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Um novo jeito de produzir

Um levantamento recente do Incra aponta que cerca de 20 mil famílias assen tadas da
reforma agrária, ocupantes de aproximadamente 700 mil hectares, promovem algum mo-
delo de atividade agroecológica. Mais do que números, a pesquisa mostra a gradual tran-
sição de um modelo de produção tradicion al, baseado na utilização de agrotóxico, para um
modelo sustentável, ambientalmente responsável e gerador de renda para essas famílias.
O protagon ismo dos assentamentos na consolidação da agricultura ecológica está sintonizado com o
Plano Brasil Agroecológico, lançado pelo Governo Federal em outubro de 2013. O objetivo é articular
políticas e ações de incentivo ao cultivo de alimentos orgânicos e de base agroecológica no País aliadas
à conservação dos recursos naturais.
Nos assentamentos, a produção de alimentos agroecológicos tem por base a articulação entre famílias
assentadas e o Incra. Por meio de assistência técnica de qualidade, implantação de cursos voltados às
práticas agroecológicas e incentivo aos processos simplificados de comercialização, os agricultores da
reforma agrária contribuem para o aumento da produção de alimentos livres de agrotóxicos.
Um dos programas do Incra que incentivam a promoção da transição dos sistemas convencionais para os
agroecológicos é o Terra Sol. Desde sua criação, o programa beneficiou mais de 180 mil famílias assen-
tadas em todas as regiões do País. Nos últimos cinco anos, foram aplicados mais de R$ 15 milhões em
projetos nos assentamentos, a maior parte de beneficiamento e comercialização de produtos orgânicos
e de base agroecológica.
Outra iniciativa acontece na região Nordeste, onde uma parceria entre Incra, Fundação Banco do Brasil e
Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste implantou 200 unidades de produção agroecoló-
gica em assen tamentos nos estados do Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas e Pernambuco. O Programa
de Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais) é uma tecnologia social que possibilitou a
produção de alimentos saudáveis tanto para consumo das famílias quanto para comercialização nas
comunidades onde os assentamentos estão localizados.
A consolidação das políticas e das ações de apoio à produção agroecológica também passa pelos bancos
das salas de aula. O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (Pronera) atualmente atende
1.582 estudantes assentados ou que atuam em assentamentos. A parceria entre Incra e instituições de
ensino superior oferece 35 cursos de especialização em Residên cia Agrária destin ados a 358 assenta-
men tos em 334 municípios. Vinte e três dos cursos têm foco em agroecologia.
O resultado deste esforço conjun to entre Incra, organizações govern amentais e não governamentais e
trabalhadores assentados pode ser visto nesta publicação. Iniciativas em assentamentos de Norte a Sul
mostram, na prática, uma nova forma de produzir alimentos, com respeito à natureza e ampliação do
nível de renda das famílias.
{ SUMÁRIO }

08 46

O fino
do chocolate
Boa terra de Alimentos
futuro com grife
22 54

Renovação pela
agroecologia
Incra/PB
O sonho por
incentiva
alimentos mais
promoção de
saudáveis
Feiras da
Políticas Reforma
públicas Agrária
30 64

Um grande lote
Agricultura Convergência
saudável de ações
36 76

Práticas diversificadas
garantem segurança Agroecologia
alimentar das famílias na sala de aula
82 106

Aliança pela saúde


Minifloresta Resistir
Maravilhosa é orgânico
88 116

Aprendendo Agroecologia
com a natureza a 100%
94 124

Cada um com
sua receita Bendito fruto
100

Produção aliada
à sustentabilidade
[6 incra.gov.br
BAHIA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 674
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 45.932
ÁREA EM HECTARES: 2.009.945.12

TE R R A D A GE N TE
[ BAHIA ]

O fino do
chocolate

Assentamento
Terra Vista produz
chocolate orgânico
fino de modo
artesanal

Reportagem e fotos: Cintia Melo

[8 incra.gov.br
O assentado Gilvan de
Almeida Santos tem
participado de feiras,
festivais e exposições
com o chocolate
Artesanal Terra Vista,
representando a área
de reforma agrá ria.
Uma delas foi a Feira
das Flores e Chocolates
do Sul da Bahia, que
ocorreu no primeiro
semestre de 2014.

Com 56% de cacau orgânico fino, o Chocolate Artesa- comercializado no valor de R$ 15,00, e outro de 30
nal Terra Vista é o primeiro produzido num assenta- gramas, por R$ 5,00. Com os chocolates prontos, eles
mento na Bahia e que leva o selo da reforma agrária. são levados por assen tados para feiras, exposições e
Desde setembro, as famílias agroecologistas fabricam festivais da região.
e embalam o chocolate no próprio assentamento. “O investimento nessa máquina foi de R$ 15 mil”,
Antes, as amêndoas do cacau fino eram levadas para informa Ferreira. Segundo o coordenador, os recursos
uma fábrica de chocolate, a 100 Km de distância, obtidos com a comercialização dos chocolates arte-
para serem processadas e empacotadas. sanais são reinvestidos na produção das embalagens
O chocolate resulta do esforço, estudo e dedicação à e no pagamento aos assentados que produzem as
agroecologia e à produção de cacau orgânico das 55 fa- amêndoas finas.
mílias do assentamento, situado no município de Arata- Filha de
ca, no litoral Sul. Desde 2013, a área conquistou o selo do assentado, Vanessa
Instituto Biodinâmico (IBD) para orgânicos. Garcez, 12 a nos,
revela que adora
De acordo com o coordenador da Cooperativa de Pro- viver no Terra Vista.
dução Agropecuária Construindo o Sul (Cooprasul), “Cultivamos orgânicos
Joelson Ferreira, do Terra Vista, a produção do choco- para termos um futuro
melhor. Não é só
late está se consolidando com a aquisição da máqui-
para o bem dos que
na que fabrica chocolate artesanal, em parceria com vivem aqui, mas de
o Instituto Cabruca, que tem sede em Ilhéus (BA). todo o planeta”.

De acordo com Ferreira, a instalação da máquina arte-


sanal está dentro das normas exigidas e o equipamen-
to processa, a cada 36 horas, 17 quilos do produto.
O Chocolate Artesanal Terra Vista é embrulhado
em dois taman hos de caixin has, um de 90 gramas,

terra da gente 9]
[ BAHIA ]

Visão da chegada O Terra Vista é destaque na produção de mudas ar- Desde o ano 2000, cerca de 100 mil mudas de ma-
ao assentamento
bóreas e frutíferas de matrizes da Mata Atlântica. deiras de lei, como o Jequitibá, Jacarandá, Pau-Brasil
Terra Vista.
Tem capacidade produtiva de 200 mil mudas para e Jatobá foram plan tadas no assentamento. A inicia-
reflorestamento, a cada 90 dias, em dois viveiros e tiva visou ao reflorestamento das matas ciliares e
uma estufa. dos passivos ambientais existentes desde a época da
Ainda se sobressai em educação com ênfase na criação do assentamento, em 1995.
agroecologia. São 990 alunos matriculados em duas Dos 913 hectares do Terra Vista, 35% da área é de
escolas no assentamento, além de uma especializa- Reserva Legal, onde estão identificadas 400 matrizes
ção por meio do Programa Nacional de Educação na arbóreas e frutíferas fornecedoras de sementes para
Reforma Agrária (Pronera). a produção das mudas.

[10 incra.gov.br
produzindo ao menos 200 arrobas por lote de nove
Cacau fino
O objetivo das pesquisas desenvolvidas no assen- hectares, em três anos”, acrescenta. Cada arroba

tamento é melhorar a produtividade do cacau fino. possui 15 quilos.

Trata-se de uma iniciativa em parceria com a Univer- Por meio das pesquisas, o Terra Vista, em sua área

sidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Instituto Fede- experimental, já ultrapassou a produtividade de 13

ral Baiano (IF Baian o), Instituto Cabruca, situados em arrobas por hectare para 83 arrobas do chamado ca-

Ilhéus, e o Centro Estadual de E ducação Profissional cau orgânico fin o.

do Campo Milton Santos (Ceepc), que fica no próprio O técnico em agroecologia e pesquisador da Fundação
Terra Vista. de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (Fapesb),
Joelson Ferreira enfatiza que agora as famílias se pre- Salvio Oliveira dos Santos, que nasceu no assen ta-
param para a produção de uma maior quantidade do men to e é filho de assentados, explica os passos para
cacau orgânico fino. “A expectativa é de que estejam a produção desse tipo de fruto.

Mata ciliar recomposta


com mudas de plantas
nativas da Mata Atlântica.

terra da gente 11]


[ BAHIA ]

1) Enxertia: Salvio mostra muda com enxerto do cacau fino que 3) Plantação: os assentados Derva l Bispo e José Carlos dos
dura entre seis a oito meses para começar a se desenvolver. Santos plantam muda de cacau orgânico fino com uma
compostagem feita com folhas seca s, matéria orgânica e
“Primeiro são escolhidas as mudas resistentes aos casca de cacau. A muda pode entrar em produção em qua-
fun gos e às pragas, como a Vassoura de Bruxa”, ex- tro anos.

plica. As mudas recebem o que ele chama de “en- “Após as mudas serem plantadas, entram em produ -
xertia” de clones especiais de cacau fino, essa etapa ção em torno de quatro anos após o plantio. Com o
dura entre seis a oito meses. Quando a muda “pega”, fruto, as amêndoas desses cacaueiros passarão por
fica cerca de um ano na estufa. um processo de fermen tação durante oito dias”, con-
tinua Salvio. O passo seguinte é levar as amêndoas
para a barcaça (espécie de secador natural) por mais
sete dias. Então, esses grãos são denominados cacau
orgânico fino.

2) Mudas: Joelson Ferreira mostra muda s em desenvolvi-


mento. Essa fase demora um ano.

4) Barcaça: agora é a vez do agricultor João Ribeiro


trabalhar com secagem das amêndoas do cacau fino,
processo que dura em torno de sete dias.

[12 incra.gov.br
Salvio:
agroecologia
é seu modo
de vida.

Quando Salvio Oliveira Santos nasceu, o assentamen- o extrativismo de plantas medicinais e semen tes
to ainda era uma fazenda a ser desapropriada pelo sem danificar o meio ambiente é meu objetivo de
Incra. Técnico em agroecologia e bolsista da Fapesb, trabalho”, ressalta.
ele conta que participou ativamente da construção Há mais d e dois anos, Salvio colhe d ad os para pes-
do Sistema Agroflorestal, da adoção da agroecologia quisadore s da Uesc, IF Baiano e I nstitu to Cabruca
à produção orgânica no Terra Vista. numa área exp erime ntal de um hectare. “ Planta-
Tímido, Salvio é um rapaz de 25 anos de poucas pa- mos legumino sas, co mo fe ijão de p orco , gliricídia
lavras, mas se mostra enfático em seus posiciona- e gu an du, e m b usca d e alcan çar u m alto n íve l de
men tos ambientalistas. “Conservar a mata e produzir nitrogê nio n o solo. Reco lh o as amostras da terra e
orgânicos é a verdadeira interação entre o homem e envio p ara en genh eiros agrônomos e florestais”,
a natureza. Por isso, produzir, extrair alimentos, fazer explica o técnico.

terra da gente 13]


[ BAHIA ]

Aula dos alunos de química de Educação


uma das turmas do Curso Técnico
No Terra Vista funciona o Centro Educacional Flores-
em Segurança no Trabalho do
Colégio Milton Santos, que fica tan Fernandes, onde estudam 270 crianças no Ensi-
no Terra Vista. A instituição no Fundamental I e II. Já o Centro Educacional Milton
oferece outros cinco cursos
Santos foi implantado pelo governo do estado e ofe-
técnicos profissionalizantes
para estudantes do meio rural rece ensino profissionalizante para 720 estudan tes
e urbano. do assentamento e das regiões rural e urbana de
Arataca e de outros municípios vizinhos.
O Florestan Fernandes também abriga a Especializa-
ção em Agroecologia Aplicada à Agricultura Familiar,
nos moldes do Residência Agrária, por meio do Pro-
nera e em parceria com a Uesc e IF Baiano, onde
estudam 42 alunos. O Florestan ainda recepcionou
o curso superior do Pronera em Engenharia Agronô-
mica, com ênfase em agroecologia, cuja turma se
formou em 2013.
O Centro Milton Santos dispõe de 25 turmas nos três
turnos com seis cursos profissionalizantes. São eles:
Agroecologia, Agroindústria, Agroextrativismo, Infor-
mática, Zootecnia e Segurança no Trabalho. Para o
diretor do Centro, Luciano Costa, o assentamento é
essencial para a formação dos estudantes. “E stamos
dentro da Mata Atlântica e os estudantes podem de -
senvolver estudos e pesquisa do que é aprendido em
sala de aula”, diz.

A “cacauada
artesanal”, produzida
em casa, ajuda famílias
“Cacauada” a melhorarem a renda,
como acontece
Leite, cacau orgânico fino e açúcar. É com essa mis-
com o assentado
tura que a família do assentado Ailton Moreira Men- Ailton Mendonça.
donça incrementa a renda. Levemente doce, a “ca-
cauada” acompanha o Chocolate Artesanal no Terra
Vista nas feiras e exposições.
“É um produto orgânico e caseiro”, explica Moreira,
que produz a “cacauada” há 2 anos. A cada quanti-
dade manufaturada, ele procura aprimorar o sabor.
O assentado conta que comercializa 200 gramas do
produto por R$ 6,00. “Em alguns meses, ch egamos
a obter até R$ 1,2 mil, mas desse custo temos que
retirar os gastos com gás, açúcar e leite”, contabiliza.

[14 incra.gov.br
Sistema Agroflorestal
garante respeito
à natureza e bons
rendimentos às
famílias baianas

Reportagem e fotos: Cintia Melo

Boa terra de futuro


Três gerações de mulheres e um só mantra: nenhuma árvore pode ser derrubada.
A matriarca Marivalda Soares dos Santos, 50 anos, criou os filhos, entre eles, Fernanda Santos
de Jesus, com esse ensinamento e o transmite para a neta Jenifer Santos, de 4 anos.

terra da gente 15]


[ BAHIA ]

Enquanto ela e Fernanda colhem os grãos de café presidente da associação dos assentados, Juarez Nas-
de início de safra, a pequena Jenifer brinca com os cimento, estima uma renda média das famílias em
galhos, folhas e grãos caídos. “Por causa das árvo- torno de R$ 1,5 mil ao mês. “Aqui todos têm sua
res, temos chuva, sombra e vento. Tudo que faz bem moto ou seu carrinho”, revela.
para as plantações”, afirma a matriarca. Ainda assim, a família de dona Marivalda deseja mais.
Dona Marivalda é um exemplo de como pensam e Cada filho sonha em construir uma casa no assenta-
agem as 28 famílias que vivem no assentamento mento. “Quero aumentar o nosso lucro com o projeto
Nossa Senhora Auxiliadora, criado em 1999 e situado da piscicultura e com as seringueiras, quando entra-
no município de Camacan, no litoral Sul da Bahia. rem em produção”, ressalta o agricultor Gilmar Soares
Os agricultores cultivam cafezais, cacaueiros, bananei- de Jesus, 30 anos, filho da assentada.
ras e seringueiras dentro do remanescente da Mata Além de uma nova moradia, Fernanda sonha em criar
Atlântica com um respeito nato a cada arbusto que Jenifer no sossego do assentamento. “Quero que ela
compõe a mata. Ao todo, são 388 hectares de terras. estude e aprenda para nos ajudar aqui no futuro”, al-
Trata-se de um sistema consorciado com a floresta meja a mãe da pequena. Fernanda acrescenta ainda
que vem ren den do bons resultados, numa asserti- que, quando assiste a alguma reportagem sobre a
va de que é possível obter bons lucros e, ao mesmo preservação do meio ambiente, sente orgulho da sua
tempo, respeitar o meio ambiente. Meio cabreiro, o família. “Fazemos nossa parte”, frisa.

“Preservar a natureza para


nós é preparar um futuro
melhor para nossos filhos
e netos. Existem lugares
que não têm mais água,
pois desmataram. E aqui
estamos rodeados de
floresta”, ressalta Antonival
Alves dos Santos, que é
agricultor do Auxiliadora há
17 a nos. Ele acredita que
a borracha irá incrementar
a renda quando todas as
seringueiras plantadas há
cinco anos entrarem em
produção. Santos explica
ainda que o “sarnabi de
tigela” (como chamam
a borracha sangrada da
árvore) é comercializado a
R$ 2,20 o quilo.

[16 incra.gov.br
O presidente
da associação do Nossa
Senhora Auxiliadora,
Juarez Nascimento,
aponta para onde estão
os lotes das família s no
Mirando ao longe os altiplanos ou os baixios do Sistema Agroflorestal.

Auxiliadora, é difícil distin guir as espécies de ma-


deira de lei como Jacarandá, Vinh ático, Pau-Brasil,
Maçaranduba , entre outras árvores nativas, das planta-
ções de seringas, café, cacau e bananas.
Para conhecê-las é preciso caminhar na mata aden-
tro pisando a terra escorregadia, úmida e forrada de
folhagem amarelada.
Dentro da mata, encontram-se bananeiras, alguns seringueiras . A luta das famílias é grande, mas todos

metros depois, cacaueiros, e logo em seguida concordam que o trabalho compensa.

O trabalhador rural
Adriano Bispo de Souza
(ao lado), como a maioria
dos a ssentados no Nossa
Senhora Auxiliadora, era
empregado do dono
da fazenda quando a área
foi desapropriada. Agora
Souza traba lha duro em
seu lote. Só numa semana
colheu 170 sacos de 60
quilos de café cereja.
“Trabalho para mim e as
condições de hoje são
100% melhores do que na
época anterior à cria ção do
assentamento”, frisa.

Café Entretanto, Juarez Nascimento (alto da página) lem-


bra que é preciso descon tar os gastos. “Esse an o
A safra de 2014 surpreendeu as famílias do Au-
precisamos empregar 70 pessoas para ajudar nas
xiliadora ao atingir 2,2 mil sacas de 60 quilos de
máquinas de secar e despolpar. Além disso, temos
café beneficiado, ou seja, secado e despolpado.
custo do transporte e manutenção dos equipamen-
O preço do café beneficiado, do tipo conilon, cultiva-
tos”, contabiliza.
do pelas famílias, alcançou uma média de R$ 230,00 No total, o assentamento possui 205 mil pés de café
a saca, o que rendeu, aproximadamente, R$ 5 06 mil produtivos do tipo conilon. Há ainda outros 50 mil pés
aos assentados. de café que entrarão em produção nos próximos anos.

terra da gente 17]


17]
[ BAHIA ]

O café colhido por O secador e o despolpador foram conseguidos pela R$ 45,00 a saca de 60 quilos.
Adriano Souza dura nte
associação, há seis anos, por meio da Companhia de “Sabemos que se tivéssemos os cafezais em áreas mais
uma semana chega
para ser beneficiado no Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), órgão do abertas a produção seria maior, mas optamos por não
secador e despolpador governo do estado. De acordo com o presidente da danificar a mata”, frisa Nascimento. A lenha utilizada
(retirada da casca
associação, Juarez Nascimento, sem os equipamentos no secador, segundo ele, vem das galhas e dos troncos
do café).
eles estariam comercializando o café “in natura” por caídos, que se acumulam na floresta durante o ano.

