Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
Fabio Scorsolini-Comin
Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Av. Getúlio Guaritá, 159,
Abadia, 38025-440, Uberaba, MG, Brasil. scorsolini_usp@yahoo.com.br
1
Apoio: CNPq.
Fabio Scorsolini-Comin
mente de uma opção intelectual, mas parece ser e sem avaliações ou julgamentos, além de ma-
a melhor descrição do comportamento hesitante, nifestar um elevado grau de empatia nesse re-
provisório e através do qual procede à exploração lacionamento (Rogers, 1942, 2001). No contato
daquilo que quer ser (Rogers, 1973, p. 155). entre esses dois agentes, deve-se possibilitar a
expressão dos sentimentos daquele que busca
Em termos dos elementos comuns a todos ajuda. O conselheiro deve ser capaz de facilitar o
os aportes teóricos relacionados ao aconse- processo de autoconhecimento por parte de seu
lhamento psicológico, Hackney e Nye (1977) cliente, a fim de que possa buscar, por si mesmo,
destacam seis: (a) trata-se de um processo que o seu crescimento pessoal e a autorrealização:
envolve respostas aos sentimentos e pensa-
mentos do cliente; (b) envolve uma aceitação [...] a consulta psicológica [counseling] eficaz
básica das percepções e dos sentimentos do consiste numa relação permissiva, estruturada
cliente, independentemente da avaliação ex- de uma forma definida que permite ao paciente
terna do aconselhador; (c) caráter confidencial alcançar uma compreensão de si mesmo num
e existência de condições ambientais (setting) grau que o capacita a progredir à luz da sua nova
para que se estabeleça a relação de ajuda; (d) orientação (Rogers, 1973, p. 29).
a demanda pelo aconselhamento deve partir
da pessoa que busca ajuda; (e) o foco está na A partir da delimitação do aconselhamento
vida daquele que busca ajuda, não na figura psicológico, destacaremos, a seguir, os princi-
do aconselhador; (f) foco nos processos comu- pais distanciamentos dessa área em relação à
nicativos entre aconselhador e cliente. psicoterapia.
O processo de aconselhamento possui de-
terminadas etapas nas quais algumas tarefas Distanciamentos entre
estão presentes e contribuem para uma inter- aconselhamento psicológico e
venção bem-sucedida. A partir da leitura de psicoterapia
teóricos como Corey (1983), Patterson e Eisen-
berg (1988), Santos (1982) e Tyler (1953), Pupo Parte da literatura científica dedicada ao
e Ayres (2013) condensaram desse modo as aconselhamento psicológico a apresenta junta-
etapas do aconselhamento, que podem variar mente com a psicoterapia, sendo frequentes os
segundo algumas abordagens: (a) identificar títulos de obras que fazem, ao mesmo tempo,
e analisar problemas específicos; (b) ampliar referência a esses dois campos. É o caso da obra
a compreensão da pessoa acerca do proble- Técnicas de Aconselhamento e Psicoterapia,
ma; (c) avaliar os recursos pessoais existentes publicada por Gerald Corey no Brasil em 1983.
e que podem ser desenvolvidos para resolver Apesar de não destacar, ao longo do livro, as
o problema; (d) definição do potencial de mu- especificidades de cada campo de atuação ao
dança dessas condições e atitudes pessoais; (e) mostrar as diferentes abordagens psicológicas,
utilização de ações específicas e que podem apresenta uma preocupação no prefácio em
contribuir para o processo de mudança e/ou delimitar ambas as áreas.
