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Revista Eletrônica da Faculdade Metodista Granbery

http://re.granbery.edu.br - ISSN 1981 0377

Curso de Pedagogia - N. 16, JAN/JUL 2014

A ANÁLISE LINGUÍSTICA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA: EM BUSCA


DO DESENVOLVIMENTO DA COMPETÊNCIA COMUNICATIVA

Giovana Rabite Callian 1

Laura Silveira Botelho 2

RESUMO:
Na presente pesquisa desenvolvemos reflexões sobre a análise linguística como proposta para
o ensino da gramática na escola, já que as duas últimas décadas do século XX constituíram
um período de crítica sistemática à gramática tradicional e ao seu ensino. Este artigo tem
como objetivo apontar a diferença que há entre um ensino voltado para a prática de análise
linguística e o ensino gramatical. Além disso, pretendemos apresentar propostas concretas
para um trabalho profícuo da análise linguística na escola. Do ponto de vista metodológico,
desenvolvemos uma revisão bibliográfica de cunho exploratório com base em autores como
Travaglia (2002), Koch (2006), Possenti (1996), Bagno (1994), entre outros. Desenvolvemos,
também, uma pesquisa documental para apresentarmos algumas propostas para a prática de
análise linguística nas aulas de Língua Portuguesa, mostrando que é possível propor uma
forma de ensino de gramática produtiva e pertinente para o aluno, que vise ao
desenvolvimento de sua competência comunicativa.

PALAVRAS-CHAVE: Ensino de língua materna. Ensino de gramática. Variedades


linguísticas. Análise metalinguística. Análise epilinguística.

LINGUISTIC ANALYSIS AND PORTUGUESE LANGUAGE TEACHING: IN


SEARCH OF COMMUNICATIVE COMPETENCE

ABSTRACT:
The present work develops some reflections on linguistic analysis as a proposal for grammar
teaching in the schools, since the last two decades of the twentieth century were a period of
continued criticism towards mainstream grammar and its teaching. This paper is aimed at
pointing out the differences between linguistics-oriented and grammar-oriented teaching.
Besides, concrete proposals are aimed to be presented for effective work based on linguistic
analysis in the schools. Regarding methodology, exploratory documental research was carried
out, based on authors such as Travaglia (2002), Koch (2006), Possenti (1996) and Bagno
(1994), among others. Documental research was also developed so as to allow for some

1
Graduada em Pedagogia na Faculdade Metodista Granbery. E-mail: Giovanna_callian@hotmail.com
2
Doutoranda em Letras e mestra em Letras pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Professora de Língua
Portuguesa da Faculdade Metodista Granbery. Pesquisadora do grupo FALE da Faced/UFJF. E-mail:
laurabot@hotmail.com
proposals for the practice of linguistic analysis in the Portuguese language classes, showing
that it is possible to propose a productive and convenient approach to grammar teaching
aimed at developing communicative competence.

KEY-WORDS: Portuguese Language teaching. Grammar teaching. Linguistic varieties.


Linguistic analysis.

1 INTRODUÇÃO

O ensino de gramática nas aulas de Português como língua materna tem gerado
acirrados debates e questões desafiadoras para os professores de Língua Portuguesa e para
todos aqueles que estão envolvidos no processo educacional. Encontramos aqueles que
defendem o seu ensino, pois trata-se de salvaguardar uma tradição da sua língua, e ainda
acreditam que o ensino da gramática preserva a identidade linguística do seu país; e os que
não veem o porquê do seu ensino, alegando inconsistências teóricas e inadequação da teoria
gramatical à realidade linguística dos alunos.
3
Uma grande polêmica relacionada a um livro didático (Por uma vida melhor, da
coleção Viver, Aprender) destinado aos alunos da Educação de Jovens e Adultos, fez a
Associação Brasileira de Linguística – ABRALIN – vir a público manifestar-se em defesa dos
linguistas. Várias críticas foram feitas a respeito do livro, que, diga-se, foi aprovado pelo
Programa Nacional do Livro Didático – PNLD – e acata as orientações dos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa, doravante PCN-LP, em relação à concepção de
língua/linguagem que vigoram há muito tempo.
Portanto, as críticas feitas ao livro mostram a ignorância e alienação da mídia quanto
aos fatos da língua e acabaram colocando em evidência o que mais os linguistas se preocupam
em combater: o preconceito linguístico.
Em tal episódio ficou evidente que as pessoas que fizeram as críticas não leram o
livro. Fazendo uma análise da página tão criticada pela mídia em geral, podemos perceber
que o livro defende o ensino da norma culta e das outras variedades, desde que esteja de
acordo com o contexto específico. O que se tentou ressaltar na obra é que cada padrão exigido
numa situação comunicativa tem formas adequadas e inadequadas de expressão do idioma, e
não de certo e errado.

3
O livro foi acusado de defender o ensino do “português errado” por considerar como objeto de estudo as
variantes linguísticas menos prestigiadas socialmente.
Muitos estudos apontam que, se o aluno toma consciência do modo como ele fala, tem
ele melhores condições de se apropriar da regra e usá-la quando for necessário, porém a
tentativa de aproximar essa variedade popular da forma padrão tem sido considerada uma
audácia.
É fato que a língua está sempre sofrendo modificações. Formas linguísticas podem
perder ou ganhar prestígio e até mesmo desaparecer. Além disso, todas as línguas apresentam
variedades. A linguística demonstra que nenhuma língua fica ameaçada, ou será desvalorizada
por aceitar, como corretas, determinadas formas de falar que não estão presentes nos
compêndios gramaticais.
Defender uma coisa não significa combater outra, como já disse o professor Marcos
Bagno, e o papel da escola é dar acesso a todas as variedades existentes, ficando a cargo da
linguística descrever esses fenômenos, ajudando a entender melhor o funcionamento das
línguas, dando respaldo ao processo de ensino.
Entende-se que o que os professores de Língua Portuguesa vêm fazendo em sala de
aula acaba afastando a língua da realidade social do indivíduo, tornando-se algo artificial e
sem significado.
Em virtude disso, a gramática tornou-se um problema na vida dos professores. Com as
reiteradas críticas feitas a ela, os professores acabam ficando sem saber o que fazer; muitos,
ao tentar inovar, acabam não fazendo nada que seja significante para a vida dos alunos. O
professor deve ampliar sua concepção sobre o que é língua e fazer uma real integração na
estrutura do seu ensino.
Diante de tantos resultados insatisfatórios da ênfase nas aulas de gramática, somos
convidados a refletir sobre essa prática e a adotar uma nova metodologia que privilegie as
habilidades de leitura e escrita. Assim, a proposta da prática de análise linguística em
contraposição ao ensino da gramática tradicional vem ganhando cada vez mais espaço nas
aulas de Língua Portuguesa. Este artigo busca, pois, refletir sobre as práticas de análise
linguística e, dessa forma, apresentar propostas didáticas para torná-las concretas na escola.

