Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
ESTRATÉGIA
RESUMO
Este artigo explora os referenciais da teoria da agência e teoria do stewardship, caracteriza-
dos por diferentes premissas sobre a natureza humana e motivação dos gestores, com o
objetivo de investigar a contribuição dessas teorias na formulação de modelos de governan-
ça para cooperativas de crédito. Ao atuarem em bases colaborativas em um ambiente
competitivo, as cooperativas de crédito exibem tanto particularidades quanto possibilidades
não exploradas nos modelos tradicionais de governança corporativa, por trazerem conside-
rações valorativas que sustentam seu modelo de negócio. A partir de uma revisão do refe-
rencial teórico da governança corporativa, da análise da atuação das cooperativas de crédito
no país, e de entrevistas em profundidade com gestores de organizações desse segmento,
esta análise exploratória indicou que uma associação das duas teorias pode vir a proporci-
onar melhor efetividade para tratar as questões de governança das cooperativas de crédito,
trazendo novas possibilidades também a organizações atuando em contextos semelhantes.
PALAVRAS-CHAVE
Governança corporativa. Governança organizacional. Cooperativas de crédito. Teoria da agên-
cia. Teoria do stewardship.
ABSTRACT
This article explores the references of the agency theory and the stewardship theory,
characterized by different assumptions about human nature and motivation of the managers,
KEYWORDS
Corporate governance. Organizational governance. Credit cooperatives. Agency theory.
Stewardship theory.
se adotarem referenciais teóricos que se contra- O artigo está dividido em seis partes, além da
põem à premissa do homo economicus. introdução. Inicialmente são apresentadas as prin-
Os valores de ajuda mútua e responsabilida- cipais vertentes de práticas de governança corpo-
de, democracia, igualdade, equidade e solidarie- rativa e o referencial teórico que embasa essas
dade, e a crença na honestidade, transparência, práticas: teoria da agência e teoria do stewardship.
responsabilidade social e preocupação com seu Em seguida, são apresentados o contexto das co-
semelhante, norteadores do cooperativismo (OCB, operativas de crédito no Brasil e as questões as-
2006), são basilares na definição de seu modelo sociadas à governança dessas organizações. A
de gestão e em suas práticas organizacionais. Tais descrição da metodologia da pesquisa de campo
valores se chocam com as premissas do indivíduo e o relato dos resultados complementam o artigo.
egoísta e orientado à maximização de interesses
particulares que fundamentam a teoria da agên- AS PRÁTICAS DE GOVERNANÇA CORPORATIVA
cia.
Governança corporativa trata das “maneiras
Fortney (2006) propõe questões que devem pelas quais os fornecedores de recursos às corpo-
ser discutidas e nortear o sistema de cooperativas rações se asseguram que irão obter retorno de
de crédito relativamente às praticas de governan- seus investimentos” (SHLEIFER; VISHNY, 1997, p.
ça: as organizações estão conseguindo selecionar
737). Originalmente, as questões direcionadas
candidatos apropriados como conselheiros? Os
pelos modelos de governança corporativa visavam
conselheiros estão capacitados nas questões emer-
resolver problemas decorrentes de uma estrutura
gentes? As organizações estão dotadas de planos
empresarial, em que propriedade e gestão são
de sucessão? Há diversidade entre os membros
alocados a indivíduos ou grupos diferentes, o que
do conselho? Uma investigação das práticas atu-
gera problemas de motivação, horizonte de pla-
ais poderia estender essa lista: há separação en-
nejamento, propensão a risco e alinhamento de
tre membros do conselho e da diretoria, embora
interesses, os denominados problemas de agên-
não obrigatório pela legislação? Os associados
cia. A governança corporativa se refere ao gover-
conseguem compreender e influenciar diretamen-
no estratégico da empresa, aos sistemas de con-
te na gestão?
trole e monitoramento estabelecidos pelos acio-
No caso brasileiro, o fortalecimento da gover-
nistas, para que ações e decisões dos gestores
nança das cooperativas de crédito é também fun-
sejam realizadas no melhor interesse dos proprie-
damental para apoiar a profissionalização na área,
tários.
