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TERMODINÂMICA

para Licenciatura,
Um Roteiro
Wilson Hugo C. Freire

T1 < T2

1 2

2019
Copyright 2019
c Editora L. F.
1a Edição
Direção Editorial: J. R.
Digitação, Diagramação, Figuras: Felipe Cavalcante da Rocha.
Capa: L. F.
Revisão: Job Saraiva Furtado Neto.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Freire, Wilson Hugo C.


Termodinâmica para Licenciatura, um Roteiro / Wilson
Hugo C. Freire. - São Paulo: Editora LFLFLFLFLFLFLFLFLF,
2019.

Bibliografia.
ISBN:

1.Termodinâmica para Licenciatura, Um Roteiro I. Título

XX.XXXX CDD-536.7

Índices para catálogo sistemático:


1.Termodinâmica: Física 536.7
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra poderá ser repro-
duzida sejam quais forem os meios empregados sem a permissão da editora.
Aos infratores aplicam-se as sanções previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107
da lei n. 9.610, de 19 de fevereiro de 1988.
Editora L. F.
www.xxxxxxxxxx.com.br
Para Vito e Vivi.
Para Cicera Nunes.
E para Minha Mãe.
Apresentação

Estas notas foram escritas com base em minha experiência na disci-


plina de Termodinâmica no curso de Física da Universidade Regional
do Cariri. Os pré-requisitos são essencialmente dois semestres de Fí-
sica Geral e de Cálculo.
O conteúdo é padrão, indicado pelos seus quatro capítulos: 1. Siste-
mas Termodinâmicos, 2. Primeira Lei da Termodinâmica, 3. Entropia
e Segunda Lei, 4. Máquinas e Segunda Lei. O texto é curto e des-
pretensioso e reflete meu desejo de compartilhar minha experiência
didática.
Não farei aqui longas observações pois o próprio texto, conciso, “fala
por si mesmo". Destaco apenas que, considerando o fato de ser a irre-
versibilidade uma característica fundamental de fenômenos macros-
cópicos, a segunda lei é apresentada inicialmente na forma entrópica
(Capítulo 3). Versões tradicionais da segunda lei (Clausius, Kelvin-
Planck) e outros desenvolvimentos são apresentados no Capítulo 4.
Vários ex-alunos me ajudaram com suas observações durante as aulas
e agradeço a eles por isso. Particularmente agradeço à Alan Costa,
Daniela Leite, Marciano Medeiros, Otacílio Vilar, Rosiel Sampaio e

iii
iv TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Rubbens Anttonio. Agradeço também ao Ítalo Nelson, ex-aluno e


agora professor do IFBA-Barreiros, pelos comentários nas versões ini-
ciais. E, por fim, agradeço ao Departamento de Física da Universi-
dade Regional do Cariri do qual faço parte desde 2010.
Peço aos leitores que me relatem erros e falhas que encontrarem no
texto para futuras correções. Ficarei muito grato.
O Autor
wilson.hugo@urca.br
Agradecimentos Especiais

Sou muito grato a várias pessoas que de alguma forma contribuíram


para minha formação acadêmica. Registro agradecimentos especiais
aos meus professores de graduação em Física da UFPB (finalizada em
1993), em particular Antonio de Andrade e Silva, Maria Espíndola,
Inácio Pedrosa, Oslim Espíndola (in memoriam), Júlio Teixeira (in
memoriam) e Abdoral Souza (in memoriam). Agradeço também aos
professores da pós-graduação em Física da UFPB onde cursei mes-
trado (1997-1999) e doutorado (2001-2004), em especial aos Professo-
res Rubens Freire, Valdir Bezerra, Dionísio Bazeia, Carlos Romero e
Pedro Christiano.
Aprendi muitas coisas com colegas da graduação e da pós-graduação,
atualmente professores. Agradeço a eles, em especial aos amigos
Adriano Barros (UFCG), Sandro Guedes (UNEAL), Geusa Marques
(UFCG), Carlos Alberto Gomes de Almeida (UFPB), Francisco de
Assis de Brito (UFCG), Eduardo Passos (UFCG), Roberto Menezes
(UFPB), Josinaldo Meneses (UFRN), Télio Leite (UNIVASF) e Ales-
sandro Lúcio.
Quero deixar registrado também um agradecimento especial a duas
pessoas que não estão mais aqui mas cuja amizade e convivência

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vi TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

me foram indispensáveis, pelo caráter humano e profissional e pelo


espírito coletivo. Uma delas, colega de departamento, é a Joelma
Monteiro. A outra é o meu querido amigo Severino Cirino de Lima
Neto (UNIVASF) cuja amizade vinha desde meados dos anos de 1980.
Registro um agradecimento especial a Universidade Regional do Ca-
riri (URCA) e, em particular, aos colegas do Departamento de Física
especialmente aos amigos Eduardo Sousa, Augusto Nobre, Júlio Bas-
tos, Cláudio Dantas e Mickel Ponte (que esteve na URCA no período
2011-2014).
Registro agradecimentos especiais também ao amigo Mario de Assis
Oliveira, do Departamento de Matemática da URCA, aos amigos Jus-
celino Silva e Job Furtado, ex-alunos e hoje professores da UFCA. O
Job me presenteou com a revisão do texto e o prefácio logo adiante.
Agradeço também a Professora Sônia Guimarães, do Instituto Tecno-
lógico da Aeronáutica (ITA), pelas observações e correções advindas
de sua leitura atenta do texto.
Faço um agradecimento muito especial ao parceiro Felipe Cavalcante
da Rocha (UFCA) que pacientemente fez as figuras e realizou toda a
formatação deste texto no LaTeX e também me ensinou a fazê-las.
Por fim registro um agradecimento especial ao ex-Presidente Luiz
Inácio Lula da Silva pelo seu legado democrático, de inclusão social
e de expansão do ensino superior e técnico no período 2003-2010.
O Autor
Prefácio

por Job Saraiva Furtado Neto - UFCA

A termodinâmica enquanto ciência teve seu desenvolvimento a par-


tir da primeira metade do século XIX. Os trabalhos de Joule e Mayer
acerca do equivalente mecânico do calor bem como os trabalhos de
Carnot sobre máquinas térmicas impulsionaram a revolução indus-
trial e levaram Clausius e Kelvin a formularem, independentemente,
a primeira e a segunda lei da termodinâmica. Desde então uma sé-
rie de textos sobre termodinâmica têm sido publicados, tanto com
fins de desenvolvimento da ciência em si, que ainda é um campo de
pesquisa extremamente ativo, quanto com fins didáticos. Os livros
didáticos que tratam sobre termodinâmica são muitos, inclusive em
língua portuguesa excelentes livros estão disponíveis. Então por quê
mais um livro de termodinâmica?
Este livro apresenta os tópicos base da termodinâmica de uma ma-
neira praticamente auto-contida. A forma como o conteúdo é abor-
dada, apresentando a formulação entrópica da segunda lei para só
então falar sobre máquinas térmicas e sobre os enunciados de Clau-
sius e Kelvin, é particularmente interessante além de ser uma forma
não comumente tratada em livros texto. Focando em aspectos teó-

vii
viii TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

ricos da termodinâmica, sem deixar de lado a motivação fenomeno-


lógica, o livro adota uma abordagem estritamente macroscópica mas
apresenta a conexão com a mecânica estatística sempre que neces-
sário. Detalhes matemáticos e um pouco de rigor, que muitas ve-
zes passam despercebidos em estudos iniciais, são aqui explicitados.
Exercícios e exemplos resolvidos estão presentes durante todo o livro,
visando propiciar uma aprendizagem significativa e um amadureci-
mento dos alunos em relação ao estudo da termodinâmica. Além
disso, demonstrações frequentemente omitidas são aqui apresenta-
das. Dito isto, acredito que este livro tem muito a contribuir.
O capítulo 1 aborda de maneira muito clara o escopo da termodinâ-
mica enquanto uma ciência que estuda fenômenos macroscópicos e
que desenvolveu-se originalmente de maneira inteiramente não axio-
mática. Definindo os aspectos fundamentais acerca dos sistemas ter-
modinâmicos, este capítulo aborda o equilíbrio térmico e o equilíbrio
termodinâmico e discute a equação de estado para alguns sistemas
de interesse. São apresentadas também as noções de expansibilidade
e compressibilidade.
O capítulo 2 aborda inicialmente os diversos tipos de processos ter-
modinâmicos e, de maneira formal, os conceitos de trabalho e ca-
lor num processo termodinâmico. Em seguida são apresentadas a
primeira lei da termodinâmica, as capacidades térmicas principais e
vários exemplos para ajudar a elucidar os tópicos em questão.
Já o capítulo 3 versa primordialmente sobre a segunda lei da termo-
dinâmica e o conceito de entropia. Este capítulo é particularmente
interessante uma vez que a segunda lei da termodinâmica é apresen-
tada em sua versão entrópica. Sem se exceder no rigor matemático
este capítulo contém uma seção sobre diferenciais, apresentando a
linguagem para um melhor entendimento das funções termodinâmi-
cas e, em particular, da entropia como funções de estado. A interpre-
tação física acerca da ideia de entropia é discutida ao longo de todo
o capítulo para que, ao final deste, seja destacada a conexão entre
entropia e irreversibilidade.
Por fim, o capítulo 4 discute a segunda lei da termodinâmica nas
ix

formulações de Clausius e Kelvin bem como o conceito de máquinas


térmicas. Em conexão com o capítulo 3 são mostradas a equivalência
entre as formulações entrópica, de Clausius e de Kelvin da segunda
lei. É discutido também o teorema de Carnot e a universalidade da
escala de temperatura Kelvin. E ao final do capítulo há uma pequena
apresentação da terceira lei da termodinâmica.
Não tive a honra de ser aluno do professor Wilson Hugo no curso
de termodinâmica, somente nos cursos de Física I e Mecânica Ana-
lítica. Contudo acompanhei de perto o desenvolvimento deste livro
durante conversas agradáveis com o autor em cafés pela cidade. Um
belíssimo material que certamente contribuirá bastante para a forma-
ção daqueles que almejam estudar termodinâmica. Desejo a todos
uma ótima leitura.
Juazeiro do Norte - CE, 13 de Janeiro de 2019.
Job Furtado.
Sumário

1 Sistemas Termodinâmicos 3
1.1 Escopo da Termodinâmica . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
1.2 Equilíbrio Térmico, Temperatura . . . . . . . . . . . . . 5
1.3 Equilíbrio Termodinâmico, Equações de Estado . . . . 9
1.4 Coeficientes Experimentais, Manipulações Matemáticas 14
1.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

2 Primeira Lei da Termodinâmica 23


2.1 Processos Termodinâmicos . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.2 Trabalho e Calor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.3 A Primeira Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
2.4 Capacidades Térmicas Principais . . . . . . . . . . . . . 40
2.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

3 Entropia e Segunda Lei 53


3.1 Irreversibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
3.2 Diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
3.3 Entropia do Gás Ideal . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
3.4 Entropia de Sistema Simples . . . . . . . . . . . . . . . 64
3.5 A Segunda Lei . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

xi
Sumário 1

3.6 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

4 Máquinas e Segunda Lei 81


4.1 Formulação de Clausius da Segunda Lei . . . . . . . . 81
4.2 Formulação de Kelvin-Planck da Segunda Lei . . . . . 87
4.3 Teorema de Carnot . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 92
4.4 Complementos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 102
4.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 106

Referências 109
Sistemas Termodinâmicos
1
1.1 Escopo da Termodinâmica

A Termodinâmica aborda fenômenos térmicos de uma maneira par-


ticular.
Fenômenos Térmicos envolvem tipicamente processos de aquecimento,
resfriamento, expansões e/ou compressões de sistemas materiais ma-
croscópicos, chamados sistemas termodinâmicos, tais como amostras
de sólidos ou fluidos (líquidos, gases etc.). Eles podem ser estudados
de duas diferentes maneiras:
Abordagem Microscópica. Esta considera a estrutura atômico-molecular
da matéria. Ela foi introduzida na segunda metade do século XIX por
Ludwig Boltzmann e é conhecida como Teoria Cinética da Matéria ou,
mais geralmente, Mecânica Estatística. Nesta abordagem não se leva em
conta o movimento individual de cada partícula mas o efeito coletivo do
movimento das muitíssimas partículas do sistema em consideração,
usualmente cerca de 1024 partículas!
Abordagem Macroscópica, o enfoque da Termodinâmica. Nesta aborda-
gem os corpos materiais macroscópicos são considerados sem se fazer
referência a sua estrutura atômico-molecular e são tratados como (se

3
4 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

fossem) sistemas contínuos1 .

Enfim, a abordagem da Termodinâmica é macroscópica embora, por


razões didáticas e para possibilitar uma visão mais panorâmica, even-
tualmente comentamos algo de caráter microscópico. Além do mais
o enfoque que vamos adotar é fenomenológico, diferentemente de
enfoques estritamente axiomáticos2 .

Sistemas Termodinâmicos. Corpos materiais macroscópicos, quer sejam


simples ou de um único componente homogêneo quer sejam compos-
tos com vários componentes separados por paredes apropriadas, são
genericamente chamados de sistemas termodinâmicos. O ambiente ou
meio externo a um sistema termodinâmico (ou o “resto" do universo)
constitui a vizinhança deste sistema. Em termos práticos considera-se
como vizinhança a parte externa ao sistema que pode exercer algum
tipo de influência sobre ele. Um exemplo bastante ilustrativo de sis-
tema termodinâmico é um gás contido num recipiente munido de
uma parede rígida, êmbolo ou pistão, que pode deslizar com atrito
desprezível; este sistema pode estar em contato com um aquecedor
recebendo calor deste (o conceito de calor é abordado no próximo ca-
pítulo) e pode exercer uma pressão mecânica sobre um “peso externo"
através do pistão e, assim, realizar trabalho; veja Fig. 1.1. Dessa forma
o aquecedor e o peso externo constituem a vizinhança do sistema-gás
e podem ser genericamente chamados, respectivamente, de reserva-
tório térmico e reservatório mecânico.

1A Mecânica Estatística “se conecta" com a Termodinâmica (axiomática) num nível


fundamental. Num certo sentido ela antecede a Termodinâmica na medida
em que, a partir de informações acerca das interações (a nível microscópico)
entre as partículas do sistema, fornece relações fundamentais que possibilitam
o cálculo de parâmetros de interesse experimental do sistema termodinâmico
em foco; detalhes em textos avançados como, por exemplo, Thermodynamics and
Introduction to Thermostatistics, H. Callen, Second Edition, John Wiley and Sons,
1985.
2 A referência da nota de rodapé anterior adota enfoque axiomático.
CAPÍTULO 1. SISTEMAS TERMODINÂMICOS 5

Reservatório Mecânico

Gás Parede Móvel (Pistão)

Reservatório Térmico

Figura 1.1: Sistema: Gás num recipiente. Vizinhança: Reservató-


rio térmico (ou de calor) e reservatório mecânico (ou de
trabalho).

1.2 Equilíbrio Térmico, Temperatura

Uma definição prático-operacional de uma quantidade física envolve


basicamente duas coisas:
A) uma noção ou uma idéia intuitiva e
B ) uma medida.
Por exemplo, o conceito de força na Mecânica Newtoniana envolve A)
a idéia de puxar, empurrar, interagir por atração ou repulsão etc. e
B ) uma unidade de medida, como o newton N, que pode ser definida
usando um instrumento apropriado chamado dinamômetro (vide Fí-
sica Básica 1).
No caso da temperatura temos:
A) Noção Intuitiva. Através do tato podemos notar quando um corpo (sis-
tema) Q está mais quente do que outro F : neste caso dizemos que Q possui
temperatura maior do que a de F . Assim, a temperatura de um sistema cor-
6 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

responde ao “grau de quentura" que o sistema possui. Esta noção intuitiva


de temperatura é notadamente uma idéia incompleta: o que signi-
fica “grau de quentura"? Algo que possamos avaliar com nosso tato?
Bem, notemos que o nosso tato é muito limitado para avaliar tempe-
ratura: se colocarmos a mão direita numa amostra de água quente e
a esquerda numa de água fria e depois mergulharmos as duas mãos
numa amostra de água morna, esta parecerá fria para a mão direita e
quente para a esquerda. Enfim, para que a idéia de temperatura te-
nha significado prático-operacional devemos definir uma medida de
temperatura.
B ) A Medida da Temperatura de um sistema pode ser feita com um ins-
trumento chamado termômetro. Mas há uma questão delicada aqui:
o que sustenta o fato de podermos medir temperatura? Isto não é
tão simples quanto possa parecer. Indo “direto ao ponto" a medida
da temperatura é fundamentada pela chamada lei zero da Termodi-
nâmica que, curiosamente, foi formulada bem depois da primeira,
da segunda e da terceira leis. Não faremos aqui uma apresentação
detalhada da lei zero3 . Sua formulação se baseia no conceito de equi-
líbrio térmico entre dois sistemas em contato: este corresponde ao
estado que eles atingem quando certas quantidades macroscópicas
(por exemplo, volume, pressão etc.) de cada sistema não variam mais
com o passar do tempo desde que não haja interferência externa.
Com isto a lei zero diz que dois sistemas estão em equilíbrio térmico
se cada um deles, separadamente, estiver em equilíbrio térmico com
um terceiro sistema. Assim, quando vários sistemas estão em equilí-
brio térmico associamos uma propriedade comum a eles: todos têm
a mesma temperatura.
Podemos construir um termômetro na escala Celsius escolhendo como
sistema termométrico um pequeno tubo fino de vidro com um bulbo
contendo mercúrio de modo que a temperatura será indicada pela
altura da coluna de mercúrio no tubo; demarcam-se no tubo dois va-
lores de referência: 0 e 100 para as temperaturas do gelo derretendo e
3 Veja, por exemplo, Calor e Termodinâmica, M. Zemanski, Quinta Edição, Editora
Guanabara Koogan, 1978; ou Equilibrium Thermodynamics, C. Adkins, Third Edi-
tion, Cambridge University Press, 1983.
CAPÍTULO 1. SISTEMAS TERMODINÂMICOS 7

da água fervente, respectivamente, quando colocados separadamente


em contato com o sistema termométrico sob pressão atmosférica pa-
drão ∼ 105 N/m2 . Por fim, demarcam-se 100 subdivisões idênticas
cada qual correspondendo a variação de 1 grau: temos, dessa forma,
um termômetro na escala Celcius. Não entraremos em detalhes a res-
peito da escolha do sistema termométrico, do critério de demarcação,
da quantidade de pontos fixos de referência etc.
Uma outra escala de temperatura é a Fahrenheit, cuja relação com a
escala de Celsius é dada por

9
TF = TC + 32,
5
detalhes à parte. Notemos a presença de uma parcela aditiva nesta
relação, diferentemente de outras medidas físicas cujas mudanças de
unidades se dão via somente fatores multiplicativos. Esta parcela adi-
tiva pode trazer inconvenientes. Por exemplo não podemos dizer que
200 C significa uma temperatura correspondente ao dobro de 100 C,
diferentemente do fato de que uma barra de 20 m possui o dobro do
comprimento de uma barra de 10 m. Com efeito, notemos que 100 C
= 500 F e 200 C = 680 F e 68 não é o dobro de 50.
Além do mais uma escala definida num termômetro de mercúrio e
uma definida num de álcool podem fornecer valores numéricos dife-
rentes para a temperatura de um dado sistema. Enfim, estas escalas
também possuem limitações.
Entretanto há uma importante escala de temperatura conhecida como
escala de Kelvin ou escala absoluta que é baseada num comporta-
mento universal da matéria conforme veremos no Capítulo 4. Por
enquanto, vamos considerar o seguinte fato experimental: laborató-
rios de sistemas em baixas temperaturas apontam a existência de um
limite inferior para temperatura que é cerca de −2730 C. Na escala ab-
soluta esta temperatura corresponde à 0 K, o chamado zero absoluto,
e a relação (aproximada) desta escala com a Celsius é dada por

T = TC + 273.
8 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Nesta escala temos sempre4 T > 0K. Estudos apontam para a inatin-
gibilidade do zero absoluto, o que constitui uma versão da chamada
terceira lei da Termodinâmica conforme veremos no final do Capítulo
4. Frizemos que na escala Kelvin escrevemos, por exemplo, T = 300
K e não T = 3000 K.
Equilíbrio Térmico de Um Sistema. Um sistema está em equilíbrio tér-
mico quando todas as suas partes estão em equilíbrio térmico umas
com as outras, ou seja, quando sua temperatura tem o mesmo valor
para todas as suas partes: isto quer dizer que, no equilíbrio térmico, a
temperatura do sistema está bem definida.
Como vimos, para definir escalas de medida de temperatura basta
considerar uma abordagem macroscópica (estritamente termodinâ-
mica) que é operacionalmente direta do ponto de vista experimen-
tal (equilíbrio térmico, lei zero etc.). Vale salientar que o conceito
de pressão foi definido na Mecânica Newtoniana num contexto ma-
croscópico: força distribuída sobre uma superfície de um corpo por
unidade de área desta superfície.
Todavia há um “link" entre a Termodinâmica (macroscópica) e a Me-
cânica Estatística (microscópica): em nível microscópico a tempera-
tura de um gás, por exemplo, tem a ver com a velocidade média das
suas moléculas em relação ao centro de massa e a pressão do gás têm
a ver com as colisões das moléculas com as paredes do recipiente.
Mas... temperatura pode ser definida a partir de grandezas mecâni-
cas? Poderíamos reduzir a Termodinâmica à Mecânica? Bem, existe
a Mecânica Estatística mas isto não quer dizer que se possa fazer um
tal reducionismo: a análise mecânico-estatística foca no efeito coletivo
do movimento das moléculas. Sobre estas questões destacamos o que
diz o livro Física Básica - Mecânica, Alaor Chaves - LAB/LTC 2007,
nas págs. 227-228: “A discussão sobre o caráter dessa nova grandeza
(temperatura) ainda não levou a um consenso... temos que aceitar a
possibilidade de que o reducionismo seja um programa irrealizável,
4 Há discussões sobre temperaturas negativas; vide, por exemplo, referência da
primeira nota de rodapé deste capítulo.
CAPÍTULO 1. SISTEMAS TERMODINÂMICOS 9

não por razões práticas, mas por razões fundamentais."