[18 incra.gov.br
Fontes de renda Demonstrando o
As famílias estão renovando contrato com o Programa funcionamento do
despolpador, o trabalhador
de Aquisição de Alimentos (PAA) da Companhia
rural Orlando Santos
Na cional de Abastecimento (Conab) para 2015 . Figueiredo relata que só
Esse ano, enviaram ban anas e hortaliças para h ospi- depois de ter se tornado
assentado conseguiu
tais, creches e instituições de caridade de Camacan e
cumprir com “as
tiveram um contrato an tecipado de R$ 160 mil. responsabilidades com
Outra fonte de renda das famílias é com a cacauicultura. a família”. Figueiredo se
refere ao fa to de hoje
A safra foi iniciada em junho e alcançou 2,5 mil
poder sustentá-la de
arrobas. O cacau atualmente é comercializado por forma digna. “Já passei
cerca de R$ 110,00 a arroba (15 quilos). “No ano pas- dificuldade alimentar.
Após o assentamento tudo
sado, devido às chuvas fracas, apanhamos 1,5 mil
mudou na minha vida e de
arrobas”, relembra Nascimento. minha família”, reconhece.

As bananas do tipo da terra, prata, d´água, china e


pacovan somam 20 mil pés nos 28 lotes. As famílias
contam que saem seman al ou quinzenalmente entre
um e dois caminhões carregados do fruto. Há ainda
50 mil pés de seringueiras n o assentamento, alguns
com apenas cinco anos de plantados.

O agricultor Aberval Evangelista de


Souza mostra a produção de banana.
“Ainda estão verdes, aguardamos o
crescimento do fruto pa ra vender”.
Evangelista destaca que cada cacho
é comercializado por R$ 8,00.
“Já perdemos a conta da quantidade
de banana vendida. O caminhão sai
cheio”, enfatiza.

“Aqui temos saúde, a lavoura e nossa


renda”, explica o a gricultor Izaudo
Xavier dos Santos enquanto demonstra
o processo de seca gem do café do tipo
conilon, plantado no Auxiliadora.
Para ele, o mais importante é a
qualidade de vida. “Se temos dinheiro
ou não, ficamos bem do mesmo jeito,
diferente da cida de gra nde.
Isso aqui é um sossego e o café é nosso
maior ganha pão”, finaliza.

terra da gente 19]


ESPÍRITO SANTO
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 94
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 4.261
ÁREA EM HECTARES: 51.961.53

TE R R A D A GE N TE
[ ESPÍRITO SANTO ]

A agroecologia já
é realidade nos
assentamentos
capixabas e está
melhorando a renda
das famílias agricultoras
Reportagem: Johnny Cardoso
Fotos: Girley Vieira

O sonho por alimentos


mais saudáveis
[22 incra.gov.br
“Nós éramos meeiros. E hoje ter um lote da família
e produzir alimentos saudáveis é um sonho reali-
zado. Trabalhar pela n ossa força, com humildade e
honestidade é o mais importante.” Esse depoimento
do agricultor familiar Elizeu Machado Falcão traduz
muito bem o sentimento daqueles que escolheram
produzir e preservar o meio ambiente como alterna-
tiva de exploração da terra.
O sítio da família recebeu o sugestivo nome de “So-
nho realizado”, prática local de n ominar os lotes
como forma de humanizar e criar uma identidade
na relação do assentado com a terra. Em razão da
atividade agroecológica, o lote tornou-se referência
na região como Unidade Demonstrativa de Produção
Sustentável, conferida pelo projeto interinstitucional
Corredores Ecológicos – do qual participa o Governo
Federal – à visitação de estudantes e pesquisadores
até mesmo do exterior (México, Japão, Haiti).
Essa família foi assen tada há dez anos no pro-
jeto estadual (PE) Córrego Alegre (173 hectares
e 18 famílias), localizado a 3 Km da sede do mu-
nicípio de Nova Venécia e distante 250 Km da ca-
pital do Espírito Santo, em um lote com 8,6 hec-
tares. Nele, a produção de hortaliças e outros
alimentos orgânicos ocupa apenas 3,5 hectares.
A maior parte da área é formada por Mata Atlântica
que a família preferiu preservar como reserva legal
– e os frutos dessa preservação também começam
a dominar os conceitos de agroecologia e as técni-
a parecer como fonte de renda. Elizeu é beneficiá-
cas de man ejo de solo para esse tipo de atividade.
rio do Programa Estadual de Ampliação da Cobertura
“Em 2004, iniciei uma horta com seis canteiros e,
Florestal (Reflorestar), como estímulo ao desenvol-
vimento sustentável no meio rural capixaba, e no de repente, eram 30. Na primeira vez que saí com

período 2014-2016 deve receber algo em torno de algumas folhas para vender n a região, con segui

R$ 12 mil por conta das ações de reflorestamento e R$ 20,00, o que empolgou meu pai e minha mãe a se

de preservação executadas em seu lote. dedicarem à produção de hortaliças”, relata Eliveltro.

A ideia de produzir alimentos sem agrotóxicos sur- Esse passo importante foi seguido de diversos cursos

giu ainda na chegada da família ao assentamento. realizados na área e uma série de medidas adotadas
Proposta acolhida pela esposa Lucilene Maria Miran- no sítio pela família rumo à certificação da atividade
da Falcão, o filho Eliveltro Miranda Falcão e, atual- de produção orgânica de hortaliças. O resultado foi a
men te, também pela nora Rosilane Bispo Martins. conquista da declaração obtida junto ao Ministério da
A participação do filho de Elizeu foi fundamental Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como
nesse processo. Como ele havia realizado o ensino organização de controle social, em 2010, e pelo Ins-
médio na Escola Agrotécnica de Vila Pavão, passou tituto Chão Vivo, em 2013.

terra da gente 23]


[ ESPÍRITO SANTO ]

Produção orgânica infestam as cultivares, e pelo pastejo e adubo pro-


porcionados por esses pequenos animais. Por sinal, o
e fonte de renda SAF do cultivo do café em consórcio permitiu evitar o
A horta orgânica é atualmente a principal fonte de ren- processo de erosão em uma área de encosta do lote
da da família Falcão, que aproveita a área útil do lote que estava ameaçada.
também com o plantio de café sombreado no Sistema O processo de produção de hortaliças na propriedade
Agroflorestal (SAF) em consórcio com outras culturas, está baseado no sistema orgânico, sem a presença
como coco e banana, e a criação de galinhas caipiras no de qualquer insumo químico ou agrotóxicos e otimi-
mesmo espaço das lavouras. Essa integração é justifi- zado apenas pela utilização do adubo composto. Já a
cada pelo controle de insetos e pragas, que em geral produção de café ainda é considerada agroecológica
por utilizar o adubo granulado, embora seu uso es-
teja sendo reduzido de forma gradual para que até
2016 o processo se adeque aos padrões do orgânico.
Em termos de hortaliças, legumes e frutas, a
produção no sítio “Sonho realizado” é bastan te
diversificada: couve, rúcula, alface, hortelã, taioba,
cebolinha, salsa, coentro, cenoura, brócolis, mos-
tarda, açafrão, cacau, coco, n on i (fins medicinais),
fruta-pão, inhame, laranja, cajá, limão branco, açaí,
abacate, abacaxi , banana e cajá japonês.
Para manter uma certa escala e garantir a entrega
regular a seus clientes em feiras livres e lojas de or-
gânicos), a tarefa de produção de mudas – tanto para
o reflorestamento (Ipê e Imbaúba) e exploração de
atividade extrativista (Pupunha, Araçá e Açaí) quan -
to para o manejo de hortaliças – é considerada pela
família uma tarefa primordial.
Com o comércio na feira livre, realizada aos sába-
dos no município, Elizeu obtém por mês cerca de
R$ 1 mil. A esse valor soma-se, em média, entre
R$ 900,00 e R$ 1,1 mil mensais referentes a en tre-
gas de hortaliças que faz de duas a três vezes por
semana na loja da Associação Veneciana de Agroe-
cologia - Universo Orgânico, da qual é um dos asso -
ciados. “União importante que faz a diferença em se
tratando de sustentabilidade e geração de renda aos
assentados e agricultores familiares do município”,
afirma. Os 7,5 mil pés de café existentes no lote dos
Falcão produziram, na safra 2013, 64 sacas – com
um retorno líquido de quase R$ 18 mil. Já o turismo
educativo proporciona um acréscimo de aproximada-
men te R$ 2 mil na renda anual familiar.

[24 incra.gov.br
Visão de futuro
Os agricultores se preparam agora para novas ações
ligadas ao Programa Refloresta. Serão cultivadas mu-
das de uma série de espécies para melhorar ainda
mais as condições de produção e preservação do lote
do agricultor familiar Elizeu Falcão. As espécies que
serão plan tadas são Seringueira, Ipê, Cedro Mogno,
Cacau, Pupunha, Açaí, Citros e Abacate.
Para o futuro, ele projeta participar do Programa
Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e fornecer
seus produtos às escolas da região. Com esse intuito,
planeja aumentar a produção e garantir a excelência
na entrega das hortaliças. Outro projeto da família é
construir uma pousada, já que é grande a visitação de
estudantes e pesquisadores na propriedade.

tendência é de crescimento do número de produto-


Assistência técnica
A engenheira florestal Flávia Barreto Pinto, agente res associados à loja de orgân icos, tendo em vista a

de extensão e desenvolvimento rural do Instituto Ca- aceitação dos produtos pela população.

pixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper), expli- Para incentivar os agricultores, ele diz que a prefeitu-

ca que sua atividade é transmitir informações sobre o ra irá melhorar as condições de comercialização dos

modo de produção orgânica. Ela orienta os agriculto- produtos agroecológicos. “A prefeitura disponibilizou

res do assen tamento quanto à conservação, ao ma- um local para a loja de orgânicos no projeto de refor-

nejo do solo e as vantagen s do Sistema Agroflorestal. mulação do Hortomercado e isso melhorará o acesso

“No caso específico do lote do senhor Elizeu Falcão, do consumidor aos alimentos saudáveis”, informa.

é interessante destacar que, como unidade demons-


trativa, ele desenvolve o projeto de turismo educati- Histórico
vo e recebe estudantes da Escola Família Agrícola e Constituída em 2008, a loja de orgânicos da Asso-
estagiários de cursos de meio ambiente. Isso facilita ciação Vene cian a de Agroecolo gia - Universo Orgâ-
o apren dizado e a assimilação de todas as técnicas nico - está sob a ge rê ncia de Sérgio Bin ow.
que são por nós transmitidas”, ressalta. Ele organiza todo o recebimento das entregas d os
40 asso ciad os e a forma como os produtos são co-
Gestão municipal locados nas gôn dolas. Solang e Furlan Pessin é uma
O vice prefeito e secretário municipal da Agricultura das clientes da associação e reconhe ce a qu alid ade
de Nova Venécia, Theomir Basseti Filho, avalia que a dos alimen to s fornecidos pelos agricultores.

terra da gente 25]


[ ESPÍRITO SANTO ]

Políticas públicas

[26 incra.gov.br
O primeiro crédito recebido pelos agricultores do
Projeto Estadual Córrego Alegre, já reconhecido pelo
Incra, foi em 2004 na modalidade Material de Cons-
trução - Recuperação, à época no valor de R$ 2,5
mil. Segundo Elizeu, “o crédito pago pelo Incra foi
muito importante, pois ajudou na colocação de um
novo telhado. Em 2014, essa família foi inscrita no
Programa Minha Casa, Minha Vida (MCMV) do Go-
verno Federal, e terá direito a R$ 36 mil (dos quais
R$ 8 mil como contrapartida do governo estadual,
que é parceiro no projeto) para construir uma nova
casa de 68m 2.
Pelo Programa Nacional de Fortalecimen to da
Agricultura Familiar (Pronaf), em 2010 a família
obteve crédito no valor de R$ 14,7 mil para finan-
ciamento de projeto de irrigação na propriedade
e aquisição de mudas de café conilon. No mesmo
programa, na modalidade Aquisição de Veículos,
foram financiados uma motocicleta, no valor de
R$ 9,9 mil – já quitada – e um automóvel, no valor de
R$ 30 mil.
Integrado ao Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA) do Governo Federal no fornecimento de seus
produtos a diversas entidades beneficentes de Nova
Venécia, o trabalhador rural obteve, em 2013, uma
renda de R$ 4,5 mil. Este ano, o contrato deve atingir
a marca de R$ 6,5 mil. “É uma força a mais para agri-
cultura familiar, um reforço em termos de renda e isso
estimula as famílias a trabalhar unidas, “comenta”.

terra da gente 27]


[28 incra.gov.br
GOIÁS
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 298
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 13.014
ÁREA EM HECTARES: 697.787,32

TE R R A D A GE N TE
[ GOIÁS ]

Assentados adotam nova relação


com a terra e abastecem supermercados
e restaurantes da histórica cidade
de Goiás, reconhecida pela Unesco como
patrimônio histórico da humanindade
Reportagem e fotos: Cristiane Santiago e Jucimeire Costa

[30 incra.gov.br
Agricultura saudável
Embora estivesse em silêncio, a terra estava dando
o seu recado. Na definição do agricultor José Osmar
Nunes Marques, morador do assentamento Serra
Dourada, no município de Goiás (GO), o solo de-
monstrava fraqueza, mesmo sendo alimentado com
agrotóxicos. A insatisfação de seu José era a queda
frequente na produção e na qualidade das hortaliças
e da mandioca.
Com dúvida sobre o que estava errado, ele procurou
auxílio profissional de um técnico da Comissão Pas-
toral da Terra (CPT) e foi quando ouviu que a solução
para recuperar o solo seria a adoção de uma agricul-
tura “limpa”, pautada nos princípios da agroecologia.
A orientação foi bem compreendida e, há sete an os,
ele e mais sete famílias do Serra Dourada passaram
a ter uma n ova relação com a terra.
Uma das mudanças implementadas foi a adição de
leguminosas na superfície do solo para enriquecê-lo
nutricionalmente com nitrogênio, isto é, fizeram a
chamada adubação verde, e utilizaram ainda ester-
co animal e vegetal para o preparo da terra, além
de introduzir a rotação de cultura. “ Essa prática re-
petida durante três anos renovou a terra, que nos
respondeu com produção farta e viçosa”, lembra o
agricultor.
De uma área de 2,5 hectares, hoje seu José colhe se-
manalmente 450 pés de alface, 200 de couve e 200
maços de cheiro verde. A lavoura de mandioca tam-
bém passou a produzir com pujança, atingindo cinco
toneladas anuais. Toda a produção abastece super-
mercados, restaurantes da histórica Cidade de Goiás ,
escolas públicas, asilos e entidades assistenciais
atendidas por programas governamentais, como o
Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e de Aquisi-
ção de Alimentos (P AA).

terra da gente 31]


[ GOIÁS ]

Cooperativismo A ideia é aproveitar os frutos do Cerrado, como cagai-


ta, caju, cajazinho e araçá, para extrair a polpa.
No Serra Dourada, as famílias assentadas também
se uniram para comercializar a produção. Oito delas Clarice dos Reis Gonçalves da Cruz Sousa, que mora

integram a Cooperativa Mista de Agricultores Fami- na parcela um do Serra Dourada, relata que as fa -

liares do Município de Goiás e Região (Coopar). Os mílias estão entusiasmadas com a fábrica e com

cooperados en tregam 30% de sua produção para a von tade de trabalhar. “É mais uma oportunidade

Coopar. Assim, eles atendem entes governamentais de incrementar a renda”, afirma. Segundo ela, a

e in stituições assistenciais, fornecen do produtos para possibilidade é aumentar em pelo menos um salário

o Pnae e PAA. mínimo o rendimento familiar.


Recentemente, por meio da CPT, a Coopar conseguiu A unidade de processamento de frutos, que aguar-
recursos da Oikos, organização internacional que traba- da liberação dos órgãos de inspeção sanitária para
lha no desenvolvimento de soluções sustentáveis para entrar em funcionamento, beneficiará mais de 70
a erradicação da pobreza, e construiu na área coletiva agricultores familiares e assentados de Goiás e dos
do assentamento uma fábrica de polpa de frutas. mun icípios de Itaberaí e Heitoraí ligados à Coopar.

[32 incra.gov.br
Confiança do público Preservação ambiental
gera mais renda A consciência ambiental no Serra Dourada está além

O assen tamento Serra Dourada é referência no muni- dos canteiros de hortaliças agroecológicas. Os rios e

cípio e a propaganda positiva sobre as boas práticas nascentes, que desde o século XVIII sofreram com o ci-

agrícolas atrai visitantes brasileiros e estrangeiros, clo da mineração, passaram a ter a mata ciliar recons-

além de estudantes de escolas agrícolas da região tituída com a flora do Cerrado. Entre 2000 e 2001, os

para troca de experiências produtivas. Toda essa pu- assentados plantaram 10 mil mudas de árvores, como

blicidade contribui também para o aumento de clien- Ipês, Perobas, Tarumãs, entre outras.
tes em busca de alimentos mais saudáveis, aumen- Convicto de que sua comunidade está fazendo a me-
tando a renda das famílias assentadas. lhor escolha, seu José diz que as mudanças no assen-
Seu José diz que a confiança do consumidor fez suas tamento estão apenas começando. “O ser humano
ven das dispararem. “Antes de iniciar práticas agroe- tem a missão de zelar pela saúde. A agroecologia é
cológicas, eu ganhava em torn o de R$ 1,5 mil. Ago- o zelo pela saúde da terra onde moramos. Esta terra,
ra minhas vendas atingem até R$ 8 mil por mês”, que nos consumiu luta, sacrifício e suor, não pode
comemora. morrer por maus tratos”, frisa.

terra da gente 33]


33]
MARANHÃO
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS:1005
FAMÍLIAS ASSENTADAS:130.161
ÁREA EM HECTARES:4.696.454,70

TE R R A D A GE N TE
[ MARANHÃO ]

Práticas diversificadas
garantem segurança alimentar d
Dona Lió, seu esposo
Louro e o filho do casal
realizando a poda das
árvores do quintal

Reportagem e fotos: Flávia Almeida

A produção agroecológica ganha espaço nos assentamentos mara-


nhenses situados na região dos Lençóis/Munim. Na medida em que
favorece o equilíbrio ambiental, a segurança alimentar, incentiva a
divisão social do trabalho e a diversificação da produção, a agroeco-
logia abre novos mercados para a comercialização nas feiras e para
programas do Governo Federal.
A sustentabilidade dos recursos naturais é garantida pela não utiliza-
ção de agrotóxicos, uso de defensivos orgânicos ao invés dos quími-
cos, adubação verde e proteção das nascentes dos rios. Os assenta-
dos adotam vários cuidados para gerar uma produção harmonizada
com a fauna e a flora existentes.
Os assentamentos Rio Pirangi, no município de Morros, e São João do
Rosário, no município de Rosário, são exemplos da aceitação cons-
ciente das técnicas agroecológicas pelos assentados. Grande parte
dessa con sciên cia só foi possível graças aos serviços de Assistência
Técnica e Extensão Rural (Ater) oferecidos pelo Incra, e executados
por meio da Associação Agroecológica Tijupá.

