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EXTENSÃO UNIVERSITÁRIA

ANTROPOLOGIA

1
Antropologia
2
Antropologia
“Minha presença no mundo não é a de quem a ele se adapta,
mas de quem a ele se insere. É a presença de quem luta para
não ser apenas objeto, mas sujeito da História.”

Paulo Freire

Apresentação

Caro(a) aluno(a),

Você está recebendo os conteúdos a serem abordados na disciplina Antropologia.


Os textos aqui contidos servem para orientar os trabalhos em sala e darão subsídios para
os estudos em grupos e individual. Essa apostila foi elaborada com objetivo de fazer com
que você enquanto aluno do curso de _______________________, possa a partir desses
estudos, conhecer a importância da Antropologia para seu campo de atuação e realizar
novas pesquisas sobre a temática abordada.
Sabemos que o conhecimento dos conceitos antropológicos nos permite
conhecer-nos e conhecer aos outros, aliando tais conhecimentos aos métodos do serviço
social estaremos empreendendo uma viagem em busca da compreensão de nosso
contexto social a partir da experiência da cultura e do quanto tal experiência poderá
contribuir significativamente para nossa prática profissional.
Compreendendo esses aspectos você será capaz de perceber a importância desses
conhecimentos para o ensino do Serviço Social, bem como a necessidade de pensar
criticamente a partir das diferentes relações sociais o „mundo‟ elaborado paulatinamente
no complexo jogo da cultura e do poder.

Sucesso e bons estudos!

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Antropologia
Sumário

PLANO DE ENSINO ...................................................................................................... 05


Ementa .......................................................................................................................... 05
Objetivos ...................................................................................................................... 05
Conteúdo programático ............................................................................................... 06
Avaliação .............................................................................................................. 06

Aula 1 – O OBJETO E O CAMPO DA ANTROPOLOGIA ............................................. 07


1.1 Antropologia .................................................................................................. 07
1.2 Interação da Antropologia com outras ciências .................................................. 09
1.3 Métodos científicos em Antropologia ............................................................ 10
1.4 Técnicas de pesquisa da Antropologia .......................................................... 11

Aula 2 – CORRENTES ANTROPOLÓGICAS ............................................................ 14


2.1 Desenvolvimento histórico das teorias antropológicas ........................................ 14
2.2 Antropologia dentro do campo das Ciências Sociais ............................................ 20
2.3 Campos da Antropologia .............................................................................. 22

Aula 3 – A NOÇÃO DE CULTURA ........................................................................... 26


3.1 O desenvolvimento do conceito de cultura ................................................... 26
3.2 Diversidade Cultural ..................................................................................... 29

Aula 4 – A ANTROPOLOGIA DAS SOCIEDADES COMPLEXAS .............................. 34


4.1 Contextos sociais complexos ................................................................................. 34
4.2 A cultura fragmentada das sociedades complexas ................................................ 35

Aula 5 – O OLHAR ANTROPOLÓGICO NO CONTEXTO DAS CIDADES .............. 40


5.1 A cidade côo objeto de pesquisa ................................................................... 40
5.2 Revisão histórica da Antropologia Urbana brasileira ....................................... 44
5.3 Antropologia Brasileira .................................................................................. 50

REFERENCIAS .................................................................................................................. 58

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Antropologia
PLANO DE ENSINO

Ementa

Nesta disciplina o aluno terá a oportunidade de entender a construção do


conceito de cultura, a partir do estudo das diferentes abordagens antropológicas e
da análise de diversos contextos histórico-culturais. Caracterizando e buscando
compreender a complexidade da sociedade brasileira e suas relações dialógicas
com o contexto em constante transformação. Buscando empreender ainda uma
olhar antropológico no contexto das cidades e das questões étnico-sociais,
família, gênero e violência na cultura brasileira.

Identificar a relevância e o significado da Antropologia para o Serviço


objetivos

Social.
Analisar o objeto e o campo da Antropologia.
Conhecer as correntes de pensamento em antropologia social e cultural.
Compreender a importância do conhecimento das diversidades culturais na
sociedade atual.
Identificar diferentes abordagens do conceito de cultura no pensamento
antropológico para, a partir daí, interpretar diferentes contextos culturais,
utilizando adequadamente uma dessas abordagens.
Construir reflexões antropológicas a partir do contexto das cidades.
Analisar questões étnico-sociais, família, gênero e violência na cultura
brasileira.

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Antropologia
CONTEÚDO
Programático

Aula 1 – O objeto e o Campo da Antropologia.


Aula 2 – Correntes Antropológicas.
Aula 3 – A noção de cultura.
Aula 4 – A Antropologia das sociedades complexas.
Aula 5 – O olhar antropológico no contexto das cidades.
Trabalhos em duplas: Questões étnico-sociais, família, gênero e violência
na cultura brasileira.

Avaliação
TIPO: Sumativa interna, Processual e diagnóstica.
Participação;
Desempenho individual e coletivo;
INSTRUMENTOS Planejamento e execução dos trabalhos;
Apresentação (argumentação e clareza);
Avaliação diagnóstica.
CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO:
 Organização das ideias (raciocínio lógico);
 Clareza de expressão;
 Domínio conceitual;
 Desenvolvimento, coerência e adequação das respostas dadas às questões
propostas;
 Pontualidade (na frequência e entrega de atividades).
REGISTRO: Nota em diário (0 a 10 pontos).

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Antropologia
1

Aula
O objeto e o campo da Antropologia

1.1 Antropologia

A antropologia é um campo do conhecimento muito recente, que demarca o seu


espaço, sobretudo, após os contatos dos europeus com outros povos distantes durante as
expansões marítimas. Porém seus métodos de análise e suas teorias foram se constituindo
ao longo dos séculos XVIII, XIX e XX.
Comecemos pela etimologia da palavra. “Antropologia” vem do grego antropos
(anthropos), homem, e logos, logia (logos, logia), estudo, e, etimologicamente, significa
estudo do homem (MARCONI; PRESOTTO, p. 1-2).
Embora a Antropologia compreenda três dimensões básicas (biológica,
sociocultural e filosófica), neste estudo vamos nos deter muito mais no seu aspecto
cultural, deixando os outros elementos para as disciplinas dos cursos especificamente
voltados para essas áreas.
Segundo alguns autores as origens da Antropologia remontam à Grécia antiga. Os
gregos teriam sido os primeiros a reunir informações sobre diversos povos e culturas,
embora não possamos desconsiderar as contribuições dos chineses, dos egípcios e dos
romanos. Heródoto, filósofo grego do V século a.C. é considerado por esses estudiosos o
“pai da Antropologia” (Ibid. p. 10-11). Mas há quem discorde dessa afirmação e coloque
em dúvida essa ideia (DAMATTA, p. 86-87). Na opinião desses antropólogos não se
pode situar o nascimento da Antropologia num simples relato de viagem de Heródoto no
qual ele reúne informações de povos que os gregos consideravam “bárbaros”. Eles
acreditam ainda que a história da Antropologia é uma verdadeira especulação, uma vez
que ela tem a ver com a capacidade dos seres humanos de perceberem as suas diferenças

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Antropologia
e com os sistemas ideológicos que usaram os próprios dados da Antropologia para
justificar invasões e aniquilações de tantos grupos étnicos.
Para DaMatta todo antropólogo terá que conviver sempre com generalizações sobre
o específico de uma certa sociedade ou grupo e com a necessidade de escolher
alternativas (Ibid. p. 87-89). Jamais será possível num determinado momento ter-se uma
visão completa e definitiva de uma determinada cultura. Isso explica porque até o século
XVIII a Antropologia não era vista como ciência. Muitas pessoas como cronistas,
viajantes, soldados, missionários, comerciantes relataram fatos e deixam dados sobre
povos e culturas, mas somente nos meados do século XVIII é que a Antropologia começa
a aparecer como ciência. Normalmente se considera como primeiros antropólogos os
seguintes cientistas: Linneu (que foi o primeiro a descrever as raças humanas), Boucher
de Perthes (o primeiro a relatar achados pré-históricos) e John Lubock que fez os
primeiros estudos sobre a Idade da Pedra, estabelecendo as diferenças culturais entre o
Paleolítico e o Neolítico. Porém, a consagração definitiva da Antropologia como ciência
vai se dar somente depois dos estudos de Darwin, o qual propôs a teoria da evolução. No
século XX a Antropologia conhece um grande progresso, fruto das descobertas sobre o
ser humano e as constantes pesquisas de campo realizadas com bastante rigor científico
(MARCONI; PRESOTTO, p. 10-11).

Darwin
Charles Darwin (1809-1882), naturalista inglês, desenvolveu uma teoria evolutiva
que é a base da moderna teoria sintética: a teoria da seleção natural. Segundo
Darwin, os organismos mais bem adaptados ao meio têm maiores chances de
sobrevivência do que os menos adaptados, deixando um número maior de
descendentes. Os organismos mais bem adaptados são, portanto, selecionados para
aquele ambiente.
No livro Origem das Espécies, Darwin defende duas teorias principais: a da evolução
biológica - todas as espécies de plantas e animais que vivem hoje descendem de formas
mais primitivas - e a de que esta evolução ocorre por "seleção natural". Os princípios
básicos da teoria sobre a evolução de Charles Darwin, apresentados na Origem das
Espécies, são quase que universalmente aceitos no mundo científico; embora existam
controvérsias em torno deles.

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Antropologia
1.2 Interação da Antropologia com outras ciências

O que acabamos de analisar, nos mostra que, embora a Antropologia seja uma
ciência autônoma, ela necessita de uma interação com outras ciências para que possa
cumprir a sua tarefa de ciência da humanidade (MARCONI; PRESOTTO, p. 8-10). No
âmbito da Antropologia Cultural e Social é de fundamental importância a sua interação
com a Sociologia, com a Psicologia, com as Ciências Econômicas e Políticas e com a
História. Através da interação entre Antropologia e Sociologia é possível conhecer
melhor a condição humana e social dos indivíduos e dos grupos a que pertencem.
A Antropologia vai trabalhar mais o enfoque cultural, enquanto a sociologia analisa
tanto o conceito como a experiência de vida em sociedade. O cruzamento de dados e
informações contribui significativamente para o conhecimento do ser humano na sua
globalidade.
Já a interação entre Antropologia e Psicologia se dá pelo interesse acerca do
comportamento humano. A Psicologia analisa mais o comportamento individual,
enquanto a Antropologia aprofunda os comportamentos grupais, sociais e culturais.
Desse modo a Psicologia ajuda a Antropologia a compreender a complexidade das
culturas a partir da avaliação do comportamento dos seus indivíduos. Essa, por sua vez,
auxilia a Psicologia a perceber cada indivíduo como ser inculturado que recebe influência
do ambiente onde vive e do grupo cultural a que pertence. Os dados resultantes desse
processo ajudam a desvendar melhor o mistério da existência humana.
No que se refere à interação entre Antropologia e Ciências Econômicas e Políticas,
pode-se afirmar que os estudos comuns estão relacionados à compreensão das
organizações econômicas e das instituições que regulam o poder dentro dos grupos
humanos. Trata-se, sem dúvida alguma, de uma realidade complexa e bastante
diferenciada, mas que é determinante para a existência das sociedades e de suas culturas.
Quanto à relação entre Antropologia e História podemos afirmar que o ponto de
encontro é basicamente a tentativa de reconstrução de culturas que já desapareceram. A

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Antropologia
História permite a Antropologia conhecer as origens dos fenômenos culturais, bem como
as formas de adaptação e de modificação introduzidas pelas pessoas no meio ambiente.

1.3 Métodos científicos em Antropologia

Enquanto ciência social que estuda o ser humano, a Antropologia faz uso de
diversos métodos, de acordo com os seus campos e com as situações (MARCONI;
PRESOTTO, p. 11-14). Por método entende-se um conjunto de regras bem definidas que
são utilizadas na investigação. Normalmente o método segue um procedimento
anteriormente elaborado e que deve ser cuidadosa e escrupulosamente observado. O
método tem como finalidade descobrir quais são as lógicas e as leis da natureza e da
sociedade, visando respostas satisfatórias.
Normalmente são utilizados sete métodos nas pesquisas de Antropologia.
1. M
étodo histórico utilizado para a investigação de culturas passadas. Por meio dele o
antropólogo, com a ajuda do historiador, tenta reconstruir as culturas, explicar
fatos e observar fenômenos, como, por exemplo, as mudanças ocorridas e as
adaptações.
2. M
étodo estatístico empregado, sobretudo para analisar as variações culturais das
populações ou sociedades. Os dados são obtidos por meio de tabelas, gráficos,
quadros comparativos etc.
3. M
étodo etnográfico utilizado para descrever as sociedades humanas, de modo
particular as consideradas primitivas ou ágrafas (sem escrita). O método consiste
essencialmente em levantar todos os dados possíveis sobre uma determinada
cultura ou etnia e, a partir desses levantamentos, tentar descrever o estilo de vida
ou cultura desses grupos.