ainda distante da praticada no sistema financeiro
em geral, e garantir a confiabilidade do segmento No âmbito da governança corporativa, e em
frente a um cenário de crescimento nos ativos e virtude da difusão do modelo shareholder, de ori-
número de participantes. gem anglo-saxônica, a teoria da agência constitui
A partir da consolidação e análise do marco o referencial teórico predominante (DAILY; DAL-
regulatório do setor e do referencial teórico sobre TON; CANNELLA, 2003; SHLEIFER; VISHNY,
governança corporativa e das organizações, em 1997). Essa teoria é orientada para tratar os pro-
particular aquele específico sobre a governança blemas provocados pela separação entre a propri-
das cooperativas, foram realizadas entrevistas em edade e gestão das empresas, que se iniciou no
profundidade com gestores de organizações do século XIX, com a internalização dos processos
segmento de crédito cooperativo, no sentido de produtivos e a hierarquização das empresas, acom-
averiguar, no campo, a adequação dos modelos panhadas pelo desenvolvimento da função geren-
teóricos. cial e formação da empresa moderna multidivisi-
onal, eventos analisados pelo historiador econô- práticas nesse contexto. Enquanto os modelos de
mico Alfred Chandler (MCGRAW, 1998). governança baseados na teoria da agência priori-
Conforme a teoria da agência, tanto proprietá- zam os sistemas formais – remuneração dos exe-
rios quanto gestores são percebidos como bus- cutivos, votos por procuração, conselhos de admi-
cando maximizar sua função-utilidade particular. nistração, monitoramento e promoção dos em-
Entretanto, enquanto que para o proprietário a ri- pregados etc. –, modelos baseados na teoria dos
queza é a variável sujeita à maximização, para os stakeholders propõem soluções menos formais,
administradores, a função-objetivo pode incluir em geral baseadas em confiança e cooperação,
remuneração, poder, segurança e reconhecimen- que apresentam solução superior aos problemas
to profissional. Esquemas de monitoramento, con- de contratualização (JONES, 1995).
trole e incentivos são necessários para assegurar Davis, Schoorman e Donaldson (1997a) iden-
que o comportamento do gestor aconteça segun- tificam que, quando as premissas da teoria da
do o melhor interesse do principal. Duas ques- agência não se confirmam, de forma que o agen-
tões fundamentais nos problemas de agência são te não assume um comportamento oportunista,
derivadas dessa diferença na função-objetivo, re- mas colaborador, sua utilização pode gerar frus-
lacionadas a possibilidades de ação oculta (hid- tração e impedir o desenvolvimento de relações
den action) e informação oculta (hidden informa- cooperativas do agente com o principal. Outro pro-
tion), e referidas na literatura sobre teoria da agên- blema é: limitar a atuação do agente significa limi-
cia respectivamente como risco moral (moral ha- tar também sua competência para atender aos
zard) e seleção adversa (adverse selection ). objetivos do principal (HENDRY, 2002), gerando,
As discussões sobre governança corporativa no em conseqüência, um ambiente de baixa motiva-
Brasil têm privilegiado os modelos de base sha- ção e níveis de eficiência e eficácia não otimiza-
reholder, muitas vezes seguindo uma transposi- dos.
ção acrítica de modelos anglo-saxões. Se lá o pro-
Um modelo pouco explorado na literatura é
blema é a separação entre propriedade e gestão,
desenvolvido a partir da flexibilização da premissa
aqui as relações entre acionistas majoritários e
de homem “oportunista e egocêntrico”, fundamen-
minoritários tipificam o problema maior. Da mes-
tal à teoria da agência. Revendo a perspectiva eco-
ma forma, a transposição dos modelos de gover-
nômica seguida por essa teoria, Davis, Schoorman
nança desenvolvidos para empresas privadas de
e Donaldson (1997a e 1997b) adotam, como
capital aberto, operando em um contexto de mer-
premissa, um novo modelo de homem para o
cado acionário vigoroso, para empresas de capital
fechado ou sem fins lucrativos, não é válida sem agente, com base na psicologia e sociologia, e pro-
uma avaliação das premissas subjacentes ao mo- põem outra teoria relacionada aos problemas de
delo. Ao se assumirem modelos de empresas de agência, à qual denominam teoria do stewardship.
mercado no tratamento das questões de gover- Contrariando a visão econômica tradicional, pro-
nança, são assumidas também as premissas de põem que o indivíduo não age no interesse pró-
seus referenciais teóricos, que nem sempre se prio, mas coletivo, segundo uma orientação pró-
confirmam em outros ambientes. organizacional e baseada na confiança mútua.