Exercício 1.
Temperatura é um conceito microscópico ou macroscópico? É
adequado se atribuir uma temperatura para um sistema de três
partículas? Pode ser atribuída uma temperatura ao vácuo (sis-
tema de “zero partículas")?

Exercício 2.
Mais quente significa temperatura maior ou trata-se de uma con-
venção? Observação: Celsius atribuiu 00 C ao ponto de vaporiza-
ção e 1000 C ao ponto de congelamento da água.

Exercício 3.
Encontre a temperatura para a qual os valores numéricos nas es-
calas Celsius e Fahrenreit coincidem. Idem para as escalas Kelvin
e Fahrenreit.

Resposta: −400 C = −400 F e 5740 F = 574 K.

1.3 Equilíbrio Termodinâmico, Equações de


Estado

Um sistema se encontra num estado de equilíbrio termodinâmico se ele


possui valores bem definidos de seus parâmetros macroscópicos tais
como volume, pressão, temperatura, densidade, massa etc. O equi-
líbrio termodinâmico é uma situação idealizada; na prática há flu-
tuações mas, mediante controle experimental, o sistema pode estar
suficientemente próximo do equilíbrio. Quantos e quais parâmetros
10 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

são requeridos para caracterizar este estado? Depende do sistema.


Por exemplo, no caso de um sistema sólido, líquido ou gasoso de um
único componente homogêneo e com massa fixa, chamado sistema
simples5 , o estado de equilíbrio termodinâmico pode ser especificado
pelo volume V, pela pressão P e pela temperatura T. Quando um sis-
tema atinge o estado de equilíbrio termodinâmico então, na ausência
de fatores externos, suas coordenadas termodinâmicas ( P, V, T ) não
mudam com o tempo. Assim, no equilíbrio termodinâmico, o sistema
deve estar em equilíbrio térmico (T bem definida), em equilíbrio mecâ-
nico (V e P bem definidos) e quimicamente inerte (não sofrer reações
químicas).

Por outro lado, sob controle experimental adequado, podemos ter um


processo suficientemente lento (quase-estático) em que um sistema
passa por uma “sucessão contínua" de estados de (quase-)equilíbrio,
conforme abordaremos no Capítulo 2.

Equação de Estado. Mais ainda, o estado de equilíbrio termodinâ-


mico de um sistema simples pode ser representado por qualquer par
( P, V ), ( P, T ) ou (V, T ) tendo em vista que o valor do terceiro pa-
râmetro está relacionado com os outros dois por intermédio de uma
relação experimental da forma

f ( P, V, T ) = 0 (1.1)

chamada equação de estado do sistema. Cada sistema possui sua própria


equação de estado mas todos os gases em baixa densidade (comparada,
por exemplo, com a atmosfera padrão) possuem aproximadamente a
mesma forma da equação de estado conforme apresentaremos adi-
ante.

Sólidos e Líquidos. Um sistema sólido ou líquido homogêneo e isotró-

5 Vamos supor também que a influência de campos gravitacionais, eletromagnéti-


cos etc. sobre os sistemas termodinâmicos em consideração seja irrelevante.
CAPÍTULO 1. SISTEMAS TERMODINÂMICOS 11

pico6 tem, aproximadamente, a seguinte equação de estado

V = V0 [1 + α( T − T0 ) − κ ( P − P0 )] (1.2)

ou, na forma (1.1),

f ( P, V, T ) ≡ V − V0 [1 + α( T − T0 ) − κ ( P − P0 )] = 0

onde V0 é um parâmetro do sistema que corresponde ao seu vo-


lume na temperatura T0 e na pressão P0 . Os parâmetros α e κ são
constantes características da substância material e são chamados, res-
pectivamente, de coeficiente de dilatação (expansibilidade) térmica e
coeficiente de compressão (compressibilidade) isotérmica da referida
substância. Mais adiante definiremos estes dois parâmetros de uma
forma geral válida para sólidos, líquidos e também para gases.
No caso em que o sistema sólido ou líquido sofre um processo que se
inicia no estado de equilíbrio ( P0 , T0 ) e termina no estado ( P, T ) sob
pressão constante P = P0 temos, pela Eq. 1.2,

V − V0 = αV0 ( T − T0 ), ou seja, ∆V = αV0 ∆T, (1.3)

que é a expressão que descreve (aproximadamente) a dilatação tér-


mica volumétrica de um sólido ou líquido.

Exercício 4.
Um sistema sólido (homogêneo e isotrópico) de massa M, cujo
material possui densidade ρ0 na temperatura T0 tem sua tempe-
ratura aumentada para T0 + ∆T, sob pressão constante P = P0 .
Considerando a equação de estado aproximada,

V = V0 [1 + α( T − T0 ) − κ ( P − P0 )],

6 Homogêneo = mesma densidade em todas as partes do sistema; isotrópico = as


propriedades físicas do sistema não dependem da direção espacial.
12 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

a) o que acontece com a massa do sistema neste processo?


b) qual a densidade ρ do sólido na temperatura T0 + ∆T em fun-
ção de ρ0 , α e ∆T? A densidade aumentou, diminuiu ou não se
alterou?

Resposta: b) ρ = ρ0 /[1 + α∆T ], diminuiu.

Gás Ideal. Qualquer gás muito diluído ou rarefeito, ou seja, em baixís-


sima densidade (quando comparada, por exemplo, com a da atmos-
fera padrão, em ≈ 273 K e ≈ 105 N/m2 ), tem equação de estado da
forma
f ( P, V, T ) ≡ PV − nRT = 0 ou PV = nRT (1.4)
onde n é o número de mols do gás7 , R ≈ 8.3 J/mol·K é a constante
universal dos gases e T é a temperatura absoluta. A Eq. (1.4) é cha-
mada equação de estado do gás ideal (Clapeyron, 1834) e de acordo
com ela temos que

M ρV M0 P
PV = RT = RT ∴ ρ = · .
M0 M0 R T
Assim uma situação de baixa densidade pode ser realizada pondo o
gás sob baixa pressão e alta temperatura, usualmente temperaturas
acima de 273 K e pressões abaixo de 105 N/m2 .

Exercício 5.

Calcule a pressão P de 0, 5 mol de gás ideal à 270 C dentro de um


recipiente com capacidade de 500 l. Dado: a constante dos gases
ideais é R ≈ 8, 3 J/K.mol. Você considera esta pressão muito alta?

71 mol de gás é uma amostra de Na = 6, 02 × 1023 moléculas do gás (Na é chamado


número de Avogadro). Assim o número de mols de um gás com N moléculas é
n = N/Na = M/M0 onde M é a massa do gás e M0 é a massa de 1 mol do gás
(que é numericamente a massa de uma molécula do gás em unidades de massa
atômica “u.m.a.", mas substituindo u.m.a. por grama). 1 u.m.a.=1/12 de um
átomo de Carbono.
CAPÍTULO 1. SISTEMAS TERMODINÂMICOS 13

Compare com a pressão atmosférica padrão P ≈ 105 N/m2 .

Resposta: P = 2, 5 × 103 N/m2 .

Exercício 6.
Um gás ideal de massa fixa está inicialmente no estado de equi-
líbrio designado por ( Pi , Vi , 270 C). Após algum processo o gás
vai para um novo estado de equilíbrio ( Pf , Vf , 1270 C) em que seu
volume fica reduzido em 1/3 do volume inicial. Qual a nova
pressão Pf em função da pressão de equilíbrio inicial Pi ?

Resposta: Pf = 4Pi .

Gás de Clausius. Em algumas situações, para um gás “menos diluido",


a equação de estado mais adequada é a equação de Clausius (meados
do séc. XIX)
P(V − nβ) = nRT
onde β depende do tipo de gás. Em nível microscópico isto cor-
responde a um gás onde as moléculas estão “menos distantes" e o
volume efetivo disponível ao gás torna-se um pouco menor: Ve f f =
V − nβ < V.

Gás de Van der Waals. Para gases “mais densos" temos a equação de
Van der Waals (1873)
  n 2 
P+γ (V − nβ) = nRT
V

onde γ e β são constantes características do gás; o termo adicional


γ (n/V )2 está relacionado microscopicamente com a atração entre as
moléculas decorrente da proximidade entre elas (gás denso) acarre-
tando uma pressão efetiva Pe f f = P + γ(n/V )2 maior sobre o gás.
14 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

1.4 Coeficientes Experimentais,


Manipulações Matemáticas

Coeficiente de Dilatação (Expansibilidade). Da Eq. (1.3), válida aproxi-


madamente para um sistema sólido ou líquido, temos

1 ∆V
α=
V0 ∆T
onde supomos pressão constante P = P0 . Para um sistema termo-
dinâmico simples qualquer, sólido, líquido ou gasoso, o coeficiente de
expansão térmica é definido pela expressão geral

1 ∂V
α= (1.5)
V ∂T P

onde a função V = V ( P, T ) pode ser determinada da equação de es-


tado, f ( P, V, T ) = 0, do sistema em consideração. A notação ∂V/∂T | P
indica V como função de ( P, T ) e que, na derivada com respeito à T,
a coordenada P é tratada como se fosse constante.
Coeficiente de Compressão (Compressibilidade). Se tomarmos a equação
de estado aproximada de um sistema sólido ou líquido, Eq. (1.2), e
considerarmos um processo em que o sistema vai do estado (V0 , P0 )
para o estado (V, P), sob volume constante V = V0 , obtemos

1 ∆V
κ=− .
V0 ∆P
Para um sistema termodinâmico simples qualquer definimos o coefi-
ciente de compressão por

1 ∂V
κ=− . (1.6)
V ∂P T

Aqui a notação ∂V/∂P| T indica V como função de ( P, T ) e que, na


derivada com respeito à P, a coordenada T é tratada como se fosse
CAPÍTULO 1. SISTEMAS TERMODINÂMICOS 15

constante.
Exemplo 1.1.
Vamos calcular a expansibilidade e a compressibilidade do gás
ideal. De PV = nRT temos V ( P, T ) = nRT/P de modo que

1 ∂V nR nR 1
α= = = = .
V ∂T VP nRT T
Por outro lado,
1 ∂V nRT nRT nRT 1
κ=− = 2
= = = .
V ∂P VP ( PV ) P nRTP P

Notemos que todos os gases em baixa densidade possuem aproxima-


damente os mesmos coeficientes de dilatação e de compressão, diferen-
temente de sólidos e líquidos.

Exercício 7.
Considere a equação de estado de um sólido ou líquido dada por

V = V0 · e a(T −T0 )−b( P− P0 ) ,

em que a e b são constantes.


a) Mostre que a expansibilidade e a compressibilidade são, res-
pectivamente, dadas por α = a e κ = b.
b) Use expansão de Taylor exponencial e mostre que, se despre-
zarmos termos em a2 , b2 , ab, a3 , b3 , a2 b etc., então esta equação se
reduz a forma aproximada dada por

V = V0 [1 + a( T − T0 ) − b( P − P0 )].

Observação: os valores experimentais de a e b para sólidos e líqui-


dos são tipicamente de ordem de 10−4 K−1 e 10−10 m2 /N, res-
pectivamente, de modo que esta equação de estado aproximada
é aceitável em intervalos de variação de temperatura e de pressão
16 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

usuais (por exemplo, T entre 273 K e 373 K e P entre 104 N/m2 e


106 N/m2 ).

Exercício 8.
Considere como sistema uma amostra de certa substância com
equação de estado dada por V + aP − bT 2 = c onde a, b e c são
constantes positivas. Encontre os coeficientes de expansão tér-
mica e de compressão (isotérmica) desta substância.

Resposta: α = 2bT/V = 2bT/(bT 2 − aP + c);


κ = a/V = a/(bT 2 − aP + c).

Manipulações Matemáticas
Conforme já abordado, a equação de estado de um sistema simples é
da forma f (V, P, T ) = 0 o que define implicitamente T como função
de (V, P) ou P como função de (V, T ) ou V como função de ( P, T ).
Vamos considerar uma situação geral onde a equação f ( x, y, z) = 0
fornece x como função de (y, z) e y como função de ( x, z) de modo
que
∂x ∂x
dx = dy + dz,
∂y z ∂z y

∂y ∂y
dy = dx + dz.
∂x z ∂z x
Pondo a segunda na primeira destas equações temos
 
∂x ∂y ∂y ∂x
dx = dx + dz + dz
∂y z ∂x z ∂z x ∂z y

donde
  ( )
∂x ∂y ∂x ∂y ∂x
− 1 dx + + dz = 0.
∂y z ∂x z ∂y z ∂z x ∂z y
CAPÍTULO 1. SISTEMAS TERMODINÂMICOS 17

Assim, com x e z tomados como variáveis independentes, temos



∂x ∂y ∂x 1
= 1 =⇒ = , (1.7)
∂y z ∂x z
∂y z ∂y
∂x z

∂x ∂y ∂x
=− . (1.8)
∂y z ∂z x ∂z y
Trocando y e z na Eq. (1.7) temos

∂x 1
=
∂z y ∂z
∂x y

que, pondo na Eq. (1.8), nos fornece



∂x ∂y 1 ∂x ∂y ∂z
= − ∴ = −1. (1.9)
∂y z ∂z x ∂z ∂y z ∂z x ∂x y
∂x
y

Agora pondo ( x, y, z) = (V, P, T ) e considerando a equação de estado,


que é da forma f (V, P, T ) = 0, temos a relação termodinâmica

∂V ∂P ∂T
= −1. (1.10)
∂P T ∂T V ∂V P

Exemplo 1.2.
Vamos verificar a Eq. (1.10) para o gás ideal. De PV = nRT temos

∂V nRT ∂P nR ∂T P
=− 2 , = , = ,
∂P T P ∂T V V ∂V P nR

e assim

∂V ∂P ∂T nRT nR P PV P
=− 2 =− 2 = −1.
∂P T ∂T V ∂V P
P V nR P V
18 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Exercício 9.
Usando a Eq. (1.10) mostre que a expansibilidade α e a compres-
sibilidade κ de um sistema simples se relacionam por

α ∂P
= .
κ ∂T V
CAPÍTULO 1. SISTEMAS TERMODINÂMICOS 19

1.5 Exercícios

1. Considere dois sistemas A e B cada qual em equilíbrio térmico com


um termômetro M. Sejam ( P, V ), ( PA , VA ) e ( PB , VB ) coordenadas ter-
modinâmicas de M, A e B respectivamente. A equação que descreve
o equilíbrio térmico entre A e M é

PA VA − CPA − PV = 0, C const.,

e a que descreve o equilíbrio térmico entre B e M é


 
K
PB VB − PV 1 + = 0, K const.
VB

Qual a equação que expressa o equilíbio térmico entre A e B?


Resposta: PA VA − CPA = PB VB /[1 + K/VB ].

2. Hipótese de Avogadro. 1 mol de um gás qualquer ocupa, em con-


dições normais de temperatura e pressão, um volume bem definido:
Va = 22, 4 l. Usando a equação de estado do gás ideal obtenha o
valor do “volume de Avogadro" (Va ). Considere T = 00 C = 273 K e
P = 1, 01 × 105 Nm−2 como temperatura e pressão normais. Dado:
R = 8, 31 J/mol · K.

3. Suponha que um gás ideal está inicialmente num estado de equi-


líbrio de pressão Pi , volume Vi e temperatura (absoluta) Ti . Após
algum processo o gás passa para um novo estado de equilíbrio onde
a pressão é Pf , o volume é Vf e a temperatura é T f . Mostre que a
massa do gás no novo estado de equilíbrio é dada por

Pf Vf Ti
Mf = · Mi ,
Pi Vi T f

onde Mi é a massa do sistema gasoso no estado de equilíbrio inicial.


20 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Gás A Gás B

Figura 1.2: Referente ao Exercício 4.

4. Um recipiente contém dois gases diluídos (rarefeitos) A e B sepa-


rados por uma parede que pode se mover sem atrito, conforme a Fig.
1.2 a seguir. Suponha que o sistema composto está completamente
isolado mas a parede móvel entre os gases não é isolante, embora
não permita troca de matéria (ou de moléculas) entre eles. Mostre
que após o sistema composto atingir o equilíbrio termodinâmico os
volumes de equilíbrio dos gases estão relacionados por

VA V
= B.
nA nB

5 Lei de Dalton. Considere uma mistura suficientemente rarefeita


(ideal) composta por n1 , n2 , ..., nl mols de gases 1, 2, ..., l, respectiva-
mente, todos quimicamente inertes e com a mistura em equilíbrio
termodinâmico na pressão P, na temperatura T e ocupando um vo-
lume V. Define-se a pressão parcial do j-ésimo gás como sendo a
pressão Pj que este teria se estivesse sozinho no lugar da mistura
ocupando o mesmo volume V e na mesma temperatura T. Mostre
que ∑lj=1 Pj = P.

6. Um recipiente de volume V contém um gás rarefeito mantido em


temperatura T constante. Suponha que o gás vai gradativamente es-
capando do recipiente através de um pequeno orifício e que a taxa de
variação de massa do gás, em cada instante, é proporcional a massa
que fica (instantaneamente) no recipiente. Mostre que a pressão do
CAPÍTULO 1. SISTEMAS TERMODINÂMICOS 21

gás num instante t qualquer é dada por

P(t) = P0 · e−Kt

onde P0 é a pressão inicial do gás (no instante t = 0) e K é uma


constante positiva.

7. Em física do estado sólido a equação de estado de um sólido mo-


noatômico é dada pela equação de Grüneisen

bP + g(V ) = aT + c, a, b, c constantes.

a) Encontre os coeficientes de dilatação e de compressão deste mate-


rial. Sugestão: derivada de função implícita e regra da cadeia para
derivação de funções compostas.
b) Encontre também uma função g(V ) e constantes a, b e c de forma
que a equação de Grüneisen possa ser escrita na forma V = V0 [1 +
α( T − T0 ) − κ ( P − P0 )].
Resposta: a) α = a/[V · g0 (V )], κ = b/[V · g0 (V )],
b) g(V ) = V, a = αV0 , b = κV0 , c = V0 [1 − αV0 + κP0 ].

8. Defina o coeficiente de dilatação linear de um sistema sólido (ho-


mogêneo e isotrópico) por

1 ∂L
α1 =
L ∂T P

onde L = L( T, P) é a função comprimento de uma certa porção em


forma de cubo feita do material em consideração. Mostre que o coefi-
ciente de expansividade deste material é α = 3α1 . Sugestão: Escreva
V ( T, P) = [ L( T, P)]3 e use a regra da cadeia para derivadas de fun-
ções compostas.

9. Considere um gás de Van der Waals cuja equação de estado é dada


22 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

por h a i
P+ (V − b) = nRT.
V2
Note que se tentarmos expressar V como função de ( P, T ) teremos
uma equação cúbica em V. Use então a regra de derivada de funções
implícitas para mostrar que, para este sistema,
a) o coeficiente de expansividade é

nRV 2 (V − b)
α(V, T ) = ,
nRTV 3 − 2a(V − b)2

b) o coeficiente de compressibilidade é

V 2 (V − b )2
κ (V, T ) = .
nRTV 3 − 2a(V − b)2

c) Como ficam estas expressões de α e κ para os casos a = 0 (gás de


Clausius) e a = b = 0 (gás ideal)?

10. Um certo sistema termodinâmico possui compressibilidade κ =


a/V e expansividade α = 2bT/V. Mostre que sua equação de estado
é da forma V − bT 2 + aP = const.

11. Considerando a equação de estado f (V, P, T ) = 0 de um sistema


na forma V = V ( P, T ), mostre que d(ln V ) = dV/V = α( P, T )dT −
κ ( P, T )dP. Usando este resultado obtenha a equação de gás ideal,
PV/T = const., a partir de seus parâmetros α = 1/T e κ = 1/P.
Primeira Lei da Termodinâmica
2
2.1 Processos Termodinâmicos

Processos ou Transformações
No capítulo anterior vimos que um estado de equilíbrio de um sis-
tema termodinâmico simples, digamos um fluido homogêneo (puro)
de massa fixa, pode ser descrito por valores bem definidos de (V, P),
(V, T ) ou ( P, T ) tendo em vista a equação de estado f (V, P, T ) = 0 do
sistema. Escolhendo (V, P) como variáveis independentes podemos
representar os estados de equilíbrio do sistema por pontos do plano
VP.
Vamos considerar agora um processo termodinâmico, ou transfor-
mação termodinâmica, em que o sistema passa de um estado de
equilíbrio inicial i = (Vi , Pi ) para um estado de equilíbrio final f =
(Vf , Pf ), passando possivelmente por estados intermediários de não-
equilíbrio.
Lentos, Quase-Estáticos...
Se um processo termodinâmico for realizado com certa rapidez o sis-
tema passará por estados fora do equilíbrio. Por exemplo, considere

23
24 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

uma rápida compressão de um gás. Logo após o início desta com-


pressão, a pressão e a temperatura do gás ficarão com valores mal
definidos: a parte do gás próxima da parede compressora passa a
sofrer momentaneamente uma pressão maior do que a parte do gás
mais distante da parede etc. Entretanto, finalizada a compressão e es-
perarando um tempo de relaxação suficiente, o sistema pode atingir
um estado final de equilíbrio termodinâmico (a menos de pequenas
flutuações).
Por outro lado, processos suficientemente lentos e experimentalmente
controlados podem transcorrer passando por sucessivos estados de
(quase-)equilíbrio. Enfim, os conceitos de equilíbrio termodinâmico e
de processos quase-estáticos ou “extremamente lentos", constituem im-
portantes idealizações aproximativas. Vamos destacar:
Processo Quase-Estático. Um processo pelo qual um sistema evolui do
estado de equilíbrio i para o estado de equilíbrio f é dito ser quase-
estático se as condições externas variam tão lentamente que a cada
instante o sistema se encontra praticamente em equilíbrio. Tal pro-
cesso é essencialmente constituído por uma sucessão de estados de
equilíbrio e pode ser representado (aproximadamente) por uma curva
no plano VP parametrizada por alguma função contínua e suficien-
temente diferenciável α(t) = (V (t), P(t)) com t ∈ [ti ; t f ], vide Fig.
2.1.

