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Invenção e formação de professores entre escritas e problematizações1

Daniele Vasco Santos2


Rosimeri de Oliveira Dias3

Introdução
“Quando os famas saem em viagens, seus costumes ao pernoitarem numa cidade são
os seguintes: um fama vai ao hotel e indaga cautelosamente os preços, a qualidade
dos lençóis e a cor dos tapetes. O segundo se dirige à delegacia e lavra uma ata
declarando os móveis e imóveis dos três, assim como o inventário do conteúdo de
suas malas. O terceiro fama vai ao hospital e copia as listas dos médicos de plantão e
suas especializações. Quando os cronópios saem em viagem, encontram os hotéis
cheios, os trens já partiram, chove a cântaros e os táxis não querem levá-los ou lhes
cobram preços altíssimos. Os cronópios não desanimam porque acreditam piamente
que estas coisas acontecem a todo mundo, e na hora de dormir dizem uns aos outros:
“Que bela cidade, que belíssima cidade”
[Júlio Cortázar, Historias de Cronópios e Famas, p.101].

Este texto narra fragmentos de viagens nos territórios da escola básica, da


universidade e da formação de professores. Como as viagens dos Cronópios e Famas –
viagens com chuvas, desânimos, belas paisagens, cautelas, inventários e atas –, as que
aqui se esboçam percorrem espaços-tempos em suas multiplicidades e nos forçam a
interrogar sobre os acontecimentos que emergem no cotidiano escolar e suas

1
Capítulo publicado no livro: LEMOS, F.C.S. et. Ali. Criações Transversais com Gilles Deleuze: artes,
saberes e política. Curitiba: CRV, p. 313- 332.
2
Psicóloga/UFPA, Doutoranda em Educação – PPGED/ICED/Universidade Federal do Pará, bolsista
CNPQ. danielevasco@yahoo.com.br
3
Professora Adjunta do Departamento de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação
Processos Formativos e Desigualdades Sociais, da Faculdade de Formação de Professores da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP/UERJ). Procientista da UERJ. Autora dos livros:
Deslocamentos na formação de Professores e Formação inventiva de professores, ambos publicados
pela Editora Lamparina. Coordenadora do Subprojeto de Pedagogia da FFP/PIBID/CAPES/UERJ.
rosimeri.dias@uol.com.br
ressonâncias nos processos de formação de professoras no ensino superior brasileiro na
atualidade.

Começamos pelo meio, entre cidades distantes, viagens, Pará e Rio de Janeiro,
que nos convocam por territorializar e desterritorializar modos de trabalhar e pensar
formação, também, entre, universidade e escola. Entre as coisas não designa uma
correlação localizável que vai de uma para outra e reciprocamente, mas uma direção
perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início
nem fim, que rói duas margens e adquire velocidade no meio. Não começa nem termina,
pelo meio, lugar onde as coisas adquirem velocidade. Entre lentidões e velocidades
apontamos os sentidos para fugir dos registros certeiros e poder sentir o que se passa e
nos passa nas viagens e tessituras escritas do que indicam as relações de cruzamento
territorial e existencial da formação. “Estar entre não faculta o uso do ou, ou, ou, que
exclui, nem do “e” como somatória de elementos sobrepostos, mas fala de um “e” que é
a acepção de se tornar outro, de um devir. Devir por conter a possibilidade de
transformação permanente, de invenção” (DIAS; SCHEINVAR, 2012, p.148).
Colocamo-nos em movimento, em uma conversa com professoras-autoras,
buscando deslocar os modos de pensar e fazer formação calcados nas lógicas de saber
ofertados por meio de palavras de ordem moralizantes, que afastam o exercício da
problematização e pensam a vida de modo individualizado e privatista. Aproximamo-
nos, assim, da aposta na criação de outros modos de existência, ultrapassando aquilo
que somos, buscando intensidades, construindo formas de luta.
A formação que buscamos problematizar reduz a capacidade de crítica e
reivindicação, por meio do poder disciplinar que ensina comportamentos de submissão
às leis e normas, conforme nos mostrou Foucault (1999). Como as táticas de poder
operam não apenas por cerceamento e retirada, mas na positividade, produzindo -
sujeitos, os processos formativos contemporâneos estão atravessados pela
mundialização da economia, na qual o indivíduo, do ponto de vista da produção,
necessita investir em si próprio para que obtenha, cada vez mais, “uma adaptação
potencial portátil” (SENNETT, 2006), que o liga aos funcionamentos do mercado e do
capital. Assistimos (e somos atravessados) desse modo, da educação básica à superior, o
avanço da sociedade da capacitação que na lógica empresarial desenvolve habilidades
que possam gerir trabalho e vida: precisa-se garantir as capacitações de toda ordem que
garantam acessos e prometam sucesso (DIAS, 2011).
Jorge Larrosa (2014) ao pensar sobre o desenho da universidade na
contemporaneidade, nos diz:
Mas o que acontece é que muita gente a está abandonando.(...) Já não me sinto um
lutador, talvez tenha perdido a capacidade de invenção, de inciativa e de risco, e o
que me vem quando penso na universidade é o “não se pode”. (...) Me ocorre que o
que sou é um professor cada vez mais velho, mais triste e mais cansado, que passou
a vida pensando em outras formas de entender a leitura, a escrita e a conversação, e
tratando de levar a sério a potência de certas linguagens e, sobretudo, de certas
formas de relação com a linguagem para ampliar as formas de experiência, para
modificar as relações com o mundo, com os outros e com nós mesmos (...) Agora
não sei se se pode fazer, mas o que, sem dúvida, sei é que às vezes acontece. Meus
anos na universidade foram testemunhas de algumas dessas vezes. Trata-se, então,
de prestar atenção a isso que às vezes acontece, estará à altura e dar-lhe tempo e
espaço (p. 148-150).