Nos modelos de governança stakeholders, de Arthurs e Busenitz (2003), comparando a te-
base nipo-germânica, o papel de grupos de inte- oria da agência à teoria do stewardship , destacam
resse é muito mais significativo que nos modelos a ênfase que esta coloca na caracterização do ser
shareholder. Nesse caso, a teoria dos stakehol- humano, como um ser que tem necessidades, de
ders pode apresentar maior poder explicativo das ordem elevada, de auto-estima, auto-realização,
QUADRO 1
Teoria da agência versus teoria stewardship
dificação substancial na constituição das entida- dora do SFN, que envolvam, entre outros aspec-
des e práticas de governança, uma vez que repre- tos, a análise econômico-financeira do negócio,
senta forma alternativa de permitir a associação e demanda mercadológica, estrutura patrimonial e
acesso aos benefícios do sistema cooperativo a organizacional, objetivos estratégicos, padrões de
outras parcelas da população. Em agosto de 2007, governança e ações de capacitação de dirigentes
quatro anos após sua regulamentação, existiam (CONSELHO, 2005). Tais exigências normativas
operando 132 cooperativas de livre admissão são assemelhadas àquelas estabelecidas para os
(BANCO CENTRAL, 2007). Segundo Oliveira demais tipos de instituições financeiras que com-
(2004), as alterações têm provocado mudanças põem o SFN, sugerindo uma caracterização, sob
nos instrumentos básicos do cooperativismo de essa ótica, como empresas de mercado, porém,
crédito, como, por exemplo, critérios de afinidade sem perder de vista os princípios cooperativistas.
para fins de associação, capital social mínimo, li- Segundo a Lei 5.764, de 1971, que rege o
mites operacionais, condições para o exercício de cooperativismo no Brasil, o sistema é dividido em
cargos em órgãos estatutários e regras para cons- três níveis de atuação: Cooperativas Singulares,
tituição. Cooperativas Centrais ou Federações, constituídas
Com os novos tipos de cooperativas de crédi- pela união das Singulares, e Confederações, con-
to e a expansão do setor, aumentam os riscos do figuradas por um conjunto de Centrais (BRASIL,
negócio, uma vez que cooperativas de livre ad- 1971). Atualmente, o cooperativismo de crédito
missão, ao romper a exigência de vínculos associ- está organizado no Brasil em três grandes siste-
ativos anteriores, assemelham-se a instituições fi- mas – de Crédito Cooperativo (SICREDI), o de
nanceiras convencionais quanto à forma de ope- Cooperativas de Crédito do Brasil (SICOOB) e
rar e de se relacionar com seus públicos. Esse Unicred – além de nove sistemas menores, como
fato pode ser corroborado pelo incremento regis- o Cresol e o Ecosol. Existem ainda as chamadas
trado das exigências para funcionamento das co- cooperativas “solteiras” ou independentes, não fi-
operativas, particularmente as de livre admissão, liadas a cooperativas centrais. Os três grandes sis-
como disposto pela Resolução 3321, de 2005, temas estão organizados em todos os níveis, sen-
do CMN, que traz, como pontos principais, exi- do que somente a Confederação da Unicred é de
gências quanto à sustentação do empreendimen- crédito, sendo as outras duas somente de servi-
to e ao planejamento das atividades. Previamente ços. Os sistemas restantes atingem apenas o 2º
ao início do funcionamento dessas cooperativas, nível.
são exigidos estudos que devem ser submetidos A configuração do sistema, por tipo e ramo de
à apreciação do Banco Central, entidade regula- atividade, em agosto de 2007, era a seguinte:
QUADRO 2
Quantidade de cooperativas de crédito
1
http://www.bcb.gov.br/htms/Deorf/d200708/quadro3.asp.
do grau, e as confederações, o terceiro grau, têm cado a esse contexto, predominam as abordagens
a mesma estrutura de governança das singulares. em que práticas de empresas de capital aberto
Cada uma das entidades requer governança inter- são transplantadas para essas organizações, em
na específica, que deve estar sincronizada com a particular com base no referencial da teoria da
governança de seus sistemas (PAGNUSSATT, agência, como mostram as propostas de Arzback
2004). (2004), Pagnussatt (2004) e Hübenthal (2003).
Na análise das estruturas de governança des- Alguns pontos na governança das cooperati-
sas organizações, é útil observar as restrições apre- vas podem tornar problemática a relação de agên-
sentadas por Ciancanelli e Gonzalez (2000) so- cia entre os cooperados e seus administradores
bre a governança corporativa no sistema bancá- como, por exemplo, o fato de os membros dos
rio, em virtude das várias semelhanças com o conselhos serem também executivos e a existên-
modelo de crédito cooperativo. Esses autores cri- cia de forte efeito carona (free rider) entre os co-
ticam as aplicações da teoria da agência a esse operados, que muitas vezes não se percebem
ambiente por assumirem que bancos operam no como proprietários. O efeito carona se refere à
mesmo tipo de mercado competitivo e segundo desmotivação que os cooperados enfrentam ao
as mesmas forças que afetam outras empresas, o avaliar que terão poucos benefícios frente aos
que contraria a literatura no setor. Por operarem custos de sua maior participação.
