de 7ªdim, descendente e no registro médio.

Exemplo: glissando 7ªdim., descendente, ligado.


“Carinhoso”, compasso 51.

• 8ªJ
Todos ascendentes. Não há exemplos no registro agudo, somente no médio e
grave.

Exemplo: glissando 8ªJ, ascendente, ligado. Exemplo: glissando 8ªJ,


“Brejeiro”, compasso 52. ascendente, ligado.
“Flor do Mal”, compasso 92.

49
Exemplo: glissando 8ªJ, ascendente, ligado.
“Flor do Mal”, compasso 66.

• Intervalos compostos

Exemplo: glissando 10ªm, ascendente, Exemplo: glissando 9ªM, descendente,


ligado. ligado.
“Lamentos”, compasso 69. “Flamengo”, compasso 84.

Grupeto

O grupeto é o envolvimento da nota a ser ornamentada, não importando a nota originária do


ornamento nem o movimento deste (se é ascendente ou descendente). Nas interpretações de
Manezinho o grupeto não tem uma forma pré-estabelecida como na música européia. O
grupeto pode ser destacado ou ligado à melodia, do mesmo modo como o glissando e o
ornamento de 8ª.

50
Exemplo: grupeto ligado. Exemplo: grupeto ligado.
“Brejeiro”, compasso 7. “Brejeiro”, compasso 14.

Exemplo: grupeto ligado. Exemplo: grupeto destacado.


“Brejeiro”, compasso 16. “Brejeiro”, compasso 27.

Exemplo: grupeto ligado.


“Brejeiro”, compasso 11.

Exemplo: grupeto duplo, ligado. Exemplo: grupeto ligado.


“Brejeiro”, compasso 80. “Carinhoso”, compasso 26.

Exemplo: grupeto ligado. Exemplo: grupeto destacado.


“Flor do Mal”, compasso 79. “Flamengo”, compasso 42.

51
Bordadura

Ornamento muito pouco utilizado por Manezinho em suas variações.

Exemplo: bordadura.
“Flor do Mal”, compasso 61.

Frulato

O frulato é um recurso utilizado com predominância no registro agudo. Nas

interpretações de Manezinho o frulato só foi utilizado em notas longas, como uma maneira

de criar tensão e dar movimento à nota longa.

Exemplo: frulato. Exemplo: frulato.


“Flamengo”, compasso 25. “Flor Amorosa”, compasso 12 e 13.

52
Mudança de 8ª

Esse não é propriamente dito um ornamento, mas uma maneira de ornamentar a

melodia, algumas vezes utilizada por Manezinho.

Exemplo: mudança de 8ª.


“Flor Amorosa”, compassos 40, 41 e 42.

Nota Dobrada

Este é um outro artifício que Manezinho utiliza para ornamentar a melodia: dobrar

as notas de determinado fragmento da música.

Exemplo: notas dobradas.


“Lamentos”, compassos 58 a 61.

53
6.2. Articulação
Como os demais elementos interpretativos, a articulação está diretamente ligada ao

andamento e ao caráter da peça. De acordo com isso, um choro rápido, de caráter mais

alegre, necessita de uma articulação mais solta, salpicada. Em músicas lentas a articulação

mais usada é a ligada, sendo a destacada utilizada como um ornamento para reforçar ou

indicar o fraseado. O golpe duplo é usado nos choros rápidos para dar mais agilidade.

6.3. Variações Rítmicas


Mariza Lira, segundo Luis Heitor, recolhendo recordações de chorões que haviam

conhecido Calado, diz:

... o que diferenciava a interpretação desse artista, tornando-a característica, não eram
os desenhos que traçava com a melodia, nem o ritmo, nem tampouco as variações do
contracanto; era tudo isso repousando numa preguiça, indecisão propositada, espécie
de ganha-tempo. (Heitor, 1956, p. 149)

O primeiro evento que chama a atenção quando se ouve um choro é a transformação

que acontece com a melodia, a partir de variações rítmicas as mais diversas. Os chorões

nunca tocam o que está escrito na partitura, e cada vez que repetem, o resultado é diferente.