transformação referente ao problema relatado. Para Corey (1983, p. 22), o aconselhamento
Desse modo, também considerando as dife- é o processo por meio do qual “se dá oportuni-
renças existentes entre as abordagens teóricas, dade aos clientes de explorarem preocupações
Pupo e Ayres (2013, p. 1091) sumarizam, a pessoais; esta exploração conduz a uma am-
partir da literatura científica, que o aconselha- pliação da capacidade de tomar consciência e
mento é uma das possibilidades de escolha”. Esse processo
é de curta duração, com foco na resolução dos
tecnologia de ajuda, de cuidado, e como uma prá-
problemas, e ajuda a pessoa a remover os obs-
tica instrumental que oferece auxílio estruturado
e personalizado para o manejo de situações difí- táculos ao seu crescimento, auxiliando os in-
ceis e de crise que exigem ajustamentos e adap- divíduos a reconhecerem e empregarem seus
tações, para a solução de problemas específicos e recursos e suas potencialidades. A psicotera-
para a tomada de decisões. pia, pelo contrário, estaria mais relacionada a
mudanças na estrutura da personalidade, en-
Ainda, há que se considerar a importância volvendo uma autocompreensão mais intensa.
da relação entre conselheiro e cliente, conside- No clássico livro de Santos (1982), encon-
rada como um dos fatores de sucesso para uma tramos um dos primeiros esforços na literatura
intervenção, desde que o profissional consiga científica nacional no sentido de delimitar as
ser autêntico, posicionar-se de modo positivo diferenças entre esses dois processos. Segundo
o autor, que inclui, entre os processos, a orien- dentais e superficiais e reservar o termo “psicote-
tação, os verbos orientar e aconselhar distan- rapia” para os contatos mais intensivos e prolon-
ciam-se do que vem a ser a psicoterapia. Esta gados, orientados para uma reorganização mais
profunda da personalidade. Embora possa haver
é entendida como o tratamento de perturba-
algum fundamento para esta distinção, é evidente
ções da personalidade ou da conduta por meio que uma consulta psicológica intensa e com êxito
de métodos e técnicas psicológicas, ou seja, é é impossível de se distinguir de uma psicoterapia
indicada em casos nos quais a orientação e o intensa e com êxito (Rogers, 2005 [1942], p. 6).
aconselhamento não seriam suficientes para
conduzir os processos de mudanças e de cres- Assim, tanto o aconselhamento como a psi-
cimento necessários. O aconselhamento seria coterapia poderiam constituir processos inten-
indicado quando não houvesse o diagnóstico sos e exitosos, não sendo possível distinguir
de algum transtorno psicológico ou em situ- um termo do outro pelo critério de “profun-
ações que envolvessem o atendimento mais didade” de uma técnica psicoterápica, o que
pontual, com o fornecimento de informações será mais bem detalhado na seção seguinte,
e de acompanhamento para a tomada de uma das aproximações entre esses campos. A cha-
decisão importante. Essas considerações são mada profundidade, sinônimo da intensidade
apoiadas por autores como Williamson (1950), do tratamento que provocaria o êxito da in-
Tyler (1953) e Bond (1995), grandes expoentes tervenção, poderia estar presente em ambas
dos estudos sobre aconselhamento no contex- as intervenções, a depender do modo com
to norte-americano. que cada relação de ajuda fosse estabelecida,
Em que pesem as aproximações e os dis- da relação entre profissional e cliente e, tendo
tanciamentos entre o aconselhamento psicoló- como norte a abordagem centrada no cliente,
gico e a psicoterapia, há certo consenso de que da satisfação das condições básicas para a mu-
se tratam de intervenções distintas, embora dança terapêutica: autenticidade/congruência,
mantenham estreito relacionamento (Schmidt, consideração positiva incondicional e empatia
2012). A maior parte dos autores compreende (Rogers, 1973), detalhadas posteriormente.