Larrosa provoca e nos move à escrita deste texto, quando dá acento aos
acontecimentos que investem em deslocamentos e problematizações. Ali onde reside a
impossibilidade, o cansaço, a desistência e o medo nos territórios escolares, o que
acontece? No espaço-tempo escolar disputado pelo imperativo da informação veloz,
fugaz, descartável, como são produzidas outras formas de habitá-lo e pensá-lo?
Forjamos nossos intercessores – Gilles Deleuze, Felix Guattari, Michel Foucault,
Maurice Blanchot, René Lourau, Júlio Cortázar, professoras, alunas – como nos diz
Deleuze (1998) “um bando onde se vive os piores perigos” (p.17), para agenciar
questões em torno da formação de professoras compondo um diagrama (DELEUZE,
2007; DELEUZE; GUATTARI, 2005) a partir de registros em diários de campo de
participantes do Subprojeto de Pedagogia da FFP/PIBID/CAPES/UERJ4. Os diários,
como uma espécie de memorial, não como confissão ou verdades, como nos diz
Blanchot (2011), nos serviram de recursos valiosos para capturar os “detalhes
insignificantes” do cotidiano na escola, universidade, vida, e, sobretudo, de interrogá-
los a respeito dos acontecimentos nos quais são possíveis a produção de territórios que
se forjam outras formas de habitar, pensar e fazer formação.
Buscamos formular problematizações que nos ajudem a pensar como um
determinado conjunto de respostas é produzido para um conjunto de problemas,
dificuldades, constituindo-se a problematização como uma tarefa analítica, um trabalho
especifico do pensamento (FOUCAULT, 2006), colocando em análise como, por
exemplo, no presente, construímos um conjunto de práticas educativas direcionadas
para grupos específicos de formandos e formadores. Esperamos que essas formulações
4
Para maiores detalhes acerca dos trabalhos do Subprojeto de Pedagogia acessar:
https://www.facebook.com/pibidcursodepedagogiaffpuerj/?ref=bookmarks ; ou, ainda, ver Dias (2014);
Dias, Peluso e Uchôa (2013); Dias, et.alli (2015).
que ressoem como convocação à inquietação e apostas outras que busquem a afirmação
da vida em sua potência, vislumbrando o que desamarra os inventários e atas, e permite
seguir viagem olhando cidades e vidas, com erros, gagueiras, belezas e perigos.
Para tanto, junto com nossos intercessores, este trabalho se dividirá em três
momentos: “dos espaços tempos inventivos”; “escritas, inscritos” e “problematizar,
criar, inventar”. Com estes momentos, há uma composição polifônica e coletiva que
dará a ver modos instituintes e inventivos de formar professores e instaurar práticas
articuladas entre universidade e escola básica.

DOS ESPAÇOS TEMPOS INVENTIVOS

Situamos a produção das problematizações aqui postas no decorrer do


desenvolvimento dos trabalhos do Subprojeto de Pedagogia da Faculdade de Formação
de Professores (FFP/UERJ) do projeto “Saber escolar e formação docente na educação
básica/PIBID/CAPES/UERJ”. Um grupo de alunas do curso de Pedagogia da Faculdade
de Formação de Professores da UERJ (FFP/UERJ) e professoras de duas escolas
públicas de educação básica5 utilizam as ferramentas da análise institucional, da
filosofia da diferença, das políticas de cognição, da pesquisa-intervenção, do método da
cartografia, da formação inventiva de professores e da arte, no desafio de pensar e fazer
formação em uma perspectiva ética, estética e política. Como nos mostra Dias (2012):
Ético, porque abre-se à possibilidade de fazer escolhas, remetendo à análise de
nossos atos, nossas implicações com as instituições em jogo; estético, para pensar a
formação como invenção de trajetórias de aprendizagens em meio a múltiplas forças
e, político, porque este coloca em desafio a constituição de um campo de
intervenção, problematizador e crítico, intensificador de encontros (p. 29).

Dentre momentos de planejamentos, reuniões de estudos, realização de oficinas


e demais intervenções, o trabalho acontece por meio de coletivos nos quais as escrituras,
leituras e debates são experimentados em um campo de problematizações sempre vivo e
intenso nos quais interrogações como, as descritas abaixo, são formuladas a todo tempo:
Como experimentamos o nosso próprio processo de aprendizagem? É possível
afirmar que formação de professores é um processo de produção de subjetividade?
Seria talvez possível suscitar experiências de problematização? Como criar um
campo de afecção para estudar, ler e escrever em tempos tão imagéticos como os

5
Há duas escolas parceiras, a saber: Colégio Estadual Conselheiro Macedo Soares (localizado no Barreto,
Niterói) e o CIEP Municipalizado 411 (localizado no Engenho Pequeno, São Gonçalo). Ambas as escolas
ficam no Estado do Rio de Janeiro, Brasil.
atuais? Como se fazer intercessor para um trabalho que luta por singularizações?
(DIAS, 2014, p.41).

