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Entre as teorias do cinema e da educação:

enxergar e escutar o feminismo

Rafael Romão Silva1

Resumo:
As teorias do audiovisual dizem muito para a educação e vice-versa. Buscamos por uma
estratégia que permita olharmos e escutarmos ambas, o que pode contribuir para a sustentação
teórica de práticas educativas em Cinema e Audiovisual. Através das noções de conteúdo de
Antoni Zabala, aqui propomos uma forma de olhar para as teorias do cinema enquanto teorias
da educação informal, o que nos ajudará a indicar tanto uma forma de identificar a pluralidade
da educação audiovisual como possíveis implicações para uma educação audiovisual feminista

Palavras-chave: Educação audiovisual, Pedagogia Feminista, Estudos de Gênero

Entre as teorias do cinema e da educação


Aqui trataremos de algumas implicações pedagógicas possíveis para alguns percursos
teóricos, ou seja, abordaremos como uma teoria apresenta concepções sobre o audiovisual, os
indivíduos e a sociedade e especulamos sobre suas implicações em práticas de ensino-
aprendizagem. Não se trata de dizer o que uma teoria do cinema diz sobre a prática educativa
em geral. O nosso objetivo é especular sobre como tornar as práticas de educação audiovisual
cada vez mais fundamentadas e não usar o cinema como mais uma arma totalitária para dizer
como a educação em geral deve ser construída.
A nossa proposta é que as teorias do cinema já nos dizem muito sobre o que fazer com
o audiovisual dentro da sala de aula. Elas são propostas para o quê exibir, como contextualizar
e como construir diálogos a partir dos filmes e vídeos. Ademais, elas compartilham
pressupostos filosóficos que atravessam várias ciências, elas possuem ligações a diversas
ciências da educação e correntes da pedagogia. As teorias do cinema possuem, portanto, teorias
da educação que lhe são correlatas, aproximam-se a partir do que elas possuem em comum.
Assim a teoria feminista do cinema pode encontrar a teoria feminista da educação e o mesmo
vale para a fenomenologia, estudos culturais, semiótica, psicanálise e qualquer outro corpo do
pensamento que tenha banhado tanto os filmes quanto às lições.
O reconhecimento dessa ligação entre teorias do cinema e teorias de ensino-
aprendizagem é algo de extrema força para a educação audiovisual. Ao fazermos os paralelos
entre uma proposição sobre o cinema e outra sobre a educação, podemos construir práticas de

1
Mestrando em Cinema e Audiovisual pelo PPGCINE-UFF.
ensino-aprendizagem fortalecidas pelas perspectivas teóricas. Isso pode nos ajudar a pensarmos
as nossas práxis, a avaliar os nossos caminhos e a consolidar a nossa atuação dentro de ambos
os campos.
Isso já tem sido feito por pesquisadores que buscaram as implicações pedagógicas do
pensamento em palavras, imagens e sons de cineastas e que constróem as suas práticas
conscientes das teorias que se avizinham. Trabalhos como “Godard e a Educação”, por
exemplo, são reflexões pedagógicas do que Aumont chamou de Teoria dos Cineastas. Essa
estratégia de Pedagogias dos Cineastas também se estendeu a Glauber Rocha (LEANDRO,
2003). Já MIGLIORIN & BARROSO (2016) buscaram as Pedagogias do Cinema ao tentarem
compreender as implicações pedagógicas das teorias e práticas da montagem. Aqui
complementamos essas estratégias ao reconhecermos que o que elas possuem em comum é um
corpo teórico sobre o Cinema e o Audiovisual. A nossa empreitada é então as Pedagogias das Teorias
do Cinema, o que se estende tanto aos cineastas que expressaram seus pensamentos quanto aos próprios
teóricos que não realizaram filmes. Esta identificação com as teorias facilita a aproximação com as
teorias de todas as outras áreas: assim passaremos das concepções sobre o audiovisual às concepções
sobre ensino-aprendizagem em geral e vice-versa.
Essa aproximação entre esses campos teóricos se torna mais palatável se reconhecermos
o cinema como um meio de educação informal. Na década de 50 os teóricos da Escola de
Frankfurt reconheceram que a mídia de massa educa. Propomos que as teorias do cinema então
são teorias sobre meios informais de educação. As teorias do cinema são teorias da educação
pois destrincham um meio de ensinar fatos, conceitos, atitudes e procedimentos aos humanos.
Podemos usar as teorias do cinema para analisar propostas de educação audiovisual. Essas
concepções estão sempre presentes nas práticas educativas, embora muitas vezes elas sejam
trabalhadas sem uma evidente intencionalidade. Cada curadoria de filmes utilizada em um
projeto, cada organização curricular dos conteúdos em um processo educativo, cada forma de
criar e pensar o audiovisual em sala de aula encontra justificativas a partir de uma teoria do
cinema. O mesmo é possível a partir das correntes da educação, o que nos permitirá refletir a
que cabe ao audiovisual em uma prática escola novista, por exemplo.