que o aconselhamento está mais ligado a aju- Corey (1983) destaca que são vários os ob-
dar o cliente a tomar alguma decisão e envolve jetivos que perpassam os processos de ajuda
situações objetivas que permitem uma melhor psicológica, por exemplo, reestruturação da
utilização de recursos e potencialidades pes- personalidade, descoberta de um sentido de
soais, sendo que as demandas estão relacio- vida, cura de um transtorno psicológico, ajus-
nadas, geralmente, a conflitos ambientais e tamento, redução da ansiedade, aprendiza-
situacionais, a conflitos conscientes e acompa- gem de comportamentos mais adaptativos ou
nhados de uma ansiedade considerada normal atingimento da autorrealização. Esses objeti-
(Patterson, 1959; Scheeffer, 1980; Tyler, 1953; vos conduzem a intervenções diferenciadas e
Williamson, 1950). O aconselhamento busca devem ser estabelecidos, a priori, na interação
assistir a pessoa na remoção de bloqueios ao cliente e psicólogo, podendo ser modificados
seu crescimento (Corey, 1983). A psicoterapia ao longo do processo. Assim, a partir das con-
seria desenvolvida em um nível mais “pro- siderações desse autor, podemos destacar que
fundo” e teria como foco os conflitos de per- um caso inicialmente atendido em aconselha-
sonalidade, com destaque para a necessidade mento pode ser encaminhado a uma psicotera-
de mudanças nessa estrutura (Santos, 1982). A pia caso seja necessária uma intervenção con-
psicoterapia seria, nesse sentido, a autocom- siderada mais intensa ou, então, mais a longo
preensão intensiva da dinâmica que explica as prazo.
crises existenciais particulares (Corey, 1983). Segundo Schmidt (2012, p. 13), pode-se de-
Essas diferenças, no entanto, são diluídas limitar as diferenças entre esses dois proces-
a partir do momento em que Rogers (2005 sos de ajuda. Para a autora, o aconselhamen-
[1942]) passa a se dedicar à questão. O critério to psicológico pode ser compreendido como
para pensarmos essa “profundidade” supos- uma área do conhecimento bastante ampla e
tamente pertencente à psicoterapia, tal como que envolve uma prática “educativa, preven-
apregoado por Santos (1982) ao compará-la ao tiva, de apoio situacional, centralizada nos
aconselhamento, pode ser questionado à luz aspectos saudáveis, nas potencialidades e nas
das considerações rogerianas, por exemplo: dimensões conscientes e ‘mais superficiais’
da clientela, requerendo tempos abreviados”.
Houve uma tendência para empregar a expressão Já a psicoterapia trataria de “problemas emo-
“consulta psicológica” mais para entrevistas aci- cionais e patologias, de caráter remediativo
dessa motivação e reflexão para compreensão mitir-se “ser o que se é” (Rogers, 1973), estan-
da problemática apresentada; do integralmente a serviço daquele processo
(b) mudança no cliente como foco de toda de ajuda e sendo coerente com o seu modo de
a intervenção, ou seja, quaisquer que sejam os ser, pensar, agir e se relacionar.
objetivos trazidos pelo cliente, a assunção dos (b) consideração positiva incondicional: o
processos de mudança são indicadores de que psicólogo deve vivenciar atitudes positivas de
a relação de ajuda está sendo efetiva; aceitação para com o cliente, sem julgamentos
(c) a qualidade da relação estabelecida entre ou reservas. Refere-se ao fato de o profissional
profissional e cliente, com foco no bem-estar acreditar profundamente que aquela pessoa em
daquele que busca ajuda e na possibilidade de busca de ajuda tem condições de amadurecer e
que o conselheiro manifeste suas impressões, resolver seus conflitos a partir desse crescimen-
desejos e interpretações do modo mais autên- to e da potencialização das suas capacidades.
tico possível, a fim de priorizar um relaciona- É a aceitação do cliente sem reservas, julgamen-
mento claro e transparente com seu cliente; tos ou questionamentos sobre o seu modo de
(d) processo sequencial, que se refere à ne- ser e as escolhas que tem tomado em sua vida.
cessidade de que haja um começo, um meio e (c) compreensão empática: é a capacidade
um fim da intervenção, o que pode durar um de o psicólogo colocar-se no lugar do cliente
ou mais encontros; estabelecer essa sequência em uma atitude “como se”, sem perder a no-
e cuidar para que ela seja respeitada é tarefa ção de que se trata do “como se”. Refere-se
do conselheiro; autorrevelação e autoconfron- à capacidade do profissional abrir-se à pos-
tação como recursos que devem ser utilizados sibilidade de experienciar, juntamente com
pelo cliente com a ajuda do olhar do conselhei- o cliente, suas dores, angústias e apreensões,
ro, ou seja, a ajuda só será efetiva se o cliente conservando a capacidade de afetar-se e de
puder, em algum momento, deparar-se com o conseguir refletir claramente sobre essa expe-
seu problema e estabelecer, juntamente com o riência a partir do ponto de vista dessa pessoa
profissional, metas e ações para promover es- em sofrimento.
