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pentagrama Lectorium Rosicrucianum

Na filosofia quântica se fala sobre a realidade relativa e a absoluta. O budismo fala


igualmente a respeito dessas duas esferas de vida. No cristianismo original, no
Evangelho de João nós lemos: A realidade da libertação

Os harmônicos superiores do “Pai-Nosso”


No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. …
Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. … E a luz resplandece nas trevas, A criação é dupla
e as trevas não a compreenderam. O Minotauro, a alma e o eu

O Verbo é informação, a vida é energia, e a luz é conhecimento – portanto, Do saber à sabedoria


consciência. O Espírito divino, o Verbo divino, “pairava sobre as águas”, sobre a A Edda: A palavra sagrada original
vida divina, sobre o oceano original de todas as possibilidades.
Desse princípio gerador e receptor surge a consciência: como um reflexo da luz.
O ser humano leva em seu interior a informação criadora original da luz e da vida.
Se esse núcleo espiritual que existe dentro dele for tocado pela luz que brilha nas
trevas de sua ignorância, de seus apegos terrestres e de suas recusas, e se ele aceitar
essa luz, ele desaparecerá na coesão da filiação divina, realizará em si mesmo a
ligação entre o inferior e o superior e anulará a separação entre criatura e criador.
R$ 16,00

set/out 2010 número 5


Editor responsável
A. H. v. d. Brul

Linha editorial
P. Huis

Redatores
C. Bode, A. Gerrits, H.P. Knevel, G.P. Olsthoorn,
A. Stokman-Griever, G. Uljée, I.W. van den Brul

Imagens
I.W. van den Brul, G. P. Olsthoorn

Redação
Pentagram
Maartensdijkseweg 1 Revista Bimestral da Escola
NL-3723 MC Bilthoven, Países Baixos
e-mail: pentagram.lr@planet.nl Internacional da Rosacruz Áurea
Edição brasileira
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do homem renascido, do novo homem. Ele é também
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meio do qual o plano de Deus se manifesta. Entretan-
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realidade.O homem que realiza o pentagrama em seu
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M.B. Paula Timóteo, A.C. Gonçalez Jr.,
D.B. dos Santos, J. Jesus, A.R.R.Gomes, caminho da transfiguração.
N.M.M. de Soliz, M.S. Sader, R.D. Luz, F. Luz A revista Pentagrama convida o leitor a operar essa
Diagramação, capa e interior revolução espiritual em seu próprio interior.
D. B. Santos Neves

Terceira capa
H. Rogel

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autorização prévia por escrito

ISSN 1677-2253
pentagrama ano 32 número 5 2010

O que obstaculiza a percepção sumário


do verdadeiro mundo é a lenti-
dão do coração humano.
O homem tornou-se “pesado”
com todas as pressões e a realidade da libertação 3
impressões provenientes da j. van rijckenborgh
matéria, que lhe sobrecarregam a criação é dupla 8
o coração, e este, a muito custo, artista mago ou verdadeiro iogue 13
reage apenas às coisas da vida e do saber à sabedoria 18
às necessidades de seus seme- a palavra sagrada original 22
lhantes, de modo que os impul- a edda
sos internos da alma dificilmente os harmônicos superiores do “pai-
chegam até a consciência. nosso” 26
No presente número a revista Pentagrama tem o minotauro, a alma e o “eu” 30
como objetivo, mediante alguns artigos provocantes, ir além da terra 36
despertar o coração espiritual. De fato, graças a uma o livro de mirdad 38
consciência atuante é possível abalar sua lentidão, seu resenha de livro
peso, e distinguir com o olhar interior o perfil de uma
nova era e de um novo mundo. É desse modo que o
poeta romântico alemão, Friedrich Hölderlin, o percebe
em um poema escrito em 1796:

“Somos como um fogo que dormita


Na madeira seca ou no cascalho;
Lutando e buscando a cada momento
Pôr fim à estreita prisão.
Enfim, após ousar uma luta de séculos,
Chegam os momentos da libertação,
Quando o divino demole a prisão,
A chama liberta-se da madeira
E, vitoriosa, eleva-se em ondas
sobre as cinzas, ah!
Quando, como espírito liberto
Que triunfante voltou aos átrios solares,
Esquecemos os sofrimentos, a forma de servo.” Capa: Desenho celta numa estela antiga

a realidade da libertação 1 1
a realidade da libertação
A vida busca elevar-se, ascender, mudar de plano vibratório,
adentrar um novo campo. Um ser humano tocado por uma
vibração mais elevada pode ingressar no campo que se encontra
acima da dialética normal. Então, seu ser se modifica.

J. van Rijckenborgh

O
campo astral do corpo-vivo da jovem Gnosis caracteriza-
-se, considerado exteriormente, por meio de cor e vibra-
ção. Pode-se designar melhor a cor desse campo astral como
uma mescla de ouro e violeta, não o violeta avermelhado ou azulado,
mas uma cor absolutamente uniforme, muito específica, uma cor que
emite um resplendor violeta dourado. Sabemos que o ouro é a cor do
estado da alma renascida, de seu resplendor. É por isso que também
falamos de Rosacruz Áurea e cantamos a maravilhosa flor áurea. Há
muitíssimo tempo é sabido que o ouro, quanto ao seu brilho, natu-
reza e vibração, é comparado ao estado de renascido. Basta pensarmos
na antiga pintura primitiva. Por isso, também o Templo de Renova
está consagrado a essas duas cores, violeta e ouro. A cor violeta extre-
mamente pura é a cor fundamental do novo espectro, o da humani-
dade-alma, no qual a alma renascida, a flor áurea maravilhosa, pode
ser admitida num novo curso de vida. Em artigos precedentes, fala-
mos de um campo astral da natureza da morte e de um campo astral
do corpo-vivo da Escola Espiritual da Rosacruz Áurea, recentemente
construído. É possível que tenha parecido demasiado terreno consi-
derá-los existindo um ao lado do outro e, no entanto, apartados entre
si e protegidos de vários modos. Contudo, no tocante a isso, sem
dúvida, pensaremos de modo bem diferente ao considerar que se trata
aqui de uma questão de vibração. A substância sideral ou astral possui
uma escala vibratória que, na sétima região cósmica, vai de aproxima-
damente 450 trilhões a 700 trilhões de hertz (vibrações por segundo).
Essas são algumas cifras da Doutrina Universal. Dentro dessa escala
vibratória se manifestam os vários fenômenos astrais, formas e ativida-
des ligados à sétima região cósmica. Em cores, eles se expressam desde
o vermelho intenso, que é a vibração mais baixa, até o violeta azu-
lado, que é a mais elevada vibração no campo de vida dialético. As
radiações ligadas a tudo isso possuem, segundo a Doutrina Universal,
comprimentos de onda de aproximadamente 650 nanômetros (verme-
lho) até 450 nanômetros (violeta), sendo que um nanômetro é a bilio-
nésima parte de um metro. As vibrações mais rápidas possuem menor
comprimento de onda. Assim que esses limites de vibração e esses

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J. van Rijckenborgh é o fundador da
Escola Espiritual da Rosacruz Áurea.
Nessa Escola ele explica e comenta o caminho
de libertação da alma de todas as maneiras,
frequentemente com o auxílio de textos herméticos tal
como o Corpus Hermeticum

Pintura mural de Madikeri, Índia

a realidade da libertação 3
comprimentos de onda são ultrapassados em sen-
tido negativo, isto é, quando ocorre um retardo
ou enfraquecimento que se estende abaixo dos
limites da sétima região cósmica, sempre resulta
dissolução, desagregação, pulverização, explo-
são e morte, a morte por desintegração. E assim
que um ser humano ultrapassa esses limites em
sentido positivo, portanto para cima, em direção
à sexta região cósmica, ele entrará nessa região,
resultando daí outra forma de manifestação, que
indicamos por homem-alma. A passagem de um
campo para outro, da sétima para a sexta região
cósmica, acarreta infalivelmente uma transfigu-
ração; isso é um imperativo científico.
Se uma personalidade, um microcosmo, é sus-
tentada por uma vibração constante, o que faz
os veículos da personalidade permanecerem
concêntricos, em conformidade com esse fato,
determinada vitalidade é fornecida mediante as
faculdades disponíveis da personalidade, e, assim,
a vida é mantida por essa vitalidade. Quando
a personalidade se debilita, então, como disse-
mos, isso está ligado a uma diminuição na vibra-
ção vital. Em certo momento a vibração fica tão
enfraquecida e tão lenta que a personalidade já
não pode conservar-se no corpo e morre. Essa,
em síntese, é a causa da nossa morte corpórea.
A outra possibilidade é a de sermos tocados por
um campo cuja vibração é mais elevada do que
a que estamos acostumados. Trata-se então de
saber se somos capazes de responder a esse toque.
Se nos abrirmos a esse campo, se reagirmos posi-
tivamente, ele, de tempos em tempos, crescerá
processualmente em vibração. Em consequência
desse crescimento da velocidade vibratória que
ultrapassa a vibração normal da dialética, deve
resultar uma transformação de nossa entidade, do
microcosmo, do ser aural e, portanto, também
da personalidade.
Isso é a transfiguração. Ela é, em certo momento,
uma inevitabilidade científica para um ser
humano. No primeiro caso, a consequência é a
morte por supressão; no segundo caso é a morte
por renascimento. Dois modos de morrer na
esfera de vida dialética. Mas, como é grande
essa diferença! Uma das mortes significa as tan-
tas e tantas repetições do girar da roda do nasci-
mento e da morte. A outra morte sofre-se apenas

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Em certo momento, o fator tempo cessa também de
existir nessas regiões, e se desenvolve um novo estado:
a eternidade

uma vez. Passando por essa morte, ressuscita- são atravessadas e as radiações da Gnosis – isto é,
-se na vida eterna. Desse modo também deve do novo campo astral – penetram no campo de
ficar claro o que indicamos como o novo campo vida dialético, que é o campo do espaço-tempo.
astral da Escola Espiritual moderna. É um campo Em consequência disso, muitos que vivem nos
em que há concentração de substância astral no limites vibratórios da sétima região cósmica
qual atuam as vibrações cujo limite inferior está podem aproveitar com grande ânimo o afasta-
acima dos 800 trilhões de hertz, enquanto o mento dessa barreira e penetrar na sexta região
menor comprimento de onda aproxima-se dos cósmica. Com isso surge uma situação tal como
400 nanômetros. Se imaginarmos uma redu- a que nos é descrita, por exemplo, em As núp-
ção no comprimento de onda e uma elevação do cias alquímicas de Christian Rosenkreuz. Se tivésse-
número de vibrações, podemos formar uma ideia mos de comparar o novo campo vibratório com
das regiões cósmicas que estão acima da sexta. um templo iniciático, o que na verdade ele é, em
Em certo momento, o fator tempo cessa tam- dado momento também entram no santuário,
bém de existir nessas regiões, e se desenvolve um em razão da diminuição vibratória intencionada,
novo estado: a eternidade. A partir do que foi certo número de inaptos. Esses inaptos estão
dito anteriormente, também compreenderemos, muito inclinados a forçar um caminho para as
que um campo sideral que ultrapassa a sétima primeiras posições, e C.R.C., a princípio, sente-
região cósmica em vibração e comprimento de se decepcionado com o espetáculo.
onda é completamente inacessível para uma enti- Mas em seguida vem a “pesagem” dos candida-
dade da sétima região cósmica. O novo campo tos, a prova; em outras palavras, as vibrações do
astral da Escola Espiritual protege a si mesmo, campo templário voltam ao seu grau de intensi-
ele é inviolável em seu ser mais profundo. No dade anterior. A intensidade da vibração volta a
entanto – e podemos rejubilar-nos com isso – elevar-se e acusa quem não se sintoniza com essa
esse campo astral do corpo-vivo apresenta efeitos elevação. Os que não podem suportar essa força-
por meio dos quais aparentemente ele, de tempos -luz, em razão de seu estado de ser, e que, por
em tempos, se expõe a perigos. Podemos com- isso, são achados leves demais, devem abando-
preender isso melhor se imaginarmos uma flama nar o santuário. Todas essas flutuações vibratórias
que, de vez em quando, por uma razão qualquer, do novo campo astral têm por finalidade auxi-
se enfraquece e apresenta períodos de dimi- liar os que estão aptos para esse campo, são dig-
nuição da vibração luminosa. De fato, segundo nos disso e necessitam dessa diminuição para que
determinadas leis de periodicidade, um campo tenham a oportunidade de ingressar nos santos
astral gnóstico atrai temporariamente em suas átrios da renovação. Por isso, em muitos lugares
vibrações alguns enfraquecimentos intencionais da Bíblia está escrito que o Senhor da Vida vai
no comprimento de onda de suas radiações. É ao encontro do peregrino. Não devemos pensar
assim que as fronteiras da sétima região cósmica aqui numa figura venerável indo ao encontro de