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Antropologia
4. M
étodo comparativo ou etnológico é usado de modo particular para a pesquisa
sobre populações extintas. Por meio da comparação de materiais coletados,
especialmente fósseis, se estudam os padrões, os costumes, os estilos de vida das
culturas, vendo de modo particular as diferenças e semelhanças existentes entre
elas. O objetivo é melhor compreender as culturas passadas e extintas.
5. M
étodo monográfico (também chamado de estudo de caso) consiste em estudar com
profundidade determinados grupos humanos, considerando todos os seus aspectos
como, por exemplo, as instituições, os processos culturais e a religião. O estudo
monográfico é muito importante para os casos de culturas que estão ameaçadas de
extinção, uma vez que permite analisá-las e descrevê-las de forma bem
pormenorizada.
6. M
étodo genealógico trata-se de um método usado para o estudo do parentesco e
todos os outros aspectos sociais dele decorrentes. Visa à análise da estrutura
familiar e exige a presença de um informante, ou seja, de alguém que possa revelar
os nomes das pessoas que compõem a árvore genealógica.
7. M
étodo funcionalista a cultura é estudada e analisada a partir do âmbito da função
ou das funções. Por meio dele busca-se perceber a funcionalidade de uma
determinada unidade cultural no contexto da cultura geral ou global.

1.4 Técnicas de pesquisa da Antropologia

Já foi possível perceber que aos métodos estão associadas determinadas técnicas de
pesquisa. Por técnica entende-se a habilidade do cientista ou pesquisador no uso dos
métodos, ou seja, daquele conjunto de regras bem definidas que são utilizadas na
investigação e que lhe permite obter os dados desejados. As técnicas usadas no campo

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Antropologia
antropológico são três: observação, entrevista e formulário (MARCONI; PRESOTTO, p.
14-16).
A técnica da observação consiste na coleta e obtenção de dados. Nela os sentidos
têm um lugar privilegiado. Ela pode ser sistemática ou participante. Na sistemática o
pesquisador direta (pessoalmente) ou indiretamente (por meio de outras pessoas) observa
os fatos no local da investigação e por um período de tempo. Na participante o
pesquisador, por um longo período de tempo, participa do seu campo de pesquisa. É
muito utilizada para a pesquisa cultural. Neste caso o cientista torna-se um participante
ativo da cultura que quer estudar. Ela exige fina capacidade de observação, superação de
preconceitos, trabalho diário de anotação, registro de fatos e de dados. Exemplo desse
tipo de pesquisa é aquela feita pelo francês Roger Bastide sobre as religiões africanas em
Salvador (Bahia) ou o caso de Dacyr Ribeiro que conviveu durante muito tempo com os
índios Kayapós em Mato Grosso. Também Roberto DaMatta descreve a sua pesquisa
entre os índios Gaviões no Pará e entre os Apinayé no atual estado de Tocantins
(DAMATTA, p. 182-240).
A técnica da entrevista consiste num contato direto, face a face, do cientista e
pesquisador com a pessoa entrevistada, da qual ele pretende obter informações. A
entrevista pode ser estruturada ou semiestruturada (livre). A entrevista estruturada é
aquela na qual o entrevistador segue um roteiro préestabelecido. A semiestruturada é
aquela do tipo informal, sem roteiro a ser seguido, na qual o entrevistador vai colhendo as
idéias do entrevistado, manifestadas de forma espontânea.
O formulário é uma técnica que se parece com o questionário. Consiste num
levantamento de dados feito através de uma série organizada de perguntas escritas
entregues ao entrevistado, às quais ele é convidado a responder. De certa maneira é uma
pesquisa dirigida, uma vez que o rol de perguntas é feito pelo entrevistador, visando obter
esclarecimentos sobre determinadas questões.
Convém observar que no caso das duas últimas técnicas, embora as respostas sejam
dadas pelo entrevistado, o modo de formular as perguntas e a escolha do público alvo

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Antropologia
pode induzir a um determinado resultado. Isso acontece, por exemplo, em certas
pesquisas de opinião pública, como ficou bem evidente por ocasião das recentes eleições
no Brasil. O risco de manipulação dos resultados pode sempre existir. Neste caso temos
um problema ético muito grave e o cientista encarregado da pesquisa pode ser
responsabilizado por falsificar os resultados.

Atividade 1
Defina Antropologia e apresente suas três dimensões básicas.

Atividade 2
Qual a importância (contribuição) da interação entre
a) Antropologia e Sociologia?
b) Antropologia e Psicologia?
c) Antropologia e as Ciências Econômicas e Políticas?
d) Antropologia e História?

Atividade 3
Resuma com suas próprias palavras cada um dos métodos utilizados nas pesquisas de Antropologia.

Atividade 4
O que se pode entender por técnica e quais sãos as três principais técnicas utilizadas nas pesquisas
antropológicas?

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Antropologia
2

Aula
Correntes Antropológicas

2.1 Desenvolvimento histórico das teorias antropológicas

Podemos definir a Antropologia como uma ciência que busca o conhecimento


abrangente do ser humano, pois, “o seu interesse está no homem como um todo – ser
biológico e ser cultural – preocupando-se em revelar os fatos da natureza e da cultura”
(MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 24). Devido à amplitude de seus campos de
interesse, temos uma divisão em áreas: a Antropologia Física ou Biológica, que se
preocupa com os aspectos biológicos do homem; a Antropologia Social e/ou Cultural,
voltada para a dimensão sociocultural, por exemplo, o estudo das instituições sociais, e a
Arqueologia, que investiga os vestígios, as pistas da existência de grupos humanos já
desaparecidos.
Apesar das especificidades de cada área dessa ciência, podemos dizer que a
Antropologia é uma forma de conhecimento sobre a diversidade cultural, uma busca por
descobrirmos quem somos a partir do outro, esteja ele longe ou perto, presente ou extinto.
É uma maneira de nos situarmos frente aos vários mundos sociais e culturais, abrindo
possibilidades de ampliarmos nossa capacidade de agir, sentir e refletir sobre o que nos
torna tão singulares e diferentes.
Roberto DaMatta explica que [...] falar de „história da antropologia‟ é especular
sobre o modo pelo qual os homens perceberam suas diferenças ao longo de um dado
período de tempo, [...] um domínio especial onde podemos realizar uma importante
reflexão sobre nós mesmos através do estudo dos „outros‟ (1997, p. 88).
Os primeiros relatos sobre esse outro, descoberto em terras longínquas na época das
grandes navegações, eram feitos por meio de cartas, diários, relatórios dos viajantes,
comerciantes, missionários, militares, entre outros. Esses relatos se constituíram em uma

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Antropologia
literatura sobre a diversidade cultural dos povos descobertos pelos europeus. A carta de
Pero Vaz de Caminha sobre o descobrimento do Brasil é um exemplo desses relatos.
Porém, é a partir da influência das teorias de Charles Darwin (1809-1882) e de seu
tratado sobre “A Origem das Espécies” que a Antropologia começa a desenvolver-se
teoricamente. Surge o evolucionismo social, que pode ser caracterizado, segundo
DaMatta (1997, p. 91-7), por quatro idéias gerais:
1. As sociedades humanas deviam ser comparadas entre si por meio de seus
costumes, [...] como entidades isoladas de seus respectivos contextos;
2. Os costumes têm uma origem, uma individualidade e um fim;
3. As sociedades se desenvolvem de modo linear [...] da mais simples para a mais
complexa e da mais indiferente para a mais diferenciada, numa escala
irreversível;
4. Todas as formas sociais, políticas, econômicas, religiosas, jurídicas e morais
desconhecidas foram reduzidas ao eixo do tempo [...] a grande máquina capaz de
eliminar as diferenças e reduzir o estranho ao familiar.
O que essas quatro idéias fundamentais sobre o evolucionismo social querem
afirmar é que todas as formações sociais estão numa linha evolutiva que considera como
atrasados, selvagens e primitivos todos os costumes que não fazem parte do último
estágio, o mais evoluído da sociedade. O fato de que, como as diferenças estão
subsumidas na idéia de que o outro sou eu, num estágio mais atrasado, faz com que todas
as possibilidades de pensar e conceber esse outro como igual sejam anuladas, posto que
ele estará sempre num estágio diferente.
Fortaleceram-se, assim, as práticas preconceituosas e discriminatórias que, ainda
hoje, estão presentes em nossa sociedade. Além disso, as teorias evolucionistas
justificaram, por um longo tempo, os planos colonialistas, na afirmação de que essas
sociedades ou grupos humanos que estavam em um estágio inferior deveriam evoluir
para o estágio mais avançado.

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Antropologia
Outro dado interessante é que os antropólogos do evolucionismo social não iam a
campo realizar suas pesquisas. Eram antropólogos de gabinete, ou seja, recebiam os
relatos e dados e sistematizavam o conhecimento sobre os povos primitivos, sem nunca
entrar em contato com eles. Um dos principais representantes da teoria evolucionista é
Edward Tylor (1832-1917), precursor, também, do conceito de cultura que veremos mais
adiante. Porém, apesar de todas as críticas que foram feitas ao evolucionismo, foi a partir
dele que a Antropologia se constituiu como disciplina acadêmica e ciência que tem um
método próprio de análise.
A próxima perspectiva teórica que veremos propõe o fim dessa conduta de gabinete,
vista anteriormente. Trata-se da perspectiva do funcionalismo, que tem como principal
representante Bronislaw Malinowski (1884-1942). Um dos aspectos fundamentais do
trabalho do antropólogo, segundo esse autor, é a observação participante. Tal postura
coloca o pesquisador em contato direto com o grupo a ser investigado e procura
relacionar os seus costumes não a partir de um eixo temporal como no evolucionismo,
mas compreendendo-os em um sistema coerentemente integrado de relações sociais.
DaMatta afirma que [...] a comparação, na perspectiva funcionalista, não é algo que vai
somente numa direção, situando sempre os „nativos‟ como cobaias e inocentes, como são
de fato os machados e canoas dos museus, neutros em sua situação de objetos deslocados
sendo vistos por um visitante que jamais cortou uma árvore ou remou. Mas algo que
dialeticamente faz sobre si mesmo uma volta completa, envolvendo a reflexão sobre a
sociedade e os costumes do observador (1997, p. 105).
Essa postura permitiu um conhecimento mais aprofundado das diversas lógicas de
cada sociedade humana. Uma posição relativizadora que procura compreender os
costumes e sintetizar os dados de determinado grupo humano para além de um plano da
história determinada pelo progresso, como é o caso do evolucionismo.
Vale lembrar que Malinowski (1976) defendeu sempre e incontinente a necessidade
de estarmos junto aos grupos que estudamos, “aprendendo-fazendo”, além dos seus
costumes, fundamentalmente a sua língua, condição indispensável para uma pesquisa

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Antropologia
etnográfica que propõe a complementaridade entre o saber cientìfico (“daqui”) e o saber
comunitário (“de lá”). Nada mais coerente, portanto, com a premissa ética de tentar ao
máximo perceber e respeitar diferentes visões de mundo sem querer lhes impor os nossos
próprios valores.
Outra crítica ao evolucionismo e seu método comparativo se estrutura com Franz
Boas (1858-1949) e o culturalismo norte-americano. Laraia (1996, p. 36) afirma que
Boas “[...] atribuiu à antropologia a execução de duas tarefas: a) a reconstrução da
história de povos ou regiões particulares; b) a comparação da vida social de diferentes
povos, cujo desenvolvimento segue as mesmas leis. [...]” São as investigações históricas
– reafirma Boas – o que convém para descobrir a origem deste ou daquele traço cultural e
para interpretar a maneira pela qual toma lugar num dado conjunto sociocultural. Boas
desenvolve o particularismo histórico, no qual “cada cultura segue seus próprios
caminhos em função dos diferentes eventos históricos que enfrentou [...] sendo essa
possibilidade de desenvolvimento múltiplo o objeto de uma abordagem multilinear
(LARAIA, 1996, p. 37)”.
Essa perspectiva teórica avançou bastante, em relação ao evolucionismo e ao
funcionalismo, pois percebe as sociedades e seus costumes como resultado de uma
construção histórica e não como recortes em estágios evolutivos ou como atendendo a
funções específicas num sistema social integrado. Cada cultura deve ser entendida dentro
de sua própria lógica, ou seja, apesar de determinado costume ou hábito cultural nos
parecer totalmente alheio, por não fazer parte de nossa cultura, deve ser entendido dentro
de seu esquema social. Assim conseguimos ultrapassar o olhar pré-conceituoso, pré-
concebido aos grupos diversos ao nosso.
Ainda no século XX, a partir dos anos 40, temos o desenvolvimento do
estruturalismo como teoria antropológica. Seu mais ilustre representante foi Claude
Lévi-Strauss (nascido em 1908), antropólogo francês que considera cultura como
sistemas estruturais, ou seja, um sistema simbólico que é a criação acumulativa da mente

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Antropologia
humana – o mito, a arte, o parentesco e a linguagem – e que, por isso, permite desvendar
os princípios da mente que geraram essas elaborações culturais.
Assim é preciso verificar os pontos elementares para explicar uma sociedade, por
exemplo, a família existe em todas as sociedades, porém de formas diferentes. É o que
esse autor chama de paralelismo cultural, ou seja, estruturas semelhantes em culturas
diferentes. Laraia (1996, p. 63) afirma que isso se explica “pelo fato de que o pensamento
humano está submetido a regras inconscientes, ou seja, um conjunto de princípios [...]
que controlam as manifestações empìricas de um dado grupo”. Essas regras inconscientes
manteriam determinadas estruturas em diferentes formações sociais. Seria como afirmar
que o ser humano tem uma unidade psíquica e que em dados momentos aproxima os
grupos pelas manifestações empíricas desse inconsciente.
Lévi-Strauss refere-se à estrutura como a um sistema que reflete a realidade social
ou cultural, seu funcionamento, as alterações a que está sujeita, o rumo das
transformações provocadas por fatores externos à cultura, e as previsões de reação,
quando alguma de suas partes for afetada.
Nos anos 60, uma nova forma de análise é delineada na antropologia, a partir do
método hermenêutico, a interpretação. Clifford Geertz é o principal representante dessa
vertente que percebe a cultura como sistemas simbólicos, uma teia de significações. Para
esse autor, cabe ao antropólogo fazer uma descrição densa na qual esteja contida a
interpretação dos símbolos de determinada cultura na busca de significados construídos
socialmente.
Para Geertz (1977) a nossa leitura sobre o outro é sempre uma das interpretações
possíveis. Tal constatação, por sua vez, nos conduz às seguintes perguntas: quais os
problemas dessa tradução de uma cultura diferente para a nossa própria? Ela foi feita por
quem e interessa a quem?
Schwarcz (2001, s/p) explica que [...] para Geertz o trabalho antropológico sempre
foi tarefa de „corpo a corpo‟ – uma grande e complexa experiência de campo -, mas nem
por isso menos severa. Revelar as singularidades de outros povos, examinar o alcance e a