em um mercado fortemente regulado, bancos têm Em cooperativas de crédito, os investidores são
características diversas de outras empresas, de também clientes. Além disso, nesse tipo de or-
forma que o uso da teoria da agência implica a ganização, muitas vezes o espírito cooperativista
utilização de suposições que obscurecem as sin- rivaliza com posturas oportunistas do quadro soci-
gularidades dos dilemas de governança que en- al. Enquanto há os que se associam por acreditar
frentam. nos ideais cooperativos, há aqueles que seguem
Apontam pelo menos três características des- uma lógica utilitarista e pragmática, associando-se
se ambiente que não correspondem às assunções pelo menor custo de suas operações ou pela difi-
da teoria (CIANCANELLI; GONZALEZ, 2000, p. 6): culdade que têm em conseguir atender suas ne-
(a) bancos comerciais operam em um mercado cessidades financeiras em outro local (AMESS;
regulado ou administrado, e não em mercados HOWCROFT, 2001). Como conseqüência, a cons-
normais ou competitivos; (b) a assimetria infor- trução da confiança depende do ethos criado na
macional não se limita ao relacionamento princi- cooperativa, em torno de um espírito associativo,
pal-agente entre proprietários e gestores, mas en- mas sua utilização nas estruturas de governança
tre depositantes, tomadores de empréstimos, ban- deve considerar as diferentes razões da adesão a
queiros, gerentes e reguladores, e (c) a estrutura seus quadros.
de capital é fortemente alavancada, refletindo a A participação das cooperativas de crédito no
própria função de intermediação dos bancos, e SFN faz com que sua governança transcenda os
não segue as limitações de otimização seguidas limites do interesse particular dos associados, sen-
pelas empresas em outros segmentos. do também uma questão de política pública.
Apesar do crescimento das cooperativas, as Nesse sentido, Pagnussatt (2004) afirma que o
práticas de governança do segmento não têm sido público externo coloca restrições à governança das
tratadas de forma abrangente na literatura de ges- cooperativas, uma vez que associados são clien-
tão, particularmente das cooperativas de crédito, tes e dirigentes, o que pode ser positivo para res-
que integram o sistema financeiro nacional. Além guardar seus interesses, embora transferindo ris-
disso, no escasso referencial de governança apli- cos a terceiros, como governo e fornecedores.
Ressalta, contudo, que na prática ocorre exatamen- ais de transparência, accountability e verificabili-
te o contrário, uma vez que a perenidade da coo- dade, seguindo exigências de comitê parlamentar
perativa interessa principalmente aos associados. que examinou os benefícios tributários dessas
A adequação do corpo teórico e das estrutu- cooperativas nos Estados Unidos.
ras de governança para o ambiente das coopera-
tivas de crédito pode implicar em redução de cus- METODOLOGIA
tos, pela economia nos custos de transação e re-
Frente à natureza exploratória do trabalho, dada
dução da possibilidade de seleção adversa e risco
a pouca aplicação da teoria do stewardship a
moral (AMESS; HOWCROFT, 2001), e no estímu-
modelos de governança em organizações, parti-
lo à gestão, ao fortalecer aspectos da participação
cularmente a cooperativas de crédito, a metodo-
no controle e monitoramento da gestão.
logia da pesquisa, de caráter exploratório, se ba-
A configuração de diretrizes adequadas de seou em entrevistas em profundidade com gesto-
governança pode contribuir para o desenvolvimen- res de cooperativas e especialistas no setor. A pes-
to de diretrizes que melhorem o relacionamento quisa de campo teve como objetivo identificar a
entre as partes envolvidas na propriedade e con- percepção desses profissionais quanto às práticas
trole, aumentando a segurança e a representativi- de governança das cooperativas, segundo roteiro
dade dos cooperados e a confiança no sistema. de entrevistas construído com base nos referenci-
Assim, diante da convivência de um ethos associ- ais da teoria da agência e stewardship . Esse rotei-
ativo com outro, individualista, a estrutura adequa- ro contemplou, como base, os seguintes temas,
da de governança das cooperativas de crédito que foram aprofundados segundo o desenvolvi-
deveria ser capaz de combinar, de forma adequa- mento particular e as respostas de cada entrevis-
da, as soluções formais propostas pela teoria da tador: estruturas de controle e a importância da
agência e soluções baseadas em confiança e coo- confiança frente a critérios objetivos de supervi-
peração decorrentes da teoria dos stakeholders. são, as bases estabelecidas para escolha das lide-
A combinação de modelos teóricos para tratar ranças, se formais ou informais, a motivação para
questões de governança, embora pouco usual, não o desempenho das atividades da governança, as
representa novidade, sendo a combinação anteri- formas de prestação de contas, as práticas de re-
or proposta por Amess e Howcroft (2001) e de- presentatividade nos conselhos e assembléias, e
fendida também por Jones (1995). Eisenhardt principalmente as práticas de participação e redu-
(1988) propôs a combinação da teoria da agên- ção do efeito carona. A escolha desses temas
cia com a teoria institucional para tratamento dos considerou tanto a organização e o ambiente ope-
problemas de governança, a partir de estudo so- rativo das cooperativas quanto as diferenças entre
bre o mercado de varejo de calçados nos Estados as premissas das teorias, como apresentado no
Unidos. Quadro 1, anterior.