P
f

i
V

Figura 2.1: Processo quase-estático.

Processos quase-estáticos podem ser revertidos? Vejamos.


CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 25

Reversíveis, Irreversíveis...
Processo Reversível. Um processo termodinâmico é reversível se, uma
vez realizado, for possível fazer com que ocorra o processo inverso
de modo que o sistema e a vizinhança possam reverter sua história
no tempo. Neste caso o sistema poderia evoluir pela mesma curva no
diagrama VP no sentido invertido.
Todo processo reversível é quase-estático. Se um processo reversível não
fosse quase-estático então a sua rapidez afastaria o sistema do equi-
líbrio, o que impossibilitaria realizar sua reversão: não haveria uma
representação curvilínea deste processo no diagrama VP e, assim, não
faria sentido uma curva com orientação invertida; assim, o processo
seria irreversível e representado por no máximo dois pontos: o estado
inicial i e o estado final f , se estes forem de equilíbrio1 . Considerando
a Fig. 1.1 do capítulo anterior podemos imaginar um processo quase-
estático reversível produzido lentamente por acréscimos ou retiradas
de pequenos grãos sobre a parede móvel e/ou por trocas sucessivas
do reservatório térmico por uma série de outros cada qual diferindo
do anterior por, no máximo, uma variação infinitesimal (muito pe-
quena) de temperatura. Aqui estamos supondo que não há atrito na
junção entre a parede móvel e o recipiente.
Mas nem todo processo quase-estático é reversível. Por exemplo, uma
expansão quase-estática de um gás empurrando uma parede móvel
com atrito na junção é um processo irreversível2 .
Consideraremos, nestas notas, processos
(a) reversíveis (logo, quase-estáticos) e
1A princípio qualquer processo “real" (quase-estático ou não) poderia ser imagi-
nado como reversível: se filmarmos o processo e depois rodarmos o filme no
sentido invertido, do fim para o começo, veremos o que poderia ser o processo
inverso. Mas este pode não ocorrer no “mundo real" por razões fundamentais
ligadas a segunda lei da Termodinâmica, assunto do próximo capítulo.
2 Mais ainda, nem todo processo quase-estático e sem atrito é reversível. Um exemplo

interessante de processo irreversível, porém quase-estático e sem atrito, é encontrado


no livro Statistical Mechanics, K. Huang, Jonh Wiley and Sons, 1987. Tal processo
envolve um gás evoluindo por uma sucessão de expansões livres infinitesimais.
Falaremos sobre a expansão livre (finita) mais adiante.
26 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

(b) certos processos irreversíveis, principalmente os que começam e


terminam em estados de equilíbrio termodinâmico.

Noção de Calor

Os processos envolvidos nos fenômenos naturais na escala macroscó-


pica são irreversíveis. Um exemplo notável é o aquecimento espon-
tâneo de um corpo (ou sistema) inicialmente frio quando em contato
com um outro inicialmente quente e o correspondente resfriamento
deste até o equilíbrio térmico de ambos. Este processo é irreversível:
não observamos, após o equilíbrio, um dos sistemas se aquecer e o
outro se resfriar espontaneamente.

Neste processo o sistema de maior temperatura transferiu, de alguma ma-


neira, energia ao de menor temperatura. Esta forma de transferência de
energia é chamada transferência de calor ou, simplesmente, calor. As-
sim o sistema de maior temperatura inicial, ao ceder calor, tem sua
temperatura diminuída e o sistema de menor temperatura inicial, ao
receber calor do primeiro, tem sua temperatura aumentada até o mo-
mento em que o equilíbrio térmico entre eles ocorre. Na próxima
seção estenderemos esta noção de calor.

2.2 Trabalho e Calor

Durante um processo termodinâmico em que um sistema de massa


fixa passa de um estado inicial i para um estado final f , podem ocor-
rer trocas de energia entre sistema e vizinhança de duas maneiras:

a) pela realização de trabalho mecânico, por exemplo na compressão


ou expansão de um gás, e/ou

b) por trocas de calor, que é uma forma não-mecânica de transmissão


de energia, ou seja, não está associada a realização de trabalho e de-
corre, em geral, de uma diferença de temperatura entre o sistema e a
vizinhança.
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 27

Calor e tabalho são possíveis formas de transferência de energia entre sistema


e vizinhança.
Calor por Condução e por Radiação
A transferência de calor pode decorrer diretamente de uma diferença
de temperatura entre sistema e vizinhança ou entre dois sistemas
(onde cada um deles é vizinhança do outro). É o que ocorre na ter-
malização espontânea de dois corpos em temperaturas iniciais dife-
rentes, descrita no final da seção anterior: esta forma de transferência
de calor é designada como calor por condução3 .
Por outro lado a energia eletromagnética enviada pelo Sol e recebida
pela Terra não é transmitida por causa da diferença de temperatura
entre o Sol e a Terra. Embora haja esta diferença de temperatura,
não é ela que provoca a radiação eletromagnética: de fato, a radia-
ção eletromagnética emitida pelo Sol se propagaria pelo espaço vazio
mesmo que a Terra não existisse! Esta radiação advém de processos
que ocorrem no interior do Sol. A transmissão de radiação eletro-
magnética do Sol para Terra, não estando associada à uma pressão
mecânica, pode ser designada como calor por radiação4 .
Trabalho num Processo Reversível
Quando o sistema “vai" do estado i para o estado f o trabalho reali-
zado pelo sistema e o calor por ele recebido dependem do processo
pelo qual o sistema evolui do estado i para o estado f , conforme
veremos a seguir.
Suponha que um sistema fluido simples segue um processo reversível
descrito por uma relação funcional P = P(V ), com V variando de Vi
3 No Exemplo 2.5 mais adiante veremos que, num processo reversível com tempe-
ratura constante de gás ideal, há transferência de calor entre o sistema-gás e a
vizinhança-reservatório embora não haja (idealmente falando) diferença de tem-
peratura entre eles pois se houvesse teríamos um processo fora do equilíbrio,
logo irreversível. Mas na prática podemos considerar, neste caso, uma diferença
de temperatura muito pequena (“infinitesimal") entre sistema e vizinhança.
4 Vale salientar que todo corpo irradia de acordo com a lei de Stefan-Boltzmann,

conforme veremos na disciplina de Física Moderna.


28 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

para Vf , como ilustrado na Fig. 2.2.

Fluido
F

X
xi x x + dx xf

Figura 2.2: Processo reversível com o volume V variando de Vi (asso-


ciado à xi ) para Vf (correspondente à x f ).

Então o trabalho realizado pelo sistema neste processo é dado por


ˆ xf ˆ xf ˆ Vf
W= F · dx = P · ( A · dx ) ∴ W= P(V ) · dV. (2.1)
xi xi Vi

Aqui F é a força que o sistema imprime sobre a vizinhança através da


parede móvel (pistão) e A é a área desta parede (transversal à figura).
A integral (2.1) correspondende, no diagrama VP, a “área" (mas não
em comprimento ao quadrado) sob a curva P = P(V ) em [Vi ; Vf ]
e, portanto, depende desta curva. Ou seja, o trabalho W depende
do “caminho" P = P(V ) ou, ainda, do processo termodinâmico pelo
qual o sistema evoluiu do estado i para o estado f e não apenas destes
estados. Adotamos a convenção de que W representa o trabalho reali-
zado pelo sistema. Assim se W > 0 este trabalho foi, de fato, realizado
pelo sistema; mas se o trabalho realizado pelo sistema for negativo,
W < 0, então foi a vizinhança que realizou trabalho positivo (−W)
sobre o sistema.

No caso geral em que o processo reversível é descrito por uma curva


qualquer, suficientemente diferenciável (e possivelmente fechada), Γ =
{α(t) = (V (t), P(t)); t ∈ [ti ; t f ]}, a expressão do trabalho acima
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 29

torna-se ˆ ˆ t2
dV (t)
W= PdV = P(t) dt. (2.2)
Γ t1 dt
´
Notemos que esta é uma integral curvilínea da forma Γ f (V, P)dV +
g(V, P)dP (onde f (V, P) = P e g(V, P) ≡ 0) e, portanto, é invari-
ante sob reparametrizações que preservam orientação da curva. E,
caso seja curva fechada, esta integral é invariante sob relocalização
do ponto inicial i (consulte livros de Cálculo).
Exemplo 2.1.
Calculemos o trabalho realizado por um sistema numa expansão
reversível descrita por P = aV b , a e b constantes, com b 6= −1,
V ∈ [Vi ; Vf ] e Vi < Vf .
Pela Eq. (2.1),
ˆ Vf ˆ Vf
b a  b +1 b +1

W= P · dV = aV · dV = Vf − Vi .
Vi Vi b+1

Atenção. Nomes de 5 tipos de processos:


isovolumétrico ou isocórico = sob volume V constante;
isobárico = sob pressão P constante;
isotérmico = sob temperatura T constante;
adiabático = sem troca de calor entre sistema e vizinhança;
cíclico ou um ciclo = quando o estado inicial do sistema é igual ao
estado final, i = f .

Exercício 1.
Considere um sistema que evoluiu reversivelmente por uma trans-
formação “P-isobárica" de um volume Vi para um volume Vf .
Mostre que o trabalho realizado pelo sistema foi de W = P(Vf −
Vi ).
30 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Exercício 2.
Mostre que o trabalho realizado por um gás ideal num processo
isotérmico reversível sob temperatura T é dado por

Vf
W = nRT · ln .
Vi

Trabalho Num Ciclo Reversível


Processos cíclicos são particularmente importantes no estudo de má-
quinas térmicas e refrigeradores, que abordaremos no Capítulo 4. Va-
mos verificar agora que, para um ciclo reversível representado no di-
agrama VP por uma curva fechada, o trabalho realizado pelo sistema
é positivo (respectivamente, negativo) se o ciclo for percorrido no
sentido horário (respectivamente, anti-horário). Considere o caso em
que o ciclo é representado por uma curva fechada simples descrita
por duas funções contínuas PA (V ) > PB (V ) > 0 com V ∈ (V1 ; V2 )
tais que PA (V1 ) = PB (V1 ) e PA (V2 ) = PB (V2 ) conforme a Fig. 2.3.

P
PA (V )
P2

P1 PB (V )
V1 V2 V

Figura 2.3: Ciclo reversível.

No caso em que o sistema parte do estado inicial i = (V1 , P(V1 )) e


retorna a este percorrendo o sentido horário temos que o trabalho
realizado pelo sistema é dado por
fi ˆ V2 ˆ V1
W= P · dV = PA · dV + PB · dV
V1 V2
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 31

ˆ V2 ˆ V2
∴W= PA · dV − PB · dV
V1 V1

onde na segunda parcela trocamos V1 com V2 , daí o aparecimento do


sinal negativo. Logo
ˆ V2
W= [ PA − PB ]dV > 0
V1

pois PA (V ) − PB (V ) > 0 para todo V ∈ (V1 ; V2 ). A verificação de


que W é negativo para o caso anti-horário é análoga. Para curvas
fechadas simples mais gerais o cálculo correspondente envolve mais
matemática, mas o resultado é qualitativamente o mesmo.
Calor num Aquecimento ou Resfriamento Reversível
Um sistema pode, num dado processo, receber calor da (ou liberar
calor para a) vizinhança sem que haja alterações apreciáveis na sua
temperatura. Por exemplo, um cubo de gelo sob pressão atmosfé-
rica padrão (≈ 105 N/m2 ) derrete sob temperatura constante de 00 C
= 273 K mesmo recebendo calor: este provoca apenas a fusão do
gelo. Outro exemplo: um gás ideal que se expande isotérmica e re-
versivelmente recebe calor de algum reservatório térmico, detalhes
mais adiante no Exemplo 2.5.
Suponhamos, porém, que um sistema tem sua temperatura alterada
de Ti para T f durante um processo reversível Γ, com Ti < T f (aqueci-
mento) ou Ti > T f (resfriamento). Num tal processo podemos desig-
nar uma função CΓ ( T ), chamada capacidade térmica do sistema no
referido processo. Ela é tal que o calor Q absorvido pelo sistema neste
processo seja dado por
ˆ Tf
QΓ = CΓ ( T ) · dT (2.3)
Ti

Notemos que a Eq. (2.3) é, ressalvadas observações posteriores, um


tanto semelhante a Eq. (2.2) referente a expressão do trabalho num
processo reversível. O calor QΓ recebido pelo sistema também de-
32 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

pende, em geral, do referido processo Γ que vai de i para f .


Exemplo 2.2.
Vamos calcular o calor recebido por um sistema de capacidade
térmica C ( T ) = A · T, com A constante, quando este é aquecido
de T0 para T0 + ∆T.
Pela Eq. (2.3) temos
ˆ T0 +∆T ˆ T0 +∆T
A
Q= C · dT = AT · dT = · [( T0 + ∆T )2 − T02 ],
T0 T0 2

(∆T )2
 
∴ Q = A · T0 · ∆T + .
2

T1 < T2

1 2

Figura 2.4: Fluxo espontâneo de calor “do mais quente para o mais
frio", referente ao Exemplo 2.3.

Exemplo 2.3.
Termalização Espontânea de Dois Corpos. Vamos considerar dois
corpos de capacidades térmicas constantes C1 e C2 , com tempera-
turas iniciais T1 e T2 > T1 respectivamente, Fig. 2.4. Após serem
colocados em contato eles atingem, depois de algum tempo, o
equilíbrio térmico numa temperatura T f que vamos calcular a se-
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 33

guir.
Sejam Q1 o calor recebido pelo corpo inicialmente em T1 e Q2
o calor recebido pelo corpo inicialmente em T2 . Considerando-
os isolados do ambiente externo temos que, por conservação de
energia, Q1 + Q2 = 0, ou seja, o calor (Q1 ) recebido pelo corpo
inicialmente mais frio é igual ao calor (− Q2 ) cedido pelo corpo ini-
cialmente mais quente. Aqui já estamos usando a chamada pri-
meira lei da Termodinâmica, apresentada adiante de forma mais
abrangente. Mas, pela Eq. (2.3), temos
ˆ Tf
Q1 = C1 · dT = C1 ( T f − T1 ) e Q2 = C2 ( T f − T2 ).
T1

Assim, Q1 + Q2 = C1 ( T f − T1 ) + C2 ( T f − T2 ) = 0 donde

C1 T1 + C2 T2
Tf = .
C1 + C2
Notemos que, sendo C1 e C2 positivos e T1 < T2 ,

C1 T1 + C2 T1 C T + C2 T2 C T + C2 T2
T1 = < 1 1 = Tf < 1 2 = T2 ,
C1 + C2 C1 + C2 C1 + C2
ou seja, T f é intermediária entre T1 e T2 : ela é a média ponderada
de T1 e T2 com pesos estatísticos C1 /(C1 + C2 ) e C2 /(C1 + C2 ),
respectivamente. Notemos ainda que se C1 = C2 então T f será a
média aritmética de T1 e T2 :
T1 + T2
Tf = .
2

Exercício 3.
A capacidade térmica molar (ou por mol) de qualquer sistema
sólido em temperaturas suficientemente elevadas (temperaturas
ambientes) é constante e cerca de 6 cal/mol·K (Dulong-Petit, 1819).
34 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Mas nas vizinhanças do zero absoluto (0 K) ela é dada pela lei de


Debye (1912): C = A · T 3 com A sendo uma constante caracterís-
tica do material.
a) Qual a unidade de A no sistema padrão MKS?
b) Calcule o calor necessário para aquecer um mol de sólido desde
0 K (supondo possível) até a temperatura T (ainda suficiente-
mente baixa no regime da lei de Debye).

Resposta: a) J/K4 , b) Q = AT 4 /4.

2.3 A Primeira Lei

Lembremos que o calor Q recebido e o trabalho W realizado por um


sistema de massa fixa, quando vai do estado i para o estado f , de-
pendem em geral do processo ou caminho que o sistema percorreu
de i para f ; Fig. 2.5. Entretanto, em concordância com o princípio
de conservação de energia, a diferença Q − W entre o calor Q que
“entrou" no sistema e o trabalho W que “saiu" do sistema foi acres-
centada (se Q − W > 0) à chamada energia interna do sistema. E a
diferença Q − W não depende do caminho i f mas apenas dos
pontos i e f . Este é, essencialmente, o conteúdo da primeira lei da
Termodinâmica que enunciamos a seguir.

Sistema
Q W
(i f)

Figura 2.5: Sistema evoluindo por um processo i f durante o qual


recebe calor Q e realiza trabalho W.
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 35

Primeira Lei da Termodinâmica: Cada sistema simples de massa fixa possui


uma função U, definida no conjunto dos estados de equilíbrio acessíveis ao
sistema (uma função de estado), chamada energia interna. Quando o sistema
evolui de um estado de equilíbrio i para um estado de equilíbrio f recebendo
uma quantidade de calor Q e realizando um trabalho W então

∆U ≡ U ( f ) − U (i ) = Q − W.

A primeira lei estende o princípio de conservação de energia aos pro-


cessos térmicos, englobando os conceitos de calor e energia interna.
No caso de um processo infinitesimal a expressão da primeira lei
torna-se
dU = dQ − dW.
Aqui dU é uma diferencial exata, pois U é função de estado, mas
dQ e dW não são diferenciais exatas por envolver Q e W que não
são funções de estado pois dependem do particular processo termo-
dinâmico em consideração; detalhes matemáticos sobre diferenciais
exatas e não exatas no próximo capítulo.
Estamos supondo que a fronteira entre o sistema e a vizinhança, em-
bora possa permitir transferências de energia (Q e W), é constituída
de paredes impermeáveis, ou seja, não permite trocas de matéria en-
tre eles: temos um sistema fechado (não necessariamente isolado),
portanto de massa fixa. Se assim não fosse, a expressão da primeira
lei seria
dU = dQ − dW + dWq
onde o terceiro termo estaria associado às trocas de partículas mate-
riais entre sistema e vizinhança; não consideraremos estes casos.
Vale salientar que a primeira lei da Termodinâmica não fornece re-
ceita para cálculo da energia interna do sistema em foco, apenas pos-
tula sua existência e indica como calcular sua variação em função do
calor e do trabalho (macroscópicos) que o sistema troca com a vizi-
nhança no processo em consideração. Todavia a Teoria Cinética (ou
a Mecânica Estatística) define a energia interna em termos da soma
das energias potenciais e cinéticas das moléculas (microscópicas) do
36 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

sistema, detalhes à parte.


Exemplo 2.4.
Considere um sistema termodinâmico cuja equação de estado é
dada por P = AB · T − B · V e cuja energia interna é U (V, T ) =
( BV 2 )/2 + CT, onde A, B e C são constantes. Suponha que
este sistema se expande isotérmica e reversivelmente de Vi para
Vf > Vi . Calculemos, para este processo, o trabalho realizado
pelo sistema, a variação de energia interna do sistema e o calor
recebido pelo sistema.
Pela Eq. (2.1) temos, sendo um processo isotérmico,
ˆ Vf
B 2
W= ( AB · T − B · V )dV = AB · T · (Vf − Vi ) − (V − Vi2 ).
Vi 2 f

A variação de energia interna é

B · Vf2
" # " #
B · Vi2
∆U = U (Vf , T ) − U (Vi , T ) = +C·T − +C·T
2 2

B 2
∴ ∆U =
(V − Vi2 ).
2 f
Portanto, pela primeira lei da Termodinâmica, o calor recebido
pelo sistema no processo é

Q = ∆U + W = AB[· T · (Vf − Vi )].

Exercício 4.
Um sistema líquido é agitado em um recipiente de volume cons-
tante, fechado, de paredes rígidas e termicamente isolantes (ou
adiabáticas). Considere como sistema o líquido mais o recipiente.
Foi transferido calor ao sistema? Foi realizado trabalho sobre o
sistema? Qual é o sinal da variação de energia interna do sis-
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 37

tema? A energia interna do sistema aumentou, diminuiu ou não


se alterou?

Exercício 5.
Uma experiência de combustão é realizada em uma mistura de
combustível e oxigênio contidos em um recipiente não-adiabático
de volume constante circundado por um banho de água. A tem-
peratura da água sobe durante o processo. Considere a matéria
dentro do recipiente como sendo o sistema. Foi realizado trabalho
sobre o sistema? Foi transferido calor entre sistema e vizinhança?
A energia interna do sistema se alterou?

Expansão Livre, Energia do Gás Ideal


Vamos considerar um recipiente adiabático de dois compartimentos
um dos quais contendo um gás rarefeito (ideal) em equilíbrio numa
temperatura Ti = T. No outro compartimento há vácuo e, quando a
passagem entre eles é aberta, o gás se expande de modo que parte
de sua massa migra rápida e irreversivelmente para o compartimento
inicialmente vazio conforme esquema da Fig. 2.6.
Após um certo tempo podemos notar que o gás atinge um estado
de equilíbrio final de temperatura T f ≈ Ti = T, resultado obtido
nas diversas reproduções do experimento. Atenção: não se trata de
um processo isotérmico pois, enquanto ele ocorre, o gás está fora do
equilíbrio termodinâmico; o que temos é, simplesmente, T f = Ti = T.
Notemos que, neste processo, o gás não realiza trabalho (não há tra-
balho sobre o vácuo no compartimento inicialmente vazio) e não troca
calor com o ambiente: W = Q = 0. Logo, considerando o dado
experimental Ti = T f = T, a primeira lei nos fornece U (Vf , T ) −
U (Vi , T ) = Q − W = 0 com Vi e Vf escolhidos arbitrariamente nos ex-
perimentos. Isto aponta que, para cada T, a energia interna U (V, T )
do gás ideal é independente do volume V e, portanto, é função ape-
nas da temperatura absoluta: Ugás ideal = U ( T ). Isto está relacionado
com o fato de que, no gás ideal, as moléculas estão suficientemente
38 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Antes

Depois

Figura 2.6: Expansão livre de gás ideal.

afastadas umas das outras de forma que a energia potencial deste sis-
tema é praticamente nula e, daí, uma alteração de volume do gás não
deve influenciar na energia interna. Veremos, depois que abordar-
mos o conceito de entropia no próximo capítulo, que este resultado
pode ser deduzido teoricamente sem referência ao experimento de
expansão livre. Frizemos:
• A energia interna ou, simplesmente, a energia do gás ideal é função so-
mente da temperatura absoluta: Ugás ideal = U ( T ).