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Antropologia
estrutura da experiência humana, aí estavam dispostos os maiores trunfos dessa
antropologia interpretativa, hermenêutica para alguns, simbólica ou criativa para outros
(2001, p. 72).
Assim Geertz inaugura uma nova forma de fazer a etnografia, tomando a cultura
como um texto que deve ser lido e interpretado, tanto por seus integrantes como pelo
pesquisador. Mais recentemente, a partir da década de 1980, observamos um movimento
que tem atingido vários campos do saber. Trata-se da crise dos paradigmas científicos e o
surgimento de novas propostas de análise. Na Antropologia, as teorias pós-modernas têm
sua expressão nos trabalhos de James Clifford e George Marcus. Para eles, a cultura é um
processo polissêmico. A Antropologia passa a dar voz, em seu trabalho etnográfico, a
uma polifonia, exatamente devido à diversidade cultural. É um movimento de crítica à
autoridade etnográfica e seu texto clássico.
No caso da Antropologia brasileira, segundo Marconi e Presotto (2001), somente no
século XIX, com as expedições ao interior do país, é que a investigação ganha status
científico. Antes desse período, as pesquisas tinham um caráter descritivo e empírico,
sem uma sistematização dos dados registrados.
Nas primeiras décadas do século XX, os estudos indígenas no Brasil interessaram
mais aos europeus, especialmente os alemães. Alguns trabalhos de pesquisadores
brasileiros se destacam nesse período, embora não parecesse interessante esse objeto de
estudo para eles. Capistrano de Abreu, por exemplo, pesquisou e escreveu sobre os
Kaxinauá, e Roquete Pinto estudou os Pareci e Nambikuara. Porém, dos anos 1930 em
diante, desenvolvem-se trabalhos importantes na tentativa de compreender as várias
manifestações da cultura brasileira. Temos Gilberto Freire com seu clássico Casa Grande
& Senzala, Sérgio Buarque de Holanda com Raízes do Brasil e Caio Prado Jr. com
Formação do Brasil contemporâneo.
Esses autores e trabalhos são referências nos estudos antropológicos brasileiros,
exatamente por buscarem delinear os traços que definem nossa cultura. Ainda nesse
período, é criada a Universidade de São Paulo que conta, em seu quadro de professores,

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Antropologia
com nomes importantes das Ciências Sociais, como, por exemplo, Lévi-Strauss, que
influencia fortemente a teoria antropológica brasileira.
Atualmente, os trabalhos antropológicos no Brasil são referência mundial,
principalmente por desenvolverem um conjunto teórico específico que se conforma com
o seu objeto de estudo, uma sociedade multicultural. Destacam-se os trabalhos de Darcy
Ribeiro, Carlos Rodrigues Brandão, Ruth Cardoso, entre outros. Esse pequeno
delineamento histórico da ciência antropológica teve por objetivo que você se
familiarizasse com as discussões sobre os diferentes métodos construídos pelos mais
variados estudiosos das sociedades e das diversas culturas.

2.2 Antropologia dentro do campo das Ciências Sociais

Sabemos que o ser humano “sempre teve curiosidade a respeito de si mesmo,


independentemente do seu nìvel de desenvolvimento cultural” (Ibid. p. 10). Assim sendo,
o surgimento da Antropologia está ligado a este desejo da humanidade de conhecer-se a
si mesma buscando perceber e registrar as semelhanças e as diferenças entre os diversos
grupos sociais e culturais. Esse dado histórico nos leva à definição do objeto e, do
objetivo da Antropologia.
Podemos afirmar que o objeto do estudo da Antropologia é a pessoa humana e a sua
atividade. No caso da Antropologia Cultural o objeto é o ser humano e os seus
comportamentos, ou seja, o homem e a mulher enquanto integrantes de grupos sociais
que fazem cultura. Por essa razão é possível dizer que o objetivo da antropologia é o
estudo da humanidade como um todo, bem como das suas diversas manifestações e
expressões. Assim sendo, pode-se dizer que no seu objetivo a Antropologia se preocupa
com a pessoa humana na sua condição de ser biológico, ser pensante, ser que produz
culturas e ser capaz de organizar-se em sociedades estruturadas (Ibid. p. 2-3).
No caso da Antropologia Cultural, dentro da qual se situa a Antropologia da
Religião, seu objetivo é procurar uma compreensão do ser humano enquanto tal e da sua
existência ativa, capaz de interferir no destino do planeta que habitamos. O papel da

20
Antropologia
Antropologia Cultural é interpretar as diferenças culturais na medida em que elas formam
sistemas culturais integrados. Sua função é captar o essencial das culturas e buscar uma
verdadeira compreensão de tais sistemas. O essencial do trabalho do antropólogo cultural
é o estudo da vida das pessoas organizadas em grupos culturais, vendo o seu conjunto
formado por tantos elementos como os valores, as reflexões, os costumes, as normas, etc.
(DAMATTA, p. 143-150).
Trata-se, pois, de estudar o ser humano enquanto capaz de produzir cultura. Por isso
é fundamental percebermos desde agora a diferença e a relação entre sociedade e cultura.
De fato, pode existir sociedade sem cultura. O que caracteriza a sociedade é a vida
ordenada, com divisões de trabalho, de espaços, de idades, de extratos sociais, de sexos e
assim por diante. Por isso também os animais são capazes de viver em sociedade. Já a
cultura, como veremos depois, supõe uma tradição viva que passe de geração em geração
o que foi elaborado coletivamente, de modo que o próprio grupo perceba e tenha
consciência de que seu estilo de vida é diferente dos outros. A partir dessa percepção e
dessa consciência o grupo estabelece as suas normas de inclusão e de exclusão.
Consequentemente, podemos ter um grupo ordenado socialmente, mas sem consciência
do seu próprio estilo de vida, isto é, sem cultura.
A cultura se caracteriza, pois, pela tradição, ou seja, pela transmissão do jeito
próprio de ser de um grupo, o qual é mais do que viver ordenadamente com regras e
normas estabelecidas. A cultura é a vivência coletiva consciente e responsável dos
padrões, costumes e hábitos, dentro de um espaço e de uma temporalidade, e que
identificam um determinado grupo. Na cultura há uma interação dialética entre as regras
e o grupo, com possibilidades de reciprocidade e de mudanças. O grupo age ou não desta
ou daquela forma porque tem consciência de que esse agir lhe dá ou não identidade e o
diferencia dos outros grupos sociais (Ibid. p. 47-58).

21
Antropologia
2.3 Campos da Antropologia

A definição de Antropologia nos ajudou a perceber que ela tem um campo muito
vasto, abrangendo espaços, situações e tempos amplos e bem diferentes. Por esse motivo
ela possui âmbitos diversos e uma infinidade de campos de ação. De um modo geral os
antropólogos costumam dividir a Antropologia em dois grandes campos de estudo: a
Antropologia Física ou Biológica e a Antropologia Cultural (MARCONI; PRESOTTO,
p. 3-7).
A Antropologia Física ou Biológica estuda o ser humano na sua natureza e na sua
condição física. Procura compreendê-lo nas suas origens, no seu processo evolutivo, na
sua estrutura anatômica, bem como nos seus processos fisiológicos e biológicos. Ela está
estruturada em cinco campos: 1) a Paleontologia que estuda a origem e a evolução da
espécie humana; 2) a Somatologia (do grego soma, corpo + logia, estudo) que estuda o
corpo humano nas suas variedades existentes, nas diferenças físicas e na sua capacidade
de adaptação; 3) A Raciologia que se interessa pela historia racial do ser humano; 4) A
Antropometria (do grego anthropos, homem + metria, medida) que trabalha com técnicas
de medição do corpo humano, especialmente de esqueletos (crânio, ossos, etc.), usando
instrumentos especiais de precisão, com o objetivo de fornecer informações detalhadas
acerca de pessoas ou de achados arqueológicos, sendo muito usada no âmbito forense
para tentar identificar corpos e esqueletos; 5) Antropometria do crescimento, voltada para
o conhecimento e o estudo dos índices de crescimento dos indivíduos, relacionando-o
com o tipo de alimentação, de atividades físicas e assim por diante.
Por sua vez a Antropologia Cultural, o campo mais amplo dessa ciência, estuda o
ser humano enquanto fazedor de cultura. O seu principal objetivo é compreender os
relacionamentos humanos, os comportamentos tanto instintivos como aqueles adquiridos
pela aprendizagem, sem deixar de analisar os aspectos biológicos que contribuem para o
desenvolvimento das capacidades culturais dos seres humanos. Portanto, seu objetivo é

22
Antropologia
conhecer o ser humano enquanto capaz de criar o seu meio ou ambiente cultural através
de formas bem diferenciadas de comportamento.
A Antropologia Cultural abrange seis campos específicos de atuação:
1. Arqueologia que tem como objeto o estudo das culturas extintas que viveram em
épocas, em tempos e em lugares diferentes, de modo particular as que não
deixaram documentos escritos. Por isso o estudo da Arqueologia consiste
basicamente na análise de vestígios e de restos de materiais dessas culturas
encontrados em escavações e que resistiram à destruição através do tempo.
2. Etnografia (do grego éthnos, povo e graphein, escrever) que se ocupa com a
descrição das sociedades humanas por meio da observação e da análise dos grupos
sociais, tentando, na medida do possível, fazer a reconstituição fiel de suas vidas.
De um modo geral a Etnografia se ocupa com as culturas simples, denominadas
“primitivas” ou “ágrafas” (não possuidoras de escrita).
3. Etnologia que, utilizando os dados coletados e oferecidos pela Etnografia, procura
fazer a análise, interpretação e comparação das diversas culturas pesquisadas,
tentando perceber as semelhanças e diferenças entre elas, buscando a existência ou
não de inter-relações do ser humano com o seu ambiente, da pessoa com a cultura,
em vista da percepção de mudanças e de ações.
4. Linguística que estuda a linguagem, as formas de comunicação e também a forma
de pensar dos povos e culturas. A lingüística é um dos espaços mais independentes
e mais ricos da Antropologia. Basta pensar, por exemplo, na quantidade e
diversidade de línguas, sendo que cada uma delas possui a sua forma e a sua
estrutura básica. Por essa razão ela é considerada o âmbito mais autossuficiente da
Antropologia. A Linguística é muito importante para a Antropologia da Religião.
Basta pensar, por exemplo, nas religiões que possuem “livros sagrados”. A
Linguística ajuda a compreendê-los melhor, evitando a leitura puramente literal e
fundamentalista destes textos.

23
Antropologia
5. Folclore é o estudo da cultura enquanto fenômeno humano espontâneo. Possui
diversos aspectos e âmbitos (rural, urbano, material, espiritual, espacial, temporal
etc.).
6. Antropologia social se interessa da sociedade e das suas instituições. Estuda o ser
humano enquanto ser social, capaz de organizar-se e de tecer relações sociais.
Também ela inclui diversos aspectos: vida social, família, economia, política,
religião, direito etc. Ela pode estudar tanto um aspecto, como também o conjunto
das organizações e instituições sociais, tendo presente a sua totalidade. De fato,
para se compreender uma sociedade é indispensável vê-la como um todo. No
campo da Antropologia Social é de fundamental importância estudar a relação que
existe entre cultura, sociedade e indivíduo, uma vez que esse último não é um
mero receptor e portador de cultura, mas também agente de mudança cultural. Por
outro lado, sabemos que a cultura tem uma influência determinante sobre a vida do
indivíduo. Pelo processo de endoculturação o grupo social confere um tipo de
personalidade às pessoas que dele fazem parte. Conhecer estas inter-relações é
sumamente importante para analisar o comportamento humano e a capacidade de
adaptação dos indivíduos aos valores propostos pelos grupos aos quais pertencem.

Atividade 5
Sobre o evolucionismo social, assinale a alternativa incorreta:
a) As sociedades humanas deviam ser comparadas entre si por meio de seus costumes, [...] como
entidades isoladas de seus respectivos contextos.
b) Os costumes têm uma origem, uma individualidade e um fim.
c) As sociedades se desenvolvem de modo não linear [...] variando da mais simples para a mais
complexa e da mais indiferente para a mais diferenciada, numa escala reversível.
d) Todas as formas sociais, políticas, econômicas, religiosas, jurídicas e morais desconhecidas foram
reduzidas ao eixo do tempo [...] a grande máquina capaz de eliminar as diferenças e reduzir o
estranho ao familiar.