2 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE LINGUAGEM E GRAMÁTICA

Antes de iniciarmos nossas discussões é necessário fazer uma distinção muito


importante entre norma padrão e língua culta. De acordo com os esclarecimentos de Bagno
(2003) e Faraco (2008), na designação do termo língua culta há muitos pressupostos. O termo
“culta” tomou sentido absoluto e acabou sugerindo uma oposição a normas “incultas”, que
seriam aquelas faladas por grupos considerados sem cultura, dizendo que esses não sabem
falar ou falam errado. Todavia, como acreditam os autores, não existe grupo sem cultura. Em
virtude disso, o sentido do adjetivo “culta” está estritamente relacionado à cultura escrita.
Assim, Faraco (2008, p. 56) define a expressão “língua culta” como:

[...] a norma linguística praticada, em determinadas situações (aquelas que


envolvem certo grau maior de monitoramento), por aqueles grupos sociais
que têm estado mais diretamente relacionados com a cultura escrita.

Nessa perspectiva, Bagno (2003) afirma que a língua classificada como materna é
muito diferente da norma padrão tradicional. Segundo o autor, ela é um português vivo,
dinâmico, que está presente na nossa sociedade multifacetada.
A discussão que gira em torno desses termos é tão acirrada que até mesmo os próprios
linguistas, procurando ser o mais criteriosos possível, acabam cometendo alguns deslizes e se
deixam levar por certas ambiguidades contidas nesses termos. Assim, norma padrão é aquela
idealizada; um exemplo são os registros de algumas gramáticas normativas. Norma culta é
aquela usada por uma comunidade linguística; um exemplo são os registros do projeto NURC
(Projeto da Norma Urbana Oral Culta) 4.
De acordo com Antunes (2007), um dos desafios do ensino da língua portuguesa tem
sido a dificuldade de saber qual linguagem usar em determinadas situações, e, além disso,
saber identificar os diferentes níveis de formalidade. Muitos saem das escolas sem saber
interpretar textos e sem saber expressar-se fora das situações a que estão acostumados.
Segundo a autora, as escolas consolidaram o uso de uma gramática equivocada, que reduz a
língua, não oferecendo uma compreensão mais ampla, mais relevante, do que sejam os usos
da linguagem na vida das pessoas.
Para os estudiosos da língua, isso acontece porque o padrão é ensinado como se fosse
uma verdade inabalável e, a partir disso, a noção de erro passa a ser social, ou seja, só falam
errado aquelas pessoas de classes desprestigiadas.

4
O Projeto NURC, como passou a ser chamado, no Brasil, teve, desde o seu início, em 1970, o objetivo de
caracterizar a modalidade culta da língua falada nesses centros urbanos, adotando-se, para isso, critérios
rigorosos que assegurassem o controle de variáveis e permitissem o confronto de dados. Esse projeto visa ao
estudo da fala culta, média, habitual, através de uma documentação sonora capaz de fornecer dados precisos
sobre a nossa língua, respeitadas as diferenças culturais de cada região. Procurou-se, desde o início, deixar claro
que não se tratava de estudar uma norma imposta segundo critérios externos de correção e de valoração
subjetiva, mas sim de estudar a pluralidade de linguística objetivamente comprovada no uso oral. Fonte:
http://www.letras.ufrj.br/nurc-rj
No dizer de Travaglia (2002), toda essa discussão nos leva a ressaltar uma questão
muito importante para o ensino de língua materna: o modo como os professores concebem a
língua e a linguagem irá refletir na estrutura do seu trabalho com a linguagem. Autores como
Koch (1996) e Travaglia (2002) adotam como concepção de linguagem aquela que se baseia
no processo de interação, ou seja, a linguagem é vista pela produção de efeitos de sentido
entre interlocutores que interagem como sujeitos e ocupam lugares sociais. Citando Bakhtin
(1997) para essa concepção:

A verdadeira substância da linguagem não é constituída por um sistema


abstrato de formas linguísticas, nem pela enunciação monológica isolada,
nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social
da interação verbal, realizada pela enunciação ou pelas enunciações. A
interação verbal constitui, assim, a realidade fundamental da linguagem.