A relação teoria e prática de ensino-aprendizagem


Expandida a nossa margem de trabalho conceitual quanto às práticas de ensino-
aprendizagem, estamos agora mais próximos do objetivo deste artigo, o que envolve abordar as
relações possíveis entre algumas das linhas teóricas presentes nesse sistema. Porém, precisamos
destrinchar a importância desta abordagem teórica.
Reconhecemos que o estudo da teoria tem suas críticas dentro e fora da academia. Uma
importante teórica do feminismo, bell hooks (2013)2 aborda esta problemática a partir de suas
experiências com os movimentos de homens negros e de mulheres negras. Ela cita a busca
militante pela prática, um constante posicionamento que polariza com a teoria e desqualifica a
última enquanto um palavrório desnecessário. hooks relata que muitas vezes prescinde da
importância teórica para evitar conflitos dentro de grupos militantes.
hooks indica que reforçar esta ideia de cisão entre teoria e prática ou criá-la “negam o
poder da educação libertadora para a consciência crítica, perpetuando assim condições que
reforçam nossa exploração e repressão coletivas” (ibid., p. 95). Ela é muito inspirada pelo
pensamento de Paulo Freire, pensador que discute a práxis enquanto forma de construir a
educação libertadora. A ele, a condição humana é a de ser da práxis e, portanto, a educação não
pode cair nos extremos que separam a teoria da prática, o que Fortuna indica enquanto uma
educação ativista ou verbalista (FORTUNA, 2015, p. 65).
Encontramos nos espaços de formação de professores a mesma situação que hooks
encontrou nos movimentos da negritude. Muitas vezes os professores retornam aos cursos com
um desdém pelo estudo teórico, mas isto só ocorre quando a teoria não consegue se vincular à
experiência do educador.
“Na pedagogia da práxis não há ruptura relacional, mas apenas outra forma de agir
sobre o educando. A possibilidade de o educador se transformar nesse processo
relacional surge da condição de ser investigador da sua própria prática. Como
pesquisador de sua prática, tanto educador quanto o educando, ao flexionar uma
consciência, tem condições de observar e perceber os sentidos e as intenções presentes
no senso comum em decorrência disso, há possibilidade de transformá-los”.
(BENINCÁ apud FORTUNA, 2015, p. 67).

A pesquisadora brasileira em educação Nadia de Souza (2001) apresenta a relação entre


teoria e prática em contextos de ensino-aprendizagem como uma unicidade onde ocorre
interdependência e reciprocidade.
“É na prática que a teoria tem seu nascedouro, sua fonte de desenvolvimento e sua
forma de consecução, é na teoria que a prática busca seus fundamentos de existência
e transfiguração [que a autora metaforiza] em uma espiral em progressiva expansão e
em gradual ascensão num intercambiar incessante entre os dois pólos, num permutar
contínuo entre teoria e prática” (ibid., p. 8).