[36 incra.gov.br
r das famílias assentadas

terra da gente 37]


[ MARANHÃO ]

Dona Lió se diz


satisfeita com a
transformação do solo.
Agora há plantação de
maracujá no quintal.

quintal de casa, foi implantado um Sistema Agroflo-


Quintal agroflorestal
restal (SAF). A principal característica do SAF é o plan-
As nove famílias residentes no povoado Patizal en-
tio consorciado de espécies frutíferas, madeiráveis,
contraram na agroecologia a solução para mudarem
radicalmente as características do solo nas áreas uti- hortaliças e medicinais, aliado à criação de animais

lizadas para agricultura familiar. Pertencente ao as- de pequeno porte.

sentamento Rio Pirangi, localizado no município de “Passamos por várias capacitações, fizemos in ter-

Morros e situado no Território dos Lençóis/Munim, o câmbios em outros estados e pesquisadores de vá-

solo do assentamento, constituído em sua maior par- rios países, como França, Bolívia e Colômbia, vieram

te de areia quartzosa marinha (a mesma encontrada conhecer nossa área. Seguindo as orientações que

em áreas de restinga e nas proximidades de praias), recebemos sobre adubação orgânica, poda das árvo-

dificultava bastante a produção dos assentados. res e utilização de defensivos naturais para controle

Foi em meados de 2004 que essa situação começou de pragas, transformamos completamente o solo

a mudar, após as orientações recebidas da equipe da que utilizávamos”, frisa o casal, feliz com a conquista
Associação Agroecológica Tijupá, entidade contrata- que serviu de estímulo para que outras famílias do
da pelo Incra para prestar serviços de assistência téc- povoado aderissem à produção agroecológica.
nica aos assentados da reforma agrária no Território Dona Lió ressalta que o plantio de feijão guandu,
dos Lençóis/Munim. uma espécie de leguminosa adubadeira, também foi
“Antes nós só plantávamos mandioca e criávamos um gran de aliado para aumentar os nutrientes e fer-
porcos”, explica o casal Leontina dos Santos, conhe- tilidade do solo, devido à fixação do oxigênio no solo
cida como Lió, e Lourival Pereira, chamado de Louro. que o guandu proporcion a.
Eles foram a primeira família do povoado a expe- As espécies frutíferas encontradas no quintal de Lió e
rimentar técnicas agroecológicas de produção. No Louro são muitas: maracujá, carambola, limão, coco,

[38 incra.gov.br
bacuri, abacaxi, ata, melancia, açafrão, gengibre, a segurança alimentar das famílias e gera uma ren-
gergelim, araruta, entre outras. E ntre as espécies da maior a partir da comercialização nas feiras e por
mad eireiras, estão o Pau D’árco , Janaú ba, Peroba meio da venda para o Programa Nacional de Alimen-
e Pitomb eira. As espécies medicin ais, como boldo, tação Escolar (Pnae)”, ressalta.
alfavaca, artemísia e pariri, também são culti- Desde 2 012, Lió e Louro comercializam a p rodu-
vad as no quintal agroflorestal, que p ossui ainda ção na F eira Agroecoló gica do município de Mor-
galinha caipira. ros, q ue acon tece três vezes por mês, e também
De acordo com a técnica em agroindústria da As- fornecem produ to s p ara merend a n as escolas da
sociação Tijupá, Lucineide Gonçalves Pinho, o SAF zona rural. “Duas vezes por semana en trego p ro-
proporciona às famílias diversificação de culturas, dutos na escola do povoado. Além do fran go e
garantin do assim que em todas as épocas do ano verduras, també m levo polpa de fru tas e bolos de Dona Lió comercia lizando
seja colhido algum tipo de fruta, legume ou grão. massa p uba, macaxe ira e tapioca. E m 201 3, receb i a produção do seu
lote na Feira Agroecológica
“O modelo de produção agroecológica proporciona R$ 2.1 25,00 ”, co nta. de Morros

terra da gente 39]


[ MARANHÃO ]

Essa técnica con stitui no cultivo racional de árvores


Cultivo em Aléias
em fileiras (ruas) com espaçamento entre elas, onde
Adepto à produção agroecológica, o assentado Eugê-
é feito o plantio das culturas agrícolas consorciadas
nio Nascimento, mais con hecido como Dotôr, é um
dos moradores do povoado Cajazal, que pertence com espécies adubadeiras. Esse é um sistema bas-
tante eficaz para melhoria de solos pobres, evitando
ao assentamento São João do Rosário, localizado no
mun icípio de Rosário. Em Cajazal, moram 11 famílias a roça migratória.

O assentado Dotôr que desenvolvem atividades produtivas baseadas na As duas principais vantagens elencadas por Dotôr nes-
em meio à plantação
agroecologia. Entre outras experiências, Dotôr está se tipo de cultivo são: conseguir produzir sempre na
de feijão de porco, mesma área, não necessitando mudar o local de cultivo
leguminosa utilizada
trabalhando, desde 2008, com o sistema de cultivo
como adubo verde. em Aléias. por conta do empobrecimento do solo ao final do ciclo
produtivo; e utilização do método de queimada para
realizar a limpeza da área e dar início ao novo plantio.
A queimada é somente uma vez, não sendo preciso
queimar novamente para iniciar outro plantio, pois o
sistema conta com a rotação de culturas que tem dife-
rentes necessidades e contribuições ao sistema.
“A área é dividida em ruas, sempre alternando uma
rua para produção e outra para adubação. Assim,
enquanto nas ruas de produção eu estou colhendo,
na rua de adubação estou preparando a terra para o
próximo plantio”, explica Dotôr.
A preservação dos nutrientes no solo é feita a par-
tir da adubação verde com a utilização de cobertura
morta (galhos, folhas, matéria orgân ica) espalhada
sobre o solo e que irá passar por decomposição.
Esse processo serve também para controlar e evitar
que as ervas danin has ataquem a produção.
Nas ruas de produção, Dotôr tem um cultivo diver-
sificado: abacaxi, mamão, maxixe, mandioca, pepi-
no, milho, arroz, batata-doce e quiabo. Nas ruas de
adubação, ele planta leguminosas de grande porte
(ingá, nim, leucen a e palheteira) e leguminosas de
pequeno porte (crotalária, olho de boi e mucuna).
“A diversificação da minha produção garante a ali -
men tação da minha família, respeitando a sazona-
lidade de cada cultura. Como também implantei um
quintal agroflorestal na minha casa, cultivo lá outras
espécies e, assim, consigo alimentar minha família,
ven der nas feiras agroecológicas e fornecer para as
escolas por meio do Pnae”, conta Dotôr, que também
é o secretário-geral da Associação de Trabalhadores
e Trabalhadoras Rurais do Povoado Cajazal.

[40 incra.gov.br
Meliponicultura
A criação de abelhas, de uma forma bem gen eralis-
ta, pode ser praticada de duas maneiras: apicultura,
caracterizada pela criação de abelhas do tipo
(que se defendem com ferroadas vene-
nosas) e meliponicultura, criação de abelhas do tipo
(que têm o ferrão atrofiado e por isso n ão
ferroam).
Tanto a apicultura como a meliponicultura podem
ser realizadas dentro dos princípios agroecológicos.
Para isso, a criação das abelhas deve ser feita den tro
de caixas racionais, não sendo necessário o corte de
árvores para derrubada das colmeias (retirada pre-
datória do mel) e, consequentemente, a morte das
abelhas, como é feito no sistema extrativista mais
tradicional.
A meliponicultura, com a criação de abelhas Tiúba,
foi o modelo escolhido pela assentada Ivanilce Silva
dos Santos, conhecida como Nicota. Moradora do po- dando suporte a meliponicultura é a melhoria da A assentada Nicota
visita todos os dias
voado Timbó, pertencente ao assentamento Rio Pi- qualidade da polinização, já que as abelhas vão se
o meliponário para
rangi, no município de Morros, ela se encantou pelas alimentar de plantas que são livres de agrotóxicos. acompanhar a
abelhas após participar de uma capacitação realizada A coleta do mel é feita com seringas e em seguida produção de mel.

pela Associação Agroecológica Tijupá, no final do ano há o processo de higienização, o que não é realizado
de 2005. no sistema de meleiro (modo extrativista que não
“Cuido como se elas fossem minhas filhas. Todo
segue princípios agroecológicos).
dia venho ao meliponário. A gente vai se apaixonan-
Hoje, no meliponário de Nicota existem 13 caixa s, to-
do”, conta.
talizando aproximadamente 5,2 mil abelhas. Em 2013,
Durante o processo de capacitação, Nicota recebeu
ela coletou 13 litros de mel e comercializou cada litro
duas caixas povoadas e duas caixas vazias. Cada cai-
por R$ 25,00, em média. A expectativa é que em
xa tem entre 400 a 800 abelh as, que formam uma
2014 ela consiga coletar 20 litros de mel.
colônia. Esse foi o ponta-pé para iniciar em 2006 a
“Toda minha produção é vendida rapidamente, não
criação de abelhas Tiúbas.
Dona Nicota relata que passou três anos sem coletar dá pra quem quer. Ano passado, apurei R$ 325,00

o mel e fazendo apenas a divisão das caixas, pro- ven den do na porta da minha casa, sem custo algum

cesso que consiste em pegar uma filiação de uma de transporte. Isso é uma complementação para mi-
caixa-mãe e transportá-la para a caixa-filh a com o nha renda, pois também pratico a agricultura fami-
objetivo de formar outra colônia. “Quis deixar a pro- liar”, explica.
dução de mel dos três primeiros anos para alimen-
No assentamento Rio Pirangi, existem 12 famílias
tação das abelhas, que ainda estavam se adaptando
trabalhando com meliponicultura e sete com api-
ao clima da região, pois vieram de outro município”,
cultura. Já no assentamento São João do Rosário,
explica, informando que a primeira coleta foi realiza-
são três famílias trabalhando com meliponicultura
da em 2009 e rendeu apenas 1,5 litro.
e cin co com apicultura.
Outra vantagem da utilizaçãodetécnicas agroecológicas

terra da gente 41]


[ MARANHÃO ]

risoto temperado, sopas semi-prontas e almôndegas.


“Agora estamos recebendo produtos mais naturais,
como frutas, verduras, polpa de frutas, frango, bo-
los”, conta Gina Mara.
A mudança na alimentação, entre outros fatores, é
apontada pela diretora da escola, Mirabel dos Santos
Salgado, como um fator motivador para o aumento
da frequência do aluno na escola. “Em 201 1, tínha-
mos 120 alunos, agora estamos com 263”, contabi-
liza a diretora.
Para Edilangela Estefane Martins, 11 anos e aluna do
7º ano, a merenda escolar melhorou bastante. “Gos-
to mais da bananada, suco de goiaba e dos bolos de
milho e tapioca”, comentou.
Mas não só as escolas estão sendo beneficiadas, os
assentados também estão felizes em poder avançar
para um novo mercado consumidor por meio do Pro-
grama Nacional de Alimentação Escolar (Pnae). Quem
Alunos da Unidade
Integrada Nossa Senhora
Alimentação saudável explica isso é o secretário-Geral da Associação dos Tra-
balhadores e Trabalhadoras Rurais do Povoado Caja-
do Rosário já estão
desfrutando
nas escolas
zal, Eugênio Nascimento, conhecido com Dotôr.
de uma alimentaçã o Os alunos da rede pública municipal de Rosário e
“Já trabalhamos com o Programa de Aquisição de
escolar balanceada. Morros estão há dois anos comendo alimentos mais
Alimento (P AA), mas hoje estamos mais voltados
saudáveis produzidos nos assentamentos São João do
para comercialização via Pnae. Nos três últimos me -
Rosário e Rio Pirangi. Essa mudança nos hábitos ali-
ses de 2013, a Associação forneceu produtos sema -
men tares foi percebida pelos alunos, diretores, pro-
nalmente para 15 escolas da zona rural e faturou
fessores e merendeiras da Unidade Integrada Nossa
R$ 84.612,50”, relata Dotôr, ressaltando que 16 for-
Senhora do Rosário, escola que atende do maternal necedores estão envolvidos nesse processo com a
ao 9º ano, localizada na zona rural do município utilização de técnicas agroecológicas.
de Rosário. Para 2014, a Associação dos Trabalhadores e Traba-
As merendeiras Gina Mara Souza Cabral e Chyleam lhadoras Rurais do Povoado Cajazal já apresentou
Silva Costa são as responsáveis por preparar a ali- proposta no valor de R$ 100.965,00. V ale ressaltar
men tação dos alunos desde 2005. Ambas relataram que a venda para o Pnae pode ser feita por meio de
que antes a escola recebia muitos produtos industria- grupos formais (associações) e grupos informais (os
lizados e enlatados para a merenda dos alunos, como agricultores individualmente).

R$ 157.948,00 com a participação de 28 famílias. Já


Números do Pnae
O assentamento São João do Rosário comercializou o PA Rio Pirangi alcançou, em 2013, R$ 53.311,50

em 2013, por meio do Pnae, R$ 107.101,50 em com o envolvimento de 34 famílias. Para 2014, há a

alimentos para merenda escolar, envolvendo 22 fa- expectativa de participação de 76 famílias, aumen-
mílias. Em 2014, já aprovou o projeto no valor de tando a comercialização para R$ 83.000,00.

[42 incra.gov.br
Assentadas do
Rio Pirangi comercializam
a produção na Feira
Agroecológica de Morros.

Feiras agroecológicas
A realização de feiras agroecológicas nos municípios
tem se tornado uma grande aliada no processo de
comercialização dos produtos oriundos da agricultura
familiar e reforma agrária. Famílias dos assentamen-
tos São João do Rosário e Rio Pirangi, localizados nos
mun icípios de Rosário e Morros, respectivamente,
apontam a participação nesses eventos como mais
uma oportunidade de garantir renda semanal.
A lógica das feiras é baseada nos princípios da agro-
ecologia e da economia solidária. “A base é a co-
mercialização a preços justos e solidários, a gestão
participativa e a tomada de decisão coletiva”, explica
Regilma de Santana, técnica da Associação Agroeco-
lógica Tijupá, entidade contratada pelo Incra e que
presta serviços de assessoria técnica para os assen-
tados da região.
A Feira Agroecológica do Município de Morros é a mais
antiga da região dos Lençóis/Munim. Teve início em
2010 e conta com a participação de cerca de 20 famí-
lias do assentamento Rio Pirangi. Já a Feira Agroeco-
lógica do Município de Rosário foi iniciada no segundo
semestre de 2013 e tem cerca de 15 famílias do as-
sentamento São João do Rosário.
A qualidade dos produtos, sempre frescos e sem agro -
tóxicos, é a principal vantagem apontada pelos clien-
tes. “Compro aqui desde a primeira edição. Não penso
só no preço, levo em conta a segurança de ter um
produto saudável e que sai diretamente da roça para a
nossa mesa”, destaca a consumidora Dagmar Moraes,
que frequenta a Feira Agroecológica de Rosário.

Principais ítens comercia lizados nas feiras agroecoló-


gicas são legumes, verduras, produtos do agroextra-
tivismo, polpa de frutas, frutas, aves vivas e comida
caseira.

terra da gente 43]


MINAS GERAIS
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 328
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 15.866
ÁREA EM HECTARES: 879.897,90

TE R R A D A GE N TE
[ MINAS GERAIS ]

[46 incra.gov.br
Há sete anos, professores da escola Balão Vermelho,
na capital mineira, descobriram, em visita ao assen-
tamento Pastorinhas, no município de Brumadinh o, a
51 km da capital, a qualidade dos hortifrutigranjeiros
produzidos sem agrotóxicos. O contato com os produ-
tores fez somar ao projeto pedagógico da instituição
de ensino in fantil e fundamental o conhecimento
tradicional do campo.
Do con tato inicial, veio a proposta para a venda dire-
ta dos alimentos na escola para os pais dos alunos.
O sucesso foi imediato. Mas todo sucesso incomoda.
O mercado de hortaliças do outro lado da avenida
Bandeirantes, que corta quatro bairros nobres de
Belo Horizonte, iniciou uma série de denúncias para
tentar impedir a venda. Os motivos eram os mais ba-
nais, como o estacionamento irregular.
Dado o impasse, os produtores, professores e pais se
uniram e solicitaram autorização da prefeitura para o
comércio das hortaliças. Com a autorização concedida,
começou a venda oficial dos produtos agroecológicos do
Pastorinhas na calçada em frente à escola e logo se tor-
naram alimentos de uma “grife” saudável.
“A gente comprava dentro do colégio com o intuito de
ajudar o Pastorinhas. Com as denúncias do sacolão e a

Alimentos autorização da prefeitura, quem ganhou foi a comuni-


dade, que agora tem uma feira externa”, diz Patrícia

com grife Aranha, jornalista e mãe de aluno da escola Balão.


O proprietário do mercado iniciou um processo de
concorrência, vendendo os produtos abaixo do preço

Produção de assentamento no dia da feira dos assentados. Mesmo assim, o mer-

recebe elogios pela qualidade e cado não prosperou e logo foi comprado por uma
rede de drogarias.
dribla concorrência em bairros de
“O comerciante achava que estava fazendo vanta-
classe média de Belo Horizonte
gem, mas perdeu muitos clientes por causa disso ”,
lembra Ascendino Padilha de Araújo, um dos mem-
Reportagem: Daniel Fleming e Dôra Guimarães bros das oito famílias assentadas que praticam a
Fotos: Daniel Fleming e Rodrigo Barbosa
agroecologia no Pastorinhas.

terra da gente 47]


[ MINAS GERAIS ]

Turismo rural
A visita ao assentamento passou a ser um atrativo
a mais ao consumo dos alimentos saudáveis, pois o
contato com os produtores e o conhecimento local
da produção aumentaram o interesse dos clientes.
“Se esses pais e mães começaram a visitar o assen-
tamento e a comprar aqui instigados pelos filhos é
porque comprovaram que os produtos são bons”, diz
Patrícia Aranha.
O que sobra da venda não é desperdiçado como
em muitas feiras tradicionais. Toda semana, as 425
crianças e adolescentes do Educandário e Creche Me-
nino Jesus, no bairro Concórdia, n a capital, recebem
os produtos saudáveis produzidos no assentamento.
“É espetacular. A gente tem o que outras instituições
não conseguem comprar, o que vem direto do cam-
po. A quantidade é sign ificativa e as crianças apren-
deram a comer verdura e a se alimentar bem com
alimentos sem agrotóxicos”, comemora a irmã Fáti-
ma Gonçalves, diretora da Instituição.
Além do ponto em frente ao colégio às segundas-feiras,
os produtos agroecológicos do Pastorinhas são vendi-
dos em outros locais definidos no Programa Direto da
Roça, da prefeitura de Belo Horizonte.
No domingo, estão na Rua Grão Mogol, ao lado da
Igreja do Carmo. Às terças e sextas-feiras, na esqui-
na das avenidas Assis Chateubriand com a Francisco
Sales. Ainda na sexta-feira, a banca de produtos sau-
dáveis do assentamento é montada na Praça Afon -
so Arinos, no centro da capital. Ao todo, são cinco
pontos de venda que fun cionam das 6h às 14h ou
enquanto houver produto.

[48 incra.gov.br
da faculdade de Engenharia de Produção da PUC e os
Satisfação e saúde
Para o ecólogo preservacionista Cléber Vasconcelos, a outros dois no ensino médio.

qualidade dos produtos é visível e pode ser constata- Ele ressalta que a esco lh a dos assen tados pela pro-

da na saúde dos mais de 400 pássaros exóticos que dução agroecológica foi, por tradição e opção de
se alimentam com as três dúzias de couve que com- vida, em defesa da saúde das pesso as e da preser-
pra semanalmente dos agricultores do Pastorinhas. vação do meio amb iente. “Eu não conheço um apa-
“Nunca tive nenhum caso de morte por intoxicação relho que me ça a qu alidade de vida. Durma uma
ou por infecção e, por isso, só compro aqui. Eu verifi- noite aqu i, coma uma g alin ha caip ira n a hora, uma
quei primeiro onde eles são plantados, o carinho com verdura d o q uintal e você perceberá as diferenças”,
a plantação e a colheita. Os pássaros são pequenos e
convida.
qualquer presença de agrotóxico mataria todos eles.
Grupos de estudantes e turistas já estão conh ecendo
O trabalho agroecológico dos agricultores favorece
o assentamento em programas que incluem almoço
minha criação preservacionista”, reconhece o cliente.
tradicional com os alimentos agroecológicos e visi-
Para o agricultor Márcio José da Silva, o contato di-
tação ao plantio, à capela e a outras atrações locais.
reto com os clientes é fundamental para a produção.
O Pastorinhas está localizado em umas das regiões
“Temos a oportunidade de colocar o produto direto
para o consumidor com preço melhor porque não há com maior potencial turístico do centro de Minas,

intermediação de atravessadores. Você trabalha mui- ao lado da reserva remanescente da Mata Atlântica.

to, mas pode aumentar sua renda em mais da me- Fica a apenas algun s quilômetros do Museu de Arte
tade e também planejar seus dias de lazer”, avalia. Contemporânea In hotim e tem se tornado polo gas-
Márcio tem três filhos, um deles está no terceiro ano tronômico min eiro.

terra da gente 49]


49]
[ MINAS GERAIS ]

O assentamento
O assentamento Pastorinhas foi criado em julho de
2006. A capacidade é para 22 famílias e a área to -
tal 156,44 hectares. Destes, 43,06 hectares ou pouco
mais de 27% da área total são constituídos por vege-
tação de Mata Atlântica. O assentamento está numa
região de relevo ondulado a montanhoso, a cerca de
1.500 metros de altitude e temperatura média anu-
al de 20 graus Celsius. As famílias assentadas foram
selecionadas entre agricultores da região que tra-
dicionalmente já trabalh avam com horticultura em
sistema de exploração coletiva.