Mas afinal, o que é gramática? E o que seria saber gramática? Travaglia (2002) define
três concepções sobre o conceito de gramática. A primeira concebe a gramática como um
manual de regras do bom uso da língua para aqueles que querem falar e escrever bem.
Organizada por especialistas que se baseiam no uso da língua consagrado pelos bons
escritores, essa concepção acaba ignorando características próprias da língua oral, gerando
vários tipos de preconceitos linguísticos.
Nesse sentido, conforme sustenta Antunes (2007), essa gramática não trata a realidade
da língua, ela representa o falar social mais aceito, criando usos linguisticamente considerados
melhores que outros, advindo de razões puramente sociais, definindo como fala errada
exatamente a fala da classe social que não tem prestígio.
A segunda concepção de gramática apresentada por Travaglia (2002) é aquela que faz
uma descrição da estrutura e do funcionamento da língua, de sua forma e função; é conhecida
como gramática descritiva. As regras a serem seguidas são aquelas que os falantes utilizam na
construção real da comunicação, privilegiando a descrição da língua oral, propondo uma
homogeneidade do sistema linguístico, abstraindo a língua de seu contexto.
A terceira concepção de gramática, ainda de acordo com Travaglia (2002), é aquela
que considera as variedades da língua que estão de acordo com a situação de interação
comunicativa. A gramática é vista como um conjunto de regras de que o falante se apropriou
naturalmente.
Esses conceitos sobre gramática deixam clara a existência de pelo menos três tipos de
gramática entre tantos outros que poderíamos citar. Entretanto vamos nos deter nos quatro
tipos mais conhecidos e utilizados.
O primeiro é a gramática normativa, que, no dizer de Travaglia (2002), é aquela que
estuda os fatos da norma padrão. Tem como foco a modalidade escrita da língua, dando pouca
importância, ou quase nenhuma, à variedade oral. A gramática normativa apresenta e dita as
normas do falar e escrever bem, e o que deve ou não ser utilizado na língua. Ela regula o uso
da língua na sociedade e consolidou apenas uma variedade como válida e verdadeira.
Essa visão de gramática tem raiz no importante papel da escrita, que, segundo Miranda
(2006), foi um dos fatores necessários ao surgimento das ciências da linguagem. Em outras
palavras, a escrita acabou por transformar a fala do indivíduo em objeto estável e algo a ser
resolvido, pois grande era o número de variedades linguísticas.
Ainda contemplando Travaglia (2002), os critérios de qualidade utilizados pela
gramática normativa, na maioria das vezes, são problemáticos e não dão importância à
realidade linguística. No entanto, o autor afirma que a gramática normativa tem sua
importância e que às vezes é necessário utilizá-la para que o aluno desenvolva sua
competência comunicativa de forma que ele saiba utilizar adequadamente também a variedade
de prestígio da língua. Porém, deve-se estar atento ao seu ensino, a fim de evitar a formação
de preconceitos e criar uma resistência ao ensino do português, inculcando nos alunos a ideia
de que o português é uma língua muito difícil.
Assim, baseando-se nesse tipo de gramática, o ensino da língua ganha o foco
prescritivo, que, segundo Travaglia (2002), leva o aluno a substituir suas convicções sobre a
língua, consideradas erradas e inaceitáveis, por outras, consideradas aceitáveis e corretas. Esse
tipo de ensino só visa ao trabalho com a variedade escrita culta, interferindo nas habilidades
linguísticas existentes, e tem como objetivo a correção formal da linguagem.
Tanto essa gramática quanto esse tipo de ensino tornaram-se alvo de questionamentos
e reiteradas críticas devido as suas inconsistências teóricas. As ciências linguísticas passaram
a afirmar que tal modelo, centrado na variedade padrão era insuficiente para desenvolver as
competências discursivas dos alunos e propuseram outros modelos de gramática, além da
construção de novos referenciais teóricos para o trabalho pedagógico com a língua materna.
O segundo tipo de gramática é a teórica. Conforme define Travaglia (2002), a
gramática teórica é uma sistematização da língua que busca explicitar sua estrutura,
constituição e funcionamento. É construída a partir das teorias e modelos da ciência
linguística. Essa gramática se apropria dos elementos das gramáticas descritivas e de parte da
descrição que aparece nas gramáticas normativas. Pode ser entendida como “uma explicitação
do mecanismo dominado pelo falante que lhe possibilita usar a língua” (TRAVAGLIA, 2002,
p. 33).
Nessa perspectiva, o autor faz uma consideração muito pertinente, chamando a
atenção para não confundirmos a gramática teórica com a normativa, como frequentemente é
observado. Segundo o autor, a gramática normativa tem caráter “legislativo”, designando o
que é certo e o que é errado, enquanto a teórica é mais um recurso a ser utilizado nas aulas
para ajudar a desenvolver a competência comunicativa, auxiliando o aluno a pensar
cientificamente a realidade linguística. A gramática teórica não é a metalinguagem pura, sem
objetivo; ao contrário, trabalha essa perspectiva, auxiliando no desenvolvimento da
competência comunicativa do aluno.
O terceiro tipo é a gramática reflexiva. De acordo com Soares (1979), essa gramática
surge da “reflexão com base no conhecimento intuitivo dos mecanismos da língua e será
usada para o domínio consciente de uma língua que o aluno já domina inconscientemente”.
Entretanto, Travaglia (2002) vai mais além e afirma que a reflexão deve atuar também para o
domínio de uma variante linguística que o aluno ainda não conhece.
Essa gramática tem como objetivo levar o aluno a conhecer a estrutura, o
funcionamento, a forma e a função da língua, e ainda possibilitar ao aluno pensar, desenvolver
o raciocínio científico, para que possa fazer uma análise sistemática dos fatos e fenômenos
que vai encontrar na sociedade.
O quarto tipo é a gramática de uso. Especialistas como Travaglia (2002, p.111) e
Possenti (1996) definem a gramática de uso como “implícita”, estando diretamente ligada à
gramática internalizada do falante. É, segundo os autores, um conjunto de regras dominado
pelo falante que lhe permite o uso normal da língua, habilitando-o a falar e ser compreendido.
Tem como finalidade a internalização de regras e princípios de uso da língua, sem descrever
seus elementos, para que o falante possa utilizar esses recursos em situações concretas e
específicas de interação comunicativa.
O trabalho com essa gramática pode ser feito de diversas maneiras. Dentre elas,
Travaglia (2002) aponta o trabalho voltado para a produção oral e escrita dos alunos, que
permite a análise dos diferentes tipos de registros, das diferentes variedades linguísticas,
familiarizando o falante com esses aspectos, para que esse saiba quando é adequado ou não
utilizar uma forma ou outra de falar.
Um fato relevante apontado por Travaglia (2002) é a suposição de que o aluno, já
possuindo a variedade coloquial, deve ser direcionado ao aprendizado da variedade culta.
Porém, deve-se estar atento ao fato de que o aluno não domina elementos de outras variedades
e que estas precisam ser trabalhadas, pois assim ele terá à sua disposição um maior número de
recursos da língua.
O autor faz uma crítica, embora breve, mas muito pertinente, aos livros didáticos, que,
de acordo com ele, trazem exercícios isolados sobre um fato da língua, mas não propõem uma
automatização dos seus usos e recursos. Além disso, os livros didáticos apresentam a língua
de forma fragmentada, cabendo ao professor orientar seu trabalho para os fatos linguísticos de
uma forma sistemática que vá ao encontro das necessidades dos seus alunos.
Travaglia (2002) sustenta que a gramática de uso proporciona um ensino produtivo,
que busca ampliar o uso da língua de maneira mais eficiente. Segundo o autor, o objetivo é
valorizar os recursos que o indivíduo possui, sem interferir nas habilidades já adquiridas, para
que o falante possa, sempre que necessário, saber adequar-se às diversas situações
comunicativas.
Para o estudioso, essa gramática é a mais adequada para desenvolver a competência
comunicativa do falante. Entretanto, o autor acredita que essas gramáticas – uso, reflexiva,
teórica e normativa – não são excludentes, pelo contrário, elas podem ser trabalhadas em
conjunto, desde que estejam de acordo com os objetivos didáticos propostos. O que não deve
ser feito é hipervalorizar a gramática normativa em detrimento das outras, como vem
acontecendo, causando prejuízos na formação do aluno em termos de conhecimento
linguístico. Assim, na próxima seção, para entendermos esse processo que estigmatiza
determinados falares e nos aproximarms mais da realidade linguística do português brasileiro,
achamos pertinente apresentar algumas ideias sobre as variedades linguísticas, mostrando
como elas constituem-se.