Esse é o primeiro indicador do estilo desse gênero. Segue um depoimento de Pixinguinha

dado em entrevista no Museu da Imagem e do Som:

– Quer dizer, você não obedeceu muito à partitura, não é? – É, eu não obedecia muito
à partitura, porque era do choro e tinha bom ouvido. Então, eu fazia umas bocaduras,
quer dizer, executava o que vinha na minha inspiração. (Pixinguinha, 1966-68, p. 6)

54
É notória a necessidade de variação sobre a melodia original. Para exemplificar, uma

declaração de Abel Ferreira sobre como se deve tocar o Choro:

Quando se trata de verdadeiros chorões, um improvisa e o outro entrelaça. Em 1958,


quando gravei Ingênuo com o Pixinguinha, eu tocava uma coisa, ele outra, fazendo
um espécie de fuga, contrapondo comigo, parecia que eram duas músicas tocadas ao
mesmo tempo. Mas para isso precisa ter criatividade. Eu não gosto de tocar só o que
está escrito. Quando toco com o Zé da Velha uma música de Pixinguinha chamada
Proezas de Sólon, nós nunca tocamos as mesmas frases iguais, a gente pode até criar
os dois ao mesmo tempo. E isso quer dizer: chorão. [Ferreira por Civita (Abel
Ferreira) 1978]

A “lei” é contrariar o tempo forte, surpreender a expectativa do ouvinte sobre a

estrutura rítmica da música. Cazes, citando Pixinguinha, traz esse princípio evocado pelo

grande mestre, dizendo que em Choro nunca se toca o que está escrito. (Cazes, 1999, p.195)

É tão natural a realização de variações rítmicas no Choro, que se não realizadas a música

soa estranha. Um outro exemplo para ilustrar esse fato é a citação de K-Ximbinho, grande

clarinetista e compositor de Choro:

Eu gosto do chorista que apresenta em primeiro lugar a melodia, mas dentro desta
apresentação, mesmo na primeira vez, mesmo dentro da melodia pura, ele demonstre
um pouco de colorido, um pouco de bossa, apenas não ficar restrito à execução
melódica de choro, dentro da melodia simples...Então, ao executar pra mim um bom
solista é aquele que apresenta, dentro da melodia já conhecida por todos um
pouquinho de bossa, porque isso inclusive faz parte do ensinamento ao público em
geral, dessa forma de tocar em bossa... ( K-Ximbinho, 1980)

Uma observação deve ser feita em relação à duração das notas no Choro. Raramente

as notas são tocadas até o final de sua duração, principalmente notas longas. Isso se deve

também ao fato da escrita musical não condizer com a prática da música de Choro. A

partitura impressa é só um esboço do esqueleto musical.

As variações rítmicas no Choro são muito difíceis de descrever; é como um sentimento,

uma atitude consoante com a expressão musical e o estilo do gênero. É imprescindível, para

55
que se apreenda as variações rítmicas do Choro, conviver com os músicos que pertençam a

esta tradição.

Exemplo: célula da síncope em duas Exemplo: antecipações.


semicolcheias. “Flamengo”, compasso 5.
“Brejeiro”, compasso 22.

Exemplo: 1) célula da síncope em uma colcheia e duas semicolcheias;


2) antecipação da nota dó;
3) célula sincopada em tercinas.
“Brejeiro”, compassos 45 e 46

Exemplo: 1) antecipação da nota dó;


2) célula sincopada em uma colcheia e duas semicolcheias;
3) célula sincopada em tercinas.
“Brejeiro”, compassos 66 e 67.

56
Exemplo: 1) antecipação da nota sol;
2) colcheia pontuada e uma semicolcheia em semínima.
“Brejeiro”, compassos 73 e 74.