a realidade da libertação 5
Todos os irmãos e irmãs da corrente gnóstica que nos
precederam estão sempre conosco e ao nosso redor e
nos enviam sua luz

um pobre e cansado peregrino, mas, sim, numa fraternidade anterior que assumiu a tarefa de
diminuição da vibração luminosa que envolve esperar por todos nós.
o candidato e o eleva ao novo campo de vida. Como foi mencionado, sempre existe uma fra-
Enfatizamos isso porque no mundo existe muita ternidade gnóstica da ordem temporal que, com
magia dialética que imita, por exemplo, com o o sacrifício de amor, prepara um lugar para todos
auxílio da música, esse trabalho de salvação da os que querem e podem vir. E esses guardiães
corrente gnóstica universal. Em vários templos não seguem avante com o grupo ao qual per-
mágico-dialéticos é produzido um som, som tencem, mas ficam para trás por amor dos que
que aumenta gradativamente em vibração para, vêm mais tarde. E assim também compreendere-
em seguida, decair, com a intenção de aprisionar mos as seguintes palavras de Jesus, o Senhor, no
certos grupos que estão no templo, acolhê-los Evangelho de João: ”Vou preparar-vos lugar…
num campo vibratório e conduzi-los a determi- vos convém que eu vá; porque se eu não for,
nados objetivos em regiões mais sutis da esfera o Consolador não virá para vós; mas se eu for,
refletora. vo-lo enviarei. Mas, quando vier o Consolador,
Provavelmente agora compreendamos algo do que eu da parte do Pai vos hei de enviar, aquele
grande sacrifício que a Gnosis e seus servos Espírito da verdade, que procede do Pai, testifi-
realizam no mundo. Quando um ser humano cará de mim”.
ultrapassou a fronteira do sétimo campo vibra- Do campo sideral dos guardiães das fronteiras
tório, já não é possível falar-se em estagna- parte uma vibração, uma radiação sintonizada
ção, pois ele prossegue cada vez mais alto no com todos os candidatos, com todos os que ver-
campo de luz e de vibração universal. Então dadeiramente se esforçam a fim de que, nova-
resulta uma vibração cada vez mais luminosa mente tocados pela radiação, apanhem a corda da
e potente, com resultados que apenas podem ligação para elevar-se do abismo da dialética. Por
ser avaliados aproximadamente em sentido isso, também lemos no Evangelho de João: ”E
matemático. Isso significaria que todos os que quando eu for, e vos preparar lugar, virei outra
viessem a seguir mais tarde não conseguiriam vez, e vos levarei para mim mesmo, para que
restabelecer a ligação com ele em consequên- onde eu estiver estejais vós também”.
cia do imensurável abismo que os separaria, Esperamos que o leitor compreenda esses ensi-
abismo em vibração e comprimento de onda. namentos da ciência gnóstica da salvação e
Por isso, sempre existe uma fraternidade gnós- reconheça que essa ciência sagrada foi e é apli-
tica ou um grupo dentro dela que se encar- cada em todas as eras. Quando aqui se fala do
rega de resguardar a ligação; seus membros são campo astral do corpo-vivo da jovem Gnosis,
designados como “os guardiães das fronteiras”. isso significa que, para todos os que sincera-
Nosso irmão e amigo senhor Antonin Gadal mente buscam a libertação, é novamente prepa-
foi um desses guardiães. Ele foi o patriarca da rado um lugar, um lugar inteiramente adaptado

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a nós e à nossa época. Também significa que
desse templo iniciático imaterial do irmão
Cristiano Rosa-Cruz parte, de novo, uma
radiação consoladora e auxiliadora que tudo
preenche. Se possuirmos a nova alma, seremos
habilitados, já agora, para uma existência em
dois mundos, isto é, na sétima região cósmica,
em razão do estado de nascidos nesta natu-
reza, e, pelo menos durante a terça parte das 24
horas do dia, no templo iniciático de C.R.C.,
em razão do estado de nascidos no campo astral
do corpo-vivo da jovem Gnosis. Tudo isso pode
ser comparado a uma exalação e a uma inala-
ção. Do novo templo iniciático gnóstico parte
diariamente uma radiação astral, um impulso
santificador, doador de força. Quem reage posi-
tivamente a esse impulso, quem com ele coo-
pera em dedicação diária e fiel, logo que chega
o sono do corpo é levado pela corrente inalante
ao templo astral gnóstico e experimenta com de tristeza, por causa da morte, é desproposi-
isso, ao despertar na manhã seguinte, a bên- tada, se nosso discipulado estiver sendo reali-
ção de encontrar-se carregado de forças puras zado com toda a sinceridade e se assim o tiverem
para poder seguir avante na senda. A ligação feito nossos parentes e amigos que já partiram.
da alma com o campo astral gnóstico torna- Conhecemos irmãos e irmãs da Escola Espiritual
-se, assim, cada vez mais íntima, cada vez mais que estão no campo astral da jovem Gnosis e lá
forte, até que se torne quase que indissolúvel, vivem numa maravilhosa juventude, ao passo
e isso também durante a vida diária do candi- que seus parentes, que aqui ficaram, caminham
dato. Permanecendo na sétima região cósmica, curvados sob grande tristeza, visto que ainda
ele habita, ao mesmo tempo, a sexta região cós- não compreenderam a maravilhosa e libertadora
mica, ele ultrapassou as fronteiras da morte. possibilidade e porque eles mesmos ainda não
Quem, mediante um discipulado verdadeiro e irromperam nessa resplandecente realidade.
sincero, obteve uma nova alma passou as fron- A tristeza é completamente desnecessária
teiras da morte! E assim, o que mais lhe pode em nosso meio. Entre essas duas espécies de
acontecer? Então, a morte do veículo mate- homem-alma, a com veículo dialético e a sem
rial já não é o esvaziamento do microcosmo, ele, é possível uma comunhão absolutamente
mas sim a libertação do que é material, ao passo viva. Mas, para prevenir qualquer influência da
que o essencial permanece na imperecibilidade. esfera refletora, é necessário que os homens-
Por isso, nessas circunstâncias, a morte natural -almas que vivem na terra se elevem à luci-
não traz separação. E desaparece toda a tristeza dez da alma, ao perfeito estar desperto, pois os
que sempre acompanha a morte dialética, bem que estão sem o veículo material já não podem
como a sensação de grande vazio, que muitas dar-se a conhecer, segundo a carne, nas esfe-
vezes é bastante forte. ras materiais, devido à já mencionada diferença
Assim, logo distinguiremos no corpo-vivo da de vibração e de comprimento de onda. Eles
jovem Gnosis somente homens-almas: uns sem dão-se a conhecer apenas por radiação. Quando
veículo dialético e outros que ainda o pos- nos reunimos com disposição para servir, todos
suem. Mas, entre essas duas espécies é possí- os irmãos e irmãs da corrente gnóstica que nos
vel uma perfeita convivência. Dizemos isso para precederam estão sempre conosco e ao nosso
que o leitor fique persuadido de que toda forma redor e nos enviam sua luz µ

a realidade da libertação 7
a criação é dupla
O mundo em que vivemos não é uma criação do Espírito original, porém
é possível haver uma recriação mediante força e luz – e isso será feito por
meio do homem! Para tanto, faz-se necessário o autoconhecimento, uma
compreensão total sob a forma de um reconhecimento, de um reencontro.
A autorrendição vem como consequência disso. Seguir o caminho não é
tão difícil nem complicado, porém trata-se, na verdade, de encontrá-lo.

A
criação é um processo duplo. Em uma daquilo que uma roda é: força, velocidade,
criação verdadeiramente divina, trata- movimento. As características não seriam as
se primeiro, do Verbo do princípio – habituais como as das formas externas, ajusta-
do arquétipo, e do sempre e indizível eterno, das umas às outras. Não, cada átomo da roda
o pai-mãe, a oniabrangente ideia – que per- seria (interiormente) uma roda!
manece Ele-em-si-mesmo, fora da criação: Se acolhermos essa ideia e voltarmos nossa
o eterno não-ser. Em segundo lugar, há força, a atenção a este mundo, concluiremos, imedia-
força que está em harmonia com o arquétipo tamente, que ele não é, ou ainda não é, uma
e mediante a qual o arquétipo pode manifes- verdadeira criação no sentido de uma criação
tar-se. O Espírito criador extrai essa força do do Espírito e da matéria. Em nosso campo de
caos, do oceano infinito da matéria original: vida, os átomos não são postos em movimento,
o ser eterno. Então é assim que acontece: surge com base no interior, pelo Espírito criador.
um arquétipo, uma ideia e um campo de vida, Bem, até certo ponto, pois do contrário não
que é uma possibilidade de manifestação dessa poderíamos falar de manifestação univer-
ideia. sal. Mas não é dessa forma que se origina um
“corpo-vivo desde o interior”, um corpo espi-
Há determinada desintegração, uma fissão de ritual. Um campo de vida é chamado à exis-
átomos da matéria original em correspondên- tência mediante uma preparação e uma fissão
cia com a ideia do Espírito. Dessa maneira, são da substância original. Podemos dizer que em
liberados elementos, todo tipo de átomos, de nosso campo de vida essa fissão, essa desin-
forças e possibilidades. Assim, podemos imagi- tegração de forças da matéria original, não é
nar que, nessa criação divina, de certo modo, perfeita, ou pelo menos ainda não o é.
reinam perfeito acordo e harmonia entre Em certo sentido, os corpos dos vegetais, dos
matéria e Espírito. O Espírito, a ideia cria- animais e dos seres humanos estão carrega-
dora, anima cada átomo a partir do interior e dos com determinada força e, portanto, vivem,
é uno com ele. No seu livro Filosofia elementar porém não são espirituais, isto é, não vivem
da Rosacruz Moderna, J. van Rijckenborgh ilus- com base no interior. A Doutrina Universal
tra isso com a seguinte imagem: pensemos por fala dos “espíritos luciferianos”, que, em con-
exemplo, na criação de uma “roda” verdadeira, junto com a humanidade em evolução, trou-
ou seja: a matéria primordial é assim real- xeram este campo de vida à existência. Talvez
mente desintegrada para que surja uma “roda”, nos seja possível imaginar como as imperfei-
sem que se trate de cubo, aro, raios etc. Não, ções desta criação impõem grande limitação,
todos os átomos que fazem que essa roda tanto para a humanidade como para os espí-
exista seriam então animados desde o interior ritos luciferianos, pois um espírito permanece

8 pentagrama 5/2010
indefinidamente ligado à sua criação. Para nós, seres humanos,
isso acarreta consequências de longo alcance. Primeiro: não nos
é possível possuir, interiormente, uma consciência real. A cons-
ciência somente se revela quando há colaboração entre matéria e
Espírito. Portanto, o que chamamos de consciência não é, em ver-
dade, consciência. Segundo: não temos nenhum domínio sobre
nosso próprio corpo, pois ele não vive pelo Espírito, do interior
de cada átomo, mas por meio de forças que vêm do exterior,
sobre as quais temos pouquíssima influência. Terceiro: vivemos
sob a ordem do bem e do mal. Grandes forças são desencade-
adas neste campo de vida, mas elas não atuam em cooperação
harmoniosa. Por isso existem as nuvens de bondade e de mal-
dade, formações gigantescas que se propagam, coletivamente,
no cosmo e no macrocosmo. O que quer que façamos, estamos
sempre atraindo um dos dois campos.