sas mudanças; Assim como afirma Santos (1982), quando
(e) intensa experiência de trabalho, que o mundo do cliente se torna claro para o psi-
significa que o aconselhamento, mesmo sendo cólogo, ele pode mover-se nele com mais liber-
breve, deve ser intenso e envolver um árduo dade, pensando a respeito de sua experiência
trabalho tanto do profissional como do cliente e extraindo conhecimentos acerca desse posi-
no sentido de se atingir os objetivos delinea- cionamento. Posteriormente, Santos, em uma
dos no início do processo; aproximação de uma postura chamada por ele
(f) conduta ética, que fundamenta toda e de neo-rogeriana, não plenamente desenvolvi-
qualquer intervenção profissional com seres da em sua obra, aponta que a atitude mais efe-
humanos. No caso dos psicólogos, deve-se tiva em um processo de aconselhamento seria
considerar o código de ética profissional, que a empatia, sendo a condição terapêutica mais
trata de diversos elementos da intervenção importante. Essa postura neo-rogeriana desta-
psicológica, como estabelecimento do contrato cada por Santos refere-se ao fato de que muitas
de trabalho, sigilo, confidencialidade e segu- considerações de Rogers sofreram pesadas crí-
rança dos dados fornecidos nos atendimentos. ticas, abrindo espaço para a exploração de um
Na abordagem centrada na pessoa, são novo conceito, o da autoafirmação, que seria
consideradas as atitudes básicas do conselhei- um elemento básico na explicação da motiva-
ro que são definidoras do sucesso do processo ção humana.
de aconselhamento ou, em outras palavras, as
condições terapêuticas essenciais e suficientes Aproximações entre aconselhamento
(Rogers, 1959, 2001) que podem ser desenvol- psicológico e psicoterapia
vidas e aprimoradas pelo psicólogo:
(a) congruência ou autenticidade: o psicó- Strang (1949) foi um dos pioneiros a des-
logo deve estar aberto às experiências do seu tacar a dificuldade em se diferenciar aconse-
cliente, dispondo de sentimentos que ocorrem lhamento e psicoterapia, haja vista que ambos
com ele mesmo, não negando a si mesmo. os processos visam a ajudar os indivíduos e
A congruência ou autenticidade significa que obter um melhor desenvolvimento. Ainda as-
o profissional tem que ser, no encontro com o sim, estabelece um continuum no qual o acon-
cliente, o mais próximo possível do que é em selhamento educacional e profissional estaria
todas as suas relações, ou seja, que deve per- em uma posição inicial, realizado quando há
exemplo, que um caso inicialmente atendido da e constante reflexão acerca do seu papel.
em aconselhamento pudesse ser encaminhado O modo como a psicoterapia compreende o
a uma psicoterapia devido a observações ao psicólogo possui nuanças em relação às dife-
longo do processo, o que reforça a necessidade rentes abordagens, mas a centralidade do seu
de o psicólogo estar atento às necessidades de papel na condução do processo de mudança
cada cliente. Investir na formação de psicólo- do cliente é evidente (Corey, 1983).
gos habilitados tanto para o aconselhamento Cabe a esse profissional ter clareza acer-
como para a psicoterapia é uma das propostas ca das técnicas empregadas e refletir cons-
apresentadas por Corey (1983). No Brasil, não tantemente sobre a evolução do cliente, seus
existe, na formação do bacharel em Psicologia, desafios, suas transferências, suas contra-
uma atenção específica ao aconselhamento. transferências (por exemplo, na abordagem
Em muitos currículos de universidades brasi- psicodinâmica) e sua capacidade de estar com
leiras, não existe nem mesmo uma disciplina o outro de modo autêntico e genuíno (por
de aconselhamento psicológico, obrigatória ou exemplo, na abordagem centrada na pessoa).
eletiva. Mesmo assim, encontram-se relatos Essa necessidade estaria presente também no
de experiências de estágio que fazem uso do aconselhamento, ainda que a discussão pu-
aconselhamento, como no estágio supervisio- desse ser reduzida ao tempo de duração do
nado básico, obrigatório para a formação do processo de ajuda, às demandas trazidas pelo
psicólogo (Conselho Nacional de Educação, cliente ou mesmo em relação aos possíveis en-
2004, 2011; Silva, 2006). caminhamentos de cada caso.