A importância da questão da governança apli- Foram selecionadas quatro cooperativas de
cada às cooperativas de crédito foi destacada pela crédito de empregados, na região sudeste, e en-
The National Association of State Credit Union trevistados seus administradores, no primeiro se-
Supervisors (NASCUS), que apontou como priori- mestre de 2006. Foram ainda entrevistados um
dade, para 2006, o fortalecimento das práticas de ex-diretor de banco cooperativo, que pôde contri-
governança nas cooperativas de crédito (FORTNEY, buir com visão diferenciada sobre a questão, e
2006a). Os pilares para esse fortalecimento apói- também dois especialistas no setor. A apresenta-
am-se na preservação e desenvolvimento dos ide- ção dos resultados, a seguir, busca enfocar pon-
tos que se destacaram nas entrevistas, em rela- operativas devem trabalhar essas questões junto
ção aos referenciais de análise. ao quadro social, mostrando ao cooperado que
ele pode ampliar seus benefícios com sua condi-
PRÁTICAS DE GOVERNANÇA EM COOPERA- ção de também ser dono, com direito a distribui-
TIVAS DE CRÉDITO DE EMPREGADOS: RESUL- ção de resultados: “É preciso despertar a visão de
TADOS DA PESQUISA DE CAMPO longo prazo no cooperado”.
entrevistados, para quem os cooperados não se as informações não são adequadamente divulga-
preocupam com controles, pois confiam nos ges- das, na opinião de um dos entrevistados.
tores, vendo como positivo o fato de permanece- Quanto à importância do reconhecimento in-
rem no cargo por anos a fio. terno frente ao reconhecimento externo dos agen-
Essa divergência entre as filosofias de gestão tes financeiros do mercado, o primeiro foi aponta-
orientada ao relacionamento e ao controle é sin- do como fundamental: “esse tipo de reconheci-
tetizada na colocação: “a gestão deveria ser orien- mento [interno] é o pilar que sustenta o gestor
tada para o controle porque o envolvimento do para que se concentre nos aspectos de direção
cooperado sem controle não se sustenta. É misti- que o levarão a conseguir também o reconheci-
ficar a cooperativa, porque senão o descontrole mento externo”. Na visão de outro entrevistado,
aparece mais adiante na forma de perdas ou ou- embora o reconhecimento mais importante, num
tro tipo de problema, inviabilizando o investimen- primeiro momento, seja o do quadro social, con-
to no social, no envolvimento do cooperado”. sidera que somente esse reconhecimento não é
Há maior controle das informações por parte suficiente. Em sua visão, é preciso que o bom
dos gestores que se dedicam integralmente às gestor seja reconhecido também pelo mercado,
atividades das cooperativas. Essa assimetria con- porque o fato de um dirigente ter bom trânsito
tribuiu para a formação de grupos de poder den- entre os cooperados não é garantia de que seja
tro da organização, embora, segundo um dos en- bom gestor.
trevistados, isso seja “resolvido por telefonemas
A questão do poder ligado a aspectos pesso-
ou contatos esporádicos”.
ais fica clara também na declaração de um entre-
Em relação à avaliação da gestão, houve con- vistado, para quem a principal fonte de poder do
senso de que os principais componentes da for- presidente de uma cooperativa é a confiança por
mação da avaliação dos participantes são, em ge- parte do quadro social e por parte do Conselho
ral, aqueles de natureza informal, não sistematiza- de Administração, que o elege. Em sua visão, o
dos, e subjetivos. Houve convergência para a im- gestor deve, além de conhecer os processos, as-
portância atribuída pelos gestores à percepção dos segurar a participação do conselho, do quadro
cooperados quanto à idoneidade e ética do ges- social e da diretoria (participação nas assembléi-
tor e nos sinais informacionais que exprime, como as, nas reuniões da diretoria e em fóruns adequa-
componentes de sua legitimidade e sustentação.
dos) a fim de garantir a sobrevivência da coopera-
A proximidade dos cooperados aos gestores, en-
tiva e legitimar o poder.
tão, parece ser fator essencial no processo. Nas
palavras de um entrevistado, a avaliação que o
ANÁLISE DOS RESULTADOS
cooperado faz da cooperativa tem mais a ver com
o atendimento que recebe do que com os núme- A sustentação da cooperativa, seu elemento
ros da cooperativa. Nesse sentido, um bom servi- de liga, é a participação. Se esta for assegurada
ço por parte dos atendentes e do gerente, boas de forma adequada, garante a sobrevivência da
instalações e tratamento personalizado são fato- organização. Vários entrevistados convergiram nes-
res utilizados pelos cooperados para avaliar a coo- se sentido, manifestando que condições adequa-
perativa. das para discussão devem ser criadas. Entretanto,
Por outra via, é fato que os cooperados, mes- diversas questões, tratadas nas entrevistas, que
mo que quisessem avaliar os gestores por meio dependem da premissa da participação, apontam
dos controles existentes, não conseguiriam, pois as deficiências ou dificuldades nesse processo.