3 VARIAÇÃO LINGUÍSTICA E O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA

Na presente seção, fundamentada nas ideias de Bortoni-Ricardo (2004), Possenti


(1996) e Bagno (1994), discutiremos questões referentes às variedades linguísticas e como
elas afetam diretamente o ensino da língua portuguesa e, por consequência, a reflexão
linguística.
Segundo Bortoni-Ricardo (2004), ao entrar para a escola, a criança está transitando de
uma cultura predominantemente oral, para outra permeada pela escrita e, consequentemente,
irá encontrar na sala de aula uma grande variação no uso da língua. Como ainda não domina
muitos recursos comunicativos, devido à falta do contato com a língua escrita, não consegue
monitorar tanto a fala, principalmente em estâncias públicas formais.
Possenti (1996) defende a ideia de que esse monitoramento está estritamente
relacionado com o domínio da leitura e escrita. Mas, as escolas, preocupadas com o ensino da
gramática, acabam deixando de lado essas atividades importantíssimas. Observa-se que
muitos alunos saem da escola sem saber produzir um bom texto e com muita dificuldade em
ler os variados gêneros textuais presentes em nossa língua. O objetivo das escolas deveria ser
a formação de leitores proficientes e bons escritores, para que possam executar essas
atividades com naturalidade e facilidade.
Logo, se esse objetivo não está sendo alcançado, é sinal de que existe alguma coisa
errada com o ensino da Língua Portuguesa. Caso a pretensão da escola seja atingir um grau de
utilização efetiva da língua, a leitura e a escrita devem ser trabalhadas constantemente, para
que ocorra um verdadeiro aprendizado da Língua Portuguesa. É necessária também, uma
conscientização dos professores, para que não vejam essas atividades apenas como tarefas a
serem realizadas em casa, pelo contrário, devem ser trabalhadas em sala de aula junto com os
alunos, para que criem, recriem e vejam o quanto há de possibilidades sobre a língua.
Como existem vários grupos em nossa sociedade, a variedade dialetal também é muito
grande e ela é decorrente de diversos fatores como, por exemplo, os grupos etários, o gênero,
o status socioeconômico, o grau de escolaridade, entre outros. Diante desse fato, Bortoni-
Ricardo (2004) e Possenti (1996) afirmam que cada grupo acaba julgando a fala dos outros a
partir da sua e, assim, veem essa diferença como um erro, um defeito. A partir disso, surge a
concepção de que um uso linguístico é superior ao outro.
Nessa perspectiva, Perini (1996) faz uma consideração muito relevante. O autor
acredita que ninguém comete erros ao falar sua própria língua e que:

[...] qualquer falante de português possui um conhecimento implícito


altamente elaborado da língua, muito embora não seja capaz de explicitar
esse conhecimento [...]. Mesmo pessoas que nunca estudaram gramática
chegam a um conhecimento implícito perfeitamente adequado da língua.
(PERINI, 1996, p. 124).

