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MÉTODOS E TÉCNICAS

DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ

Reitor Prof. Dr. Décio Sperandio


Vice-Reitor Prof. Dr. Mário Luiz Neves de Azevedo
Diretor da Eduem Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado
Editor-Chefe da Eduem Prof. Dr. Alessandro de Lucca e Braccini

CONSELHO EDITORIAL

Presidente Prof. Dr. Ivanor Nunes do Prado


Editor Associado Prof. Dr. Ulysses Cecato
Vice-Editor Associado Prof. Dr. Luiz Antonio de Souza
Editores Científicos Prof. Adson Cristiano Bozzi Ramatis Lima
Profa. Dra. Ana Lúcia Rodrigues
Profa. Dra. Analete Regina Schelbauer
Prof. Dr. Antonio Ozai da Silva
Prof. Dr. Clóves Cabreira Jobim
Profa. Dra. Eliane Aparecida Sanches Tonolli
Prof. Dr. Eduardo Augusto Tomanik
Prof. Dr. Eliezer Rodrigues de Souto
Prof. Dr. Evaristo Atêncio Paredes
Profa. Dra. Ismara Eliane Vidal de Souza Tasso
Prof. Dr. João Fábio Bertonha
Profa. Dra. Larissa Michelle Lara
Profa. Dra. Luzia Marta Bellini
Profa. Dra. Maria Cristina Gomes Machado
Profa. Dra. Maria Suely Pagliarini
Prof. Dr. Manoel Messias Alves da Silva
Prof. Dr. Oswaldo Curty da Motta Lima
Prof. Dr. Raymundo de Lima
Prof. Dr. Reginaldo Benedito Dias
Prof. Dr. Ronald José Barth Pinto
Profa. Dra. Rosilda das Neves Alves
Profa. Dra. Terezinha Oliveira
Prof. Dr. Valdeni Soliani Franco
Profa. Dra. Valéria Soares de Assis

EQUIPE TÉCNICA

Projeto Gráfico e DesignMarcos Kazuyoshi Sassaka


Fluxo EditorialEdneire Franciscon Jacob
Mônica Tanamati Hundzinski
Vania Cristina Scomparin
Edilson Damasio
Artes Gráficas Luciano Wilian da Silva
Marcos Roberto Andreussi
Marketing Marcos Cipriano da Silva
Comercialização Norberto Pereira da Silva
Paulo Bento da Silva
Solange Marly Oshima
FORMAÇÃO DE PROFESSORES - EAD

Luzia Marta Bellini


Ana Cristina Teodoro da Silva
(ORGANIZADORAS)

Métodos e Técnicas
de Pesquisa em
Educação
2. ed. - revisada e ampliada

2
Maringá
2010
Coleção Formação de Professores - EAD

Apoio técnico: Rosane Gomes Carpanese


Normalização e catalogação: Ivani Baptista CRB - 9/331
Revisão Gramatical: Annie Rose dos Santos
Edição, Produção Editorial e Capa: Carlos Alexandre Venancio
Júnior Bianchi
Eliane Arruda

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Métodos e técnicas de pesquisa em educação / Luzia Marta Bellini, Ana Cristina


M593 Teodoro da Silva, organizadoras. – 2.ed. rev. e ampliada.
Maringá : Eduem, 2010.
158p.: il. 21cm. (Coleção formação de professores - EAD; n. 2)

ISBN 978-85-7628-233-4

1. Educação – Pesquisa – Brasil. 2. Pesquisas educacionais – Brasil. 3. Pesquisa


– Educação – Métodos e técnicas. I. Bellini, Luzia Marta, org. II. Silva, Ana Cristina
Teodoro da, org.

CDD 21. ed. 001.42

Copyright © 2010 para o autor


Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo
mecânico, eletrônico, reprográfico etc., sem a autorização, por escrito, do autor. Todos os direitos
reservados desta edição 2010 para Eduem.

Endereço para correspondência:

Eduem - Editora da Universidade Estadual de Maringá


Av. Colombo, 5790 - Bloco 40 - Campus Universitário
87020-900 - Maringá - Paraná
Fone: (0xx44) 3011-4103 / Fax: (0xx44) 3011-1392
http://www.eduem.uem.br / eduem@uem.br
S umário
Sobre os autores > 5

Apresentação da coleção > 7


Apresentação do livro > 9

CAPÍTULO 1
O primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações > 11
Ana Cristina Teodoro da Silva

CAPÍTULO 2
Ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo
José de Arimathéia Cordeiro Custódio
> 25

CAPÍTULO 3
O que é iniciação à ciência e à pesquisa?
Raymundo de Lima
> 37

CAPÍTULO 4
Metodologia, métodos e técnicas de pesquisa em educação:
princípios básicos
> 53
Luzia Marta Bellini

CAPÍTULO 5
Método, explicação científica e pesquisa acadêmica > 67
Evandro Luis Gomes

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MÉTODOS E TÉCNICAS CAPÍTULO 6
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Orientações para a utilização de entrevistas, questionários, > 87
tabelas e gráficos em pesquisas educacionais
Patrícia Lessa

CAPÍTULO 7
Imagens fotográficas como fonte de pesquisas nos campos > 101
da história e da educação
Henrique M. Silva / Ivana Guilherme Simili

CAPÍTULO 8 > 117


Pesquisa em educação: memória e história oral
Ivana Guilherme Simili / Henrique Manoel da Silva / Patrícia Lessa dos Santos

CAPÍTULO 9
Pesquisa participante, métodos e técnicas de investigação >135
Carlos Alberto Mucelin / Luzia Marta Bellini

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S obre os autores
Ana Cristina Teodoro da Silva
Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da

Universidade Estadual de Maringá. Graduada em História (UEM), Mestre

em História (UNESP). Doutora em História (UNESP).

Carlos Alberto Mucelin


Professor do Departamento de Matemática da Universidade Tecnológica

Federal do Paraná – UTFPR. Graduação em Matemática (UNOESTE). Mestre

em Engenharia de Sistemas Agroindustriais (UNOESTE). Doutor em Ecologia

de Ambientes Aquáticos Continetais (UEM). Líder do Grupo de Pesquisa em

Semiótica e Percepção Ambiental – GPSPA.

Evandro Luis Gomes


Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Estadual de

Maringá. Licenciado em Filosofia (1996) pelas Faculdades Claretianas de

Batatais (SP). Mestre em Filosofia (2002) pela Universidade de São Paulo.

Doutorando em Filosofia na Universidade Estadual de Campinas. Como

pesquisador, atua na área de Lógica e Epistemologia, dedicando-se à

história da Lógica.

Henrique Manoel de Silva


Professor do Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade

Estadual de Maringá. Graduado em História (UNESP). Mestre em História

(UNESP). Doutor em História Cultural pela Universidade Federal de Santa

Catarina

Ivana Guilherme Simili


Professora do departamento de Fundamentos da Educação da

Universidade Estadual de Maringá. Graduada em Hisstória (UNESP).

Mestre em História (UNESP).Doutora em História Social (UNESP).

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MÉTODOS E TÉCNICAS José de Arimathéia Cordeiro Custódio
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Jornalista do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de

Londrina. Graduado em Jornalismo e Direito (UEL). Mestre em Letras (UEL).

Doutor em Letras (UEL).

Luzia Marta Bellini


Professora Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade

Estadual de Maringá (UEM). Graduada em Ciências Biológicas (USP). Mestre

em Educação (UFSCar). Doutora em Psicologia Social (USP).

Patricia Lessa dos Santos


Professora Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade

Estadual de Maringá. Mestre em Educação (Unicamp). Doutora em História

(UnB).

Raymundo de Lima
Professor do Departamento de Fudamentos da Educação da Universidade

Estadual de Maringá. Área de Metodologia e Técnica de Pesquisa.

Graduado em Psicologia. Mestre em Psicologia. Doutor em Educação pela

Universidade de São Paulo (USP).

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A presentação da Coleção
A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em
2005, com 33 títulos financiados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do
Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material
didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de
Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares.
A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda
edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos
deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o financiamento para
esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido
pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado
Universidade Aberta do Brasil (UAB).
A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros
da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados
no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi-
dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB.
Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de reflexão que foi pensado
para uma disciplina específica do curso, mas em nenhum deles seus organizadores
e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e
práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O
que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura,
da reflexão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a
formação do Pedagogo na atualidade.
Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço
coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta-
dual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse
processo.
Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais insti-
tuições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta
coleção.
Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação
direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba-
lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante

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MÉTODOS E TÉCNICAS específico, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o financiamento
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos
e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE).
Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De-
partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam
esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu-
desse ser criado oficialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma
modificação significativa da sistemática das atividades docentes.
No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela
Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a
Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES)
conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li-
beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para
aprovação, tendo em vista a ação direta e eficiente de um número muito pequeno de
pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação
Geral de Articulação.
Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa
contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como
de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino
superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB.

Maria Luisa Furlan Costa


Organizadora da Coleção

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A presentação do livro
Este livro é resultado de um trabalho coletivo iniciado em 2005, quando saiu sua
primeira versão. De 2005 a 2009, a versão inicial foi utilizada pelas turmas de Ensino
a Distância do Curso Normal Superior da Universidade Estadual de Maringá. Graças
ao uso dos alunos e dos tutores, a primeira edição pôde ser repensada. Pudemos
anotar, durante as aulas no EAD, quais foram os acertos, quais foram as inadequações
e corrigi-las.
Desse modo, a segunda edição do livro Metodologia e Técnicas de Pesquisa em
Educação, de 2010, além de apresentar capítulos revisados, ganhou novos textos.
Esses capítulos são essenciais para uma melhor compreensão do universo das investi-
gações pedagógicas.
O livro Metodologia e Técnicas de Pesquisa em Educação, em sua segunda
edição, conta com nove capítulos e define Metodologia como uma disciplina geral que
discute a epistemologia, os diferentes métodos e o conjunto de técnicas, ou métodos
em atos, como afirmou Michel Thiollent. É o campo de debate que abrange a meto-
dologia como atividade filosófica e cognitiva. O livro traz a noção de que o estudo da
metodologia é aquele que qualifica o estudante para examinar as teorias, os métodos
e as técnicas de pesquisa.
O campo dos estudos metodológicos não é fácil. Comporta o estudo de filosofia
das ciências, dos diferentes métodos e das técnicas. Geralmente, metodologia é com-
preendida com a aplicação das normas e técnicas, ou oposta a essa concepção, é vista
como o levantamento das tendências teórico metodológicas de determinados contex-
tos históricos. No entanto, metodologia é muito mais do que o estudo das teorias ou
das normas. Do século XIX ao século XXI, esse campo cresceu em complexidade e em
produções.
No século XIX, tivemos um marco histórico, que foi a inauguração do estatuto epis-
temológico das investigações científicas com o positivismo. A oposição ao positivismo
gerou outros modos de pensar o mundo e seus fenômenos, como o materialismo
dialético e a teoria compreensiva. Todavia, o século XX foi além dessas três dimen-
sões ou balizas teóricas. O pós-positivismo ou o positivismo lógico, o refutacionismo
de Popper, a noção de paradigma de Thomas Kuhn, a fenomenologia, a filosofia da
matemática de Lakatos inspirada na dialética de Hegel e Marx e pelo refutacionismo
de Popper, as provocações anarquistas de Feyrabend foram tendências da filosofia das

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MÉTODOS E TÉCNICAS ciências que envolveram o campo da Metodologia. Não podemos ignorá-las, sob pena
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO de nos tornamos anacrônicos.
No século XXI, os debates do campo metodológico já não são aqueles entre o
quantitativo e o qualitativo; foram além. Hoje, se orientam sob o signo da interdiscipli-
naridade e da integração de métodos para atender diferentes campos de estudo, entre
eles o da Pedagogia. Embora este livro não trate de todos os detalhes desses debates
e das dimensões particulares de cada método, ele anuncia que o mundo dos estudos
metodológicos é muito rico; pontua alguns métodos e técnicas para a investigação em
educação e dá o tom básico a um livro de Metodologia: pensar e fazer são movimen-
tos inseparáveis daqueles que pretendem ver o mundo dos conhecimentos da outra
forma.