2
bell hooks se autonomeia em letras minúsculas.
Ainda hooks, ela cita a teorização como um processo de cura ao ser uma possibilidade
de imaginar outros caminhos em meio ao sentimento de ausência de se ter um lar. Ela propõe
uma prática teórica intrínseca à experiência e existência de quem a exercita e cita que ela cura
a quem a direciona para este fim. “Quando nossa experiência vivida da teorização está
fundamentalmente ligada a processos de autorrecuperação, de libertação coletiva, não existe
brecha entre a teoria e a prática” (hooks, 2013, p. 85).
Partimos desse pressuposto da importância do estudo teórico associado às experiências
dos educadores e educandos. Assim declaramos que as reflexões aqui presentes são incompletas
sem uma aproximação de narrativas de práticas de ensino-aprendizagem, o que pretendemos
realizar em uma dissertação futura.
Sob essa perspectiva conjunção de teoria e prática, os esforços teóricos apresentados em
livros como “A Hipótese Cinema” (BERGALA, 2008) e “Inevitavelmente Cinema”
(MIGLIORIN, 2015) são essas primeiras curvas da “espiral em progressiva expansão e gradual
ascensão” que Nadia Souza disse acima. São esforços teóricos quanto às práticas educativas
com o audiovisual. Isso nos permite reconhecer que não são as práticas de educação audiovisual
a grande novidade do século XXI, mas o adensamento das reflexões teóricas sobre elas.
Maria Ferraz e Maria Fusari (2001) se detiveram sobre a história do ensino de artes
visuais no Brasil. Ao abordarem as diferentes perspectivas que foram aplicadas, elas
reconhecem que “as práticas educativas surgem de mobilizações sociais, pedagógicas,
filosóficas e, no caso da arte, também artísticas e estéticas” (ibid, p. 27). As duas arte-
educadoras nos apresentam a relevância de buscar os pressupostos de diferentes práticas, o que
elas fazem através de cursos, aulas, materiais didáticos etc. consolidadas de um campo
institucionalizado – ao qual denominam Arte-Educação. Elas esboçam uma estratégia que pode
contribuir para o fortalecimento de campos como Educomunicação e Cinema-Educação,
campos que ainda não foram aplicados em massa na escola brasileira e carecem de uma
sustentação para além da técnica.
As práticas de ensino aprendizagem com audiovisual se beneficiam deste acúmulo
realizado pela Arte-Educação, como podemos ver em trabalhos que se aproximam da
metodologia triangular de Ana Mae Barbosa (DIAS, 2018). O que não temos é um mapa que
abre as práticas de Educação Audiovisual em diferentes momentos da história, o que poderia
nos ensinar o que tantos projetos e atividades já aprenderam durante os séculos XX e XXI.
Assim justificamos a presente empreitada, um primeiro passo antes de efetivamente
buscarmos por essas experiências em processos de ensino e aprendizagem.
Vislumbramos a força desse trabalho ao olharmos para alguns projetos que ganharam
ampla difusão pela América Latina e ao conseguirmos identificar os impactos que seus
pressupostos teóricos possuem em suas proposições pedagógicas. De meu ponto de vista, o
projeto “Inventar com a diferença”, por exemplo, é um desdobramento pedagógico da teoria
contemporânea do documentário, particularmente a que o discute dentro do conceitual do
dispositivo.
Robert Stam (2003) apresenta a noção de teoria do cinema afastada da ideia de Grande
Teoria, aquela que utiliza de uma estratégia totalizante. Ele cita a noção de Noël Carroll e David
Bordwell sobre uma “teorização de médio alcance” que
“Reconheceria como teoria do cinema qualquer linha de investigação dedicada a
produzir generalizações ou explicações gerais sobre os fenômenos cinematográficos,
ou consagrada a isolar, rastrear e/ou descrever quaisquer mecanismos, procedimentos,
padrões e regularidades no campo do cinema” (CARROLL E BORDELL apud
STAM, 2003, p. 20).

A partir desta noção de teoria do cinema, podemos entender que esta linha pode se
estender e se conectar com as teorias da educação, principalmente a partir dessas regularidades
e padrões enquanto pressupostos comuns. Buscaremos então a aproximação entre estes campos.