Questões formuladas como convites extensivos e estendidos a todos envolvidos


no projeto. Sejam alunos da universidade, bolsistas do projeto, sejam as professoras e
alunos das escolas nas quais o projeto acontece. Nas rodas de estudos, planejamentos,
nos momentos das oficinas, como um modo de habitar territórios escolares, das
universidades, do mundo, da vida. Trata-se de um processo de experimentação no qual
as determinações escapam num campo de possibilidades, invenção e criação.
Em sua função política, o processo dá-se por meio de um devir minoritário que
afirma a diferença em suas práticas, em um trabalho coletivo. As formas do fazer
pedagógico que moralizam e instituem modos certos e errados de fazer a docência – a
aula, a escola, o aprendizado, os modos de experienciar – estão a todo tempo sendo
postos em questão. No Subprojeto a ideia central é deslocar (DIAS, 2011), portanto, os
lugares fixos do saber, das explicações, do não-saber, que polarizam os que falam e os
que escutam, os que ensinam e os que aprendem, assumindo posições de escuta e
criação de intercessões. Como no fragmento abaixo, a respeito de um momento de
brincadeira, quando “Éramos nós. Não nós e eles”. Um espaço-tempo do pátio no qual a
bolsista-professora coloca-se “brincar com”, afirmando “o seu olhar melhora o meu”.

A atenção ao presente possibilitando a experiência. A respeito da experiência,


Larrosa (2014) nos aponta que é preciso fazê-la ressoar de outros modos. Se o campo da
educação constitui-se demasiadamente por meio de oposições tais como teoria x prática,
a experiência ganha conotação de algo possível de apropriar-se, de acumular, como um
conceito que se pode definir. Reivindicar a experiência é reivindicar a subjetividade, a
incerteza, a provisoriedade, o corpo, a fugacidade, a finitude, a vida “tudo aquilo que
tanto a filosofia como a ciência tradicionalmente menosprezam e rechaçam” (p.40).
Como nos diz o desafiador Jonhy a nos desacomodar o mundo, em O
perseguidor de Cortázar (2010), enquanto os sábios, seguros de si e de tudo, que
aceitam o já visto por outros, estão convencidos de que estudam e fazem coisas
profundas e difíceis, estas são bem diferentes, “tudo que a gente acha que pode fazer a
qualquer momento” (p. 123). O “já visto” tão comumente invocado no campo
educacional, atravessado fundamentalmente por modos naturalizados referentes ao
saber, conhecimento e informação, colocando alunos em posição de quem deve
adequar-se, repetir a lógica representacional, deve submeter-se a docilidade. O que se
deve fazer, como fazer, qual o modo certo, quanto vale o que foi produzido, são
questões que perpassam os territórios escolares e da educação em geral, como algo
naturalizado, que é preciso atender em sua prescrição.
Percorrer e produzir espaços de formação inventivos (DIAS, 2012) requer
permanentemente colocar questões em análise, afirmando processos de
desnaturalização. No projeto em curso, os grupos fazem suas proposições não em
função de um calendário escolar, de uma instância administrativa ou ainda definição das
coordenadoras do projeto. Uma “biblioteca viva” (SILVA, 2015), uma oficina de
fotografia ou mostra de vídeos sobre cultura indígena, emergem como acontecimentos
acionados em um processo que incentiva a criação de práticas e modos de olhar e pensar
os territórios escolares (DIAS et. Ali., 2015). Ler, estudar, encontrar, construir e realizar
oficinas, pôr questões em análise, compor linhas de força e de passagens, construir
intercessores, são apostas coletivas que dão espaço para o múltiplo.

ESCRITAS, INSCRITOS

[...] Escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é
palavra. Quando essa não-palavra - a entrelinha- morde a isca, alguma coisa se escreveu.
Uma vez que se pescou a entrelinha, poder-se-ia com alívio jogar a palavra fora. Mas aí
cessa a analogia: a não-palavra, ao morder a isca, incorporou-a. O que salva então é escrever
distraidamente. [Clarice Lispector, 1998, p.20]

Produzimos intercessão com Clarice, como isca, para capturar acontecimentos


que se inscreveram em fragmentos dos diários de participantes do Subprojeto de
Pedagogia da FFP/PIBID/CAPES/UERJ. O que pede passagem quando toma forma nos
diários? Como uma formação inventiva tem produzido não-palavras? Percorremos
agora esses fragmentos, do modo como Blanchot (2010) propõe, como aquilo que não
interrompe um devir, não fragmenta uma realidade existente.
Entendemos que o que se escreve nos diários são recursos valiosos do cotidiano
do percurso formativo, seja nas escolas ou na universidade. Vemos os diários como
Blanchot (2011): uma espécie de memorial. Uma narrativa relativa a acontecimentos,
mas não apenas de uma memória factual, verdadeira, que confessa verdades ocultadas
de alguém ou descreve uma realidade. Em suas palavras,
O Diário representa a sequencia dos pontos de referencia que um escritor estabelece
e fixa para reconhecer-se, quando pressente a metamorfose perigosa a que está
exposto. É um caminho ainda viável, uma espécie de caminho de ronda que ladeia,
vigia e, por vezes, duplica o outro caminho, aquele onde errar é a tarefa sem fim.
(p.20).