Aprofundemo-nos um pouco mais neste assunto. Comecemos


pelo que chamamos de nossa consciência. A Doutrina Universal
diz: onde matéria e Espírito se encontram aparece um foco de
encontro. Damos a esse foco o nome de alma, ou então de cons-
ciência. Em um ser verdadeiramente vivo nasce, portanto, uma
alma verdadeiramente viva, e desta, uma consciência verdadei-
ramente viva. Do ser e do não-ser nasce o ser-consciência. Ao exa-
minarmos mais profundamente esse “eu” que prezamos como
nossa maior posse, pelo qual vivemos e morremos, observa-
mos que, de fato, ele não passa de um fenômeno natural. Ele é,
essencialmente, uma propriedade da matéria – uma propriedade
ígnea – dos átomos de nosso campo de vida, no qual e pelo qual
vivemos. Se misturarmos hidrogênio e oxigênio e empregar-
mos o calor necessário, nascerá daí um fogo, e desse fogo, uma
luz. Se, em seguida, segundo determinada fórmula e de modo
preciso, pudermos acrescentar a esse processo os aspectos etéri-
cos e astrais, então surgirá um fogo muito peculiar – o fogo da
consciência. E desse fogo da consciência irradiará então a luz da

a realidade da libertação 9
cons-
ciência. dimento
Nossa cons- perfeito, um
ciência atual não reconhecimento,
é o fogo do Espírito, um encontro, assim
nem uma consciência verdadeira, como João que avistou Jesus vindo
porém um fenômeno natural, o resultado “da outra margem do Jordão”. O caminho
engenhoso de um processo ígneo natural. Não não é difícil nem complicado, mas é difícil
é nada mais nada menos que uma propriedade encontrá-lo. Pode exigir várias vidas huma-
dos átomos da matéria deste mundo. nas. Mas, por que isso acontece? Porque nos
“Quem não nascer da água e do Espírito não pode deparamos com o que podemos chamar de os
entrar no reino de Deus.” ( João 3:5) três principais obstáculos inerentes à nossa vida
Em outras palavras, pode acontecer uma trans- atual:
formação no ser humano, uma criação total- 1. ausência de verdadeira consciência;
mente nova, pela qual é construído um novo 2. impotência sobre o próprio corpo;
homem com luz e força. Mas, uma questão 3. a vida sob a ordem do bem e do mal.
se impõe: Como isso pode acontecer? Neste Em outra palavras, quem quer encontrar
artigo falamos sobre uma ideia profunda o caminho encontrará uma tríplice força
em relação a Espírito e matéria, a consciên- adversa: em sentido microcósmico, no seu
cia do homem, sua vida, seu mundo. E volta- próprio pequeno mundo; cósmico, no mundo
mos sempre à mesma conclusão: é preciso que que o cerca; e macrocósmico, no universo do
aconteça em nós uma mudança fundamental. qual faz parte.
A questão é: por onde começar? O caminho inicia com o milagre, com a sub-
Pois bem, para tanto é necessário autoconhe- missão ao toque da Luz: o milagre do evan-
cimento. Trata-se unicamente de um conhe- gelho. Ele começa com João, o homem que
cimento objetivo a respeito de nós mesmos. busca e aspira. Ao mesmo tempo, nasce Jesus,
Não se trata, portanto, de um conhecimento o espírito de Luz em nós. Então, João “encon-
formado por milhares de pedacinhos de um tra Jesus às margens do Jordão”: a Luz começa
quebra-cabeça, de milhares de pensamentos a agir em nós. Depois, as núpcias: a água é
e emoções que sempre, e com muita dificul- transformada em vinho. Forças renovadoras
dade, tentamos encaixar em um tipo de com- são liberadas.
preensão que percebe que verdadeiramente A seguir, acontece a entrada em Jerusalém,
“tudo é uma só coisa”. Trata-se de um enten- a subida ao Gólgota, a crucificação, a

10 pentagrama 5/2010
A criação do homem por
Prometeu, que o dotou com
os atributos do archote
de fogo. Jean-Simon
Berthélemy, e Jean-Baptiste
Mauzaisse, 1826

ressurreição na manhã de Páscoa e a ascen- não seja empregada para esse único objetivo,
são ao céu. Mistério indizível e capaz de des- ela se conserva e não diminui. “Essa força
dobrar-se em nós. Então soam as palavras: permanece intacta”.
“Convém-vos que eu vá” ( João 16:7). E as escrituras sagradas dizem que “nesse
O caminho da Escola Espiritual tem uma caso, essa força é utilizada sobre a terra, na
dimensão cósmica, sim, uma dimensão terra ou debaixo da terra”. O que acontece,
macrocósmica. Por quê? Por causa da cria- então? Os seres humanos invocam a força-
ção, essa criação na qual vivemos, que é um -luz, porém não a utilizam para o objetivo
todo. Tudo está interligado. De nós, mortais, almejado. Portanto, ela é invocada, porém
até as mais elevadas esferas do universo, tudo não é utilizada. Desse modo, surge na atmos-
é um. Não é somente o primeiro obstáculo, fera algo como nuvens, formações que exis-
a falta de consciência verdadeira, que se opõe tem com base tanto em uma mistura de bem
a nós. A cada segundo somos também atra- e mal, como de força-luz. Essas nuvens, essas
ídos pelo cosmo e o macrocosmo. Isso se dá formações gigantescas, que concentram cada
da seguinte maneira: o ser humano é duplo. vez mais força, eram chamadas de “éons” na
Ele está ativamente carregado de forças natu- antiguidade.
rais dialéticas, porém também possui um Ora, esses “éons” extraem a força-luz da
núcleo espiritual original. Isso significa que atmosfera e a absorve. Quando um buscador,
ele pode irradiar seu extravio como um cha- com verdadeiro anseio por força-luz renova-
mado magnético. E, do campo da verdadeira dora da vida, a invoca e atrai, ela começa a
vida que tudo envolve, sustenta e penetra circular em seu ser. Contudo, como se fosse
vem uma resposta. Continuamente, a cada por um forte ímã, surge uma reação imediata
segundo. Portanto, seu chamado é ouvido e dos éons, que se esforçam por extrair dele a
atendido. força-luz. Portanto, os éons “roubam” a força-
Esta é a razão pela qual, de segundo em -luz de cada ser humano, mediante a atra-
segundo, uma irradiação de força-luz sempre ção magnética que emana deles. Podemos ler
chega em nosso campo de vida apartado do extensamente sobre isto na obra de Valentino,
mundo original: ela é atraída e invocada pelo O Livro do Salvador. O Evangelho da Pistis
núcleo espiritual em nós! Sophia.
Essa força-luz é força de vida, o material de Dessa forma vimos, rapidamente, o tríplice
construção do novo campo de vida. Ela só obstáculo diante de nós. Ficou claro que nossa
pode ser utilizada para a formação do ser consciência não é a verdadeira consciência;
humano divino original. No entanto, caso nosso corpo, que parece ter vida, não tem

a criação é dupla 11
Há um imenso processo de purificação e de recriação até
nos recantos mais distantes do cosmo infinito

vida desde o interior; a atmosfera não mostra Da mesma forma, aparecerá um dia diante de
ser a atmosfera da vida verdadeira, e sim um nós a essência mesma desta Escola, sua obra de
turbilhão de forças que sempre arrebata nossa salvação do mundo e da humanidade, como
força-luz. É por isso que o processo de ressur- uma luz irradiando uma potente força lumi-
reição evangélico precisa tornar-se cósmico, nosa, da qual não podemos fazer a mínima
pois não é apenas o homem que deve ser ven- ideia, pois seu brilho ofusca nossos olhos.
cido, mas também o cosmo. Eis porque Jesus “Eles viam apenas uma luz que emitia mui-
diz: “É de vosso interesse que eu parta. Vou tos raios. […] num grande e imensurável ful-
preparar-vos um lugar”. Em seus comentários gor que se estendia da terra até o céu.” Esta é
no livro Os mistérios gnósticos da Pistis Sophia, J. a luz do Décimo Terceiro Éon, o mistério da
van Rijckenborgh escreve sobre esse processo. Fraternidade universal. Nesta Escola não se
No evangelho Pistis Sophia a Luz nos fala trata senão de uma única coisa: a força de luz
diretamente. No primeiro capítulo, Jesus, a que juntos podemos liberar. Trata-se da luz
Luz, diz as seguintes palavras “Por isso os dis- que é enviada do campo de luz do Décimo
cípulos pensavam que dentro desse mistério Terceiro Éon a todos nós como grupo de
(o mistério da cruz) nada mais existia.” Isso alunos. Há, pois, um imenso processo de
significa que os discípulos – isto é, o homem, purificação e de recriação até nos recantos
com todos os seus talentos e poder cognitivo mais distantes do cosmo infinito. A Escola
– não conseguem, de início, ver nem enten- Espiritual da Rosacruz Áurea tem aí sua raiz e
der que o processo que neles teve início acar- nela se eleva.
retará consequências inconcebíveis. Porém, Tudo, absolutamente tudo, começa no pró-
eles são envolvidos por uma luz de brilho prio homem. Tudo começa com o autoco-
extraordinário que lhes revela que ao mis- nhecimento, o conhecimento de que tudo
tério da cruz se seguiria o que denomina- é uma só coisa. Desse conhecimento, nasce
vam plenitude e total perfeição. “No décimo a autorrendição. A autorrendição é um pro-
quinto dia da lua no mês de Tybi, no dia da cesso que envolve aspectos humanos, cósmicos
lua cheia, quando o sol seguia sua trajetória, e macrocósmicos. Não se trata de uma luta
surgiu por trás dele uma potente força lumi- contra si mesmo, uma luta difícil e perdida já
nosa que brilhava de maneira tão extraordi- de antemão, mas de uma reversão inteligente
nária que era ilimitada a luz que estava ligada do homem, segundo o espírito, a alma e o
a essa força. Porque ela provinha da Luz das corpo, voltada para o princípio espiritual ori-
Luzes e do último mistério […] E essa força ginal divino. Trata-se da aniquilação da cria-
luminosa desceu sobre Jesus, envolvendo-o ção luciferiana, tendo em vista sua elevação e
por completo […]” sublimação na Luz única que tudo abarca µ

12 pentagrama 5/2010
artista mago
ou verdadeiro iogue
Para o homem ocidental estressado, a ioga é um método popular para descontração e
relaxamento. Mediante movimentos e exercícios respiratórios, ele tenta controlar o estresse
e chegar a um equilíbrio interior. Ele age como o mago artístico, que controla o sofrimento
na natureza com a natureza, reconciliando-se, assim, de modo mágico com a vida na natureza
terrena. O iogue verdadeiro eleva-se acima do sofrimento existente na natureza mediante uma
ligação com o campo de vibração divino. Ele se reconcilia de modo mágico com a vida divina
original e, por isso mesmo, se torna uma bênção para as outras pessoas.

J. van Rijckenborgh

M
uitos visitaram o Oriente para assis- hipnóticas. Todos esses exercícios põem as glân-
tir às práticas miraculosas e mágicas dulas endócrinas numa condição tal que, em
dos faquires. Foi assim que os faquires seguida, a vontade bem exercida do artista con-
se tornaram motivo de todo tipo de especula- trola esses órgãos, o que lhe dá domínio com-
ção e de narrativas, ao passo que, no Ocidente, pleto de todo o corpo, das faculdades mentais
numerosos movimentos ocultistas tentam até o corpo físico.
imitá-los. Podemos ter grande admiração pelo esforço,
O título “faquir indiano” não deve ser tomado pelo controle e pelas privações que esses homens
literalmente. Esses “artistas magos” podem ser impõem a si mesmos, sobretudo pelas provas que
encontrados em quase todos os países orientais, dão de sua arte, mas nossa admiração não ultra-
sendo a Índia o seu berço. Dali, eles se espalha- passa a que temos pelos artistas que, em cena,
ram, sobretudo nos países árabes, onde foram andam em suas bicicletas de cabeça para baixo.
bem sucedidos em suas demonstrações. Ninguém pensaria associar a prática desses
No entanto, do nosso ponto de vista, não ginastas com uma missão divina. Também não
damos crédito a esses homens, pois eles nada podemos fazer dele um ginasta mago.
têm em comum com o verdadeiro iogue ori- O erro cometido por muita gente é compreensí-
ginal, porém nós os qualificamos simplesmente vel, pois o artista mago está, devido a sua profis-
de “artistas magos”. No fundo, eles em nada são, tão à vontade na esfera refletora quanto na
diferem dos artistas da telepatia e do hipno- esfera material terrena. O desenvolvimento de
tismo, que se apresentam nos teatros, nem tam- sua secreção interna ampliou-lhe a consciência,
pouco dos que se apropriam do nome de Jesus e, graças a isso, ele se exibe com sucesso como
Cristo a fim de camuflar suas práticas. mago, intérprete de sonhos, vidente.
É fato que, para obter-se e manter-se certo O preço dessa exibição é que esses artistas magos
domínio artístico, é necessário muito treino e têm, acima de tudo, de se forçar e torturar, con-
anos de esforços diários. Os artistas da magia tinuamente, para adquirir e manter a compe-
não são exceção. Para atingir seu objetivo, eles tência artística. Eles esfaqueiam-se, caminham
se entregam, diariamente, a todo tipo de exer- ou deitam sobre camas cheias de pregos ou
cícios respiratórios, durante os quais assumem de outros objetos perfurantes e menos suaves.
posturas especiais e submetem o corpo a mani- Eles fazem para si um travesseiro de alfinetes e
pulações particularmente dolorosas, enquanto enfiam espinhos ou tachas no corpo, enquanto
abandonam-se a diversas e rigorosas atividades que, com o auxílio de pequenas fogueiras,