Compre direto
dos produtores
e visite o assentamento:
Ascendino de Araújo (31) 9824-6539
Márcio da Silva (31) 8545-4010
Valéria Carneiro (31) 9601 – 0277
valeriaantonia10@hotmail.com

Pontos de Venda
(das 6h às 14h)
Domingo – Rua Grão Mogol – ao lado da Igreja do
Carmo;
Segunda-feira – Aven ida Bandeirantes nº 800 – em
frente ao colégio Balão Vermelho;
Terça e sexta-feira - Esquina das avenidas Assis Cha-
teubriand e Francisco Sales;
Sexta-feira - Praça Afon so Arinos, Centro de Belo Ho-
rizonte.

[50 incra.gov.br
terra da gente 51]
PARAÍBA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 307
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 14.460
ÁREA EM HECTARES: 288.210,76

TE R R A D A GE N TE
[ PARAÍBA ]

Renovação pela
agroecologia
Espaços para comercialização
de alimentos produzidos sem
agrotóxicos garantem renda e
elevam autoestima dos assentados

Reportagem e fotos: Kalyandra Vaz

[54 incra.gov.br
“Tirando a agroecologia estou morto”. A frase do
agricultor José Maria Batista, con hecido como Ma-
rola, do assentamento Santa Helena, em Sapé (PB),
reflete a mudança na vida do assentado que, após
dez an os trabalhando com vários tipos de agrotóxi-
cos, deixou-se convencer pela equipe da assistência
técnica de que era possível produzir sem veneno.
A transição para a agroecologia foi iniciada há quatro
anos. “Fui teimoso porque achava que não ia dar cer-
to”, afirma seu Marola, um dos centenas de assen-
tados da Paraíba que estão se dedicando à produção
agroecológica.
Espalhadas por todo o estado, cerca de 40 feiras per-
manentes comercializam a produção de agricultores
familiares e assentados da reforma agrária paraiba-
nos. Destas, 14 são reconhecidas pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) como
agroecológicas. A maioria surgiu por iniciativa dos pró-
prios assentados com o apoio de movimentos sociais,
responsáveis, muitas vezes, pela mobilização dos fei-
rantes e pela aquisição das barracas padronizadas.
A possibilidade de ampliar os canais de comerciali-
zação, driblar atravessadores, dar mais visibilidade
à produção da reforma agrária, promover a autono-
mia econômica e elevar a autoestima das famílias
assentadas levou o Incra/PB a, mais do que apoiar
a realização de feiras, determinar que as entidades
contratadas para prestar assistência técnica nos as-
sentamentos implantem e mantenham Feiras da Re-
forma Agrária nas regiões onde atuam.

terra da gente 55]


[ PARAÍBA ]

Assentado José Maria


Batista, conhecido
como Marola, do
assentamento Santa
Helena, em Sapé (PB).
“É um orgulho produzir
sem agrotóxicos
e vale a pena.
É mais barato e basta
seguir a orientação
dos técnicos”.

“Foram três meses para me convencer. Agora, ve- sistema de irrigação na horta, comprou um automó -
neno nunca mais”, contou o assentado Marola, que vel utilitário e aumentou a produção.
comercializa a produção na Feira de Sapé, inaugura- A Feira Agroecológica de Sapé reúne 12 famílias de oito
da há pouco mais de 1 ano e distante 55 Km de João assentamentos da Zona da Mata Norte e tem como
Pessoa. principal diferencial o horário de funcionamento, das
Até 2010, o assen tado utilizava agrotóxicos na plan- 17h às 19h30. Alguns dos feirantes também comercia-
tação de alface, cebolinha e coentro, mas a chegada lizam na Feira Agroecológica realizada no Campus da
da assistên cia técnica ao assentamento mudou tudo. Universidade Federal da Paraíba (UF PB), em João Pes-
Após uma década trabalhando com agrotóxicos e se soa, e cerca de 90% deles fornecem alimentos para o
dedicando a apenas três culturas, os técnicos o con- Programa de Alimentação Escolar de Sapé.
ven ceram a iniciar a transição para a agroecologia. Em João Pessoa, os assen tados da reforma agrária
Hoje o assen tado também planta macaxeira e é dono contam com quatro feiras agroecológicas permanen-
de uma horta variada. tes: às sextas-feiras, na UFPB; aos sábados, no Bairro
“É um orgulho, me sinto muito valorizado em traba- do Bessa e no Departamento Nacional de Obras Con-
lhar sem veneno porque os clientes compram e veêm tra as Secas (Dnocs), no Bairro dos Estados; e toda
que o produto é diferente. Quem leva para casa sabe primeira terça-feira do mês na praça de eventos Pon-
que dura muito na geladeira”, disse seu Marola. to de Cem Réis, no centro da capital.
Muitos clientes vão ao assentamento Santa Hele- Embora as equipes de assistência técnica acompa-
na para comprar os produtos do assentado, que se nhem a produção dos assentados que trabalham de
transformou em um multiplicador agroecológico e forma agroecológica para garantir a qualidade dos
fez de sua horta um espaço de aprendizagem para produtos comercializados nas feiras, na Paraíba, ain-
outras famílias. da são poucas as famílias assentadas que possuem
Os benefícios, segundo o assentado, vão além do au- o Cadastro Social de Vendas Diretas das Unidades de
men to da ren da familiar, que chegou a 60%. “Che- Produções Agroecológicas do Ministério da Agricul-
guei a ficar tonto com o cheiro do veneno que eu tura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Várias delas
usava para fazer a semente germinar”, disse seu estão em processo de obtenção, em parceria com o
Marola, que vendeu as 12 cabeças de gado da famí- Sebrae, e outras ainda estão em transição da agricul-
lia para apostar na agroecologia. Ele implantou um tura convencional para a agroecologia.

[56 incra.gov.br
Feira pioneira “Adorei a novidade.
Aqui eu encontrei coisas
A primeira feira agroecológica criada para comercia- que não acho nas outras
lizar a produção da reforma agrária na Paraíba foi feiras”, diz Rosa Maria da
Silva ao compora r quatro
idealizada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) e quilos de umbu na Feira de
fun ciona há 13 anos no Campus da (UFPB) em João Barra de Santa Rosa.
Pessoa. Toda sexta-feira, das 5h às 12h, estudantes,
professores e funcionários da universidade compram
aproximadamente seis toneladas de alimentos pro-
duzidos em seis assentamen tos e em um acampa-
men to da Zona da Mata.
O técnico agropecuário Luiz Sena integra a Comissão sem agrotóxicos. “Elas contribuem para a melh oria
de Produção Orgânica (CPOrg) do Mapa/PB e é um da saúde do agricultor e da população, para a pre-
dos pioneiros na organização das feiras agroecoló- servação da natureza, são parte importante da renda
gicas no estado. Segundo ele, as vantagens da feira das famílias assentadas e fortalecem a economia so-
vão muito além do estímulo à produção de alimen tos lidária”, afirma.

Feira do Ponto oito assentamentos e de dois acampamentos do Agres-


te, do Vale do Mamanguape e do Litoral Sul da Paraíba.
de Cem Réis A clientela diversificada garante, segundo Tânia Maria de
A mais recente feira da reforma agrária permanente em Sousa, da Coordenação da CPT em João Pessoa, a venda
João Pessoa é uma iniciativa da CPT, com apoio do In- de cerca de 12 toneladas de produtos a cada feira.
cra/PB e da prefeitura. Criada em novembro de 2013, a “Houve uma ótima recepção da população. Muita
Feira Agroecológica da Reforma Agrária é realizada toda gente pede que a feira continue e elogia o horário
primeira terça-feira do mês, no centro da capital, das em que ela é realizada, que favorece quem está
14h às 18h, e comercializa a produção de 30 famílias de saindo do trabalho”, afirma Tânia.

terra da gente 57]


57]
[ PARAÍBA ]

Feira Agroecológica da
Reforma Agrária dos Incra/PB incentiva promoção de
assentamentos da Zona
da Mata Sul, em Pedras Feiras da Reforma Agrária
de Fogo (PB).
Para estimular a transição da agricultura convencio- mia solidária e da gestão social de políticas públicas.
nal para a agroecológica nos assentamentos, o In- A nota também dispõe sobre orientação e procedimen-
cra/PB determinou, em Nota Técnica de novembro tos públicos para prorrogação dos contatos de Chamada
de 2013, que as entidades prestadoras de assistência Pública do Programa de Assistência Técnica (Ates).
técnica incluam em seu plano de trabalho a implan- Cabe às entidades produzir relatórios sobre a deman -
tação e manutenção de Feiras da Reforma Agrária. da de venda direta da produção dos assentamen tos,
A Nota Técnica, formulada com a participação do Insti- organizar os grupos de produção, estudar a viabilida-
tuto de Assessoria à Cidadania e ao Desenvolvimento de econômica das feiras, elaborar plan o de negócios
Local Sustentável (IDS), que atua como articulador en- e de marketing e propaganda das atividades produ-
tre as prestadoras de Ates e o Incra/PB, define as dire- tivas e, caso constatada a viabilidade e interesse dos
trizes a serem adotadas pelas entidades para repensar assentados, implan tar a feira.
as dinâmicas produtivas nos assentamentos segundo O trabalho das equipes de Ates começa ainda
os princípios e práticas da agroecologia, da econo- nos assentamen tos, onde as famílias recebem

[58 incra.gov.br
orientações técnicas sobre o manejo agroecológico elétrica, montagem das barracas e local para armaze-
do solo, a produção de mudas e o controle de pragas ná-las.
e doenças com defensivos naturais. Estu da-se ainda o fortalecimen to d a feira que fu n-
Os equipamentos n ecessários ao funcionamen to das ciona às sextas-feiras em Cajazeiras, no Alto Sertão
feiras, como barracas, aventais, bonés, caixas plásti- paraibano, a cerca de 460 Km de João Pessoa.
cas para transporte de mercadorias, balanças e saco-
las plásticas, são adquiridos pelas entidades presta-
doras de Ates. “Os assentados não precisam comprar
Barra de Santa Rosa
A primeira feira da reforma agrária implantada com
nada para participar das feiras. Na primeira feira ele
recursos da Ates na Paraíba é a de Barra de Santa
já tem lucro com o que vender”, afirma a assistente
Rosa, inaugurada em julho de 2013. A Feira dos As-
social Liana Rocha, do Setor de Ates do Incra/PB.
sentados da Reforma Agrária do Curimataú comercia-
A proposta é que a gestão das feiras seja feita pelos
liza a produção de dez assentamen tos localizados em
próprios assentado s com o apo io d a autarq uia e das
Barra de Santa Rosa, Sossego e Damião, onde vivem
entidades prestadoras de assistência técnica. Para
534 famílias.
isto, é necessário a criação de um fundo rotativo
Apesar da prolongada estiagem na região, cerca de
com con tribuições dos assentados e a elaboração
meia tonelada de produtos são comercializados a
de um regimento interno com os dire itos e d everes
cada edição da feira, realizada às quartas-feiras, a
dos feirantes.
partir das 6h. Promovida através da Cooperativa de
Prestação de Serviços Técnicos da Reforma Agrária
Feiras da (Cooptera), que presta assistência técnica aos as-
sentamentos da região, com o apoio das prefeituras
Reforma Agrária dos três municípios, a feira conta com cerca de 24
Duas feiras criadas com recursos da Ates estão em
famílias, que comercializam hortaliças, feijão, raízes,
fun cionamento na Paraíba: em Barra de Santa Rosa,
frutas, doces, queijos, carn e bovina, peixes, ovos e
a 200 Km de João Pessoa, no Curimataú, e em Pedras
aves caipiras vivas e abatidas.
de Fogo, na Zona da Mata Sul, a 54 Km de distância.
Outras duas estão em implantação no Brejo paraiba-
no, em Banan eiras, distante 141 Km de João Pessoa, Pedras de Fogo
e em Alagoa Grande, a 107 Km da capital, pela en- A Feira Agroecológica da Reforma Agrária dos
tidade prestadora de assistência técnica Assessoria Assentamentos da Zona da Mata Sul, em Pedras de
de Grupo Multidisciplinar em Tecnologia e Extensão Fogo, foi inaugurada em março de 2014 e reúne, às
(Agemte). segun das-feiras, a produção agroecológica de quatro
A feira de Ban an eiras foi in aug urada no primeiro se- assentamentos dos municípios de Pedras de Fogo e
mestre de 20 14 e acontece às quartas-feiras, a par- Caaporã, onde estão assentadas 455 famílias. Cerca
tir das 6 h, com 20 assentados de dez assentamen- de uma tonelada de produtos diversificados são co-
tos. Dez das 20 barracas da feira foram adquiridas mercializados semanalmente na feira, que é promo-
pela prefeitura de Bananeiras, que é resp onsável vida pela entidade prestadora de assistência técnica
pela limp eza d o local e transporte das mercadorias. Consultoria e Planejamento de Projetos Agropecuá-
Em Alagoa Grande, a feira foi in augu rada em no- rios (Consplan).
vembro de 2014. Ela é realizada às sextas-fe iras, A barraca de Severino do Ramo da Silva, (foto página
a partir d as 6h , e reúne a produção de cerca de 60) do assentamento Campo Verde, tem de tudo um
dez assen tamentos da reg ião. A prefeitura de Ala- pouco: feijão verde, cocos verde e seco, maracujá,
goa Grande garante a infraestrutura da feira – energia limão, alface e maxixe.

terra da gente 59]


[ PARAÍBA ]

Segundo ele, que há cerca de dois anos possui o Ca- participa da feira do Dnocs em João Pessoa, onde che-
dastro Social de Vendas Diretas das Unidades de Pro- ga a faturar R$ 1 mil por semana. “Comprei moto e
duções Agroecológicas concedido pelo Mapa, produzir motor de irrigação com o dinheiro das feiras”, disse.
de forma agroecológica é mais difícil para o agricultor, Para Severino, trabalhar de forma agroecológica possi-
mas vale a pena. “O produto é fácil de vender e, prin- bilitou, além do aumento da renda familiar, uma mu-
cipalmente, garante a saúde da família que produz dança radical na vida da família, que passou a ter uma
e dos clientes”, constata o assentado, que também dieta mais saudável e variada. “Agora temos fartura!”.

Projeto Feira-Modelo da Reforma Agrária


beneficiará mil famílias no Nordeste
“Nossa alimentação
melhorou 100%.
Hoje escolhemos o que
queremos comer
e é difícil até pegar uma
gripe”, diz Severino
do Ramo da Silva, do
assentamento Campo
Verde, em Pedras
de Fogo.

Cerca de mil famílias assentadas do Nordeste serão be- dos em feiras livres, o Incra fortalece a Rede de Fei-
neficiadas com a primeira etapa do projeto Feira Mode- ras de Abastecimento Popular da Reforma Agrária,
lo da Reforma Agrária na região. Para discutir a padro- dá mais visibilidade aos assentados e, principalmen-
nização desses espaços e a aquisição de kits que com- te, resgata a dignidade e a autoestima das famílias”,
põem cada banca, o Incra reuniu em Campina Grande afirma o técnico Gerson Beuter, do Setor do Terra Sol
(PB), no período de 26 a 28 de março de 2014, técnicos no Incra/RS, autor do projeto Feiras de Abastecimen-
da Divisão de Desenvolvimento de Assentamentos das to Popular da Reforma Agrária.
superintendências regionais nordestinas. Os kits devem ser compostos por barraca padroniza-
Esta primeira oficina no Nordeste teve como princi- da, lonas plásticas, saia ou tapadeira em lona com a
pal objetivo elaborar o edital para aquisição dos kits logomarca da feira, sacolas plásticas biodegradáveis,
para os assentados feirantes da região, através do bonés, aventais, caixas plásticas para o transporte e
programa Terra Sol, priorizando os que comerciali- acondicionamento de produtos, caixa térmica, placas
zam em espaços já existentes nos municípios. de iden tificação com o nome do assentamento, sua
“Ao padron izar as barracas e equipamentos utiliza- localização e a quantidade de famílias assentadas.

[60 incra.gov.br
terra da gente 61]
PARANÁ
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 325
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 18.659
ÁREA EM HECTARES: 426.612,19

TE R R A D A GE N TE
[ PARANÁ ]

Assentados no Paraná formam


cooperativa de autogestão rural
baseada em um modelo de
desenvolvimento sustentável com
participação social

Reportagem e fotos: Rodrigo Asturian

Um grande lote

[64 incra.gov.br
Localizado junto à Rodovia PR-464, o assentamento
Santa Maria, em Paranacity, no Paraná (a 497 Km
da capital, Curitiba), tem uma organização social
peculiar. Ao contrário da maioria dos assentamen-
tos do Incra, que dividem os espaços de produção
e moradia em lotes, o que se vê, logo na entrada,
é uma estrutura similar à uma agrovila atuante no
entorno da Cooperativa de Produção Agropecuária
Vitória Ltda (Copavi). Na vizinhança, formada por 22
famílias, pastagen s e fazendas com monocultura de
cana de açúcar em uma região bastante sensível à
erosão, denominada de Arenito Caiuá.
A Copavi completou 21 anos de existência em 2014
e é referência em todo o País e n o mundo (exporta
para Europa, em especial França e Itália) na produ-
ção de açúcar mascavo orgânico, cachaça e melado,
além de panificados e derivados de leite.

terra da gente 65]


[ PARANÁ ]

explica. Conforme Gumieiro, o cultivo tradicional da


cana de açúcar precisava vir acompanhado de técnicas
de produção sem a utilização de defensivos agrícolas
justamente para aumentar a fertilidade do solo, ainda
mais em uma região sensível ao processo de erosão.
O que se vê no assentamento é uma diversidade ve-
getal e animal que destoa de todas as propriedades
monocultoras. A cana de açúcar tradicional cresce em
um imenso “mosaico” formado por pessoas, áreas
de proteção ambiental, hortas, pequenas pastagens
de gado leiteiro, estufas para plantio de mudas, es-
pécies florestais como Mogno–Africano (
e ) e Pau–Rei (
). “Assim, aumentamos a eficiên cia eco-
nômica, com maior produtividade da cana e a diver-
sificação da produção”, conclui Gumieiro.