Errância que nos distancia, sobretudo, da ideia de um diário confessional, “íntimo”,


relativo a uma individualidade como lugar onde segredos são guardados, escondidos, no
qual as verdades podem libertar-se, como um campo arejado no qual seu autor precisa
circular em busca de ar e seu verdadeiro eu pode aparecer em sua essência. Sabemos que
esse tipo de registro é produzido desde o fim do século XVIII, nas sociedades ocidentais,
juntamente com a produção de outros arquivos como registros civis, prontuários médicos,
relatórios de instituições de educação e assistência social, que exercem diversas funções e
garantem identidades. Para existir é preciso inscrever-se, nos diz Philippe Artière (1988)
em seu artigo “Arquivar a própria vida”, aí se incluem os diários.

No entanto, utilizado como ferramenta no percurso do processo de formação


inventiva (DIAS, 2016; 2012), a produção dos diários, nessa perspectiva, aliado a outras
ferramentas mencionadas anteriormente, subverte essa ideia de produção de verdade de
identidades e/ou um texto descritivo, uma prestação de contas, veiculação de
informações. Subversão como rompimento de hierarquias, convite para:

Sair do previsto; ousar com espanto e estranhamento. Inquietar-se com a reprodução;


perder roteiros e descolar-se das fotos; dançar com o pensamento. Historicizar sem
começos e finalidades; navegar sem bússola em meio às intempéries e surpresas do
percurso, deixando-se afectar pelas ressonâncias do processo; desmontar os
dispositivos; criar e experimentar; interrogar ética, estética e politicamente os
acontecimentos; deslizar à deriva; implodir totalitarismos; fabricar roteiros outros de
estudos para além das homogeneizações das agendas de pesquisa. (LEMOS; SILVA;
SANTOS, 2012, p. 223)

Ousar, sobre tudo, estranhamentos, como no fragmento abaixo:


“DIFICULDADES – Encontrei algumas
dificuldades ao ler e ao acompanhar as discussões
de hoje. Penso que irei “treinando”, “estudando”,
meu olhar, minha leitura. ESTRANHEZA – É
tudo muito novo, diferente. O estranho, o novo é
bom. Estou me desafiando. O desafio do novo. É
isso!” (fragmento de diário de bolsista, 26/03/14)

“Algumas leituras, que venho conhecendo com o


grupo de estudos, têm sido verdadeiras
“estranhas”. Durante os diálogos, certas vezes,
me sinto perdida e por outras vejo que algo faz
sentido e nem tudo está perdido na minha
mente... Preciso me desafiar a ler aquilo que não
sei ler (ou me é estranho).” (fragmento de diário
de bolsista, 14/05/14)

Sentir-se “perdida”, “não saber ler”, nos remete a uma espécie de aprisionamento
do pensamento que afasta o debate ao requerer obediência e adesão. Algo próximo do que
nos diz Lispector (1998, p. 76): “quando estranho uma pintura é aí que é pintura. E
quando estranho a palavra aí é que ela alcança o sentido. E quando estranho a vida aí é
que começa a vida”. Dizemos isto lembrando que no campo da educação tem
predominado o informatarismo, “que se utiliza de sistemas técnicos, comunicacionais e
informacionais para reduzir o conhecer à informação” (Dias, 2011, p.95,). Trata-se,
sobretudo, da constituição de sujeitos impossibilitados de moverem-se em um campo de
problematizações, que se mantêm na heterogestão (LOURAU, 1993), constituídos por
meio de relações de saber-poder que se dirigem tanto aos corpos individuais quanto à
população na totalidade de suas condutas (FOUCAULT, 1999).

Como zona de passagem atravessada por diferentes espaços-tempos de estudos


coletivos, intervenções, escritas, universidade, casa, vida, os diários convocam escrituras
em seus variados modos – colagens, fotografias, desenhos, pinturas – e sua feitura nos
parece um elemento merecedor de atenção no projeto uma vez que nos interessa percorrer
ali nestes inscritos a potência dos campos abertos às experiências em uma formação
inventiva. Sua produção é um convite feito pelas coordenadoras do projeto. Já foi
utilizado de diversos modos, sendo entregue pelo projeto a cada participante, com
momentos de leituras compartilhadas até a sua entrega às coordenadoras ao final do ano.
No ano de 2014, nenhuma dessas solicitações foi feita, no entanto, sua presença não
deixou de ser marcada fosse por menções feitas pelas participantes do projeto – “até
escrevi no diário a esse respeito”, “voltamos pra casa no mesmo ônibus e lemos trechos
de nossos diários umas às outras” – ou apenas por desfilarem em cima das mesas, nas
bolsas ou mãos.

Dos registros mais liberadores, potentes, passando pela ausência de registros,


pelos registros como cópias, há uma miscelânea que acompanha o fluxo de devires que
circulam nos acontecimentos que emergem no projeto e que muitas vezes não pode ser
enunciado, não porque exatamente haja uma censura, mas tão somente, porque se
apresenta como possibilidade de criação de outros modos de enunciação. Como nos
mostra o fragmento de uma supervisora, professora de uma escola básica parceira,
transcrito a seguir:

O diário de campo é peça


fundamental da pesquisa
intervenção – um dispositivo. O
registro do que acontece e nos
acontece e a restituição
constituem-se na produção
propriamente dita nesta
perspectiva teórica, em que sujeito
e objeto encontram-se no mesmo
plano implicacional.
Particularmente, fiquei encantada
com a possibilidade de registrar os
processos da vida, no trabalho, no
projeto, em casa, em nós, em toda
parte onde ela transcorre. Com a
atenção na micropolítica, nas
relações e situações do cotidiano,
atravessadas, é claro, pela
macropolítica, invertemos o modo
de pensar o mundo e a nós mesmo
e somos como que empecilhos a
ver o que estamos permitindo
fazerem de nós e a pensar e agir no
sentido do que pretendemos em
nossas vidas. (sem data)
A imagem turva embaralha as letras nos dando a dimensão coletiva de um
trabalho feito à muitas mãos, sem identificação de uma “letra” ou “rosto”, em uma
multiplicidade que não faz referencia a Um (DELEUZE, 1995). Aqui os nomes próprios
não se referem a indivíduos falantes, sujeitos essencializados. Ainda que o nome de
autor seja um nome próprio, ele é menos um nome e sua história e mais uma função,
como nos aponta Foucault, na conferência “O que é um autor” (2009).
A conferência apresenta a função-autor como efeito de operações críticas
complexas, apontando que pensar sobre quem fala é um princípio ético da escrita
contemporânea e analisando a maneira pela qual função autor se exerce por meio das
condições de funcionamento de práticas discursivas especificas. Distante de uma análise
histórico-sociológica a respeito de como se individualizou o autor, em qual sistema de
valorização foi escolhido, como emergem e se instaura a categoria “homem e obra”, a
conferencia analisa a relação do texto com autor, como o texto aponta para essa figura
que lhe é exterior e anterior. Para Foucault (2009),
Sem dúvida, a análise poderia reconhecer ainda outros traços característicos da
função autor. Mas me deterei hoje nos quatro que acabo de evocar, porque eles
parecem ao mesmo tempo os mais visíveis e importantes. Eu os resumirei assim: a
função autor está ligada ao sistema jurídico e institucional que contém, determina,
articula o universo dos discursos; ela não se exerce uniformemente e da mesma
maneira sobre todos os discursos, em todas as épocas e em todas as formas de
civilização; ela não é definida pela atribuição espontânea de um discurso ao seu
produtor, mas por uma série de operações específicas e complexas; ela não remete
pura e simplesmente a um indivíduo real, ela pode dar lugar simultaneamente a
vários egos, a várias posições-sujeitos que classes diferentes de indivíduos podem
vir a ocupar. (pg 279-280).

O que implica necessariamente um reexame da noção de sujeito, em sua


constituição enquanto uma função do discurso. Nos diários os acontecimentos, os
impedimentos vividos em sala de aula, desânimos, tensões, incertezas, são também
entendidos como práticas discursivas. Daí que a produção dos diários faz-se com uma
das ferramentas existentes que operam em conjunto formando um dispositivo que tem
ditos e não ditos como seus elementos, e englobam enunciados científicos, proposições
morais (FOUCAULT, 1998).
Desse modo, quando utilizados como dispositivos, no percurso do processo de
formação inventiva, as escritas de diário de pesquisa forçam o pensamento a pensar,
sobretudo, conforme a ferramenta da restituição (LOURAU, 1993) nos apresenta, falar
do que foi silenciado ou falado em outros espaços-tempos, nos chama a atenção como
nos mostra o devir em sua intensidade, coletividade e possibilidade de deslocamentos.
Não se trata de escrever para alguém, de ter uma avaliação, uma exigência institucional.
As escritas se transformam em inscrições em nós, em gestos, em modos de viver outros
que abraçam as condições existências da formação. Sim, são diários como gestos de
uma formação inventiva de professores, que operam pelo que nos movem e nos
transformam.
O projeto me deslocou a amar meus defeitos, a vê-los a compreendê-los em sua
complexidade. Me fez pensar no que brilhantemente Clarice Lispector nos fala:
“Sorrisos e abraços espontâneos me emocionam. Palavras até me conquistam
temporariamente. Mas atitudes me ganham para sempre”. (Fragmento diário de
bolsista, sem data)

Fragmentos gestuais que se escrevem e se inscrevem como gestos e modos de


fazer que se misturam com linhas diversas para afetar e nos deixar afetar pelas tessituras
que conseguimos fazer. Algo próximo de uma expressão, gestos que se fazem em nós
por escritas, falas, diários, encontros e conversas. Modos de trabalhar que afirmam que
formação se faz por uma estilística que forja escritas e inscreve corporalmente práticas
políticas.

Como nos referimos anteriormente, a educação como campo de enunciação das


normas, prescrições, apresenta comumente o que pode ser dito e como dizer. Na ordem
do discurso educativo há respostas certas, no momento em que se pode dizer –
geralmente trabalhos avaliativos, provas, quando se é perguntado. Parece-nos o trabalho
que Deleuze nos mostra de produzir uma língua menor, ser estrangeiro em sua própria
vida, buscando uma escritura que tem por fim a vida.
Remetendo-nos a Deleuze (1997), em Crítica e Clínica, escrever é devir. E um
devir “sempre inacabado, sempre em via de fazer-se, e que extravasa qualquer matéria
vivível ou vivida. É um processo, ou seja, uma passagem de Vida que atravessa o
vivível e o vivido” (p.11).
PROBLEMATIZAR, CRIAR, INVENTAR