Exemplo 2.5.
Considere uma transformação isotérmica de gás ideal. Como
Ugás ideal = U ( T ) temos ∆U = U ( T f ) − U ( Ti ) = 0, pois Ti = T f .
Logo, pela primeira lei, Q − W = ∆U = 0 e então, pelo resultado
do Exercício 2,
Vf
Q = W = nRT ln .
Vi
Se Vi < Vf (expansão isotérmica) temos Q = W > 0 de modo que
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 39

o gás recebe calor (de um reservatório) da vizinhança e realiza


trabalho sobre a vizinhança. Se Vi > Vf (compressão isotérmica)
temos Q = W < 0, a vizinhança realiza trabalho sobre o gás e
este entrega calor para a vizinhança.

Exercício 6.
Um gás ideal (de massa fixa) segue o processo cíclico reversível
descrito pelas seguintes etapas: Primeira) uma expansão isobá-
rica ( P1 , V1 ) −→ ( P1 , V2 ), Segunda) uma queda isovolumétrica de
pressão ( P1 , V2 ) −→ ( P2 , V2 ), Terceira) uma redução isobárica de
volume ( P2 , V2 ) −→ ( P2 , V1 ), Quarta) um aumento isovolumétrico
de pressão ( P2 , V1 ) −→ ( P1 , V1 ). Aqui V1 < V2 e P1 > P2 .
a) Desenhe um diagrama VP deste processo.
b) Qual o trabalho realizado pelo gás neste ciclo?
c) Qual o trabalho realizado pelo gás em 100 ciclos?
d) Obtenha a variação de energia interna do gás e a quantidade
de calor recebida pelo gás num ciclo.

Resposta: b) W = ( P1 − P2 )(V2 − V1 ), d) ∆U = 0 e
Q = ( P1 − P2 )(V2 − V1 ).

Exercício 7.

É possível fornecer calor a um sistema sem aumentar sua tempe-


ratura nem provocar uma transição de fase? Em caso afirmativo,
isto contradiz o conceito de calor como energia transferida devido
a diferenças de temperatura? Comente.

Exercício 8.
Conforme o texto temos que a energia interna do gás ideal é fun-
ção apenas da temperatura: Ugás ideal = f ( T ). Mas notemos que
PV = nRT ⇒ T = PV/nR e, assim, Ugás ideal = f ( PV/nR) =
40 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

g(V, P) de modo que Ugás ideal agora depende do volume V. Expli-


que.

2.4 Capacidades Térmicas Principais

Conforme mencionamos, o calor recebido por um sistema durante


um processo termodinâmico i f depende, em geral, do caminho
que o sistema percorre de i para f . Num dado processo quase-estático
reversível Λ, em que o sistema tem sua temperatura alterada de Ti
para T f , podemos designar a capacidade térmica CΛ do sistema neste
processo de tal forma que a Eq. (2.3) forneça o calor recebido pelo
sistema no processo em foco. A versão infinitesimal desta equação é

dQΛ = CΛ · dT. (2.4)

Para um dado sistema existem duas capacidades térmicas principais,


cada qual associada a um tipo particular de processo: a capacidade
térmica CV associada a processos sob volume V constante e a ca-
pacidade térmica CP associada a processos sob pressão P constante.
Denotamos:
dQV = CV · dT e dQ P = CP · dT.
Vamos obter expressões adequadas para elas em termos de funções
termodinâmicas.
Considerando U = U (V, T ) temos, pela primeira lei,

∂U ∂U
CV · dT = dQV = dU + PdV = dT + dV + PdV.
∂T V ∂V T

Num processo com V = const. temos dV = 0 e então



∂U ∂U
CV · dT = dT ⇒ CV (V, T ) = (2.5)
∂T V ∂T V

que é a expressão geral de CV . No caso particular do gás ideal temos


CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 41

simplesmente U = U ( T ) e então

dU
CV ( T ) = .
dT

Exercício 9.
Mostre que a energia interna de um gás ideal, para intervalos de
temperatura em que CV é constante, é da forma U ( T ) = CV T +
const.

Consideremos agora U = U ( P, T ). Pela primeira lei temos



∂U ∂U
CP · dT = dQ P = dU + PdV = dT + dP + PdV
∂T P ∂P T

de modo que, sob P =constante (dP = 0),



∂U
CP · dT = dT + PdV. (2.6)
∂T P

Mas pela equação de estado do sistema, V = V ( P, T ), temos



∂V ∂V
dV = dT + dP.
∂T P ∂P T

Com dP = 0 temos
∂V
dV = dT.
∂T P
Pondo este resultado na Eq.(2.6) obtemos
 
∂U ∂V
CP · dT = +P dT
∂T P ∂T P

de modo que
∂U ∂V
CP ( P, T ) = +P . (2.7)
∂T P ∂T P
42 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Esta expressão geral para CP requer a energia interna U ( P, T ) e a


equação de estado V = V ( P, T ) do sistema.
Exemplo 2.6.
Vamos calcular CP e CV para o sistema do Exemplo 2.4 para o
qual a equação de estado e a função energia interna são dados,
respectivamente, por P = AB · T − B · V e U = ( BV 2 )/2 + CT,
onde A, B e C são constantes.
Temos, pela Eq.(2.5),

∂ BV 2
 
∂U
CV = = + CT = C.
∂T V ∂T 2

Por outro lado,


P
P = ABT − BV =⇒ V = AT − , (2.8)
B
BV 2 B( AT − P/B)2
U= + CT ∴ U ( P, T ) = + CT. (2.9)
2 2
Assim, pelas Eqs. (2.7), (2.8) e (2.9),

∂U ∂V
CP = +P =
∂T P ∂T P

∂ B( AT − P/B)2
   
∂ P
= + CT + P AT −
∂T 2 ∂T B
   
P
∴ CP = B AT − A + C + P · A =⇒ CP = C + A2 BT.
B

Exercício 10.
Mostre que, para uma amostra de gás ideal, as capacidades tér-
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 43

micas principais CV e CP estão relacionadas por

CP = CV + nR.

Sugestão: use PV = nRT, U = U ( T ) e as definições de CV e CP .

Interpretação Física do Resultado do Exercício 10. Notemos que, para o


gás ideal, CP = CV + nR > CV pois nR > 0. Logo
ˆT +∆T ˆT +∆T
!
QP = CP dT = CV dT + nR∆T = QV + nR∆T > QV .
T T

Isto é, para provocar um mesmo aumento de temperatura ∆T em um


gás ideal, o calor que deve ser fornecido ao gás é maior sob pressão
constante do que sob volume constante. Fato semelhante a este acon-
tece quando cozinhamos alimentos numa panela de pressão. Dentro
da panela o volume (e não a pressão) do sistema alimentos+vapores
é mantido praticamente constante. Dessa forma, ao receber calor
sob volume constante, o sistema tem sua temperatura (e sua pressão)
aumentada num tempo menor quando comparado com o tempo de
aquecimento numa panela comum sob pressão atmosférica constante.
Logo, na panela de pressão, o sistema alimento+vapores absorvem
menos calor e, assim, consomem menos gás de cozinha.
Entalpia
Dado um sistema termodinâmico simples com equação de estado
V = V ( P, T ) e energia interna U = U ( P, T ) define-se a entalpia do
sistema por
H ( P, T ) = U ( P, T ) + P · V ( P, T ). (2.10)
Notemos que entalpia é função de estado. Com ela temos

∂U ∂V ∂ ∂H
CP = +P = [U ( P, T ) + P · V ( P, T )] ∴ CP =
.
∂T P ∂T P ∂T P ∂T P
(2.11)
Notemos que, para um gás ideal, temos PV = nRT e U = U ( T ) de
modo que H = U ( T ) + PV = U ( T ) + nRT, portanto função apenas
44 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

da temperatura. Além disso temos, pela Eq.(2.11),

dH d dU
CP = = [U ( T ) + nRT ] = + nR = CV + nR,
dT dT dT
como no Exercício 10. Assim, para o gás ideal, temos (CP /n) −
(CV /n) = R. Independente de qual seja o sistema, as quantidades
cV = CV /n e c P = CP /n, chamadas capacidades térmicas por mol ou
capacidades térmicas molares ou, ainda, calores específicos molares,
são características da substância.

Exercício 11.
Encontre a entalpia do sistema do Exemplo 2.6, para o qual a
equação de estado e a energia interna são, respectivamente, P =
AB · T − B · V e U = ( BV 2 )/2 + CT com A, B e C são constantes.

Resposta: H = −( P2 /2B) + ( A2 BT 2 /2) + CT.

Processos Adiabáticos Reversíveis de Gás Ideal

Se o gás ideal sofre um processo reversível adiabático (dQ = 0) pode-


mos escrever, de acordo com a primeira lei,

CV dT = dU = − PdV. (2.12)

Diferenciando a equação de estado nRT = PV temos nRdT = PdV +


VdP e, considerando nR = CP − CV , segue que (CP − CV )dT =
PdV + VdP. Pondo esta na Eq. (2.12) temos

CV
[ PdV + VdP] = − PdV
CP − CV
e, após simplificações,

CP
VdP + γPdV = 0 onde γ= .
CV
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 45

Dividindo esta equação por PV temos

1 γ
dP + dV = 0
P V
de modo que, supondo γ constante,

d{ln( PV γ )} = 0.

Portanto
P · V γ = const. (2.13)
Este resultado nos diz que para o gás ideal as curvas adiabáticas,
P = const./V γ , têm decrescimento mais pronunciado do que as cur-
vas isotermas, P = nRT0 /V, pois γ = CP /CV = (CV + nR)/CV =
1 + nR/CV > 1. Isto pode ser interpretado notando que na expansão
adiabática o gás usa parte de sua energia interna para realizar traba-
lho e com isto a sua temperatura cai (dU = − PdV) enquanto que na
expansão isotérmica a temperatura (e, portanto, a energia interna) é
constante, vide Fig. 2.7.

Isoterma(T constante)

Adiabática(T decrescente)
V

Figura 2.7: Para o gás ideal uma curva adiabática decresce mais rá-
pido do que uma isoterma.

Vale salientar que os valores de c P , cV e, portanto, de γ = c P /cV


dependem da estrutura ou modelo molecular do gás (Mecânica Esta-
tística).
46 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Exercício 12.
Oito litros de gás ideal sob pressão de 4 atm na temperatura de
2000 C se expande até sua pressão ficar reduzida para 1 atm. Em
cada caso a seguir encontre o volume e a temperatura (absoluta)
final do sistema, o trabalho realizado e o calor recebido pelo sis-
tema. Dados: 1atm∼ = 1, 0 × 105 N/m2 , 1litro= 10−3 m3 .
a) Expansão isotérmica reversível;
b) Expansão adiabática reversível com γ = c P /cV = 5/3;
c) Expansão adiabática livre.
d) Compare as quantidades de trabalho obtidas nos ítens (a) e (b)
e interprete a diferença.

Resp.: a) Vf = 32 litros, T f = 473 K, W = Q = 3, 2(ln 4) × 103 J;


√ √
b) Vf = 16 5 2 litros, T f = [( 5 2)/2]473 K,
√ √
W = 24(2 − 5 2) atm·litro∼ 5
= 2, 4(2 − 2) × 103 J, Q = 0;
c) Vf = 32 litros, T f = 473 K, W = Q = 0.
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 47

2.5 Exercícios

1. Calcule o trabalho realizado por um gás de Van der Walls, com


equação de estado ( P + a/V 2 )(V − b) = nRT (a e b constantes), em
cada um dos processos reversíveis de Vi para Vf dados a seguir.
a) Sob temperatura T constante.
b) Sob pressão P constante.
c) Sob volume V constante.
Resposta: a) W = nRT ln[(Vf − b)/(Vi − b)] + a[(1/Vf ) − (1/Vi )];
b) W = P(Vf − Vi ); c) W = 0.

2. Mostre que o trabalho realizado por um 1 mol de gás ideal no


processo V = aT b , a e b constantes não nulas, de T0 para T0 + ∆T é
dado por W = bR · ∆T.

3. Suponha que a capacidade térmica por mol de um sistema termo-


dinâmico é dada por C ( T ) = A · T 2 , onde A = const. Calcule o calor
recebido pelo sistema quando aquecido de Ti para 2Ti .
Resposta: Q = 7ATi3 /3.

4. Mostre que, numa transformação reversível e isotérmica de gás


ideal, o trabalho realizado e o calor recebido pelo gás são dados por
´ Pf
W = Q = − Pi VdP onde Pi e Pf são as pressões inicial e final do
processso em foco.

5. Uma amostra de gás ideal tem sua pressão alterada de P para


aP, a > 0 constante, numa transformação isotérmica reversível na
temperatura (absoluta) T. Mostre que o trabalho realizado e o calor
recebido pelo gás são dados por W = Q = −nRT ln a.

6. Um gás ideal está contido num recipiente cilíndrico equipado com


um pistão sem atrito e é levado do estado i para o estado f ao longo
do processo reversível ia f esquematizado na Fig. 2.8. Neste processo,
48 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

80 J de calor fluem para dentro do sistema e este realiza 30 J de tra-


balho. a) Qual o calor recebido pelo sistema no processo ib f se, neste
caso, o trabalho realizado pelo gás foi de 10 J? b) Quando o sistema
vai de f para i ao longo do caminho curvilíneo, o trabalho realizado
sobre o sistema é de 20 J. Qual o calor recebido pelo gás neste pro-
cesso? c) Se Ui = 0 e Ub = 40 J calcule os calores recebidos pelo gás
nos processos ib e b f .

P
a f

i b
V

Figura 2.8: Referente ao Exercício 6.


Resp.: a) Qib f = 60 J, b) Q f i = −70 J, c) Qib = 50 J e Qb f = 10 J.

7. Considere como sistema termodinâmico uma amostra de água


sob pressão atmosférica padrão (∼ 105 N/m2 ) à 373 K, que é sua
temperatura de vaporização ou fervura na pressão dada. Suponha
que durante uma vaporização reversível nesta temperatura a amostra
de água realiza 8 kJ de trabalho e sua energia interna aumenta de
80 kJ. Calcule aproximadamente a massa de água vaporizada, dado
que o calor para vaporização da água é em torno de 540 cal/g (ou
seja, cada grama de água se vaporiza ao receber 540 cal, sob pressão
padrão, à 373 K). Observação: 1 cal = 4, 19 J e 1 kX = 103 X.
Resposta: M ≈ 40 g.

8. Um gás ideal está contido num cilindro equipado com uma pa-
rede móvel (êmbolo) sem atrito, sob pressão P e volume V. O gás
é aquecido reversivelmente sob volume constante até sua tempera-
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 49

tura duplicar e então é resfriado sob pressão constante até atingir a


temperatura inicial. Mostre que o trabalho realizado sobre o gás é
Ws/g = PV.

9. Um gás ideal passa por um processo adiabático reversível descrito


por PV γ = const. de Vi para Vf . Aqui γ = CP /CV > 1. Mostre que o
trabalho realizado pelo gás é W = ( Pi Vi − Pf Vf )/(γ − 1).

10. Mostre que as seguintes relações são válidas para uma transfor-
mação reversível adiabática, PV γ = const., de um gás ideal:

TV γ−1 = const.,
T
= const.
P1−1/γ

11. Considere um processo politrópico, em que o calor fornecido a


um gás ideal por variação de temperatura é dQ/dT = Φ = const. Se
CV e CP são constantes mostre que a curva deste processo é descrita
por PV a = const., onde a = (CP − Φ)/(CV − Φ). O que acontece se
Φ = 0?

12.
a) Explique porque duas curvas isotermas (reversíveis) de um sistema
qualquer não podem se intersectar.
b) Mostre que duas curvas adiabáticas (reversíveis) de um sistema
simples qualquer não podem se intersectar. Ajuda: Usando a pri-
meira lei da Termodinâmica com dQ = 0 (condição de adiabatici-
dade) obtenha
 
∂U ∂U
0 = dQ = dU + P · dV =⇒ + P dV + dP = 0
∂V P ∂P V
50 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

que é uma equação da forma

dP
f (V, P) + g(V, P) = 0.
dV
Esta é uma equação diferencial de primeira ordem cujas soluções são
adiabáticas. Complete o argumento.

13. Teorema de Equipartição e Capacidades Térmicas. De acordo com


o teorema da equipartição de energia da Mecânica Estatística Clás-
sica, cada “grau de liberdade" microscópico (veja adiante) contribui
na energia interna de um gás ideal com kT/2 onde k = nR/N é a
constante de Boltzmann.
a) Consideremos um gás de N “moléculas monoatômicas" de modo
que cada uma possui apenas um único átomo quimicamente estável.
Este gás tem 3N graus de liberdade correspondentes às 3N compo-
nentes x, y e z das energias cinéticas de translação das moléculas
(átomos). Assim, a energia interna de um gás ideal monoatômico clás-
sico é dada por

kT 3
U = 3N =⇒ U ( T ) = nRT.
2 2
b) Para um gás de N moléculas diatômicas rígidas (tipo halteres), além
dos 3N graus de liberdade de translação, existem 2N graus de liber-
dade de rotação das moléculas. Estes correspondem, para cada mo-
lécula, as duas possíveis rotações em torno dos dois respectivos eixos
X e Y perpendiculares à reta Z que passa pelos dois átomos. Assim,
para este gás, temos um total de 5N graus de liberdade e então sua
energia interna é dada por

kT 5
U = 5N =⇒ U ( T ) = nRT.
2 2
c) No caso de um gás de moléculas diatômicas flexíveis (como se os
dois átomos de cada molécula fossem ligados por uma mola), além
dos 5N graus de liberdade de translação e rotação, há N graus de
CAPÍTULO 2. PRIMEIRA LEI DA TERMODINÂMICA 51

liberdade associados às energias cinéticas de vibração mais N graus


de liberdade associados às energias potenciais de vibração. Assim,
para este gás, temos 7N graus de liberdade de modo que sua energia
interna é
kT 7
U = 7N =⇒ U ( T ) = nRT.
2 2
Mostre que:
a) para um gás ideal monoatômico clássico temos CV = 3nR/2 e CP =
5nR/2;
b) para um gás ideal diatômico clássico de moléculas rígidas temos CV =
5nR/2 e CP = 7nR/2;
c) para um gás ideal diatômico clássico com moléculas flexíveis temos
CV = 7nR/2 e CP = 9nR/2.
Comentário: Para os gases monoatômicos, diatômicos e diatômicos vi-
bracionais a previsão do modelo cinético (mecânico-estatístico) clás-
sico fornece, nesta ordem, as seguintes capacidades térmicas molares
a volume constante: cV = 3R/2 ≈ 12, 5 J/mol·K, cV = 5R/2 ≈ 20, 7
J/mol·K, cV = 7R/2 ≈ 29 J/mol·K. Os resultados experimentais (em
condições de pressão e temperatura padrões, ∼ 105 N/m2 e ∼ 273 K)
confirmam, com boa precisão, as previsões para os casos monoatômi-
cos (He, Ar, Ne, Kr) e para uma boa parte dos diatômicos mediante
o modelo de halteres (H2 , N2 , O2 , CO). Entretanto para o diatômico
Cl2 o resultado experimental é cV = 25, 7 J/mol·K, que está entre
os valores previstos pelo modelo de halteres e pelo modelo vibracio-
nal. Se aplicarmos o teorema de equipartição para o caso dos gases
poliatômicos aparecem mais discrepâncias com os resultados experi-
mentais: os valores medidos de cV são maiores do que os previstos
pelo modelo microscópico clássico. Aqui chegamos a um dos limites
da Mecânica Clássica: da mesma forma que ela falha para descre-
ver movimentos de partículas com velocidades comparáveis à da luz
no vácuo (onde a teoria da relatividade é requerida), ela falha tam-
bém nos domínios atômico-molecular e subatômico (onde a descrição
adequada é feita pela Mecânica Quântica).
Entropia e Segunda Lei
3
3.1 Irreversibilidade

Processos termodinâmicos com suficiente controle experimental, di-


gamos realizados de forma quase-estática, sob atrito desprezível etc.,
são (praticamente) reversíveis e formados (aproximadamente) por su-
cessões de estados de equilíbrio termodinâmico. No entanto os pro-
cessos envolvidos em fenômenos macroscópicos que observamos na
natureza são irreversíveis, ocorrem fora do equilíbrio.
Notemos que se um dado processo ocorre, com um sistema “indo"
de um estado i para um estado f , seria a princípio possível e sem
violar primeira lei (conservação de energia) que ocorresse o processo
inverso f i, como num filme do processo i f executado do final para
o começo. Mas este processo inverso em geral não ocorre “no mundo
real".
Exemplo 3.1.

a) Se colocarmos um cubo de gelo a 00 C sobre uma mesa à tempe-


ratura ambiente, digamos a 200 C, o gelo recebe calor do ambiente
e, após derreter, sua temperatura se eleva; no entanto o gelo po-

53
54 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

deria, a princípio, ceder calor para o ambiente (mais quente) e


ficar “mais gelado" mas isto não ocorre!
b) Quando colocamos uma panela com água sobre uma chama,
podemos notar a água aquecendo ao receber calor da chama; no
entanto a água poderia também, revertendo o processo, ceder ca-
lor para a chama e se resfriar mas isto não acontece. Enfim:
• A passagem espontânea de calor de um sistema para outro de menor
temperatura é um processo irreversível.

Exemplo 3.2.
Também não ocorre o processo inverso da expansão livre de um
gás.
• A expansão livre é um processo irreversível.