Segundo os entrevistados, a participação dos tivo, como forma de auto-realização pelo trabalho
cooperados, em geral, nas atividades de gover- em prol de um ideal. Evidentemente, há níveis
nança não é um fato comum. A motivação dos variados desse envolvimento. Em um dos casos,
cooperados na participação é mais intensa e evi- de um gestor oriundo do movimento sindical, ele
dente quando há fatos que permitem benefícios justificou essa motivação participativa como razão
diretos associados à participação, a exemplo de para sua atuação na cooperativa. O gosto de tra-
distribuição de excedentes. Replicando problemas balhar com atividades coletivas, liderando, além
de agência clássicos, o associado tende a uma da satisfação pessoal, foram apontados como fa-
visão mais de curto prazo que o gestor e participa tores motivadores.
pouco das atividades da cooperativa, caracterizan- A pesquisa evidenciou que a figura do geren-
do o efeito carona. te contratado é essencial, dado que muitas vezes
À semelhança do contexto empresarial anglo- o gestor-cooperado não se dedica integralmente
saxão, no qual o capital das empresas é pulveriza- às atividades, dividindo seu tempo com as ativida-
do e a assimetria de informação e influência entre des na empresa de vínculo (empregadora). Essa
gestor e principal pende fortemente para o pri- separação entre a diretoria, atuando por vezes em
meiro, também nas cooperativas de crédito a dis- tempo parcial, e o gerente profissional, conduz a
persão do controle provoca movimento semelhan- outros níveis de problemas de agência, tornando
mais complexa a fundamentação plena em mo-
te de baixa participação e a natural concentração
delos de participação e cooperação. As questões
de poder nos gestores. As propostas para solu-
de assimetria informacional, seleção adversa e ris-
ção desse problema, apontados pela teoria da
co moral se transferem para o âmbito da gestão
agência, são, basicamente, mecanismos de con-
interna da organização, diferentemente do que
trole como o monitoramento da gestão e a exi-
ocorre nas relações entre proprietários e gestores
gência de prestação de contas e transparência.
tratadas nos modelos de governança corporativa.
Entretanto, o predomínio dos critérios de confian-
Do ponto de vista da prestação de contas, repre-
ça, na escolha e suporte dos dirigentes, e na ava-
senta um agravante na necessidade dos controles
liação do desempenho da cooperativa, indicam
formais.
uma fragilidade de controle. Como afirmou um
A percepção dos gestores entrevistados apon-
entrevistado, a tranqüilidade do cooperado advém
ta à caracterização do ambiente interno das coo-
muito mais da confiança que sente nos gestores
perativas de crédito como marcado por fortes re-
do que nos mecanismos formais de controle: “A
lações de confiança, personalismo, participação e,
figura do gestor influi muito na confiança do coo-
em algum grau, centralização. O gestor principal,
perado”.
ao capturar – voluntária ou involuntariamente – a
Em relação ao comportamento e motivação confiança e expectativa dos participantes, torna-
dos gestores das cooperativas pesquisadas, as se emblemático da gestão da cooperativa, trans-
declarações dos entrevistados sinalizaram um formando sua figura no parâmetro de referência
modelo de homem e de comportamento mais de avaliação de toda a organização. Por outro lado,
próximo à teoria do stewardship , mais voluntario- a unicidade do conselho e diretoria diante do po-
so e orientado para a auto-realização e pelo ideal der catalisador desse gestor, e sua assimetria de
de servir à coletividade, em detrimento do mode- informações frente aos demais membros da go-
lo de homo economicus, basilar da teoria da agên- vernança, são elementos que justificam a consoli-
cia. Em todas as respostas, evidenciou-se um dis- dação de instrumentos formais de controle, ações
curso de trabalho, no cooperativismo, como for- indutoras da participação dos associados, e efica-
ma de contribuir para o grupo social, para o cole- zes mecanismos de comunicação.
minância do controle dos participantes sobre a ges- dade de uma maior atuação de órgãos externos
tão da cooperativa, baseado em relações de con- de controle, a exemplo das Centrais e dos órgãos
fiança, estabelecendo menor prioridade nos con- governamentais. >
troles e monitoramento formais, aponta a necessi- Recebido em: out. 2006 · Aprovado em: set. 2007
REFERÊNCIAS
AGRAWAL, Anup; KNOEBER, Charles agents: the structure of business . 28 set. 06.