Exemplo: 1) célula sincopada em uma colcheia pontuada e uma semicolcheia


2) várias antecipações.
“Brejeiro”, compassos 58 e 59.

Exemplo: antecipação. Exemplo: retardo.


“Flamengo”, compasso 7. “Flamengo”, compassos 27 e 28.

Exemplo: antecipação. Exemplo: antecipação.


“Flamengo”, compassos 48. “Flamengo”, compasso 30.

57
Exemplo: 1) antecipação
2) transformação em tercinas.
“Flamengo”, compassos 46 e 47.

Exemplo: retardo. Exemplo: retardos.


“Flamengo”, compasso 57. “Flamengo”, compasso 77.

Exemplo: retardo.
“Carinhoso”, compasso 10.

Exemplo: antecipações. Exemplo: antecipações.


“Flamengo”, compasso 111. “Lamentos”, compassos 10 e 11

58
Exemplo: retardos. Exemplo: retardo.
“Lamentos”, compassos 12 a 14. “Lamentos”, compasso 46.

Exemplo: 1) retardo. Exemplo: antecipação.


2) antecipação. “Carinhoso”, compasso 22.
“Flor do Mal”, compasso 52.

Exemplo: 1) retardo. Exemplo: antecipação.


2) antecipação. “Carinhoso”, compasso, 54.
“Carinhoso”, compasso 49.

59
6.4. Improvisação
Nas interpretações de Manezinho foram observados dois tipos de improvisação, um

que acontece nas notas longas e pausas da melodia (ou mesmo substituindo-a) e outro que

acontece depois do término da melodia, sem ligação com a melodia. No primeiro tipo,

nomeado ornamento livre, constata-se certos elementos-padrão, utilizados com freqüência e

que serão listados abaixo.

Ornamento Livre

Foi considerado ornamento livre todos os movimentos de notas que não pertenciam à

melodia original e que não se enquadraram em nenhum dos ornamentos anteriores,

podendo ser um agrupamento de notas ou até mesmo uma nota isolada. Abaixo

relacionados estão os elementos-padrão usados para a composição do ornamento livre.

• Salto e resolução
Lembra a escapada pelo movimento, constituído de salto e resolução em grau
conjunto. Os saltos são sempre de alguma nota do arpejo para uma dissonância,
com resolução em grau conjunto para outra nota do arpejo. Os saltos mais comuns
são: tônica para a 4ª, resolvendo na 3ª; 3ª para a 6ª, resolvendo na 5ª; 5ª para a 9ª,
resolvendo na 8ªe 7ª para a 9ª, resolvendo na 8ª.

Exemplo: salto e resolução. Exemplo: salto e resolução.


“Brejeiro”, compasso 12. “Lamentos”, compasso
26.

60
Exemplo: salto e resolução. Exemplo: salto e resolução.
“Lamentos”, compassos 32. “Flamengo”, compasso 51.

Exemplo: salto e resolução.


“Lamentos”, compasso 84.

Exemplo: salto e resolução. Exemplo: salto e resolução.


“Flamengo”, compasso 67. “Flamengo”, compasso 99.

• Arpejo
O arpejo é muito comum na ornamentação livre. Geralmente acontece em notas
longas. Foram observados vários tipos de arpejos: o arpejo simples do acorde, o
arpejo acrescido da 6ª do acorde, arpejo acrescido da 7ª do acorde, arpejo que
anuncia a harmonia do compasso seguinte. O arpejo pode vir conjugado com
outros ornamentos e ter movimento ascendente ou descendente.

61
Exemplo: arpejo do acorde. Exemplo: arpejo com a 6ª
“Flamengo”, compasso 61. do acorde acrescentada.
“Flamengo”, compasso 93.

Exemplo: arpejo com a 6ª do acorde Exemplo: arpejo do acorde.


acrescentada. “Flor do Mal”, compasso 33.
“Flamengo”, compasso 108.