Outras situações:
Exemplo 3.3.
Ao cair, uma xícara vai convertendo energia potencial em cinética
até colidir com o piso e se fragmentar. Este processo é irreversível:
os fragmentos da xícara não se reaglomeram nem sobem espon-
taneamente... podemos até filmar a queda e passar o filme ao
contrário, onde a xícara é reconstituída de modo a “recuperar" a
energia potencial inicial, mas isto não ocorre de fato.

Exemplo 3.4.
Um ser vivo nasce, cresce e morre. Este processo é irreversível.

Processos irreversíveis são unidirecionais no tempo e isto nos per-


mite, de certa forma, imaginar uma seta do tempo termodinâmica: o sen-
tido “passado futuro" pode ser associado com a ocorrência de um
processo “i f " em que um sistema vai irreversivelmente do estado
i para o estado f . Detalhes à parte, a seta do tempo é um problema
em aberto.
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 55

Mas... o que ou que lei física proíbe que haja reversibilidade de fenô-
menos macroscópicos? Afinal, as leis da física clássica são reversíveis
no tempo e não distinguem passado e futuro. Por exemplo, a equação
newtoniana de movimento
d2 x
m = F(x)
dt2
não se modifica se trocarmos t por −t, pois [d(−t)]2 = dt2 , ou seja, é
invariante por reversão temporal.

A irreversibilidade de processos termodinâmicos é abordada pela


chamada segunda lei da Termodinâmica, tema deste capítulo. A for-
mulação desta lei está historicamente ligada a um problema de enge-
nharia: aumentar a rendimento das máquinas térmicas. A principal
realização do estudo deste problema foi feita na década de 1820 pelo
engenheiro francês Nicolas Sadi Carnot. No entanto abordaremos,
neste capítulo, a versão entrópica da segunda lei. Máquinas térmi-
cas, outras versões da segunda lei e outros desenvolvimentos serão
considerados no próximo capítulo.

Mas antes de apresentar a segunda lei vamos (re)ver alguns conceitos


de Cálculo.

3.2 Diferenciais

A energia interna U de um sistema termodinâmico simples (homo-


gêneo, de massa fixa) pode ser tomada como função de qualquer par
de coordenadas termodinâmicas, (V, P), (V, T ) ou ( P, T ), pois qual-
quer um destes pares está relacionado com a terceira coordenada pela
equação de estado do sistema. Se, por exemplo, tivermos U (V, P) po-
demos escrever a diferencial de U como

∂U ∂U
dU = · dV + · dP.
∂V P ∂P V
56 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

A notação ∂U/∂V | P reflete o fato de escolhermos U como função


de (V, P) de modo que, na derivada de U em relação ao volume
V, temos a pressão P tratada como se fosse constante. Numa outra
representação poderíamos ter, por exemplo, ∂U/∂V | T , que pressupõe
U como função de (V, T ) de modo que, na derivada de U em relação
à V, a temperatura T é tratada como se fosse constante.
De uma maneira geral a diferencial de uma função diferenciável f ( x, y)
é dada por
∂ f ∂ f
df = dx + dy (3.1)
∂x y ∂y x
que tem a forma

Ω = M ( x, y)dx + N ( x, y)dy (3.2)

com M e N definidas num conjunto aberto1 D de R2 (plano XY).


Uma expressão como Ω, dada pela Eq. (3.2), é chamada uma forma
diferencial de primeira ordem (ou uma 1-forma) ou, ainda, uma pfaf-
fiana. Quando existe uma função diferenciável f : D ⊂ R2 → R tal
que

∂ f ∂ f
Ω = M ( x, y)dx + N ( x, y)dy = dx + dy = d f ,
∂x y ∂y x

ou seja, de modo que M = ∂ x f |y e N = ∂y f x , dizemos que Ω é uma


forma diferencial exata ou diferencial total e que f é uma primitiva


de Ω. Além do mais se M e N possuem derivadas parciais contínuas,
ou seja, são de classe C1 então

∂2 f ∂2 f

∂M ∂N ∂M ∂N
= = = =⇒ = . (3.3)
∂y x ∂y∂x ∂x∂y ∂x y ∂y x ∂x y

Notemos que a Eq. (3.3) é condição necessária para a existência de


1 Um conjunto D ⊂ R2 é aberto se ele contém apenas seus pontos interiores, ou
seja, seus pontos de fronteira não pertencem a ele; vide livros de Cálculo.
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 57

f (ou para Ω ser diferencial exata). Isto é, dadas M e N de classe


C1 , se Mdx + Ndy = d f para alguma função f no aberto D então a
condição dada pela Eq.(3.3) é satisfeita. Mas ela é também condição
suficiente para garantir a existência de f se D for simplesmente conexo
(vide livros de Cálculo)2 .
Exemplo 3.5.

A forma diferencial 2xy4 dx + 4x2 y3 dy é exata pois

∂(2xy4 ) 3 ∂(4x2 y3 )
= 8xy = .
∂y ∂x

Procuremos uma função primitiva f associada. Seja f tal que


d f = 2xy4 dx + 4x2 y3 dy, ou seja,

∂ f 4 ∂ f = 4x2 y3 .

= 2xy e
∂x y ∂y x

A primeira destas equações nos fornece, por integração em x,


ˆ x
f ( x, y) = 2xy4 dx + g(y) = x2 y4 + g(y)

e a segunda equação nos dá



∂ f
2 3
4x y = = 4x2 y3 + g0 (y) ⇒ g(y) = const.
∂y x

2 Um conjunto aberto é conexo se ele possui uma curva contínua ligando dois
quaisquer de seus pontos; tal conjunto é simplesmente conexo se qualquer curva
fechada simples nele contida puder ser “contraída continuamente" a um ponto
sem sair do conjunto, ou seja, se o conjunto não possui “buracos"; detalhes em
livros de Cálculo. No nosso caso teremos, por exemplo, ( x, y) ≡ (V, P) onde
V > 0 e P > 0: assim o plano VP, constituído pelo primeiro quadrante aberto,
é simplesmente conexo.
58 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Assim temos a família de primitivas

f ( x, y) = x2 y4 + const.

Verificando temos ∂ x f = 2xy4 e ∂y f = 4x2 y3 que são, respectiva-


mente, os coeficientes de dx e dy da forma diferencial dada.

Exercício 1.
Mostre que Ω = (1 − y/x2 )dx + (1/x )dy, 0 < x < +∞, 0 < y <
+∞, é uma forma diferencial exata e encontre uma primitiva da
referida forma.

Exercício 2.
Mostre que Ω = ( xy)dx − ( x + y)dy é uma forma diferencial ine-
xata. Resolva de duas maneiras: a) Pondo M = xy, N = −( x + y)
e verificando as derivadas e b) supondo que exista f ( x, y) tal que
d f = Ω e deduzindo uma contradição.

Vejamos agora a seguinte...


Proposição: Considere M e N “suficientemente" diferenciáveis no con-
junto aberto D ⊂ R2 . A expressão Mdx + Ndy é uma forma diferen-
cial exata se e somente se dados dois quaisquer
´ pontos i = ( xi , yi ) e
f = ( x f , y f ) em D temos que a integral i f Mdx + Ndy não depende
do caminho3 i f.
Prova (esboço): De fato, se Mdx + Ndy ´ é exata então existe
´ f de
modo que d f = Mdx + Ndy e assim i f Mdx + Ndy = i f d f =
f ( x f , y f ) −´ f ( xi , yi ) que independe do caminho i f . Reciproca-
mente, se Mdx + Ndy ´é independente de caminho então podemos
definir a função f ( p) = i→ p Mdx + Ndy onde p = ( x, y) ∈ D e com
3 Aqui o termo caminho é usado no sentido de curva suficientemente diferenciá-
vel (vide livros de Cálculo), que é utilizada em Termodinâmica para descrever
processo reversível.
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 59

i = ( xi , yi ) pré-fixado em D. Então Mdx + Ndy = d f , uma diferencial


exata. 
Exemplo 3.6.
A diferencial da energia interna de um sistema simples,

∂U ∂U
dU = dT + dV,
∂T V ∂V T

é uma diferencial exata. Isto corresponde ao fato de que U é


função de estado ( T, V ). Noutros termos, o fato de dU ser uma
diferencial exata equivale, pela proposição acima, que integral de
dU é independente do caminho (processo) e fornece a variação de
´f
energia interna, i dU = U ( f ) − U (i ) = ∆U, fato já mencionado
no capítulo anterior.

Exemplo 3.7.
A forma diferencial do trabalho dW = PdV, herdada da mecânica,
não é exata pois

dW = M (V, P) · dV + N (V, P) · dP

com M(V, P) = P e N (V, P) = 0 de modo que



∂N ∂(0) ∂P ∂M
= = 0 6= 1 = = .
∂V P ∂V P ∂P V ∂P V

A inexatidão da diferencial dW equivale,


´ pela
´ proposição acima,
ao fato de que o trabalho W = dW = ( PdV + 0dP) não é
independente do caminho, ou seja, W não é função de estado
conforme capítulo anterior.

Notação: Pelo fato de não ser diferencial exata, vamos renomear dW


por d¯W.
60 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Exercício 3.
Verifique que se dA é uma diferencial exata e d¯B é uma diferencial
inexata então dA + d¯B é inexata.
Sugestão: Escreva dA = (∂ x A)dx + (∂y A)dy e d¯B = M( x, y)dx +
N ( x, y)dy com ∂y M 6= ∂ x N. Em seguida expresse dA + d¯B na
forma M1 ( x, y)dx + N1 ( x, y)dy e verifique que ∂y M1 6= ∂ x N1 .

Exemplo 3.8.
Corolário do Exercício 3. A diferencial calor d¯Q é não-exata pois,
pela primeira lei, d¯Q = dU + d¯W que é soma da diferencial
´ exata
dU com a diferencial inexata d¯W. Portanto Q = d¯Q é depen-
dente do caminho, ou seja, não é função de estado, o que já foi
destacado no capítulo precedente.

Notemos que, no Exemplo 3.7, usamos a própria expressão dW =


P · dV para verificar que ela é uma diferencial inexata. Mas no Exem-
plo 3.8 não usamos a expressão “análoga" dQ = C · dT. Se tivéssemos
tomado dQ = C ( T )dT + 0dV teríamos ∂V C = ∂ T 0 = 0 o que poderia
dar a impressão de que dQ é uma diferencial exata. Mas, note que:
a) a expressão d¯W = P · dV envolve apenas as coordenadas termodi-
nâmicas P e V;
b) a expressão d¯Q = C · dT envolve a coordenada termodinâmica T,
mas envolve também a função capacidade térmica C (V, T ) que de-
pende do processo em foco: CP e CV , por exemplo.
Assim, ao verificarmos a “não exatidão"da diferencial dQ, podemos
optar pelo procedimento do Exemplo 3.8.
Por outro lado, embora a expressão dW = P · dV seja suficientemente
geral (pois advém da expressão geral dW = ~F · d~r da Mecânica), a
expressão dQ = C · dT não é geral pois não é válida para um processo
isotérmico reversível de gás ideal onde temos dQ 6= 0 = dT.
No entanto vamos considerar a seguinte questão: em analogia com
a expressão geral d¯W = P · dV será que existe uma função de es-
tado S tal que uma expressão como d¯Q = T · dS seja válida também
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 61

de forma geral, inclusive para o caso isotérmico? Noutras palavras,


apesar de d¯Q ser uma diferencial inexata, será que d¯Q/T é uma dife-
rencial exata (semelhante a d¯W/P = dV)?

Veremos que sim: d¯Q/T é diferencial (exata) de uma função de es-


tado S chamada entropia do sistema em consideração. O conceito de
entropia foi introduzido por Rudolph Clausius na década de 1860 e é
fundamental na segunda lei da Termodinâmica, como veremos.

3.3 Entropia do Gás Ideal

Consideremos a forma diferencial d¯Q/T onde d¯Q é o calor recebido


pelo sistema num processo reversível infinitesimal. Afinal, dQ/T é
uma diferencial exata? Ou, noutras palavras, 1/T é fator integrante
de d¯Q? Analisemos esta questão primeiramente para o sistema con-
siderado mais simples e ilustrativo: o gás ideal.

Gás Ideal. Sobre ele já temos duas informações obtidas com métodos
macroscópicos: (a) a equação de estado PV = nRT e (b) o fato de sua
energia interna ser função apenas da temperatura, U = U ( T ). Neste
caso temos
nRT d¯Q U 0 (T ) nR
d¯Q = dU + PdV = U 0 ( T )dT + dV =⇒ = dT + dV
V T T V
onde U 0 ( T ) = dU/dT. Assim d¯Q/T é uma diferencial exata pois

∂ U 0 ( T )
   
∂ nR
∂V T = ∂T V = 0.
T V

Portanto existe uma função de estado S(V, T ) chamada entropia do


gás ideal tal que

d¯Q U 0 (T ) nR
dS = = dT + dV. (3.4)
T T V
62 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Podemos obtê-la, a menos de uma constante, por integração direta da


Eq. (3.4):
" ˆ ! #
d¯Q T
U 0 (T )
dS = =d dT + nR ln V ∴
T T
ˆ T
U 0 (T )
∴ S(V, T ) = dT + nR ln V + const. (3.5)
T
Lembrando que U 0 ( T ) = CV ( T ) que é constante C para um amplo
intervalo de temperatura (“longe" do zero absoluto) temos

T V
S(V, T ) = C ln + nR ln + S(V0 , T0 ).
T0 V0

Assim, se o gás evolui do estado i = (Vi , Ti ) para o estado f = (Vf , T f )


então a correspondente variação de entropia é

Tf Vf
∆Si f = S(Vf , T f ) − S(Vi , Ti ) = C ln + nR ln (3.6)
Ti Vi

que é independente do caminho i f . Vejamos algumas aplicações


da Eq. (3.6).

Exemplo 3.9.
Para um processo isotérmico reversível (Vi , Ti ) → (Vf , T f ) temos
T = const. de modo que T f /Ti = 1 e então, pela Eq. (3.6),

Vf
 
∆S = nR ln .
Vi

Dessa forma, na expansão isotérmica (em que a pressão diminue


pois PV = nRT) temos aumento de entropia, mas na compressão
isotérmica (onde a pressão aumenta) temos diminuição de entro-
pia.
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 63

Exemplo 3.10.
Na expansão livre (Vi , T ) → (Vf , T ), que é irreversível, temos
Vf > Vi e então
Vf
 
∆S = nR ln >0
Vi
como na expansão isotérmica entre os mesmos estados inicial e final.
Isto reflete o fato de que a entropia é uma função de estado.

Significado da Entropia (uma primeira noção): Notemos pelos Exemplos


3.9 e 3.10 acima que, quando o gás se expande com Ti = T f (iso-
térmica ou livremente), temos aumento de entropia. Além disso é
intuitivo que o estado de maior volume é “mais desorganizado" que
o estado de menor volume, para uma dada temperatura. Assim a
entropia aumenta com a desordem: podemos considerar a entropia como
uma medida da desordem.
Exemplo 3.11.
Para um processo isovolumétrico ou isocórico (Vi , Ti ) → (Vf , T f )
temos V =const. de modo que Vf /Vi = 1 e pela Eq. (3.6)

Tf
 
∆S = CV ln .
Ti

Assim no aquecimento isocórico, onde a pressão aumenta (PV =


nRT), temos aumento de entropia mas no resfriamento isocórico,
onde a pressão diminui, temos diminuição de entropia.

Exercício 4.
Admitindo a idéia de entropia como uma medida de desordem
do sistema, qual o estado mais desordenado de um gás ideal num
recipiente de volume fixo? o estado de maior ou de menor tem-
peratura? Sugestão: aquecimento isocórico do Exemplo 3.11.
64 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

3.4 Entropia de Sistema Simples

Considere um sistema simples qualquer descrito por (V, T ). Pela


primeira lei temos
   
∂U ∂U
d¯Q = dU + PdV = + P(V, T ) dV + dT. (3.7)
∂V T ∂T V

Mas sem informações detalhadas sobre a equação de estado P =


P(V, T ) e sobre a energia interna U = U (V, T ) não podemos ava-
liar de forma direta, usando o que foi desenvolvido nestas notas até
aqui, se há um fator integrante para d¯Q.
No entanto um resultado matemático, que não provaremos, é que
qualquer forma diferencial “bidimensional" M (V, T )dV + N (V, T )dT,
como a da Eq. (3.7), possui um fator integrante I (V, T ) no sentido que
( I · M)dV + ( I · N )dT = dS para alguma função S(V, T ). No caso de
gás ideal temos, como vimos, o fator integrante I (V, T ) = 1/T.
Usando argumentos bem mais gerais, considerando inclusive siste-
mas (compostos) com mais coordenadas termodinâmicas e formas
diferenciais em dimensão maior do que 2, o matemático Constantin
Caratheodory4 desenvolveu por volta de 1908 uma abordagem con-
cisa da Termodinâmica cujo princípio fundamental implica na exis-
tência de fatores integrantes para d¯Q e, a partir daí, a temperatura e
a entropia são definidas.
Detalhes à parte, não seguiremos a abordagem de Caratheodory. Va-
mos “direto ao ponto", aproveitando as idéias já desenvolvidas nestas
notas, adotando agora o seguinte postulado.
Existência de Entropia: Cada sistema simples possui uma função de estado
S, chamada entropia, cuja variação pode ser calculada por integração de

d¯Qrev
dS = (3.8)
T
4 Consulte, por exemplo, Journal of Mathematical Chemistry Vol. 28, Nos. 1-3, 2000.
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 65

onde d¯Qrev é a diferencial calor recebido pelo sistema num processo reversível
infinitesimal. Além disso, a entropia é uma grandeza aditiva sobre as partes
do sistema: a entropia de um sistema composto é a soma das entropias dos
subsistemas simples quando estas estão definidas5 .
Cálculo da Variação de Entropia
Os exemplos que apresentamos na seção anterior fornecem cálculos
de variação de entropia apenas para o gás ideal. E foram efetuados a
partir da identificação direta da entropia, a menos de uma constante,
na forma diferencial exata d¯Q/T (vide Eqs. (3.4)-(3.5)). Mas em al-
gumas situações podemos calcular a variação de entropia a partir da
integral advinda do princípio acima:
ˆ
d¯Qrev
∆Si f = S( f ) − S(i ) = . (3.9)
i→ f T

Entretanto é preciso certo cuidado aqui. Se o processo real de i para


f “percorrido" por um sistema simples for irreversível então esta inte-
gral deverá ser realizada num processo (hipotético) reversível i → f ,
entre os mesmos estados i e f , pois neste processo a temperatura T
do sistema estará bem definida e a integral poderá ser efetuada. O
resultado obtido dessa forma será legítimo pois entropia é função de
estado e, então, a variação de entropia independe do processo ou ca-
minho de i para f . Mas é importante atentarmos para a diferença
entre o processo real e o processo usado no cálculo por meio da Eq.
(3.9).
Exemplo 3.12.
Vamos calcular a variação de entropia de um gás ideal na ex-
pansão livre do Exemplo 3.10, mas agora usando a integral de
d¯Qrev /T dada pela Eq. (3.9). Como a expansão livre, embora
não isotérmica, tem temperatura inicial igual à final (Ti = T f ) um

5 Esteprincípio de existência de entropia é uma parte do conteúdo da segunda lei


da Termodinâmica. A outra parte será apresentada na próxima seção e chamada
simplesmente de segunda lei.
66 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

processo reversível conveniente para o presente cálculo é um pro-


cesso isotérmico. Para este temos d¯Q = dU + P · dV = P · dV visto
que Ugás id = U ( T ). Assim, sendo PV = nRT,
ˆ ˆ ˆ ˆ
d¯Q 1 1 1 nRT
∆Sexp-liv = = d¯Q = PdV = dV.
isot T T isot T isot T isot V

Portanto ˆ Vf Vf
dV
∆S = nR = nR ln ,
Vi V Vi
o que condiz com o resultado do Exemplo 3.10.

Exemplo 3.13.
Vamos considerar um sistema sólido com temperatura variando
reversivelmente de Ti para T f . Se C ( T ) corresponde a capacidade
térmica deste sistema (no processo em foco) temos d¯Q = C ( T ) · dT
e, então, ˆ Tf ˆ Tf
d¯Q C(T )
∆S = = dT.
Ti T Ti T
Se C ( T ) for constante C temos a expressão “fechada"

Tf
∆S = C ln .
Ti

Se C ( T ) não for constante um resultado útil é obtido usando o


teorema do valor médio para integrais (vide livros de Cálculo),
aplicável aqui tendo em vista que a função C ( T ) > 0 não muda
de sinal. Pelo teorema citado, existe T̄ entre Ti e T f tal que
ˆ Tf
1 Q
∆S = C ( T ) · dT =
T̄ Ti T̄
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 67

onde ˆ Tf
Q= C ( T ) · dT.
Ti

Observação: Não abordaremos o caso de capacidade térmica ne-


gativa para o qual ver, por exemplo, Concise Thermodynamics, J.
Danning-Davies, Woodhead Publishing, 2007.

Ainda sobre a Eq. (3.9): Notemos também que se, ao invés de realizar
a integral da Eq. (3.9) num processo reversível, efetuarmos ela num
processo quase-estático irreversível podemos obter um resultado in-
correto. De fato, se para calcular a variação de entropia do gás ideal
na expansão livre i f usarmos uma sequência quase-estática de
expansões livres (adiabáticas) infinitesimais6 de i para f obteremos
ˆ
d¯Q
= 0, pois d¯Q = 0,
quas-estát-irr. T

que não corresponde à variação de entropia ∆S = nR ln(Vf /Vi ) > 0


para este processo, já obtida anteriormente. Assim a integral da Eq.
(3.9), para fornecer o resultado correto de ∆S = S( f ) − S(i ), deve
ser realizada num processo reversível (e não somente quase-estático)
ligando os estados i e f .