Criar é resistir.
(DELEUZE; GUATTARI, 2004, p. 143)
O que há de primordial na noção de problematização para poder inventar e
diferir na formação? Há muitos trajetos para se pensar esta questão, não importa a
entrada que tomamos, se esta forjar múltiplas saídas. Com a aposta nas possibilidades
de diferir na formação, conversamos com Deleuze e Guattari, pois a noção de problema
atua como um elemento importante na produção do sentido e da constituição de uma
experiência de pensamento. “Pensar é experimentar, mas a experimentação é sempre o
que se está fazendo – o novo, o notável, o interessante, que substituem a aparência de
verdade e que são mais exigentes que ela” (Idem, p.143). Mas a característica
fundamental da noção de problema, na obra de Deleuze e de Deleuze e Guattari,
permanece fazendo ressonâncias com os trabalhos que tecemos: apontar a produção
singular da atividade filosófica colocada indissociável da liberdade, a intempestividade
e a criação como condições elementares de um exercício potente de pensamento. Nosso
interesse em explorar esta noção de problema deve-se ao seu vínculo estreito com o
sentido e a constituição do que é filosofia para Deleuze e Guattari (2004): invenção de
problemas. Mas é importante cautela para não confundir interrogações com problemas.
Pois as interrogações nos remetem a atividade de pensar à constituição de soluções. Na
perspectiva das interrogações, são as soluções que importam. Sejam elas de problemas
pretensamente eternos, temporais ou históricos. Há uma espécie de controle dos
problemas. Com tal controle,
Fazem-nos acreditar, ao mesmo tempo, que os problemas são dados já
feitos e que eles desaparecem nas respostas ou na solução; sob este
duplo aspecto, eles seriam apenas quimeras. Fazem-nos acreditar que
a atividade de pensar, assim como o verdadeiro e o falso em relação a
esta atividade, só começa com a procura de soluções, só concerne às
soluções [...] É um preconceito infantil, segundo o qual o mestre
apresenta um problema sendo nossa a tarefa de resolvê-lo e sendo o
resultado desta tarefa qualificado de verdadeiro ou de falso por uma
autoridade poderosa. E é um preconceito social, no visível interesse de
nos manter crianças, que sempre nos convida a resolver problemas
vindos de outro lugar e que nos consola, ou nos distrai, dizendo-nos
que venceremos se soubermos responder [...] É esta a origem de uma
grotesca imagem da cultura, que se reencontra igualmente nos testes,
nas instruções governamentais, nos concursos de jornais (em que se
convida cada um a escolher segundo seu gosto, com a condição de que
este gosto coincida com o de todos). Seja você mesmo, ficando claro
que este eu deve ser o dos outros. Como se continuássemos escravos
enquanto não dispusermos dos próprios problemas, de uma
participação nos problemas, de um direito aos problemas, de uma
gestão dos problemas. (DELEUZE, 2006, p. 228)
Para Deleuze, pensar não é solucionar problemas (interrogações) e termina-los.
É necessário constituir problemas, cria-los e inventá-los. É nisto que consiste a
liberdade relacionada ao pensamento filosófico, no sentido de um pensamento libertário.
Sua força intempestiva está em ser uma singularidade que não se deixa representar, um
pensamento que não é avaliado por um modelo; está em produção de problemas que são
inventados e criados e não dados. A liberdade de inventar problemas chega quando se
ultrapassam as barreiras da representação, da recognição, de uma imagem dogmática do
pensamento (Idem) para forjar a criação do novo.
Quais são estas forças que animam a criação e o novo no pensamento? E, por
outro lado, quais são as forças que fazem da formação um simples pensamento
representacional ou de solução de problemas? São estas questões que enfrentamos para
colocar em análise e intervir no quanto a noção de problema, quando afirmada na sua
alta potência, pode forjar uma imagem do pensamento sem imagem, contribuindo para o
estabelecimento de um sentido específico de uma formação inventiva de professores
(DIAS, 2012) que será fundamental para forjar a articulação entre problematizar, criar e
inventar no campo da formação que este texto pretende constituir.
Pensar, como o registro de uma imagem dogmática do pensamento, é aplicar
uma capacidade natural e naturalmente direcionada para um exercício particular (a
recognição dos objetos e dos valores, a busca do verdadeiro) por meio de um método e a
uma decisão que pode ou não vir a acontecer. Nos atos de representação, de recognição,
no clamor pelo verdadeiro, a imagem dogmática do pensamento é também uma imagem
moral do pensamento, uma adesão à um modelo. Contudo, o pensamento pode ter um
movimento outro. Como seria possível pensarmos um pensamento e uma formação que
funcionasse de modo radicalmente diferente?
Há que se sentir que a noção de uma formação que funciona por
problematização, assim, porque não se trata de uma questão abstrata e sim de um
problema político. Deleuze nos ajuda a pensar numa formação inventiva quando estuda
sobre a imagem do pensamento. Para o filósofo, cada época engendra diferentemente
sua moral, mas a Moral enquanto forma e motivação do pensamento permanece a
mesma. A vontade de verdade não é um simples fazer de filósofos, mas tece e
retroalimenta uma rede com diversos procedimentos no âmbito social, educacional,
político e cultural de um povo, fazendo expandir a sua constituição mesma pelos traços
que determinam o modelo ou padrão de existência.
O modelo precisa se defender, a representação, a moral e a verdade são seus
defensores. Juntas elas fazem, ao mesmo tempo, uma imagem dogmática do
pensamento e uma política. Uma política, um ethos trata-se de um modo de existência:
pensar, resolver problemas e viver conforme o modelo. Contrário a esta posição
modelar e moralizadora, Deleuze forja a ideia de um pensamento sem imagem, da
afirmação do novo, por meio da criação conceitual, é possível afirmar a singularidade
do pensamento que existe independente de um modelo. Pois um pensamento que
afirma a singularidade, sua parte acontecimental, se posiciona inaugurando uma política
que subverte a imagem dogmática do pensamento.
Na dimensão singular e acontecimental nada termina. “É que não pensamos sem
nos tornarmos outra coisa, algo que não pensa, um bicho, um vegetal, uma molécula,
uma partícula, que retornam sobre o pensamento e o relançam” (DELEUZE;
GUATTARI, 2004, p.49). Existe aí uma vibração de potências em que as singularidades
que se afirmam enquanto tais fornecem forças para as lutas de outras singularidades de
outras naturezas que atuam em outras dimensões, fazendo-nos ingressar em uma
aventura de pensamento sem modelo, perigosa, com riscos e desformações possíveis.
Vibrar um acontecimento singular e fazê-lo ressoar com seus próprios meios, a
afirmação das singularidades criadas. Nas palavras de Deleuze (2006, p. 203)
O que é o primeiro no pensamento é o arrombamento, a violência, é o
inimigo, e nada supõe a filosofia; tudo parte de uma misosofia. Não
contemos com o pensamento para fundar a necessidade relativa do que
ele pensa; contemos, ao contrário, com a contingência de um encontro
com aquilo que força a pensar, a fim de erguer e estabelecer a
necessidade absoluta de um ato de pensar, de uma paixão de pensar.
As condições de uma verdadeira crítica e de uma verdadeira criação
são as mesmas: destruição da imagem de um pensamento que
pressupõe a si próprio, gênese do ato de pensar no próprio
pensamento.