Produtos da Copavi são Em um modelo de desenvolvimento sustentável por


vendidos no mercado
meio de cooperativa de autogestão rural, as mora- Certificação
interno e também
exportados: melado, dias dos assentados ficam muito próximas das ou- participativa
cachaça e açúca r mascavo. tras. Os espaços de uso comunitário (refeitório, es- Os produtos feitos na Copavi têm certificação orgâ-
critório) e de produção (usina de beneficiamento nica com o selo “Orgânico Brasil”, em um processo
da cana, laticínio e plantações) são bem definidos. participativo realizado por meio da Rede Ecovida,
O mesmo assentado que cuida do escritório pode conforme a lei federal nº 10.831. Para se chegar a
também estar escalado para cuidar da alimentação esse nível de excelência, houve um trabalho de cons-
das aves e irrigação da horta orgânica. As refeições cientização junto aos assentados do assen tamento.
são feitas em um espaço comum, tal como um re- “Nesse processo, não é você que muda o ambiente.
feitório de uma empresa urbana. A diferença é que A mudança ocorre dentro de você. Todo o ambiente
a comida vem quase toda do próprio assentamento. é um único corpo vivo”, diz o assentado Elson Borges
De acordo com o engenheiro agrônomo (e assenta- dos Santos, conhecido como Zumbi.
do) da Copavi, Adilson Gumieiro, o modelo de socie- Zumbi é membro da Comissão Nacional de Agroecolo-
dade atual no assentamento Santa Maria foi resulta- gia e Produção Orgânica (Cnapo), originada da Política
do de uma construção coletiva que considerou a ori- Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Plana-
gem dos então acampados e a realidade encontrada po). O objetivo é integrar e articular um conjunto de
na nova terra a ser desbravada no entorno de uma re- políticas, programas e ações capazes de estimular a
gião até então desconhecida por todos. “Viemos, na produção orgânica, e a produção de base agroecológi-
maior parte, do Sudoeste do Paraná, onde prevalece ca, como uma forma de se contribuir para o desenvol-
a bovinocultura do leite e produção, em pequena vimento sustentável.
escala, de milho, feijão e hortaliças. É uma lógica “No âmbito do Planapo, vamos encaminhar para o
totalmente diferente aqui. Por isso, tratamos desde Programa de Fortalecimento e Ampliação das Redes
o princípio de conhecer o entorno do Arenito para de Agroecologia, Extrativismo e Produção Orgânica
que pudéssemos experimentar até chegar à matriz (Ecoforte) um projeto de estruturação de grupos para
agroecológica de produção por meio da cooperação”, fomento e certificação no Arenito Caiuá, fazendo da

[66 incra.gov.br
Copavi uma unidade de referência para assentamen-
tos, unidades da agricultura familiar e até para empre-
endedores urbanos”, diz Zumbi. O objetivo, segundo
ele, é ampliar o processo de diversificação produtiva
na região, como ocorreu com os assentados do Santa
Maria, com um manejo correto do solo, considerando
o risco altíssimo de desertificação da região do Arenito.
O resultado está ali mesmo: um oásis de biodiversida-
de no meio do “deserto verde” formado por pastagens
e plantações de cana de açúcar.

A cooperativa mantém,
ainda, um laticínio para
produção de leite.
Uma “ilha” de biodiversidade no Arenito Caiuá
O Santa Maria fica dentro da área denomina- cultu ra do café e, mais recentemente, à cana de
da Arenito Caiuá, na região Noroeste do Paran á. açúcar e pastagens de gado de corte . De acordo
A denominação “ Arenito” indica um amb ien te al- com o In stituto Agronômico do Paraná (Iap ar), o
tamente suscetível à erosão, uma vez que há uma Arenito ocupa 16% (3,2 milhões de h ectares) da
acentuad a presença de areia na composição do área total do estad o de 20 milhões de hectares.
solo da região. P ara agravar a situação, a cobe rtu- As práticas agroecológicas ad otadas no assenta-
ra florestal foi quase toda derrubada. Atualmente, mento melhoram a fertilidade do solo, conservam
a estimativa d a Universidade Federal do Paraná a b iod iversid ade e, consequentemente, en riquecem
(UFPR) é de que 18% da região ten ha cobertu ra o ecossistema com a reaproximação d e aves nativas
florestal. O restante da áre a deu lug ar à mon o- (araras e p apagaios) e animais silvestres.

Família, férias e lazer


O assentado Francisco Strozak vive com a filha Janaí- onde conheceu o marido Alfonso, engenheiro eletri-
na, o genro Alfonso e o neto João no assentamento. cista que agora cuida da manutenção das máquinas
Francisco e Janaína fazem parte do grupo de 16 famí- na agroindústria de cana instalada no assentamento.
lias que vieram de diversas regiões do Paraná (Sudes- “Fiquei impressionado com a riqueza da biodiversida-
te, Centro-Sul e Sudoeste) e ficaram um ano acam- de do assentamento. Isso aqui é uma escola de vida
padas na então fazenda Santa Maria até a criação do para mim em todos os sentidos, tanto na produção
assentamento, em 12 de novembro de 1992. A área, como no modo de viver”, diz o espanhol. Para a his-
de 256 hectares, foi desapropriada pelo Incra por ser toriadora, ainda é preciso avançar em alguns segmen-
improdutiva. “Desde a época do acampamento, o tos, como cultura e lazer no meio rural. “Precisamos
nosso grupo é formado por pessoas que trabalham superar a ideia que a vida no campo é apenas trabalho
de forma indistinta. Os mesmos que planejam as penoso, físico. As pessoas do campo têm direito ao
ações são os que executam as tarefas”, diz Francisco. lazer, descanso, férias, acesso à informação, dentre
A filha Janaína é formada em História, com mestra- outros itens”, diz Janaína. No Santa Maria, todos os
do na Universidade Autônoma de Madri (Espanha), assentados têm 30 dias de férias por ano.

terra da gente 67]


[ PARANÁ ]

Adubações verdes melhoram produtividade


De acordo com o en genh eiro florestal Allan Francisco
Ferreira, que presta serviço de assistência técnica a
partir da chamada pública de Ater, realizada pelo In -
cra em 2013, o plantio da cana é feito após o cultivo
de adubações verdes. “Para a reforma dos canaviais,
usamos a (planta de cor amarela
que ilustra a págin a 64). Esta planta eleva o nível
de matéria orgânica, ajuda no controle da nematóide
do solo, aumenta a disponibilidade de n utrien tes im-
portantes à cultura e, consequentemente, melhora a
fertilidade do solo”, explica. “Com o correto manejo
da cana de açúcar, houve uma melhora de 20% na
produtividade e otimizamos a conservação do cana-
vial. Atualmen te, a média de produção é de 65 a 70
toneladas por hectare, atingindo até cinco cortes por
plantio”, explica Ferreira.

Equipe trabalha na
agroindústria que
processa a cana de
açúcar plantada
no assentamento Indicadores de produção
Santa Maria.

em pacotes de meio quilo.


de açúcar, manejados de forma agroecológica. -
sal de 6,5 mil kg) é dividido da seguinte forma:
cana de açúcar: açúcar mascavo, cachaça e melado. 50% para atacadistas (fábrica de bolachas), 30%
A produção de açúcar mascavo é de 30 toneladas para lojistas e 20% ao mercado institucional.
por mês (85% é para o mercado institucional e -
15% vendidos aos lojistas). ses (exportação) é estimada em 15 mil litros/ano.
-
nadas aos atacadistas em sacas de 25 quilos. Os que acontece em Paranacity/PR semanalmente,
outros 16,6% são ven didos para lojas de produtos além da venda direta realizada ao consumidor três
naturais, supermercados e direto ao consumidor, vezes por semana.

COPAVI
Cooperativa de Produção Agropecuária Vitória Ltda.
Assentamento Santa Maria: PR-464, km 01, s/nº, Paranacity-PR
CE P: 87.660-000

[68 incra.gov.br
Consciência ecológica, capacitação
e assistência técnica contribuem
para mudar a realidade
de assentamentos no Centro-Oeste
do Paraná

Reportagem e fotos: Marina Oliveira

Convergência
de ações

terra da gente 69]


[ PARANÁ ]

O empenho e a predisposição para cultivar uma pro- produção de forma sustentável.


dução totalmente livre de agrotóxicos têm ganhado A maioria das famílias ainda está em fase de tran -
cada dia mais adeptos nos assentamentos Oito de sição do cultivo conven cional para o orgânico, mas
Junho, em Laranjeiras do Sul (a 368 km de distância algumas delas já conseguiram obter a certificação de
da capital, Curitiba), e Ireno Alves, município de Rio seus lotes. São duas certificações na produção de lei-
Bonito do Iguaçu (a 382 km de Curitiba). Assentados
te no assentamento Ireno Alves e oito lotes certifica-
no Centro-Oeste do Paraná, a maioria dos trabalha-
dos na horta orgân ica no Oito de Junh o. A certificação
dores tem compartilhado um senso comum: o uso da
agroecológica é obtida de forma participativa, por
agroecologia nas suas rotinas produtivas.
meio da Rede Ecovida, conforme a Lei 10.831/2003.
O carro-chefe da região, localizada no Território da Ci-
Na produção dessas famílias não é utilizado qualquer
dadania Cantuquiriguaçu, é a produção do leite, mas
tipo de agrotóxico. A adubação é orgânica com o uso
as hortas orgânicas também têm se fortalecido com
a contribuição do serviço de Assistência Técnica e Ex- de biofertilizantes e caldas, que são defensivos n atu-

Cooperativa tensão Rural (Ater) contratado pelo Incra. O objetivo rais. Além disso, os produtores estão começando a se
foi cria da há é melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores valer da homeopatia para tratar pragas nas plantas e
sete anos por
rurais por meio do aperfeiçoamento dos sistemas de doenças nos animais.
um grupo de
mulheres

Cooperativa
A produção é escoada através da Cooperativa Agroin -
dustrial do assentamento Oito de Junho (Cooperju -
nho), que atende não só o assentamento de Laran -
jeiras do Sul, mas também os demais produtores
assentados em Rio Bonito do Iguaçu. São 51 sócios,
envolvendo cerca de 40 famílias.
A Cooperjunho foi criada em 2007, a partir da iniciativa
de um grupo de mulheres que deu início ao trabalho
com panifício. O empreendimento cresceu e gerou a
necessidade de criação da cooperativa para fomentar
a entrada no mercado de alimentos da região.
Parte dos produtos utilizados no panifício é oriunda
da produção orgânica. São fabricados 13 tipos de bis-
coito, dez tipos de cuques, pão branco e integral, ma-
carrão caseiro, roscas, pão de frutas, geleias e doce
de leite. Além disso, a cooperativa está em fase de
testes para a produção de queijo colonial orgânico,
experiência recém implementada que deverá ser
lançada em breve n o mercado.
Seiscentos quilos de produtos do panifício, em média,
são comercializados por semana para o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA). São vendidos também
1,5 mil kg de hortaliças e frutas semanalmente para
o Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pane).
Outra parte da produção da cooperativa é levada para
cantinas, eventos e feiras de municípios da região.

[70 incra.gov.br
Educação
O sucesso da Cooperjunho se deve em grande parte
ao de quem está à frente da administra-
ção do negócio. São filhos de assentados formados
pelo Programa Nacional de Educação n a Reforma
Agrária (Pronera) que colocam em prática o conhe-
cimento adquirido nos cursos. É o caso de Ivandro
Amorim, que em 2004 se formou em técnico em
agropecuária e hoje é o presidente da cooperativa.
“O curso foi pensado para discutir a produção do leite
orgânico e mudar a matriz tecnológica”, conta. Se-
gundo ele, ainda h á entraves e desafios na produção,
mas também o empenho técnico na resolução.
Ivete Foss, uma das admin istradoras da Cooper-
junh o, teve toda a formação educacional e a pro-
fissionalizante adq uirid as pelo P ro nera. “Foi p or
estar n o assentamento que tive oportunidade de Leite Agroecológico. Todos os cursos são resultado de Queijo colonial
orgânico chegará
estudar. Eu tin ha o so nho, mas n ão tinha o acesso. parcerias do Incra através do Pronera.
ao mercado nos
O Pronera tornou tudo isso possível”, lembra. A predisposição e organização dos trabalhadores, próximos meses.
Ela diz que é gratificante poder con tribuir no próprio aliadas à convergência de programas do Incra e do
assentamento e ajudar as famílias a conseguir de- Governo Federal, mostram que é possível expandir
senvolver a produção orgânica. Ivete concluiu o curso com eficiência uma rede de ações que visa melhorar
de Técnico em Gestão de Assentamentos em 2005, a qualidade de vida e aumentar a renda das famílias
formou-se em Tecnólogo em Agroecologia em 2009 rurais, contribuindo efetivamente para o desenvolvi-
e, em 2014, cursou a pós-graduação em Produção de men to do campo.

Os pioneiros do leite orgânico na região


Seu Darcy Lira e dona Teresinha Lira criaram três filhos O leite produzido pela família recebe todos os anos notas
com a renda adquirida através da comercialização do positivas na análise aplicada pela Cooperativa Central de
leite. Pioneiros na produção orgânica na região, aca- Captação do Leite (Coopleite), de Londrina/PR, conforme
baram por se tornar exemplo para os agricultores vizi- a Instrução Normativa 62/2011 do Ministério da Agricul-
nhos. O lote de 18 hectares, totalmente certificado pela tura, que regula as técnicas de produção do leite.
Rede Ecovida, é uma unidade demonstrativa de pique- “Cuidados como a h igiene na ordenha e em todo
teamento no assentamento Ireno Alves (Rio Bonito). o processo de manejo somam para que nossa ava-
“Produzimos alimento orgânico em defesa da vida. liação na contagem bacteriana e no percentual de
Nessa caminhada de mais de dez anos, foram mui- gordura seja sempre favorável”, afirma Teresinha,
tas dificuldades, mas o benefício do agroecológico é que sonha em ver o leite beneficiado e transforma-
maior e compensa as possíveis perdas”, declara seu do em outros alimentos, como iogurtes e queijos.
Darcy. Na propriedade, são 36 cabeças de gado produ- “Os próprios leiteiros ficam admirados com a quali-
zindo uma média de 1,8 mil litros de leite orgânico por dade do leite, já me falaram que até o cheiro é dife-
mês, com processamento realizado pela Cooperjunho. rente quando ferve”, con ta, orgulhosa.

terra da gente 71]


[ PARANÁ ]

Homeopatia contribui na saúde


da cadeia produtiva
Em 2012, a Cooperjunho foi a vencedora do Prêmio Agricultura ”, conta Eduardo Silva, veterinário e res-
Nestlé de Criação de Valor Compartilhado com um pro- ponsável técnico pelo laboratório.
jeto de produção sustentável de leite a partir da agri- São 400 tipos d e medicamentos que deverão se r
cultura familiar. O prêmio possibilitou a implantação utilizados nas hortas e pastagens e para o trata-
de um laboratório de homeopatia, cujo espaço físico mento de bovino s. As sub stân cias manipuladas
também abrigará um laboratório para análise de leite. são 100 % naturais, extraídas das próprias plantas
“O objetivo principal do laboratório é viabilizar a pro- e do s an imais. O laboratório atend erá 107 famí-
dução do leite orgânico. Estamos em fase de con - lias nos dez municípios da região, cu ja p ro dução
clusão, só faltando a liberação pelo Ministério da enco ntra- se em fase de transição agroecoló gica.

Galinha caipira orgânica incrementa


Seu Francisco
renda familiar
cria 200 a ves
A sustentabilidad e ecológica, através da varie- agroecoló gico. Segu indo esse exemplo , o casal de
sem utilização de
insumos químicos. dade na p ro dução, é um do s pilares do sistema agricultores Francisco d e And rad e e Zofia d e And ra -
de, assentado s no Ire no Alves, estão in creme ntando
a produção no lote com a criação de galinh a caipira
orgânica.
Os produtores já fornecem uma variedade de pro-
dutos da horta orgânica para o PAA e Pnae, além
de comercializar cerca de 2.800 litros de leite para
uma indústria de laticínios. A criação das galinhas,
ainda em fase inicial e em processo de certificação
orgânica, contribui para tornar o ecossistema mais
equilibrado, preservando a saúde das plantas e ani-
mais. “Decidimos adotar o cultivo orgânico n ão só
pelo lado econômico, mas principalmen te pela ques-
tão da saúde e da conservação do meio ambiente”,
afirma seu Francisco.
São cerca d e 200 aves e todas con somem milho or-
gânico em pasto com barreiras de taquara, bananeira
e e ucalipto, en tre outras espécies vegetais. No lote
foi instalada uma unidade demon strativa de galinha
caip ira que de verá receber, em breve, uma máqui-
na chocadeira. A previsão do agricultor é que as pri-
meiras galinhas comecem a ser comercializadas em
de 2015.

[72 incra.gov.br
Transformação de vida
com a agroecologia
Após verem a filha ainda criança adoecer seriamen te
em decorrência de sua mãe ter trabalhado em co-
lheita de fumo durante a gravidez, o casal de assen-
tados Sadi Amorim e Delci Welter, do assentamento
Oito de Junho, decidiu adotar um estilo de vida mais
saudável. Há 18 an os passaram a cultivar plan tas
medicinais para o tratamento de enfermidades e,
com o tempo, a priorizar a produção agroecológica.
“Nossa filha não respondeu bem ao tratamento
químico e fomos vendo que para melhorar a nossa
saúde seria necessário que tudo passasse a ser to- variedades de banana, mexerica e laranja. A maioria Casal produz 18
tipos de hortaliças
talmente natural”, lembra Sadi. Logo substituíram a é repassada para o Pnae e a outra parte é comercia-
certificada s.
produção convencional pela orgânica e, hoje, todo o lizada para feiras no município de Laranjeiras do Sul.
lote é livre de agrotóxicos. A renda é complementada com a ven da dos mais
Certificados desde 2011 pela Rede Ecovida, a famí- de cem tipos de ervas medicinais que o casal ainda
lia produz cerca de 18 tipos de hortaliças, além de cultiva na propriedade.

Profissionalização gera multiplicadores


Nos assentamentos da região, é comum encontrar Ronaldo da Siliva,
formado pelo Pronera,
prestadores de assistência técnica cujos conhecimen-
leva conhecimento
tos ten ham sido adquiridos por meio do Pronera. aos assentados.
Na maioria, filhos de assentados que retornam com
o objetivo de contribuir para o desenvolvimento das
suas regiões de origem.
É o caso de Ron aldo da Silva. Ele é morador do assen-
tamento Marcos Freire e trabalha com 294 famílias
no Ireno Alves, ambos no município de Rio Bonito.
“Me sinto honrado de ter a oportunidade de poder
discutir agroecologia com os assentados, resgatan-
do práticas que eles já tinham mas n ão conseguiam
utilizar ”, conta. Capacitação em Agroecologia (Ceagro).
Formado no ano de 2010 como técnico em agroeco- Embora já se sinta realizado com as atividades que
logia pelo Pronera através de uma parceria entre o desempenha, o jovem entende que está apenas ini-
Incra e a Universidade Federal do Paraná (UFPR), Ro- ciando a “peleja”. “É uma experiência muito gratifi-
naldo presta assistência técnica aos assentamentos cante trazer a agroecologia para a subsistência dos
atendidos pelo núcleo operacional de Rio Bon ito do assentados, con tribuindo para o uso respon sável dos
Iguaçu, do Centro de Desen volvimento Sustentável e recursos naturais”, afirma.

terra da gente 73]


RESIDÊNCIA AGRÁRIA
CURSOS: 35
ALUNOS ATENDIDOS: 1582
ASSENTAMENTOS: 358
MUNICÍPIOS: 334

TE R R A D A GE N TE
[ RES IDÊNCIA AGRÁRIA ]

Agroecologia
na sala de aula
A consolidação de uma agricultura voltada à produ-
ção de alimentos, através de práticas ambientalmen-
te sustentáveis e livres de agrotóxicos, passa tam-
bém pelos bancos da sala de aula.
O Incra, por meio do seu Programa Nacional de Edu-
cação na Reforma Agrária (Pronera), atualmente
atende 1582 estudantes assentados ou que atuam
em seus assentamentos. Essa formação é feita pelos
cursos de especialização em Residência Agrária (lato
senso) executados por Instituições de Ensino Superior
(IES) que firmaram parcerias com a autarquia.
Em todo o Brasil, são 35 cursos que atendem es-
tudantes de 358 assentamentos e 334 municípios.
No total, 30 instituições de en sino superior oferecem
23 cursos com foco em agroecologia e 10 em educa-
ção do campo.