Relação entre Equação de Estado e Energia Interna

Considerando o princípio de existência de entropia S vamos mostrar


que
∂P ∂U
T −P= . (3.10)
∂T V ∂V T

6 Estasucessão de expansões livres infinitesimais está exemplificada, por exemplo,


no início do primeiro capítulo do livro Statistical Physics, K. Huang, John Wiley
and Sons, 1987.
68 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Temos, com U = U (V, T ),


 
d¯Q 1 1 ∂U 1 ∂U
= {dU + P · dV } = + P(V, T ) · dV + · dT.
T T T ∂V T T ∂T V
(3.11)
Nesta equação, vamos identificar
 
1 ∂U 1 ∂U
M (V, T ) = + P , N (V, T ) = .
T ∂V T T ∂T V

Pelo princípio de existência da entropia d¯Q/T = dS é uma forma


diferencial exata, ou seja, ∂ T M = ∂V N onde

1 ∂2 U
   
∂M ∂P 1 ∂U
∂T M = = + − 2 +P
∂T V T ∂T∂V ∂T V T ∂V T
e
1 ∂2 U

∂N
∂V N = = .
∂V T T ∂V∂T
Assim, temos  
1 ∂P 1 ∂U
− + P = 0,
T ∂T V T 2 ∂V T
isto é,
∂P ∂U
T −P= ,
∂T V ∂V T
que é a Eq. (3.10).
Exemplo 3.14.
Novamente Ugás ideal . Conforme visto anteriormente métodos ma-
croscópicos permitem determinar, para o gás ideal, a equação de
estado PV = nRT e o fato de que sua energia interna pode ser
escrita como função apenas da temperatura U = U ( T ). Mas lem-
bremos que, para isto, utilizamos o resultado Ti = T f da experi-
ência de expansão livre. Agora, sem considerar expansão livre,
temos que a Eq. (3.10) e a equação de estado PV = nRT nos
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 69

fornecem
 
∂U ∂P ∂ nRT nRT
=T −P= T − = 0;
∂V T ∂T ∂T V V

de modo que
∂U
= 0.
∂V T
Assim reobtemos Ugás id = U ( T ).

Exercício 5.
Mostre que a Eq. 3.10 obtida acima é satisfeita para um sistema
cuja equação de estado é dada por V = A · T − P/B e cuja energia
interna é U = C · T + B · V 2 /2, com A, B, C consts.

Exercício 6.
Mostre que um gás de Clausius, de equação de estado P(V −
B) = D · T, não pode ter energia interna da forma U (V, T ) =
C · T − A/V (A, B, C e D consts.) a menos que A seja nula.

Exercício 7.

A energia interna de um sistema é U = bVT 4 e a sua equação de


estado é PV = aU onde a e b são constantes. Mostre que a = 1/3.
Observação: este sistema corresponde a uma cavidade radiante
(corpo negro), aguarde seu curso de Física Moderna: o fato de U
ser proporcional a quarta potência da temperatura corresponde a
lei de Stefan-Boltzmann.
70 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

3.5 A Segunda Lei

Vimos que a variação de entropia de um gás ideal é a mesma tanto


na expansão isotérmica reversível como na expansão livre entre os
mesmos estados (Vi , T ) e (Vf , T ), onde Vf > Vi , condizendo com o
fato de que entropia é função de estado. Porém...

(L) Na expansão livre


(L1) o gás está isolado (não troca calor nem trabalho com a vizi-
nhança),
(L2) o processo é irreversível e
(L3) a variação de entropia é positiva, ou seja, a entropia aumenta
(∆S > 0);

Mas...

(T) Na expansão isotérmica reversível


(T1) o gás não está isolado, mas em contato com um reservatório tér-
mico,
(T2) o processo é, como já foi dito, reversível e
(T3) a variação de entropia é positiva (seria negativa se fosse com-
pressão isotérmica).

Levantemos a seguinte questão: no caso da expansão (ou compres-


são) isotérmica reversível se isolarmos o sistema composto pelo gás
(G) e pelo reservatório térmico (R) como será a variação de entropia
total (às vezes chamada entropia do universo) ∆SG+R ? Neste caso
temos, pela aditividade da entropia,

dQG dQR 1
dSG+R = dSG + dSR = + = (dQR + dQG ), (3.12)
TG TR T
onde T = TG = TR . Como G+R está isolado temos, por conservação
de energia, dQR + dQG = 0. Logo

1
dSG+R = (dQG + dQR ) = 0,
T
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 71

Assim temos SG+R = constante donde segue que ∆SG+R = 0.


Estes exemplos ilustram o conteúdo da segunda lei da termodinâmica
que enunciamos adiante. No primeiro temos um sistema isolado (G)
passando por um processo irreversível e sofrendo um aumento de
entropia; no segundo temos um outro sistema isolado (G+R) pas-
sando por um processo reversível e manifestando uma entropia total
constante. Em cada um dos dois casos a entropia do sistema isolado
não decresce: ou é constante (se processo reversível) ou aumenta (se
processo irreversível).
Segunda Lei da Termodinâmica (Versão Entrópica): Se um sistema está iso-
lado então
1. sua entropia (total) é constante quando ele segue um processo reversível;
2. num processo irreversível partindo de um estado “i" ele atingirá o equi-
líbrio num estado “ f " para o qual sua entropia assume um valor máximo
S( f ) > S(i ). A partir deste estado a entropia se manterá constante em
S ( f ).
Enfim, a entropia de um sistema isolado não decresce: ∆Ssis isol =
S( f ) − S(i ) > 0, onde a igualdade se refere ao caso de processo re-
versível. Todavia, a entropia de um sistema não isolado pode diminuir
mas, neste caso, haverá um aumento de entropia da vizinhança.
Fluxo Espontâneo de Calor
Vamos considerar um sistema composto por dois corpos, ou subsis-
temas, com temperaturas iniciais 0 < T1 < T2 . Eles são postos em
contato conforme a Fig. 2.4 do capítulo anterior. Vamos verificar
que, atingido equilíbrio térmico, a variação de entropia (total) deste
sistema é positiva, o que condiz com a segunda lei.
Podemos observar que ocorrerá um processo irreversível onde o corpo
inicialmente mais quente cede calor ao mais frio até que o equilíbrio
térmico seja atingido. A temperatura final de equilíbrio T f é tal que,
por conservação de energia (primeira lei) aplicada ao sistema com-
posto isolado,

Q1 + Q2 = C1 ( T f − T1 ) + C2 ( T f − T2 ) = 0
72 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

onde C1 e C2 são as capacidades térmicas dos corpos 1 e 2, respecti-


vamente. Assim temos
C1 T1 + C2 T2
Tf = ,
C1 + C2

que é média ponderada de T1 e T2 com pesos estatísticos C1 /(C1 + C2 )


e C2 /(C1 + C2 ). Portanto a temperatura de equilíbrio T f é interme-
diária: T1 < T f < T2 (reveja o Exemplo 2.3 do Capítulo 2).

A suposição de que C1 e C2 são positivos é compatível com Q1 =


C1 ( T f − T1 ) = − Q2 = −C2 ( T f − T2 ) > 0, ou seja, o corpo 1 (mais
frio) recebe calor Q1 do corpo 2 (mais quente) até o equilíbrio ser
atingido. A variação de entropia total do sistema (composto) no pro-
cesso irreversível ( T1 , T2 ) ( T f , T f ) não pode ser calculada usando
um processo reversível entre os estados inicial e final do processo em
consideração pois o estado inicial ( T1 , T2 ), com T1 6= T2 , é um estado
de não-equilíbrio7 . Para contornar esta dificuldade analisamos cada
subsistema separadamente. Vamos considerar um processo em que o
corpo 1 é colocado em contato com uma série de reservatórios que,
operando de forma muito lenta, fornecem calor a este subsistema fa-
zendo com que sua temperatura passe reversivelmente de T1 para T f .
Calculamos então, usando o processo descrito, a variação de entropia
do corpo 1:
ˆ Tf ˆ Tf
dQ1 C1 dT Tf
∆S1 = = = C1 ln . (3.13)
T1 T T1 T T1

Procedendo de forma análoga para o corpo 2 temos


ˆ Tf
C2 dT Tf
∆S2 = = C2 ln . (3.14)
T2 T T2

Pela aditividade da entropia temos que a variação de entropia total é

7 Veja também o artigo RBEF, vol. 38, n. 1, 1709 (2016), de minha autoria, e
referências inclusas.
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 73

dada por
Tf Tf
∆S = ∆S1 + ∆S2 = C1 ln + C2 ln .
T1 T2
Mas como saber, a partir deste resultado, se ∆S é maior ou menor do
que zero? Isto não é tão fácil de se obter diretamente, salvo no caso
C1 = C2 .

Exercício 8.
Na situação descrita mostre que, se C1 = C2 = C, temos ∆S > 0.
Sugestão: Obtenha ∆S = 2C ln( T f /Tgeom ) onde T f = ( T1 + T2 )/2

e Tgeom = T1 T2 são, respectivamente, as médias aritmética e
geométrica de T1 e T2 (a temperatura de equilíbrio, neste caso, é
a média aritmética); em seguida resta mostrar que T f > Tgeom .

Vamos mostrar que ∆S > 0 para o caso geral, inclusive C1 6= C2 . Pois


bem, das Eqs. (3.13) e (3.14) podemos escrever
ˆ Tf ˆ Tf
C1 C2
∆S = ∆S1 + ∆S2 = dT + dT
T1 T T2 T

Usando o teorema do valor médio para integrais, como fizemos no


Exemplo 3.13 da seção anterior, existem T̄1 e T̄2 tais que T1 < T̄1 <
T f < T̄2 < T2 e que
Q Q2
∆S = 1 + .
T̄1 T̄2
Mas, pela primeira lei, Q1 = C1 ( T f − T1 ) = − Q2 = −C2 ( T f − T2 ) > 0
e então  
1 1
∆S = − Q1 > 0
T̄1 T̄2
visto que T̄1 < T̄2 . Portanto a entropia total aumenta neste processo
de termalização espontânea irreversível dos dois corpos. Podemos
então destacar que, de forma semelhante ao caso da expansão livre
adiabática, a) o sistema composto pelos corpos 1 e 2, com temperatu-
ras inicialmente diferentes, está isolado; b) o processo de termalização
74 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

(para atingir o equilíbrio térmico) é irreversível, c) a entropia (total)


do sistema aumentou neste processo. Enfim, um outro exemplo de
que: A entropia de um sistema isolado aumenta quando o sistema evolui
irreversivelmente.
Refrigerador, Versão Clausius da Segunda Lei
Um refrigerador é um dispositivo que retira calor dos alimentos na
câmara de refrigeração (fria) e transfere para o ambiente (quente).
Mas esta tarefa não é espontânea: o motor do refrigerador realiza
trabalho para manter o ciclo de refrigeração, mediante consumo de
energia elétrica.
Uma versão mais elaborada do procedimento acima permite mostrar
que a formulação entrópica da segunda lei é equivalente a chamada
formulação de Clausius que enunciamos a seguir.
Segunda Lei (Versão Clausius): É impossível realizar um processo, qualquer
que seja o aparato utilizado, cujo efeito seja somente retirar calor de um corpo
e transferí-lo totalmente para outro de temperatura (inicialmente) mais alta.
Esta formulação da segunda lei frusta diretamente qualquer tenta-
tiva de construir um refrigerador perfeito, ou seja, que transferisse
calor dos alimentos frios para o ambiente quente sem “consumo de
trabalho" e sem outros efeitos, detalhes no capítulo seguinte.
No próximo capítulo apresentaremos, entre outras coisas, uma prova
da equivalência entre a versão entrópica e a versão Clausius da se-
gunda lei. Uma prova detalhada desta equivalência consta também
em RBEF, vol. 38, no. 1, 1311 (2016).
Degradação de Energia
O que a entropia quantifica? A Termodinâmica, com sua segunda
lei, associa irreversibilidade ao aumento de entropia num processo seguido
por um sistema isolado. Já mencionamos que entropia corresponde,
intuitivamente, a uma medida de desorganização do sistema. Consi-
deremos agora o seguinte.
Na expansão isotérmica reversível de um gás ideal G (em equilíbrio
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 75

com a vizinhança) este realiza trabalho igual a quantidade de calor re-


cebido do reservatório térmico R: W = Q = T [nR ln(Vf /Vi )] = T∆SG .
Notemos duas coisas: (a) o trabalho W = T∆SG realizado pelo sis-
tema G pode ser aproveitado para levantar um peso ou comprimir uma
mola durante o processo e esta pode então armazenar energia poten-
cial; (b) a variação de entropia total neste caso é ∆Stot = ∆SG+R = 0.
Assim podemos interpretar o resultado nulo “∆Stot = 0", do ítem (b),
como um não desperdício de energia utilizável ou não degradação de
energia visto que, de acordo com o ítem (a), o trabalho W = T∆SG é
convertível em energia potencial. Noutras palavras a energia degra-
dada, identificada com Wdegrd = T∆Stot , é nula pois ∆Stot = 0.
No caso da expansão livre irreversível não há troca de calor nem
de trabalho entre sistema e vizinhança. (a) Não há trabalho apro-
veitável/utilizável (armazenável na forma de energia potencial, por
exemplo); (b) a variação de entropia total para este caso é ∆Stotal =
∆SG = nR ln(Vf /Vi ) > 0. Esta variação de entropia total corres-
ponde exatamente a uma degradação de energia Wdegrd = T∆Stot =
nRT ln(Vf /Vi ) > 0 que poderia ter sido aproveitada ou usada se o pro-
cesso fosse, por exemplo, reversível isotérmico.
Assim um aumento de entropia total, num processo irreversível, está
relacionado com uma degradação ou diminuição de energia utilizável
Wdegrd = T∆Stot .
Desordem e Probabilidade
Mas... o que representa a entropia do sistema num dado estado? A
Mecânica Estatística define a entropia por

S = k ln Γ

onde Γ representa um parâmetro de desordem relacionado com a


probabilidade do sistema se encontrar no (macro)estado de equilíbrio
dado: cada macroestado de equilíbrio termodinâmico corresponde a
uma grande quantidade de microestados e Γ tem a ver com a con-
tagem destes microestados, detalhes em Mecânica Estatística. Para o
gás ideal isolado num recipiente temos, de acordo com a Mecânica
76 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Estatística, Γ = aV N , com a constante e N =número de moléculas


do gás; daí S = k ln aV N . A idéia de se chamar Γ = aV N de parâme-
tro de desordem é intuitiva: o estado “gás na metade do recipiente"
(antes de uma expansão livre, por exemplo) é mais organizado do
que o estado “gás diluido por todo recipiente" (depois da expansão)
e portanto o estado de maior volume é microscopicamente mais de-
sorganizado, tem maior parâmetro de desordem Γ numa dada T. E,
de acordo com a Mecânica Estatística, os estados mais prováveis são
os mais desorganizados! Na expansão livre é altamente improvável
do ponto de vista da Mecânica Estatística, embora não impossível,
que o gás volte para metade do recipiente.
Note que com a definição estatística de entropia temos para a expan-
são livre do gás ideal

aVfN Vf Vf
S( f ) − S(i ) = k ln = Nk ln = nR ln
aViN Vi Vi

conforme já obtido termodinamicamente.


Vale salientar que do ponto de vista da Mecânica Estatística, onde se
leva em conta probabilidade em distribuições de microestados, uma
violação da segunda lei não é totalmente improvável mas a probabi-
lidade disto acontecer é absurdamente próxima de zero! (vide, por
exemplo, Statistical Physics, K. Huang, nas referências bibliográficas
destas notas).
• Termodinâmica: Irreversibilidade ←→ Aumento de Entropia Total
←→ Degradação de Energia.
• Mecânica Estatística: Entropia ←→ Desordem/Probabilidade no Es-
paço dos Microestados.
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 77

3.6 Exercícios

1. Em cada um dos três casos abaixos mostre que Ω não é diferencial


exata e encontre um fator integrante.
1.1 Ω = ydx − xdy;
1.2 Ω = xydx + x2 dy;
1.3 Ω = (1/y)dx + (1/x )dy, x > 0, y > 0.

2. Um gás ideal possui capacidade térmica a volume constante dada


por CV ( T ) = A + BT com A e B constantes. Mostre que a varia-
ção de entropia deste sistema num processo (V1 , T1 ) (V2 , T2 ), não
necessariamente isovolumétrico, é dada por

∆S = A ln( T2 /T1 ) + B( T2 − T1 ) + nR ln(V2 /V1 ).

3. Mostre que num processo politrópico reversível i 7→ f de um gás


ideal, em que este recebe calor a uma taxa Φ = dQ/dT=const. e
para o qual PV a =const. com a = (CP − Φ)/(CV − Φ), a variação de
entropia (supondo CV constante) é dada por

∆Si f = Φ(1 − a) ln(Vf /Vi ).

O que acontece no caso adiabático reversível, onde Φ = 0?

4. Mostre que a entropia de um sistema num processo adiabático


reversível é constante.

5. Se a capacidade térmica, sob volume constante, de um sistema for


CV ( T ) = A + B · T, com A e B constantes, mostre que a variação de
entropia deste sistema quando aquecido isovolumetricamente de T
para T + ∆T é

∆T
  
∆S = A ln 1 + + B · ∆T.
T
78 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

6.
a) Mostre que a energia interna de um gás de Van der Waals, para o
qual a equação de estado é ( P + A/V 2 )(V − b) = nRT com A > 0 e
b > 0 constantes, tem a forma
A
U (V, T ) = − + F(T )
V
onde F ( T ) é uma função somente de T. O que acontece no limite em
que A 7→ 0 (gás de Clausius)? E no limite com A 7→ 0 e b 7→ 0 (gás
ideal)?

b) Considere o gás de Van der Waals clássico para o qual



∂U
CV = = const.
∂T V

Mostre que neste caso

A
U (V, T ) = − + CV T + U0
V
sendo U0 uma constante.

7. Mostre que se a energia interna pode ser escrita como função


somente da temperatura então a equação de estado do sistema em
consideração é da forma P · f (V ) = T, para alguma função f (V ).

8. Para um sistema sólido de equação de estado g(V ) + aP − bT = c


encontre a forma geral da energia interna.
´V
Resposta: U = (1/a){ g(V )dV − cV } + f ( T ).

9. Mostre que a variação de entropia que ocorre durante a vaporiza-


ção (reversível), sob T constante, de uma massa M de certa substância
cujo calor de vaporização é Lv (em unidades de energia por unidade
de massa) é dada por ∆S = MLv /T.
CAPÍTULO 3. ENTROPIA E SEGUNDA LEI 79

10. Considere um cubo de gelo, sob pressão atmosférica padrão,


numa temperatura Ti menor do que seu ponto de fusão TF = 273 K
(por exemplo, Ti = 271 K). O cubo é colocado num grande lago que
está numa temperatura ambiente T f > TF (por exemplo, T f = 275 K).
Sejam m a massa do gelo, Cg a capacidade térmica do cubo de gelo,
Ca a capacidade térmica do gelo derretido e LF o calor de fusão do
gelo (calor por grama necessário para derreter gelo). Verifique que,
quando o gelo derretido entrar em equilíbrio térmico com o lago,
podemos estimar sua variação de entropia por

TF Tf mLF
∆S = Cg ln + Ca ln + .
Ti TF TF

11. Admitindo a validade da segunda lei (versão entrópica) mostre


que a expansão livre de gás ideal é irreversível.

12. Considere um “gás de 5 partículas" numa caixa completamente


fechada, que podem colidir elasticamente entre elas e contra as pa-
redes da caixa. Algumas vezes acontecerá que todas elas estejam na
parte esquerda da caixa, num estado mais organizado (de menor en-
tropia), ficando a outra parte completamente vazia, diferentemente
da expansão livre (irreversível) de gás ideal. O caso do gás de 5 par-
tículas viola a segunda lei da termodinâmica? Explique.

13. O processo de nascimento humano envolve, de algum modo, um


crescimento na organização do sistema (humano). Este processo viola
a segunda lei da Termodinâmica?
Máquinas e Segunda Lei
4
4.1 Formulação de Clausius da Segunda Lei

No capítulo anterior abordamos a versão entrópica da segunda lei da


Termodinâmica. Esta nos diz que:
[S]: A entropia de um sistema isolado não decresce; ela assume um valor
máximo após um processo irreversível ou permanece constante num processo
reversível:
∆Ssist.isol. > 0. (4.1)

Vimos, por exemplo, que na condução espontânea (irreversível) de


calor de um corpo para outro de menor temperatura a variação de
entropia total é positiva. Uma outra versão da segunda lei, conhecida
como formulação de Clausius [C], foi apresentada brevemente no final
do capítulo anterior e é reapresentada a seguir.
[C]: É impossível realizar um processo, qualquer que seja o aparato utili-
zado, cujo efeito seja unicamente retirar calor de um sistema e transferí-lo
totalmente para outro de temperatura (inicial) mais alta.
Para verificarmos a equivalência desta com versão entrópica consi-
dere dois sistemas 1 e 2 de capacidades térmicas C1 e C2 e com tem-

81
82 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

peraturas (absolutas) iniciais 0 < T1 < T2 , respectivamente. Suponha


que os sistemas 1 e 2 estão conectados a um terceiro sistema, um dis-
positivo M, cuja função é unicamente permitir transferência de calor
entre eles possibilitando alterações de suas temperaturas, vide Fig.
4.1; não nos preocupemos com os detalhes sobre composição e meca-
nismo interno de M.

T1 T2 > T1
M
1 2

Figura 4.1: Sistema composto “1 + 2+M" onde M é um dispositivo


cuja função é apenas transferir calor de 1 para 2 ou de 2
para 1.