Uma estratégia para a aproximação


Partido de todos esses pressupostos, como podemos fazer estes encontros entre
concepções de ensino-aprendizagem e reflexão sobre as práticas audiovisuais? Reconhecemos
no trabalho do pedagogo da avaliação Antoni Zabala uma estratégia operacional que pode nos
ajudar nesta empreitada. Em “A Prática Educativa – como ensinar” (2010), Zabala constrói
caminhos para podermos nos aprofundar nas práticas de educadoras e educadores. Sua principal
ideia é a sequência didática, uma unidade de montagem de conteúdos e atividades que revelaria
o estilo didático. Para abordar estas sequências didáticas, ele apresenta quatro tipos de conteúdo
que são trabalhados em qualquer prática de ensino-aprendizagem: os conteúdos factuais,
conceituais, procedimentais e atitudinais. Zabala os posiciona enquanto chaves para o
pensamento educativo: ao nos aproximarmos das portas destrancadas por cada educador,
conheceremos a quais universos e formas de viver cada um deles propôs aos seus aprendentes.
Assim poderemos aproximar e distanciar as diferentes práticas de ensino-aprendizagem e,
talvez, conhecer diferentes metodologias.
Os conteúdos factuais são aqueles que apresentam acontecimentos, pessoas, fatos e
outras especificidades espaço-temporais da realidade.
“por conteúdos factuais se entende o conhecimento de fatos, acontecimentos, situações,
dados e fenômenos concretos e singulares: a idade de uma pessoa a conquista de um território,
a localização ou altura de uma montanha, os nomes, os códigos, os axiomas, um fato
determinado num determinado momento, etc. Por muitas vezes esse conteúdo tem caráter
arbitrário, portanto não necessitam de uma compreensão, aprende-se pela cópia e
memorização” (ZABALA, 2010, p.41),
Dentro do Audiovisual, podemos certamente citar aleatoriamente como factuais os
conteúdos dentro da própria disciplina História, bem como a primeira exibição de “A Chegada
do Trem na Estação da Cidade”, a proibição da exibição de “Veredas da Salvação” pelo governo
militar e a documentação do processo de impeachment da presidenta eleita Dilma Rousseff em
“O Processo”.
Por se tratarem de conteúdos eminentemente históricos, aproximarmo-nos das reflexões
da Teoria da História pode nos indicar possibilidades, principalmente se nos mantivermos
atentos às implicações nos nossos campos eleitos: o Audiovisual e a Educação.
Já os conteúdos conceituais englobam todas as categorizações e definições que
atravessam as diferentes correntes de pensamento e prática audiovisuais. A conceituação no
Cinema e Audiovisual atravessou momentos de essencialismo e de diferenciação em relação às
outras artes. Hoje ela atravessa o audiovisual em sua pluralidade, o que permite que André
Parente fale de Cinemas, no plural.
“Os conceitos e os princípios são termos abstratos. Os conceitos se referem ao
conjunto de fatos, objetos ou símbolos que têm características comuns, e os princípios
se referem às mudanças que produzem num fato, objeto ou situação em relação a
outros fatos, objetos ou situações que normalmente descrevem relações de causa-
efeito ou de correlação. ” (ZABALA, 2010, p. 42).

Aqui as aproximações entre os campos da Educação e do Audiovisual podem ser mais


facilmente identificadas, já que elas compartilham alguns conceitos. Porém também pode
ocorrer confusões quanto a diferentes definições conceituais, como por exemplo ocorre com o
conceito de Dispositivo. No campo da educação ele está hegemonicamente relacionado às
teorias de Michel Foucault e Giorgio Agamben, identificado enquanto linhas discursivas que
ativam comportamentos normalizadores. Já no Cinema, e mais especificamente no Cinema-
Educação, dispositivo é entendido enquanto uma proposição ativa que estabelece um pátio para
a criação, o que está presente tanto na conceituação de narrativas documentais como na
implementação de práticas audiovisuais em processos educativos.
Zabala indica que o procedimento é da ordem dos fazeres.
“Um conteúdo procedimental (...) é um conjunto de ações ordenadas e com um fim,
quer dizer, dirigidas para a realização de um objetivo. São conteúdos procedimentais:
ler, desenhar, observar, calcular, classificar, traduzir, recortar, saltar, inferir, espetar,
etc.” (ZABALA, 2010, p.43)