[76 incra.gov.br
Incra investe R$ 55 milhões no
Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (Pronera)
para qualificação de estudantes
assentados em todo o País.

terra da gente 77]


[ RES IDÊNCIA AGRÁRIA ]

Estudantes da Um dos exemplos deste esforço acontece no Sul e Uma turma fica no campus da universidade em Ma-
especialização em
Sudeste do Pará. A região, segundo o professor da rabá e a outra tem aula n o assentamento Palmares II
Residência Agrária
debatem as vantagens Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Uni- (município de Parauapebas), na sede do IALA Ama-
das técnicas fesspa), Fernando Michelotti, possui 500 projetos de zônico – Instituto de Agroecologia Latino Americano.
agroecológicas para a
produção agrícola familiar.
assentamentos com mais de 70 mil famílias assen- “Reforçamos nas duas turmas a ideia de que a escola
tadas. “Nosso desafio é consolidar uma produção e a assistência técnica precisam se aproximar dos as-
camponesa de base agroecológica nesses assenta- sentamentos trabalh ando as temáticas da agroeco-
men tos, contribuin do para uma reforma agrária sus- logia e da educação do campo”, ressalta Michelotti.
tentável na Amazônia”, diz o professor. O que é pesquisado e debatido em sala de aula co-
Atualmen te, em parceria com a Unifesspa, o Incra meça a ganhar forma nos assentamentos. Um projeto
mantém duas turmas da especialização em Residên- que está em elaboração é a implantação de uma hor-
cia Agrária com 25 alunos em cada. ta educativa na escola do assentamento Palmares II.

[78 incra.gov.br
A experiência busca envolver os estudantes do cur- cia e investirá outros 15 milhões entre 2014 e 2015
so e os moradores da localidade onde eles atuarão. para uma nova ação na modalidade Residência Agrá-
O resultado é a discussão coletiva dos problemas e a ria. Será o Residência Agrária Jovem - nível médio,
implantação de um modelo de produção econômica que con ta com a parceria da Secretaria Nacional da
e ambientalmente sustentável. “Estamos trabalhando Juventude, além do Conselho Nacional de Desen vol-
para que a experiência acumulada com essas turmas vimento Científico e Tecnológico. Este último selecio-
do Residência Agrária possa subsidiar projetos peda- nará projetos para formação de jovens do meio rural
gógicos dos novos cursos e fortalecer uma perspectiva em agroecologia.
da universidade de voltar-se para a solução dos graves O objetivo é formar e certificar em nível médio e/ou
problemas agrários da região Sul e Sudeste do Pará”, profissionalizante esses jovens para que desenvolvam
afirma Fernando Michelotti. novas experiências em agroecologia e atuem em suas
O Incra investiu R$ 40 milhões na parceria com o próprias unidades de produção, comunidades tradicio-
CNPq para viabilizar os projetos que estão em vigên- nais, na agricultura familiar e nas escolas do campo.

Consolidar as práticas agroecológicas


Coorden adora Geral de Educação do Campo e Cida- Segundo dados da II Pesquisa Nacional sobre Educação
dania, Clarice dos Santos sustenta que os cursos de na Reforma Agrária, entre o final de 2014 e início de
especialização em agroecologia precisam ir além de 2015 estarão formados cerca de 8 mil estudantes. A pes-
produzir conhecimento. Ela ressalta, ainda, que a for- quisa sistematizou dados desde 1998. ”Temos um qua-
mação em agroecologia também é ofertada em cur- dro de profissionais formados capazes de implementar
sos de nível médio, superior e n as especializações. as ações previstas no Plano Nacional de Agroecologia e
“É preciso avançar na consolidação de práticas que Produção Orgânica (Planapo) porque estamos há mais
transformem as áreas em que o projeto estiver in- de uma década formando e capacitando os próprios tra-
serido”, diz. balhadores com esta finalidade”, frisa Clarice dos Santos.

A realidade muda também no Semiárido


Em Campina Grande, na Paraíba, 60 alunos foram Semiárido brasileiro era uma área inóspita, imprópria
aprovados no curso de especialização em agroecolo- à vida humana. Para ele, realizar uma revisão crítica
gia pelo Residência Agrária. O curso é realizado por dessa forma de enxergar a região é fundamen tal.
meio de uma parceria entre a Universidade Federal “Os estudantes começam a assimilar o protagonismo de
da Paraíba e o Instituto Nacional do Semiárido. uma reforma agrária popular e de característica agroe-
As ativid ad es dos estudantes são desenvolvidas cológica capaz de fazer frente à lógica do agronegócio”,
em 16 comunidades/assentamentos da refo rma diz. Segundo o professor, o conhecimento traz uma
agrária em seis estad os do Semiárido Brasileiro. nova perspectiva para o futuro de cada trabalhador .
O trabalho é acomp anhado pelos mon itores e pro- “A partir do momento que se produz e se absorve novo
fessores d o curso. conhecimento convivendo com o Semiárido, isso refle-
O professor José Jonas Duarte da Costa avalia que ao te positivamente nos indivíduos e possibilita o cresci-
longo dos anos foi construída uma visão de que o mento coletivo da comunidade” observa.

terra da gente 79]


RIO DE JANEIRO
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 78
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 5.950
ÁREA EM HECTARES: 178.696,40

TE R R A D A GE N TE
[ RIO DE JANEIRO ]

Produtos da reforma agrária


são destaque em feira
orgânica carioca

Minifloresta
Maravilhosa
Com vista para dois importantes cartões postais do
Rio de Janeiro, o Pão de Açúcar e o Outeiro da Glória,
a Feira Orgânica da Glória se incorporou ao circuito de
feiras cariocas. Semanalmente passam por ela cente-
nas de visitantes em busca de alimentos sem agrotó-
xico. Nesse cenário bucólico, a barraca do agricultor
Erenildo da Silva é o exemplo da reforma agrária que
dá certo e oferece frutos.

[82 incra.gov.br
terra da gente 83]
[ RIO DE JANEIRO ]

Morador do assentamento Casas Altas, em Seropé- dona Aldeni, conseguiram criar suas três filhas, hoje
dica, distante 75 Km da capital carioca, o agricultor casadas, e m um sítio que mais parece uma mini-
oferece aos fregueses uma variedade de alimen tos floresta. Da diversidade de árvores encontradas,
resultantes de sua produção diversificada. Palmito,
destacam-se o Ipê, o Jatob á, o Jequitibá, a Sapucaia,
acerola, manga, feijão, abóbora, abacaxi, can a de
o Pau-brasil e a Palmeira Imperial. Quase não há
açúcar, banana, inhame, cebola, abacate, fruta do
espaço vazio para circular no lote.
conde, carambola, jabuticaba, goiaba, milho, quiabo,
“Aqui não tinha nada, era tudo pasto e a gen te sofria
pepino, caju, cajá, limão e aipim são apenas alguns
dos exemplos de comidas saudáveis que chegam à muito com o fogo. Eu que plantei tudo e, depois que

mesa do carioca. a mata começou a fechar, nunca mais entrou fogo”,


Somente com a ren da da feira, Erenildo e a esposa, orgulha-se o assen tado.

Dificuldades viver no campo junto com sua família. No início, nada

Erenildo nasceu em Presidente Kennedy, no E spírito foi fácil. A paisagem do assentamento era formada por

Santo, onde aprendeu a trabalhar na lavoura. Seus pastagens degradadas e o local sofria com constantes

pais eram meeiros em uma pequena propriedade de incêndios, o que deixava as condições do solo bastante

arroz e café e precisavam que os oito filhos ajudas- desfavoráveis para a prática da agricultura.
sem na roça. Com a morte dos pais no início dos anos “Por conta do solo ruim, eu não conseguia implantar
1980, Erenildo foi tentar a sorte no Rio de Janeiro. o sistema que aprendi no Espírito Santo, porque lá eu
Chegou a trabalhar num supermercado, mas nunca não botava veneno, seguia as fases da lua. Mas aqui
perdeu a vontade de voltar à agricultura. nada pegava, eu tive praga de lesma que quase aca-
A criação do assentamento Casas Altas, em 1993, foi bou com a plantação, também dava muito besouro,
a oportunidade que Erenildo encontrou para voltar a era tudo bem difícil”, relembra.

[84 incra.gov.br
Sistemas
agroflorestais
A saída encontrada por Erenildo diante das adversida-
des foi abrir as portas de seu sítio para a universidade.
Próximo ao assentamento funciona o campus da Uni-
versidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e a
sede da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária
– Agrobiologia (Embrapa Agrobiologia). Foi a partir do
contato com o Grupo de Agricultura Ecológica (GAE)
da Universidade Federal do Rio de Janeiro - realiza-
dor de atividades de ensino, pesquisa e extensão na
temática agroecológica - que o assentado iniciou as
experiências agroflorestais em seu sítio.
Ele fez diversos cursos n a universidade e, com pes-
quisadores da Embrapa, iniciou o plantio de frutas,
Garantia (SPG), pelo qual os componentes da rede de
madeira de lei, lavoura branca (milho, arroz e feijão)
produção orgânica realizam visitas nas propriedades
e olericultura (folhosas, raízes, bulbos, tubérculos e
para avaliar se os produtores cumprem de fato as
frutos diversos). Com a adubação verde oriunda de
exigências da produção orgânica. “Essa é a garantia
podas e quedas de folhas das árvores, percebeu a
de que levamos para a feira produtos comprovada-
melhora do solo e passou a usar esse sistema como
men te sem agrotóxicos”, afirma Erenildo.
trunfo para recuperar a fertilidade de suas terras.
O assentado participa todo sábado da Feira Orgânica
“Eu cultivo aqui a gliricídia, que fixa o oxigênio na
da Glória. “O alimento orgânico está tendo uma boa
terra, planto minhas mudas no solo, e não na estufa,
saída. Ele não precisa ser bonito, pois a sua maior pro-
e não roço e nem capino para fazer o plantio”, expli-
paganda é ser saudável”, comenta. Para aqueles que
ca Erenildo, que afirma ter também utilizado a cria-
reclamam do preço mais alto dos produtos orgânicos,
ção de minhocas para melhorar o solo.
ele justifica: “a perda do produtor é muito grande com
A partir do contato com a equipe da UFRRJ, o assen-
o orgânico. A gente planta 100%, mas colhe em torno
tado se aproximou da Associação dos Agricultores
de 30%, por isso o preço sobe”, explica.
Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (Abio), uma
organização sem fins lucrativos que coordena o Cir-
cuito Carioca de Feiras Orgânicas em parceria com Serviço
a Secretaria Especial de Desen volvimento Econômico Associação dos Agricultores Biológicos do Estado
Solidário da prefeitura do Rio de Janeiro. do Rio de Janeiro (Abio)
Rua Dr. Júlio Otoni, 3 57/01
Santa Teresa - Rio de Janeiro - RJ
Certificação Telefones: (21) 3495-2898 - de segunda à sexta,
O sítio de Erenildo recebeu o Certificado de Conformi- das 9h às 13h (exceto às quintas-feiras)
dade Orgânica, emitido pelo Organismo Participativo Endereço eletrônico: abio@abio.org.br
de Avaliação da Conformidade (Opac), credenciado
pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abaste- Feira Orgânica da Glória
Todo sábado, das 7h às 13h, na rua do Russel, em
cimento (Mapa) e responsável legal pelo processo
frente ao número 300, ao lado da estátua de São
perante os órgãos oficiais e a sociedade. O agricultor
Sebastião e do Memorial Getúlio Vargas.
também se in corporou ao Sistema Participativo de

terra da gente 85]


RIO GRANDE DO SUL
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 343
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 12.571
ÁREA EM HECTARES: 293.090,26

TE R R A D A GE N TE
[ RIO GRANDE DO SUL ]

Aprendendo
com a natureza
Hortigranjeiros de qualidade
produzidos no assentamento
Integração Gaúcha conquistam
frequentadores de feira
em Porto Alegre

Reportagem e fotos: Keila Reis

[88 incra.gov.br
Banca do grupo na
Feira Agroecológica da
Redenção: qualidade
e variedade fidelizam
o público consumidor.

Produzir alimentos saudáveis, livres de agrotóxicos


e em sintonia com a natureza é o objetivo de um
grupo de assentados de Eldorado do Sul, na região
metropolitana de Porto Alegre (RS). Há 22 anos eles
se dedicam à horticultura totalmente orgânica e es-
tão entre os pioneiros deste segmento na tradicional
Feira Agroecológica da Redenção, realizada semanal-
men te em um dos parques mais famosos da capital
gaúcha.
O grupo é formado por oito famílias do assentamen-
to estadual Integração Gaúcha, que cultivam juntas
cerca de quatro hectares de hortas. Elas produzem 42
espécies de verduras, temperos e h ortaliças, desde
alface dos tipos comuns a outras mais finas – como a
frisée (parecida com a escarola, mas com folhas mais
crespas e crocantes) ou a italiana (a primeira muda
foi trazida da Itália) – e raízes e plantas aromáticas
não convencionais, utilizadas na culinária oriental,
tailandesa e indiana, como o manjericão roxo, a ber-
talha e o sichô.

terra da gente 89]


[ RIO GRANDE DO SUL ]

Os assentados também preservam culturas tradicio- Segun do e la, o re sgate das espécies con tribui para
nais que desapareceram do mercado. A azedinha (da o equilíbrio ambiental. “Trabalhamos com respeito
família das folhosas) é uma das mais procuradas na à natureza, interferimos o me nos possível na vida
Feira da Redenção, assim como o alho nirá, ambos do meio ambiente. Por isso, produzimos de acor-
produzidos somente pelo grupo. “A gente trouxe as do com a época de cada produto. O tomate, por
primeiras mudas da casa da minh a mãe, que, por exemp lo, é d e verão, não adianta forçar para ter no
sua vez, trouxe da casa da mãe dela. Iniciamos o cul- inverno, p orque a natureza nos d á no verão devi-
tivo ainda no acampamento e mantivemos até hoje do às propriedades que precisamos ne ste período ”,
porque quase nem existe mais”, conta Marines Riva. explica Marines.

Famílias do
assentamento e a
produção orgânica:
renda e saúde.

Opção de vida é cuidadosamente natural desde o preparo da terra,


passando pelo plantio, a colheita e a comercialização.
Junto com o marido, José Mariano Matias, Marines
lembra que iniciaram a horta para o autossusten- O trabalh o é inteiramente braçal, de “domingo a do-

to logo que chegaram ao assentamento. Após dois mingo”, e envolve, além das oito famílias assenta-

anos, receberam assistência de uma organização não das, outros dois diaristas, conforme a necessidade.

governamental e intensificaram a produção, sempre O cuidado é tanto que os maços de temperos são

orgânica. amarrados com cordão de algodão, evitando o uso


No início, a opção pela agroecologia também foi feita de materiais sintéticos ou plásticos para não conta-
em função da redução de custos com adubação (uti- minar as folhas. As sementes e as mudas também
lizavam restos de alimentos, plantas, entre outros) e são produzidas pelos próprios assentados, com o de-
maquinário. Agora, Matias afirma que todo o processo vido tratamento ecológico.

[90 incra.gov.br
“A gente aprende com a natureza, vai observando possuem consumidores fiéis, que chegam antes da
e tem prazer no que faz. Optamos pela agroecolo- abertura da feira, por volta das 7h. “ Temos clientes
gia porque nós vamos ter saúde, a natureza fica em antigos, principalmente os orientais ou donos de res-
equilíbrio e os nossos consumidores ganham saúde taurantes vegetarianos. Eles nos procuram porque sa-
também. Nosso remédio é o que a gente come”, bem que a gente tem o produto e é de qualidade.
destaca Marines. Até mesmo nos fazem pedidos específicos de iguarias
que a gente procura e tenta cultivar”, conta o assentado.
Cada família recebe entre R$ 2 mil a R$ 5 mil, já
Mercado garantido descontados os custos com diaristas, frete e manu-
Os assentados produzem em torno de 300 caixas por tenção. O grupo abastece, ainda, dois mercados da
semana de h ortigranjeiros. Além da Redenção, eles região e entrega couve, alface, temperos, beterraba
comercializam os produtos também no bairro Meni- e espinafre para o Programa Nacional de Alimenta-
no Deus, em Porto Alegre, em feira que ocorre às ção Escolar (Pnae) e o excedente da produção para o
quartas-feiras e aos sábados. Programa de Aquisição de Alimentos (P AA).
“Começamos aos poucos, a cada 15 dias na Reden- Também fazem parte, junto com outras nove famí-
ção. Vendíamos na calçada, na saída da missa”, re- lias, da Cooperativa de Produtos Orgânicos Pão da
corda Matias. Hoje, com uma estrutura própria, eles Terra, que produz panifícios integrais e orgânicos.

Quatro hectares de
O assentamento horta são cultivados
O assentamento Integração Gaúcha – localizado pelas famílias no
a 53 Km de Porto Alegre – foi criado pelo governo Integração Gaúcha.
estadual em 1992 e, seis anos depois, reconhecido
pelo Incra, passando a integrar as políticas nacionais
de reforma agrária.
Uma delas é a assistência técnica, social e ambiental
às famílias, prestada há cinco an os por equipes con-
tratadas pelo Incra/RS. O investimento total chega a
aproximadamente R$ 250 mil. Atualmen te, o acom-
panhamento é feito pela Cooperativa de Prestação
de Serviços Técnicos (Coptec), que também cuida da
certificação orgânica dos produtos. Conforme o técni-
co Artêmio Marques, as hortas são certificadas pelo
Organismo de Controle Social da Cooperativa Central
de Assentamentos (OCS-Coceargs).
A fim de incentivar a participação feminin a, o
Incra/RS também liberou, entre 2013 e início de
2014, R$ 117 mil para 39 mulh eres assentadas que
desen volvem projetos coletivos de panificação, hor-
ticultura e produção animal. tamanho médio de 17 hectares cada. Além da horti-
Com capacidade para 74 famílias, a área total do as- cultura, também há produção de arroz irrigado (maior
sentamento é de 1.256 hectares. Os lotes possuem parte agroecológico) e pomares para autoconsumo.

terra da gente 91]


RONDÔNIA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 217
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 38.773
ÁREA EM HECTARES: 6.183.754,72

TE R R A D A GE N TE
[ RONDÔNIA ]

Cada um com
sua receita
A alimentação da família e a comercialização dos
produtos são os dois pilares do trabalho agroeco-
lógico em hortas e pomares iniciado em 2013 pelo
programa de Assistência Técnica do Incra (Ater).
O trabalho começou com a adoção da adubação e
fun gicidas n aturais pelos agricultores dos assenta-
men tos Flor do Amazonas I, II III e IV e Paraíso das
Acácias, no município de Candeias do Jamari (RO),
distante 24 Km da capital do estado.

[94 incra.gov.br
Hortas e pomares em Rondônia
utilizam adubação e fungicidas
agroecológicos e a capacitação dos
assentados incluirá até orientação
postural com fisioterapeutas

Reportagem e fotos: Jeanne Margaretha Machado

terra da gente 95]


[ RONDÔNIA ]

“Trabalhamos com horta doméstica com 74 famílias incluindo jiló, quiabo, maxixe, pepino e outros ali-
e horta comercial com 12. Iniciamos com os cursos mentos”, disse Edvanete. A ampliação, segundo ela,
ensinando as técnicas agroecológicas na preparação depende de investimentos, especialmente para cons-
da terra e agora estamos na etapa de orientações in- trução de poço artesiano e aquisição de maquinários.
dividuais”, explica o agrônomo Francis Raphael Bar- O casal teve problemas com ataque de pulgões na
bosa de Oliveira Cidade, que ministrou os cursos de plantação de couve e a alternativa discutida com o
Composto Laminar e Compostagem. agrônomo foi utilizar calda de cebola e alho, já que
Após a realização dos cursos, algumas famílias ime- o cheiro forte repele a praga. A alta umidade e o
diatamente iniciaram o cultivo com as novas técnicas calor da região favorecem o ataque de determinados
e já comercializam os produtos. O casal de assenta- insetos e fungos.
dos Edvanete Moreira da Silva Cruz e Cléberson do “Não existe uma fórmula pronta na agroecologia.
Império Rodrigues, que está plantando cebolinha, Cada um tem a sua receita, então, vamos testando e
couve e coentro, é um exemplo. aproveitando o conhecimento individual. A troca de
“Hoje temos uma renda média mensal de R$ 1 mil informações é fundamental para o sucesso”, explica
com nossa horta e queremos ampliar o plantio o agrônomo.