artista mago ou verdadeiro iogue 13


A ioga original é o sistema universal da transfiguração.
É o processo de libertação da humanidade que, nas escrituras
sagradas do cristianismo, é indicado como “renascimento”

tornam-se insensíveis ao fogo. Sem dúvida, O artista mago é o homem que se reconci-
percebereis qual é o objetivo desses tormentos: lia de modo mágico com a vida terrestre, e
alcançar o domínio sobre a matéria. seu exemplo representa terrível perigo para os
É possível que percebais certa relação remota outros. O iogue verdadeiro é o homem que se
com um de nossos rituais templários que diz: reconcilia de modo mágico com a vida divina
“Antes que os olhos possam ver, devem ser original e assim, por sua atividade, se torna
incapazes de chorar; antes que os ouvidos pos- uma bênção para outros.
sam ouvir, deve ter-se tornado insensível às Assim, descobrimos que, para alcançarmos a
impressões da vida inferior; antes que a voz verdadeira essência da ioga, devemos liber-
possa falar em presença da Luz, deve ter per- tar-nos totalmente da condição de artistas
dido a possibilidade de ferir; antes que o dis- magos. Esta última é uma degenerescência
cípulo possa erguer-se em presença da Luz, da primeira. No caminho para a Luz, é pre-
seus pés devem ter sido lavados no sangue do ciso vencer outros sofrimentos que não os
coração”. do corpo. Aqui se trata da dor da alma, cau-
Com efeito, há certa relação entre o homem sada por um mundo perdido e diabólico e da
que se eleva acima do sofrimento deste miséria da humanidade desencaminhada e
mundo mediante a transfiguração e o faquir obscurecida. O berço da ioga não se encontra
em seu sofá. Existe um parentesco entre o na Índia. A ioga original é o sistema universal
homem que derrama o sangue do coração da transfiguração, é o processo de libertação
pelo mundo e a humanidade e o mago que da humanidade. Esse sistema foi designado na
mete a faca de açougueiro entre as costelas terminologia sagrada oriental como “ioga” e
para dar demonstração de seu adiantamento. na linguagem sagrada do cristianismo como
Há certa relação... mas, entre ambos, existe “renascimento”. E o homem que era bem-
um abismo profundo. -sucedido na prática desse conhecimento da
O mago artístico domina o sofrimento da transfiguração era chamado de “iogue” na
natureza com a ajuda da natureza. Por isso antiga Índia, quando o bramanismo ainda não
ele se torna, mais do que nunca, uno com a se havia tornado um culto dogmático.
natureza. Todavia, o iogue verdadeiro eleva- O aluno-iogue é um aluno da nova escola
se acima de todo o sofrimento da natureza de consciência ocidental que segue o mesmo
mediante uma ligação com o campo de vibra- processo de desenvolvimento, isto é, uma
ção divino, deixando, em seguida, sua natureza nova união com a vida divina original.
divina ser aprisionada pela natureza terrestre, a Enquanto o aluno da escola oriental dará a
fim de mostrar às almas humanas extraviadas o isso o nome de “nova união com Brahma”,
caminho para a Luz. o aluno da escola ocidental falará de um

14 pentagrama 5/2010
encontro com o Cristo “nas nuvens do céu”, quanto à mentalidade, à natureza de desejos,
no novo campo de vida. à consciência sanguínea e a todo o comporta-
Então, a ioga verdadeira não tem nada a ver mento corpóreo. Essa atitude de vida constitui
com uma postura especial do corpo, com exer- o fundamento da vida verdadeira. Não se trata
cícios respiratórios e com a secreção interna? de um comportamento antissocial, mas de um
Certamente que sim, e isto não é, de modo comportamento que toca profundamente cada
algum, um segredo que precise ser desvendado. fibra do corpo humano quádruplo.
O aluno iogue escolhe uma atitude de vida de Quando o aluno-iogue chega a essa atitude
modo consciente e responsável. Um compor- de vida, ele começa a respirar de maneira cor-
tamento que manifestamente se distancia da reta. Por seu comportamento, cujo protótipo
vida comum e que pode ser considerado estra- encontra-se descrito no Sermão da Montanha,
nho. Essa atitude de vida estabelece exigências o aluno liga-se a uma nova atmosfera, uma

artista mago ou verdadeiro iogue 15


nova atmosfera espi- relativa à antiga vida
ritual que se expressa aparente. O artista
numa totalmente mago segue um
diferente substância caminho de sofri-
etérica. Tão logo essa mento na antiga vida,
ligação seja realizada, o antigo templo é reno-
o aluno começa a respi- vado e oferece mais sere-
rar nesse novo campo de nidade. O iogue, porém,
vida. Essa respiração, esse orienta-se para a cons-
alento, essas “línguas de fogo”, trução do templo de Deus,
como diz a Escritura Sagrada, que é “para os homens” e “dos
penetram os sete campos de vida, des- homens”, como é dito no livro do
pertam e coordenam tudo o que ali se encon- Apocalipse.
tra. A antiga sabedoria denomina essa vida na Podeis ler no livro As núpcias alquímicas de
comunidade de “participar do alento do Um, Christian Rosenkreuz o que sucede aos artistas.
do Único.” A Escritura Sagrada fala, muito claramente,
Uma vez que passe a respirar nessa atmosfera, sobre o que acontece ao iogue verdadeiro. É
o aluno compreende e vivencia o que significa importante averiguarmos, no mais profundo
transfiguração. Tudo o que é profano e ímpio de nosso ser, quanto possuímos de artista ou
em todo o sistema microcósmico sétuplo é de iogue, e até que ponto estamos prepara-
dissolvido, e um novo templo é edificado. dos para a construção do verdadeiro templo e
Esse novo templo se eleva, ao mesmo tempo para a demolição do antigo. A secreção interna
em que o antigo é demolido. O antigo templo tem certo papel a desempenhar nessa demo-
pode ser demolido e o novo deve ser erguido lição e renovação. Os órgãos endócrinos são
em “três dias”, em três períodos, conforme é representantes materiais de centros de for-
dito pelo Senhor de Toda a Vida. ças. Esses órgãos têm uma função fisiológica e
Trata-se de uma atividade maravilhosa e, ao também podem ser úteis quando alguém quer
mesmo tempo, de uma via-crúcis. É viver ter certa consciência da esfera refletora. Mas
e morrer ao mesmo tempo. Trata-se de um eles têm, igualmente, importante papel na
sofrimento que não é causado por tachas. É transfiguração.
uma alegria durável que se eleva bem acima Os centros de força da natureza são, então,
de uma experiência artístico-mágica bem- desintegrados para que o processo, segundo o
sucedida. É uma ressurreição da vida verda- qual “o Outro deve crescer, e eu, diminuir”,
deira na verdadeira vida, e a morte é apenas não seja estorvado.

16 pentagrama 5/2010
A esfera aural irradia o prana de cor áurea,
e uma chama violeta arde sobre o santuário

A magia da natureza humana conhece tão um cordão com pequenas e diferentes pedras
somente duas atividades endócrinas: a ativi- para determinar o número de preces. O desli-
dade física e a atividade física superior. Existe, zar contínuo das contas ou pedras desse rosário
contudo, uma terceira atividade que se desen- por entre os dedos era um meio de manter-
volve no próprio alento do Um e com a qual o -se em ininterrupta concentração nas orações.
aluno-iogue trabalha. Um iogue clássico disse Contudo, esse colar de pedras ou pérolas não
certa vez: “No alento do Um o aluno eleva-se passa de uma banalização: é apenas o aspecto
à magia divina, e a magia divina faz do homem exterior de uma verdade original. Nunca se
uma divindade, um filho do Pai. Qualquer encontrará um rosário nem outro tipo de
magia humana, pelo contrário, sempre cria um adorno simbólico entre as posses de um iogue
novo demônio”. verdadeiro. Não obstante, ele possui um rosá-
Com base nisso, compreendemos, também, a rio com pedras preciosas resplandecentes,
qualidade do verdadeiro iogue que é acolhido uma grinalda de rosas que olhos comuns não
pelos filhos da ioga, após terem percorrido o podem ver: são os centros de força do novo
caminho. Todos os princípios do corpo quá- ser, do corpo celeste que teve sua gênese em
druplo terrestre inferior desapareceram. Sua Deus e nele está protegido. Os centros de força
esfera aural irradia o prana áureo, e uma chama irradiam como uma coroa de louros na esfera
violeta arde sobre o santuário. Isto é uma ima- aural do peregrino que percorreu a senda da
gem da Fraternidade da Vida com Cristo. transfiguração até o fim.
Então, há uma consciência capaz de vivenciar Os livros sagrados falam, de forma velada, de
a bem-aventurança dessa Fraternidade da Vida um rosário de 108 ou de 1008 contas. Qual
em toda a sua dimensão. é a razão desses números? Para compreendê-
Esse processo é simbolizado pelo rosário dos la, é preciso conhecer um pouco do segredo
iogues, que é composto de 103 ou 108 con- dos números. O número 108 é o símbolo do
tas. Muitos devem conhecê-lo, sem dúvida. mago divino que, com o auxílio do Senhor, em
Na Igreja Católica Romana, ele serve como obediência deliberada, avançou até o trono da
método organizado de preces. Copiando o graça e realizou sua origem divina em forma,
exemplo do Oriente, ele teria sido introdu- ação e verdade.
zido no Ocidente por São Domingos, em Quando, tendo esta imagem diante dos olhos,
1221. Entre os católicos há um rosário com o verdadeiro rosário dos iogues tornar-se uma
150 contas e um menor de 50 contas. A ambos posse pessoal nossa, ele será de grande ajuda
foi atribuído certo valor simbólico, servindo diária. Conquistaremos a coroa da magia
de base para meditação. O rosário dos antigos divina. Teremos então vencido a natureza
ermitões e místicos orientais compunha-se de terrestre µ

artista mago ou verdadeiro iogue 17


do saber
à sabedoria
Um dos grandes problemas do buscador é que ele compreende
bem a mensagem libertadora que lhe é dirigida, mas nada faz com
ela. A lentidão da consciência-eu é um obstáculo. Somente a ação
transforma o saber em sabedoria.

A
fé, tal como é entendida pela Escola força incrível. A ideia ilusória e trágica é que
Espiritual, é uma força visionária gostamos mais de nossa personalidade-eu
restauradora. Quem experimenta perecível do que de nosso ser verdadeiro,
uma viva ligação entre uma consciência justamente o que prende o ser humano a este
purificada e a radiação de Cristo em seu mundo relativo. Desse modo nos impedimos
coração também experimenta ao mesmo de encontrar nosso ser verdadeiro e perma-
tempo uma crescente e firme convicção, necemos longe de nossa autorrealização. Mas
no sentido de um conhecimento que é será que existe realmente uma maneira de
totalmente próprio do ser humano: um transferir a direção de nossa vida para um
conhecimento que traz consigo novas e ser interior eterno, pertencente a um mundo
imprevistas possibilidades de criação. Por absoluto?
meio da física quântica, hoje sabemos que
uma fé inequívoca pode influenciar até Um dos grandes problemas do buscador
mesmo as combinações moleculares. Paulo é que ele compreende bem a mensagem
realmente não estava exagerando quando libertadora que lhe é dirigida, mas nada
afirmou que “a fé pode remover monta- faz com ela. A lentidão da consciência-eu é
nhas”. Em sua biografia, o cineasta, diretor um obstáculo; ela o leva a fazer de si “um
e roteirista alemão Clemens Kuby também ouvinte, mas de modo algum um prati-
confirma isto: “Tudo é possível – até mesmo cante da Palavra”, como o expressa Paulo.
a cura total que se baseia em nada mais do Somente a ação transforma o saber em
que a fé na cura”. A todos os milagres de sabedoria. Prolongadas conexões neuronais
cura relatados no Novo Testamento aplicam- mantêm o homem-eu numa corrente do
-se as palavras-chave: “Tua fé te salvou”. A pensamento negativo, e o sofrimento segue
fé, na qualidade de relação íntima com o cada pensamento negativo – assim como
campo espiritual de Cristo ou “matriz do uma carroça segue os bois que a puxam.
mundo absoluto” em nós e à nossa volta, é Ignorância, apego e recusa são os três obs-
efetivamente uma força visionária. Sua ação táculos que comprovadamente obumbram a
criadora nos impulsiona à transformação e lucidez da mente e são conhecidos de todas
nos leva a abandonar o mundo onde tudo é as religiões que transmitem a sabedoria.
relativo. De forma semelhante, nossas cren- Já no Antigo Testamento o profeta Oséias
ças atuais bastante arraigadas – crenças que lamenta: “Meu povo é destruído por falta
ajudam nossa personalidade-eu a alimentar de conhecimento”. Hermes também já
sua concepção de mundo e o que é evidente verificava: “O único pecado do homem é
e inquestionável para ele – possuem uma que ele não conhece a Deus”.