Luzia Marta Bellini


Ana Cristina Teodoro da Silva
Organizadoras

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1 O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
orientações
Ana Cristina Teodoro da Silva

... fazer uma tese significa divertir-se,


e a tese é como porco: nada se desperdiça
Umberto Eco (1995, p. 169).

Este é um texto elaborado em 2003 e 2004, por meio da experiência de trabalho


com a graduação em cursos diversos que, depois, foi atualizado e adaptado. Destaca-
mos argumentos importantes de autores reconhecidos na discussão da metodologia
da pesquisa, acrescidos de um toque pessoal que procura atender nossa necessidade
específica e exemplificar o fato de que no diálogo com autores, na vivência do trabalho
ocorre a criação e recriação de ideias.1
O objetivo é auxiliar a produção do primeiro projeto de pesquisa de pequeno
porte, já que ao final do curso vocês terão que fazer um trabalho de conclusão. Esse
trabalho, conhecido como TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) ou monografia de
fim de curso começa agora. O projeto a ser executado refere-se ao planejamento do
trabalho que será executado no último ano.
Quanto a este capítulo, a sugestão é que façam uma leitura cética, leitura crítica e
de questionamento. Uma boa forma de compreender o conteúdo é estudar a constitui-
ção do texto que quer comunicar o conteúdo. Coloquem perguntas, observem em que
momentos a redação está pouco clara, provavelmente são momentos que merecem ser
discutidos.
De início, faremos considerações sobre porque pesquisar; e a seguir, a exposição
das partes fundamentais de um projeto de pesquisa; concluindo com lembretes sobre
a apresentação, a redação e a ética no trabalho. Porém, destacamos a indicação da
primeira página: só se aprende a fazer pesquisa fazendo, nada substitui o caminho

1 Sobre a leitura que cria e recria ideias, ver Paulo Freire (1981).

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MÉTODOS E TÉCNICAS próprio de cada pesquisador, daquele que tem dúvidas, inquietações, que vê relações
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO intrínsecas entre seu trabalho e seu estudo. Esse caminho vocês estão construindo, e
ele vai construir vocês.

POR QUE PESQUISAR?


O pesquisador é um estudante que busca produzir conhecimento, com isso produz
também autonomia, pensamento próprio, soluções próprias a seu contexto. Vocês
podem ter boas noções sobre como fazer pesquisa e, com isso, seguir suas perguntas e
constituir seu próprio caminho ou, então, acreditar que pesquisa é coisa para poucos
privilegiados e seguir reproduzindo um saber que não sabem como foi feito; nesse
caso, a crítica ao conhecimento será, no mínimo, incompleta, e até mesmo ignorante.
O ideal é que a pesquisa não seja para você uma obrigação ou uma nota. Pesquisa
pode ser descoberta, satisfação. Descoberta da solução de problemas, satisfação de
perceber que a realidade é por nós constituída, com nossos instrumentos e limites. Até
que ponto se podem utilizar os instrumentos disponíveis e até que ponto se é limitado
por outras forças é questão que a pesquisa pode esclarecer. Por exemplo, o que pode
fazer o professor com os recursos de que dispõe; e o que o professor não pode fazer
por conta de limitações de espaço, de salário, de currículo ou outras esferas que não
estão sob seu domínio. Mesmo o que não se pode fazer deve ser esclarecido, pois é
matéria de reflexão e de luta e de diálogo cotidiano.
A pesquisa ajuda a compreender um tema de forma profunda. Mais que isso, os
instrumentos utilizados capacitarão o pesquisador a trabalhar por conta própria, o
que é útil em qualquer área e em qualquer atuação. Ou seja, você aprende meios
que utilizará em situações outras que não apenas às do tema escolhido, e que não se
restringem ao trabalho. Tais meios são, ainda, instrumentos de cidadania, pois somos
inundados por pesquisas no dia a dia – pesquisas de mercado, de intenção de voto,
sobre o comportamento sexual, sobre as habilidades do estudante brasileiro... –, para
saber de seu alcance e questioná-las, é necessário saber como são feitas, como são
usadas as técnicas e a exposição dos resultados.
Uma pesquisa pode ter início quando se tem um problema, uma questão ou um
incômodo. Pensando bem, sempre se têm problemas no trabalho, que podem se trans-
formar em caminhos de pesquisa. Ou questionam-se rumos, diretrizes, leis que não
se consideram adequadas. Caso não estejam claros os incômodos, são estimuladoras
as leituras, a participação em cursos, seminários e outras atividades, com destaque à
efetiva postura reflexiva nos estudos. O incômodo leva à procura de informação, a
diálogos, à procura de bibliografia especializada.
Pedro Demo lembra que o “pesquisador não somente é quem sabe acumular dados

12
mensurados, mas sobretudo quem nunca desiste de questionar a realidade, sabendo O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
que qualquer conhecimento é apenas recorte” (1996, p. 20). O conhecimento é um orientações

conjunto muito amplo, e nossa participação será, necessariamente, em uma pequena


parte, em uma perspectiva.
Um trabalho de pesquisa traz sempre muita reflexão pessoal. Desde a escolha do
tema, é necessário propor caminhos que possam ser trilhados, de acordo com a ma-
turidade e capacidade de trabalho de cada um. Qualquer pesquisador sério poderá
ratificar tal afirmação. Umberto Eco dá um exemplo ilustrativo:

Pode-se executar seriamente até uma coleção de figurinhas: basta fixar o tema,
os critérios de catalogação, os limites históricos da coleção. Decidindo-se não
remontar além de 1960, ótimo, pois de lá para cá as figurinhas não faltam. Have-
rá sempre uma diferença entre essa coleção e o Museu do Louvre, mas melhor
do que fazer um museu pouco sério é empenhar-se a sério numa coleção de
figurinhas de jogadores de futebol de 1960 a 1970 (ECO, 1995, p. 4).

Não se quer com isso desencorajar quem queira fazer um museu. Entretanto será
necessário dividir a tarefa em muitos passos, e, com humildade, olhar para as próprias
ferramentas e capacidades para distinguir qual seria o primeiro passo. Sem esquecer-
se de verificar se existem fontes para a questão posta (figurinhas no século XIX talvez
sejam impossíveis). E, ainda, se os instrumentos para fazer a análise proposta estão
disponíveis. Nós, por exemplo, não seríamos capazes de analisar as obras do Louvre.
Para fazer pesquisa é necessário planejamento (eis aí a importância do projeto!),
e essa é uma experiência que se leva para toda a vida, pois significa aprender a por
ordem nas ideias. “Não importa tanto o tema da tese quanto a experiência de trabalho
que ela comporta” (ECO, 1995, p. 5). Tudo o que for feito: pesquisas nas bibliotecas,
fichamentos, escritas e re-escritas, conversas com professores, comentários no bar...
tudo ajudará a esculpir uma nova pessoa – por isso é bom que seja bem feito, são
lições de formação.
Um requisito fundamental a um bom trabalho é que o pesquisador faça boas leitu-
ras. Não sem razão os cursos de Metodologia da Pesquisa, via de regra, são iniciados
problematizando a análise de textos.2 Deve-se ler o máximo possível, resguardando a
qualidade da leitura. Reflexão não combina com pressa, com cumprir tabelas e horá-
rios. Vocês estão se formando, e o que lembrarão é menos o conteúdo dos textos e
mais a experiência da leitura, o como leram, o movimento interior envolvido, o des-
pertar para outras formas de pensar o mundo.

2 Para refletir a respeito, estudem o capítulo “Diretrizes para a leitura, análise e interpretação de
textos” de Severino (1986, p. 121-135).

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MÉTODOS E TÉCNICAS O tema deve ser algo que apaixone. É comum pensar qual o tema mais ou menos
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO trabalhoso. Tema difícil é aquele trabalhado sem estímulo, sem gosto. A pesquisa é
criativa, pode descobrir relações novas, questionar o saber vigente, estabelecer co-
nhecimento novo, forçar o surgimento de alternativas. “Uma definição pertinente de
pesquisa poderia ser: diálogo inteligente com a realidade, tomando-o como processo
e atitude, e como integrante do cotidiano” (DEMO, 1996, p. 36-7).3 Para Pedro Demo,
a pesquisa é científica e educativa, compõe o “processo emancipatório” que constitui
um sujeito crítico, autocrítico e participante, “capaz de reagir contra a situação de
objeto e de não cultivar os outros como objeto” (DEMO, 1996, p. 42).4 Tal processo
apenas é possível se estamos conectados à nossa realidade, em uma rel ação que é
também afetiva.
Pesquisa é “conquista lenta e progressiva”, contudo há que se começar. Primeiro,
aprender a aprender, não copiar, não se recusar à elaboração pessoal (DEMO, 1996, p.
64). É difícil ocorrer boa elaboração com meras cópias, leituras ruins, feitas pela meta-
de ou número prévio de páginas estabelecidas. “É o aluno que deve saber descobrir o
que ler, quanto ler, como ler, para formar o seu próprio juízo. Sobretudo, deve saber
justificar quando e por que julga ‘ter dado conta do tema’, sem empáfias exaustivas”
(DEMO, 1996, p. 67). A autocrítica é fundamental. Vocês estão constituindo um cami-
nho profissional (lembrem-se: toda professora deve ter postura de pesquisadora), um
caminho cidadão, constituindo suas opções políticas e éticas. Bom mesmo é, ao final
de um trabalho, poder dizer ‘fiz o meu melhor’.

PARTES BÁSICAS DO PROJETO DE PESQUISA


Projeto não pode ser confundido com o próprio trabalho de conclusão de curso,
projeto é planejamento, é o primeiro passo para que ocorra a pesquisa. O projeto está
no início de uma trajetória de pesquisa, o trabalho de conclusão, de caráter monográ-
fico, será o relatório final da trajetória. Projeto é uma estratégia que apresente o tema,
demonstre sua importância e aponte um caminho pertinente para a resolução de um
problema levantado. Não existem regras fixas, este texto não é uma receita e não há
como estabelecermos previamente o número de páginas que deverá ter.
Os itens obrigatórios do projeto sofrem pequenas variações em instituições

3 Demo lembra que a realidade é sempre maior do que conseguimos captar e que há outras
portas paralelas para a emancipação – a arte, por exemplo. Ainda nesse livro, que se encontra
na BCE, há um bom comentário sobre a distinção feita entre pesquisa qualitativa e quantitativa
(1996, p. 20).
4 Poderia ter sido “o primeiro projeto a gente nunca esquece”; seria bonitinho, mas perderia
em clareza.

14
diferentes. Mesmo dentro de uma mesma instituição, tais itens podem ser diferencia- O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
dos, de acordo com os objetivos a que se propõem (afinal, há pesquisa de iniciação orientações

científica, de mestrado, de doutorado, docente e outras). A bibliografia sobre o tema


também não traz consenso. Contudo, a análise concluirá que os elementos constituin-
tes dos diferentes projetos de pesquisa seguem uma estrutura comum, com variações
de forma, partindo-se sempre da apresentação temática até chegar à problemática e
hipótese. A discussão bibliográfica é sempre necessária, bem como a justificativa, a
apresentação de objetivos, a metodologia a ser utilizada, o cronograma e as referên-
cias. Isso posto, devem ser consideradas as seguintes partes:

• Título
• Resumo
• Palavras-chave
• Introdução
• Justificativa
• Objetivos
• Metodologia
• Cronograma
• Referências

Há coerência na sequência anterior, por exemplo, primeiro o tema é apresentado


na introdução, para depois ser justificado. Não seria normal iniciar o texto justifican-
do. No entanto, o fato de existir coerência não significa que o projeto deva ser escrito
na mesma ordem em que deve ser apresentado.
O título corresponde às primeiras informações sobre a pesquisa e é redigido com
concisão e clareza, dizendo o máximo possível do trabalho proposto. Títulos enig-
máticos, que não esclarecem do que trata o trabalho, devem ser evitados, bem como
títulos amplos demais (por exemplo: “Educação e Sociedade”). O bom título revela o
recorte do trabalho.
O título deve “criar as expectativas certas” (BOOTH et al., 2000, p. 272) e introduzir
os conceitos-chave. É preferível um título claro e específico que um aparentemente
criativo e que não comunique o que é a pesquisa. Vejam o título deste capítulo, não é
lá ‘criativo’5, mas não gera falsas expectativas, pretende dizer a que vem o texto.
O resumo é apresentado em um único parágrafo, sem recuo, em espaçamento

5 Diferenciem hipótese de pressuposto. Hipótese é o que se quer demonstrar; já o pressuposto


é dado, prévio.