Assim, devemos acabar com essa ideia de caracterizar uma fala ou dialeto como certo
ou errado e substituir por critérios de adequabilidade e aceitabilidade.
Essa questão da variedade linguística esbarra no ensino da gramática, pois muitos
estudiosos acreditam que para saber falar uma língua, é preciso saber a gramática com todas
as suas regras de cor. No entanto, todos nós, mesmo sem nunca ter ido à escola, temos noção
de muitas regras, que são internalizadas conforme nosso desenvolvimento no meio em que
vivemos. Os falantes da língua materna possuem um saber bastante abrangente sobre ela, pois
são capazes de formular frases complexas e fazer interpretações coerentes de textos. Mais
importante que o conhecimento gramatical é o conhecimento necessário para falar
efetivamente a língua.
O que se observa, segundo Bortoni-Ricardo (2006), é que os professores estão cada
vez mais perdidos e não sabem como agir diante dessas variedades, nem como livrar-se do
tradicional ensino gramatical. Na mesma perspectiva, Bagno (1994) afirma que não há
utilidade alguma nesse tradicionalismo se o objetivo for formar um usuário competente da
língua culta. Diante desse impasse, os docentes acabam tomando determinadas atitudes que
não contribuem para ampliar a competência comunicativa do aluno.
Para auxiliar essa insegurança do professor, Bortoni-Ricardo (2004) sugere, como
estratégia didática, duas posições que o docente pode vir a adotar: identificar e conscientizar-
se dessa diferença. Para isso, é necessário que o professor esteja atento à fala do aluno e que
conheça as regras que regem a variante padrão da língua. Assim, poderá intervir no momento
mais adequado, conscientizando-o para que ele possa monitorar-se.
Bagno (1994) também sugere que os professores redirecionem sua metodologia para
descobrir novas maneiras de tornar os alunos usuários competentes da língua, elevando o que
ele chama de “auto-estima linguística” (1994, p. 115). Dessa forma, eles se sentem mais
seguros com relação ao uso da língua, e não meros reprodutores de teorias gramaticais.
Conforme sustenta o autor, a língua é viva e dinâmica, não está pronta e acabada, como nos é
apresentada pela gramática tradicional.
Bagno (1994) e Possenti (1996) apontam uma questão muito relevante para que se
rompa com essa visão preconceituosa de que um dialeto é melhor que o outro. Segundo os
autores, é necessário uma reavaliação da noção que temos de erro para uma melhor orientação
do trabalho.
Possenti (1996) argumenta que temos tendência a considerar como erro as formas que
distinguem os falantes, pois elas destoam. De fato, há “erros” que chocam e outros que não
chocam mais, porque são usados por um grupo de mais prestígio. O importante é saber que a
diferença entre o que o indivíduo sabe sobre a sua língua e o que lhe falta para aprender o
padrão é bem pequena. As semelhanças são muito maiores que as diferenças. Análises feitas a
respeito disso revelam que: os alunos acertam mais do que erram; os erros em geral são
hipóteses significativas (se não é reconhecido pela comunidade dos falantes, são
abandonados); os erros são sempre os mesmos; e o número de erros é maior que os tipos de
erros.
Essa proposta é muito importante, pois muda o modo como os professores devem
tratar os erros dos alunos. Sabemos que a marcação de erros traz um valor simbólico aos
alunos, e talvez essa nova perspectiva oriente o modo do professor lidar com isso,
modificando, dessa maneira, positivamente, o desempenho do aluno.
Como ressalta Bagno (1994), “ensinar bem é ensinar para o bem”, respeitando e
valorizando o conhecimento do aluno (BAGNO, 1994, p.145).
No dizer de Bagno, muito do que é considerado erro de português não passa de um
desvio ortográfico, o que não tem nada haver com a língua, pois são conhecimentos
diferentes. Além disso, “todo falante nativo de uma língua é um falante plenamente
competente dessa língua... capaz de discernir intuitivamente se um enunciado obedece ou não
às regras de funcionamento da língua” (BAGNO, 1994, p.24).
Portanto, segundo o estudioso, os professores tendem a chamar de erro qualquer
manifestação linguística que esteja em desacordo com a gramática normativa. O que não
procede, pois, como observamos, ninguém comete erros de português ao falar sua própria
língua.
Para Bagno (1994), o combate ao preconceito linguístico deve começar na
conscientização e aceitação de que não existem erros de português, e sim diferenças de uso
que fogem à gramática normativa; isso devido ao fato de que a língua, dinâmica como é, está
sempre seguindo seu processo evolutivo.
Assim, o domínio efetivo de uma língua nada tem haver com o domínio de uma
metalinguagem técnica; o tradicionalismo criado em torno do ensino da gramática é um
grande obstáculo a ser superado. Diante de tantas dúvidas sobre o que deve ser tratado no
ensino da língua portuguesa e do despreparo dos professores, e para que esse ensino não
continue apresentando-se cheio de lacunas, criou-se um documento que orienta a prática
docente, trazendo diversas contribuições para o ensino da língua portuguesa, os PCN, ponto
de discussão da próxima subseção.

3.1 Contribuições dos PCN – LP para o ensino

Segundo Antunes (2003), os Parâmetros Curriculares Nacionais – Língua Portuguesa


(PCN – LP), elaborados para dar subsídios a uma reorientação das práticas pedagógicas,
privilegiam a dimensão interacional e discursiva da língua, defendendo-a como uma das
condições para a plena participação do indivíduo em seu meio social. Além disso,
estabelecem que os conteúdos de Língua Portuguesa devam se articular em torno do eixo uso
– reflexão – uso, portanto, nenhuma atenção é concedida aos conteúdos gramaticais, tal como
exigem os programas de ensino.
Segundo os PCN-LP, o índice de fracasso escolar está intimamente relacionado com a
dificuldade que a escola tem para ensinar a ler e escrever. A escola não consegue garantir um
uso produtivo da linguagem que tenha significado para o aluno.
Em virtude de tantos fracassos, os PCN-LP apontam a necessidade de se rever o
ensino da Língua Portuguesa e consequentemente abandonar as práticas tradicionais. A nova
proposta sugere uma leitura profunda e contextualizada, prazerosa, que faça sentido e se
adéque às normas e aos objetivos comunicativos, abordando os conteúdos gramaticais. A
gramática deve ser entendida e não decorada, a reflexão gramatical deve estar unida à leitura e
à produção escrita, garantindo aos alunos os saberes linguísticos necessários para que ele,
além de ter acesso à informação, possa exercer uma efetiva participação social, ampliando,
assim, sua capacidade de uso da língua.
De acordo com esse documento, o ensino e aprendizagem da Língua Portuguesa se dá
a partir da relação de três elementos fundamentais: o aluno, a língua e o ensino. O aluno
aparece como sujeito da ação de aprender; já a língua é o objeto de conhecimento, tanto em
sua forma culta, quanto popular; e, por fim, o ensino deve ser o caminho pelo qual o aluno
adquire o conhecimento sobre a língua. É importante ressaltar a presença do professor, que
deverá perpassar por todos os elementos dessa tríade; ele é quem deve pensar no que é
relevante para o aluno aprender e qual a melhor maneira de levá-lo até o conhecimento.
Nessa perspectiva, podemos observar que a aprendizagem da língua portuguesa se dá a
partir de uma reflexão que se faz sobre ela.
As atividades de reflexão são muito importantes na prática de análise linguística. Os
PCN’s-LP classificam essas atividades em epilinguísticas e metalinguísticas.
Entende-se por atividades epilinguísticas, de acordo com os estudos de Franchi (2006),
aquelas voltadas para a reflexão que todo falante de uma língua realiza ao fazer uso dela. Não
há preocupação com classificação ou regularidades, por exemplo, em relação ao estudo de um
determinado texto. O que importa é a sua compreensão, interpretação, vocabulário, relação
entre título e conteúdo. Assim, vale a reflexão sobre o uso da língua, e não a correção de
irregularidades.
Já as metalinguísticas, ainda contemplando as idéias de Franchi (2006), demandam
uma análise mais sistemática, que se apóia em conceitos e nomenclaturas que descrevem os
fenômenos linguísticos; está mais ligada a uma reflexão gramatical. Permite, assim, que os
alunos percebam certas regularidades de aspectos da língua e classifiquem suas características
específicas. Essas atividades não devem, entretanto, ser o foco de ensino, mas são
importantes, pois permitem um uso mais adequado e consciente da língua.
Segundo os PCN-LP, para os professores trabalharem de forma reflexiva sobre a
língua, é muito importante que desenvolvam estas atividades de acordo com o eixo
metodológico: USO – REFLEXÃO – USO. Ou seja, primeiramente faz-se um uso ingênuo,
superficial, descomprometido da língua, para posteriormente refletir sobre esse uso e, assim,
chegar a um uso comprometido, mais consciente, seguro e politizado.
Essa prática proporciona ao aluno o uso efetivo da língua e cria condições reais de
interação, provocando debates sobre o funcionamento da linguagem, incitando dúvidas e
buscando hipóteses. Se bem orientado, tudo isso pode se transformar numa intensa reflexão
sobre a linguagem. Somente realizando atividades desse tipo é que faz sentido trabalhar a
metalinguagem, pois assim o aluno será capaz de, gradualmente, descrever sua própria língua.
Assim, os PCN apontam para uma perspectiva de ensino diferente da tradicional, mais
voltada para a reflexão sobre a língua, caracterizando uma nova proposta de ensino
denominada Análise Linguística. Mas muitas dúvidas surgem em relação a esse trabalho.
Afinal, o que é análise linguística e como trabalhá-la sem cair na gramática tradicional? Esse
ensino substitui as nomenclaturas gramaticais por nomenclaturas linguísticas?
Dessa forma, em função das questões apresentadas acima, apresentaremos, a seguir,
propostas de trabalho a partir da perspectiva da análise linguística na sala de aula.