Atividade 6

24
Antropologia
Nesta aula, você percebeu que os primeiros antropólogos tinham uma conduta de gabinete, ou seja,
utilizavam os relatos de viajantes para construir o conhecimento sobre os diferentes grupos
humanos distantes. Essa conduta foi bastante criticada pelo funcionalismo de Bronislaw Malinowsk.
Sobre a conduta do pesquisador nessa teoria antropológica, podemos afirmar que:
a) o pesquisador precisa fazer uma descrição densa, observando as culturas como textos que contém
uma teia de significados esperando para serem lidos e interpretados.
b) o pesquisador precisa dar voz, em seu trabalho etnográfico, a uma polifonia, exatamente, devido
à diversidade cultural, que demanda uma compreensão dos significados de várias culturas.
c) o pesquisador precisa estar em contato direto com o grupo a ser investigado, numa observação
participante, procurando relacionar os seus costumes compreendendo-os em um sistema integrado
de relações sociais.
d) o pesquisador precisa verificar os pontos elementares para explicar uma sociedade, por exemplo,
a família existe em todas as sociedades, porém de formas diferentes.

Atividade 7
Resuma as principais ideias (ressaltando seus principais representantes) nas teorias antropológicas
abaixo:
a) Evolucionismo social.
b) Funcionalismo.
c) Culturalismo.
d) Estruturalismo.
e) Interpretação.

Atividade 8
Quais os dois grandes campos da Antropologia e quais as subdivisões de cada campo?

25
Antropologia
3

Aula
A noção de Cultura

3.1 O desenvolvimento do conceito de cultura

O termo cultura foi definido primeiramente por Edward Tylor (1832-1917), autor já
mencionado anteriormente, quando discutimos a teoria evolucionista social. Segundo
Laraia, Tylor compreende a cultura [...] em seu amplo sentido etnográfico, este todo
complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer
outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade
(1996, p. 25).
Esse conceito de Tylor, elaborado em 1871, foi bastante inovador para sua época e
abarcava todas as possibilidades de realização humana, enfatizando um caráter de
aprendizagem da cultura, em oposição aos determinismos biológico e geográfico que
defendiam uma aquisição inata.
Depois da sistematização elaborada por ele, vários antropólogos também
contribuíram para uma ampliação do conceito de cultura. Porém, não existe uma
definição única, muito menos um consenso, pois os conceitos estão inseridos na dinâmica
social e, quando ela se modifica, eles também se alteram. Como afirma Marconi e
Presotto afirma que [...] desde o final do século passado (XIX) os antropólogos vêm
elaborando inúmeros conceitos sobre a cultura. Apesar da cifra ter ultrapassado 160
definições, ainda não chegaram a um consenso sobre o significado exato do termo (2001,
p. 42).
Dessa forma, você pode perceber a complexidade desse conceito e a importância de
situá-lo frente às principais teorias antropológicas, para que se tenha uma compreensão
mais ampla e mais consistente. É o que faremos a seguir. Tylor é um antropólogo do
evolucionismo social. Ele busca apoio para seu método de análise nas ciências da

26
Antropologia
natureza e, portanto, acredita que “a cultura pode ser um objeto de estudo sistemático,
pois trata-se de um fenômeno natural que possui causas e regularidades” (LARAIA,
1996, p. 30). Esse autor estava preocupado com a formulação de leis que explicassem as
várias culturas, ou seja, seu objetivo eram as generalizações. Como esse era o ponto
importante de seu estudo, a diversidade cultural passava despercebida, explicada como
parte da desigualdade de estágios em que se encontravam as várias formações sociais.
Importava a uniformidade cultural, na qual todos alcançariam o último e mais evoluído
dos estágios, e não a diversidade.
No entanto não podemos deixar de destacar os méritos do pensamento de Tylor;
entre eles, a definição de cultura como entendemos atualmente e a crítica aos relatos dos
viajantes, quando classificava e analisava as culturas, já iniciando uma crítica aos
teóricos de gabinete. Outra definição que queremos apresentar do conceito de cultura é a
de Franz Boas em 1938, também já mencionado anteriormente e adepto do método
comparativo. Segundo Marconi e Presotto (2001, p. 43), Boas define cultura como “a
totalidade das reações e atividades mentais e físicas que caracterizam o comportamento
dos indivíduos que compõem um grupo social”.
Boas critica o evolucionismo por usar o método comparativo de forma equivocada e
simplista, propondo que se comparem os “resultados obtidos pelos estudos históricos
das culturas simples e da compreensão dos efeitos das condições psicológicas e dos
meios ambientes” (LARAIA, 1996, p. 36). Para ele, são as pesquisas históricas que
auxiliam o antropólogo a descobrir a origem de determinado traço cultural e compreender
como ele se situa em uma formação cultural.
Observe como o conceito de cultura de Boas amplia o de Tylor, na medida em que
se volta para a totalidade de um grupo social em seu contexto histórico específico. Assim
não percebemos as formações sociais distribuídas em uma linha unilinear, mas cada uma
em sua particularidade histórica.
Vejamos agora o que significa cultura para Malinowski, que definiu esse termo em
1944: “o todo global consistente de implementos e bens de consumo, de cartas

27
Antropologia
constitucionais para os vários agrupamentos sociais, de idéias e ofícios humanos, de
crenças e costumes” (MARCONI; PRESOTTO, 2001, p. 43). Lembrando da aula
anterior, Malinowski era um antropólogo funcionalista. Cada cultura, para ele, é um
sistema integrado de relações, no qual, cada aspecto desempenha uma funcionalidade, ou
seja, nada ocorre por acaso ou está errado e fora do lugar. Vejamos um exemplo dado por
DaMatta sobre o funcionalismo de Malinowski.
Se carruagens foram usadas antigamente e são usadas hoje em dia, isso não ocorre
porque elas são traços que sobraram dos bons tempos antigos [...] as carroças a cavalo
têm, pois, uma função (um papel) a cumprir e esse papel é o de lembrar ou sinalizar para
o passado [...] porque ela nos remete, por contraste, a uma faceta do mundo urbano, onde
a velocidade tornou-se perturbadora. Esse é [...] o significado social da carruagem
(DaMatta, 1997, p. 102).
Observe como o exemplo se adéqua ao conceito de cultura de Malinowski. O todo
global consistente, em que nada se perde. Só para diferenciar, se analisássemos o
exemplo anterior, na lógica evolucionista, diríamos que as carruagens deveriam ser logo
substituídas pelos modernos carros da sociedade atual, pois ela é um resquício de
sociedades menos evoluídas que nada têm a ver com nossa civilização. No entanto ela é
importante para a compreensão funcionalista de cultura, pois sua sobrevivência
desempenha uma função social importante nessa mesma sociedade civilizada.
Avançando um pouco, Ruoso cita que Lévi-Strauss define a cultura como um
sistema de símbolos [...] onde todas as coisas estão relacionadas de forma que a alteração
de um desses elementos resultaria na alteração de todo o sistema. O que há de comum em
todos esses sistemas presentes em diferentes culturas é a estrutura (2004).
A proposta de Lévi-Strauss com o estruturalismo é mapear aquilo que há em
comum a qualquer cultura, como uma estrutura fundamental da própria condição
humana. Para Laraia (1996), esse antropólogo elabora uma nova teoria da unidade
psíquica da humanidade por tentar compreender os princípios mentais que engendram a
cultura. Levi-Strauss afirma que a cultura se iniciou quando o homem convencionou a

28
Antropologia
primeira regra: a proibição do incesto. Esse é um padrão de comportamento comum a
todas as sociedades humanas - a questão da unidade psíquica – que gerou uma série de
estruturas dentro dos sistemas simbólicos das culturas, por exemplo, o matrimônio.
Temos ainda a definição de cultura proposta por Geertz em sua antropologia
interpretativa. Para esse autor, a cultura não deve ser tomada como “[...] um complexo de
comportamentos concretos, mas um conjunto de mecanismos de controle, planos,
receitas, regras, instruções (que os técnicos de computadores chamam de programa)
para governar o comportamento” (GEERTZ citado por LARAIA, 1996, p. 63).
Dessa forma, seria como se todos os homens fossem geneticamente aptos para
receber um programa que é o que chamamos de cultura, por exemplo, uma criança está
preparada para ser socializada em qualquer cultura, porém será programada por um
contexto real onde crescerá. Temos um equipamento para viver mil vidas, mas vivemos
apenas uma.
Para Geertz, e veja como ele avança em relação ao estruturalismo de Levi-Strauss,
uma cultura não é determinada por uma unidade psíquica humana, pois assim estaríamos
admitindo que os significados estão na mente dos indivíduos apenas, sem serem
partilhados. Os atores do sistema cultural partilham símbolos e significados entre eles,
“estudar a cultura é, portanto, estudar um código de sìmbolos partilhados pelos membros
dessa cultura” (LARAIA, 1996, p. 64).

3.2 Diversidade Cultural

A diversidade cultural é, antes de mais nada, um fato: existe uma grande variedade
de culturas que é possível distinguir rapidamente a partir de observações etnográficas,
mesmo se os contornos que delimitam uma determinada cultura se revelem mais difíceis
de identificar do que, à primeira vista, poderia parecer. A consciência dessa diversidade
parece até estar sendo banalizada, graças à globalização dos intercâmbios e à maior
receptividade mútua das sociedades. Apesar dessa maior tomada de consciência não

29
Antropologia
garantir de modo algum a preservação da diversidade cultural, contribuiu para que o tema
obtivesse maior notoriedade.
A diversidade cultural num planeta que se globaliza Ainda que a erosão cultural se
tenha convertido em questão cada vez mais preocupante no plano internacional, devido à
percepção dos paradigmas ocidentais transmitidos por via da tecnologia, frequentemente
se exagera a relação da globalização com a uniformização e a homogeneização cultural.
As trocas comerciais e as transferências culturais invariavelmente pressupõem processos
de adaptação e normalmente, num ambiente internacional cada vez mais complexo e
interativo, não são unilaterais. Para além disso, as raízes culturais são profundas e, em
muitos casos, estão fora do alcance de influências exógenas. Assim, a globalização
entende-se melhor como um processo multidirecional com muitas facetas, que
compreende a circulação, cada vez mais rápida e de maior volume, de praticamente tudo,
desde capitais a pessoas, passando por mercadorias, informação, ideias e crenças, por
meio de eixos que se modificam constantemente.
Geralmente a globalização de intercâmbios internacionais conduz à integração de
diversos intercâmbios multiculturais em quase todos os contextos nacionais, em paralelo
com a tendência – que, de resto, fomenta – para filiações culturais múltiplas e uma
complexidade crescente das identidades culturais. No entanto, não significa que sejam
ignoradas as consequências negativas dos fatores que impulsionam a globalização sobre a
diversidade das práticas culturais.
Um dos principais efeitos da globalização é a fragilização do vínculo entre um
fenômeno cultural e a sua situação geográfica, ao permitir transportar até à nossa
proximidade imediata influências, experiências e acontecimentos que na realidade se
encontram distantes. Em alguns casos essa fragilização do vínculo com o lugar é
considerada como fonte de oportunidades, enquanto em outros se vê como uma perda de
rigor e identidade. Fenômeno paralelo é constituído pelo aumento das migrações
internacionais que, em determinados casos, conduz a novas expressões culturais, o que
demonstra que a diversidade está em perpétua formação. O incremento do número de

30
Antropologia
turistas internacionais é outro fenômeno com possíveis consequências significativas no
que toca à diversidade cultural. Ainda que esse fenômeno turístico seja, até certo ponto,
autônomo e de consequências pouco precisas para as populações locais, parece evidente
que os seus resultados serão positivos, na perspectiva de melhor conhecimento e
compreensão de ambientes e práticas culturais diferentes.
O cada vez maior número de contatos interculturais que mantemos dá também lugar
a novas formas de diversidade cultural e práticas linguísticas, particularmente devido aos
progressos da tecnologia digital. Desse modo, contrariamente a procurar-se preservar a
identidade em todas as suas formas, deveria instar-se pela concepção de novas estratégias
que levem em conta essas mudanças e permitam ao mesmo tempo que as populações
vulneráveis respondam mais eficazmente à mudança cultural. Todas as tradições vivas
estão submetidas à contínua reinvenção de si mesmas. A diversidade cultural, tal como a
identidade cultural, estriba-se na inovação, na criatividade e na receptividade a novas
influências.
A questão das identidades – nacionais, culturais, religiosas, étnicas, linguísticas,
baseadas no gênero ou em formas de consumo – adquire cada vez mais importância para
as pessoas e grupos que encaram a globalização e a mudança cultural como ameaça às
suas crenças e modos de vida. As crescentes tensões que suscita o tema da identidade e
amiúde, resultam da aculturação de reivindicações políticas, contrapõem-se a uma
tendência mais geral face ao aparecimento de identidades dinâmicas e multifacetadas. O
ativismo político que por vezes acompanha a identidade religiosa é possivelmente um
forte indicador de identidade e diferença cultural.
Nesse contexto, não é de negligenciar o risco de que as crenças religiosas possam
ser instrumentalizadas a fim de promoverem programas políticos e de índole conexa, o
que pode precipitar conflitos entre religiões e provocar dissensões no seio das sociedades.
Deve assinalar-se a tendência de equiparar a diversidade cultural com a diversidade de
culturas nacionais. Ora, em certa medida, a identidade nacional é uma construção
alicerçada num passado em movimento, mas que proporcionou um ponto de referência no

31
Antropologia
sentimento de partilha de valores comuns. A identidade cultural é um processo mais
fluido que se transforma por si mesmo e deve ser considerado não tanto como herança do
passado, mas como projeto de futuro. Num mundo cada vez mais globalizado, as
identidades culturais provêm frequentemente de múltiplas fontes; a plasticidade crescente
das identidades culturais é um reflexo da complexidade crescente da circulação
mundializada de pessoas, bens e informação.
Num contexto multicultural, há quem tenha decidido adotar uma determinada forma
de identidade, enquanto outros optaram por uma dualidade, e outros mais escolheram
criar identidades híbridas para si próprios. Muitos escritores contemporâneos foram
atraídos pelo tema dos migrantes que se defrontam perante um novo ambiente e que se
vêm obrigados a construir novas identidades culturais. O desaparecimento das fronteiras
marcado pela globalização proporcionou dessa forma o aparecimento de um espírito
nômade que pode ser visto como o novo horizonte da experiência cultural
contemporânea.