15
MÉTODOS E TÉCNICAS simples. Apresenta o tema, a problemática e a hipótese de trabalho, bem como as fon-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO tes, o método a ser utilizado, os objetivos que se pretende alcançar. Tudo isso em mais
ou menos vinte linhas (exigência que pode variar um pouco).
As palavras-chave são aquelas que geram a identidade do trabalho, sem as quais
nem conseguiríamos falar do que estamos fazendo. Servem para guiar o leitor e para
catalogar o trabalho. Quais seriam as palavras-chave deste capítulo, por exemplo? “Pes-
quisa” sem dúvida seria uma delas, mas não apenas, porque o texto não trata da pes-
quisa em geral. Outra palavra-chave seria “projeto” e, talvez, “iniciação científica”, para
marcar que se discorre de um projeto de pesquisa de iniciantes.
Na introdução cabe apresentar o tema, o problema a ser estudado, o fenômeno
que se deseja analisar, explicar o enfoque, seus contornos e limites. Pensem no leitor,
o objeto de investigação precisa ser reconhecido por ele. Apresente com clareza, narre
como nasceu o problema, como se chegou a ele. Explique os conceitos novos.
O espaço e o tempo da pesquisa precisam estar claros. Por exemplo, não se inves-
tiga a educação especial, e sim uma proposta de trabalho com crianças portadoras de
deficiência auditiva, de 3 a 6 anos, em um colégio de Maringá, em 2005. As opções
feitas precisam ser justificadas. Por que estudar necessidades especiais? Por que porta-
dores de deficiência auditiva? Por que de 3 a 6 anos? Por que a opção por um colégio
específico? Por que no período proposto?
O tema é abrangente, a problemática indica a dificuldade específica. Há que se ter
uma dificuldade, uma pergunta – boas perguntas são bons inícios para chegar a uma
problemática –, uma contradição, um caminho a se testar. “Você terá um problema de
pesquisa se e somente se você e seus leitores concordarem que as duas partes, você e
eles, não sabem ou não entendem algo, mas que deveriam saber ou entender” (BOO-
TH et al, 2000, p. 303). Procure identificar a questão que deve ser elucidada. Há que se
ter uma inquietação, que vencer um desafio. Fazer o projeto é sistematizar um trabalho
futuro, e esse momento traz muitas dúvidas, gera a angústia do desconhecido, ainda
mais que a pesquisa nasce de algo que não se sabe. Porém se aprende a suportar os
limites do conhecimento.
Propor um bom problema é muito importante. Em algumas pesquisas, um bom
problema é o melhor resultado. Alguns artigos publicados chegam a ponto de propor
problemas, e não a resolvê-los. Achem um problema que seja importante e só prome-
tam o que forem capazes de cumprir. A problemática será, no decorrer da pesquisa,
o guia para a estruturação do raciocínio. Além disso, a formulação da pergunta dá
indícios do caminho metodológico a seguir.
Uma vez apresentada a temática e exposto o problema, apresenta-se uma hipótese
de trabalho que corresponde a um ensaio de resposta ao problema levantado, uma

16
suposição.6 A hipótese é sempre provisória, pois ainda não foi demonstrada; adquirida O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
mediante a leitura, observações e experiências pessoais. Pode ganhar o “status” de orientações

tese, se for confirmada após a conclusão da pesquisa.


A hipótese mostra o “marco teórico de referência”, que indica as orientações e
diretrizes da pesquisa a ser desenvolvida (SALOMON, 2001, p. 218-220), ou seja, é
enraizada no quadro teórico em que se assenta o raciocínio. E o quadro teórico cir-
cunscreve a proposição do problema. Para Severino, “o quadro teórico constitui o uni-
verso de princípios, categorias e conceitos, formando sistematicamente um conjunto
logicamente coerente, dentro do qual o trabalho do pesquisador se fundamenta e se
desenvolve” (1986, p. 203). Severino alerta que o quadro teórico é uma diretriz, uma
orientação, mas não um modelo.
Há que se demonstrar a capacidade de trabalhar a hipótese. Não se pretende ter a
última palavra, nem que se inventou algo original e insuperável, mas se deve demons-
trar um tratamento adequado do tema, bem fundamentado, cercado de todos os lados,
o que nos leva à justificativa.
Ainda na introdução, contudo, cabe colocar sucintamente quais fontes serão anali-
sadas, levando em conta que elas devem ser adequadas ao problema proposto, devem
ser suficientes e confiáveis, já que será no diálogo com essas fontes que se constituirá
a demonstração da tese.
Esse manual deveria ter um texto intitulado “as fontes da pesquisa”. Todavia não
foi possível. Mas a proposta de sua presença evidencia a importância da discussão. De
forma excessivamente sintética, o que são as fontes de uma pesquisa? Para responder a
isso, pensem em que se baseiam os pesquisadores para fazerem suas afirmações, onde
foram buscar os dados. Este capítulo, por exemplo, tem como fonte a experiência de
ensino na graduação e o diálogo com a bibliografia.
As fontes de uma pesquisa não trazem em sua natureza a qualidade de fontes.
É o pesquisador que, ao problematizar determinado material, dá-lhe o “status” de
fonte. Assim, há fontes escritas, tais como documentos (atas, leis, processos); impres-
sos (jornais, revistas, livros). Há fontes visuais, como obras de arte, filmes, fotografias
artísticas ou jornalísticas. Há fontes sonoras, como as músicas ou material televisivo,
que é sonoro e visual. Algumas vezes o pesquisador produz sua fonte, como no caso
das entrevistas. A determinação da fonte e sua análise é uma questão metodológica de
extrema importância, pois se sabemos como um trabalho é feito, poderemos refazê-lo
ou criticá-lo.

6 Muito vago? É a angústia do livre arbítrio. Melhor que determinar qual é o “bom” caminho.
A discussão sobre metodologia será aprofundada no capítulo 4.

17
MÉTODOS E TÉCNICAS As fontes podem ser do presente ou do passado, um fragmento de caneca en-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO contrado em um sítio arqueológico pode ter muito a dizer sobre uma coletividade
que esteve naquele local. Observem: foi usada originalmente como caneca (ou te-
ria sido como instrumento ritualístico?), há séculos ou milênios. Mas hoje, para o
pesquisador, é fonte de pesquisa, fala a respeito dos hábitos de sua coletividade, da
tecnologia disponível e outras relações.
Sugere-se que, ao optar por uma ou mais fontes, o pesquisador procure traba-
lhos importantes que tenham dialogado com fontes do mesmo tipo, para, junto com
os outros autores-pesquisadores, pensar e discutir sobre o diálogo com seu material.
Muito mais poderia ser dito sobre as fontes, mas, por ora, basta anotar que, na
introdução do projeto, é necessário esclarecer quais serão as fontes da pesquisa.
Na justificativa, responde-se qual a importância de investigar o tema escolhido.
Vale a pena trabalhá-lo? Não é um tema óbvio? Deve-se mostrar qual a relevância
da proposta, que contribuições traz para a sociedade, quais as consequências e im-
plicações de não se saber a respeito do tema. Expõe-se também qual a experiên-
cia do pesquisador e discute-se a viabilidade do projeto (no tempo disponível, por
exemplo).
Deve ser discutida também qual a contribuição da proposta para o conhecimento
científico, para o que é necessária a revisão bibliográfica sobre o tema, procurando
identificar o que já se sabe a respeito. Busca-se a consciência das matrizes teóricas
que legitimam o projeto e quais os interesses envolvidos. Com a revisão bibliográ-
fica, certo caminho pode ser reconhecido como pertinente ou pode ser visto como
equivocado. A discussão com a bibliografia dá uma visão geral do tema, ajudando a
medir o tamanho do esforço necessário para a empreitada em comparação com o
“tamanho de nossas pernas”. “Diante de circunstâncias limitantes, como tempo dis-
ponível, recursos, instrumentos empíricos, é possível assumir o tema em maior ou
menor profundidade” (DEMO, 1996, p. 66). Ou seja, não é necessário desistir por
conta de uma limitação de capacidade ou tempo, e sim saber recortar os interesses.
Cada tema tem seus clássicos que precisam ser consultados, porque não se po-
dem desprezar os caminhos já trilhados por séculos de conhecimento apenas tendo
noções prévias do conhecimento já existente que uma problemática pertinente é ca-
paz de surgir. A ausência de um trabalho muito importante na área de estudo indica
imaturidade da proposta. É comum a contraposição a trabalhos anteriores, para o
que a capacidade de abordar criticamente a bibliografia é fundamental.
A introdução e a justificativa são apresentadas em forma de texto, o que não é o
caso dos objetivos, usualmente em tópicos e com os verbos no infinitivo. No objeti-
vo geral, responde-se que meta se quer alcançar, para que se propõe o estudo, qual

18
seu sentido, sua utilidade, que resultados são esperados; nos objetivos específicos, O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
que etapas devem ser atingidas para solucionar o problema, quais os passos teóricos orientações

e práticos. Quando cumpridos os objetivos específicos, o objetivo geral terá sido


cumprido, por consequência. Ambos, geral e específicos, são apresentados separa-
dos, porém na mesma página.
Na metodologia responde-se como proceder, quais os passos da análise. A na-
tureza do problema determina o método. Busca-se deixar claro qual o caminho do
pensamento na apreensão da realidade, qual a sistematização escolhida para o tra-
balho de pesquisa. Nessa parte do projeto, “aparece a tonalidade ideológica própria
do autor, que é ator” (DEMO, 1996, p. 66). O método é o procedimento que será
utilizado para dialogar com as fontes. Nele aparecem as fontes novamente, e é ne-
cessário discutir como serão abordadas. A metodologia é a reflexão sobre o método,
em que procuramos questionar se o método escolhido é adequado para responder
à problemática e cumprir os objetivos.
A “análise inspirada” sempre discute o “como” fazer“. A teoria expõe a discussão
sobre concepções de ciência [explicações parciais da realidade]. Método é instru-
mento, caminho, procedimento, e por isso nunca vem antes da concepção da rea-
lidade. “Para se colocar como captar, é mister ter-se idéia do que captar” (DEMO,
1996, p. 24). Todo projeto de pesquisa sério discute o método. “Entende-se por
métodos os procedimentos mais amplos de raciocínio, enquanto técnicas são pro-
cedimentos mais restritos que operacionalizam os métodos, mediante emprego de
instrumentos adequados” (SEVERINO, 1986, p. 204).
Devem-se definir quais as fases, quais as estratégias que serão utilizadas; que téc-
nicas serão usadas para a coleta e análise de dados e para o teste da hipótese. Vocês
já devem desconfiar que não há consenso sobre métodos “bons” ou “ruins”, melho-
res ou piores. Não há consenso nem mesmo sobre quais são os métodos da ciência.
A discussão é extensa e intensa e vocês devem entrar nela e procurar se situar.7
No cronograma, visualizamos a distribuição das atividades ao longo do tempo
disponível. No nosso caso, trabalharemos com doze meses, correspondentes ao
tempo que vocês terão para fazer o trabalho de conclusão de curso. Colunas mos-
tram os períodos e as fileiras indicam as tarefas a serem cumpridas. O cronograma
serve para avaliar se a pesquisa é exequível e para testar seu andamento.
Por fim, as referências, seguindo as normas da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT), que serão trabalhadas em capítulo à frente. É necessário procurar

7 Para uma explicação sobre a organização dos materiais nas bibliotecas, é útil ver o capítulo
“uso de biblioteca e documentação”, em Salomon (2001, p. 289-298).