18 pentagrama 5/2010
Nesta pintura de Rafael, sábios discutem sobre ciência e conhecimento…

do saber à sabedoria 19
… enquanto que
o conhecimen-
to verdadeiro é
revelado a uma
alma pura (a
criança)

Pesquisas isso, os
recentes grandes
sobre o em
cérebro espírito
demonstra- sempre se
ram que o ativeram a
apego constitui essas palavras:
grande obstáculo “Tornai-vos
para o crescimento silenciosos,
espiritual. O condi- interiormente
cionamento e a auto- silenciosos, abri-vos, e
afirmação, pela incessante o Outro fará seu trabalho
matraca da roda de orações de em vós”.
nosso eu que, sempre e de novo, reflete
a tagarelice neuronal de nossa mentalidade, No processo de “tornar-se silencioso”, a
são certamente os maiores obstáculos a serem “verdadeira resignação” como a chama Jacob
removidos. Nosso eu é realmente o único e Boehme, na calma interior e na aceitação,
grande fardo do qual temos de livrar-nos. vemos com acuidade cada vez que nosso “eu”
A esse respeito, a autora budista Ayya Khema quer manter-se ou persistir.
fala sobre esse assunto com leveza e experiên- Quando nossa mente alcança a quietude e
cia própria: “Sem o eu a vida é muito sim- o silêncio, então a ignorância, o apego e a
ples”. E podemos libertar-nos desse grande recusa, assim como todos os outros obstá-
fardo por meio de discernimento e quietude, culos espirituais, se desintegrarão gradual
graças à grande ajuda que nos é oferecida pelo e seguramente, e a compaixão, a lucidez e
campo mediador de Cristo – essa matriz com o espaço ilimitado da verdadeira natureza
uma vibração sempre crescente. do espírito se revelarão. Nesse momento, as
forças curativas do amor podem fluir, pois
A FORÇA CURATIVA DO SILÊNCIO INTERIOR da fonte criadora de nossa alma emana, de
A negação e a recusa de um desenvolvimento modo espontâneo, uma compaixão ilimitada
necessário, ou ainda a hostilidade contra por todas as criaturas que sofrem na prisão
outrem, reforçam os padrões neuronais de suas ilusões. A verdadeira alma não
e levam a um endurecimento de nossas conhece a separação. O ser humano – pelo
construções mentais. Uma forte obstinação menos o buscador que está ganhando força
bloqueia nosso crescimento espiritual. Por de alma – começa a aplicar a regra áurea do

20 pentagrama 5/2010
evangelho: “Amarás o teu próximo como hierarquicamente – ou seja, o Verbo, a Vida
a ti mesmo. Tudo aquilo que quereis que e a Luz – referem-se à consciência desperta
os homens vos façam, fazei-o vós a eles”. E do homem alma-espírito. Esse ser humano
para a pergunta hesitante “Quando, onde?”, vive e respira nas vibrações de luz do mundo
há apenas uma resposta: “Sempre e em absoluto – já que nada mais pode alimentá-
qualquer lugar”. lo. Os outros quatro aspectos relacionam-se
O amor é o único bem que aumenta quando com os poderes da alma e das faculdades
é espalhado e distribuído. Em seguida, ouvi- corporais da nova personalidade espiritual
mos as palavras do Sermão da Montanha: em desenvolvimento.
“Todo aquele, pois, que escuta estas minhas A construção de um novo homem espiritual
palavras e as pratica, assemelhá-lo-ei ao implica evidentemente na demolição da
homem prudente, […] E aquele que ouve antiga personalidade terrestre. Esse processo
estas minhas palavras e as não cumpre, de autorrealização desenvolve-se sob a
compará-lo-ei ao homem insensato, que direção da alma espiritual despertada em
edificou a sua casa sobre a areia.” total conexão com as leis divinas da criação.
Além disso, no processo de se tornar Surgem então novas dimensões espirituais
silencioso descrito por Goethe como um como “o novo pensar”, que substitui o
voluntário “morrer e ser”, podemos sentir mental condicionado do ego, removendo,
a grande promessa contida nas palavras de assim, a barreira da ignorância. A nova
Cristo: “Quem perder a sua vida (na rea- sensibilidade espiritual substituirá também a
lidade relativa) por amor a mim, achá-la-á antiga sensibilidade, desaparecendo, assim,
(na realidade absoluta).” Encontramos uma a sede de viver, a busca pela satisfação dos
promessa semelhante no Corpus Hermeticum: desejos e os apegos.
“Quem vence a si mesmo vence o micro- Equilíbrio, harmonia e equanimidade pre-
cosmo e o macrocosmo, e transcende todos enchem então a alma. Uma nova força vital
os limites”. E Buda expressa a mesma coisa: etérico-material vai aos poucos substituindo
“Quem vence mil exércitos não é nada a antiga força, que antes era desperdiçada no
comparado a quem vence a si mesmo”. mundo da relatividade criado pelos sentidos.
Do mesmo modo, vai surgindo uma nova
CRISTO E A NOVA FORÇA NA ATMOSFERA percepção interior e uma nova faculdade
A Doutrina Universal sempre enfatiza que imaginativa. Maravilhosas consequências
Cristo, o protótipo do homem espiritual não se fazem esperar: surge uma nova
perfeito, removeu a separação entre os dois atitude de vida, que vem naturalmente com
mundos, conciliando-os. Cristo fez surgir as novas faculdades, e também desaparece
um estrato atmosférico, um campo de novas tudo o que possa impedir o desenvolvimento
forças vitais puras e espirituais, uma “matriz subsequente do processo. A força de amor de
informativa”, que, como luz, como potencial Cristo é a mediadora que torna possível essa
inesgotável, não somente preenche o mundo nova criação.
absoluto, mas também penetra o mundo Precisamos tomar consciência de como nossa
relativo. época é plena de graças! De um lado, vemos
Seu espírito universal não está somente as situações apocalípticas planetárias; de
presente nas dimensões divinas do Verbo, outro, estamos no limiar de um salto quân-
da Vida e da Luz; além disso, ele construiu tico para uma consciência espiritual. Este
“uma ponte de libertação” capaz de inspirar mundo da relatividade serve-nos de ponte
diretamente os pensamentos, os sentimentos, que devemos atravessar. Ele capacita-nos a
as experiências e as ações dos seres huma- alcançar a consciência e a nobreza de nosso
nos de modo espiritual. Os três aspectos verdadeiro ser. Mas não é sobre essa ponte
superiores da matriz sétupla construída que devemos construir nossa morada! µ

do saber à sabedoria 21
Inúmeros mitos, das mais diversas civilizações,
chegaram até nós. Eles oferecem antigas
representações sobre o surgimento do mundo,
sobre a atividade das forças da natureza, dos deuses,
e do destino após a morte. Assim, a Edda, com
suas imagens poderosas, era o meio de expressão
apropriado para o “vidente” contemplativo
que estava ligado a Deus transmitir vivências e
conhecimentos interiores aos buscadores daquela
época que para isso estavam abertos.

a palavra
sagrada original
Os mitos reunidos na Edda (coleção poética
antiga em norueguês) falam sobre os
mistérios do desenvolvimento do mundo.
A Edda transmite a verdade universal em
diversas imagens que correspondem ao
poder de imaginação de quem a lê. Uma
parte dos textos que constam na Edda
faz com que a força evocadora de suas
representações míticas se torne acessível ao
poder de compreensão atual.

Q uando estudamos o desenvolvimento


espiritual da Europa, verificamos
que seu ponto de partida pode ser
fixado em 2500 a.C. A partir dessa época até
1000 a.C., os árias, arianos ou indo-europeus
estabeleceram-se na Ásia Menor, Pérsia e
Índia. Um simples correr de olhos no mapa
nos mostra a amplitude dessa extensão geo-
gráfica. Apesar de terem culturas e línguas
diferentes, havia – e ainda há – certa unidade
que podemos observar ainda hoje. Ao lado dos
mitos e deuses tradicionais, podemos deter-
minar correspondências incríveis no cadinho

22 pentagrama 5/2010
região céltica

línguas indo-europeias
línguas indo-europeias
países bálticos
línguas indo-europeias línguas eslavas

formador de inúmeros povos. O deus supremo


era Diaus, Deivos. Dessa raiz indo-européia
provém o “Deus” latino, o “Zeus” grego, o
“Div” persa e os “Tiuz”, “Tyr”, “Tir”, “Ziu”,
“Tiv” e “Tiwaz” germânicos. Há outros para- línguas romanas
línguas indo-iranianas
Armênia
Tocariano
lelos evidentes entre as mitologias germânica e Anatólia
línguas romanas

indiana. Os deuses originais chamavam-se, em Grécia


Albânia
germânico, “wanen” e, em indiano, “veda”. línguas eslavas

Eram deuses naturais e fecundos que logo


desapareceram, substituídos por uma nova
trindade divina: os “Æsires” Odin, Vili e Ve,
ou os indianos Brahma, Shiva e Vishnu. A Somente a partir de 1000 d.C., até 1100 d.C.
ascensão de Odin – que originalmente era o os homens livres adotaram o cristianismo
deus da tempestade – até tornar-se o soberano com certa reserva, por ser vantajoso para
dos deuses corresponde à ascensão de Indra eles do ponto de vista material. Do ponto
e de Varuna, que apresentam muitas seme- de vista político, um povo comerciante sabe
lhanças com Odin. Sua respiração, seu alento, que é mais vantajoso ser considerado amigo e
é o vento. Ele é o “inventor” das palavras e cristão. Também vale mais ter uma só crença
da linguagem. Também é ele quem faz com que o unifique, a fim de preservar a sociedade
que o sol se levante, assim como a lua e as da luta pelo poder e das divisões que dela
estrelas, que produzem luz obedecendo a sua decorrem. Como viquingues, esse povo
lei. É nessa época que se começa a dar uma deixava-se batizar, ao mesmo tempo em que
expressão oral ao mundo dos deuses nórdicos conservava suas convicções antigas, endos-
germânicos; quando, nas festas e reuniões sando oficialmente a roupagem de cristãos.
da população, as pessoas começam a recitar Em muitos conglomerados comerciais essas
poemas e entoar canções em sua honra. duas religiões existiam de maneira pragmá-
As tradições passaram para a forma escrita tica lado a lado. Na Suécia, foi encontrado
somente após a cristianização, realizada por o molde de um colar de ouro com motivos
missionários, e da introdução da escrita por justapostos da cruz cristã e do martelo do
eles. De fato, a escrita foi introduzida depois deus Thor germânico.
da expansão do direito romano. Os hinos e os
poemas da Edda da Islândia são considerados A Edda, UMA COLETÂNEA DE MITOS
como os menos falsificados, uma vez que esse NÓRDICOS GERMÂNICOS Até hoje as
país ficava muito distante e era autônomo. crenças dos povos nórdicos germânicos nos