Vamos supor que, devido à troca de calor por intermédio de M, a


temperatura do sistema 1 passa para T1 f e a do sistema 2 passa para
T2 f . Por generalidade suponhamos que T1 f 6 T2 f , o que inclui em
princípio as seguintes possibilidades:
(a) Equilíbrio térmico com T1 < T1 f = T2 f < T2 , caso considerado na
Seção 3.5 do capítulo anterior;
(b) T1 < T1 f < T2 f < T2 em que o sistema 1 “se aquece um pouco" ao
receber calor e o sistema 2 “se esfria um pouco" ao ceder calor mas
sem atingir o equilíbrio térmico (o dispositivo M pode, por exem-
plo, estar pré-programado para interromper a troca de calor antes do
equilíbrio ocorrer);
(c) T1 f < T1 < T2 < T2 f em que M retira calor do sistema 1 resfriando-
o ainda mais e entrega para o sistema 2 deixando este ainda mais
quente.
Em qualquer destes casos, sendo Q1 e Q2 os calores recebidos pelos
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 83

sistemas 1 e 2 respectivamente1 , temos

Q1 = C1 ( T1 f − T1 ) = − Q2 = −C2 ( T2 f − T2 ) (4.2)

devido à conservação de energia (primeira lei)2 . No caso (c), por


exemplo, temos T1 f < T1 < T2 < T2 f de modo que Q1 = C1 ( T1 f −
T1 ) = − Q2 = −C2 ( T2 f − T2 ) < 0, isto é, o sistema 1 cede calor ficando
ainda mais frio e o sistema 2 recebe calor ficando ainda mais quente.

Notemos que o estado inicial ( T1 , T2 ) do sistema composto é de não-


equilíbrio, logo não há processo reversível de ( T1 , T2 ) para ( T1 f , T2 f )
que possa ser usado no cálculo da variação de entropia total. Para
calculá-la analisamos separadamente cada (sub)sistema. Para o sis-
tema 1 imaginamos um processo auxiliar Γ em que uma sequência de
reservatórios modifica, lenta e reversivelmente, sua temperatura de
T1 para T1 f . Dessa forma a correspondente variação de entropia do
sistema 1 é dada por
ˆ ˆ T1 f
C1 C1
∆S1 = · dT ≡ · dT.
Γ T T1 T

Procedendo de forma análoga com o sistema 2,


ˆ T2 f
C2
∆S2 = · dT.
T2 T

Notemos que o sistema M tem variação de entropia nula pois tem


função apenas de intermediar transferência de calor entre os sistemas

1 Aqui estamos adotando, para os Q’s, a mesma convenção de sinais dos capítulos
anteriores.
2 A suposição T
1 f 6 T2 f inclui ainda o caso T1 f = T1 < T2 = T2 f com troca
de calor. Isto ocorre, por exemplo, quando os sistemas 1 e 2 são reservatórios
térmicos de grandes massas cada qual com temperatura (praticamente) fixa;
neste caso as capacidades térmicas não são bem definidas (infinitas) e a Eq.
(4.2) da conservação de energia torna-se simplesmente Q1 = − Q2 .
84 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

1 e 2. Assim, tendo em vista a aditividade da entropia, temos que


ˆ T1 f ˆ T2 f
C1 C2
∆Stot = · dT + · dT. (4.3)
T1 T T2 T

Pelo teorema do valor médio para integrais (veja livros de Cálculo)


existe T̄1 entre T1 e T1 f e existe também T̄2 entre T2 e T2 f (logo T̄1 6
T̄2 ), tais que
ˆ T1 f ˆ T2 f
1 1 Q1 Q2
∆Stot = C1 · dT + C2 · dT = + .
T̄1 T1 T̄2 T2 T̄1 T̄2

Como Q2 = − Q1 temos
 
1 1
∆Stot = Q1 − . (4.4)
T̄1 T̄2

Dessa forma, sendo T̄1 6 T̄2 , a quantidade entre colchetes na Eq. (4.4)
é não-negativa. Assim

• ∆Stot > 0 se e somente se Q1 > 0, o que exclui a possibilidade (c).


Isto é, a entropia total não decresce se e só se o aparato M (qualquer
que seja ele) não puder unicamente transferir calor do sistema 1 inici-
almente mais frio para o sistema 2 inicialmente mais quente. Dessa
forma as versões [S] e [C] da segunda lei são equivalentes.

Refrigeradores

Vale salientar que uma máquina refrigerante M, também chamada


um refrigerador, transfere o calor que retira dos alimentos (frios) para
o ambiente (quente) mas este não é o único efeito realizado pela má-
quina: o motor, “alimentado" com energia elétrica, realiza trabalho
para que M execute esta tarefa. Dessa forma não há contradição com
[C]. Notemos que os refrigeradores são construídos para operar via
processos cíclicos a fim de possibilitar repetições efetivas da opera-
ção de refrigeração. Notemos também que se Q1 é o calor recebido
pelos alimentos, Q2 é o calor recebido pelo ambiente e W é o trabalho
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 85

realizado por M em cada ciclo então, pela primeira lei,

0 = ∆Ucicl = (| Q1 | − | Q2 |) − W = (| Q1 | − | Q2 |) − (−|W |) ∴

∴ | Q 2 | = | Q 1 | + |W | . (4.5)
Assim, do calor liberado para o ambiente uma parte advém dos ali-
mentos e a outra parte advém do “consumo" de trabalho: aqui há,
portanto, dissipação de trabalho em calor. Um esquema geral de um
refrigerador consta na Fig. 4.2

T2
| Q2 |

|W | M

| Q1 |
T1

Figura 4.2: Esquema de uma máquina frigorífica M.

Como podemos notar a versão Clausius da segunda lei frusta qual-


quer tentativa de se construir um refrigerador perfeito, ou seja, que
unicamente (ciclicamente e sem “consumo de trabalho") transferisse
calor dos alimentos (frios) para o ambiente (quente).
Um refrigerador é tanto mais eficiente quanto mais calor | Q1 | ele
retirar do reservatório “frio" (benefício) e quanto menos trabalho W
ele consumir (custo), por ciclo de refrigeração. Define-se a eficiência
ε do refrigerador por

benefício |Q |
ε= = 1 .
custo |W |
86 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Pela Eq. (4.5) temos

| Q1 | | Q1 |
ε= = . (4.6)
|W | | Q2 | − | Q1 |

Notemos que 0 6 ε < ∞. Assim, a versão [C] da segunda lei impossi-


bilita termos um refrigerador de eficiência infinita (com | Q1 | = | Q2 |).

Exercício 1.
Um refrigerador tem eficiência 4 e recebe, por ciclo, 120 J de ener-
gia térmica de um reservatório frio. Calcule o trabalho necessário
e a energia liberada para o reservatório quente em cada ciclo de
refrigeração.

Resposta: 30 J e 150 J.

Exercício 2.
Se deixarmos aberta a porta de uma geladeira em funcionamento
o ambiente em volta dela se resfriará? Explique sucintamente via
Eq. (4.5).

Aparentes Violações de [C]


1) É possível uma situação em que há transferência de calor “do mais
frio para o mais quente" sem realização de trabalho (W = 0). De
fato podemos colocar um gás ideal M em contato com um reservató-
rio térmico em T1 fazendo com que ele retire deste uma quantidade
de calor | Q1 | via expansão isotérmica reversível; em seguida pode-
mos aquecê-lo até T2 > T1 via compressão adiabática reversível; por
fim, podemos colocá-lo em contato com um reservatório em T2 (mais
quente) e comprimí-lo isotérmica e reversivelmente até um estado tal
que o trabalho total por ele realizado seja nulo (faça um esboço num
diagrama VP e interprete!): nesta última etapa ele entrega uma quan-
tidade de calor | Q2 | para o reservatório em T2 . Mas este processo não
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 87

viola [C] pois houve algo mais além da transferência de calor: o estado
do gás foi modificado pois T2 6= T1 de modo que o processo seguido
pelo gás não foi cíclico. Notemos ainda que, pela primeira lei, temos
0 6= ∆U = | Q1 | − | Q2 | (pois W = 0). Assim | Q2 | = | Q1 | − ∆U de
modo que gás não transferiu | Q1 | integralmente para o reservatório
na temperatura T2 pois parte de | Q1 | foi acrescentada à sua energia
interna.
2) Um sistema M pode também realizar a tarefa do gás do ítem an-
terior, porém sem alterar sua energia interna: | Q1 | − | Q2 | = ∆U = 0
com transferência integral de | Q1 | do reservatório 1 para o reserva-
tório 2 mais quente; basta que a energia interna deste “novo" sis-
tema seja da forma U (V, T ) = f (V ) + g( T ) com f (V1 ) + g( T1 ) =
f (V2 ) + g( T2 ). Mesmo assim não haverá violação de [C] pois o estado
do sistema foi alterado como no caso anterior (T1 6= T2 , processo não-
cíclico) e, então, a transferência de calor para o mais quente não foi o
único efeito.
Como podemos notar a expressão “unicamente" em [C] se refere a
processo cíclico do e “sem consumo" de trabalho pelo sistema em conside-
ração.

4.2 Formulação de Kelvin-Planck da


Segunda Lei

Máquinas Térmicas
Vamos agora considerar a formulação da segunda lei que emergiu
do problema de melhorar os rendimentos das máquinas térmicas a
partir da primeira metade do séc. XIX.
Diferentemente de uma máquina frigorífica (ou refrigerador), que
“consome trabalho", uma máquina térmica é um dispositivo que “pro-
duz" trabalho a partir do calor extraído de algum reservatório tér-
mico, por exemplo uma fornalha em uma máquina a vapor.
88 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

As máquinas térmicas do século XIX tinham um rendimento muito


baixo: o trabalho produzido era bem menor do que o calor extraído
do reservatório. Poderia um sistema transformar em trabalho todo ca-
lor extraído de um reservatório? Sim! Poderia. Por exemplo um gás
ideal, numa expansão isotérmica reversível (Vi , T ) 7→ (Vf > Vi , T ),
recebe calor Q de um reservatório e o converte totalmente em traba-
lho W = Q (visto que ∆Uisot = 0 para gás ideal). Mas esta conversão
não é o único efeito pois neste processo o gás aumenta de volume. Isto
inviabiliza uma máquina para funcionamento contínuo baseado neste
processo devido a solicitação contínua de espaço e material.
Assim como em refrigeradores, é mais adequado que as máquinas
térmicas operem por processos cíclicos para que o sistema trabalhante
retorne periodicamente ao estado inicial e, portanto, ao volume inicial
e repita o ciclo realizando mais trabalho. Questão: Uma máquina tér-
mica cíclica pode transformar calor extraído de um reservatório (com
temperatura fixa) em trabalho? Conforme veremos, a versão Kelvin-
Planck da segunda lei permite essa possibilidade mas não como efeito
único; parte do calor extraído pode ser convertido em trabalho mas
há um efeito adicional: a outra parte do calor extraído é rejeitada (dis-
sipada ou degradada), digamos para um reservatório de menor tem-
peratura. Isto frusta tentativas de se construir uma máquina térmica
“perfeita". Sobre isto destaquemos aqui um fato que chama atenção
pela aparente obviedade:
Não vemos notícias de que algum navio (operando ciclicamente) tenha reti-
rado continuamente calor do oceano e transformado totalmente em trabalho
viajando sem nenhum custo.
Para fins de generalidade vamos então considerar uma máquina tér-
mica que opera em ciclos, reversíveis ou não, entre dois reservatórios
de temperaturas fixas T1 < T2 , conforme o esquema geral da Fig. 4.3
Denotamos, como antes, Q1 = calor recebido pelo reservatório em T1 ,
Q2 = calor recebido pelo reservatório em T2 e W = trabalho realizado
pela máquina por ciclo. Assim uma tal máquina extrai, em cada ci-
clo, uma quantidade de calor | Q2 | do reservatório em T2 , converte
parte deste calor em trabalho W e rejeita a outra parte | Q1 | para o
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 89

T2 | Q2 |

M W

T1 | Q1 |

Figura 4.3: Esquema geral de uma máquina térmica M.

reservatório em T1 . Pela primeira lei aplicada a um ciclo da máquina


temos

0 = ∆Ucicl = (| Q2 | − | Q1 |) − W =⇒ | Q2 | = | Q1 | + W (4.7)

que é semelhante à Eq. (4.5). Notemos que uma máquina térmica


corresponde a um refrigerador com ciclo invertido e vice-versa.
Versão Kelvin-Planck da Segunda Lei e Equivalências
Vejamos então a formulação de Kelvin-Planck da segunda lei.
[K]: Qualquer que seja o aparato utilizado é impossível realizar um processo
cujo efeito seja unicamente converter em trabalho o calor retirado de um
reservatório com temperatura fixa.
Aqui a expressão “unicamente" significa levar em conta processo cí-
clico e conversão total em trabalho do calor extraído do reservatório
“quente" conforme descrevemos anteriormente.
Já mostramos anteriormente que [C] é equivalente à [S]. Vamos agora
mostrar que [C] equivale à [K]. Usaremos a seguinte simbologia lógica:
dada uma afirmação [X] então ¬[X] denota a negação de [X]. Assim se
[X] afirma que o objeto B é azul então ¬[X] afirma que o objeto B não
90 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

é azul.
Para mostrar que [K] ⇒ [C] suponha, por contraposição, que [C] seja
falso (ou ¬[C] verdadeiro). Então há um refrigerador “perfeito" M
que, como efeito único por ciclo, extrai calor | Q1 | de um reservató-
rio em T1 e entrega | Q2 | = | Q1 | para um reservatório em T2 > T1 .
Suponha que M está acoplado à uma máquina térmica M’ que, sin-
cronizadamente e por ciclo, absorve | Q2 | do reservatório em T2 , re-
aliza trabalho W e rejeita | Q10 | para o reservatório em T1 , vide Fig.
4.4. Temos, pela primeira lei, | Q1 | = | Q2 | = W + | Q10 | de modo que
| Q1 | − | Q10 | = W. Assim a máquina composta M+M’ realiza, como
único efeito líquido por ciclo, a conversão em trabalho W do calor
| Q1 | − | Q10 | advindo do reservatório em T1 , o que implica em ¬[K].
Logo [K] ⇒ [C].

T2 | Q | | Q2 |
2

M M’ W

| Q1 | | Q10 |
T1

Figura 4.4: Aparato M+M’ ilustrando que ¬[C] ⇒ ¬[K].

Para mostrar que [C] ⇒ [K] procedemos de forma semelhante. Su-


pondo [K] falso (ou ¬[K] verdadeiro) podemos ter uma máquina tér-
mica “perfeita" M que, como efeito único por ciclo, transforma em
trabalho W todo calor | Q2 | recebido de um reservatório de tempe-
ratura T2 . Suponha que M está acoplado a um refrigerador M’ que,
sincronizadamente por ciclo, “consome" W, retira calor | Q1 | de um re-
servatório “frio" em T1 < T2 e entrega calor | Q20 | para o reservatório
em T2 , vide Fig. 4.5. Pela primeira lei temos | Q2 | = W = | Q20 | − | Q1 |
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 91

donde | Q1 | = | Q20 | − | Q2 |. Assim a máquina composta M+M’ trans-


fere, como único efeito líquido por ciclo, o calor | Q1 | do reservatório
em T1 para o reservatório em T2 > T1 o que implica em ¬[C]. Logo
[C] ⇒ [K].

T2 | Q2 | | Q20 |

M W M’

| Q1 |
T1

Figura 4.5: Aparato M+M’ ilustrando que ¬[K] ⇒ ¬[C].

Assim, nas condições acima, temos [S] ⇔ [C] ⇔ [K]. Pode-se também
verificar [K] como corolário de [S]. Calculando a variação de entropia
total de um sistema isolado constituído por uma máquina térmica e
pelos reservatórios de temperaturas fixas T1 < T2 temos, por ciclo da
máquina,
ˆ ˆ
1 1 | Q1 | (−| Q2 |)
∆Stotal = dQ1 + dQ2 = + . (4.8)
T1 T2 T1 T2

Assim supondo ¬[K], de modo que Q1 = 0 (ou seja, | Q2 | = W), temos

| Q2 |
∆Stotal = − <0
T2

o que implica em ¬[S]. Logo [S] ⇒ [K].


Exemplo 4.1.
Expansão Livre Novamente. A expansão livre adiabática de um gás ideal
92 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

é irreversível. A formulação entrópica [S] da segunda lei já fornece


imediatamente este resultado: se a expansão livre fosse reversível
poderia ocorrer uma “contração livre" Vi Vf < Vi para a qual
∆Stot = nR ln(Vf /Vi ) < 0 o que contradiz [S]. De outra maneira
se a contração livre ocorresse então poderíamos, após a contração,
expandir o gás isotermicamente de Vf até o volume Vi que o gás
tinha antes da contração, fechando o ciclo; e neste o gás conver-
teria todo o calor recebido do reservatório isotérmico em trabalho
W = nRT ln (Vi /Vf ): este seria o trabalho total no ciclo (na etapa
de contração livre não houve realização de trabalho), o que repre-
sentaria uma máquina térmica “perfeita" violando [K]. Enfim, a
expansão livre é termodinamicamente irreversível.

4.3 Teorema de Carnot

Entropia, Calor e Irreversibilidade


Vimos no capítulo anterior que quando um sistema evolui por um
processo reversível infinitesimal então o calor absorvido pelo sistema
é dado por dQrev = T · dS, conforme a Eq. (3.8). Mas para um pro-
cesso irreversível não podemos escrever dQirr = T · dS, embora haja
variação de entropia quando os estados inicial e final forem de equi-
líbrio termodinâmico3 . Se o processo (infinitesimal) irreversível for
de i para f , tomemos um ciclo acrescentando um processo reversí-
vel de f para i. Então o calor total absorvido pelo sistema no ciclo
é dQirr + T (−dS) = dQirr − T · dS. Caso dQirr − T · dS > 0 então,
pela primeira lei aplicada ao ciclo, temos conversão total de calor
(extraído de um “T-reservatório") em trabalho, dW = dQirr − T · S,
sem que haja alteração no estado do sistema. Isto viola a segunda lei
3 Se fosse dQirr = T · dS num processo irreversível de i para f então pode-
ríamos completar um ciclo com um processo reversível de f para i tal que
dQrev = T (−dS) donde, pela primeira lei, dWcicl = dQcicl = dQirr + dQrev =
TdS + T (−dS) = 0; assim sistema e vizinhança restaurariam seus estados inici-
ais donde o ciclo seria reversível. Logo dQirr 6= T · dS.
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 93

(versão [K]) e então dQirr − T · dS 6 0. Assim

dQ 6 T · dS (4.9)

em que a igualdade se refere à processos reversíveis. É notável que


o calor absorvido pelo sistema num processo irreversível seja me-
nor, o que corresponde a menos energia disponível para este sistema
produzir trabalho mecânico (vide teorema de Carnot mais adiante).
Vejamos alguns fatos que podemos deduzir da expressão 4.9.
Princípio do Aumento de Entropia: Se um sistema (não necessariamente
isolado) evolui por um processo adiabático irreversível (compressão ou
expansão, livre ou não) então sua entropia aumenta. De fato, T · dS >
dQirr = 0 ⇒ dS > 0.
Desigualdade de Clausius: Se tomarmos um processo cíclico (finito) te-
mos ˛ ˛ ˛
dQ dQ
6 dS = 0 ∴ 60 (4.10)
T T
sendo a igualdade para ciclo reversível. A expressão 4.10 é chamada
desigualdade de Clausius. Aqui T assume os valores da temperatura
do sistema quando este segue um ciclo reversível e, neste caso, os va-
lores são iguais aos das temperaturas dos reservatórios que “intera-
gem termicamente" com o sistema. Para um ciclo qualquer, T assume
os valores das temperaturas (bem definidas) dos reservatórios.

Exercício 3.
Usando a expressão 4.9 verifique que
a) Dado um processo reversível temos que ele é adiabático se e só
se for isentrópico (ou seja, de entropia constante).
b) Dado um processo irreversível e com dS 6 0 (isentrópico ou
de entropia decrescente) então o processo é exotérmico, ou seja, o
sistema libera calor.
Sobre o Ítem (b): Se misturarmos água e óleo a mistura pode so-
frer ordenamento espontâneo de modo a formar separadamente
94 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

domínios só de água e domínios só de óleo, independente da


gravidade. Isto não viola a segunda lei pois mesmo que este sis-
tema tenha entropia decrescente este ordenamento deve obedecer
a desigualdade dQirr < T · dS 6 0 e, portanto, é exotérmico (libera
calor, sistema não isolado).

Rendimento das Máquinas


Uma máquina térmica é tanto mais eficiente quanto mais trabalho
ela realizar (benefício) ao receber calor de um reservatório (custo).
Designamos o rendimento ou eficiência de uma máquina térmica por

benefício W | Q | − | Q1 | |Q |
η= = = 2 = 1− 1 . (4.11)
custo | Q2 | | Q2 | | Q2 |

Podemos expressar [K] como: Não há máquina térmica (cíclica) com ren-
dimento η = 1 = 100% (isto é, que converta em trabalho todo calor | Q2 |
extraído, por ciclo, do reservatório “quente" de modo que tenhamos Q1 = 0).
Notemos que η = 0 é compatível com [C] pois implica em | Q1 | = | Q2 |,
ou seja, o calor extraído do reservatório “quente" é totalmente trans-
ferido para o reservatório “frio". Mas se não pode ser η = 100%, qual
o rendimento máximo de uma máquina (cíclica) que opera entre duas
temperaturas?
Por volta de 1824 o engenheiro francês Nicolas Carnot apresentou
um resultado importante acerca dos limites das máquinas térmicas
apesar de, naquela época, ele não dispor do aparato conceitual que a
Termodinâmica passou a ter muitas décadas depois. Vejamos o seu
resultado e uma demonstração direta.
Teorema de Carnot: O rendimento η de uma máquina térmica (cíclica)
qualquer que opera entre duas temperaturas fixas T1 < T2 é limitado
superiormente por
T
η 6 1− 1
T2
onde a igualdade é válida apenas para o caso das máquinas reversí-
veis.
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 95

Prova: Pela desigualdade de Clausius 4.10 aplicada a um ciclo da


máquina temos
˛ ˆ ˆ
dQ 1 1 −| Q1 | | Q2 |
= dQ1 + dQ2 = + 60
T T1 T2 T1 T2

| Q1 | |Q |
∴ − 6− 2 . (4.12)
T1 T2
Assim
| Q1 | T |Q | T
− 6 − 1 ∴ η = 1− 1 6 1− 1
| Q2 | T2 | Q2 | T2
em que a igualdade se refere ao caso de máquinas (e ciclos) reversí-
veis. 
Corolário: Todas as máquinas reversíveis que operam entre T1 e T2
possuem o mesmo rendimento.
Prova: De fato este rendimento é, pelo teorema de Carnot, dado por
η = 1 − T1 /T2 que depende das temperaturas T1 e T2 mas não depende
do sistema trabalhante que compõe a máquina.