Atividade 9

Construa um pequeno texto, de aproximadamente 15


linhas, descrevendo o conceito de cultura em suas diversas
abordagens na teoria antropológica e comentando suas
principais diferenças.

Atividade 10

Como vimos nesta aula, o conceito de cultura é bem mais complexo do que imaginamos.
Observando o desenvolvimento desse conceito, analise as assertivas a seguir.
I. O conceito de cultura desenvolvido pela antropologia interpretativa de Geertz avança em relação
ao do estruturalismo, pois percebe os significados não na mente, mas partilhados pelos membros de
uma sociedade.
II. No conceito de cultura de Tylor, a diversidade cultural passava despercebida, explicada como
parte da desigualdade de estágios em que se encontravam as várias formações sociais.
III. Para Malinowski, a cultura é um sistema integrado de relações, no qual, cada aspecto
desempenha uma funcionalidade, ou seja, nada ocorre por acaso ou está errado e fora do lugar.
Marque a alternativa que corresponde à análise das assertivas.

32
Antropologia
a) Somente I e III estão corretas.
b) Somente I e II estão corretas.
c) Todas estão corretas.
d) Somente II e III estão corretas.

Atividade 11
Defina Diversidade Cultural.

Atividade 12
(Unesp, 2012) Cada cultura tem suas virtudes, seus vícios, seus conhecimentos, seus modos de
vida, seus erros, suas ilusões. Na nossa atual era planetária, o mais importante é cada nação aspirar a
integrar aquilo que as outras têm de melhor, e a buscar a simbiose do melhor de todas as culturas.
A França deve ser considerada em sua história não somente segundo os ideais de Liberdade-
Igualdade-Fraternidade promulgados por sua Revolução, mas também segundo o comportamento
de uma potência que, como seus vizinhos europeus, praticou durante séculos a escravidão em
massa, e em sua colonização oprimiu povos e negou suas aspirações à emancipação. Há uma
barbárie europeia cuja cultura produziu o colonialismo e os totalitarismos fascistas, nazistas,
comunistas. Devemos considerar uma cultura não somente segundo seus nobres ideais, mas
também segundo sua maneira de camuflar sua barbárie sob esses ideais. (Edgard Morin. Le Monde,
08.02.2012. Adaptado.)
No texto citado, o pensador contemporâneo Edgard Morin desenvolve
a) reflexões elogiosas acerca das consequências do etnocentrismo ocidental sobre outras culturas.
b) um ponto de vista idealista sobre a expansão dos ideais da Revolução Francesa na história.
c) argumentos que defendem o isolamento como forma de proteção dos valores culturais.
d) uma reflexão crítica acerca do contato entre a cultura ocidental e outras culturas na história.
e) uma defesa do caráter absoluto dos valores culturais da Revolução Francesa.

33
Antropologia
4

Aula
A Antropologia
das sociedades complexas

4.1 Contextos sociais complexos

Um dos aspectos centrais na interpretação das sociedades complexas fornecida por


Talcott Parsons (1959) é a importância que ocupa as instituições na diferenciação dos
contextos sociais, contribuindo assim para o equilíbrio e a coesão sociais, o que, segundo
Parsons, seria condição indispensável para o desenvolvimento das sociedades modernas.
De acordo com Parsons, à medida em que as sociedades se tornam mais complexas
ocorre uma diferenciação e especialização institucional, ou seja, as instituições existentes
se tornam responsáveis por determinadas “funções” necessárias à persistência de uma
determinada sociedade. Caso as instituições existentes em determinada sociedade não
sejam capazes de satisfazê-las verificar-se-ia o surgimento de novas instituições, caso
contrário, o equilíbrio e a sobrevivência dessa sociedade estariam ameaçados. Essa
abordagem sistêmica, bastante difundida e influente até meados do século XX, está na
origem de parte das abordagens neoinstitucionalistas, que têm atraído a atenção de um
número crescente de estudiosos na sociologia, na ciência política e na economia.
Assim como na abordagem parsoniana (Parsons, 1967), a interpretação
neoinstitucionalista considera que as dinâmicas organizacionais não são determinadas
exclusivamente ou principalmente pelos processos internos ou por sua estrutura formal.
Ao lado dessas variáveis, o ambiente externo, ou seja, o contexto social no qual está
inserido uma organização, assim como as demais organizações existentes, não importa
quão distintas sejam, constitui um elemento indispensável para se compreender o que
ocorre no interior das organizações. Isso explica, em parte, o isomorfismo institucional,
que tem origem seja na regulamentação do Estado (isomorfismo coercitivo), seja na

34
Antropologia
imitação de modelos de sucesso (isomorfismo mimético), seja ainda na profissionalização
(isomorfismo normativo) (DIMAGGIO & POWELL, 1991).
Parsons (1974) concebe as sociedades complexas como sendo compostas por quatro
subsistemas (economia, político, socialização e comunidade societária), sendo que cada
um deles teria uma função a cumprir. A cada um dos quatro subsistemas societários,
Parsons (1959) identifica características e funções específicas, assim como instituições
correspondentes. A economia é caracterizada pelas atividades de produção e circulação
de bens de consumo; dessa forma, sua função é precisamente a de dar à sociedade a
capacidade de adaptação, indispensável à sobrevivência e desenvolvimento de qualquer
coletividade. Ao mesmo tempo, as sociedades ocidentais fizeram com que a
complexificação dessa função se fizesse acompanhar pela consolidação, ou o surgimento,
de instituições próprias para o fim de realizar a adaptação exigida. É o caso das empresas
privadas e do surgimento das bolsas de valores, instituições típicas do que se
convencionou chamar “mercado”.
O mercado é uma esfera de socialização em que concorre uma pluralidade de
interessados na troca e nas possibilidades advindas dessa troca (WEBER, 1999).
Na formulação de Dahrendorf (1974), bastante próxima daquela de Weber, o
mercado é concebido como: um lugar de troca e competição, onde todos os presentes
fazem o possível para aumentar sua própria fortuna. (...) As decisões são tomadas,
naturalmente, mas só com o propósito de salvaguardar o funcionamento do mercado, isto
é, a definição e a imposição das regras do jogo (DAHRENDORF, 1974, 247).

4.2 A cultura fragmentada das sociedades complexas

No final do século XX e início do século XXI, surgiram muitas críticas ao conceito


de cultura dentro das Ciências Sociais e, especificamente, da Antropologia. Afirmava-se
o fim do conceito de cultura e sua ineficácia para estudo das sociedades e dos indivíduos
diante da vida moderna global. Alguns autores como Clifford Geertz e Marshall Sahlins,
em contrapartida, fizeram a sua defesa. Neles a cultura apareceu como um conceito

35
Antropologia
fundamental para a reflexão sobre os homens e suas vidas, principalmente no estudo e
pesquisa das sociedades contemporâneas e seus indivíduos.
Clifford Geertz, em sua obra A Interpretação das Culturas (1978) traz uma enorme
contribuição metodológica para pensarmos as culturas relativizando-as e generalizando
seus aspectos, enquanto construções simbólicas do homo racionale. Geertz nos mostra
como a cultura é composta pelo ethos e visão de mundo, que enquanto valores,
construções e práticas se sobrepõem sucessivamente na organização da vida social. Diz
ele: “Como abelhas que voam apesar das teorias da aeronáutica que lhes negam esse
direito, provavelmente a grande maioria da humanidade está retirando continuamente
conclusões normativas a partir de premissas fatuais (e conclusões fatuais a partir de
premissas normativas, pois a relação entre o ethos e a visão de mundo é circular) [...]”
(GEERTZ, 1978, p.158).
A fim de desvendar as estruturas de significado dispostas em forma de teia, as quais
os próprios homens criam e nela estão imersos, Geertz procura em suas etnografias ou
descrições densas o que são valores e como eles atuam, sem separar os aspectos objetivos
dos subjetivos da vida. Aborda, desta maneira, a cultura e denota um afastamento da
postura positivista seguida por Durkheim. Neste caminho aponta para as diferença entre
suas concepções sobre religião e cultura, e a durkheimiana.
No tocante a questão da objetividade e subjetividade, Geertz parece mais próximo
de clássicos das Ciências Sociais como Weber e Simmel, que perceberam uma
interpenetração destas duas instâncias da vida. Em contrapartida, ao perceber a religião
como agregadora do ethos e da visão de mundo, aproxima-se de Durkheim, e mais
propriamente de Mauss, e sua percepção de religião como representação e reafirmação da
vida social e da sociedade e cultura. Ao falar sobre tudo isto diz: “A necessidade de tal
elemento metafísico para os valores parece variar bastante em intensidade de cultura para
cultura e de indivíduo para indivíduo, mas a tendência de desejar alguma espécie de base
fatual para o compromisso de cada um parece praticamente universal – o mero
convencionalismo satisfaz muito poucas pessoas, em qualquer cultura”. (GEERTZ, 1978,

36
Antropologia
148). “[...] a religião fundindo ethos e visão de mundo, dá ao conjunto de valores sociais
aquilo que eles talvez mais precisam para serem coercivos; uma aparência de
objetividade”. (GEERTZ, 1978,149).
No estudo da cultura e sociedade se faz importante tratar da questão da linguagem e
da lingüística, e das formas de comunicação que permite a interação e a criação dos
símbolos norteadores da vida social, bem como da própria elaboração de conceitos e
teorias sociais.
João de Pina Cabral em seu texto, Semelhança e Verossimilhança: horizontes da
narrativa etnográfica (2003), traz uma discussão sobre a questão da linguagem, da
comunicação e da transmissão da mensagem. Tendo como foco a etnografia, o autor
afirma que, estando imersos em um mesmo universo simbólico e cultural, os cientistas
sociais, partilham símbolos, conceitos e uma realidade verossímil, que os possibilitam
estudar e pensar sobre as diferenças entre as sociedades complexas ou seus grupos.
Para entender as culturas, inclusive a da sociedade que estão incluídos, Cabral
propõe que os antropólogos contemplem o fenômeno lingüístico de tradução da
palavra/mensagem e suas condições de existência, pensando suas categorias culturais de
verossimilhança, que possibilitam o estudo da pluralidade cultural humana.
Deve-se, assim, pensar, estudar e resgatar as diferenças, refletindo constantemente
sobre as semelhanças. A capacidade humana de comunicação e da tradução oferece a
possibilidade da generalização do estudo da cultura através da categoria de
verossimilhança, ao estudar a pluralidade e as diferenças através da singularidade que une
indivíduos, enquanto sujeitos de um social determinado. A realidade de uma cultura dada
encontrar-se-ia, então, ligada e estudada pela abstração e generalização relativizante.
Cabral esclarece esta questão: “Mais uma vez, não proponho que tal pudesse ser feito por
meio de uma qualquer cosmologia estruturada e finalista. Pelo contrário, a relação da
etnografia com o mundo nos casos etnográficos que mais nos surpreendem é uma
parecida com os sistemas de controle conhecidos como fuzzi logic – uma aproximação
progressiva e interativa, aberta à manipulação dos termos.” (CABRAL, 2003, p. 119).

37
Antropologia
Percebe-se que Cabral partilha o ponto central aqui proposto, de que uma teorização
científica e o estudo do social são uma construção. Construção onde o diálogo e a
comunicação devem ser observados constantemente e construídos no interior de um
processo aberto. A subjetividade e a objetividade, neste caso, aparecem interdependentes
e em fluxo.
Ao partir dessa ótica se faz necessário um diálogo permanente com os clássicos. Os
mais pertinentes trabalhos enquanto ensaios teóricos abertos, que observaram a
interpenetração dos aspectos objetivo nos subjetivos e vice-versa, surgem a partir da obra
de Georg Simmel, que decifrou eficazmente a cultura moderna, a sociabilidade imanente
a ela, e os indivíduos e suas conformações.
A veia compreensiva e interpretativa de Weber aparece, também tão forte quanto o
estilo ensaístico de Simmel, que propõe um conhecimento científico aberto e em
constante tensão e constituição.
A tradição das Ciências Sociais e os clássicos dão um suporte teórico fundamental
ao estudo da vida social moderna e do individualismo que se intensificam na virada do
século XIX par o XX, em que escrevem. Simmel analisou a vida na cidade e as relações
entre seus indivíduos, observando a divisão do trabalho como fenômeno histórico que
contribuiu e acarretou o processo de crescimento das relações objetivas e impessoais, em
detrimento da pessoalidade da cultura subjetiva tradicional e sua configuração. Simmel
afirma que na modernidade as relações entre os homens não só se ampliam, como as
múltiplas e complexas relações de projetos individuais ou coletivos e tensões entre os
mesmos começam a surgir: “Contribuiu para o encadeamento e para a integração da vida
moderna a nossa divisão do trabalho [...] Conseqüentemente, vemos que o dinheiro
instaura incomparavelmente mais laços entre os homens que nos estágios da associação
feudal e da reunião arbitrária [...]” (SIMMEL, 1998, p. 27).
Simmel detecta um crescimento da capacidade das comunicações e relações entre os
homens, abrangendo maiores e mais complexas esferas sociais. Uma cultura de
objetivação das inter-relações entre os indivíduos e grupos surge na modernidade de

38
Antropologia
forma especializada e fragmentada. O individualismo na cultura moderna traz indiferença
e impessoalidade nas inter-relações. A atitude blasé aparece, e os laços sociais se alargam
cada vez mais à medida que a cultura e a mentalidade moderna abstraem-se e objetivam-
se. O homem moderno não está preso a nada, ou quase nada; os grilhões tradicionais
fragmentam-se e o dinheiro aparece como o mecanismo de mediação mais eficaz, de
maior abstração e objetivação para essa liberdade das impessoalidades e indiferenças que
geram novas formas de organização social e de seu ordenamento. Diz ele: “Nessa função
o dinheiro confere, por um lado, um caráter impessoal, anteriormente desconhecido, a
toda atividade econômica, por outro lado, aumenta proporcionalmente, a autonomia e a
independência da pessoa”.(SIMMEL, 1998, p. 25).
Simmel percebe então a cultura como construção humana, formada por arranjos
simbólicos, através das ações sociais dos indivíduos em interação. Indivíduos estes que
na época que ele estuda se apresentam através de um ethos e visão de mundo (GEERTZ,
1978) de cunho individualista e de relações culturais múltiplas e complexas. Ele estuda e
compreende a realidade percebendo a esfera subjetiva mais e mais desenvolvida nos
indivíduos. Onde a cultura configura e é configurada.