a palavra sagrada original 23


chegam com esse nome. O termo “edda” mais tarde, o islandês Snorri Sturluson, que
tem parentesco, no indo-europeu, com os também era bispo e homem de Estado, reuniu
termos “veda”, “avesta” e significa “a palavra uma segunda coletânea, redigida em prosa:
sagrada original”. Esse termo também pode a Edda mais nova – ensinamentos míticos que
significar “a mãe original”, “a mãe ancestral”, descrevem as atividades dos deuses. Trata-se
porque geralmente eram as mulheres mais de um manual destinado aos jovens poetas e
velhas, plenas de sabedoria, que transmitiam cantores, para servir de base para seus poemas
a mensagem sagrada e antiga por meio do e canções. Com isso, os poemas pagãos dos
“hino da mãe original”. Essa mensagem é um antigos germânicos ficaram carregados de
testemunho do início da criação, da evolução ideias cristãs.
dos deuses e dos homens, de seu declínio e de A Edda, com suas imagens fantásticas, for-
sua renovação. Esses mitos remontam a um necia ao buscador, ao vidente que estava em
período que se situa entre 2500 e 1000 a.C., ligação com Deus, o meio de transmitir a
quando, em sua imaginação, os homens ainda seus contemporâneos as ideias e experiências
não dintinguiam o mundo em um mundo interiores. Desse modo, sempre estariam
terrestre e um mundo divino. despertos em sua alma a lembrança do mundo
Quando, no século IX, Carlos Magno impôs dos deuses originais, o modo como o cosmo
aos germanos que adotassem a fé cristã, mui- terrestre surgiu e o destino dos deuses e dos
tos noruegueses emigraram para a Islândia. homens. Trata-se sempre de uma verdade
Eles levaram consigo seu tesouro: sua fé, universal, única, que oferece vários tipos de
profundamente enraizada em seus deuses. As imagens que correspondem ao entendimento
imagens míticas transmitiam o quanto eles se dos ouvintes.
mantiveram sensíveis a seus deuses e o quanto
eles participavam plenamente das atividades O QUE RESTOU DOS MITOS Voltemos, ainda
e manifestações deles. A Edda, em parte que superficialmente, aos mistérios antigos.
verso e em parte prosa, é uma das fontes mais Na Suécia, ainda há o costume de se plantar
diversificadas que comprova os mitos e heróis uma velha árvore protetora (“vardträd”)
nórdicos germânicos. O bispo Sämundar, próxima às fazendas. Muitas dessas árvores
que trabalhou na Islândia por volta de 1100 ainda são tidas como monumentos da natu-
d.C., foi o primeiro a reconhecer o tesouro reza. Hoje, as pessoas já se esqueceram do que
que representavam esses hinos, em versos, essas árvores representavam antigamente: elas
dedicados aos deuses e heróis. Ele reuniu-os simbolizavam a árvore original, Ygdrasil, a
sob o título de Edda antiga. Quase um século árvore protetora, divina. O mesmo acontece

24 pentagrama 5/2010
Os deuses que naufragaram em nós aguardam
que nos elevemos ao conhecimento

com a festa de Santa Lúcia, no solstício de antigos mistérios. Seu tesouro está oculto nas
inverno. As jovens vestiam-se de branco e profundas camadas de nossa herança micro-
traziam na cabeça candeias iluminadas – cósmica. A estrutura do nosso corpo e o cres-
expressão de seu anseio pela verdadeira Luz e cimento de nossa consciência são o resultado
do fogo da consciência. Os testemunhos em dos impulsos espirituais e divinos que provêm
pedra como as tumbas, os dólmens e menires do longínquo passado. Eles continuam a atuar
megalíticos do Norte, assim como as pedras em nós, mesmo quando não os reconhecemos.
rúnicas dos períodos mais tardios – ainda são Cada um de nós se tornou um “eu”. Outrora,
numerosos em toda a Europa. Das estruturas éramos o palco das forças espirituais; agora
que restaram, as mais célebres são as de nos tornamos individualidades. Ao olhar
Stonehenge, na Inglaterra, e Externstein, no orgulhosamente para nosso “eu”, tornamo-
noroeste da Alemanha, assim como muitas -nos cegos. Renegando as forças espirituais
pedras em forma de navio, espécies de originais, nosso Pai e Mãe, renegamos em nós
observatórios astronômicos e locais onde a a divindade, renegamos a presença de Deus
população se reunia. Nas runas da pedra de em nós. Assim, o relacionamento entre Deus
Lund, vê-se Odin na goela do lobo Fenris: e o homem foi perturbado. Assumir a respon-
seria uma representação do final do mundo. sabilidade de nossa terra significa, portanto,
Alguns nomes da semana fazem referência reconhecer o humano e o divino e sua mútua
aos antigos deuses. Encontramos o deus Thor relação. No momento em que restabelecer-
em “Donnerstag” (Donar/Thor) em alemão, mos essa relação de modo correto, o estado
“Torsdag” em norueguês e “Thursday” em de nossa terra se renovará também. Nosso
inglês. Odin/Wotan se encontra no inglês despertar como individualidades fará com que
“Wednesday”, no sueco “Wodansdag” e no nos tornemos responsáveis. Nossa colaboração
norueguês “Onsdag”. é exigida para levar à perfeição o divino e o
humano e também, por fim, a natureza ligada
A EDDA, UM LIVRO PROFÉTICO? Nossos ances- aos dois. Os deuses que naufragaram dentro
trais também tinham consciência de que, na de nós esperam que nos elevemos ao conhe-
batalha final – no “Ragnaroque” –, Vidar cimento. Eles querem oferecer-nos a intuição
conquistaria o lobo Fenris, as influências ativas e querem que, juntos, nos elevemos ao reino
das antigas forças. do Espírito, depois de termos mergulhado tão
Toda a Europa e o mundo inteiro entraram profundamente na matéria. Os mitos reunidos
em uma fase de revolução cósmica a partir na Edda falam dos mistérios do desenvolvi-
da Era de Aquário. Já não há como voltar aos mento do mundo µ

a palavra sagrada original 25


26 pentagrama 5/2010
os harmônicos superiores
do “Pai-Nosso”
O Pai-Nosso em aramaico

Abwun d’bwachmaia
Netkadech chemakh
Teitei malkutakh
Neghwei tzevianakh aikanna d’bwachmaia af b’arah
Havlan lakhma d’sunkanan iaoumana
Wachbuklan khaobwein (wakhtaghain) Aikanna
daf khnan chwokhan l’khaiabein
Wela taghlan l’nechiuna,
Ila patzan min bicha
Metul dilakhie malkutha wahaila watechbukhta,
l’aghlam almein,
Amein
Evocação.Vista no alvorecer da Criação © Leigh McCloskey.

Mattheus 6:9-13 (Bíblia Sagrada)

Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome;

venha o teu reino; faça-se a tua vontade, assim na terra como no céu;

o pão nosso de cada dia dá-nos hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas,

assim como nós temos perdoado aos nossos devedores;

e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal

pois teu é o reino, o poder e a glória para sempre.

Amém

os harmônicos superiores do “pai nosso” 27


Abwoen d’ bwasjmaja. Tradução com uma inspiração
completamente diferente de Neil-Douglas Klotz, de
acordo com o estudo do texto em sírio-aramaico.

NOSSO NASCIMENTO NA UNIDADE

Ó causa de todo nascimento, Radiante, tu brilhas em nós e fora de nós.


Pai-Mãe do cosmo, Brilhas mesmo nas trevas
Crias o movimento universal. quando nos recordamos de ti.
Ó tu, que insuflas vida em tudo,
Criador da suave vibração que nos toca. Nome dos nomes!
Ó tu, alento de todos os mundos, Nossa ínfima identidade esclarece-se em ti.
ouvimos-te inspirar e expirar E tu no-la dás de volta, como uma missão.
no silêncio. Ação sem palavra, poder silencioso!
Origem do universo; Quando olhos e ouvidos despertam,
No ruído e no estrondo, o céu aproxima-se.
nas brisas ou nas violentas tormentas, Ó tu, causa de todo nascimento,
ouvimos o teu nome. Pai-Mãe do cosmo!

EXPLICAÇÕES
A oração começa pela expressão da criação Sem dúvida alguma, a origem desses dois
divina e a bênção que inspira toda família. significados indica a riqueza do aramaico, que
No antigo Oriente Médio, o radical “ab” permite sublimes jogos de palavras. Por conta
refere-se à frutificação, a tudo o que a fonte do misticismo, da sonoridade e das letras,
da unidade faz germinar. Esse radical foi próprias do aramaico e do hebreu, a palavra
empregado na palavra aramaica “abba” – “abwun” remete, para além das nossas diversas
pai – mas seu sentido original, não ligado à interpretações de masculino e feminino, a
geração, ainda está presente na sonoridade um processo de nascimento cósmico. Nesse
dessa palavra. E como “Abwun” – pai bioló- contexto, podemos distinguir quatro fonemas
gico – deriva da raiz “ab”, é, pela sua origem, na palavra “abwun”:
menos ligada à geração direta, de modo que
se pode traduzi-lo por “antepassado divino”. “A” é o absoluto, o ser único, a unidade e a
“Abwoen” tem, por conseguinte muitos união puras, fonte de toda força e estabilidade
significados possíveis. “Bwn” refere-se ao (que ressoa na antiga e santa sonoridade
processo da paternidade ou maternidade, do “Al” e da palavra aramaica para Deus:
a potencial presença, aqui e agora. Em “Alhaha”, literalmente a Unidade).
aramaico a letra “b” pode também ser
pronunciada “w”, pode representar o som “bw”: invenção, criação, afluxo de bênçãos
“b” ou “w”. Um especialista em aramaico, o provindas dessa unidade.
reverendo Mar Aprem (1981) observa que o
mesmo radical “ab” aparece para pai bioló- “u” é o sopro do Espírito que traz esse fluxo,
gico ou pai espiritual, dependendo da tônica o som da respiração que contém todas as
colocada sobre o “w” (biológico) ou sobre forças que hoje chamamos de ar, magnetismo,
“b” (espiritual). eletricidade. Esse som está relacionado em

28 pentagrama 5/2010
A vibração e a palavra que conhecemos como
unidade – o nome de Deus – não é nada menos
que o universo ou cosmo

aramaico com “ru-a-ca quo-desh” que foi e recebidos com grande cuidado. O sinal ou
traduzido como “Espírito Santo”. o nome de “abwun” engloba todo o universo.
O fim da palavra, “aia”, significa que essa
“n” é a vibração dessa força criadora, do sopro radiação engloba cada atividade, cada lugar
da unidade, quando toca e penetra comple- que vemos, tudo o que é possível. “Chemaia”
tamente uma forma material, uma substância exprime literalmente que a vibração e a
capaz de ser tocada, posta em movimento palavra que reconhecemos como unidade – o
e transformada por ela. Essa sonoridade nome de Deus – não é nada menos que o
transmite um eco da terra, e o corpo vibra ao universo ou cosmo. Essa era a interpretação
mesmo tempo quando pronunciamos a palavra “do céu” aramaico. Essa palavra é encontrada
por completo: em muitas falas de Jesus, mas geralmente é
mal compreendida. Em grego e nas línguas
“A-bw-u-n” modernas a palavra “céu” é um conceito
metafísico fora do processo de criação. É fácil
A seqüência exprime o movimento de compreender para o espírito ocidental como
toda criação divina. Em “d’bwachmaia” uma única palavra pode aparentemente ter
encontramos a raiz principal no meio: tantos significados diferentes. É assim que o
“chm”. Dela provém a palavra “chem” que místico do Oriente Médio via o mundo µ
pode significar luz, som, vibração, nome ou
palavra. A raiz “chm” remete “à tudo o que
se cria e brilha no espaço”, a esfera total de Fontes:
um ser. Nesse sentido, vosso nome é vossa Douglas-Klotz, N. Gebeden van de kosmos: Meditaties over het Onze
posse, vossa sonoridade, vossa vibração ou Vader in het Aramees (Orações do cosmo: Meditações sobre o
esfera. Anteriormente, os nomes eram dados “Pai-Nosso” em aramaico), Haia-Londres: Sufi Publications, 2005.

os harmônicos superiores do “pai nosso” 29


o minotauro,
a alma e o eu
Os seres humanos estão sempre em busca da sabedoria e da verdade. A verdade nunca se
ocultou dos homens: são os homens que se escondem dela. Então, eles deixam-se conduzir pelo
Minotauro, o touro, o instinto de autoconservação. Quem percorre o labirinto para confrontar-
se com seu próprio Minotauro deve manter-se no triângulo do conhecimento, do amor e da
ação. Em razão disso, ele compreende o mundo e verifica a unidade original de tudo e de todos.