Em diálogo com a definição do autor, as teorias do cinema indicam principalmente os


diferentes objetivos destes fazeres. As concepções audiovisuais leem o que é feito e pensam
sobre os modos de fazer e quais resultados elas alcançam em termos estéticos, sociais, políticos,
psicológicos, filosóficos, antropológicos etc. As teorias pedagógicas também abordam esses
fazeres, sendo que exploram as implicações na aprendizagem e na construção social de cada
modo de fazer.
É importante pontuar que o conteúdo procedimental está para além da chamada
Pedagogia Técnica ou Tecnicista, já que a última pressupõe apenas o estudo do fazer
descontextualizado de questões sociais e históricas. Um exemplo são os projetos tecnicistas de
audiovisual, que o fazem a partir de uma adesão obrigatória aos paradigmas dominantes de
representação e aos ditames da inovação tecnológica audiovisual. Os conteúdos procedimentais
englobam a concepção tecnicista, mas abarcam toda a profusão de fazeres indicados pelas
diferentes teorias do Cinema e do Audiovisual.
O último tipo de conteúdo identificado por Zabala é o atitudinal. “O termo conteúdos
atitudinais engloba valores, normas e atitudes”.(ZABALA, 2010, p.43). Em fortes relações com
todos os outros conteúdos, proposições de atitudes são sugeridas enquanto modelos, o que
engloba visões de mundo, formas de se posicionar no mundo e de se engajar em relações com
as pessoas e comunidades. Aqui as atitudes serão propostas e problematizadora pelo cinema no
que tange toda as relações entre a câmera e o mundo, o que também passa pelos modos de
produção, linguagens e ações. Ainda, as atitudes também são abarcadas pelas diversas
metodologias de ensino-aprendizagem.

Implicações pedagógicas da teoria feminista do cinema e da educação


Armado uma estratégia, agora cabe uma tentativa de testá-la perante um corpo de ideias
que tenha impactado ambos os campos. As reflexões teóricas a partir dos pontos de vista das
mulheres são múltiplas e se intitularam de diversas formas, tais como Feminismo, Mulherismo
e Estudos de Gênero. É um corpo consolidado de transdisciplinaridade, que tem mantido um
alto nível de reflexividade e questionado epistemologias consolidadas.
A partir do campo da História, Joan Scott chama de “uma das narrativas convencionais
das origens deste campo” (SCOTT, p. 84) a que marca um início na década de 60, com a busca
pelo feminismo por heroínas históricas, estende-se à década de 70 em um movimento amplo de
construção da história das mulheres e avança pela década de 1980 com um desvio para o
conceito de “gênero”, “ou seja, a política para a história especializada e daí para a análise”
(ibid., p. 85). É um esboço que apresenta o campo dos “Estudos de Gênero” em face dos
“Estudos Feministas” ou dos “Estudos das Mulheres”.
Já na pedagogia, Franco Cambi (1999) cita dois movimentos de perspectiva feminista.
O primeiro reivindicou igual oportunidade e a emancipação social das mulheres, “segundo um
programa essencialmente iluminista” (ibid., p. 639), o que Vanda Burginski (2011) relata ter se
adensado no Brasil a partir da redemocratização. Burginski diz que o exílio das brasileiras na
Europa as colocaram em contato com grupos feministas dentre as décadas de 1960 e 1980. Isso
as aproximou de obras, práticas educativas e contribuiu para seus processos de conscientização,
o que foi compartilhado pelo Brasil quando estas retornaram com a redemocratização. O retorno
dessas mulheres vai de encontro com outras que pelo Brasil ficaram, já que muitas haviam se
mobilizado em grupos de apoio para resistirem perante os crimes cometidos pela Ditadura
Militar.
Burginski pontua as principais características (ibid., p. 582) dessas práticas pedagógicas
construídas entre mulheres, principalmente junto às mulheres das periferias urbanas: a tomada
de consciência da situação da mulher e de seu papel na superação dessas condições, a
constituição de um sujeito coletivo, o desvelar das relações entre as esferas pública e privadas,
a asserção de que o pessoal é político e o cuidado com a construção das identidades. Ela
sintetiza:
“As pedagogias feministas fixam as atividades educativas em dois campos
fundamentais: primeiro, do “conflito e reconhecimento de uma estrutura desigual de
poder que, historicamente, tem sido bastante desfavorável às mulheres”, abordando
essas questões a partir do cotidiano das mulheres; e segundo, o reconhecimento de
que as desigualdades são historicamente construídas se dá a partir de informações que
demonstram a situação de injustiça e exclusão a que estão submetidas as mulheres,
articulando à importância da ação de mulheres como sujeitos políticos ao longo da
história para a modificação dessa situação.” (ibid., p. 585).
Já o segundo movimento dito por Cambi, na década de 1980, lidou com o conceito de
diferença, o qual reivindicou uma revisão das disciplinas a partir dos gêneros e a própria
abertura da filosofia da educação para o que Cambi chamou de valores femininos. Trata-se de
uma revisão das relações emancipatório possíveis dentro da educação. Patti Lather (2017) é
uma grande expressão desta reflexão feminista sobre a pedagogia da emancipação, o que gerou
a Pedagogia Pós-Crítica. Ela diz “Within (post)critical practices of pedagogy, emancipatory
space is problematized via deconstruction of the Enlightenment equation of knowing, naming
and emancipation” (ibid., p. 107).
Alice Casimiro Lopes (2013) focaliza que o pós-crítico reúne uma pluralidade de
abordagens dentro de sua alcunha: as teorias pós-estruturais, pós-coloniais, pós-modernas, pós-
fundacionais e pós-marxistas. Ela resume:
“Uma tradição que se remete aos pensamentos de Nietzsche, Heidegger e Derrida.
São marcadamente anti-essencialistas, anti-objetivistas, críticos dos determinismos e
valorizam a linguagem como central na mediação da compreensão do social,
substituindo as estruturas pelo discurso e ampliando as discussões filosóficas da
cultura” (ibid., p. 17).