Ainda que o aconselhamento psicológico Barros e Holanda (2007) aproximam o acon-
não seja uma disciplina presente em todos os selhamento psicológico da atividade clínica
currículos, muitos dos seus saberes são vei- justamente por considerarem a psicoterapia
culados e experienciados pelos estudantes como uma área suficientemente ampla e que
de Psicologia a partir do plantão psicológico, pode ocorrer em uma gama diversa de cenários
modalidade fortemente presente em nosso e contextos que não os classicamente difundi-
contexto universitário de oferta de extensão à dos. Em um propósito de clínica ampliada,
comunidade (Mahfoud, 2013). Assim, não po- os autores compreendem o aconselhamento
demos afirmar que o aconselhamento não está psicológico como possibilidade de ocorrência
presente nesses currículos, mas existem dife- do encontro clínico fundamental, mesmo que
rentes possibilidades de abertura para que os em um tempo reduzido. No aconselhamento
conhecimentos advindos do aconselhamento psicológico, como há a possibilidade de se en-
psicológico perpassem a formação do psicólo- caminhar o cliente a outras modalidades (por
go no contexto nacional. exemplo, à psicoterapia ou a um serviço psi-
Nessas experiências de estágio, o aconse- cológico), a depender das características desse
lhamento psicológico é, por vezes, empregado cliente e de suas demandas, trata-se de uma
como uma fase inicial do processo de forma- clínica com sentido preventivo. Além disso,
ção, na qual o aluno pode tatear o campo da o aconselhamento não necessita de um espa-
psicoterapia e dele se aproximar. A existência ço específico, favorecendo a ampliação dos
do aconselhamento nos anos iniciais dos cur- contextos possíveis para a chamada “clínica
sos de Psicologia reforça o caráter generalista nova psicológica” (Barros e Holanda, 2007,
e que oferece base para a formação como psi- p. 90). Desse modo, o aconselhamento seria
cólogo nos anos posteriores, nos atendimentos uma possibilidade dentro da clínica, mais
em psicoterapia nas diferentes abordagens ampla, estando a serviço da psicoterapia no
psicológicas. sentido de encaminhar a ela os casos que de-
Na abordagem centrada na pessoa, o psi- mandam uma atenção mais específica, apro-
cólogo não daria conselhos, informações ou fundada e a longo prazo, bem como encami-
apoio, nem mesmo ofereceria interpretações. nhar a serviços de atenção especializados os
Ao contrário, ele seria responsável por facili- casos que tratem de demandas que não sejam
tar, refletir e vivenciar tanto quanto possível abarcadas pelo aconselhamento.
os sentimentos do cliente (Santos, 1982). Nes- Em uma meta-análise conduzida por Ahn e
se sentido, observa-se uma compreensão do Wampold (2001), foram analisados os resulta-
aconselhamento bastante próxima do processo dos de intervenções utilizando aconselhamen-
psicoterápico, ou seja, um processo não-direti- to psicológico e psicoterapia em diferentes
vo que colocaria o profissional como alguém abordagens. Os resultados apontaram não ha-
que deveria manter uma relação de profun- ver diferenças significativas entre as interven-
ções no que se refere à efetividade do processo so de ajuda oferecido a pessoas que buscam
terapêutico. Isso pode evidenciar que mais do atendimento por quaisquer motivos, seja um
que buscar a diferenciação ou a aproximação transtorno mental ou a necessidade de apoio
entre essas modalidades, deve-se compreen- à tomada de decisão profissional. No proces-
der a qualidade da ajuda oferecida em termos so de ajuda, a formação do profissional deve
das atitudes básicas do psicólogo e se ele co- permitir que ele transite entre esses campos e
nhece os mecanismos pelos quais pode ofertar os conheça em profundidade, permitindo que
essa ajuda. possam fazer encaminhamentos e escolher a
Isso nos faz retornar a Rogers (2001) no que modalidade mais adequada a cada caso, quan-
tange ao fato de que mais importante do que do necessário.