Alocução feita no Templo principal de Haarlem

N
ós falamos da sabedoria aos que estão de Deus, predeterminada por toda a eterni-
amadurecidos para ela. Não se trata dade para a nossa glorificação. Encontramos
da sabedoria deste século, nem da dos essas palavras na Primeira Epístola de Paulo
grandes deste mundo, pois estas são transitó- aos Coríntios. Todos nós estamos em busca da
rias e perecíveis. A sabedoria sobre a qual fala- sabedoria e da verdade. Mas nenhuma sabe-
mos é como um segredo: é a sabedoria oculta doria é o resultado de determinadas ideias e

30 pentagrama 5/2010
A VERDADE E A VIDA

conceitos. Basear a verdade sobre tais ideias O caminho, a verdade e a vida são apenas uma
e conceitos é completamente inútil, porque, única e mesma coisa, são três palavras represen-
quando estes desaparecem, a verdade desapa- tando uma única realidade. A sabedoria deste
rece com eles! século e desta terra, como diz Paulo, não é a
Jesus, o ser que despertou em Deus, disse: verdadeira. A sabedoria verdadeira e divina é,
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. ao mesmo tempo, a verdade e a vida em uma

o minotauro, a alma e o eu 31
A verdade nunca pode ser um
conhecimento mental abstrato,
porém vida, em última instância,
também nossa vida e nosso ser

única realidade. A sabedoria verdadeira não é, a ideia de que nós, como egos, seríamos indiví-
pois, um saber abstrato ou mental, nem infor- duos independentes e autônomos é um grande
mações reunidas e depositadas no banco de erro. Ele abandonou essa ideia para sempre. Esse
dados de nosso cérebro. A inteligência é uma processo é chamado “endura” em nossa Escola
ferramenta necessária. A sabedoria é um pre- Espiritual: a diminuição progressiva da existên-
sente de Deus para nós e ilumina nosso ser com cia egocêntrica. A essência da sabedoria reside
suas inspirações acalentadoras, que vêm das pro- na Gnosis, na Luz espiritual onipresente. Sim,
fundezas de nosso coração e culminam em luz e a verdadeira sabedoria é total tolice aos olhos e
vida. A sabedoria gnóstica é loucura aos ouvi- aos ouvidos deste mundo. Ela não é a sabedo-
dos e aos olhos deste mundo. ria deste século, nem a sabedoria temporal; nem
Na antiguidade, os grandes sábios eram cha- a sabedoria dos assim chamados grandes deste
mados profetas e videntes, muitas vezes des- mundo. Os grandes e os séculos passam, e, com
critos ou representados com uma venda sobre eles, sua sabedoria.
os olhos. Um vidente com uma venda sobre A venda sobre os olhos do vidente tem, por-
os olhos, eis aí um paradoxo curioso. Isso não tanto, profundo significado. Sem essa venda,
quer dizer que o sábio ou o vidente não vejam nós nos perdemos no labirinto autocriado
este mundo: ele o percebe e penetra melhor deste mundo. Essa venda é um atributo e um
que qualquer um de nós. Pode-se dizer que ele símbolo da “endura”. A verdadeira visão, a
já não é tocado pelas coisas deste mundo e, de visão espiritual, é impossível sem essa venda.
certa forma, está cego para elas, porque as con- Se o aluno quiser despertar um dia para a ver-
templa a partir de um plano superior. Seus sen- dadeira sabedoria, ele deverá, primeiro, ter
tidos terrestres estão quietos, como que cegos, os olhos vendados, e em seguida fazer calar
enquanto seus sentidos espirituais estão bem todos os seus pensamentos, desejos e ambi-
despertos. O sábio já não está embaraçado nas ções orientados para a matéria e para seu ego.
redes da existência material. Ele faz na terra o Exteriormente, ele desempenha as funções
que deve ser feito. Em seu coração, ele segue as mais necessárias da existência terrena da per-
sugestões recebidas da Luz e permanece cego sonalidade, mas, no que concerne ao resto, ele
ou mudo, com a venda sobre os olhos e os aquieta-se e permanece silencioso – a voz da
ouvidos fechados no que concerne às sugestões sabedoria somente é percebida no silêncio. O
de seu “ego”, se ele ainda recebê-las. Ele con- “eu” diminui, e ele, o Outro em “mim”, o ser
templa a unidade original de tudo e de todos original verdadeiro, esse “eu” na condição de
em Deus. Ele acabou com a ilusão da existência verdadeiro filho de Deus, sai do segredo, des-
separada como ego, ou melhor dizendo: é o ser perta para sua verdadeira existência, ergue-se,
original nele que a eliminou. E reconheceu que finalmente, do túmulo.

32 pentagrama 5/2010
Agora, surge a pergunta: o que está em primeiro Havia algo como um chamado, uma nostal-
lugar em nossa vida? Não é uma pergunta super- gia, momentos de anseio inexplicável, às vezes
ficial, porém, uma questão vital. Ela é determi- de conhecimento, mas não podíamos comuni-
nante, assim como a fórmula de Shakespeare: car isso a ninguém, ficávamos calados e íamos
“ser ou não ser”. Ao acordar, no início de um ficando mais velhos. Crescendo, restava a
novo dia, o que surge primeiro em nossa cons- chance de que o anseio inexplicável não per-
ciência? Boas surpresas ou desapontamentos manecesse para sempre oculto nos escaninhos
que o novo dia nos trará ou que o dia ante- da existência.
rior nos trouxe? Os problemas existentes ou os Mas essa joia oculta no coração não se deixa
que ainda estão por vir? As coisas que rejeita- silenciar à medida que o tempo passa. Eis por
mos, as quais não queremos, ou as que gostarí- que há tantos acontecimentos em uma vida
amos: situações desagradáveis, agradáveis, nossa humana. E, finalmente, nós nos encontra-
saúde, nossa segurança ou insegurança material? mos aqui, juntos, no templo da Rosacruz, no
O que está em primeiro lugar em nossa vida? templo da sabedoria, da verdade e da vida; no
Talvez o desejo insaciável por verdade, pela vida templo em que recebemos a força para seguir
verdadeira, nosso anseio profundo por verdade e o caminho. “Eu sou o caminho, a verdade e a
liberdade? Não como fuga espiritual, mas por- vida”, essas palavras de Jesus ressoam em nosso
que não se pode fazer de outro modo. Claro que coração. Nós não deixamos a joia ser enter-
podemos pensar em todo tipo de métodos para rada sob as camadas geológicas desta terra; nós
exercer determinado pensamento e fazê-lo pre- reagimos ao chamado, nós não abandonamos
valecer. Mas, o caminho para a sabedoria liber- o anseio maravilhoso e o vago saber de nossa
tadora, para a verdade divina, não é nenhum infância.
método, nenhum exercício, nenhuma técnica – E agora indagamos: O que ocupa verdadeira-
associada à falsa sabedoria deste mundo. Nosso mente o primeiro lugar em nossa vida? Uma
ego possui um inteiro sortimento de ciladas. reflexão silenciosa possivelmente fará surgir a
J. van Rijckenborgh diz: o ser humano nasce resposta, fará com que ela se liberte da névoa
com o anseio pela verdade. Essa é a joia que da vida quotidiana e nos colocará, possivel-
desde seu nascimento já brilhava em seu coração. mente, pela enésima vez, diante do único obje-
Naturalmente há nisso muito do que o prece- tivo de nossa presença neste planeta. Trata-se
deu em encarnações anteriores. Não se “faz” um da descoberta da verdade relativa à existência
rosa-cruz, não existe um método para “fabricar- universal, à nossa própria existência, e realizar
-se” um deles. Ele nasce na condição de buscador essa verdade em nossa própria vida, mediante
da realidade. Essa busca é uma saudade indefiní- nossa própria vida. Nós sabemos que a ver-
vel que irradia do coração como uma vaga lem- dade jamais é um saber mental, abstrato; a ver-
brança já presente na infância. Muitas crianças dade encontra-se na vida e, finalmente, em
sentem e vivenciam isso, mas não sabem o que nossa vida e nosso ser. A verdade nunca esteve
fazer com essa sensação, com esse sentimento oculta para os seres humanos, são eles que se
profundo. Isso nos recorda algo? Momentos escondem dela – como o declara uma antiga
maravilhosos da infância, momentos em que máxima: “existem milhares de véus entre o
sentíamos que havia algo mais na vida, algo a homem e Deus, mas nenhum véu entre Deus
mais do que se via, ouvia, e estava simbolizado e o homem”. O homem volta as costas para a
em todos os cantos. verdade. A Escola Espiritual quer ajudá-lo, e

o minotauro, a alma e o eu 33
quer ajudar o buscador, estimulá-lo, incitá-lo a de ação para converter em atos concretos o
voltar, com cabeça e coração, para a Luz. amor e o conhecimento. Lembremos do triân-
Todos nós somos buscadores da verdade, e gulo que é formado por amor, conhecimento e
existe em nós uma sede inextinguível de sabe- ação. Essas três palavras que estão gravadas na
doria libertadora. Sabemos, no mais profundo pedra comemorativa de nosso grão-mestre no
de nós mesmos, que “o caminho, a verdade e a jardim das rosas de Noverosa. Em seu próprio
vida” são uma única e mesma coisa. Buscamos labirinto, Teseu triunfa sobre o touro, a força
a verdadeira realização da vida e aspiramos, impulsionadora do instinto de conservação, do
como diz Paulo, “à sabedoria de Deus, des- egocentrismo. Ele soube manejar a espada que
tinada em toda eternidade para nossa glória”. lhe foi dada pelo amor. O fio da inteligência,
Ninguém, dentre nós, pode dizer que ele, ou do conhecimento e da percepção clara foi-lhe
ela, tenha chegado a essa glorificação. A pala- confiado à entrada do labirinto, e indica-lhe
vra “chegar” ou “ter conseguido”, aliás, não agora o caminho de retorno para a liberta-
nos coloca no bom caminho. ção. Eis uma indicação muito profunda: antes
E para nós soa o chamado: “Não vires as cos- de entrarmos no labirinto para a confrontação
tas à Luz!” No entanto, por que isso nos acon- com nosso Minotauro pessoal, devemos encon-
tece tão frequentemente? Uma única palavra, trar-nos no triângulo. O amor verdadeiro, o
uma única observação, uma situação, e oscila- amor impessoal está na base do triângulo. É o
mos no turbilhão de nosso “ego”, o qual gira amor divino que brilha desde o imo de nosso
mitas vezes à toda velocidade. Mas, não vire- coração e é, ao mesmo tempo, a base e o prin-
mos as costas à Luz, não retornemos aos nos- cípio ativo do campo de força vivente e oni-
sos velhos caminhos. Ousemos colocar a venda presente da Escola Espiritual. Os dois outros
sobre os olhos e abrir para a Luz os órgãos de lados do triângulo, que se elevam a partir do
percepção interior. Desde criança, o fio de amor, são a compreensão clara, ou conheci-
Ariadne já nos foi estendido, não o larguemos mento, e a força de ação. Esses três dons divi-
jamais. Conhecemos a lenda clássica do fio de nos estão à nossa disposição imediata, aqui e
Ariadne. Não falaremos sobre ela, mas esclare- agora, isso é algo incontestável. Temos unica-
ceremos alguns elementos. Há, pois, um labi- mente de ousar manter-nos, realmente, nesse
rinto: o caos e a confusão de nossas percepções triângulo. Goethe diz de maneira marcante
e reações sensoriais, o dédalo de nossas cobiças em seu Fausto: “O que herdastes de vossos
e ambições e, acima de tudo, o emaranhado pais herdastes para possuí-lo”. Podemos tra-
de nossas ideias e impulsos. Além disso, eis zer conosco a herança divina de nosso Pai, ela
Teseu, o homem chamado pela Luz, terrivel- está à nossa disposição, mas isso ainda não quer
mente ameaçado pela força terrestre localizada dizer que a possuamos verdadeira e conscien-
no centro do labirinto, o fogo fundamen- temente. Ainda devemos torná-la totalmente
tal do ego: o touro, o Minotauro, o poderoso nossa e testemunhar, por nosso comporta-
instinto de autoconservação. Há, também, mento, de que ela se tornou realmente nossa
Ariadne, o amor que é estendido ao busca- posse íntima. Nós a possuímos quando nos
dor da libertação, Teseu, o filho da inteligên- confiamos totalmente a ela. Temos de aban-
cia e do conhecimento interior. E ela, Ariadne, donar completamente a força de gravidade de
dá-lhe a espada com a qual ele poderá matar nossa antiga vida pelo que há de mais profundo
o Minotauro, a espada que representa a força em nosso coração. Nessas profundezas divinas,