Com a asserção de que o gênero é uma construção cultural, adensou-se a política


cultural, o que Guacira Lopes Louro (1999) indica como a disputa pelo acesso e controle dos
espaços culturais, já que “a voz que ali se fizera ouvir, até então, havia sido a do homem branco
heterossexual” (ibid., p. 20), inclusive perante o currículo escolar. Esta voz é o que Louro indica
enquanto a tecnologia de criação da diferença, ou seja, ao se estabelecer enquanto norma, a voz
masculina define que a diferença é o que dela se desvia e, ao controlar os atos de significação,
ela marca os corpos com sentidos de desvio. Assim essa pedagogia pós-crítica ou da diferença
propõe uma contínua desconstrução e revisão das práticas, principalmente associadas a uma
desconstrução de identidades essencializadas e romantizadas. Esta revisão ocorre pelo
abandono de uma concepção estruturalista, o que é substituído por reflexões sobre os papéis
dos discursos na construção das realidades.
Já no campo teórico feminista do cinema, Robert Stam realiza uma retrospectiva dos
estudos feministas, nos quais ele identifica a intencionalidade de
“Investigar as articulações de poder e os mecanismos psicossociais na base da
sociedade patriarcal, com o objetivo último de transformar não apenas a teoria e a
crítica do cinema, mas também as relações sociais genericamente hierarquizadas em
geral” (STAM, 2003, p. 193).
Nesta empreitada, o teórico estadunidense identifica diversas estratégias empregadas
pelos estudos feministas: a crítica de “questões de representação da mulher, especialmente por
meio de estereótipos negativos” (ibid., p. 194), do autorismo machista e da hierarquia nos
processos industriais, a reflexão sobre as teorias da espectatorialidade (que lidam com filmes
construídos para um ponto de vista masculino) e a investigação de uma “linguagem
cinematográfica capaz de expressar o desejo feminino” (ibid., p. 195).