19
MÉTODOS E TÉCNICAS os textos fundamentais do tema a ser investigado. Um dos primeiros passos da pes-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO quisa é procurar conhecer a produção existente acerca do tema e sobre questões
afins, ou seja, fazer o levantamento bibliográfico. As referências podem ser encon-
tradas em bibliotecas, na Internet, junto aos professores. As pesquisas são realizadas
tendo em mãos nomes de autores, títulos de obras ou palavras-chave do tema. Além
de livros, há teses, monografias e periódicos especializados. Conversem com profes-
sores que trabalham com o tema, que podem dar dicas importantes e indicar auto-
res especializados para uma nova consulta à biblioteca. Pensem se há possibilidade
de adquirir aqueles livros que, de tão fundamentais, serão “companheiros diários”
no trajeto da pesquisa. Dica: visitas aos sebos de livros sempre oferecem surpresas
baratas.
Parte das referências básicas deve ser estudada já para o projeto. A apresentação
daquelas que serão lidas no processo da pesquisa é indispensável, em nosso caso.
Portanto, apresentem separadamente as referências estudadas para compor o proje-
to e o levantamento bibliográfico que incorporará todo o material encontrado sobre
o tema e que poderá ser útil no processo de pesquisa.

POR ÚLTIMO, MAS NÃO MENOS IMPORTANTE


Não sem razão, os textos anteriores discutirem ética e ciência. Booth, Colomb
e Williams, em seu livro que tematiza a “arte da pesquisa”, associam a ética ao de-
senvolvimento do ethos, ou caráter, e elencam alguns pontos que merecem ser
lembrados:

- Os pesquisadores éticos não roubam, plagiando ou reivindicando os resul-


tados de outros.
- Não mentem, adulterando informações das fontes ou inventando resultados.
- Não destroem fontes nem dados, pensando nos que virão depois deles.
- Pesquisadores responsáveis não apresentam dados cuja exatidão têm moti-
vos para questionar.
- Não encobrem objeções que não podem refutar.
- Não ridicularizam os pesquisadores que têm pontos de vista contrários aos
seus, nem deliberadamente apresentam esses pontos de vista de um modo
que aqueles pesquisadores rejeitariam.
- Não redigem seus relatórios de modo a dificultar propositalmente a com-
preensão dos leitores, nem simplificam demais o que é legitimamente com-
plexo (2000, p. 326).

Tudo isso às vezes exige bastante disciplina. Vocês podem imaginar o quanto um
pesquisador deve ser responsável. Todavia, dá orgulho fazer um trabalho assim.
A apresentação do projeto deve ser de acordo com as normas da ABNT para
trabalhos científicos. Cada parte do projeto deve iniciar em uma nova página. O

20
trabalho deve ser digitado de acordo com as configurações presentes nas normas, O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
que devem nortear também as referências e citações.8 orientações

Lembrem-se de que sempre escrevemos para alguém, pensem no leitor, é uma boa
estratégia de clareza. Escrevam explicando bem as ideias, é assim que agem os grandes
autores. Definam os termos utilizados. Passem o texto para colegas lerem e utilizem o
professor de cobaia, é necessário saber se estamos sendo entendidos, para isso, é útil
que outros leiam nossos textos.
Textos raramente ficam bons na primeira versão. É preciso reconhecer que ler um
texto mais de uma vez pode ser fundamental e que escrever exige fazer e refazer. A
imagem de papéis que embolamos e jogamos fora é normal, compõe o processo. Vo-
cês devem entender a necessidade da crítica. Se alguém diz apenas “legal” ao ler um
texto, desconfiem.
É comum ouvir: ‘certo, professora, entendi as partes do projeto, mas como escre-
ver?’ Perguntamo-nos como responder a isso, pois a habilidade de leitura e escrita
parece estar na raiz de tudo isso. Por ora, conseguimos responder que é necessário
valorizar o erro, na medida em que o erro dá oportunidade de superação. Escrever
é trabalhoso, e pouca gente é capaz de escrever de uma vez, do começo ao fim, sem
hesitar ou precisar revisar.
Enfim, o projeto de pesquisa é o planejamento do caminho, explicita as etapas de
trabalho e como será feito, o que possibilita pensar previamente sobre a viabilidade
do que se propõe quanto aos métodos, as técnicas e ao tempo disponível. Pode ser
alterado no decorrer da pesquisa, com o surgimento de novos dados ou referências
imprevistas. Tais alterações devem ser bem pensadas e discutidas com o orientador.
Projeto é já um início de trabalho, o esforço de pensar (e sonhar) o caminho. É
um preparo que demonstra a pertinência da trilha a ser percorrida. Projeto não traz
resultados de pesquisa, o que só ocorrerá com a pesquisa pronta. No caso de nosso
curso (METEP), vocês terão sido bem sucedidos se aprenderam a questionar como é
feita a ciência; se aprenderam que é necessário planejar os trabalhos científicos e se
retomarem essas orientações em seus trabalhos de conclusão de curso, que é outro
momento da mesma história.

8 Regras preciosas sobre quando e como citar são apresentadas por Umberto Eco (1995, p. 121-
127). Mais à frente, trata também das notas de rodapé. O autor é debochado, dizendo coisas do
tipo: não escolha um orientador por conveniência ou preguiça. Diversos exemplares desse livro
são encontrados na BCE.

21
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Referências

BOOTH, Wayne C.; COLOMB, Gregory G.; WILLIAMS, Joseph M. A arte da pesquisa.
Tradução de Henrique A. Rego Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 7. ed. São Paulo: Cortez,
1996.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 12. ed. Tradução de Gilson César Cardoso de
Souza. São Paulo: Perspectiva, 1995.

FREIRE, Paulo. Considerações em torno do ato de estudar. In: ______. Ação


cultural para a liberdade e outros escritos. 5. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 10. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.

SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do trabalho científico. 14. ed. São


Paulo: Cortez, 1986.

Proposta de Atividade

1) Visitem algumas bibliotecas e procurem saber como são organizadas, que setores possuem,
como é feita a catalogação das obras.

2) Procurem saber qual a diferença entre um periódico da grande imprensa e um periódico


científico.

3) Três palavras foram sublinhadas no texto: intrínsecas, autonomia e emancipação. Procu-


rem suas definições em um bom dicionário e retomem a leitura do trecho em que foram
utilizadas, refletindo sobre o que querem dizer.

4) Tentem exemplificar qual a diferença entre problema, questão e incômodo.

22
5) Na escola, o que poderia ser fonte de pesquisa? O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
orientações

6) Quando ouvir falar em pesquisa (na televisão, no jornal, no estudo), procure saber qual a
fonte utilizada e como foi abordada. Lembre-se que um dos critérios do estudo científico é
divulgar suas fontes e seus métodos.

7) Sua cidade tem um sebo de livros? Visite-o e veja o que tem que diz respeito à Educação.
Caso viaje a outra cidade, procure visitar suas bibliotecas e sebos.

Anotações

23
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações

24
2 Ética na pesquisa
e o lugar do
pesquisador no mundo
José de Arimathéia Cordeiro Custódio

Este capítulo começa e termina com um conselho. Conforme o que você, leitor,
entende por conhecimento científico, ali estará sua ética, pois esta está subordinada,
entre outros, aos conceitos de ciência e conhecimento.
A ética na pesquisa tem muito a ver com a visão de mundo. O pesquisador busca
a legitimidade de sua pesquisa em algum fundamento ético que lhe dá conforto inte-
lectual ou moral. É desse “lugar” confortável que ele desenvolve toda a sua pesquisa.
Ética, porém, é muito mais do que seguir um conjunto de regras escritas e consagradas
(um Código).
Ética – em pesquisa ou em qualquer contexto – tem a ver com diálogo: é o diálogo
entre o pesquisador e os outros atores envolvidos na pesquisa. Note que não falamos
em “objeto” de pesquisa, como normalmente acontece, porque nem sempre a pesqui-
sa é sobre um objeto, mas sobre outras pessoas. E pessoas nunca são objetos – nem de
pesquisa. Esse é um ponto importante e bom início de reflexão ética.
Mas já lançamos vários pontos de reflexão de uma vez. Vamos nos deter um pouco
em cada um dos aspectos apresentados.
Quando se fala em ética, pensa-se logo em um conjunto de princípios e parâmetros
de conduta. De fato, a ética é como um fundamento, um alicerce assentado sobre o
modo de ver o mundo. Ela é formada por um conjunto de valores nascidos dessa visão
de mundo, e desse fundamento nascem condutas, leis, crenças, atitudes, normas e
sanções.
Vamos dar um exemplo elucidativo: no livro do Gênesis, capítulo 4, versículos 8 a
10, encontramos a passagem em que Deus pede contas de Abel a Caim, que acabou
de matar o irmão. Caim responde simplesmente: “Por acaso sou guardião do meu ir-
mão?”. Podemos falar aqui em uma “ética de Caim”, que despreza seu semelhante com
tal intensidade que nem remorso há pelo homicídio.
Uma sociedade pautada pela “ética de Caim” não se importará com os mendigos nas
calçadas, com as guerras no outro continente, com as prisões superlotadas, com per-
seguições religiosas, nem mesmo com a pesquisa experimental realizada em – outros

25
MÉTODOS E TÉCNICAS – seres humanos. Placebo para estudo comparativo em mulheres com AIDS na África?
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Ah, mas é lá na África! Tudo pelo bem da aquisição de conhecimento. Por que não fa-
zer estudos em presidiários, negros pobres, idosos sem família em asilos ou pacientes
de hospitais psiquiátricos? Chegou tarde: já fizeram tudo isso em décadas passadas,
e demorou a alguma voz vencer a ética de Caim e gritar contra essa prática antiética.
Infelizmente a sociedade ainda não grita pelo Abel de hoje, talvez pelo motivo que
o Skank apresentou: “a nossa indignação é uma mosca sem asas; não atravessa a janela
de nossas casas”. Menos Caim e mais São Francisco de Assis, eis um bom fundamento
ético.
Começa a se perceber como a ética está atrelada à visão de mundo. Em outras
palavras, tais visões definem os sistemas econômicos, educativos, jurídicos e, claro,
científicos. Qual é o mais importante Ministro de Estado? Todos vão dizer que é o
da Fazenda (ou Economia), portanto estamos diante de uma sociedade que valoriza
muito mais um orçamento do que um projeto pedagógico ou o patrimônio cultural.
Algum leitor dirá: ora, mas como levar adiante um bom projeto pedagógico ou preser-
var o patrimônio cultural sem recursos financeiros? Pois é: esse já não escapa mais da
armadilha montada pela ética subjacente.
Agora faça uma enquete e pergunte a algumas pessoas se são felizes. A quem res-
ponder negativamente, pergunte-lhe por quê. Possivelmente ela responderá que lhe
“falta” alguma coisa, e provavelmente vai se referir a algum bem material, ou seja,
algo a ver com “ter” ou “não ter”. Logo, temos uma sociedade que liga o conceito de
felicidade diretamente ao conceito de “ter”. E um grupo que mede sua felicidade pela
posse e propriedade logicamente será consumista. Haverá os que oferecem novos e
atraentes bens de consumo e aqueles que farão o possível para adquiri-los. Sendo
assim, que ética regula as atitudes desse grupo? Quais valores estão sustentando esta
sociedade? Reflita sobre isso e sobre sua própria visão de mundo.
Em uma sociedade como esta, até informação e conhecimento passam a ser pro-
duto de vitrine. Será que esse frenesi por aquisição de informação cada vez em maior
quantidade e velocidade não é produto dessa visão de mundo do “ter”? Quando foi
que a quantidade e velocidade da informação passaram a ser mais importantes do que
a qualidade do conhecimento? Pense a respeito.
É uma sociedade que privilegia a informação em quantidade em detrimento da
formação de qualidade que gera, por exemplo, os famosos trabalhos acadêmicos “con-
trol C, control V”. Em tempos de Internet, aí reside um perigo. A sociedade industrial
também gerou escolas, cursos e monografias produzidas em escala e comercializadas.
É exatamente por esse motivo que afirmamos, lá no início, que onde está a sua
visão de mundo e de conhecimento, lá estará sua ética.