34 pentagrama 5/2010
O olho é o símbolo
da consciência, mas a
consciência microcósmica
não é o fim da viagem

encontra-se a resposta à questão: o que ocupa alguém fora de nós mesmos, é a espada que
o primeiro lugar em nossa vida? Se quisermos golpeia o antigo ser em nós; não é o “eu” que
abandonar a antiga vida em proveito da vida na abate o “eu” – como se o “eu” pudesse fazê-
verdade, na liberdade e na luz, a resposta é evi- lo – mas a espada pode obter a vitória sobre
dente. Na antiga vida, trata-se de nosso “eu”. ele no labirinto do ego. Nossa resposta não
Podemos centrar-nos nela e utilizá-la como pode ser outra senão a rendição total e cons-
bem o quisermos. Nela o ego é o eixo ao ciente de nós mesmos ao triângulo luminoso
redor do qual tudo gira, ele relaciona tudo a si do amor, da compreensão e da força; ou do
mesmo, pois, em suma, essa é sua razão de ser. amor, do conhecimento e da ação. A fonte
Com os olhos fixados no Minotauro, pensa- desse triângulo está situada no mais profundo
mos em outra passagem onde se fala de uma de nosso coração, lá onde se encontra a nova
espada: no terceiro capítulo do Evangelho de força de gravidade de nossa vida. Seu antigo
Mateus, lemos: “Não cuideis que vim trazer ser é substituído, uma consciência totalmente
a paz […], mas a espada”. A falsa interpreta- outra ressuscita, não tendo absolutamente
ção dessas palavras é fantástica! Incompreensão nada em comum com a antiga consciência
por ignorância, mas também voluntária, de egocêntrica. A nova consciência é cósmica
maneira não ortodoxa, para justificar a violên- e não comporta um “eu” em seu centro, ela
cia – da violência mental até a violência física possui um único foco central – o microcosmo
– para forçar o desaparecimento dos preten- renascido – uma consciência única e univer-
sos erros e, se isso falhar, utilizar a espada para sal. Nós conhecemos bem antigas ilustrações
varrer o “erro” da superfície da terra. Servir-se mostrando seres alados totalmente cobertos
da palavra “espada”, sobretudo no sentido lite- de olhos por dentro e por fora. As asas são a
ral, sempre esteve muito presente na história e imagem do fogo das linhas de força lumino-
até os dias de hoje. “Eu não vim trazer a paz, sas do microcosmo; e os olhos, o símbolo da
mas a espada”. No caminho da libertação, não consciência, sobretudo o olho no interior do
há doçura nem paz para o ego; não há lugar triângulo. Mas a consciência microcósmica
onde o “eu” possa, enfim, repousar, expondo- não é o fim da viagem. O desenvolvimento
-se ao sol da “luz gnóstica”. Não existe “liber- divino tem um fim? A consciência microcós-
tação para o eu”, mas libertação do “eu”. mica imerge na consciência cósmica divina, e
É para isso que Jesus nos estende a espada esta imerge na consciência macrocósmica, na
– ele mesmo é a espada, a força do homem consciência universal µ
divino ressuscitado que venceu o touro no
centro do labirinto. Essa espada nunca é diri- Nossos agradecimentos a Hans Pollack (Áustria) pelas ilustrações
gida contra outrem, contra alguma coisa ou do “Minotauro” e da “Visão”.

o minotauro, a alma e o eu 35
“A humanidade tem de elevar-se da terra,
alto na atmosfera, e mais além.
Somente então compreenderemos
completamente o mundo em que vivemos.
Sócrates, filósofo grego, século 5 a.C.
resenha de livro: o livro de Mirdad

mikhaïl naimy,
repleto de amor
A cultura refinou a natureza humana. O que lhe falta, porém, é um
crescimento espiritual voltado para o objetivo último da existência
do homem. Sem esse objetivo fundamental, o ser humano está
condenado à autodestruição. Essa convicção ressoa em toda a obra
de Mikhail Naimy e, como não poderia deixar de ser, também em
O livro de Mirdad. Esse livro é um testemunho do profundo desejo de
superação, de um anseio repleto de amor.

M
ikhail Naimy nasceu no Líbano em 1889. Encontramos essa mensagem espiritual em
Aprendeu russo em Nazaré. A partir de todas as suas obras, mas especialmente em O
1906, estudou literatura na Ucrânia e, livro de Mirdad, publicado em Beirute em 1948
posteriormente, de 1911 a 1916, em Washington. e, em 1954, em Mumbai (quando ainda se cha-
Foi nessa cidade que fundou a Pen Society, uma mava Bombaim), na Índia, e posteriormente
associação de escritores árabes na América do em vários países.
Norte, juntamente com seu amigo Khalil Gibran, A essência de seu pensamento é que o cosmo
o autor de O Profeta, entre outros livros. Com inteiro, assim como a própria vida, é uno e
uma obra consagrada, Naimy ainda hoje é uma indivisível. O todo é sempre maior do que a
referência como autor de muitos livros e ensaios soma de suas partes. Por isso, a análise empre-
sobre literatura árabe. Em 1931, quando seu gada pela ciência jamais pode penetrar a ver-
amigo Gibran faleceu, retornou ao Líbano. dade plena, porque ela reduz, ao invés de levar
Mikhail Naimy estava convencido de que a cul- a uma síntese.
tura refinou a natureza humana. O que falta ao Somente o ser interior do homem pode com-
homem, porém, é um crescimento espiritual vol- preender a essência das coisas, dos homens e de
tado para o objetivo último de sua existência. todo o universo. Trata-se, portanto, de adqui-
Sem esse objetivo fundamental, o ser humano está rir uma consciência cósmica, de tornar-se uno
condenado à autodestruição. com a vida absoluta.

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Entre o homem profano, “que está fora” – antiquíssima. Negando-se a aceitar Mirdad –
pois ainda não penetrou na essência – e o ser um estranho que chegara após a morte de um
humano cósmico, interior, situa-se a “Escarpa dos monges – acabou por admiti-lo somente
Rochosa”, como diz Naimy em O livro de como servo. Mirdad desempenhou esse papel,
Mirdad. A Escarpa Rochosa é a via-crúcis do mantendo-se em silêncio durante sete anos.
homem. Trata-se de uma escolha: ou viver Após isso, ele ministrou ensinamentos a seus
para acabar morrendo, ou morrer segundo o companheiros, o que desagradou ao abade.
ego para poder viver na realidade da alma. Influenciados por Mirdad, os monges entre-
garam todas as suas riquezas e abandonaram o
Em todos os seus livros, o autor une a rea- mosteiro. O abade ficou mudo, e permaneceu
lidade efêmera à mais alta espiritualidade. preso àquele lugar até sua salvação, segundo a
Muito se escreveu sobre ele, tanto no mundo profecia.
árabe como no Ocidente. Mikhail Naimy
morreu em 1988, aos 99 anos. É nesse ponto dos acontecimentos que
A história que é contada em O livro de Mirdad Mikhail Naimy começa a contar sua histó-
se baseia em uma lenda: depois do Dilúvio, ria. O narrador escala a montanha em que
Noé teria vagado pelas alvas montanhas neva- um dia esteve a Arca. Ao dormir numa gruta,
das do Líbano, com a preocupação de que os roubam-lhe o pão, as roupas e o cajado, para
homens pudessem esquecer-se do que havia depois enxotá-lo dali. Extenuado, ele chega
acontecido. Por isso, pediu a seu filho Sem por fim ao portal do mosteiro. Prostrado,
que construísse um altar e, à sua volta, uma é salvo pelo abade. Graças à chegada desse
casa para nove pessoas. Morando ali, elas estrangeiro, ele pode falar novamente,
deveriam orar para que o Altíssimo lhes ser- depois de haver esperado durante 150 anos
visse de guia, bem como a seus semelhantes. por aquele que viria “desnudo, sem cajado
nem provisões”. É a este jovem que o abade
Por que nove pessoas? Na Arca havia oito: entrega o livro.
Noé e sua esposa, seus três filhos com as res-
pectivas esposas. Mas também havia uma nona Na página 55 da edição brasileira, é assim
pessoa que se escondeu: um passageiro clan- que começa O Livro de Mirdad: “Conforme
destino que era o timoneiro. Noé deixou ins- foi registrado por Naronda, o mais jovem e o
truções para quando um dos habitantes da menor de seus companheiros: um farol e um
Arca morresse. Nesse caso, o primeiro visi- refúgio para os que anseiam por vencer. Que
tante que ali surgisse deveria ser aceito como todos os outros guardem-se dele!”
o nono e novo companheiro. Durante séculos
o mosteiro da Arca funcionou dessa maneira. São 37 capítulos em que Naimy descreve
Como gozasse de grande prestígio com a os ensinamentos de Mirdad a seus compa-
população, recebeu inúmeras dádivas e ficou nheiros e conta como ele reage ao confronto
muito rico. Até o dia em que Shamadam, com Shamadam, que o humilha e denigre.
o voluntarioso abade, quebrou a regra Essa narrativa contém pérolas de profunda

mikhaïl naimy, repleto de amor 39


A importância de O livro de Mirdad reside no fato que ele mostra
o caminho para uma nova visão do ser

sabedoria e conhecimento, excelentes modelos


Por que as coisas acontecem como acontecem e exemplos únicos de como proceder em cada
Não há esquecimento no Tempo. Não existem acidentes situação da vida, bem como máximas filosó-
no Tempo e no Espaço. Todas as coisas são ordenadas pela ficas. Cada história mostra, de forma exem-
Onivontade, que nunca erra em nada nem negligencia algo. plar, o infinito amor impessoal de Mirdad
Aceitai a Onivontade! A Onivontade devolve a cada homem e – não só por seus companheiros, mas também
a cada coisa que ele ou ela desejaram, nem mais nem menos, por Shamadam e por todos os seres humanos,
quer o tenham querido conscientemente ou não. Os homens, pelos animais, pelas plantas e pelo mundo.
porém, por não o saberem, consternam-se frequentemente
com o que lhes cabe como quinhão da sacola da Onivontade, Mikhail Naimy escreveu a seu editor: “...O
que tudo contém; e os homens protestam com tristeza, e livro de Mirdad afasta-se nitidamente de qual-
culpam, desalentados, o Destino caprichoso. Vossa vontade quer dogma religioso, filosófico, político
está escondida até mesmo em cada respiração, em cada pala- ou de qualquer outra área. Sua importân-
vra, em cada desejo, pensamento e ação. E o que está oculto cia está em mostrar caminhos para um novo
de vós está sempre manifesto à Onivontade... Desejai, sim, o olhar sobre o ser. Ele pretende arrancar o ser
amor de todos os homens e de todas as coisas; pois somente humano de sua insensibilidade e de suas inú-
com ele vossos véus serão erguidos, e a Compreensão alvore- meras confusões dogmáticas – tão cheias de
cerá em vosso coração, permitindo, assim, a iniciação de vossa ódio, conflitos e caos – para, assim, despertá-
vontade nos maravilhosos mistérios da Onivontade. -lo.” Com esse livro, Naimy provou que está
entre os grandes pensadores espirituais do
O livro de Mirdad, capítulo 21 século XX µ

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A. Stokman-Griever, G. Uljée, I.W. van den Brul

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Pentagram
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meio do qual o plano de Deus se manifesta. Entretan-
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Coordenação, tradução e revisão
realidade.O homem que realiza o pentagrama em seu
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N.M.M. de Soliz, M.S. Sader, R.D. Luz, F. Luz A revista Pentagrama convida o leitor a operar essa
Diagramação, capa e interior revolução espiritual em seu próprio interior.
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Terceira capa
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Na filosofia quântica se fala sobre a realidade relativa e a absoluta. O budismo fala


igualmente a respeito dessas duas esferas de vida. No cristianismo original, no
Evangelho de João nós lemos: A realidade da libertação

Os harmônicos superiores do “Pai-Nosso”


No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. …
Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. … E a luz resplandece nas trevas, A criação é dupla
e as trevas não a compreenderam. O Minotauro, a alma e o eu

O Verbo é informação, a vida é energia, e a luz é conhecimento – portanto, Do saber à sabedoria


consciência. O Espírito divino, o Verbo divino, “pairava sobre as águas”, sobre a A Edda: A palavra sagrada original
vida divina, sobre o oceano original de todas as possibilidades.
Desse princípio gerador e receptor surge a consciência: como um reflexo da luz.
O ser humano leva em seu interior a informação criadora original da luz e da vida.
Se esse núcleo espiritual que existe dentro dele for tocado pela luz que brilha nas
trevas de sua ignorância, de seus apegos terrestres e de suas recusas, e se ele aceitar
essa luz, ele desaparecerá na coesão da filiação divina, realizará em si mesmo a
ligação entre o inferior e o superior e anulará a separação entre criatura e criador.
R$ 16,00

set/out 2010 número 5

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