39
Antropologia
5

Aula
O olhar antropológico no
contexto das cidades

5.1 A cidade como objeto de pesquisa

A modernidade, tal qual a vivenciamos hoje, está marcada por diversas


características importantes, e uma delas é o crescimento de grandes cidades derivada
fundamentalmente da Revolução Industrial e do desenvolvimento do capitalismo. As
transformações sofridas a partir destes eventos foram profundas e modificaram a vida
social das cidades e dos indivíduos que a habitam. A partir disso, um novo cenário é
criado - com sujeitos, identidades e características diferentes - tornando-se um grande
desafio teórico para as Ciências Sociais como um todo. Ao afirmarmos que a cidade é
característica fundamental da modernidade não queremos dizer que estas não existiam na
época pré-industrial e pré-capitalista, mas que tinham um caráter diferente do que têm
hoje. Além disso, é importante lembrar que as cidades, mesmo as da atualidade, variam
de uma para outra, podendo uma ser definida pelo seu grau de industrialização e outra
pelo seu comércio, por exemplo.
As grandes cidades são palco de uma realidade complexa e múltipla em todos os
sentidos, como culturais e sociais, e estão em constante transformação. Esta
multiplicidade pode se expressar nos traços pessoais, nas ocupações, na vida cultural e
nas ideias dos habitantes da comunidade urbana, podendo resultar em separações
espaciais dos indivíduos de acordo com essas características (WIRTH in VELHO 1973,
p. 99). Além disso, elas exercem influência imensa sobre a vida social do homem, “pois a
cidade não somente é, em graus sempre crescentes, a moradia e o local de trabalho do
homem moderno, como é o centro iniciador e controlador da vida econômica, política e
cultural que atraiu as localidades mais remotas do mundo para dentro de sua órbita e

40
Antropologia
interligou as diversas áreas, os diversos povos e as diversas atividades num universo.”
(WIRTH, in VELHO 1973, p. 91).
Ao falar sobre a atração de localidades distantes para dentro da cidade, Wirth
aborda a questão da migração, cada vez mais crescente, do campo para a cidade, sendo
esta uma das mais significativas transformações da era moderna. Para aqueles que
migram da zona rural para a área urbana, “a cidade é encarada como um espaço de
liberdade e possibilidades, na medida em que o emprego regular é visualizado como uma
segurança e independência, inexistentes no campo.” (OLIVEN, 2007, p. 36). Quando este
autor se refere à interligação de diversas áreas, podemos interpretar que ele está se
referindo ao que geralmente se denomina de “cidade mundial ou global”, que são cidades
que ocupam um papel central na economia mundial, tornando as cidades ao redor dela
altamente independentes.
Autores clássicos das Ciências Sociais já abordavam a questão da cidade,
analisando as transformações da cidade medieval sob as injunções da Revolução
Industrial. São exemplos desses autores: Durkhéim, Tonnies, Simmel e Weber. É
bastante comum em alguns autores, assim como na mídia em geral, uma visão pessimista
em relação às cidades, destacando quase sempre os problemas urbanos enfrentados por
ela, como a “deterioração dos espaços e equipamentos públicos com a consequente
privatização da vida coletiva, segregação, evitação de contatos, confinamento em
ambientes e redes sociais restritos, situações de violência, etc.” (MAGNANI, 2002, p.
12).
Nos famosos textos de Park1 e Wirth2 essas perspectivas negativas sobre a cidade
ficam bem claras. Park chega inclusive a afirmar que o meio urbano intensifica os efeitos
de crises, e por crise ele se refere a distúrbios de hábitos (PARK in VELHO, 1973, p. 50).
A característica mais perturbadora do meio urbano para estes autores é a substituição das

1
“A cidade: sugestões para a investigação do comportamento humano no meio urbano” in VELHO,
Otávio (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1973.
2
“O urbanismo como modo de vida” in VELHO, Otávio (org.). O fenômeno urbano. Rio de Janeiro,
Zahar Editores, 1973.

41
Antropologia
relações primárias pelas secundárias, pois ela afeta princípios fundamentais para se viver
em sociedade. Com o enfraquecimento dos grupos primários a ordem moral que
repousava sobre os indivíduos dissolve-se gradativamente, e as instituições responsáveis
por essa ordem moral (como a igreja, a escola, a família e a vizinhança) perdem seu
valor. Desta forma, a solidariedade social fica inexistente dentro desta comunidade, o que
é muito prejudicial, de acordo com eles.
A escolha da cidade como objeto de pesquisa, no caso da Antropologia, foi algo
relativamente recente. A Antropologia surge em seus primórdios como uma ciência que
busca compreender sociedades simples, isto é, colônias, grupos indígenas e rurais,
minorias sociais e etc.
A Antropologia passa a focar e observar os acontecimentos corriqueiros e
cotidianos, buscando entender como os indivíduos vivenciam e reelaboram esses
acontecimentos, propiciando um entendimento grandioso em relação à dinâmica das
sociedades complexas, onde a cidade é o lócus fundamental. O antropólogo, neste tipo de
pesquisa, estará de frente para a sua própria cultura e seu local de vivência, mas isso não
significa que novas questões ou determinadas atitudes “exóticas” a ele não estejam
presentes, visto que a cidade é um território, como já foi dito anteriormente, de uma
multiplicidade enorme. E caso ele se depare com um contexto familiar diverso ao seu,
será importante questionar pressupostos e valores que são considerados inquestionáveis
por ele e por aqueles que partilham daquela cultura, visto que é algo naturalizado por
eles. “Este ajuste de foco – graças ao qual não se necessita ir muito longe para encontrar
o “outro” – terminou revelando uma realidade que aparentemente nada fica a dever ao
exotismo que tanto espantava os europeus em contato com os povos “primitivos”: basta
uma caminhada pelos grandes centros urbanos e logo entra-se em contato com uma
imensa diversidade de personagens, comportamentos, hábitos, crenças, valores.”
(MAGNANI, 1996c, p. 3).
O resultado das etnografias urbanas é um arranjo de dados e informações sobre o
objeto de pesquisa, que foram percebidos dentro do campo, mas que estavam dispersos e

42
Antropologia
fragmentados, sendo necessário a interpretação e os insights advindos do antropólogo
para que a compreensão dessa sociedade fosse possível. O que o antropólogo faz é
apreender os significados nativos e descrever a partir dos seus próprios termos. Por este
motivo, podemos afirmar que a etnografia carrega, então, a marca tanto dos nativos
quanto do pesquisador, partindo do primeiro ator (nativo) e concluindo no segundo
(antropólogo).
A maioria das pesquisas sobre a cidade tem um enfoque na questão macroestrutural,
isto é, das instituições e da estrutura que compõe a cidade; os indivíduos que a habitam
são interpretados como agentes passivos deste cenário, que nesta visão é um local
desprovido de atividades, sociabilidades e ações individuais. O que a Antropologia faz é
dar voz a esses moradores e mostrar uma parte da cidade que não é visível para a maioria
destes estudos na área das Ciências Sociais e áreas afins. No Brasil, essa escolha por um
enfoque micro-social da questão urbana fez com que os antropólogos do país definissem
a Antropologia que praticam como uma Antropologia na cidade e não da cidade. A
Antropologia da cidade seria mais similar à Sociologia Urbana, isto é, são estudos que
pensam a cidade como uma totalidade; já a Antropologia na cidade “são pesquisas em
pequena escala, mostrando em termos gerais a dinâmica da vida urbana e da vida
cotidiana” (MENDOZA, 2000, p.222). Nas palavras de Eunice Durham (1986, p. 19 apud
MENDOZA, 2000, p. 189), “E, desde o começo, trata-se menos de uma antropologia da
cidade do que uma antropologia na cidade. Isto é, não se desenvolveu no Brasil uma
Antropologia Urbana propriamente, nos moldes em que foi iniciada pela Escola de
Chicago, uma tentativa de compreender o fenômeno urbano em si mesmo. Ao contrário,
trata-se de pesquisas que operam com temas, conceitos e métodos da antropologia. A
cidade é portanto, antes o lugar da investigação do que seu objeto...”.
No entanto, ao escolher essa visão micro, os antropólogos urbanos do Brasil não
deixam de manter um vínculo de seu objeto com as dimensões da dinâmica urbana e da
cidade como um todo, pois estes constituem parte da explicação e do contexto em que o
objeto de pesquisa está inserido. Magnani (1996c, p. 25) explica muito bem essa relação:

43
Antropologia
“O que caracteriza o fazer etnográfico no contexto da cidade é o duplo movimento de
mergulhar no particular para depois emergir e estabelecer comparações com outras
experiências e estilos de vida – semelhantes, diferentes, complementares, conflitantes –
no âmbito das instituições urbanas, marcadas por processos que transcendem os níveis
local e nacional.”
Concluímos a partir do que foi exposto que a Antropologia Urbana foi fundamental
dentro da disciplina para dar voz a agentes que estavam esquecidos tanto pela própria
Antropologia quanto por aquelas linhas de pesquisa que enfocam o contexto urbano em
sua visão macro-social. A cidade surge como um local de pesquisa dotado de variadas
manifestações culturais tão interessantes quanto às das sociedades simples, e que é papel
dos cientistas sociais compreender esta realidade, visto que ela passa cada vez mais a ser
o cenário fundamental dos indivíduos na modernidade.

5.2 Revisão histórica da Antropologia Urbana no Brasil

É possível afirmar que a Antropologia brasileira está dividida em torno de duas


tradições de pesquisa determinadas pela escolha do objeto, sendo uma delas a Etnologia
Indígena e a outra a Antropologia da Sociedade Nacional3.
Os primeiros estudos no Brasil que começam a incitar a questão do urbano como
importante objeto de pesquisa se dá na década de 40 e continua na década seguinte, são
os denominados “estudos de comunidade”. Influenciados sumariamente pela Escola de
Chicago, estas pesquisas, apesar de não focarem especificamente nas sociedades urbano-
industriais, utilizam a cidade como pano de fundo e cenário dos fenômenos estudados.
Estes estudos “foram tentativas de aproximação ao estudo da cidade e do sujeito social
habitante dela, embora esforços isolados não institucionalizados, a cidade não era ainda
compreendida como objeto de estudo significativo.” (MENDOZA, 2000, p. 309 e 310).

3
Conceitos retirados da obra de Roberto Cardoso de Oliveira “Sobre o pensamento antropológico”
(1988b), mais especificamente no capítulo V denominado “O que é isso que chamamos de Antropologia
Brasileira?”.