diferenciar modalidades de ajuda é investir As diferenças, portanto, podem ser su-
na formação de profissionais aptos a desen- marizadas quanto aos seguintes aspectos: (a)
volverem ambas intervenções a depender do tempo da intervenção, sendo o aconselha-
enquadre possível, da demanda apresentada mento considerado mais breve, de curto pra-
e das condições existentes para aquele atendi- zo; (b) aprofundamento do caso e intensidade
mento. Isso quer dizer que o manejo do cliente do atendimento, o que decorre da primeira
diante das condições existentes parece ser o característica, já que a psicoterapia permite
mais importante, de modo que isso recai sobre uma investigação mais minuciosa e a longo
a figura do psicólogo e suas atitudes. A atitu- prazo; (c) demanda apresentada, sendo o
de de congruência e a postura empática, dessa aconselhamento mais voltado para situações
forma, parecem ser importantes apontamentos contextuais e mais pontuais, com foco no pre-
no sentido de oferecer um clima de seguran- sente, que envolvem sofrimento emergencial
ça e apoio à pessoa em sofrimento. O encami- e necessidade de alívio de tensões e acolhi-
nhamento dessa demanda (Barros e Holanda, mento; (d) as intervenções em aconselhamen-
2007), posteriormente, pode assegurar que a to focam a ação, mais do que a reflexão, e são
pessoa receba o atendimento adequado e que mais centradas na prevenção do que no trata-
possa se desenvolver a partir das próximas mento; (e) o aconselhamento é mais focado na
intervenções, quer sejam em um processo de resolução de problemas.
aconselhamento psicológico, em uma psicote- Devido à importância da obra de Rogers
rapia ou em um serviço especializado. (1973) na construção dos saberes relacionados
tanto ao aconselhamento como à psicotera-
Considerações finais pia, há que se destacar que, para esse autor, o
foco do atendimento psicológico não está na
De modo geral, pode-se dizer que o acon- resolução de problemas, mas no processo de
selhamento psicológico e a psicoterapia pos- permitir que o cliente adquira maior autono-
suem semelhanças, embora o assinalamento mia e liberdade para buscar o seu crescimento
das diferenças entre esses processos seja um pessoal e a autorrealização. Quando destaca-
importante marcador didático na formação de mos o foco no problema, recuperamos outros
psicólogos e possa conferir o devido prestígio autores clássicos do aconselhamento que não
a esses campos, notadamente o do aconselha- se alinham estritamente à abordagem centra-
mento psicológico se considerarmos o contex- da na pessoa (Corey, 1983; Scheeffer, 1980;
to brasileiro. Do mesmo modo, permitir que Patterson e Eisenberg, 1988), mas que cons-
essas áreas se aproximem, como proposto por tituem importantes referências para a área,
Rogers ao longo de sua obra, pode eviden- inclusive no interesse em diferenciar aconse-
ciar não a necessidade de delimitar campos lhamento e psicoterapia, o que constitui um
de ajuda, mas de compreender a natureza e a dos pilares do presente estudo teórico. As di-
qualidade desse cuidado, o que deve atraves- ferenças entre esses autores foram assinaladas
sar toda modalidade de ajuda psicológica. Ao ao longo deste estudo, de modo que se torna
deslocar a atenção das características de cada premente, a partir dessas considerações, de-
campo e assinalar as atitudes do profissional e senvolver estratégias de apoio psicológico que
o cuidado na relação com o cliente, recupera- possam se nutrir desse exercício teórico, bus-
se a necessidade de uma prática voltada ao hu- cando formas de estar com outro de um modo
mano, à experiência e à possibilidade de “ser” renovado, atento às potencialidades tanto do
e de “estar” com o outro. aconselhamento como da psicoterapia.