Exemplo: arpejo do acorde. Exemplo: arpejo do acorde.


“Flor do Mal”, compasso 38. “Flor do Mal”, compasso 50.

Exemplo: arpejos do acorde. Exemplo: arpejo do acorde.


“Flor do Mal”, compassos 65 e 66. “Carinhoso”, compasso 32.

62
• Sensível
É um tipo de ornamento livre construído em cima das notas do acorde e suas
sensíveis individuais. É uma manobra muito utilizada por Manezinho da Flauta.

No exemplo acima a nota sol pertence ao acorde do compasso; Manezinho insere o


fá#, sua sensível; e mais ainda, introduz a sensível individual do fá#, o mi#, e a
sensível individual superior do sol, o lá, completando assim o ornamento livre.
“Carinhoso”, compasso 51.

Nesse exemplo ele antecipa no ornamento livre o acorde do compasso seguinte, ré


menor. A sensível inserida é o sol#, sensível individual da nota lá, no movimento
cromático.
“Carinhoso”, compasso 55.

A sensível é o mi#, sensível do fá#, terça do acorde do compasso.


“Flamengo”, compasso 86.

63
A nota ornamentada é a nota lá, quinta do acorde de ré maior. Foi inserida a
sensível individual inferior, o sol#, logo após a sensível individual superior, o si.
“Flor do Mal”, compasso 94.

Neste exemplo ele também antecipa o acorde do compasso seguinte, sol maior. A
nota ornamentada é a terça do acorde, si, a sensível inserida é o lá#.
“Flor do Mal”, compasso 38.

Aqui foi inserido o ré#, sensível individual da quinta do acorde, lá maior; e o sol#,
sensível individual também da quinta do acorde, ré menor.
“Flamengo”, compassos 97 e 98.

64
• Grau conjunto
São escalas ou grupo de notas em grau conjunto, irregulares ou regulares,
utilizando notas de passagem, em movimento ascendente ou descendente. São
sempre feitas de acordo com a harmonia do compasso.

Exemplo: movimento descendente, Exemplo: movimento ascendente,


em grau conjunto. em grau conjunto.
“Brejeiro”, compasso 18. “Brejeiro”, compasso 56.

Exemplo: movimento irregular descendente. Exemplo: movimento descendente,


“Lamentos”, compasso 37. em grau conjunto.
“Lamentos”, compasso 56.

• Ornamento Pré-Estabelecido
É um ornamento que parece ter sido pré-concebido porque ele aparece em lugares similares
como também em outros momentos, sempre igual, inclusive em gravações diferentes. Esse
fenômeno foi observado somente em duas músicas, entre todas as observadas.

65
§ Lá-mi# - ornamento pré-organizado que ele toca em “Lamentos”, repetindo-o
em vários momentos.

Exemplo: ornamento lá-mi#. Exemplo: ornamento la-fá, o mesmo ao lado,


“Lamentos”, compasso 11. em outra situação.
“Lamentos”, compassos 20 e 21.

Exemplo: ornamento lá-mi#, em local similar Exemplo: ornamento lá-fá, em


ao primeiro exemplo dado. local similar ao segundo
“Lamentos”, compassos 33 e 34. exemplo dado.
“Lamentos”, compasso 45.

§ Sí-ré – ornamento pré-organizado que ele toca em “Flor do Mal”, repetindo-o


em vários momentos.

Exemplo: ornamento si-ré. Exemplo: ornamento si-ré, em outra situação.


“Flor do Mal”, compasso 8. “Flor do Mal”, compasso 46.

66
• Bordadura
A bordadura é um dos elementos que composição encontrados nos ornamentos livres.
Várias delas foram observadas, todas em notas longas.

Exemplo: bordadura superior em Exemplo: bordadura inferior em


um ornamento livre. um ornamento livre.
“Flor do Mal”, compasso 29. “Lamentos”, compasso 32.