Agrônomo Francis
Ra phael (foto acima)
Fungicida natural e aplicação de calda bo rd olesa, u m fungicida na-

O agricultor Sebastião F élix dos Santos p ossui um tural, nos locais do corte para evitar a e ntrad a do
Cidade ensina como
utilizar fungicida pomar com cerca de 80 0 pés de laran ja, limão e me- fungo .
natural na horta. “É bom trabalhar assim, mas é muito difícil tam-
xerica, recen teme nte atacado também p or pu lgões
e fumag ina, uma d oença provenien te d e fun gos. bém”, afirma o agricultor ao relembrar as diversas
O trab alho realizad o em con junto com o agrôn o- tentativas feitas para conter naturalmente as pragas.
mo envolveu u ma po da oste nsiva p ara arejar os Seu projeto agora é montar uma agroindústria agro-
pés, já que a praga g osta de ambientes abafados, ecológica para produção de polpa de frutas.

[96 incra.gov.br
Como as vantagens da agroecologia são inúmeras,
Fisioterapia
passando pelo respeito a todos os seres, ao solo e sua O agrônomo Francis Raphael conta que já registrou vá-
recuperação, prevenção de doenças nos agricultores e rios casos de agricultores que trabalhava com horta e
consumidores, não agressão à natureza, baixo custo e pararam a produção por problemas na coluna vertebral
trabalho coletivo, o esforço do grupo continua e diver- e joelhos. Por isso, ele pretende agregar profissionais
sas famílias permanecem utilizando as técnicas apren- de Fisioterapia às oficinas de agroecologia para orientar
didas nos cursos. sobre a postura correta durante o manejo com a terra.

Do acampamento ao assentamento
com produção agroecológica

Shirley Francisco de Paula está no assentamento


Flor do Amazonas II há nove anos, desde a época
em que a área ainda era um acampamento de tra-
balhadores rurais na então fazenda Urupá.
Retomada pelo Incra, a fazenda foi transformada
em 2008 nos assentamentos Flor do Amazonas I a
IV, com 375 famílias.
Com o marido, Amarildo Salvador Alves, e o auxí-
lio da assistência técnica, a agricultora cultivou sua
horta agroecológica em 2013. Plantaram cebolinha,
chicória, coentro, jambu e pepino, chegando a ob-
ter uma renda de R$ 800,00 por semana.
“Usamos cama de frango, esterco do curral e o mato
cortado na adubação. Chegamos a ter oito canteiros
de cebolinha com 70 metros cada”, conta Shirley.
Na ún ica vez que ela foi testar adubo químico, en-
frentou problemas. “Matei canteiros de chicória e
coentro porque o produto natural usamos à vonta-
de, já o químico é muito forte”, disse.
Shirley faz um balanço da sua trajetória n as ter-
ras da antiga fazenda, local de grandes conflitos, muito boa que o Incra fez para nós. Hoje, com meus Assistência Técnica
e produção agroecológica
como in cêndios crimin osos em 2007, até o resul- dois filhos, posso comer bem, comprar uma televisão,
deram estabilidade
tado de sua produção agroecológica. “Estou aqui uma máquina de lavar roupa, minha casa está arru- à Shirley para viver
desde 2005 e nunca tive uma vida tão estabilizada mada e vivo bem. Muitos pais de família foram embo- no assentamento.
como tenho agora. Nosso assentamento começou ra e moram mal nas periferias urbanas. Eles podiam
a andar com a assistência técnica. Foi uma coisa estar aqui produzindo seu próprio alimento”.

terra da gente 97]


RORAIMA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 67
FAMÍLIAS ASSENTADAS:16.537
ÁREA EM HECTARES:1.445.926,55

TE R R A D A GE N TE
[ RORAIMA ]

Em Roraima, assentados fazem


curso de tecnólogo para produzir
com sustentabilidade, sem o uso de
agrotóxicos

Produção aliada
à sustentabilidade Reportagem e fotos: Loide Gomes

[100 incra.gov.br
Expedito Carlos da Silva
caminha pela horta
e lavoura de feijão
cultivados sem o uso
de agrotóxicos.

O agricultor Francisco das Chagas Batista, mais conhe-


cido por Martinho da Vila, se enche de orgulho quando
troca a lida no campo por uma imersão de vinte dias
de estudos em tempo integral na Escola Agrotécnica
da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Ele é um
dos 52 alunos que estão no curso de tecnólogo em
agroecologia oferecido pelo Incra em Roraima, por
meio do Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária (Pronera).

terra da gente 101]


[ RORAIMA ]

Graças aos ensinamentos obtidos em sala de aula, a assentamento Nova Amazônia, na zona rural de Boa
produção no seu lote agora é sustentável. “Antes, ate- Vista. Ele vive no lote dos tios que o adotaram com
ava fogo para limpar o terreno e plantar. Hoje, junto mais dois irmãos que se formaram técnicos em agro-
tudo e faço adubo orgânico”, narra. A mudança trou- pecuária n a mesma unidade de ensino.
xe ganhos para a saúde da família, reduziu custos e A família cria aves e produz hortaliças, tu do sem
melhorou a produtividade. “Crio frango de corte e a o uso d e agrotóxicos ou adu bos químicos. Bem es-
perda era de 50%. Agora, com o manejo adequado, truturado, o lote tem e nergia elé trica, poço artesia-
caiu para 10%”, comemora. no, sistema de irrigação e abatedouro. “Mas faltam
Mais velho da turma, Francisco das Chagas, 64, é o lí- recursos para custeio e investimentos”, comenta o
der do grupo e se contagia com o entusiasmo dos mais pai, Clério Andrade Laus, 40, que tem um galpão
jovens. Kléber Araújo Santos de Sousa, 22 anos, sonha vazio pronto para criar mil p in tos em sistema de
com um mestrado em agroecologia. “Não fosse esse confin amento.
curso do Incra, jamais teria condições de ingressar no Toda semana eles montam barracas em duas feiras
ensino superior ou sonhar com o mestrado. Quero me de Boa Vista para comercializar a produção direta-
especializar e trabalhar aqui. Meu objetivo é mudar men te aos consumidores. Aos sábados, levam cheiro
a mentalidade das pessoas para uma produção mais verde, couve, rúcula, quiabo, pimenta e frango para
barata e saudável, sem o uso de agrotóxicos”, diz. a feira agroecológica montada pelo Sebrae, no bairro
Kléber mora a 1 Km da Escola Agrotécnica - que fica Caranã. O excedente é vendido aos domingos no Ga-
no campus Murupu da UFRR, encravado no meio do rimpeiro, a maior feira livre do estado.

(UFPB), Jandiê Araújo da Silva. “A UFRR quer colocá-lo


na grade regular da Escola Agrotécnica”, revela.
Todos os alunos são assentados. A metodologia de
ensino é dividida pelo tempo-escola (de vinte dias
de aulas em tempo integral, inclusive aos sábados)
- e pelo tempo-comunidade (quando os agricultores
voltam para seus lotes para trabalhar durante trinta
dias). Neste período, devem fazer relatórios sobre a
produção e recebem a visita de professores.
No tempo-escola, recebem hospedagem e alimen-
tação gratuitas. Também têm acesso a biblioteca, la-
boratórios e internet. O convênio com a Universidade
Federal de Roraima cobre todos os custos dos alunos.
“Sem esse apoio, os assentados não têm condições
de dar continuidade à educação formal”, explica a co-
Professor Jandiê
Araújo, coordenador
Curso deve entrar ordenadora do Pronera em Roraima, Derocilde Pinto.
do curso: “assentados
querem o diploma de
para a grade da UFRR A grade curricular é ampla para abranger ao máximo

nível superior”. o potencial dos assentados. Há desde disciplinas bá-


O curso de tecnólogo em agroecologia já é uma expe- sicas, como olericultura, mecanização agrícola, irriga-
riência exitosa, embora ainda esteja na metade das ção e drenagem, manejo de pastagem, até as mais
aulas, segundo seu coordenador, o professor doutor complexas, como sanidade animal, melhoramento
em Agronomia pela Universidade Federal da Paraíba genético e economia solidária.

[102 incra.gov.br
A maioria já produz dentro da técnica agroecológi- média das universidades. “A evasão não chega a 5%.
ca e o resultado é a melhoria da qualidade de vida Eles querem obter o diploma de nível superior”, ob-
dos assentados e de seus familiares, além da oferta serva Jandiê.
de produtos mais saudáveis para os consumidores. O Pronera tem a missão de ampliar os níveis de esco-
“Esses lotes servem de espelho para a comunidade, larização formal dos trabalhadores rurais assentados.
que passa a assimilar os conceitos da agroecologia”, Em Roraima, 9.497 assentados já foram beneficia-
constata o professor, que visitou os lotes de todos dos, investimento que ultrapassa R$ 1 9,7 milhões.
os alunos. Atualmen te, 1.785 alunos estão matriculados em
A busca dos assentados pelo con hecimento e o com- cursos de alfabetização, ensino fundamental, médio,
prometimento com o curso também estão acima da superior e na especialização em Residência Agrária.

Os produtos com selo


agroecológico atraem
consumidores que
buscam um estilo de
vida mais saudável.

Produtos com selo agroecológico


são vendidos em feira
Produzir durante a semana e trabalhar em feiras aos produz mais p or falta de mercado.
sábados e domingos é a rotina de muitos agriculto- Rosilene Santos de Sousa e a nora, Carolina Oliveira,
res do assentamento Nova Amazônia, localizado na produzem e comercializam maxixe, quiabo, limão,
zona rural de Boa Vista. Hortaliças, legumes, frutas e feijão, rúcula, cebolin ha, coentro e couve. Depois que
pequenos animais são os principais produtos levados deixou de usar agrotóxico na plantação, diz que nun-
à mesa do roraimense. ca mais gripou. “ Minha saúde melhorou”, constata.
O cearense Exp edito Carlos da Silva (foto página Estes agricultores fazem parte do programa Produção
101) planta feijão, cebola, cebolinha, coentro, ma- Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais), desen -
caxeira e couve no lote de 11 h ectares da vicinal volvido pelo Sebrae em parceria com a Fundação
2. Ele fatura, em média, R$ 2 mil por mês e só não Banco do Brasil.

terra da gente 103]


SANTA CATARINA
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 160
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 5.097
ÁREA EM HECTARES: 104.426.59

TE R R A D A GE N TE
[ SANTA CATARINA ]

No meio-oeste catarinense,
agricultores e consumidores se unem
em busca de uma alimentação livre
de agrotóxicos

Reportagem e Fotos: Vanessa Ibrahim

Aliança pela saúde

[106 incra.gov.br
“Meu pai tinha muita ânsia, então era eu
quem passava o veneno no fumo. Ficava
com a respiração ofegante e dor de cabeça.
Era um trabalho que tomava todo o tempo e
tínhamos que comprar do vizinho o feijão para
comer. Vinha carregado de veneno. Foi aí que
passamos para o orgânico, para cuidar do que
comemos e do que os outros comem”.
O relato é de Fabio Chagas, filho de assenta-
dos do projeto Dandara, localizado em Frai-
burgo, no meio-oeste catarinense.

“Acho que grande parte das


doenças de hoje vem do veneno,
dos antibióticos e dos hormônios
usados no campo. Não quero mais
isso para minha família nem pra
ninguém”, diz Vitelsso Carlesso,
do assentamento Faxinal dos
Domingues I “ (foto ao lado).

terra da gente 107]


[ SANTA CATARINA ]

Como muitas famílias do estado, a dele também ti- para a agroecologia e agora repassa sua experiência
nha a renda baseada no cultivo do fumo, que além como técnico da Assistência Técnica e Extensão Rural
de requerer a utilização de agrotóxico em larga escala, (Ater). Sentado à mesa com os colegas de sua geração
é base para a fabricação de cigarros responsáveis por na sede da Cooperativa de Assentados da Região do
muitos tipos de câncer. Chagas acompanhou a trans- Contestado (Coopercontestado), ele conversa sobre a
formação do lote para a lavoura orgânica de hortaliças venda do feijão orgânico cultivado nos assentamentos
e criação de gado de leite, que hoje rendem cerca de e comercializado ali. Todos são unânimes na crença de
R$ 5 mil por mês. Teve formação educacional voltada que o caminho agroecológico é o futuro.

Ariel Stefaniak, Ariel consumidores, que acabaram criando vín culo com os
Bonadiman, Fabio Alípio
Entrega em domicílio
E o futuro já está sendo plantado em Fraiburgo. produtores”, conta Alípio.
e Fabio Chagas: nova
geração acredita na Do lote de Fabio Chagas, do vizinho Fabio Alípio e de O projeto nasceu no curso de especialização do téc-
dissemina ção nico de Ater e também filho de assentados Ariel
mais duas famílias saem hortaliças orgânicas certifi-
dos orgânicos.
cadas que abastecem escolas e órgãos públicos pelos Bonadiman. “Pesquisei a demanda na cidade e ide-

programas de Aquisição de Alimentos (PAA) e de Ali- alizei o projeto que, por não ter intermediários, ga-
men tação Escolar (Pnae). Desde o segundo semestre rante o mesmo preço do produto convencional para
de 2013, a produção das famílias chega diretamente quem compra e mais lucro para quem vende”, conta.
a várias casas da cidade em cestas orgânicas. “Entre- “Recebo o produtor em casa, tiro as dúvidas e até
gamos toda sexta-feira vin te cestas diretamente aos já troquei receita quando veio uma verdura que eu

[108 incra.gov.br
nunca tinha comido. Assim eu confio que o produto é

orgânico mesmo, acredito mais nele do que no super-

mercado”, afirma Daniel Steinhauser, um dos clientes


O cabeleireiro Daniel
do grupo. Daniel ainda cita como vantagem a durabili- Steinhauser a posta nos
dade dos alimentos que, por serem orgânicos e colhi- orgânicos para cuidar
da saúde e evitar o
dos na véspera da entrega, demoram mais a estragar. desperdício em casa.

Feijão preto orgânico


Origem nos grãos é comercializado com
A agroecologia nos assentamentos de Fraiburgo e a marca que reúne
região teve início com o cultivo de feijão. Famílias produtos da reforma
agrária catarinense e
que plantavam o grão convencional migraram para
selo da Rede Ecovida
o agroecológico e hoje fazem o cultivo associado a de agroecologia.
outras culturas e às criações, mantendo todo o lote
orgânico. A certificação é feita de forma participativa.
Agricultores, técn icos e consumidores se reúnem no
núcleo denominado Alto Vale do Rio do Peixe, que
tem 35 produtores certificados divididos em seis
grupos. “Em comissões de ética, os próprios grupos
verificam se as regras da agroecologia estão sendo
cumpridas e eles também recebem visitas da Rede a umidade dos grãos, dado polimento, separados
Ecovida e do Ministério da Agricultura, Pecuária e os subtipos, feita a embalagem e encaminhada a
Abastecimento (Mapa)”, explica Ariel Stefaniak, téc- distribuição . Na média, são comercializadas 50 tone-
nico de Ater. ladas de feijão orgânico por safra. O preço varia com
As sacas de feijão saem dos assentamentos certifi- o mercado e é calculado em 30% a mais sobre o
cadas e chegam à agroindústria da Coopercontesta- valor da saca convencional. Em 2014, cada saca de
do, que também passa por certificação. Lá é retirada 60 kg rendeu de R$ 170,00 a R$ 210 ao produtor.

Sabedoria antiquímica Trabalhando com agrotóxico perto de casa, veio o

“O agrotóxico abala até os nervos”, diz Vitelsso Antônio “estalo” de que algo precisava mudar. A família cul-

Carlesso (foto página 107) buscando expressar toda a tivava pêssego e a orientação na época era ter as

rejeição que atualmente nutre pelos químicos. Assen- árvores perto de casa para colher mais fácil e passar

tado no projeto Faxinal dos Domingues I desde 1990, agrotóxico em tudo. “A gente se cobria para passar o
há dez anos começou a converter a produção para a veneno com a máquina costal, depois tirava e ficava
agroecologia. Iniciou com o feijão, veio o caqui e agora conversando ali, na varanda, como se ele não ficasse
o projeto é certificar o leite e vender como orgânico. no ar, não estivesse em tudo o que a gente tocava”,
A consciência foi crescendo na conversa com os téc- conta Carlesso. Desde então, ele eliminou os agrotóxi-
nicos, na observação das doenças que surgiam e cos, parou de ser vítima em sua própria terra e passou
nas sensações que o veneno trazia ao próprio corpo. a ser sujeito de sua transformação orgânica.

terra da gente 109]


[ SANTA CATARINA ]

Antenor, Luciane, Luana e Rafael


Ehrenbrink: família aposta no
modelo de cultivo que garante Contra a força da soja e a
saúde ao produtor contaminação dos agrotóxicos,
e ao consumidor.
família ergueu seu pequeno universo
agroecológico e produtivo

Reportagem e fotos: Vanessa Ibrahim

Resistir
é orgânico
Erguendo barreiras de árvores contra os ventos que
trazem agrotóxicos e cavando valetas para desviar a
chuva venenosa que escorre da lavoura vizinh a, en-
contram-se os catarinenses Ehrenbrink. Há oito anos,
a família deixou um barraco de lona para se tornar
beneficiária da reforma agrária no assentamento Pá-
tria Livre, em Correia Pinto/SC, e encarou o desafio
da agroecologia. E assim, do lote foi brotando milho,
feijão, batata, moranga, cebola, alface, melancia e
ainda h ouve espaço para a criação de galin ha, porco
e gado.

“Se fosse no convencional, não íamos fazer


tudo o que estamos fazendo”, comemora
Antenor Aloísio Ehrenbrink.

[110 incra.gov.br
terra da gente 111]
[ SANTA CATARINA ]

Para subsistência e comercialização, tudo é cultiva- dos Santos, técnico da assistência técnica contratada
do sem adubos químicos, agrotóxicos e hormônios. pelo Incra para atender o assentamento.
Uma diversidade que garante o sucesso do empreen- Segundo Santos, a opção pelo modo de produção
dimento familiar e a certeza de que a opção pelo culti- orgânico requer paciência no início, em que o solo
vo agroecológico não só é possível como vale a pena. ainda está tóxico devido à adubação química, e pode
“Cultivar orgânicos é mais trabalhoso, mas dá mais di- levar de dois a quatro anos para render bem com
nheiro, além de fazer bem para todo mundo. Hoje, se o adubo orgânico. Entretanto, após esse período, a
fosse no convencional, não íamos fazer tudo o que es- economia com agroquímicos e o maior preço alcan-
tamos fazendo”, comemora Antenor Aloisio Ehrenbrink. çado pelo produto compensam.
“Esse agricultor sempre buscou o cultivo orgânico Ainda que a produtividade seja menor, as 18 tonela-
por pensar que o alimento com agrotóxico que não das de cebola colhidas pelos Ehrenbrink nesse ano, por
Cercar o lote deseja para sua família não deveria também chegar exemplo, se aproximam das 21,6 toneladas por hecta-
das ameaças de
a uma criança, a outra família. Por isso enfrentou re, que é a média estadual para o cultivo convencional
contaminação
é preocupação
as dificuldades do começo, insistiu e hoje tem um de cebola, segundo a Empresa de Pesquisa Agropecuá-
da família. bom mercado de venda”, conta Everson Rodrigues ria e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri).