4 POSSIBILIDADES DE TRABALHO COM ANÁLISE LINGUÍSTICA

Diante de tudo o que já foi discutido, podemos afirmar que a prática convencional de
ensino da gramática não faz mais sentido quando o objetivo é formar alunos linguisticamente
competentes. Em virtude disso, iremos apresentar propostas para uma prática de reflexão
linguística desejável, a análise linguística, baseada nos estudos de Mendonça (2006).
De acordo com seus esclarecimentos, o termo análise linguística foi criado por
Geraldi, em 1984, para denominar uma nova perspectiva de reflexão sobre a língua, em
oposição ao ensino tradicional.
A análise linguística aparece como uma alternativa didática para dar suporte às
práticas de leitura e produção de textos, possibilitando uma reflexão ativa e consciente dos
fenômenos gramaticais, textuais e discursivos.
De acordo com Mendonça (2006, p. 205):

[...] O termo análise linguística [...] surgiu para denominar uma nova
perspectiva de reflexão sobre o sistema linguístico e sobre os usos da língua,
com vistas ao tratamento escolar dos fenômenos gramaticais, textuais e
discursivos para se contrapor ao ensino tradicional de gramática, para firmar
um novo espaço, relativo a uma nova prática pedagógica [...]

Nessa perspectiva, Mendonça (2006) propõe exemplos de atividades que utilizam


análise linguística como ferramenta e auxílio para um ensino eficaz. Todas as atividades
partem da leitura e da produção textual para detectar quais as dificuldades e os problemas
serão objeto de estudo de análise linguística na sala de aula. Essas atividades irão culminar
com a reescrita dos textos, quando as dúvidas, provavelmente, serão sanadas (USO-
REFLEXÃO-USO). O texto produzido pelo aluno é uma fonte diagnóstica em que o professor
investiga avanços e dificuldades tanto na escrita quanto nas estratégias discursivas.
Miranda (2006, p.48) também define uma estratégia que denominou de “hipótese da
via-de-mão-dupla”. Segundo ela, a produção de textos feita pelos alunos deve ser articulada
com a leitura de diversos gêneros textuais. Além disso, essas atividades devem explorar os
conhecimentos que o aluno já possui com os que ele irá adquirir, levando-o ao
desenvolvimento da reflexão metalinguística. Isso irá contribuir para a autonomia gradual do
leitor e formará estratégias para se obter escritores proficientes. Para essa autora, a condição
sine qua non para se formar bons escritores e leitores é a convivência com textos modelares
que abarquem diversos gêneros.
A autora sustenta que a apropriação dos diversos gêneros textuais (notícia, carta,
relato, etc.) irá ampliar a capacidade discursiva do aluno para o uso da língua em qualquer
situação.
Assim como Miranda (2006), Dolz e Schneuwly (2004) acreditam que o trabalho com
os gêneros, por meio da sequência didática, também contribui para a prática de análise
linguística. Os autores definem sequência didática como “um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito” (DOLZ;
SCHNEUWLY, 2004, p.82).
Dessa forma, o professor deve selecionar o gênero a ser trabalhado e explorar todos os
seus aspectos discursivos e sociais. A primeira produção, conforme sustentam os autores, não
pode ser avaliativa; deve-se observar quais aspectos serão considerados nos módulos a partir
de uma categorização das dificuldades apresentadas pelos alunos, para serem trabalhadas nos
módulos seguintes. Por exemplo, se no trabalho com o gênero propaganda houver dificuldade
por parte dos discentes em relação ao uso do imperativo, é importante que o professor elabore
atividades reflexivas sobre tal assunto. Com isso, na reescrita, os alunos poderiam refletir
sobre a construção do imperativo em seus textos, sanando suas dúvidas e dificuldades.
Retomando os esclarecimentos de Mendonça (2006), ela afirma que certos aspectos da
língua necessitam de uma orientação mais sistemática e normativa, para que os alunos possam
dominá-los e ampliar cada vez mais sua capacidade de compreensão. Assim, ela cita Geraldi:

[...] A análise linguística inclui tanto o trabalho sobre as questões


tradicionais da gramática quanto questões amplas a propósito do texto [...] a
prática de análise linguística não poderá limitar-se a higienização do texto do
aluno [...] limitando-se a correções. Trata de trabalhar com o aluno o seu
texto para que ele atinja seus objetivos junto aos leitores a que se destina [...]
(GERALDI, 1997 apud MENDONÇA, 2006, p. 206).