Exemplo: bordadura inferior em um ornamento livre.


“Lamentos”, compassos 16 e 17 .

Exemplo: bordadura superior em Exemplo: bordadura superior em


um ornamento livre. um ornamento livre.
“Flamengo”, compasso 20. “Flamengo”, compasso 116
.

67
• Cromatismo
Manezinho da Flauta utiliza o movimento cromático para ligar notas, em tempo
regular, diferenciando de um glissando, que não tem tempo real.
Movimento cromático no Choro nem sempre significa que todas as notas sejam
cromáticas. Podem ser diatônicas, mas o final tem que soar a sensível da nota a
ser alcançada, dando assim a impressão do cromatismo. (Figuerôa 2001)
Os movimentos cromáticos aparecem sempre unindo notas do arpejo do acorde.

Exemplo: movimento cromático, ascendente. Exemplo: movimento cromático,


“Flamengo”, compasso 59. ascendente.
“Flamengo”, compasso 61.

Exemplo: movimento cromático ascendente.


“Flamengo”, compasso 94.

Outro tipo observado foi escalas cromáticas, mas sempre ligando notas do acorde:

Exemplo: movimento cromático, Exemplo: movimento cromático


ascendente e descendente. ascendente.
“Carinhoso”, compasso 16. “Brejeiro”, compassos 76 e 77.

68
Exemplo: movimento cromático, ascendente Exemplo: movimento cromático,
e descendente. descendente.
“Brejeiro”, compasso 68. “Flor do Mal”,
compasso 102.

Exemplo: movimento cromático, ascendente.


“Flor do Mal”, compasso 62.

6.5. Timbre
O timbre é um dos elementos mais difíceis de serem descritos, principalmente na

escrita musical tradicional, porque envolve componentes de caráter abstrato. É um recurso

utilizado somente por poucos intérpretes. Apesar disso é muito utilizado por Manezinho em

suas interpretações. Em “Flor do Mal”, uma valsa de andamento lento, de tonalidade menor

e que evoca tristeza ou melancolia (vide histórico de “Flor do Mal”), ele usa um timbre

escuro, sempre no registro grave. Na terceira parte da mesma música, na qual a tonalidade é

maior, ele utiliza também a região média e coloca um pouco mais de brilho no som,

conservando o tom melancólico. Já em “Flamengo”, choro de andamento rápido, o som é

brilhante e ele utiliza quase que somente a região aguda da flauta. Em “Carinhoso”, por ser

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choro-canção, ele traz o caráter cantado muito claro com o som brilhante e cheio, utilizando

a região grave e média, pouco alcançando a região aguda. Apesar de utilizar muito a região

grave, não transparece o “tom” melancólico como em “Flor do Mal”, devido à utilização do

timbre mais claro.

6.6. Dinâmica
A dinâmica também entra como um dos recursos raramente utilizados pelos chorões

em geral. Uma exceção foi Jacob do Bandolim, que fazia questão do uso da dinâmica nas

interpretações de seu grupo “Época de Ouro”:

Em sua casa imensa de Jacarepaguá me reservava um lugar especial: entre os eleitos


que, em silêncio, conheciam o ritual daqueles magníficos saraus: o dono da casa
olhava seus músicos e, através de um código indecifrável, fazia acessar aos olhos
computadorizados a próxima música: títulos, autores, o tom, andamento, os
pianíssimos filigranados, os fortíssimos retumbantes, aquela sonoridade camerística
que nos fazia acreditar, naquelas horas, num outro Deus... (Belo de Carvalho, 1995)

Manezinho também faz uso da dinâmica, elemento esse que também está diretamente

ligado ao caráter e andamento da música. É percebido que, de uma forma geral, nos choros

de andamento rápido a dinâmica é mais forte e nos de andamento lento a dinâmica tende a

cair um pouco. No caso acima citado a dinâmica está diretamente relacionada com a região

da flauta, piano no registro grave e forte no registro agudo. Podem ser observados também

momentos em que Manezinho faz piano na região aguda e forte na região grave, o que

demonstra sua habilidade em utilizar a dinâmica como um recurso para a diferenciação em

sua execução, não somente a dinâmica natural de seu instrumento, mas também de acordo

com sua concepção musical.