Se o pensamento é uma possibilidade, a atividade de pensar só nasce no próprio


pensamento quando este é violentado e vibra. Encontramos algo no mundo, de modo
fortuito, que nos força a pensar. Trata-se de um encontro e não de uma recognição.
Encontra-se com algo que, no registro da sensibilidade, só pode ser sentido, e não
imaginado ou representado. Para Deleuze, o encontro com algo só pode ser sentido se
“se opõe à recognição” (Idem). Neste sentido, há uma propriedade paradoxal no
pensamento sem imagem, que faz da violência o que pode ser sentido. “No caminho que
leva ao que existe para ser pensado, tudo parte da sensibilidade. Do intensivo ao
pensamento, é sempre por meio de uma intensidade que o pensamento advém” (Idem, p.
210). A intensidade é este elemento capaz de forçar o pensamento a pensar quando
anima sua diferença interna conectada por uma diferença radical em relação ao objeto.
No pensamento sem imagem o que há é um enlace entre diferença e sua eterna
repetição. Um pensamento atravessado pelo que diverge, heterogeiniza e se alimenta de
um encontro com o objeto, seu problema, a saber: pensar aquilo que não foi pensado.
É sempre bom lembrar que enveredar pelo caminho da invenção não é
fácil, corremos sempre o risco de cair na representação, e como
conclui a autora, citando a Rosi, é preciso sempre cuidado e leveza.
Achei bem interessante a colocação da Rosi ao falar sobre a diferença
entre invenção, vinculada a ideia do novo, de problematização e a
criatividade, como uma nova forma de solucionar problemas. Na
discussão enfatizou-se que a invenção não é algo extraordinário, mas
relaciona-se ao modo como nos inserimos nas instituições. Rosi
lembrou que são pequenos gestos, modos de fazer, práticas... Invenção
como uma política de cognição, como processos autogestionários,
como afirmação de possibilidades. Num mundo que se move pela
representação, é preciso buscar lugares para respirar. Com certeza esse
território de pensamento na escola é um desses lugares. (Fragmento
diário de supervisora, professora da escola básica, 29/05/14).

A noção de problema ressoa neste trabalho para pensar e fazer uma formação
sem representação, inventiva. Os problemas não são postos no mundo e criados no
pensamento para serem, simplesmente, resolvidos. Um problema não está em busca de
soluções, o que não significa que ele não as tenha. Talvez seja possível dizer, com
Deleuze, que as soluções são apenas formas com que o próprio problema pode se
determinar, pode entrar em uma aventura de qualificar o que é interessante e potente
para a produção de seu sentido, buscando não o verdadeiro, mas se aventurar em um
processo de experienciação.
Poderíamos dizer, com Deleuze, que pensar na formação de professores, na
perspectiva da imagem dogmática do pensamento, é lançar dados cujos resultados já
estão previstos, cujos resultados já estão determinados e que o imperativo de lançar os
dados, movido pela Moral, quer um resultado predeterminado pelo modelo do jogo.
Contudo, no pensamento sem imagem, quando acontecem imprevisibilidades e acasos,
pensar pode se tornar um ato de criação, pois, a cada vez que o dado é lançado em
decorrência de um imperativo (problema) o resultado (conceito) ou a relação de
resultados (conceitos) são criados. A filosofia é invenção de conceitos, e só pode ser
quando o pensamento torna-se problematizador, também criador e criado em sua própria
gênese.
Acreditamos que o desenvolvimento da ideia de um pensamento sem imagem,
problematizador, intensifica e vibra nos campos da formação para fazer e pensar os
gestos pedagógicos como atos de resistências. Pois criar é resistir, como afirma Deleuze
e Guattari (2004). Criar conceitos e criar possibilidades de vida: tarefa da educação e da
formação para fazer modos outros de agir e sentir.
Portanto, a pesquisa intervenção que fazemos com as escolas básicas parceiras
no Subprojeto de Pedagogia da FFP/PIBID/CAPES/UERJ tem como sentido colocar em
análise e intervir, junto com alunos e professores, nas novas/velhas políticas
atravessadas nos processos formativos, discutindo as implicações com as emergências
geradas pelos problemas que insistem em fazer parte da vida institucional: indisciplina,
violência, infrequência, reprovação, não aprendizagem...Por isso, nossa entrada na
formação precisa de atenção, pois já há lugar e problemas prontos para serem
resolvidos. Como nos deslocamos destes problemas habituais da formação e da escola
básica?