Muitos professores ainda estão arraigados às aulas de gramática convencionais,


mesmo sabendo das falhas que esse modelo apresenta, pois possuem dificuldade para
trabalhar a prática de análise linguística, ou seja, não sabem articular o sentido do ensino às
necessidades apresentadas pelos alunos.
Outra questão que chama muita atenção é o ensino das nomenclaturas. Ainda de
acordo com Mendonça (2006), o conhecimento delas é fundamental, pois não basta apenas
saber, é preciso saber verbalizar o seu saber. A nomenclatura é mais uma ferramenta no
processo de aprendizagem. O que não deve acontecer é ela tornar-se o objetivo das aulas. O
aluno deve sempre buscar desenvolver suas habilidades de leitura e escrita, mas também deve
ter acesso às nomenclaturas técnicas, pois são saberes socialmente valorizados.
Para exemplificar, a autora propõe uma comparação das diferenças no tratamento de
um mesmo fenômeno linguístico, seguindo a tradição das aulas de gramática e a proposta de
análise linguística. Tomemos, como objeto de ensino, a concordância verbal. A estratégia
mais utilizada é a resolução de exercícios estruturais, com frases e períodos para escrita da
forma verbal correta. Assim, espera-se que o aluno desenvolva a competência de utilizar as
formas verbais corretas e justifique a concordância, explicando a regra prescrita pela
gramática normativa.
Entretanto, na proposta de análise linguística, tendo o mesmo objeto de ensino, a
estratégia seria analisar e comparar textos, principalmente as produções dos próprios alunos,
com uma posterior reescrita. Mendonça (2006) sugere até mesmo uma consulta à gramática,
para compreender porque determinada concordância se faz de certa forma, provando, assim,
que essa proposta não é excludente. Com isso, espera-se que o aluno perceba a que termo o
verbo se refere (qual é o sujeito), para que a concordância esteja em conformidade com a
variante mais utilizada. Além disso, espera-se que o discente do Ensino Médio habitue-se a
consultar a gramática, com mais autonomia, em momentos de dúvida.
A mudança na prática pedagógica do ensino da língua é gradual e complexa, e deve
ser incorporada, complementando as práticas de leitura e produção de textos.
Autores como Possenti (2006), Neves (2002) e os PCN-LP também sugerem mais
algumas propostas que podem auxiliar os professores em sala de aula.
Conforme visto, os PCN-LP adotam uma perspectiva sociointeracionista da
linguagem, colocando-se contrários ao ensino tradicional da língua, que se baseia nos
compêndios gramaticais. A metodologia proposta por esse documento leva em consideração o
saber linguístico do aluno para, assim, verificar o que deve ser desenvolvido, levando sempre
em consideração o caráter interativo da língua. O trabalho do professor deve estar centrado
em ampliar a linguagem que o aluno já possui e auxiliá-lo a dominar as outras, utilizadas em
diferentes esferas sociais.
Um exemplo de atividade dado é a comparação de diferentes variedades linguísticas.
O professor deve mostrar ao aluno o quanto a língua é rica e dinâmica. Antunes (2007)
sugere, como atividade, o trabalho com histórias do Chico Bento, personagem criado por
Maurício de Souza. É importante que o aluno tenha consciência de que outras variedades
coexistem no país e que nenhuma possui mais valor do que a outra. O professor pode,
inicialmente, trabalhar o gênero história em quadrinhos, verificar o conhecimento prévio do
aluno, explorar as características do personagem, solicitar aos alunos que reescrevam a
história, preservando suas características originais, mas que deem outro final, entre outras
questões que podem ser abordadas.
A autora chama atenção para um fato que, segundo ela, tem sido muito comum; propor
exercícios a partir de textos fora da norma culta. Muitos professores pedem aos alunos que
passem a fala do personagem para a norma culta. Isso traz a ideia de que uma fala é melhor
que a outra, quando, na verdade, como já observamos, a fala de cada um é a marca da
identidade cultural do seu grupo. Portanto, essa não seria uma boa prática de análise
linguística. Trabalhar com outras variedades seria uma forma de cultivar noções de respeito
ao direito que cada um tem de se expressar.
Possenti (1996), como já discutido, afirma que não é papel da escola ensinar uma
variedade em detrimento da outra, mas sim criar condições para que os alunos possam
aprender as variedades que desconhecem. O autor sustenta a ideia de que se deve estabelecer
prioridades de ensino.
Um exemplo de atividade sugerida por ele é a comparação de algumas variedades da
mesma construção e das alterações em uma oração, para analisar os resultados que serão
obtidos. Assim, suponha-se que o aluno escreva, em um de seus textos uma frase simples
como “nós foi pescar”. O autor sugere que o professor deve, a partir disso, escrever essa
sequência no quadro e discuti-la com os alunos: quem a usa tipicamente, em que condições
pode ser usada, se pode ser utilizada na escrita e quais as maneiras que há de se dizer a mesma
coisa. Construções como “nóis foi pescar”, “a gente foi pescar”, “a gente fomos pescar”, “nós
fomos pescar” surgiriam no decorrer do diálogo. Ao professor, cabe destacar que nenhuma
dessas formas deve ser condenada, mas sim, ordenadas de acordo com o critério de
aceitabilidade, que deverá estar relacionado com a situação social em que o discente se
encontrar.
Essa seria uma aula de gramática em que o docente não estaria usando uma
terminologia técnica, mas ensinando a variedade mais adequada, sem estigmatizar e humilhar
o usuário das formas mais populares.
Neves (2002) defende que a língua deve ser tratada na situação de produção e no
contexto comunicativo. Ela acredita que as escolas devem oferecer experiências e vivências
para o aluno a fim de que ele saiba produzir seus textos conforme a situação comunicativa
desejada. A autora defende a ideia, assim como outros autores, de que os elementos
gramaticais devem ser discutidos dentro de um texto, para que os alunos possam saber seu
valor e fazer bom uso deles em suas produções.
Essas são as principais ideias que oferecemos para que as mudanças no ensino da
gramática sejam possíveis e para visualizarmos esse novo ideal de ensino, afinal, refletir sobre
a linguagem é algo que fazemos o tempo todo, mesmo que assistematicamente.
Em meio à necessidade de mudanças, às dificuldades encontradas em implementá-las
à dificuldade do professor em encontrar uma metodologia de ensino da língua que seja
realmente significativa para o seu aluno, a prática de análise linguística pouco pode avançar.
Há uma necessidade de tornar os objetivos mais claros, mostrar aos professores que é possível
desmistificar a ideia de que o português é difícil e adotar uma nova postura de ensino.
É imprescindível, também, saber que a prática de análise linguística não se trata de
gramática contextualizada versus ensino a partir de textos, e sim uma consonância entre os
dois.
Nesse percurso, é de suma importância que a competência comunicativa do aluno seja
desenvolvida por meio de um trabalho eficaz e significativo com a leitura, a escrita, a escuta e
a produção de textos. Não separadamente, mas em um conjunto de conhecimentos úteis em
nossas interações diárias.
Por fim, citando Mendonça (2006, p. 225), “que a língua seja, para os alunos, cada vez
menos misteriosa, no dizer de Drumomond, sem deixar de ser fascinante. Novos olhares,
outros objetos, práticas diferentes, enfim”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho buscamos, inicialmente, apresentar algumas considerações sobre a