26
Mas dissemos também que a ética é bem mais do que uma antologia de regras Ética na pesquisa
e o lugar do
de conduta codificadas; pois embora várias categorias tenham seu Código de Ética – pesquisador no mundo

como médicos, dentistas, jornalistas, etc. – esses “mandamentos” não dão conta de
responder às demandas da dinâmica da prática profissional. É preciso seguir a lei e
observar as normas codificadas, mas ter sempre em mente que a ética é mais ampla e
profunda.

GENTE NÃO É OBJETO


Falemos agora do objeto e dos “atores” de uma pesquisa.
No próximo capítulo, o leitor conhecerá mais sobre um projeto de pesquisa e sabe-
rá como elaborar um. Até lá, deverá ter bem claro em mente que tipo de conhecimento
procura e em que bases filosóficas (pois Filosofia é a base da Ética) irá buscá-lo. Por
isso é tão importante, ao iniciar uma pesquisa, ter clareza de objetivos.
Normalmente, fala-se em um sujeito (o pesquisador) diante de um objeto de pes-
quisa. Seja qual for a área de conhecimento, sempre se fala em objeto: a intertextua-
lidade nos contos de Machado de Assis pode ser um objeto de pesquisa. A utilização
das histórias em quadrinhos no letramento pode ser outro. A presença do discurso
religioso no jornalismo científico é um objeto intrigante. E os mitos familiares no ál-
bum de fotografia? Guardariam relação com os antigos mitos greco-romanos? Eis mais
um. Já a percepção do tempo pelo homem medieval é outro válido objeto de pesquisa.
E assim por diante.
Qual seria o objeto de pesquisa de um psicólogo que observa a hiperatividade de
um grupo de crianças? Lembre-se: sua resposta denuncia sua ética, e sua ética orienta
seu comportamento e sua pesquisa.
Se sua resposta foi: “ora, o objeto de pesquisa são as crianças”, nota zero para você.
Um equívoco comum na pesquisa moderna é considerar seres humanos como objeto
de pesquisa. Há um nome para isso: desumanização. E, como vimos, uma ética que
reduz seres humanos a objetos de pesquisa pode autorizar pesquisas muito pouco hu-
manas – uma redundância proposital, para fixar bem a ideia. Em outras palavras: seres
humanos são sempre sujeitos de pesquisa, seja em que ponta dela estiverem.
Entretanto, se você respondeu que o objeto da pesquisa é o comportamento hipe-
rativo, você – por um artifício intelectual – separou o objeto de estudo da pessoa estu-
dada. Isso é típico da ciência cartesiana (que você deve ter visto no primeiro capítulo),
ou seja, uma ciência que entende que é preciso “separar em pedaços” para estudar,
compreender e atuar sobre o objeto – esse é o conhecimento do médico especialista,
que trata o ser humano por partes, ignorando muitas vezes o conjunto. Mas será possí-
vel separar o comportamento hiperativo da criança dela mesma? Ou seja, voltamos ao

27
MÉTODOS E TÉCNICAS ponto inicial da possível e nada recomendável desumanização.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Dificilmente, porém, você encontrará algum livro de metodologia de pesquisa que
escape a essa visão de ciência cartesiana. Além disso, ela é aceita pela maioria da comu-
nidade científica e acadêmica. Assim, tendo em mente esse alerta contra a desumani-
zação da pesquisa e da ciência, vamos em frente, paralelo ao esquema de justificativa,
hipóteses, objetivos gerais e específicos, metodologia, etc.. Cabe, contudo, lembrar
que esse é mais um modelo baseado em determinada visão de mundo – mas não a
única e verdadeira.
Mas voltemos aos outros elementos de um projeto de pesquisa. Provavelmente
você, pesquisador, dentro desse modelo de projeto de pesquisa, tem mais facilidade
em definir e elaborar um ou outro. Conhecemos uma professora que adora fazer jus-
tificativas longas e rebuscadas. Muitos dirão que tudo tem sentido apenas a partir das
hipóteses, que serão ou não confirmadas. Esse, por exemplo, é um raciocínio positi-
vista, ou seja, preocupado com resultados. Diante da expectativa de um novo princípio
ativo qualquer, pergunta-se: será que essa substância poderá se tornar um eficaz re-
médio contra – digamos – a depressão? Só uma pesquisa positivista o dirá. Se for bem
sucedida, a indústria transformará o conhecimento científico em produto tecnológico
e, por consequência, um bem de consumo – saúde para quem puder pagar. Se não,
será condenada ao esquecimento.
Estamos diante de uma ética (de pesquisa) de resultados, sem falar na ética do con-
sumo, a que já nos referimos. Dirão uns: e daí que para testar o medicamento usaremos
placebo em cem pessoas? Pense nos milhões que serão beneficiados. Apresentamos-lhe a
ética utilitarista. Ela lhe parece razoável? Sim, parece justo somente quando o observador
está em uma posição confortável. Agora imagine que você acabou de ver duas vans esco-
lares caírem em um rio e as portas só abrem por fora. Em uma estão 15 crianças; na outra,
só uma: o seu filho. Não há tempo para abrir as duas. Você vai ser utilitarista também?
Para outros pesquisadores, o importante não é provar nada, mas apenas descrever
ou constatar uma situação. Todavia, naquela visão cartesiana que mencionamos, o mais
importante é a metodologia. Afinal – argumenta-se – como saber se o conhecimento
adquirido é confiável se não é confiável o método que ajudou a chegar lá? Pergunta
sem saída? Não necessariamente, é tudo – sempre – uma questão de visão das coisas.
Por outro lado, há os pesquisadores que partem de uma teoria “consagrada”. Essa
conduta também envolve perigos, pois nem sempre a tradição dá conta de fornecer os
conhecimentos buscados. Na verdade, recomendamos enfoques multidisciplinares. É
preciso lembrar que uma teoria é igualmente um ponto de vista, por melhor que seja.
Tampouco pode o pesquisador se ancorar na objetividade de sua pesquisa, juran-
do por Deus que não interfere nem um pouquinho nos resultados. A objetividade

28
na pesquisa é um mito, assim como a objetividade do jornalista que reporta um fato. Ética na pesquisa
e o lugar do
Todo texto (verbal ou não) é uma leitura de mundo. Certa vez, alguns pesquisadores pesquisador no mundo

estudavam algumas cavernas. Mas, de tanto entrarem e passarem longos períodos lá


dentro, fizeram a taxa de gás carbônico naqueles locais subir muito acima das condi-
ções naturais. A diferença começou a agir sobre o ambiente, alterando-o.
A simples presença do pesquisador pode mudar tudo, principalmente se ele carre-
ga algum artefato de registro, como um gravador ou câmera (fotográfica ou de vídeo),
no caso de pesquisa com outros seres humanos. Um simples caderninho de notas
já pode constranger o sujeito pesquisado. A possibilidade de interferência só pela
pesquisa é chamada de paradoxo do pesquisador ou paradoxo do observador (cf.
sugestões de leitura).
Lembra do psicólogo estudioso da hiperatividade? Ele fazia aquela pesquisa em
que não interfere no cenário sob hipótese alguma. As crianças estão se batendo? Ele
só observa. Vai derrubar a estante em cima do outro? Só anota. Olha lá, rachou a testa!
Escreve no caderninho. Parece cruel? Pois é, tem seus fundamentos científicos: é o
pesquisador-observador. Mas que ciência é essa? Essa é sua reflexão.
Ocorre que, via de regra, as metodologias de pesquisa, herdeiras do pensamento
cartesiano apoiam-se nas teorias objetivistas ou subjetivistas. Ou seja, existem aquelas
que dão importância suprema ao objeto de pesquisa (como um documento histórico),
considerando o sujeito da pesquisa como um elemento neutro. Outra corrente vai ao
outro extremo e afirma categoricamente que o que se estuda se muda. É o pensamen-
to subjetivista, que diz também que todo conhecimento é um ponto de vista. Uma
terceira vertente tenta conciliar as anteriores. Ao pesquisador cabe conscientemente
escolher a sua, sabendo que sobre essa escolha toda sua pesquisa estará fundamentada
e, portanto, alguns resultados podem até ser previstos de antemão.
Uma das obrigações irrefutáveis do pesquisador é retornar ao grupo pesquisado,
expor e discutir com ele os resultados de sua pesquisa. Isso faz parte da humanização,
porque do contrário seria considerar as pessoas meros objetos de pesquisa. Contudo,
também é obrigação do pesquisador, antes e no momento da pesquisa, informar clara-
mente o que e porque está fazendo.
Agora imagine um pesquisador de fenômenos linguísticos chegando a um infor-
mante da zona rural e dizendo: “Oi, vim ver e gravar como é que o senhor fala os
plurais e conjuga os verbos”. Obviamente, sabendo disso, o sujeito vai cuidar do
modo como fala, o que vai viciar irremediavelmente a pesquisa. No policiamento da
própria linguagem, ele pode até provocar o fenômeno da hipercorreção, que seria
como dizer assim: “Temos que jantarmos logo que anoitece”. Como, então, resolver
esse paradoxo? Em casos como a pesquisa linguística, é preciso dizer ao informante

29
MÉTODOS E TÉCNICAS que se trata de uma pesquisa linguística, mas não delimitar o fenômeno pesquisado, e
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO utilizar um instrumento bastante abrangente: gravar horas e horas de conversa sobre
todos os assuntos imagináveis. Foi assim que fizeram muitos dos pesquisadores em
Linguística.

UMA PROPOSTA BIOÉTICA


Para enriquecer sua reflexão sobre Ética, sugerimos ainda uma de suas vertentes
mais atuais: a Bioética.
Há mais de uma década, no Brasil, tem se falado em Bioética. Normalmente ela
aparece quando o assunto são as novas tecnologias ou temas ligados aos extremos
da vida transgênicos, reprodução assistida, aborto e eutanásia. O que é essa Bioética?
Uma ética da vida?
A Bioética é uma proposta de levar a Ética a um nível mais elevado ainda, sob um
enfoque contemporâneo e, portanto, multidisciplinar. Em outras palavras, trata-se de
levar muito a sério a ideia do “outro”, e cultivar como fundamentos éticos a tolerância
e o respeito à diversidade – moral e cultural.
A Bioética é também uma proposta de uma visão crítica de mundo (de valores)
em oposição a ideologias fechadas e dogmas. À Bioética não interessam divisões, mas
somas; união de pensamentos diferentes.
Ela se apresenta como uma grande possibilidade aberta de resolver aqueles mes-
mos problemas que têm afligido a Humanidade desde sempre, como a fome, a do-
ença, a iniquidade, a injustiça, o egoísmo; assim como os males mais novos, como
a destruição dos recursos naturais, a divinização da tecnociência, o materialismo e a
absolutização do relativo.
Um dos grandes méritos da Bioética, sob esse ponto de vista, é provocar a reflexão
de pensadores de todas as áreas, pois ninguém pode se furtar de pensar sobre a vida, a
saúde, o meio ambiente, a tecnologia e as gerações futuras. Somente exercendo o pensa-
mento o homem pode amadurecer, e a Bioética oferece um caminho para o pensamento.
Abordar os novos problemas de forma contemporânea, eis o que a Bioética pro-
põe. A repetição de respostas tradicionais pode se revelar inadequada e é aí que entra
a Bioética: incentivando novos níveis de reflexão e discussão que possam conduzir
a soluções mais adequadas. Não se está desprezando o conhecimento do passado.
Pelo contrário, põe-se a memória histórica como base do caráter interdisciplinar da
Bioética.
Ao final, entre as sugestões de leitura, apresentamos algumas sobre Bioética.