44
Antropologia
Eles tornaram-se importantes para dar visibilidade a um contexto e um foco de
pesquisa que ainda não era levado em conta pela Antropologia e até mesmo pelas
Ciências Sociais, tornando-se um antecedente daquela que hoje seria conhecida como
Antropologia Urbana.
O empurrão dado pelos estudos de comunidade foi importante para o início do
interesse, de fato, pelos processos econômicos, sociais e culturais da urbanização e da
industrialização e seus efeitos no contexto da cidade e de seus habitantes no fim dos anos
50 e por toda a década de 60. Uma das causas fundamentais dessa transformação na
Antropologia se dá pelo receio que houve na época de que as tribos indígenas e as
minorias sociais, objetos clássicos da disciplina, desaparecessem com a modernidade e
assim a Antropologia ficaria sem objeto de pesquisa. Além disso, os antropólogos
começam a perceber que a urbanização é um sistema irreversível da modernidade e que
traria profundas transformações para a sociedade como um todo, sendo papel de todo
cientista compreender essas mudanças.
Diversos autores importantes das Ciências Sociais e da Antropologia lançam livros
e pesquisas sobre o tema da cidade e da urbanização nesta época, como Florestan
Fernandes e Otávio Velho, que organiza o livro com textos clássicos a respeito da cidade:
“O fenômeno urbano” (1973) em 1967. Os principais temas de pesquisa dos anos 60
eram as consequências e os problemas para as grandes cidades derivados do processo de
urbanização, como as migrações da área rural para a urbana, a grande aglomeração de
favelas, marginalidade e etc. No entanto, é a década de 70 que constitui os anos
fundamentais para a institucionalização da Antropologia Urbana no Brasil, corrente esta
que se tornaria nos anos posteriores tão importante quanto à Etnologia dentro da
Antropologia, e que levantaria questões e problemáticas geniais sobre a questão da
cidade.
A década e 70 foi o momento crucial para o desenvolvimento e o reconhecimento
da Antropologia Urbana como uma importante linha de pesquisa sobre os grupos
urbanos, e isso se deu por uma conjuntura política, social e acadêmica pela qual o Brasil

45
Antropologia
e a Antropologia estavam passando. Era uma época marcada por processos conflituosos
como repressão, ditadura militar, crescimento urbano, pobreza, marginalidade e o
chamado “milagre econômico”. Todo este contexto aflora nas Ciências Sociais como um
todo um interesse sobre os problemas sociais urbanos que estavam acontecendo, tendo
em vista o seu entendimento e a necessidade de transformação, sendo a Universidade o
espaço ideal para isso. Além disso, esses cientistas passaram a se engajar politicamente,
havendo uma grande preocupação em repensar, conhecer e analisar o Brasil, buscando
transformá-lo numa sociedade melhor.
O objetivo principal desta geração de antropólogos emergentes era conhecer o
sujeito urbano habitante das cidades, mas através de uma perspectiva diferente da que
comumente se fazia nas Ciências Sociais, fundamentalmente a Sociologia e as Ciências
Políticas, que partiam tradicionalmente da categoria de classe social e do entendimento
do sujeito urbano como um ator político. Para a Antropologia, este sujeito urbano não era
só um ator político que defendia uma ideologia, mas também um indivíduo que possui
um local de moradia, um trabalho, uma cultura e uma bagagem cultural específica, que se
torna importante apreender. “Tratava-se de conhecer como esses grupos urbanos
organizam, classificam, representam, atuam e constroem o seu espaço e modo de vida
dentro de um sistema urbano.” (MENDOZA, 2000, p. 191). Para conhecer essa realidade
cotidiana dos indivíduos era necessário dar voz a esses sujeitos, que na maior parte das
vezes são oprimidos, e a melhor forma de fazer isso era a partir da observação
participante.
Além do contexto histórico, outro fator contribuiu para a construção do campo
antropológico urbano no Brasil na década de 70: a expansão do ensino universitário e da
Pós-graduação, promovidos pelo próprio regime militar. Os principais Programas e Pós-
Graduação em Antropologia na época eram o do Museu Nacional, da USP e da
UNICAMP. Cada um desses programas se especializaram em determinados temas de
pesquisa, mas todos eles estavam relacionados ao contexto urbano e à cidade. No Museu
Nacional podemos destacar as camadas médias, escolas de samba, religião, movimentos

46
Antropologia
sociais, futebol, produção cultural, desvio e comportamento, moradia em favelas,
parentesco, redes sociais e carnaval. Na USP verifica-se a investigação de temas como
família de operários, associações de bairros, bairros populares, educação, habitações na
periferia, lazer, movimentos sociais, migrações para a cidade, participação popular e
política, religião. Já na UNICAMP os objetos de pesquisa mais frequentes eram papéis
sociais, prostituição, antropologia da mulher, saúde, migrações, culturas populares,
organização social de bairros, trabalhadores rurais, papéis sociais e identidade
(MENDOZA, 2000, p. 196).
As pesquisas dedicadas à Antropologia Urbana começam a ganhar força, e algumas
delas “têm recebido um reconhecimento por sua importância na pesquisa urbana, por
construìrem e refletirem a sociedade brasileira nos anos 70” (MENDOZA, 2000, p. 269).
O próprio Mendoza define as cinco pesquisas mais importantes da época, e são elas: “A
Sociologia do Brasil urbano” (1978c) de Anthony Leeds, “A Utopia Urbana” (2003) de
Gilberto Velho, “A caminho da cidade” (1984) de Eunice Durham, “Carnavais,
malandros e heróis” (1981) de Roberto Da Matta e “Festa no Pedaço Cultura Popular e
Lazer na Cidade” (2003) de José Guilherme Magnani.
Esta escolha de foco sobre o contexto urbano fez com que a Antropologia
começasse a ganhar prestígio frente às outras disciplinas. De disciplina marginal, por
tratar de temas pouco políticos, a Antropologia, com seu novo objeto de estudo, passou a
oferecer novas perguntas e questões a um campo intelectual maior, não só o
antropológico. Este reconhecimento alcançado a partir da década de 70 contribuiu de
forma intensiva para a construção do campo teórico da Antropologia Urbana, havendo
uma efervescência e um descobrimento do urbano como área de pesquisa por alguns
antropólogos, e que no final dos anos 70 e início dos 80 iria se formar como uma
especialização.
Podemos verificar esse desenvolvimento na passagem das décadas de 70 e 80
através do número de pesquisas na área da Antropologia Urbana, que no primeiro
momento começa a se desenvolver, mas que encontra dificuldades para serem publicadas,

47
Antropologia
como era de se esperar nos inícios da construção do campo, diferentemente do que
acontece nos anos 80. Nesta época, há uma multiplicidade de publicação de pesquisas e
consequentemente de temas de investigação dentro da área que estava se consolidando.
Para alguns estudiosos, esta multiplicidade trazia algumas limitações à disciplina, pois as
abordagens diversas não se somavam e nem se integravam umas às outras, produzindo
resultados soltos e sem objetividade. Outro fato que demonstra esse desenvolvimento é
que somente na XII reunião da ABA em 1980 que aparece pela primeira vez um grupo de
comunicações em Antropologia Urbana, coordenada por Gilberto Velho.
É nesta época também que novos Programas de Pós-Graduação são criados, em
Universidades e regiões do Brasil onde a Antropologia ainda não era uma disciplina
consolidada. Em 1985 é criado na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) o
Programa de Pós-Graduação em Antropologia, na UFRGS (Universidade Federal do Rio
Grande do Sul) o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social em 1974, entre
outros. No caso dessas duas Universidades o desenvolvimento da área da Antropologia
Urbana foi tão significante, que contam hoje com uma linha de pesquisa e um Núcleo de
Pesquisa relacionados ao tema, respectivamente.
O Núcleo de Pesquisa sobre Culturas Contemporâneas da UFRGS, NUPECS, foi
criado em 1996, com o objetivo de reunir pesquisadores interessados na dinâmica das
culturas contemporâneas. Os principais professores e pesquisadores deste núcleo são
Ruben George Oliven, Maria Eunice de Souza Maciel, Cornelia Eckert e Ana Luiza
Carvalho da Rocha. Já a linha de pesquisa da UFSC denomina-se “Antropologia urbana e
do patrimônio” e também está relacionada às mudanças espaciais, sociais e culturais na
cidade contemporânea. De acordo com o site do Programa, esta linha se interessa por
temas como migrações, turismo, alimentação, consumo e moda, lazer, performances
urbanas, sociabilidades, usos e apropriações dos espaços públicos e privados, urbanismo
e habitação popular e de camadas médias.
Também merece destaque como Instituição que promove o desenvolvimento e
fortalecimento da Antropologia Urbana no Brasil o Núcleo de Antropologia Urbana da

48
Antropologia
USP (NAU), liderada pelo professor José Guilherme Cantor Magnani. A primeira
“expedição” do NAU aconteceu em 1988 e se consolidou hoje como um Grupo que incita
os estudantes de Antropologia da USP a irem a campo e investigarem a cidade de São
Paulo e os fenômenos que ocorrem em seu cotidiano. Atualmente, o NAU possui
dimensões bem amplas, constituindo-se de cinco áreas temáticas (Surdos, Religião,
Corpo e cidade, Migração, Índios urbanos), uma revista eletrônica, além de um seminário
de âmbito nacional sobre o tema, denominado “Graduação em Campo – seminários de
Antropologia Urbana”.
Outra Universidade de destaque na produção de pesquisas sobre a Antropologia
Urbana é a UnB (Universidade de Brasília), que se encontra atualmente com uma linha
de pesquisa dentro do Programa de Pós-Graduação (Antropologia Urbana, do
Desenvolvimento e Globalização) e um Grupo de pesquisa (Urbanidade e Estilos de
Vida), liderado pelas professoras Cristina Patriota de Moura e Mariza Veloso Motta
Santos. No entanto, diferentemente da UFRGS e da UFSC que tiveram seus Programas
de Pós-Graduação em Antropologia criados somente no fim da década de 70 e início da
de 80, a UnB conta com uma tradição antiga nos estudos antropológicos, que datam de
1962, quando o Prof. Eduardo Galvão fundou o Departamento de Antropologia, e
estabeleceu um centro de pesquisas etnológicas e lingüísticas.
Atualmente, a Antropologia Urbana se encontra legitimada e respeitada por todos os
cantos do país, competindo por igual com a Etnologia Indígena como uma linha de
pesquisa importante para a disciplina antropológica. Os objetos de estudo são tão
heterogêneos que fica difícil delimitar uma centralidade desses trabalhos sem correr o
risco de cometer um grande deslize. Além disso, muitos antropólogos que trabalham na
área não se definem mais como urbanos e isso se deve à abertura teórica desses
pesquisadores, circulando por diferentes correntes de pensamento.

49
Antropologia
5.3 Antropologia Brasileira

Para compreender a história da Antropologia Urbana no Brasil fez-se necessário


uma breve revisão histórica da disciplina de Antropologia como um todo no país, porque
desta forma é possível perceber a pouca influência que a Antropologia Urbana teve até os
anos 60 e como a Etnologia indígena predominou como tema de estudo antropológico até
esta data, deixando pouco espaço para as pesquisas de contexto urbano. Dividirei a
história da Antropologia no Brasil em três momentos, inspirada no texto de Mellati
(1983) intitulado “A Antropologia no Brasil: um roteiro”: até os anos 30, dos anos 30 aos
60 e a partir dos anos 60. Antes de começar a tratar destes três períodos é importante
salientar o papel que os cronistas tiveram dentro da Antropologia brasileira, muito antes
desta disciplina se institucionalizar. Os cronistas são aqueles autores que não são
cientistas sociais, mas que deixaram relatos de suas experiências e observações com a
população de determinados locais ou regiões do Brasil. O número de cronistas começa a
aumentar com a chegada da Família Real no país, e a maior parte deles eram
navegadores, diplomatas, missionários ou naturalistas.
Antes dos anos 30 ainda não havia formação acadêmica de Antropologia no Brasil,
e inclusive na Europa esta se definia como um ramo novo das ciências. Ainda assim,
alguns estudiosos brasileiros, de formação diversa (como médicos, juristas, engenheiros,
militares e etc), contribuìram sobremaneira para as pesquisas antropológicas. “Esses
pesquisadores, quase todos autodidatas em Antropologia, a par de seus levantamentos a
respeito de índios, negros, sertanejos, mostravam na maior parte dos casos um certo
interesse no destino das populações que estudavam e seu lugar na formação do povo
brasileiro, cujo futuro era objeto de suas preocupações.” (MELLATI, 1983, p. 5).
Entre estes pesquisadores, podemos destacar Sílvio Romero, Euclides da Cunha,
Roquette Pinto e Nina Rodrigues. A maior parte deles utiliza-se de teorias de
determinismo geográfico (onde as condições espaciais influenciariam as características
pessoais) e biológico (características genéticas, como a raça, determinando a

50
Antropologia
personalidade), razão pela qual são muitas vezes criticados. Acreditam na existência de
sociedades superiores e inferiores e que a mestiçagem brasileira seria um mal para o país.
No entanto, é importante levar em conta o período em que eles viveram e entender que
determinados pensamentos pré-conceituosos estavam enraizados na sociedade (brasileira,
inclusive) da época. Roquette Pinto era o único que não via a miscigenação como uma
ameaça, pois tentava encontrar o melhor de cada povo para promover o desenvolvimento
do Brasil. Para ele, a educação era mais importante do que a eliminação de uma raça.
O segundo período da Antropologia no Brasil, dos anos 30 aos 60, ficou marcado
pelas primeiras iniciativas de profissionalização dos antropólogos no país assim como de
institucionalização da Antropologia como um ramo importante das Ciências Sociais. Em
1934 é criada na USP (Universidade de São Paulo) a Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras do Brasil, com grandes nomes compondo sua grade docente na época, como Roger
Bastide, Emílio Willems e Lévi-Strauss. No mesmo ano é criada a Escola de Sociologia e
Política, também na cidade de São Paulo, tendo Hebert Baldus e Donald Pierson como
uns dos professores. Mellati (1983, p. 11) afirma que “sem dúvida foi em São Paulo, pelo
número de professores, pelo número de alunos e pelo espírito de renovação, o principal
foco de irradiação da Etnologia nesse perìodo”. Fora da Academia também foram criados
grupos de pesquisadores, como por exemplo, a Sociedade de Etnografia e Folclore em
1937 e a Sociedade Brasileira de Antropologia e Etnologia em 1941.
Outro fato importante para o desenvolvimento da Antropologia neste período foi a
criação da ABA (Associação Brasileira de Antropologia) em 1955, durante a Segunda
Reunião Brasileira de Antropologia. Nesta Reunião houve “um esforço de colaboração,
entre os participantes, para o progresso dos estudos antropológicos e para a criação de
uma consciência profissional entre os antropologistas brasileiros.” (Anais, 1957 apud
CORREA, 1988a, p. 6). A criação da ABA tinha como objetivo propiciar reuniões
periódicas dedicadas à troca de experiências, informações e o próprio convívio entre os
associados. A cidade do Rio de Janeiro foi escolhida para sediar a ABA, e sua primeira
diretoria foi composta por residentes desta cidade. Durante os anos 50 a cidade do Rio de