Olhar o cotidiano como um sistema aberto em que a vida ganha


consistência nas práticas é também escapar do movimento linear,
reduzido às causas e efeitos de uma visão cientificista em que a
previsibilidade é um valor. Queremos afirmar que o que acontece no
plano da experimentação, acontece como efeito de diferenciações, de
maneira a afetar e ser afetado. É uma realidade complexa, e complexo
não significa complicado... Ele pode também ser complicado, contudo
não significa ser complicado, significa ser múltiplo, ser possível de se
dobrar de diferentes formas. (ROCHA, 2012, p. 47)

O que significa acolher as problematizações para intensificar as forças e linhas


coletivas? Sem receitas, viver pelo e com o coletivo é um trabalho artesanal. É uma
prática inventiva, porque não padronizada, é forjada pelos afetos, pelos pequenos
gestos, pelas micropolíticas tecidas entre nós, com múltiplas escritas, inscritos, vozes,
linhas e, claro, tensões.
Na formação feita entre universidade e escola básica, é bom lembrar Deleuze
quando ele nos diz que pensar é criar, acreditamos que a formação ocupa um espaço
tempo muito singular. Lembrando o que uma bolsista nos disse acima,
“ESTRANHEZA. É tudo muito novo, diferente...” Que estranheza há quando
encontramos uma formação inventiva fragmentária e tecida coletivamente. Que
variações, intensidades, escritas, inscritos, problematizações são necessárias para nossas
viagens?
Nossa aposta é de que só apreendemos estas variações, intensidades, escritas,
inscritos, problemas quando são desenvolvidas com seus meios próprios. Deste modo,
uma formação inventiva já está completamente pronta em uma escola, uma
universidade, uma vida. Basta que alguém saiba captá-la, basta alguém para atualizá-la.
Isto porque não se pode conhecer uma formação inventiva, apenas prolongar, com outra
criação, com seus meios próprios e coletivos. Uma formação inventiva é sempre uma
obra coletiva, efeito de um agenciamento coletivo. Por isso dizemos que se há uma
formação inventiva, é de maneira diferente de uma capacitação. É do modo em que seja
possível considerar acontecimentos como uma insurgência, um ato de pensamento, isto
é, de criação e de resistência.
Enfim, colocamos questões – principalmente tendo em vista o enfoque na
especificidade de resistência do pensamento de Gilles Deleuze e Felix Guattari: Como
não fazer da formação inventiva palavras de ordem? Como não fazer da resistência um
juízo? Como não fazer uma perspectiva ética estética política se tornar uma postura
moral de administração? Como não perder a dimensão acontecimental de uma
formação?
Para não perder a dimensão acontecimental da formação, não podemos perder o
concreto com suas tessituras coletivas. Por isto, registramos, mesmo que
fragmentariamente! Desse modo, não perder o acontecimento, significa pensar que uma
formação inventiva é uma prática de produção de efeitos, de contornos, de sensações, de
afetos, de sentido. A formação é uma prática concreta, e só perde o concreto quando
acredita estar se ocupando de seres que não existem no dito “mundo real” ou que suas
categorias existem para representar e fazer uma recognição mental a partir dos seres e
coisas que habitam o “mundo real”.
Vemos que este concreto na formação passa por percepções, afetos, hábitos,
memórias, espaços-tempos, alegrias, tristezas, decepções e glórias, angústias e
potencializações, corpo... O concreto de uma formação inventiva de professores é uma
viagem tecida por misturas do incontornável plano da vida, da existência, da
complexidade, em que as combinações, os elementos ou forças que predominam nestas
misturas fabricam um sentido para estas misturas, para a vida que, neste sentido, é o
grande plano das misturas, das composições e das experimentações ativas e seus
registros fragmentários, seus textos inscritos e escritos.
Ao assumir a dimensão acontecimental de um trabalho, com seus escritos e
inscritos, suas problematizações e invenções, não perdemos o concreto. Seu plano de
imanência, uma vida. Em tal plano, a escrita fragmentária funciona como máquina de
conexão. É fundamental, então, para que a formação inventiva não se torne uma palavra
de ordem, um juízo, que a engrenagem possa se conectar com engrenagens
extratextuais, possa ser prolongada, possa ser modificada, possa, em última instância,
potencializar outras variações e criações contínuas mais políticas. Nem que seja, no
mínimo, para respirar um pouco melhor no meio de tanta capacitação e representação,
para animar, pelo menos, outros textos de educação e outras práticas concretas de
invenção e resistência.
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