70
7. Conclusão
Realmente, depois do trabalho realizado, foi percebido que existe sim uma

coerência no emprego dos elementos interpretativos observados, o que leva a crer que

existe um estilo próprio do Choro, no caso mais especialmente de Manezinho da Flauta,

com padrões de comportamento que devem ser observados e estudados por quem deseja

tocar dentro desse estilo.

Foram observados sete elementos interpretativos: ornamentação, articulação,

variações rítmicas, improvisação, ornamentação livre, timbre e dinâmica.

O primeiro elemento, a ornamentação, é dividido em dez tipos: apojatura, trinado,

mordente, ornamento de 8ª, glissando, grupeto, bordadura, frulato, mudança de 8ª e nota

dobrada.

Como os demais elementos interpretativos, a articulação está diretamente ligada ao

andamento e ao caráter da peça. O golpe duplo é usado nos choros rápidos para dar mais

agilidade.

Um dos elementos mais utilizados na interpretação é a variação rítmica. Os chorões

nunca tocam o que está escrito na partitura, e cada vez que repetem, o resultado é diferente.

São muitas as variações que são realizadas nas interpretações de Manezinho. Algumas

delas foram mais freqüentes: antecipação, retardo, transformação de alguma célula rítmica

em tercina ou de célula sincopada em uma colcheia e duas semicolcheias. É imprescindível,

para que se apreenda as variações rítmicas do Choro, conviver com os músicos que

pertençam a esta tradição.

Nas interpretações de Manezinho foram observados dois tipos de improvisação, o

ornamento livre, que acontece nas notas longas e pausas da melodia (ou mesmo

71
substituindo-a) e outro que acontece depois do término da melodia, sem ligação com a

melodia.

O timbre é um dos elementos mais difíceis de serem descritos, principalmente na

escrita musical tradicional, porque envolve componentes de caráter abstrato. É também um

recurso utilizado somente por poucos intérpretes. Apesar disso é muito utilizado por

Manezinho em suas interpretações.

A dinâmica também entra como um dos recursos raramente utilizados pelos chorões

em geral. Manezinho faz uso da dinâmica, elemento esse que também está diretamente

ligado ao caráter e andamento da música.

Estudar o estilo peculiar de interpretação de um mestre como Manezinho foi, sem

dúvida, um grande desafio e que não se encerra com o término deste trabalho. Na verdade

ele significa apenas um começo. Muitas portas se abriram durante essa tarefa, algumas das

quais não puderam de ser adentradas devido à complexidade do assunto e a dificuldades

várias. O problema maior foi, certamente, tentar traduzir e sistematizar de alguma forma

elementos de uma tradição que vive na oralidade, conferindo-lhes organização formal.

Seria necessário muito mais tempo para chegar a um aprofundamento maior na tradição do

Choro, através da vivência e da prática entre os chorões e, assim, poder chegar a uma

compreensão e um conhecimento mais amplo de como acontece a “improvisação” no

Choro segundo os chorões.