Alguns conteúdos para uma educação audiovisual feminista


A partir das considerações acima esboçadas, cabe agora responder a quais conteúdo no
sentido Zabaliano as teorias feministas propõem para a educação Audiovisual.
Quanto aos conteúdos factuais, desenha-se a formação de suplementos e complementos
que elevem e sublinhem as mulheres dentro das diferentes práticas audiovisuais, de espectadora
a dona de uma sala de exibição, de roteirista a diretora, bem como os próprios filmes, contextos
de realização, relatos de opressão dentro de produções, histórico de conquistas de direitos,
reflexões sobre políticas públicas etc. Dentro desta perspectiva encontramos referências para
alimentar estas construções como em Nina Tedesco e Karla Holanda (2017), o projeto Films
For the Feminist Classroom3, a pesquisa Gênero e Raça no Cinema Brasileiro realizada pela
ANCINE4.
Os conteúdos conceituais são os que nos parecem mais delimitados dentro da divisão
entre pedagogia crítica e pós-crítica, o que tem o estruturalismo e o pós-estruturalismo por trás,
e é mais caro à pedagogia crítica/estruturalista os conceitos: mulher, machismo, patriarcado,
opressão, desigualdade; e, no contexto do cinema: representação, estereótipos, olhar masculino,
escopofilia, desejo, narcisismo, identificação etc. com esses conteúdos é possível desenvolver
processos educativos que trabalhem a autoconsciência da sujeita que sofre a opressão machista,
a estruturalidade da opressão da mulher dentro do patriarcado e essa íntima relação com o
capitalismo, a importância da construção de representações dentro da formação de identidades,
os efeitos das representações positivas etc. Já mais próximos da pedagogia pós-crítica/pós-
estruturalista encontramos conceitos como: gênero, diferença, outro, multiculturalismo,
descolonização, intersetorialidade.
Já sobre os conteúdos procedimentais, é extremamente diverso o arranjo de reflexões
sobre técnicas e procedimentos que estejam alinhados à perspectiva feminista, além de

3
Disponível em: http://ffc.twu.edu/ Acesso em 12 de dezembro de 2018 às 15h01.
4
Disponível em: https://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/repositorio/pdf/informe_diversidade_2016.pdf
Acesso em 12 de dezembro de 2018 às 15h05.
denunciarem as práticas machistas, o que ocorre em todos os departamentos de produção
audiovisual, do roteiro à edição. Assim encontramos proposições tais como a de Molly Haskell
sobre a fuga da estereotipação das mulheres nas narrativas (SMELIK, p. 492) e a de Laura
Mulvey a construção de um contra-cinema que abandone os preceitos de identificação presentes
no cinema clássico machista (ibid., p. 493), a de Anna Johnston sobre como os documentários
feministas não deveriam adotar a reflexividade e o questionamento de Alexandra Juhasz sobre
essa ênfase formal e como ela abandona filmes que contribuíram para a mobilização feminista
(ibid., p. 494). Ainda, encontramos trabalhos como o de Nina Tedesco (2013), reflexões sobre
como aspectos técnicos como a iluminação e o enquadramento concorrem para a criação de
sentidos que alimentem ou desconstruam o machismo.
Por fim, o feminismo indica o principal conteúdo atitudinal de desconstrução e
abandono de práticas e valores machistas, práticas de discriminação e violência contra as
mulheres, bem como o fim da submissão das mesmas por hierarquias de poder. Em práticas de
Educação Audiovisual isso se traduz pela problematização e abandono de filmes que pratiquem
violência simbólica contra as mulheres, a valorização da presença das mulheres nos processos
formativos, bem como o incentivo ao protagonismo da mulher e a cooperação entre as mesmas.

Conclusão
Buscamos por uma estratégia que nos ajude a compreender a pluralidade da prática em
educação audiovisual. Identificamos que essa pluralidade ocorre tanto no nível das grandes
áreas que lidam diretamente com o audiovisual, como no nível das diversas correntes teóricas
que as influenciam e também abarcam as da educação.
Ao abordamos o Feminismo, por exemplo, conseguimos alcançar as perspectivas
estruturalistas e pós-estruturalistas, o que parece ser um nível de aprofundamento dentro do que
Bergala (2009) apenas indicou enquanto “práticas de defesa ideológica”. Porém não fomos aos
estudos feministas para descartá-los ou usarmos eles como uma rato de laboratório. O
aprofundamento nas reflexões sobre a opressão das mulheres é urgente para a educação
brasileira e mundial e como uma aluna me disse, o papel dos homens é apenas tentar abrir
caminhos antes bloqueados para o diálogo, o que entendemos aqui como uma tentativa de
apresentar que o feminismo tem muito a contribuir com a Educação Audiovisual. Fizemos isso
sem estabelecermos uma norma ou o que fazer, o que reforça o nosso compromisso em não
falar pelas mulheres.
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