linguagem e a gramática. Assumimos uma postura contrária a daqueles que acreditam que a
língua é fixa e estática, pois isso não corresponde à realidade de nossas práticas sociais.
Definimos as concepções de linguagem que permeiam o trabalho do professor e as
concepções que se tem sobre gramática. Assim, observamos que nenhuma gramática é neutra,
todas apontam para uma visão de língua, e que não basta sabê-la para falar e escrever bem;
tudo irá depender do contexto social em que nos encontramos.
Procuramos demonstrar como a gramática pode ser mais ampla do que a que vem
sendo ensinada nas aulas de língua materna. Não defendemos sua exclusão, pois, como já
observamos, não existe língua sem gramática, tampouco é possível produzir ou entender
qualquer texto sem que se saiba um pouco de gramática. Assim, apoiamo-nos principalmente
nos conceitos de Travaglia (2002), procurando definir os tipos de gramática mais encontrados,
pois acreditamos que é fundamental que o docente conheça-os para se posicionar e até mesmo
para se orientar da forma mais adequada.
Assim, procuramos valorizar um trabalho articulado de ensino e aprendizagem da
língua, diferente do tradicional. Assumimos uma postura da língua como algo que
corresponde à realidade da sua diversidade.
Constatamos que muitos professores não sabem o que fazer diante dessas novas
mudanças e que acabam não produzindo nada de significativo na vida dos alunos.
Não queremos, com isso, deixar a impressão de que é proibido ensinar gramática. A
crítica que esse trabalho traz é a insistência que se tem em reproduzir regras, nomenclaturas e
conceitos sem nenhum fundamento, ou seja, sem considerar o uso efetivo da língua em
diversas situações sociais, vetando uma reflexão inteligente sobre a própria língua.
Discutimos também a questão da variedade linguística na escola. Muitos professores
não sabem que postura adotar frente a essas variedades e, muitas vezes, acabam
ridicularizando o aluno que possui um falar considerado “desprestigiado”, taxando sua fala de
errada. Como observamos, essa questão do erro só é válida quando o falante se vale de uma
fala ou escrita impróprias para a situação de uso em questão. Assim, deve-se respeitar a fala
do outro e oferecer-lhe outra variedade, para que ele possa se adequar melhor frente a novas
situações, sem impô-la. Afinal, como nos esclarece Possenti (1996), cabe à escola
proporcionar condições para que o aluno tome conhecimento da norma dita culta.
Constatamos que, diante de tantos resultados insatisfatórios que vêm sendo
apresentados pelos alunos nas diversas avaliações propostas pelo governo, e dos altos índices
de dificuldade em leitura e escrita, algo tem que ser modificado no que diz respeito ao ensino
da língua materna. Assim, surgem dúvidas sobre o seu ensino, principalmente por parte dos
professores que não sabem ao certo o que fazer das suas aulas de língua portuguesa, que
postura adotar e para onde direcionar sua metodologia.
Portanto, respondendo a problemática apresentada, entendemos que a análise
linguística reenquadra o ensino da gramática, priorizando uma reflexão linguística, levando
em consideração os diversos usos da língua e as estratégias discursivas que devemos dominar
para uma efetiva participação social.
A proposta dessa nova perspectiva de ensino é um uso mais consciente, uma
abordagem mais reflexiva de se trabalhar com a língua e a linguagem, de forma que se
abarque a grande diversidade desses fenômenos. Atividades como leitura, produção de textos
e reescrita não podem ser deixadas de lado em detrimento das questões gramaticais. O
objetivo dessa prática é que os alunos desenvolvam sua competência comunicativa, para
saberem se portar em qualquer situação.
Oferecemos aos professores, baseando-nos em alguns autores, uma pequena amostra
do que pode vir a ser o trabalho com a língua e a linguagem na sala de aula. No entanto,
acreditamos que a superação dessa problemática pressupõe ações conjuntas com o governo,
oferecendo cursos de capacitação que orientem melhor o trabalho do docente, mostrando-lhe
como trabalhar, e, melhor ainda, que essa nova metodologia é possível e viável.
Portanto, este trabalho tem a pretensão de mostrar que existe outra forma de trabalhar
a língua, mais significativamente. Entretanto, como esse assunto ainda é bastante polêmico e
poucos acreditam na eficácia da análise linguística, espera-se que muitos outros estudos
possam vir a contribuir para novas discussões e a traduzir-se em pressupostos teóricos mais
claros nos currículos oficiais.

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