30
PARA FINALIZAR... Ética na pesquisa
e o lugar do
Se depois de toda esta reflexão ainda pairam muitas dúvidas sobre a ética, não se pesquisador no mundo

preocupe. No início, era mesmo o Caos. Ética também é uma questão de exercício,
portanto é preciso praticá-la regular e insistentemente. Também dissemos que Ética é
diálogo, por isso um dos melhores exercícios é dialogar com o outro, entendendo “di-
álogo” no sentido mais amplo possível, isto é, conversar consigo mesmo, com o outro,
colocar-se no lugar do outro, experimentar o que o outro conhece, e assim por diante.
O importante é não agir sem reflexão. Abaixo, também deixamos algumas sugestões de
leitura para que você, leitor, dialogue com elas.
Ah, sim, não esquecemos que prometemos outro conselho ao final deste capítulo.
E o conselho é este: na dúvida sobre o seu comportamento ético em pesquisa, siga
este – seja honesto sempre: honesto consigo mesmo, com seu próprio projeto, com
seu objeto de pesquisa, com seus parceiros, com seus métodos e técnicas, com seus
resultados e com suas avaliações. Assim provavelmente errará menos.

Referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando:


introdução à Filosofia. São Paulo: Moderna, 2000.

BERNARD, Jean. A bioética. São Paulo: Ática, 1998.

BRASIL. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução CNS 196/96).


Bioética, Brasília, v. 4, n. 2, 1996. Suplemento.

CENCI, Ângelo Vitório. O que é Ética. Passo Fundo: Ed. do Autor, 2000.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

GUIMARÃES, Eduardo (Org.). Produção e circulação do conhecimento: política,


ciência, divulgação. Campinas, SP: Pontes, 2003.

MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo:
Paulus, 2004.

31
MÉTODOS E TÉCNICAS PROTA, Leonardo; SIQUEIRA, José Eduardo de; ZANCANARO, Lourenço (Org.).
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Bioética: estudos e reflexões 2. Londrina: EDUEL, 2001.

SINGER, Peter. Vida Ética. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 1994.

VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em História. São Paulo: Ática,
1998.

Comentários sobre as referências

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à
Filosofia. São Paulo: Moderna, 2000.
Ótima leitura para quem inicia no estudo do pensamento filosófico. Aborda conceitos
fundamentais como conhecimento, ciência, moral, estética, em uma perspectiva histórica.
Utiliza várias formas de expressão para a reflexão, como textos literários e histórias em
quadrinhos. Todas as unidades terminam com exercícios.

BERNARD, Jean. A bioética. São Paulo: Ática, 1998.


Panorama geral da Bioética, sua relação com a Medicina, Biologia, Ética. Descreve e analisa
essa proposta, delimitando suas fronteiras com a Filosofia, História, Cultura e Política.

BRASIL. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução CNS 196/96). Bioética,
Brasília, v. 4, n. 2, 1996. Suplemento.
Dispositivo legal que regulamenta a pesquisa em seres humanos de qualquer área do
conhecimento.

CENCI, Ângelo Vitório. O que é Ética. Passo Fundo: Ed. do Autor, 2000.
Trata das origens da ética ocidental, as formas do saber ético, especificidades da ética,
normais morais, jurídicas e religiosas, assim como outros aspectos referentes aos funda-
mentos éticos, como a universalidade, a evolução e a prova moral e ética; senso comum,
responsabilidade moral, liberdade, ideologia e limites da ética.

CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.


Filosofia, razão, verdade, conhecimento, metafísica, ciência e o mundo da prática são al-
guns dos grandes temas abordados. Cada parte termina com exercícios propostos. Ques-
tões como memória, imaginação, linguagem, cultura, arte, ética, liberdade e política são
expostas à luz da Filosofia.

32
GUIMARÃES, Eduardo (Org.). Produção e circulação do conhecimento: política, ciência, Ética na pesquisa
e o lugar do
divulgação. Campinas, SP: Pontes, 2003. pesquisador no mundo
Livro que reúne uma série de artigos e está dividido em três partes. A primeira (A ciência
e sua circulação) e a terceira (Produção de conhecimento e Estado) são úteis. O volume I
(mesmo organizador e editora) também vale como leitura complementar.

MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo: Paulus,
2004.
Apesar de dirigido mais às áreas de Comunicação e Filosofia, é recomendável às demais,
pois todas – direta ou indiretamente – têm ligação com aquelas duas. Traz na primeira par-
te um claro panorama das correntes históricas de pensamento filosófico (bom para quem
nunca se aprofundou em Filosofia), da Antiguidade até nossos dias. Na segunda, com base
na Filosofia, discute se realmente o homem contemporâneo comunica.

PROTA, Leonardo; SIQUEIRA, José Eduardo de; ZANCANARO, Lourenço (Org.). Bioética: es-
tudos e reflexões 2. Londrina: EDUEL, 2001.
Obra que reúne artigos de profissionais de diversas áreas (Medicina, Enfermagem, Jornalis-
mo, Serviço Social, Psicologia, Biologia, Odontologia) que trazem fundamentos bioéticos
aplicados em problemas da prática de cada um, somadas às reflexões filosóficas. Vários
trabalhos foram apresentados no Congresso Mundial de Bioética (Brasília, 2002).

SINGER, Peter. Vida Ética. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.


Polêmico filósofo da atualidade, o autor discute a natureza da ética e aborda temas como
a fome, a riqueza e a moralidade; pesquisas com embrião, aborto, eutanásia e a pesquisa
em animais, entre outros tópicos. Singer contesta, por exemplo, o especismo – a ideia de
que o homem, enquanto espécie, tem o direito de dispor de outras para seus propósitos,
incluindo a pesquisa científica.

TARALLO, Fernando. A pesquisa sociolingüística. São Paulo: Ática, 1994.


Embora voltado mais para a pesquisa linguística, abrange aspectos que vão além dessa
área. É nele, por exemplo, que se fala do “paradoxo do observador”. A pesquisa em Lin-
guística enfrentou problemas semelhantes aos de outras áreas.

VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em História. São Paulo: Ática, 1998.
Semelhantemente, apesar de ser voltado mais à pesquisa histórica, dá lições e provoca
reflexão do pesquisador ao questionar determinadas posturas científicas. Discute as fontes
e os passos da pesquisa (incluindo problematização, delimitação do tema, etc.) e aborda
até a relação entre professor-orientador e aluno.

33
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Proposta de Atividade

1) Reúna recortes de jornais e revistas sobre algum assunto que ganhou destaque em todos
eles. Observe as manchetes e as fotografias, se houver. Repare as semelhanças e diferenças
de enfoque. Procure identificar as ideologias presentes nos textos e o fundamento ético
por trás delas. Procure também identificar ideologias ausentes e, portanto, éticas ausentes.
Em um segundo momento, estabeleça um diálogo – apresente seus argumentos a um
interlocutor ou grupo e promova uma discussão. Procure observar, nos argumentos dos
outros, que ética os fundamenta.
2) Tente fazer o mesmo exercício com anúncios publicitários e observar o que eles valorizam
ou desvalorizam em seus textos e imagens: corpo humano; sentidos físicos; cores; senti-
mento familiar; condição econômica; prazer; satisfação de desejos. Depois tente expandir
a observação para novelas, filmes e livros.

3) Passeie pelos espaços da sua cidade e observe a organização das coisas: quem é privilegia-
do e quem fica em segundo plano. Pergunte-se por quê. Observe o espaço dedicado ao
verde, aos animais, idosos, pedestres. Note as sinalizações, as filas, as vitrines, os agrupa-
mentos de pessoas. Qual lógica e quais regras estão sob esta organização espacial?

4) Pense sobre esse pequeno problema: você atropela um cachorro sem querer. Você o leva
ao veterinário e o devolve ao dono, tratado. Se não socorresse o cachorro, você provavel-
mente se sentiria mal. Eis a questão então: você o ajudou por ele (que sofria) ou por você
mesmo (para evitar o mal estar da culpa)? Ou sequer ajudaria? Que ética é essa?

5) Faça uma autoavaliação ética. Pense em que se baseiam suas decisões quanto à família, ao
trabalho, ao grupo social. Analise em que se fundamentam suas opiniões sobre as grandes
questões, como espiritualidade, justiça social, liberdade, verdade, amor, ciência, conheci-
mento, ecologia, moral, ética. Como você define esses valores? Será que você é dogmático
em algum(ns) desse(s) aspectos?

Sugestões de filmes com problemas éticos:

1) Cobaias Humanas: Mostra o caso real ocorrido em Tuskgee (Alabama/EUA), em que cen-
tenas de pessoas sifilíticas, negras e pobres, tiveram negado o acesso à penicilina porque
as autoridades sanitárias americanas queriam descobrir como a doença evoluiria natural-
mente sem tratamento. O caso só foi denunciado depois de três décadas, nos anos 1970.
Também existe o livro.

2) Jenipapo: Filme brasileiro com um protagonista americano, que faz o papel de um jorna-
lista que tenta uma entrevista com um padre ligado ao movimento sem-terra. Como não
consegue a entrevista, mas conhece o padre muito bem, ele inventa a entrevista e publica,
o que põe em perigo a vida do padre pelas mãos dos latifundiários.

34
3) Projeto Secreto - Macacos: Discute a pesquisa em animais. Soldado vai trabalhar em um Ética na pesquisa
e o lugar do
laboratório do Exército americano, onde presencia experiências com animais para testar a pesquisador no mundo
resistência de seres vivos. Sugestão para debate somado à leitura do livro de Peter Singer
(cf. sugestões de leitura).

4) Erin Brockovich, uma Mulher de Talento: Mulher descobre poluição na água consumida
por uma população e denuncia indústria. Interesses corporativos e públicos se confrontam
enquanto a investigação vai aos poucos mobilizando a comunidade.

5) Mera coincidência: Exemplo de construção de realidade com consequências éticas. A fim


de desviar a atenção do público de um escândalo envolvendo o presidente norte-america-
no, uma equipe de profissionais de relações públicas contrata um cineasta para criar uma
guerra fictícia. Mera coincidência?

6) E a vida continua: Mostra os primeiros anos de pesquisa sobre a AIDS nos EUA e as dificul-
dades em avançar. Os primeiros debates foram marcados pelos preconceitos e desconhe-
cimento da doença (o que naturalmente gerou muita especulação), além de tentativas de
isenção de responsabilidade ou envolvimento de algumas agências governamentais.

Anotações

35
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações

36
3 O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?

Raymundo de Lima

“Como se deve palmilhar a encosta? Sobe e não penses nisto.”