[112 incra.gov.br
Crédito e
associativismo
impulsionam
produção
Para garantir uma boa comercialização, os Ehren-
brink certificam anualmente a produção e associa-
ram-se a outros produtores agroecológicos da região.
Juntos, enviam a produção para uma grande rede de
supermercados com sede em São Paulo e também
ven dem para marcas regionais e para o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA). “Vender junto ajuda
bastante, mas ainda não temos marca própria, a in-
tenção é lutar para isso”, planeja Antenor Ehrenbrink.
Outro suporte importan te são os créditos. “Tivemos
créditos do Incra na instalação do assentamento e
recentemente pegamos R$ 20 mil pelo Pronaf A”,
revela a esposa de Antenor, Luciane. O recurso via-
bilizou o investimento em adubo, maquinário e cal-
cário. E os projetos n ão acabam. “ Agora eu quero
fazer dois açudes para criar peixes”, conta o patriarca
dos Ehrenbrink, já mostrando o local reservado para
a atividade.
“Nosso trabalho é de formiguinha”, resume Luciane,
ao explicar o esforço que fazem durante todo um
ano para garantir somente uma ou duas colheitas,
como é o caso do feijão, da cebola e da moranga.
Pequenas como formigas, também são as propor-
ções de suas terras e poderia ser a força da família
perante a grandeza das fazendas de soja dos arredo- carregando muito mais do que o seu peso para er-
res e o peso econômico dos agrotóxicos usados na guer mon umentais formigueiros, sabe o quão surpre-
vizinhança. Mas quem já foi criança e leu fábulas ou endente é a capacidade de uma formiga. E essa é a
se pegou admirado com um desses singelos insetos moral de toda a história do Ehrenbrink.

Números Identificação
3,5 toneladas
Em 2014, a família colheu do Assentamento
de melancia, 18
toneladas de cebola O assentamento Pátria Livre está localizado a 8 Km
e 20 toneladas de moranga . do centro urbano de Correia Pinto, às margens da
Somente com a cebola, que tem melhor preço e rodovia BR-116, em Santa Catarina. Contatos com
mercado, o ganho foi de mais de R$ 30 mil. a família Ehrebrink podem ser feitos pelo telefone:
(49) 8857-9277.

terra da gente 113]


SÃO PAULO
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 267
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 16.999
ÁREA EM HECTARES: 337.969,68

TE R R A D A GE N TE
[ SÃO PAULO ]

[116 incra.gov.br
Assentamento localizado no Vale
do Ribeira, em São Paulo, tem toda
a sua produção agroecológica em
meio à Mata Atlântica

Reportagem e fotos: Marina Koçouski

Agroecologia
a 100%

A caminho de Apiaí, na região do Vale do Ribeira


(SP), pode-se observar a beleza da Mata Atlântica
– um dos biomas mais ricos em biodiversidade do
mun do, sendo cortada pela SP-250, rodovia que liga
os municípios de Capão Bonito a Apiaí. Dos dois lados
da rodovia, por volta do Km 310, avistam-se estra-
dinhas de acesso às chamadas “ilhas”, áreas verdes
isoladas entre si – ao todo doze – que compõem o
Projeto de Assentamento Sustentável (PDS) Profes-
sor Luiz Antonio David de Macedo.

terra da gente 117]


[ SÃO PAULO ]

Em virtude de sua localização contígua a remanes- em qualidade de vida: “Plantei tomate convencional
centes de Mata Atlântica, o assentamento foi conce- quase a minha vida toda. Resolvi mudar porque es-
bido no modelo de PDS. Criado em 2006, o assenta- tava estragando minha saúde. Aqui no assentamen to
men to tem capacidade para 80 famílias, mas apenas aposto na diversidade de cultivos, inclusive de toma-
13% de sua área de 7.626 hectares é agricultável, te orgânico durante o verão”, diz ele, que também
descontando-se matas, nascentes e Áreas de Pre- planta arroz, pimenta cambuci, mandioca e inhame.
servação Permanente (APPs). Assim, desde o início, Outra vantagem da produção agroecológica, confor-
seu principal diferencial foi a adoção de cultivo 100% me destaca a assentada Vanda Monteiro Prado, pro-
agroecológicos por parte dos assentados. dutora de melancia e mel, é o sabor e a textura di-
A adesão dos assentados à agroecologia não foi difí- ferenciada dos alimentos, além de sua durabilidade .
cil, já que são frequentes os relatos de intoxicação e “Os produtos agroecológicos conservam-se por mais
de surgimento de doenças graves em agricultores de tempo em relação aos convencionais. A abóbora co -
Apiaí e municípios vizinhos, região conhecida como lhida chega a durar seis meses. Temos menos perda
“terras do tomate”, onde é predo minante o cultivo de produtos destinados à venda, além de fornecer-
convencional – monocultura e uso extensivo de agro- mos alimentos totalmente saudáveis para o consu-
tóxicos. Para Jessé Jacob Gonçalves, a transferência midor”, afirma.
para o plantio agroecológico representou um salto A diversidade produtiva é uma característica em todo

[118 incra.gov.br
o assentamento, mas o maior desafio ainda é agre- produção dos assentados como orgânica.
gar valor ao produto orgânico. Essa é a avaliação de A certificação garante aos assentados comercializar
agricultores assentados como Valdir Souza de Oliveira, seus produtos com a tarja orgânico, mas apenas por
que planta hortaliças, tubérculos e frutas, e Luiz Apa- meio de feiras livres, na venda direta ao consumi-
recido Aguiar, que trabalha com hortaliças e legumes. dor, ou ainda em programas do Governo Federal,
Um passo nesse sentido foi dado, há dois anos, quan- como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA),
do a Associação de Produtores Agroecológicos da Mata que paga um preço 30% superior para orgânicos se
Atlântica do Vale do Ribeira (Ecoovalle), que represen- comparado aos produtos convencionais. Apenas a
ta os assentados, obteve a certificação Organização conquista do Selo Orgânico possibilita a venda a mer-
de Controle Social (OCS), do Ministério da Agricultura, cados varejistas e via internet, o que ainda é uma
Pecuária e Abastecimento (Mapa), caracterizando a meta a ser alcançada pelos assentados.

A caminho do Selo (SPG), no qual grupos formados por produtores, téc-


nicos e pesquisadores se autocertificam. “Para isso,
Orgânico precisamos contratar um técnico agrícola. Além de
De olho no mercado varejista de produtos orgânicos, certificarmos nossos próprios produtos, poderemos
o diretor da Ecoovalle, que representa os assentados certificar outros produtores da região”, argumenta. Se-
do PDS Luiz e Osvaldo Calodiano Leite, acredita que no gundo ele, a obtenção do Selo terá um custo mínimo
prazo de um ano a associação obterá o Selo Orgânico. ao produtor, em torno de R$ 50,00 a R$ 80,00 por ano.
De acordo com o diretor, a associação já passou por “Se conseguirmos o Selo Orgânico, vamos poder vender
oficinas de orientação do Mapa. O objetivo da Ecooval- para diversos mercados varejistas, incluindo os dos mu-
le é fazer parte do Sistema Participativo de Garantia nicípios de Curitiba, Itapeva e São Paulo”, conclui.

terra da gente 119]


[ SÃO PAULO ]

Produção orgânica de tomate do


assentamento custa 80% menos do que
a convencional, aponta pesquisa de mestrado
No P DS Luiz David de Macedo, a preservação da apontam o aumento no surgimento da incidência de
Mata Atlântica forma uma barreira natural contra pragas no cultivo conven cional de tomates. Esse fa -
a incidência de pragas no cultivo de tomates or- tor tem obrigado os produtores a investirem, cada
gânicos e reduz os custos de sua produção em até vez mais, recursos financeiros e humanos para man-
84%, se comparados aos de lavouras convencionais. ter sua produtividade.
É o que afirma a pesquisa de mestrado do engenheiro Segundo Tomas, no município de Apiaí, um dos prin-
agrônomo Fábio Leonardo Tomas, defendida na Escola cipais centros de produção de tomate de mesa do
Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Uni- estado, a lavoura é submetida em média a 36 pul-
versidade de São Paulo (USP). verizações de produtos químicos em conjunto por ci-
A pesquisa “A influência da biodiversidade florestal clo, o que torna o cultivo do tomate um dos sistemas
na ocorrência de insetos-praga e doenças em cultivos agrícolas mais caros e contaminantes, tanto para
de tomate no município de Apiaí-SP”, orientada pelo as pessoas envolvidas na sua produção quanto no
professor Fabio Poggiani, embasa-se em estudos que seu con sumo. Já a produção agroecológica tem um

[120 incra.gov.br
caminho totalmente inverso. “Nossos experimentos desmatamen tos na região não h avia tantas pragas”,
revelaram que a porção de Mata Atlântica conserva- revela o pesquisador. Além disso, conforme Tomas,
da agiu como um regulador, dispensando o uso de Apiaí e redondezas apresentam recordes em uso de
agrotóxicos, que en carecem consideravelmente o agrotóxicos e de contaminação de trabalhadores.
produto final”, considera. Os agrotóxicos também encarecem o preço do toma-
Como método de pesquisa, foram instalados cinco ex- te que é comercializado. “O cultivo tradicion al tem
perimentos agroecológicos no assentamento, compa- variação de custo na média de R$ 5,00 por pé de

rando-os a cinco cultivos convencionais, no período de tomate, já o experimental sai a R$ 0,80”, con clui.
2008 a 2010. O uso de módulos experimentais baseia-
-se no experimento do professor Paulo Yoshio Kageya- PDS Professor Luiz
ma, da Usp, para o plantio de seringueiras no Acre, de- Antonio David
nominado Ilhas de Alta Produtividade (IAPs). Os cultivos
são espalhados em clareiras abertas na mata, um recur-
de Macedo
Endereço: Rodovia Sebastião Ferraz de Camargo
so que se apresenta como substituto ao desmatamento
Penteado (SP-250), km 313. Fazenda Vitória –
da cobertura natural do terreno.
Caixa Postal 03 – CEP: 18.320-000. Apiaí – São Paulo.
“Os produtores mais antigos apontam que antes dos

terra da gente 121]


SERGIPE
NÚMERO DE ASSENTAMENTOS: 233
FAMÍLIAS ASSENTADAS: 10271
ÁREA EM HECTARES: 194.181,23

TE R R A D A GE N TE
[ SERGIPE ]

Bendito
fruto
Sob o calor quase desértico do Sertão Ocidental,
mãos cuidadosas revolvem a terra e ajeitam peque-
nos montes de palha de milho, esterco e restos do
plantio de feijão. O material, que recobre e protege
o solo, recebe a sombra tímida de pequenas espal-
deiras, que guardam a nova menina dos olhos de
agricultores assentados no projeto Jacurici, em Poço
Verde (distante cerca de 150 Km de Aracaju), no in -
terior sergipano.

[124 incra.gov.br
Protagonistas em experiência
produtiva, assentados descobrem
benefícios do maracujá agroecológico
no Sertão Sergipano

Reportagem e fotos: Daniel Pereira

terra da gente 125]


[ SERGIPE ]

Regada diariamente por três meses, durante o pe- de estiagem que atingem a região”, explica a enge-
ríodo de estiagem que atinge a região Semiárida, nheira agrônoma Neirivane Santos do Nascimento,
a pequena plantação, cultivada no quintal do agri- do Programa de Assessoria Técnica, Social e Ambien -
cultor Carlos Ferreira da Silva, começa a revelar no- tal (Ates) do Incra, que presta assistência produtiva
vos frutos, que alimentam a esperança dele e dos aos agricultores assen tados.
demais companheiros do assentamento. “A gen- Consolidado a partir do modelo agroecológico, o pro -
te tem se dedicado e vê que o trabalho está dan- jeto, iniciado em maio de 2013 e estruturado sob a
do certo. Quem sabe, mais para frente, isso não orientação da equipe de Ates, ganhou rapidamente
ajude a gente a melhorar nossa renda”, analisa a adesão dos agricultores, transformando o pequeno
o agricultor. quintal em uma unidade demonstrativa de produção
As esperanças dele e de outros dez vizinhos de as- do fruto. “Eles manifestaram interesse no cultivo do
sentamento estão depositadas em um projeto agroe- maracujá agroecológico, participaram de oficinas so-
cológico experimental que tem no maracujá seu car- bre o assunto e compraram a ideia. Todas as 11 fa-
ro chefe. “É uma cultura que, se bem desenvolvida, mílias do assentamento se engajaram, cuidaram da
no futuro poderá servir como uma boa opção para estrutura, do cultivo, e hoje estão animadas com os
o convívio dessas famílias com os lon gos períodos primeiros resultados”, comenta Neirivane.

Projeto agroecológico A partir da experiência dele, os demais assentados


se interessaram pelo cultivo do maracujá e decidi-
Filho de agricultores familiares que cultivavam o ma-
ram aceitar a sugestão técnica pela adoção do mo-
racujá em Lagarto, cidade próxima a Poço Verde, o
delo agroecológico para a sua produção. “Fizemos a
assentado José de Oliveira Santos, o seu Nildo, foi o
Seu Nildo (foto abaixo): proposta de implantarmos um plantio agroecológico
primeiro morador de Jacurici a confirmar a viabilida-
“com adubo químico, o
de maracujá, consorciado com alguns tipos de feijão.
solo fica mais fraco e a de da fruta no solo árido do assentamento. “Resolvi
planta dura bem menos. O feijão fixa o nitrogênio no solo e ajuda o maracujá
testar, plan tei o maracujá no meu quintal e deu mui-
Com o natural, a gente a se desenvolver melhor. É um modelo que barateia
to certo. A terra daqui é boa e a fruta cresceu bem”,
gasta menos, o plantio fica
a produção e gera alimentos de melhor qualidade”,
melhor e dura bem mais”. lembra o agricultor.
explica Neirivane.
Sem o uso de agrotóxicos e com a aplicação de adu-
bos naturais, elaborados a partir do esterco bovino
e de restos de matéria orgânica, a produção dos fei-
jões e do maracujá se desenvolveu, aumentando a
confiança dos agricultores no modelo agroecológico.
“Com adubo químico, o solo fica mais fraco e a planta
dura bem menos. Com o natural, a gen te gasta me -
nos, o plantio fica melhor e dura bem mais”, analisa
seu Nildo.
Com o desenvolvimento do trabalho, os primeiros
bons resultados começaram a aparecer. À espera
da segunda colh eita do maracujá, os benefícios do
cultivo já estão na ponta do lápis. “É um projeto ex-
perimental e, por isso, não apresenta grandes lucros,
mas as vantagens são evidentes. Foram investidos
R$ 400,00 para estruturar a produção, que rendeu

[126 incra.gov.br
400 quilos de maracujá. Com o preço atual da fruta, agricultores, que se impressionam também com a
o projeto daria um retorno de R$ 1.200,00, ou seja, qualidade das frutas. “O maracujá daqui tem mais
um ganho cerca de três vezes maior do que o custo polpa e é bem mais saboroso”, comentou a assen-
de produção”, afirma Neirivane. tada Josefa Martins Santana, que também participa
A quantidade e os ganhos potenciais animam os do projeto.

Futuro do projeto
Iniciado a partir do plantio de sementes adquiridas
junto aos assentamentos Karl Marx, em Lagarto, e
Carlos Marighella e Nossa Senhora Aparecida II, em
Itapicuru, na Bahia, o projeto conta com um trabalho
paralelo para assegurar sua manutenção. “Estamos
estruturando com eles um banco de semen tes criou-
las, que irá subsidiar os novos plantios no assenta-
men to”, conta Neirivane.
Cultivadas naturalmente, sem produto químicos, as
sementes crioulas apresentam vantagens já conhe- de maracujá para áreas fora da unidade demons- Agricultora mostra
produção da unidade
cidas pelos agricultores do assentamento. “Essas se- trativa, os trabalhadores do assentamento esperam
demonstrativa
men tes não têm veneno e são muito melhores. Se ter acesso, em breve, a recursos destinados à pro- implantada no
você usa a semente com adubo químico, ela só dura dução, como os oferecidos pela linha A do Programa assentamento.
uma safra. Depois disso, a produção já começa a cair. Nacional de Fortalecimen to da Agricultura Familiar
Já a semente crioula dá para gente usar uma vida (Pronaf) e pelo Programa de Fomento às Atividades
toda”, explica seu Nildo. Produtivas Rurais, integrado às ações do Plano Bra-
O projeto do banco, já em fase de implantação, conta sil Sem Miséria, do Governo Federal. “O cultivo do
com sementes de maracujá, milho (utilizado em outras maracujá é dispendioso, mas a gente viu que vale
áreas do assentamento e na produção do adubo natu- a pena. Quando conseguirmos acesso aos créditos,
ral) e dos feijões carioquinha, branco, praia e de corda. vamos tentar aumentar a produção, para, se Deus
Para ampliar a experiência e expandir a produção quiser, alcançarmos mais renda”, planeja seu Nildo.

Filha da reforma agrária a própria vida e passou a usar sua experiência para

Membro do Núcleo de Simão Dias do Programa Ates contribuir com o desenvolvimento de centenas de fa-

e uma das responsáveis pela orientação das famílias mílias assentadas em Sergipe.

do projeto Jacurici e de outros assentamen tos da re- Mestre em “Agroecologia e Desenvolvimen to Sus-

gião, Neirivane Santos do Nascimento já esteve “do tentável” pela Universid ad e Agrária de Havan a
outro lado da história”. (Unah), em Cuba, ela é uma das difusoras d e pro-
Filha de assentados do projeto Antonio Conselheiro, im- jetos baseados na matriz agroecológica de pro-
plantado pelo Incra no município de Lagarto, a jovem dução pelas áreas de refo rma agrária de Sergipe.
agricultora teve sua vida transformada a partir de 2008. “A ag ro ecologia casa muito b em com a ag ricultura
Formada na primeira turma do curso de Engenharia familiar e pode fazer a d iferença, com a produção
Agronômica realizado pela Universidade Federal de de alimentos mais saudáveis e a melhoria da renda
Sergipe (UFS), por meio do Programa Nacional de Edu- dos trabalhadores asse ntad os”, comenta a en ge-
cação na Reforma Agrária (Pronera), Neirivane mudou nhe ira agrôn oma.

terra da gente 127]


127]
EXPEDIENTE

Presidenta da República | Dilma Vana Rousseff

Ministro do Desenvolvimento Agrário | Miguel Soldatelli Rossetto

Presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária | Carlos Mário Guedes de Guedes

Diretora de Programa | Érika Galvani Borges

Diretor de Obtenção de Terras e Implantação de Assentamentos (DT) | Marcelo Afonso Silva

Diretor de Desenvolvimento de Projetos de Assentamentos (DD) | César Fernando Schiavon Aldrighi

Diretor de Ordenamento da Estrutura Fundiária (DF) | Richard Martins Torsiano

Diretor de Gestão Administrativa (DA) | Juliano Flávio dos Reis Rezende

Diretora de Gestão Estratégica (DE) | Maria Jeigiane Portela da Silva

Procurador Chefe da Procuradoria Federal Especializada (PFE) | Sérgio de Britto Cunha Filho

Coordenação da Assessoria de Comunicação Social | Ivonete Pereira Motta | Registro Profissional 615/GO

Jorna lista responsável César Oliveira | Registro Profissional 7596/RS

Revisão | Telma Peixoto, Jucimeire Costa e Gilson Afonseca

Textos e fotos

Bahia | Cíntia Melo

Espírito Santo | Johnny Cardoso e Girley Vieira

Goiás | Cristiane Santiago e Jucimeire Costa

Maranhão | Flávia Almeida

Minas Gerais | Daniel Fleming, Dôra Guimarães e Rodrigo Barbosa

Paraíba | Kalyandra Vaz e Jaimaci Andrade

Paraná | Marina Oliveira, Rodrigo Asturian e Cássia Morgana Faxina

Rio de Janeiro | Sarita Coelho

Rio Grande do Sul | Keila Reis

Rondônia | Jeanne Margaretha Machado

Roraima | Loide Gomes

Santa Catarina | Vanessa Ibrahim

São Paulo | Marina Koçouski

Sergipe | Daniel Pereira

Projeto gráfico e editoração eletrônica | Alessandro Mendes

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