Na verdade esta foi uma das principais descobertas da presente pesquisa, a

necessidade da inversão do ponto de observação. A pesquisa se iniciou com a referência

voltada para as partituras impressas em relação à “improvisação” de Manezinho. Durante a

72
análise das interpretações foi visto que a partitura impressa não é a referência para a

realização de uma interpretação dos chorões:

Por tudo isso, podemos dizer que o chorão é um músico privilegiado que, para tocar
bem e comover a quem ouve, não precisa de papel pautado nem de freqüentar escola
para aprender a bater compasso. Para ele, basta apenas o instinto, a bossa e o talento
que Deus lhe deu. [Araújo por Civita (Abel Ferreira), 1978, p. 1)

Os músicos da tradição do Choro tocam baseados no esquema mental que têm das músicas,

todas elas viventes na memória deles. Esse esquema mental é somente indicativo do

caminho melódico a ser percorrido, diferentemente da partitura, que é nominativa, nomeia

cada elemento a ser tocado. Então seria necessário um entendimento maior de como

funciona a mente dos chorões na realização das interpretações para assim chegar-se a um

resultado mais efetivo, no caso mais próximo da tradição do Choro.

Outro ponto muito difícil de ser contornado também foi a escolha de uma

terminologia para a identificação dos elementos interpretativos usados por Manezinho. A

vontade inicial de usar a nomenclatura utilizada pelos próprios chorões não foi possível de

ser realizada porque seria necessário um estudo muito mais aprofundado no meio da

tradição do gênero, o que não caberia dentro dos limites deste trabalho. Durante toda a

pesquisa foi observado que os chorões não usam nomes para classificar os elementos

interpretativos em separado. O pensamento deles engloba todos esses elementos em um

todo, denominando-os como “variação”, “improvisação”, “floreio” ou “bocadura”, dentre

outras formas, fato, de resto, já descrito nos procedimentos metodológicos desta pesquisa.

Seria necessário um tempo maior de convívio com esses músicos para que fosse possível

detectar na prática o conhecimento detalhado de uma terminologia própria ou, pelo menos,

desenvolver uma forma de classificação paralela mais próxima da tradição do Choro.

73
Um outro fato interessante também fica em aberto para posterior estudo: os

elementos interpretativos observados nas interpretações de Manezinho da Flauta foram

constatados na execução de outros flautistas, durante a pesquisa de campo, como exemplo,

Carlos Poyares, flautista renomado no meio do Choro e Pedro Figuerôa, flautista de Choro

de Salvador. A característica pessoal de cada um é inconteste, embora os elementos

interpretativos utilizados para a execução das músicas sejam os mesmos. Este fato

demonstra que, provavelmente, estes elementos pertençam à tradição do Choro, alguns,

talvez mais particularmente à flauta no Choro, o que seria muito interessante e merecia ser

estudado.

É possível que, a partir desta pesquisa, muitas outras se seguirão com novas formas

e observação do fenômeno aqui estudado inicialmente. O assunto é vasto, interessante e

espera o concurso de muitos. Este fato é visto como ponto positivo pois, realmente, é

necessário que se estude a música do Brasil, país tão rico de manifestações musicais, para

que venhamos a conhecer nossa verdadeira cultura, saber quem somos e desenvolvermos o

pensamento musical brasileiro.

74
8. Discografia
O Melhor dos Chorinhos. Manezinho da Flauta. CBS, 1967. LP.

Gente da Antiga. Clementina de Jesus e João da Baiana. EMI 522658 2, 1968. CD.

Pixinguinha e Benedito Lacerda. Pixinguinha e Benedito Lacerda. Evandro do Bandolim e


Manezinho da Flauta. São Paulo: Beverly, 1972. 1 disco: 33 rpm, microsulco.

Flauta, Cavaquinho e Violão. Manezinho da Flauta e Benedito Costa. Discos Marcus


Pereira 403.5005, 1973. LP.

Flauta, Bandolim e Violão. Manezinho da Flauta e Evandro do Bandolim. Discos Marcus


Pereira 10003, 1974. CD.

Bandolim, Jacob do. Inéditos de Jacob do Bandolim. Déo Rian e Conjunto Noites Cariocas.
Eldorado 935.032, 1995. CD.

Batucando no Morro. Regional Pernambuco do Pandeiro. Tiger 002, s/d. LP.

75
9. Referência Bibliográfica
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