Nietzsche (A gaia ciência)

Um professor pede que os alunos “façam uma pesquisa” junto à Internet. Há aque-
les que simplesmente recortam frases dos textos encontrados na Internet e colam em
uma folha, como se fosse seu, muitas vezes sem citar a fonte. Aprendem, assim, a fazer
plágio1, e pensam que assim fazem pesquisa científica.
Embora não sejam cúmplices do crime de plágio, alunos e professores realizam um
duplo engano: o professor, porque não ensinou a distinção entre pesquisa informal
e pesquisa científica, já que na Internet colhemos dados, artigos, informações sobre
diversos assuntos, nem sempre confiáveis e originais; o aluno, porque deixou se levar
pela esperteza aética, desconsiderando a possibilidade de facilmente ser desmascara-
do na sua falta.
O propósito deste capítulo é dirimir alguns equívocos sobre o que é pesquisar
cientificamente, o que é iniciação científica e qual o seu papel na formação
universitária
Bagno (2005, p. 17) entende que o chamado “levantamento de estudos”, até pode
ser chamado “pesquisa”, assim como os pequenos gestos que empreendemos no dia-
a-dia: uma simples consulta no relógio para ver as horas, a espiada fora da janela a
fim de observar o tempo, a batidinha na porta do banheiro para saber se tem gente
dentro, conversar com alguém para saber sobre o ambiente de trabalho, enfim, esses
atos podem ser considerados pesquisa. Evidentemente, são pesquisas rudimentares,
informais, assistemáticas, mas, não são pesquisas científicas. Há ainda outros atos mais
elaborados, como os de “pesquisar” uma página do jornal de classificados em que
marcamos os anúncios que nos interessam, ou sair pelo comércio para comprar um

1 O plágio também é considerado uma grave falta ética ou crime também na pesquisa científica.

37
MÉTODOS E TÉCNICAS televisor tomando o cuidado de anotar o tamanho, modelo, marca, preço, para de-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO pois comparar e tomar uma decisão nesses casos, também podemos dizer, vulgarmen-
te, que estamos fazendo uma pesquisa, mas também não se trata de uma “pesquisa
científica”, porque não realizamos uma investigação sistemática, projetada e orientada
segundo um método para dar continuidade à produção do conhecimento científico
acumulado na história da humanidade.
Existe, ainda, a associação da pesquisa com enquete, principalmente em época de
eleição política. Assim, um jornal, revista ou televisão perguntam ao público sobre
algum assunto polêmico, que deve responder de modo fechado: sim ou não, favo-
rável ou desfavorável. Em seguida, essas respostas são transformadas em resultados:
60% disseram “sim”, 40% disseram “não”. Portanto, a enquete é um tipo de pesquisa
que procura averiguar a opinião do público. Mas não podemos considerá-la “científi-
ca”, salvo se for desenvolvida de acordo com os critérios mencionados no parágrafo
anterior.

PESQUISA: ETIMOLOGIA E USO


Segundo Bagno (2005, p. 17), a palavra “pesquisa” veio até nós do espanhol. Este,
por sua vez, herdou-a do latim. Havia em latim o verbo pesquiro, que significava “pro-
curar; buscar com cuidado; procurar por toda parte; informar; inquirir; perguntar;
indagar bem, aprofundar na busca”. O particípio passado desse verbo latino era per-
quisitum. Por alguma lei da fonética histórica, o primeiro “r” se transformou em “s” na
passagem do latim para o espanhol, dando o verbo pesquisar que conhecemos hoje.
Perceba que os significados desse verbo em latim insistem na ideia de uma busca
feita com cuidado e profundidade. Nada a ver, portanto, com atitudes displicentes
ou sem empenho de aprofundar uma investigação cujo resultado demanda uma ela-
boração sistemática ou metódica. Desse modo, os trabalhos superficiais de busca na
Internet (levantamento de artigos, livros, dados estatísticos, etc.), cujo resultado é a
colagem de frases em uma folha, feitos só para “conseguir nota”, não podem ser ca-
racterizados como pesquisa séria, confiável ou científica. Também engana ser um texto
científico que faz uso de slogans e falácias ou estratagemas argumentativos, visando
intencionalmente a distorcer explicações, conduzir o leitor para uma determinada ide-
ologia ou até aniquilar um suposto adversário, tornado inimigo, desqualificando-o ou
difamando-o.
Especialmente esse é mais um problema das ciências humanas e sociais, devido a
sua fragilidade científica e maior interesse político-ideológico em exercer influência
como ‘deve ser o mundo’, em vez de ‘explicar como o mundo é’ (ARENDT, 1972;
LIMA, 2005). No Brasil, muitas dessas pesquisas não contribuem para o progresso

38
científico, porque estão apenas preocupadas em reproduzir habitus2; o defeito dessas O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
“ciências” ainda é o seu “abstracionismo pedagógico” (AZANHA, 1992) ou teoricismo,
em vez de investigar a realidade concreta ou cotidiana das pessoas em seus ambientes
de trabalho (escola, universidade, empresa, etc.), lazer, etc. Em vez de argumentar
e demonstrar com clareza, coerência e consistência suas observações e ideias, elas
tendem a se valer de manobras retóricas, passando por cima, por exemplo, do alerta
sobre os ídolos3 elaborados por F. Bacon, no século XVII, que em certa medida ainda
devem ser observados na contemporaneidade.
Em resumo, há que considerar tanto o sentido etimológico da pesquisa, bem como
o seu uso indiscriminado, que nem sempre deve ser considerado como pesquisa
científica.

QUE SIGNIFICA PESQUISA CIENTÍFICA?


Pesquisar, no sentido mais amplo, é procurar conhecer algo de forma sistemática.
É fazer um trabalho de investigação minucioso de um determinado problema, visando
a melhorar o seu conhecimento ou contribuir para o desenvolvimento da ciência. “A
pesquisa é, simplesmente, o fundamento de toda e qualquer ciência” (BAGNO, 2005,
p. 18). Logo, um conhecimento que não se baseia em pesquisa científica, que não
apresenta sinais de “avanços” não pode ser considerado ciência. O conhecimento em-
pírico ou extraído da experiência do dia-a-dia manifestado em opiniões não tem valor

2 Descartes, ao escrever o Discurso sobre o método “move um poderoso ataque ao próprio funda-
mento da posição valorativa ao investir contra a memória e o habitus” (MARICONDA, 2006,
p. 456). Ou seja, seu alerta vale tanto para a emergente ciência no séc.XVII como a ciência
contemporânea: os argumentos baseados na autoridade – o dito de um autor consagrado;
e na memória dos escritos canonizados. Naquela época ele insurgia conta a autoridade da
Igreja, e sua concepção canônica e dogmática do conhecimento. Nos dias de hoje, ainda vale
a crítica e a suspeita sobre os argumentos sustentados numa autoridade religiosa ou laica e em
teoria dogmatizadas, isto é, que em vez de se abrir para novas investigações procuram anestesiar
a crítica e o debate, supondo que tal verdade já foi descoberta.
3 Bacon, na sua obra Novum organum (1988) trilhando um caminho diferente de Descartes,
também reitera um ataque à teologia, o qual visa a destituí-la de sua rígida autoridade, ao elaborar
quatro tipos de ídolos – ou atitudes erradas – mais frequentes que barram a formação da postura
científica. A) ídolos da tribo são condicionantes universais decorrentes da “própria natureza”
humana. O ser humano tende a aprender de modo simplório e raso o que é verdadeiramente
complexo; B) os ídolos da caverna são os condicionantes sociais, culturais, ideológicos (diríamos
hoje) que causam distorções nas nossas percepções, e insistem que o indivíduo veja as coisas sob
uma luz particular; C) os ídolos da feira são os condicionantes linguísticos, necessários para a
enunciação do conhecimento, mas que causam certo enfeitiça mento pelo uso das palavras aceitas
sem crítica entre pessoas que usam a mesma linguagem; D) ídolos de teatro são os condicionan-
tes teóricos (filosóficos e teológicos) que causam efeito passional em determinadas pessoas, são
também fontes de distorção. Os quatro ídolos devem ser superados pelo pesquisador iniciante.

39
MÉTODOS E TÉCNICAS científico porque não cumpre com os critérios epistêmicos4 desse conhecimento. Há
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO conhecimentos até muito ensinados e divulgados na universidade que não são pro-
dutos de pesquisa científica. Pode ser resultado de uma reflexão filosófica, escrita em
forma de ensaio teórico, apresentar ideias logicamente encadeadas e consistentes, mas
não é ciência. Alguns desses conhecimentos escritos em forma de ensaios são conside-
rados por alguns epistemologistas como “pseudociências”. Segundo Bunge (1989, p.
68 apud LEE, 2003, 2008): “uma pseudociência é uma disciplina que se faz passar por
ciência, (ou por tecnologia) sem sê-lo.” A parapsicologia, a astrologia, quiromancia,
são consideradas “pseudociências”5. A astrologia se utiliza das mesmas interpretações
para os mesmos signos, as mesmas fórmulas fixas para “explicar” as “influências” dos
astros, sem pelo menos levar em consideração sobre as descobertas da astronomia.
Logo, a astrologia não é ciência e a astronomia, sim. (Obs.: a discussão sobre os crité-
rios para demarcar ciência e não ciência escapa ao propósito desse texto).
No sentido que qualifica de “científica”, diz Rudio (1986), a pesquisa dever ser feita
de modo sistematizado, utilizando para isto de método próprio e técnicas específicas
e procurando um conhecimento que se refira à realidade empírica. Assim, “a pesquisa
científica é uma atividade voltada para a solução de problemas por meio do método
científico” (RAMPAZZO, 2004, p. 49). Os resultados obtidos devem ser apresentados
de forma peculiar, bem como devem ser analisados e debatidos em fóruns adequa-
dos. Os resultados das pesquisas científicas jamais devem ser considerados definitivos,
porque uma das características da ciência é se aproximar da ‘verdade’ e não ser ‘a’
verdade; é próprio das teorias científicas serem provisórias, abertas a discussão e ao
debate pluralista. Caso contrário, não se trata de ciência, mas de pseudociência, ou
de outro tipo de conhecimento que valoriza a certeza (dogmas), que no fundo é de
inspiração religiosa.
Existem inúmeras definições de pesquisa qualificada de científica. O epistemolo-
gista Hilton Japiassu observa que não existe uma definição objetiva nem muito menos
neutra daquilo que é ou não ciência. Esta pode ser tanto uma procura metódica [ou
sistemática] do saber, quando um modo de interpretar a realidade; tanto pode ser
uma instituição com seus grupos de pressão, até com seus preconceitos, suas recom-
pensas oficiais, quanto um metiê subordinado a instâncias administrativas, políticas

4 Opinião (do grego: doxa), faz oposição ao conhecimento sistematizado (gr.: episteme).
5 Segundo os critérios de demarcação entre ciência e pseudociência de Karl Popper, também
são considerados “pseudociências” o marxismo e a psicanálise. A propósito, sinalizo ser um erro
considerar o autor um neopositivista. (Ler nosso artigo na internet: “Popper e o neopositivismo:
equívoco ou embuste?” Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/064/64lima.htm>

40
ou ideológicas; tanto uma ventura intelectual conduzido a um conhecimento teórico O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
(pesquisa) quando a um saber tecnologizado. “A ciência, como o homem, não é uma
criação da necessidade, mas do desejo” de saber mais e mais ( JAPIASSU, 1975, p. 49).
Pensamos que existe consenso sobre as seguintes ideias:
a) a pesquisa científica é sistemática ou metódica;
b) é um conhecimento codificado em uma linguagem própria de cada área da
ciência (teorias);
c) a teoria científica é a reconstrução (constructo) artificial da realidade problema-
tizada pelo cientista ou grupo de cientistas;
d) essa reconstrução não é definitiva, visto que a ciência está sempre limitada às
condições de sua época, portanto, o resultado significativo de uma nova pes-
quisa pode causar uma renovação parcial ou radical no pressuposto existente
(ruptura paradigmática6);
c) uma pesquisa científica pode ser comunicada, racionalmente discutida, e veri-
ficada. O processo do desenvolvimento científico alimenta-se precisamente co-
municações, análises e debates, uma vez que a informação científica é validada
pela comunidade científica e não por um único indivíduo.

Conforme o critério de classificação, há diversas maneiras de se fazer pesquisa. Há


a pesquisa pura ou básica, a pesquisa prática ou aplicada, a pesquisa histórica, a
descritiva, a experimental, a pesquisa-ação. Quanto ao levantamento de dados, a
pesquisa pode ser documental, bibliográfica e de campo.
A pesquisa, como um conjunto de procedimentos sistematizados, deve articular-
se em um sentido lógico desde a elaboração de um projeto de pesquisa com suas
etapas: problematização e delimitação do assunto, justificativa, objetivos, hipóteses,
fundamentação teórica, procedimentos, cronograma e orçamento.
Baltar (s.d.) afirma que o projeto de pesquisa “não é apenas uma formalidade aca-
dêmica. É o primeiro passo da pesquisa científica”, que após ser aprovada por au-
toridades de uma instituição e constituir um orientador, entra na fase da realização
propriamente dita da pesquisa, usando os procedimentos e instrumentos de apoio
escolhidos pelo pesquisador. No decorrer da pesquisa, o pesquisador poderá apresen-
tar os seus resultados parciais em forma de artigos teóricos, informes, comunicações,
palestras, seminários etc. No percurso da própria investigação o estudante vai desen-
volvendo um “sentimento de autoria” (BELLINI, 2005), isto é, após ter escrito um

6 A ideia de “ruptura do paradigma” é desenvolvida por Thomas Khun no seu livro “A estrutu-
ra das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975.