R. Firm performance and mechanis- Boston: Harvard Business School BANCO CENTRAL DO BRASIL. Quan-
ms to control agency problems be- Press, 1985. p. 37-51. titativo de cooperativas por ramo e
tween managers and shareholders. ARTHURS, Jonathan D.; BUSENITZ, tipo, 31 ago. 2007. Disponível em: <
Journal of Financial and Quantita-
Lowell W. The boundaries and limi- http://www.bcb.gov.br/htms/Deorf/
tive Analysis , [S. l.], v. 31, n. 3, p. tations of agency theory and stewar- d200708/quadro3.asp>. Acesso em:
377-397, Sept. 1996. dship theory in the venture capita- 18 fev. 2008.
AGUILERA, Ruth V.; JACKSON, Gre- list/entrepreneur relationship. Entre- BANCO CENTRAL DO BRASIL. Quan-
gory. The cross-national diversity of preneurship: Theory & Practice
Practice, [S. tidade de cooperativas de crédito.
corporate governance dimensions and l.], v. 28, n. 2, p.145-162, Winter Disponível em: <http://
determinants. Academy of Manage- 2003. www.bcb.gov.br/htms/Deorf/
ment Review
Review, [S. l.], v. 28, n. 3, p. ARZBACH, Matthias. Gobierno Cor- d200708/quadro3.asp.>. Acesso em:
447-465, Jul. 2003. porativo en Mercados Emergentes 10 mar. 2008.
ALBANESE, Robert; DACIN, M. Tina; y el Caso de las Cooperativas de
BANCO CENTRAL DO BRASIL. Rela-
HARRIS, Ira C. Agents as Stewards. Ahorro y Crédito en América Lati- tório de Evolução do SFN, dez. 2006.
Academy of Management Review Review, na
na. São Paulo, Confederação Alemã Disponível em: <http://
[S. l.], v. 32, n. 3, p. 609-611, July de Cooperativas (DGRV), fev. 2004. www.bcb.gov.br/?REVSFN200612>.
1997. Disponível em: <http:// Acesso em: 14 mar. 2008.
AMESS, Kevin; HOWCROFT, Barry. w w w . d g r v . o r g / d o c s /
GobiernoCorporafebrero2004.pdf.>. BRASIL. Lei 5.764, de 16 de dez.
Corporate governance structures and 1971. Define a Política Nacional de
the comparative advantage of Credit Acesso em: 4 abr. 2006.
Cooperativismo, institui o regime ju-
Unions. Corporate Governance: An BANCO CENTRAL DO BRASIL. 50 rídico das sociedades cooperativas, e
International Review
Review, [S. l.], v. 9, n. maiores bancos e o consolidado do dá outras providências. Disponível em:
1, p. 59-65, Jan. 2001. Sistema Financeiro Nacional , dez. <http://www6.senado.gov.br/legisla-
ARROW, Keneth J. The economics of 2005. Disponível em: <http:// cao/ListaPublicacoes.actiohttp://
agency. In: PRATT, Jown W.; ZE- www.bcb.gov.br/fis/TOP50/port/ w w w . b c b . g o v . b r /
CKHAUSER, Richard J. Principals and Top502005120P.asp.>. Acesso em: ?REVSFN200612n?id=102369>.
Acesso em: 16 ago. 2007. Future of the Financial System”. Syd- Acesso em: 4 abr. 2006.
CARVALHO, Luiz Henrique de; OLI- ney, July 1996. Disponível em: JONES, Thomas M. Instrumental
<http://www.geocities.com/
VEIRA, Mauro José; CUNHA, Ronaldo stakeholder theory: a synthesis of
de Assis. Sicoob Central Crediminas: e_philip_davis/58-FINSTRU6.pdf>. ethics and economics. Academy of
Acesso em: 12 jul. 2003.
uma cooperativa central de crédito. Management Review
Review, [S. l.], v. 20,
2004. Monografia (Pós-graduação DAVIS, J. H.; SCHOORMAN, F. D.; n. 2, p. 404-437, Apr. 1995.
em cooperativismo) - Unicentro DONALDSON, L. Toward a stewar-
McCRAW, Thomas K. (Org.). Alfred
Newton Paiva, Belo Horizonte, 2004. dship theory of management. Aca-
demy of Management ReviewReview, [S. Chandler: ensaios para uma teoria
CIANCANELLI, Penny; REYES-GON- histórica da grande empresa. Rio de
ZALEZ, José Antonio. Corporate go- l.], v. 22, p. 20-47, 1997a.