A necessária diferenciação, no entanto, não Bond (1995) destaca que o conselheiro deve
pode obscurecer a prática, ou seja, o proces- facilitar o processo de mudança e ajudar o
profissional na sua relação com o cliente: o que FORGHIERI, Y.C. 2007a. Aconselhamento terapêutico:
ambos constroem nesse relacionamento pode Origens, fundamentos e prática. São Paulo, Thom-
ser potencialmente esclarecedor para a oferta son Learning, 150 p.
FORGHIERI, Y.C. 2007b. O aconselhamento tera-
de ajuda qualificada e atenta ao humano, suas
pêutico na atualidade. Revista da Abordagem Ges-
vicissitudes, demandas e possibilidades de táltica, 13(1):125-133.
percursos. HACKNEY, H.; NYE, S. 1977. Aconselhamento: Estra-
tégias e objetivos. São Paulo, EPU, 176 p.
Referências HUTZ-MIDGETT, A.; HUTZ, C.S. 2012. Counsel-
ing in Brazil: Past, present, and future. Journal of
Counseling & Development, 90(2):238-242.
AHN, H.; WAMPOLD, B.E. 2001. Where oh where
http://dx.doi.org/10.1111/j.1556-6676.2012.00030.x
are the specific ingredients? A meta-analysis
MAHFOUD, M. 2013. Desafios sempre renovados:
of component studies in counseling and psy-
Plantão psicológico. In: M.A. TASSINARI; A.P.S.
chotherapy. Journal of Counseling Psychology,
CORDEIRO; W.T. DURANGE (orgs.), Revisitan-
48(3):251-257.
do o plantão psicológico centrado na pessoa. Curiti-
http://dx.doi.org/10.1037/0022-0167.48.3.251
ba, CRV, p. 33-50.
ALMEIDA, L.R. 2009. Consideração positiva incon-
MORATO, H.T.P. (org.). 1999. Aconselhamento psico-
dicional no sistema teórico de Carl Rogers. Te-
lógico centrado na pessoa: Novos desafios. São Pau-
mas em Psicologia, 17(1):177-190.
lo, Casa do Psicólogo, 440 p.
AMATUZZI, M.M. 2012. Rogers: ética humanista e PATTERSON, C.H. 1959. Counseling and psychothera-
psicoterapia. Campinas, Alínea, 85 p. py: Theory and practice. New York, Harpers, 322 p.
BARROS, F.; HOLANDA, A. 2007. O aconselha- PATTERSON, L.E.; EISENBERG, S. 1988. O processo de
mento psicológico e as possibilidades de uma aconselhamento. São Paulo, Martins Fontes, 229 p.
(nova) clínica psicológica. Revista da Abordagem PERCHES, T.H.P.; CURY, V.E. 2013. Plantão psicoló-
Gestáltica, 13(1):75-95. gico em hospital e o processo de mudança psico-
BOND, T. 1995. The nature and outcomes of coun- lógica. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 29(3):313-320.
seling. In: J. KEITHLAY; M. GEOFFREY (eds.), http://dx.doi.org/10.1590/S0102-37722013000300009
Counseling in primary health care. Oxford, Oxford PUPO, L.R.; AYRES, J.R.C.M. 2013. Contribuições
University Press, p. 3-26. e limites do uso da abordagem centrada na
BOWDEN, A.R. 2010. Beyond definition and me- pessoa para a fundamentação teórica do acon-
thod: The next era for counselling and psycho- selhamento em DST/Aids. Temas em Psicologia,
therapy. Asia Pacific Journal of Counselling and 21(3):1089-1106.
Psychotherapy, 1(1):4-14. ROGERS, C.R. 1942. Counseling and psychotherapy.
http://dx.doi.org/10.1080/21507680903570235 New York, Houghton Mifflin, 472 p.
CASTELO BRANCO, P.C. 2011. A noção de orga- ROGERS, C.R. 1959. A theory of therapy, persona-
nismo no fieri teórico de Carl Rogers: uma in- lity, and interpersonal relationships, as deve-
vestigação epistemológica. Revista da Abordagem loped in the client-centered framework. In: S.