Exercício 4.
Uma máquina térmica opera entre dois reservatórios de tempe-
raturas 500 K e 270 C. Em cada ciclo ela absorve 200 cal do reser-
vatório quente e realiza 50 cal de trabalho.
a) Qual o rendimento desta máquina e quanto de calor é rejeitado
para o reservatório frio num ciclo?
b) Qual o rendimento teórico máximo previsto para uma máquina
de Carnot (reversível) que opere entre as mesmas temperaturas
dadas?
c) Qual seria, por ciclo, o trabalho realizado pela máquina de Car-
not caso absorva os mesmos 200 J do reservatório quente? E qual
seria, por ciclo, o calor rejeitado para o reservatório frio?

Resposta: a) η = 25%, | Q1 | = 150 cal, b) η = 40%, c) W = 80 cal,


96 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

| Q1 | = 120 cal.

Exercício 5.
Um inventor anunciou que construiu uma máquina térmica que
opera em ciclos entre dois reservatórios em T1 = 300 K e T2 = 600
K. Ele informa que, por ciclo, a máquina retira 1, 4 × 104 J do re-
servatório quente e realiza 8 × 103 J de trabalho.
a) A informação do inventor está de acordo com a primeira lei da
Termodinâmica?
b) A informação do inventor está de acordo com a segunda lei?
c) Calcule o trabalho máximo que esta máquina poderia realizar
por ciclo absorvendo 1, 4 × 104 J do reservatório quente.

Resposta: a) Sim. b) Não. c) Wmáx = 7 × 103 J.

Exercício 6.
Para aumentar o rendimento de uma máquina de Carnot, qual
das duas opções é melhor: a) aumentar de ∆T a temperatura da
fonte quente e manter a da fonte fria ou b) diminuir de ∆T a
temperatura da fonte fria e manter a da fonte quente?

Temperatura Termodinâmica
É notável o fato de que o teorema de Carnot não faz referência a um
sistema específico mas apenas às temperaturas dos reservatórios: não
importa a natureza da substância trabalhante que compõe o sistema!
Esta universalidade do rendimento das máquinas reversíveis operando
entre duas temperaturas possibilita estabelecer uma escala de tempe-
ratura que independe da substância utilizada (e que coincide com a
escala Kelvin). Detalhes à parte, isto é feito essencialmente tomando
a igualdade na expressão 4.12,

T2 |Q |
= 2 ,
T1 | Q1 |
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 97

válida para uma máquina de Carnot (reversível) operando entre T1


e T2 . Se T2 = T é uma temperatura a ser avaliada e T1 = Tref é um
ponto fixo de referência então

| Q|
T= ·T . (4.13)
| Qref | ref
Usualmente toma-se como valor de referência o ponto triplo da água
sob pressão normal, onde coexistem as fases sólida, líquida e vapor,
e adota-se Ttr = 273, 16 K de modo que

| Q|
T = 273.16K · . (4.14)
| Qtr |
Para uma construção detalhada e formal vide, por exemplo, Termo-
dinâmica, Mário José de Oliveira, Editora Livraria da Física, Segunda
Edição, São Paulo, 2012.
Ciclo de Carnot
Analisemos o ciclo termodinâmico de uma máquina térmica reversí-
vel operando entre dois reservatórios de temperaturas pré-fixadas
T1 < T2 , chamado ciclo de Carnot. Este ciclo deve ser reversível e
os calores recebido e degradado pela máquina estão associados com
os reservatórios. Assim cada ciclo do sistema trabalhante de uma
máquina de Carnot deve ter dois trechos isotérmicos e dois trechos
adiabáticos, conforme as etapas ab, bc, cd e da descritas a seguir.
1. Na etapa ab o sistema é mantido em contato com o reservatório
de temperatura T2 do qual recebe isotermicamente uma quantidade de
calor | Q2 |. Nesta etapa a entropia do sistema aumenta, pois T2 · dSab =
dQ ab > 0. E, por integração direta, temos

| Q2 | = T2 (Sb − Sa ). (4.15)

2. Na etapa bc o sistema, sem contato térmico com os reservatórios, é


resfriado adiabaticamente até T1 (se, após a primeira etapa ab, o sistema
fosse colocado diretamente em contato com o reservatório em T1 o
98 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

processo se tornaria irreversível); logo esta etapa é isentrópica com


Sb = Sc .
3. Na etapa cd o sistema é mantido em contato com o reservatório em
T1 para o qual libera isotermicamente uma quantidade de calor | Q1 |.
Aqui a entropia do sistema diminui pois T1 · dScd = dQcd < 0. E com
Sb = Sc temos

−| Q1 | = T1 (Sd − Sc ) = T1 (Sd − Sb ). (4.16)

4. Na etapa da o sistema é aquecido adiabaticamente (isentropicamente)


até T2 de modo a retornar ao estado inicial a com Sd = Sa . Logo a Eq.
(4.16) torna-se
| Q1 | = T1 (Sb − Sa ). (4.17)

Assim o ciclo de Carnot abcda tem, no plano ST, o perfil esboçado na


Fig. 4.6.

a b
T2

T1
d c

S
Sa Sb

Figura 4.6: Diagrama ST do ciclo de Carnot abcda.

Notemos que, pela primeira lei e pelas Eqs. (4.15)-(4.17), temos

0 = ∆Ucicl = (| Q2 | − | Q1 |) − Wcicl

∴ Wcicl = ( T2 − T1 )(Sb − Sa ) > 0. (4.18)


CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 99

que corresponde à “área" (mas não em comprimento ao quadrado)


do retângulo que representa o ciclo em ST. Notemos ainda que pelas
Eqs. (4.15) e (4.18) temos que o rendimento de Carnot é

Wcicl ( T − T1 )(Sb − Sa ) T
η= = 2 = 1− 1
| Q2 | T2 (Sb − Sa ) T2

conforme o teorema de Carnot.

Exercício 7.
a) Mostre que o trabalho realizado por um sistema num ciclo
reversível qualquer é dado por
˛
W = T · dS.

b) Mostre que o rendimento de uma máquina reversível qualquer


que opera (via “muitos" reservatórios) entre uma temperatura
máxima Tmáx e uma temperatura mínima Tmín é menor do que o
rendimento de Carnot entre estas temperaturas. Sugestão: Con-
sidere um ciclo de Carnot entre Tmín e Tmáx conforme a Fig. 4.7.

a b
Tmáx
T2 (S)

T1 (S)
Tmín
d c

S
Sa Sb

Figura 4.7: Referente ao ítem (b) do Exercício 7.


100 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Apesar da generalidade de se usar o diagrama ST, onde o ciclo de


Carnot tem mesmo perfil para qualquer sistema trabalhante, a entro-
pia não é de fácil avaliação experimental. Por outro lado o perfil do
ciclo de Carnot num diagrama VP depende do sistema, apesar das
coordenadas V e P serem de fácil avaliação experimental. De fato se
f (V, P) = T e g(V, P) = T são equações de estado de dois sistemas
diferentes então as curvas isotermas f (V, P) = T0 e g(V, P) = T0 ,
para cada temperatura T0 , são em geral distintas. Então vamos con-
siderar o ciclo de Carnot em VP para o caso do gás ideal.
ab) A primeira etapa deste ciclo é uma expansão isotérmica para a qual
o calor absorvido pelo gás do reservatório em T2 é, pelo Exemplo 2.5
do Capítulo 2,
V
| Q2 | = Wab = nRT2 ln b . (4.19)
Va

bc) A segunda etapa é uma expansão adiabática, na qual o gás é resfri-


ado para T1 .
cd) A terceira etapa é uma compressão isotérmica onde o calor rejeitado
pelo gás para o reservatório em T1 é

Vc
| Q1 | = −Wcd = nRT1 ln . (4.20)
Vd

da) A quarta etapa é uma compressão adiabática em que o gás é aque-


cido para o estado inicial a, de temperatura T2 .
O ciclo de Carnot de gás ideal no diagrama VP está esboçado na Fig.
4.8.
Notemos que nas etapas adiabáticas temos, pela primeira lei,

∆Ubc = −Wbc e ∆Uda = −Wda .

Como se trata de gás ideal então Ua = Ub e Uc = Ud pois a e b


estão sobre a isoterma em T2 e c e d sobre a isoterma em T1 . Logo
∆Ubc = Uc − Ub = Ud − Ua = −∆Uda . Assim, no caso da máquina de
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 101

d c T2
T1
V

Figura 4.8: Ciclo de Carnot abcda de gás ideal no diagrama VP.

Carnot de gás ideal, o trabalho total nos trechos adiabáticos é nulo:


Wbc + Wda = −(∆Ubc + ∆Uda ) = 0.

Agora notemos que, pelas Eqs. (4.19)-(4.20),

| Q1 | T ln(Vc /Vd )
= 1
| Q2 | T2 ln(Vb /Va )

Por outro lado, temos


γ γ γ γ
Pa Va = Pb Vb , Pb Vb = Pc Vc , Pc Vc = Pd Vd , Pd Vd = Pa Va .

Igualando o produto das quantidades do lado esquerdo ao produto


das quantidades do lado direito destas equações obtemos, após sim-
plificações, que Vc /Vd = Vb /Va e então

| Q1 | T
= 1. (4.21)
| Q2 | T2

Este resultado é compatível com a Eq. (4.13) e, portanto, com a escala


universal de temperatura termodinâmica (Kelvin).
102 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

Exercício 8.
Em um ciclo de Carnot de gás ideal os reservatórios estão à 300
K e 500 K. Na expansão isotérmica o gás absorve 700 cal de ca-
lor. Calcule: a) o trabalho realizado pelo gás durante a expansão
isotérmica, b) o calor liberado pelo gás durante a compressão iso-
térmica, c) o trabalho realizado sobre o gás na compressão isotér-
mica.

Resposta: a) Wexp isot = 700 cal; b) | Q1 | = 300 cal; c) Ws/g = 300


cal.

4.4 Complementos

Curvas e Superfícies Adiabáticas


Lembremos que o Exercício 12, ítem (b), no final do Capítulo 2 solicita
mostrar que as curvas adiabáticas reversíveis de um sistema simples,
descrito por apenas duas coordenadas ( P, V ), ( P, T ) ou (V, T ), não se
intersectam. Tal demonstração é uma notável aplicação do teorema
de existência e unicidade de soluções de problemas de valores iniciais
de primeira ordem. Mas para o caso de sistemas com mais coorde-
nadas termodinâmicas, digamos ( T, V1 , V2 , ...), as curvas adiabáticas
reversíveis “jazem" sobre as chamadas superfícies ou hiperfícies adiabá-
ticas. De fato se, por exemplo, U ( T, V1 , V2 ) é a energia interna de um
sistema com três coordenadas termodinâmicas independentes então
as curvas adiabáticas reversíveis (isentrópicas) são, pela primeira lei,
descritas por
dU + P1 · dV1 + P2 · dV2 = dQ = 0,
ou seja,
( ) ( )
∂U ∂U ∂U
dT + + P1 dV1 + + P2 dV2 = 0.
∂T (V1 ,V2 ) ∂V1 (T,V2 ) ∂V2 (T,V1 )
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 103

Esta possui fator integrante 1/T (pois dQrev /T = dS) e, assim, se


reduz a uma equação da forma

dS = M ( T, V1 , V2 )dT + N1 ( T, V1 , V2 )dV1 + N2 ( T, V1 , V2 )dV2 = 0

onde S( T, V1 , V2 ) é a entropia do sistema. Dessa forma a solução geral


desta equação é
S( T, V1 , V2 ) = S0 = const.
que corresponde a uma família de superfícies T(S) = G(S) (V1 , V2 ),
cada qual de entropia S constante.
Estas superfícies adiabáticas (onde “residem" as curvas adiabáticas reversí-
veis) também não se intersectam. Para mostrar este resultado mais geral
recorremos à segunda lei. Suponhamos, pois, que duas superfícies
adiabáticas distintas se intersectam e tomemos, sobre estas, duas cur-
vas que se intersectam num ponto de interseção das superfícies. Fe-
chemos um ciclo com uma “T-isoterma" reversível que “corte" estas
duas curvas. Então pela primeira lei aplicada a este ciclo (reversível)
temos 0 = ∆U = Q − W ⇒ W = Q de modo que este sistema
pode retirar calor de um reservatório de temperatura T e convertê-lo
integralmente em trabalho durante o ciclo, violando [K]. Logo duas
diferentes superfícies adiabáticas não podem se intersectar.
Assim, se i e f são dois estados de equilíbrio do sistema pertencentes
a duas diferentes adiabáticas temos que a) se um processo i f
ocorrer reversivelmente então este processo não é adiabático, b) se
um processo i f ocorrer adiabaticamente então ele não pode ser
reversível.
Terceira Lei
Nas verificações da equivalência [S] ⇔ [C] ⇔ [K] supomos T2 > T1 >
0 para evitar divisões por zero. Por exemplo, na dedução de [S] ⇒
[K], se fizéssemos T1 = 0 K e Q1 = 0 na Eq. (4.8) obteríamos a
indeterminação ∆Stot = 0/0 − (| Q2 |/T2 ).
Por outro lado caso tivéssemos um reservatório em T1 = 0 K (infima-
mente frio) poderíamos usá-lo como fonte fria de uma máquina tér-
104 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

mica reversível obtendo um rendimento n = 1 − T1 /T2 = 1 = 100%,


o que viola [K].
Mas parece que algo na natureza proíbe um sistema de atingir o zero
absoluto. A chamada terceira lei da Termodinâmica tem a ver com
isto.
Assim como a segunda lei, há várias versões da terceira lei mas neste
caso a situação é desconfortável: não há uma formulação geral da
terceira lei. Algumas formulações são para sistemas específicos (não
universais), outras são problemáticas quando se tenta aplicá-las em
cosmologia etc, detalhes à parte4 .
Uma das versões da terceira lei corresponde ao princípio de inatin-
gibilidade: o zero absoluto não pode ser atingido em um processo por uma
quantidade finita de etapas e em tempo finito. Outra formulação é devida
a Planck e nos diz que quando a temperatura tende à 0 K , a entropia de
qualquer sólido cristalino puro tende a zero, o que faz com que a entropia
fique bem definida como veremos a seguir.
Podemos avaliar a variação de entropia de um sólido puro com capa-
cidade térmica C entre um estado inacessível (?) de zero absoluto e
um estado de temperatura T > 0 pela integral imprópria
ˆ T ˆ T
C · dT C · dT
∆S = = lim .
0 T e 7 →0 e T

Isto impõe a seguinte restrição: a capacidade térmica não pode ser


constante nas vizinhanças de zero absoluto pois se fosse esta integral
seria divergente:  
T
∆S = C lim ln = ∞.
e 7 →0+ e
T 7 →0
E, mais ainda, devemos ter C ( T ) −−→ 0. Por falar nisso, a lei de
Debye (reveja Capítulo 2, Seção 2.2, Exercício 3) nos diz que C ( T ) =
4 Ver
arXiv:1412.3828v4 [quant-ph] 7 Apr 2016; arXiv:1510.02311v3 [cond-mat.stat-
mech] 25 Jan 2016; arXiv:0710.4918v3 [math-ph] 22 Aug 2008; arXiv:math-
ph/0604067v3 14 Nov 2006.
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 105

AT 3 e então
ˆ T
T3 A C(T )
S( T ) = A dT + S(0) = T 3 + S(0) = + S (0).
0 T 3 3

Mas pela versão Planck da terceira lei temos que S( T ) 7→ 0 quando


T 7→ 0. Então S(0) = 0, qualquer que seja o sólido cristalino puro;
logo
A C(T )
S( T ) = T 3 =
3 3
e, dessa forma, a entropia do sólido fica bem definida.
A Equação Central
Uma equação que envolve todas as coordenadas termodinâmicas re-
levantes (V, P, T, U, S) de um sistema simples pode ser escrita a partir
da primeira lei com “participação" da segunda lei (entropia):

TdS = dQ = dU + PdV ou simplesmente TdS = dU + PdV. (4.22)

Esta é chamada de equação central ou principal da Termodinâmica:


aqui todas as variáveis presentes (V, P, T, U, S) são variáveis ou fun-
ções de estado e todas as diferenciais (dV, dU, dS) são exatas. A partir
da equação central podemos obter praticamente todas as relações ter-
modinâmicas importantes (próximo volume em preparação...).

Exercício 9.
A versão Planck da terceira lei possibilita definir univocamente
´T
a entropia de um cristal puro por S = 0 CdT + S0 com S0 =
limT 7→0 S = 0. Pense e responda: Isto se estende para outras
funções termodinâmicas, como energia interna U e entalpia H?
Noutras palavras, funções como U e H ficam também univoca-
mente definidas?
106 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

4.5 Exercícios

1. Em cada ciclo um refrigerador retira | Q1 | da fonte fria ao “con-


sumir" 100 J de trabalho. Supondo que o refrigerador entregue 250 J
para a atmosfera determine | Q1 |.
Resposta: | Q1 | = 150 J.

2. Uma máquina de Carnot de gás ideal opera entre 1270 C e 2270 C


absorvendo, por ciclo, 6.0 × 104 cal do reservatório quente. Calcule: a)
o rendimento da máquina, b) o trabalho desenvolvido em cada ciclo.
Resposta: a) η = 20%; b) W = 1, 2 × 104 cal.

3. Em cada ciclo de uma máquina térmica 1/5 do calor absorvido da


fonte quente é convertido em 50 J de trabalho. Se ela executa 4 ciclos
por segundo: a) Qual é a sua potência? b) Qual é o seu rendimento?
c) Quais são as quantidades de calor absorvido da fonte quente e
rejeitado para a fonte fria por ciclo?
Resp.: a) Pot = 200 W; b) η = 20%; c) | Q2 | = 250 J e | Q1 | = 200 J.

4. Suponha que uma máquina térmica reversível opera entre 100 K


(-1730 C) e 5270 C e rejeita, por ciclo, 20 J de calor para a fonte fria.
Determine a) o rendimento desta máquina, b) o calor por ela absor-
vido da fonte quente por ciclo e c) o trabalho por ela desenvolvido
por ciclo.
Resposta: a) η = 7/8 = 87, 5%; b) | Q2 | = 160 J; c) W = 140 J.

5. Um ciclo de Carnot percorrido no sentido invertido corresponde


a um refrigerador ideal. Se este dispositivo opera entre as tempera-
turas T1 < T2 e se | Q1 | é o calor retirado da fonte fria então mostre
que trabalho realizado por ciclo para que este refrigerador funcione
é dado por
T2 − T1
W = | Q1 | .
T1
CAPÍTULO 4. MÁQUINAS E SEGUNDA LEI 107

6. Uma máquina de Carnot opera entre 260 K e 320 K absorvendo,


por ciclo, 500 J da fonte quente. a) Calcule o trabalho que ela realiza
por ciclo. b) Se esta máquina operar com ciclo invertido calcule o
trabalho que deve ser realizado sobre seu sistema para ele retirar
1000 J de calor da fonte fria.
Resposta: a) W = 93, 75 J; b) W = 230, 77 J.

7. Um inventor propõe construir uma máquina térmica para operar


entre 270 C e 3270 C e ter uma potência trabalhante de 500 W a partir
de uma potência absorvida de 1200 W da fonte quente. De acordo
com a primeira e segunda leis da Termodinâmica, isso é possível? E
se a potência trabalhante fosse 700 W ao invés de 500 W?

8. Considere uma máquina térmica reversível de dois estágios em


que, no primeiro estágio, uma quantidade de calor | Q3 | é absorvida
de um reservatório de temperatura T3 , um trabalho W é realizado
e uma quantidade de calor | Q2 | é rejeitada para um reservatório de
temperatura T2 < T3 . No segundo estágio ela absorve | Q2 | do reser-
vatório em T2 , realiza trabalho W 0 e rejeita | Q1 | para um reservatório
em T1 < T2 . Mostre que o rendimento desta máquina composta é
η = 1 − T1 /T3 .

9. Considere o ciclo de Otto de gás ideal, esboçado na Fig. 4.9 (apro-


ximação de um motor de combustão interna à gasolina, detalhes téc-
nicos à parte). Suponha Vd /Va = 4 e Pb /Pa = 3. Calcule: a) a tempe-
ratura em cada vértice do ciclo em função de Ta e γ; b) o rendimento
da máquina Otto em função de γ(= CP /CV ).
108 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

c
a
d V

Figura 4.9: Ciclo de Otto abcda ref. ao Exercício 9, constituído por


dois trechos isocóricos (ou isovolumétricos) ab e cd e dois
trechos adiabáticos bc e da.

Resposta: a) Tb = 3Ta , Tc = 3 × 41−γ Ta , Td = 41−γ Ta ; b) η = 1 − 41−γ .

10. Releia a seção 4.4 na parte que fala sobre superfícies adiabá-
ticas e note que, dado um estado de equilíbrio ( T, V1 , V2 ), existe
S0 = S( T, V1 , V2 ). Considere então a superfície adiabática constituída
por todos os pontos ( T, V1 , V2 ) tais que S( T, V1 , V2 ) = S0 . Argumente
então que nas vizinhanças de qualquer estado de equilíbrio E = ( T, V1 , V2 )
existem estados que não podem ser acessados pelo sistema a partir de E por
um processo adiabático reversível. Esta afirmação é conhecida como prin-
cípio de Caratheodory e é uma outra formulação da segunda lei.
Referências Bibliográficas

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109
110 TERMODINÂMICA para Licenciatura, Um Roteiro

[10] RBEF, vol. 38, n. 1, 1709 (2016).


[11] J. Marsden, A. Tromba Vector Calculus, Freeman and Company,
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