Janeiro: FGV, 1998.
vernance in banking: a conceptual DAVIS, J. H.; SCHOORMAN, F. D.;
framework. European Financial Ma- DONALDSON, L. Davis, Schoorman, ORGANIZAÇÃO DAS COOPERATI-
nagement Association Conference. and Donaldson Reply: The distincti- VAS BRASILEIRAS - OCB. Brasil Co-
Atenas, June 2000. Disponível em: veness of Agency Theory and Stewar- operativo. Disponível em: <http://
< P a p e r s . s s r n . c o m / dship Theory. Academy of Manage- www.brasilcooperativo.coop.br/ocb/
paper.taf?abstract_id=253714>. ment Review
Review, [S. l.], v. 22, p. 611- >. Acesso em: 10 abr. 06.
Acesso em: 20 set. 2002. 613, 1997b. OLIVEIRA, Mauro José. Governança
CONSELHO MONETÁRIO NACIONAL. EISENHARDT, Kathleen M. Agency – corporativa: uma alternativa para a
Resolução 3.321 3.321, de 30 de setem- and institutional – theory explana- gestão do Cooperativismo de Crédi-
bro de 2005. Dispõe sobre a consti- tions: the case of retail sales com- to. Belo Horizonte: Banco Central do
tuição, a autorização para funciona- pensation. Academy of Manage- Brasil, 2004.
mento, o funcionamento, alterações ment Journal
Journal, [S. l.], v. 31, n. 3, p. PAGNUSSATT, Alcenor. Guia do co-
estatutárias e o cancelamento de 488-511, Sept.1988. operativismo de crédito
crédito: organiza-
autorização de cooperativa de FORTNEY, Mary Martha. The New ção, governança e políticas corpora-
crédito. Disponível em: <http:// Year Brings Impacting Challenges tivas. Porto Alegre: Editora Sagra
www5.bcb.gov.br/normativos/ for State System
System. 13 Jan. 2006. Dis- Luzzatto, 2004.
detahlamentocoreoia.sp?N=105258360&C=3321&ASS=RESOLUCAO+33.21>. ponível em: <http://
Acesso em: 8 mar. 2008. SHLEIFER, Andrei; VISHNY, Robert. A
www.nascus.org>. Acesso em: 13 abr. survey of corporate governance.
CONSELHO NACIONAL DE COOPERA- 2006.
Journal of Finance
Finance, [S. l.], v. 52, n.
TIVISMO. Resolução CNC nº 12 12, de HENDRY, J. The principal’s other pro- 2, p.737-783, June 1997.
23 de abril de 1974. Dispõe sobre a
blems: Honest incompetence and the
administração da sociedade coopera- SUNDARAMURTHY, Chamu; LEWIS,
specification of objectives. Acade-
tiva. Disponível em: <http:// Marianne. Control and collaboration:
my of Management Review
Review, [S. l.],
www.portaldocooperativismo.org.br/ paradoxes of governance. Academy
v. 27, p. 98-113, 2002.
sescoop/juridico/legislacao/#cnc12>. of Management Review
Review, [S. l.], v.
Acesso em: 8 mar. 2008. HÜBENTHAL, Dieter. El Problema de 28, n. 3, p. 397-415, July 2003.
la gobernabilidad en las CAC’s lati-
DAILY, Catherine; DALTON, Dan R.; noamericanas. Seminario Internaci- TRETER, Jaciara; KELM, Martinho
CANNELLA Jr., Albert A. Corporate onal Mejores Prácticas en las Coo- Luís. Decisões de investimentos e ges-
governance: decades of dialogue and perativas de Ahorro y Crédito
Crédito. tão do capital de giro na perspectiva
data. Academy of Management Re- DGRV-Proyecto Regional de Capaci- da governança corporativa - um es-
view
view, [S. l.], v. 28, n. 3, p. 371-382, tación para Proyecto Regional de tudo em cooperativas de produção do
July 2003. Capacitación para América Latina y Rio Grande do Sul. In: ENCONTRO
DAVIS, E. Philip. The role of institu- el Caribe América Latina y el Caribe. NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACI-
tional investors in the evolution of Asunción, 19-21 de Mayo de 2003. ONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PES-
financial structure and behavior. Disponível em: <http:// QUISA EM ADMINISTRAÇÃO –
Paper presented at the Reserve Bank w w w . d g r v . o r g / d o c s / ENANPAD, 25., 2005, Brasília.
of Australia’s Conference on “The GobernabilidadSemParaguay.pdf>. Anais... Brasília: ANPAD, 2005.