Gestáltica, 17(1):104-105. KOCK (ed.), Psychology: A study of a science: For-
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. 2004. mulations of the person and the social context. New
Resolução CNE/CES nº 8, de 7 de maio de 2004: York, McGraw-Hill, p. 184-256.
Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais ROGERS, C.R. 1973. Tornar-se pessoa. Lisboa, Mora-
para os cursos de graduação em Psicologia. Dis- es Editores, 348 p.
ponível em: http://portal.mec.gov.br/cne/arqui- ROGERS, C.R. 1992 [1951]. Terapia centrada no clien-
vos/pdf/rces08_04.pdf. Acesso em: 17/06/2014. te. São Paulo, Martins Fontes, 620 p.
CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO. ROGERS, C.R. 2001. Tornar-se pessoa. 4ª ed., São
2011. Resolução CNE/CES nº 5, de 15 de Paulo, Martins Fontes, 489 p.
março de 2011: Institui as Diretrizes Curri- ROGERS, C.R. 2005 [1942]. Psicoterapia e consulta psi-
culares Nacionais para os cursos de gradu- cológica. São Paulo, Martins Fontes, 443 p.
ação em Psicologia, estabelecendo normas ROSENBERG, R.L. (org.). 1987. Aconselhamento psi-
para o projeto pedagógico complementar cológico centrado na pessoa. São Paulo, EPU, 94 p.
para a Formação de Professores de Psicolo- SANTOS, O.B. 1982. Aconselhamento psicológico e psi-
gia. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/ coterapia: Auto-afirmação – um determinante básico.
index.php?option=com_docman&task=doc_ São Paulo, Pioneira, 150 p.
download&gid=7692&Itemid=. Acesso em: SCHEEFFER, R. 1980. Aconselhamento psicológico. 7ª
17/06/2014. ed., São Paulo, Atlas, 190 p.
COREY, G. 1983. Técnicas de aconselhamento e psicote- SCHMIDT, M.L.S. 2012. O nome, a taxonomia e
rapia. Rio de Janeiro, Campus, 321 p. o campo do aconselhamento psicológico. In:
CORSINI, R.J. 1995. Current psychotherapies. 5ª ed., H.T.P. MORATO; C.L.B.T. BARRETO; A.P. NU-
New York, Thomas Learning, 462 p. NES (coords.), Aconselhamento psicológico numa
DOESCHER, A.M.L.; HENRIQUES, W.M. 2012. perspectiva fenomenológica existencial. Rio de Ja-
Plantão psicológico: Um encontro com o outro neiro, Guanabara Koogan, p. 1-21.
na urgência. Psicologia em Estudo, 17(4):717-723. SCORSOLINI-COMIN, F.; SANTOS, M.A. 2013.
http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722012000400018 Counseling Psychology: View of the scien-
tific production in the Brazilian postgradua- TRINDADE, I.; TEIXEIRA, J.A.C. 2000. Aconselha-
tion. Journal of Human Growth and Development, mento psicológico em contextos de saúde e do-
23(3):338-345. ença – Intervenção privilegiada em Psicologia
SILVA, S.C. 2006. Estágio de núcleo básico na for- da Saúde. Análise Psicológica, 18(1):3-14.
mação do psicólogo: Experiências de desafios TYLER, L. 1953. The work of counselor. New York,
e conquistas. Psicología para América Latina, 5. Appleton-Century-Crofts, 274 p.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo. WILLIAMSON, E.G. 1950. Counseling adolescents.
php?script=sci_arttext&pid=S1870-350X20060001 New York, McGraw-Hill, 548 p.
00012&lng=pt&nrm=iso. Acesso em: 17/06/2014.
SOUZA, L.V.; SCORSOLINI-COMIN, F. 2011. Acon-
selhamento de carreira: Uma apreciação cons-
trucionista social. Revista Brasileira de Orientação
Profissional, 12(1):49-60.
STRANG, R. 1949. Counseling techniques in colleges Submetido: 09/03/2014
and secondary schools. New York, Harpers. Aceito: 22/04/2014