51
Antropologia
Janeiro passa a ter um papel preponderante do desenvolvimento da Antropologia: sediou
a Primeira Reunião Brasileira de Antropologia, fundou-se o Museu do Índio por Darcy
Ribeiro - e a organização nesse Museu do “Curso de Aperfeiçoamento em Antropologia
Cultural” pelo mesmo Darcy -, e a criação de entidades federais de fomento à pesquisa e
ao ensino, como o CNPQ e a CAPES (MELLATI, 1983, p. 132). A partir dos anos 80 a
ABA passa a ter uma atuação mais ampla na sociedade brasileira, extrapolando os limites
da região sudeste, assim como os limites de atuação acadêmica, uma vez que utiliza o
conhecimento científico acerca das comunidades indígenas para mobilizar e defender os
interesses dos mesmos. “A grande mudança ocorre no exercìcio da Presidência,
transformando a ABA de uma entidade exclusivamente voltada para suas reuniões
bienais (únicos momentos em que efetivamente a ABA atuava) para um órgão de intensa
participação política (ainda que não partidária), devotado simultaneamente aos seus
compromissos culturais e à participação política na sociedade civil mobilizada em defesa
da democracia” (OLIVEIRA, 1988b, p. 136).
A partir da década de 30, a influência da sociedade norte-americana no Brasil se faz
presente em diversos aspectos, em virtude da consolidação da hegemonia política e
econômica desta na América Latina. A Antropologia se vê beneficiada neste momento
pela vinda de muitos antropólogos norte-americanos para o país, como Ruth Landes,
Charles Wagley e Donald Pierson. A presença deles fez com que a influência teórica e
metodológica norte-americana se tornasse dominante na Antropologia até meados da
década de 60. Em relação aos objetos de pesquisa da época podemos dizer que a
Antropologia “sempre primorou por definir-se em função de seu objeto, concretamente
definido como índios, negros ou brancos, estes últimos vistos enquanto grupos étnicos
minoritários ou segmentos desprivilegiados da sociedade nacional” (OLIVEIRA, 1988b,
p. 111). No entanto, é sabido que os assuntos indígenas predominavam a Antropologia na
época, tornando-se a marca fundamental da disciplina.
Entre as décadas de 30 e 40, autores que já haviam iniciado suas pesquisas em
décadas anteriores começam a se tornar mais influentes, como é o caso de Oliveira

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Antropologia
Viana, Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda. São autores que se propõem à
interpretação da sociedade brasileira em revisão à ideia de um país fadado ao fracasso em
virtude de sua miscigenação, que tendo já publicado obras substanciais3 a esta respeito,
se tornam grandes “intérpretes do Brasil”. Os três nomes citados têm em comum o fato
de se preocuparem com a sociedade brasileira como um todo, abordando essa questão a
partir de diferentes focos. Em suas obras Oliveira Viana questiona o sistema político
utilizado pelo Brasil e defende sua reestruturação, pois estes modelos institucionais foram
importados de outros países e por este motivo não condizem com a realidade social e
cultural da população brasileira. Já Gilberto Freyre e Sérgio Buarque de Holanda
abordam o processo de formação sociocultural da sociedade brasileira. Freyre tem em
vista a relação aristocracia/escravos e aborda a “Populações Meridionais do Brasil”
(1987c) publicado pela primeira vez em 1920, “Raìzes do Brasil” (1969) publicado em
1936 e “Sobrados e Mucambos” (1951) publicado originalmente em 1936.
Os estudos de mudança social, cultural ou aculturação também tem início nos anos
30 e se prolonga por todo este segundo período da Antropologia no Brasil, mas sofrendo
modificações ao longo dos anos. Estes estudos tornaram-se a marca fundamental desta
época (anos 30) e “tiveram por objeto tanto a população negra, como os grupos
indígenas, bem como imigrantes europeus e asiáticos e seus descendentes e ainda a
população de áreas de povoamento antigo e economicamente estagnadas” (MELLATI,
1983, p. 13). Em relação aos estudos da população negra, estes procuravam estudar os
vestígios das culturas africanas que continuavam a sobreviver aqui no Brasil, apesar da
perda de contato com a origem e do conflito com as crenças e valores da classe
dominante. Os cientistas que se incluem nessa linha de pesquisa são Roger Bastide,
Edson Carneiro, Nunes Pereira, Ruth Landes e Artur Ramos.
No que tange aos estudos de aculturação entre índios e brancos, a década de 40 é
marcada pelos estudos de Charles Wagley, Eduardo Galvão e Egon Schaden. Apesar
destes autores e suas investigações se caracterizarem pela matriz funcionalista de
explicação da realidade, demorou-se a estabelecer nessas pesquisas o longo e intensivo

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Antropologia
trabalho de campo que posteriormente seria sua marca registrada. A maioria dos
pesquisadores costumava fazer visitas curtas ao campo de pesquisa ou não se
aprofundavam em uma determinada tribo, o que deixava os trabalhos um tanto quanto
inferiores em termos teóricos e metodológicos. Os limites desta postura logo vêm à tona:
“No final dos anos 50, alguns pesquisadores brasileiros, como Eduardo Galvão, Darcy
Ribeiro e Roberto Cardoso de Oliveira, começam a repensar a orientação que vinha
sendo tomada nos estudos de aculturação, sem, porém, abandonar o use desse termo. É o
tempo em que Darcy Ribeiro chama a atenção para a importância das frentes de
expansão, do caráter econômico das mesmas e descola o interesse das culturas indígenas
para o destino das sociedades que as mantêm e de seus membros.” (MELLATI, 1983, p.
14).
Sobre os trabalhos de contato interétnico de imigrantes, apesar de já haver vários
deles antes de 1940, só depois disso que surgem pesquisas de caráter propriamente
científico. Dentre elas podemos destacar as de Emílio Whillems sobre os alemães, Ruth
Cardoso sobre os japoneses, Thales de Azevedo e Eunice Durham, ambos sobre italianos.
Alguns trabalhos sobre aculturação de imigrantes tomaram a forma de estudos de
comunidade, que ocuparam papel preponderante na produção científica nas Ciências
Sociais das décadas de 40 e 50 e que se prolongaram até a década de 70. Através da
realização de pesquisas em pequenas cidades e comunidades espalhadas ao longo do
território nacional, estes estudos se caracterizavam pela abordagem qualitativa,
utilizando-se da observação direta, técnica tradicionalmente utilizada pelos antropólogos
na investigação de sociedades tribais.
Apesar de ter se tornado uma marca desse período e de vários antropólogos
importantes no Brasil terem se utilizado desse tipo de pesquisa, como Emílio Willems,
Oracy Nogueira, Donald Pierson e Antônio Cândido, os estudos de comunidade sofrem
grandes críticas por parte de pesquisadores, particularmente advindas do campo de
reflexão marxista, sob influência de Florestan Fernandes, principalmente por não relações

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Antropologia
entre a comunidade estudada e a sociedade mais ampla, tornando-o algo isolado, e
também por não utilizarem de documentação histórica para comporem seus trabalhos.
Outro tema que se destaca no campo das investigações antropológicas, entre as
décadas de 40 e 50, é a relação entre negros e brancos, analisadas sob uma perspectiva
diversa da ideia de aculturação e a identificação de possíveis rastros da cultura africana
que ainda exerciam influência sobre o negro no Brasil. O foco das análises se concentra
na interação entre estes dois grupos, brancos e negros, na vida cotidiana, na existência do
preconceito racial no Brasil e as consequentes barreiras sociais à ascensão social entre os
negros. Exemplos desta linha são as obras “Brancos e Pretos na Bahia” (1942) de Donald
Pierson, “As elites de cor” (1996a) de Thales Azevedo e “Relações raciais entre negros e
brancos em São Paulo” (1955), artigo este escrito em parceria entre Roger Bastide e
Florestan Fernandes. Posteriormente, já na década de 60 e com um viés mais sociológico,
as reflexões sobre os negros procuram evidenciar as conexões existentes entre as relações
raciais na sociedade brasileira de então e o sistema escravocrata fundamentado na
ideologia racial. Octavio Ianni e Fernando Henrique Cardoso foram os mais importantes
pesquisadores desta segunda geração, e escreveram diversas obras sobre o assunto.
Florestan Fernandes também permaneceu como pesquisador influente nesta segunda
geração, escrevendo, por exemplo, o artigo “A integração do negro na sociedade de
classes” (1978a) em 1964.
Ainda tratando sobre o período entre 1930 a 1960, a análise das produções
acadêmicas da época demonstra, de acordo com Mellati (1983) mudanças na forma de se
pensar as manifestações folclóricas, superando-se a abordagem difusionista que na
maioria das vezes se limitava a localizar a origem de certos costumes, ritos e mitos, para
uma análise funcionalista, procurando entender a persistência e a mudança social dos
costumes analisados. Apesar desta mudança na perspectiva teórica dever-se mais à
participação dos sociólogos do que antropólogos, vale destacar a investigação das
manifestações folclóricas, pois procuram seguir as técnicas de investigação tradicionais
na Antropologia, como o contato com informantes e a observação participante.

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Antropologia
Podemos resumir este segundo período através da fala de Mariza Corrêa (1988a, p.
12), que afirma: “O que parece claro para o perìodo dos anos 30 aos anos 60 é que, se
houve uma profissionalização crescente dos antropólogos no Brasil, ela se expressou na
sua aglutinação em torno de uma identidade profissional comum, definida através da
ABA e, se houve uma especialização crescente da disciplina no âmbito das Ciências
Sociais, ela se expressou pela ênfase dada aos assuntos indígenas, na pesquisa tanto
quanto na política de parte dos antropólogos do tema.”
Falaremos agora sobre o terceiro e último período da Antropologia brasileira
descrito por Mellati: os estudos que aconteceram após a década de 60. Nesta época
percebe-se que muitas das iniciativas dos anos anteriores amadureceram e a Antropologia
conseguiu se firmar como uma ciência fundamental no âmbito humanístico, crescendo
cada vez mais o número de etnólogos devido à criação de importantes cursos de pós-
graduação no Brasil, como da UNICAMP em 1971 e da UNB em 1972. Vale destacar a
criação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional em
1968 e de sua posição de destaque no fomento e difusão da pesquisa antropológica neste
período. De fato, a capital carioca já havia começado a se destacar como novo centro de
atividade etnológica na década de 50 – com a criação do Museu do Índio, por exemplo –
e a criação deste programa representou os resultados destes esforços.
Sobre as orientações teóricas deste período, elas também se modificaram em relação
ao período anterior e passaram a priorizar a perspectiva estruturalista em detrimento do
funcionalismo. Além disso, certos temas de pesquisa perderam interesse, como os
estudos de comunidade, sendo substituídos por pesquisas de caráter mais regional,
dedicados às temáticas envolvendo o campesinato, os assalariados rurais, as frentes de
expansão e os trabalhadores urbanos (MELLATI, 1983, p. 22).
Outra mudança notada neste período se deve às pesquisas de aculturação entre
brancos e índios, isto é, nas modificações culturais sofridas por este último grupo em
contato com a sociedade nacional. Nos anos 70, porém, o foco das preocupações com o
contato reside menos na questão da perda de traços originais do que na questão do

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conflito de interesses e valores existentes entre essas duas sociedades, ou seja, da
perspectiva da aculturação passa-se para a noção de fricção interétnica. Roberto Cardoso
de Oliveira é um dos antropólogos que trabalha com essa questão, publicando algumas
obras sobre o assunto como “Identidade, etnia e estrutura social” (1976b). Surge então o
espaço de discussão sobre o papel do antropólogo na sociedade brasileira, na medida em
que esta nova abordagem, sob forte influência da antropologia francesa marxista inspira
nos pesquisadores o sentimento de militância a favor dos índios. Investidos no dever de
defender e colaborar para que os direitos indígenas fossem mantidos estes pesquisadores
passaram a defender a proposta de uma Antropologia denominada Antropologia da Ação.
Estes pesquisadores procuraram atender às necessidades indígenas e buscar soluções para
seus principais problemas, “como demarcação de terras, assistência médica, instrução,
administração direta pelos ìndios de sua produção para mercado e outros.” (MELLATI,
1983, p. 24).
Além dessa linha de pesquisa indígena, nesse período ganhou impulso os estudos
sobre a estrutura social das sociedades indígenas, em que os pesquisadores buscaram
respaldo teórico no estruturalismo sob influência de David Melbory-Lewis com o Projeto
Harvard-Brasil Central que estabelecia parceria entre a Universidade de Harvard e o
PPGAS do Museu Nacional. Nestes estudos “há um esforço no sentido de captar os
modelos nativos, a fim de também submetê-los à interpretação geral do pesquisador”
(MELLATI, 1983, p. 26), envolvendo pesquisadores como Roque Laraia, Júlio Cesar
Mellati e Roberto DaMatta. Os mitos e ritos indígenas se destacam como objeto de
estudo, e incitam os pesquisadores a novos recortes investigativos sobre as sociedades
indígenas no Brasil. A abordagem estruturalista traz novas inspirações, ultrapassando o
âmbito das sociedades tribais, como é o caso de Roberto da Matta que toma os ritos como
uma porta de entrada para o conhecimento da sociedade brasileira na obra “Carnavais,
malandros e heróis” (1981) publicada pela primeira vez no final da década de 70.

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Antropologia
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