41
MÉTODOS E TÉCNICAS artigo, apresentado seu resumo em um evento, ou uma palestra, ele se sente crescido
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO intelectualmente.
Fazer pesquisa pode motivar o estudante para ler mais, procurar livros, artigos,
revistas, buscar na Internet; também ele poderá se dar conta que precisa escrever
melhor, corrigir eventuais erros e errâncias em seus textos. Ou seja, o seu sentimento
de autoria demanda investimento e aprimoramento intelectual levando-o a encontrar
seu estilo de estudante pesquisador.
Ao final do curso, cada estudante deve elaborar um trabalho de conclusão de curso
ou monografia (TCC de graduação7), que deve assumir a forma lógica de um escrito
consistente, coerente, cuidadoso no raciocínio argumentativo; ele deve demonstrar
no texto ter respondido uma hipótese ou pelos menos encaminhado a discussão do
assunto proposto para um ponto considerado satisfatório para os critérios da acade-
mia. Depois da defesa, os debates deverão comprovar e/ou confrontar com o que está
escrito na monografia, que é do conhecimento dos membros da banca examinadora.
É o que se espera do conhecimento produzido pela pesquisa: elaboração sistemática
em forma de texto cujo propósito é contribuir para o debate aberto, plural e investido
na busca da verdade.

O QUE É INICIAÇÃO À CIÊNCIA E À PESQUISA, AFINAL?


Somente a partir da década de 1980 é que passa a fazer parte da cultura universi-
tária brasileira o movimento que valoriza a pesquisa nos cursos de ciências humanas.
Esse movimento cresce substancialmente na década de 1990 (ANDRÉ, 2001, p. 56),
acompanhando alguns avanços que vinham ocorrendo nas ciências exatas e biológicas
e, com maior visibilidade, na área tecnológica.
Nesse período, passa a ser consenso a valorização da articulação entre teoria e
prática, ou seja, se desenvolve o compromisso de confrontar os conhecimentos teó-
ricos consagrados e sua validação na prática. No caso da formação dos professores,
também surge um consenso na literatura educacional de que fazer pesquisa é um
elemento essencial para sua formação (ANDRÉ, 2001, p. 55). Entre esses profissionais
existe um atmosfera de pressão para se “fazer pesquisa”, com o argumento de que o
bom professor deve obrigatoriamente também ser um pesquisador. Autores como
Pedro Demo sempre indicam que, na nossa época, só é bom professor aquele que faz

7 Obs.: Usa-se fizer “monografia” para trabalho de final de curso de graduação e também
cursos de especialização. Nos cursos de Pós Graduação em nível de Mestrado usa-se “disserta-
ção”, e “tese” para Doutorado. A obrigatoriedade de originalidade temática, e, obviamente a
demonstração de uma tese proposta hipoteticamente para solucionar um problema” da pesquisa
cabe mais a tese de doutorado.

42
pesquisa. Concordamos em parte com esse ponto de vista, porque nem todos “bom O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
professor” tem vocação e/ou interesse em ser pesquisador profissional.
Convivendo com a realidade francesa, Kourganoff (1990) prevê, nos anos 1970
e 1980, que a primazia da pesquisa causaria desprestígo e descaso pela atividade de
ensino dos professores coptados para serem pesquisadores. Ele também duvida que
todo professor tenha vocação para fazer pesquisa e vir a ser um pesquisador ou um
professsor-pesquisador.
O debate organizado por Marli André (2001) traz um texto de Menga Lüdke (2001)
observando que “esse assunto de professor pesquisador é muito nosso, da academia,
do que dos professores da educação básica”. Existe o problema da vocação para a
pesquisa, e outros fatores que concorrem para não motivar os professores tão ligados
em seu cotidiano a fazer pesquisa, como: a falta de programa adequado de governo
para a formação continuada da escola pública, “a falta de preparo específico para a
pesquisa, que não lhes foi oferecido nos cursos de graduação” (LUDKE, 2005, p. 338).
Existe também a falta de interesse dos próprios orientadores [professores da univer-
sidade] para dar suporte teórico e metodológico para os professores empreenderem
uma investigação sistemática tomando os problemas de seu cotidiano escolar, visto
que os cursos de especialização e mestrados são conhecidos mais pelo seu “abstracio-
nismo pedagógico” (AZANHA, 1992; LIMA, 2005) do que pelo seu comprometimento
de aproveitar os problemas concretos da escola e elevá-los em um projeto de pesquisa
científica. Lüdke (2001) afirma que as pesquisas sugeridas pelos professores-orienta-
dores desses cursos de pós-graduação, no geral, “constituem prolongamentos de suas
dissertações e teses, não necessariamente voltadas para problemas concretos de suas
escolas” (p. 41).
Contudo, hoje é considerado uma boa aula aquela cujo professor supera o instru-
cionismo. Segundo Demo (2004, p. 33, ss), há dois tipos de aulas: a aula tradicional,
instrucionista, que causa no aluno a falsa impressão que ele não precisa estudar e
fazer pesquisa; e a aula provocativa, que além de demonstrar a ciência-em-processo,
também estimula e cria condições para o aluno pesquisar. Neste sentido, é considerado
‘bom curso’ quando o currículo é aberto, plural, cujos professores incentivam e ofere-
cem condições para o aluno-estudante realizar projetos de inciciação científica (PICs
e PIBICs). “As bolsas de inciação científica são a grande contribuição do CNPq para a
formação dos graduandos como futuros pesquisadores” (LUDKE, 2005, p. 338). Por
seu lado, o aluno deve ser ativo no processo de ensino e aprendizagem, tanto na sala
de aula como fora dela, isto é, deve ter iniciativa para investigar os assuntos abordados
no cursos, bem como outros de seu próprio interesse. Portanto, em vez de apenas re-
produzir ou repetir o conhecimento transmitido, cabe à nova geração de “estudantes”

43
MÉTODOS E TÉCNICAS investir na sua formação mediante atividades de pesquisa como “iniciante”.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO O estudante deve aprender a problematizar – e verbalizar – durante a aula sobre os
conhecimentos ensinados pelo professor. Subjetivamente, ele também irá confrontar
os conhecimentos científicos com o que nele resiste em forma de senso comum. Por
meio desses confrontos, dúvidas, angústias, curiosidades, o estudante pode elaborar
um projeto de investigação segundo os parâmetros da ciência, visando a obter como
resultado final um conhecimento mais sistemático. Noutras palavras, não que o senso
comum irá ser totalmente superado ou reprimido pelo saber científico, mas ele deve
aprender sobre um novo conhecimento sistemático por meio de seus próprios meios
como pesquisador, bem como fazer suas comprovações e usar de lógica de argumenta-
ção consistentes sobre os temas de seu estudo. Embora o “discurso da universidade”8
ainda seja muito influenciado pelos argumentos de autoridade9, tal como os sistemas
doutrinários fundados em uma ideologia política ou religiosa, nos últimos tempos tem
tomado consciência de que “é preciso limitar sua abrangência” (DEMO,1981, p. 31)10,

8 “Discurso da universidade” ou “discurso universitário” é uma expressão emprestada de Jacques


Lacan, que elabora 4 tipos de discursos existentes: o Discurso do mestre, o Discurso universi-
tário, o Discurso da histeria e o Discurso analítico. O discurso universitário é produzido na
universidade, ou em qualquer instituição de ensino. Este discurso tem o professor como o seu
principal agente. Em primeiro lugar, vale reconhecer que o professor não ensina as matérias por
si próprias, mas através de autores, de textos, que no campo da retórica é chamado de “argumento
de autoridade” (“Para Vigotsky...”, Segundo Freud, “O grande pensador Karl Marx”). O costume
exercido pelos mestres e doutores e reproduzidos pelos alunos segue uma "tradição" e representa a
"herança do conhecimento". Segundo, o professor é um fiel cumpridor dos programas de ensino;
ele é um mero porta-voz de autoridades e de suas ideias consagradas.
9 Assim, para reforçar um argumento, numa aula ou texto, o professor diz: “Segundo Marx...”,
“Freud explica que...”, “Para Vigosty...”, etc. Por definição, é argumento de autoridade, quando
queremos reforçar nossa tese, e recorremos à opinião de nomes respeitáveis para corroborá-la.
Isso é perfeitamente válido, e até desejável quando é necessário se recorrer às fontes, que são
as referências bibliográficas que o autor estudou e é imprescindível marcar “em que pé estava o
conhecimento de sua área do conhecimento” (BAGNO, 2005, p. 35). No entanto, nem sempre
se tem esse cuidado na seleção de citações como fonte, e empobrece o argumento quando é
citada qualquer personalidade considerada inquestionada como se esta tivesse mais autoridade
que qualquer outro mortal. Ser famoso não quer dizer estar certo sobre tudo. O argumento de
autoridade também pode funcionar como senha para garantir credibilidade no discurso, princi-
palmente nas ciências humanas e sociais, que são mais vulneráveis de contaminação de interesses
ideológicos. Por exemplo, citar Marx é imprescindível para agradar a “esquerda”, ou se referir a
nomes considerados importantes no meio empresarial (capitalista) pode causar efeito positivo
nessa comunidade, ou ainda, evocar nomes bíblicos ou pensadores cristãos pode causar alegria
na comunidade cristã. No período da Revolução Cultural Chinesa, cujo fanatismo e delação
imperavam, era obrigado citar em tudo um pensamento do presidente Mao. Na ex-URSS, espe-
cialistas eram contratados em segredo para inocular nas teses de química, física, matemática frases
atribuídas às autoridades máximas do regime comunista: Marx, Lênin, Stalin. Não fazê-lo, no
mínimo, representava algum tipo de represália ou falta de credibilidade da tese.
10 Pedro Demo, no seu livro “Metodologia científica em ciências sociais” (1981), dedica o capí-
tulo 2 para “O argumento de autoridade”. Vale a pena ler, estudar e discutir.

44
produzindo pesquisas científicas que superem com o senso comum, a pseudociência O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
e as crendices religiosas.
O reconhecimento de que o conhecimento científico foi construído contra o senso
comum, como assinala Gaston Bachelard, não significa generalizar porque nem todo
senso comum representa ignorância, assim como nem sempre a ciência se desdobra
em sabedoria prática para a vida. Como alerta Boaventura Sousa Santos, cabe a uma
novo modelo de ciência ter um compromisso de “sensocumunicar” e ser “prudente
para uma vida decente”.
O posicionamento cientificista que supõe a ciência como o melhor dos conheci-
mentos existentes, é fundado no positivismo e no neopositivismo11, hoje nos parece
esvaziado de argumentos tendo em vista os efeitos colaterais da ciência e da tecnologia
sem a devida prudência ou bom senso. Neste sentido, fazer pouco caso de certo tipo
de senso comum também denominado “conhecimento prático” ou “sabedoria popu-
lar” é adotar uma atitude preconceituosa próxima do neopositivismo. Ou seja, o senso
comum como sabedoria popular foi e ainda é válido para a sobrevivência dos diversos
povos do planeta que ignoram a ciência. Assim, o agricultor “conhece” suas estações;
o marinheiro “conhece” seus mares, o que eles não sabem é sistematizar tais conhe-
cimentos que é coisa de cientista12. Em nosso entendimento, a autêntica atitude cien-
tífica deve ser prudente para com os outros tipos de conhecimentos (senso comum,
filosofia, religião, mitologia) como deve sustentar o exercício da dúvida metódica
sobre as teorias forjadas pelos autores, sobretudo aqueles que ficaram consagrados na
história da ciência.
Compartilhamos com a ideia que entende a ciência como discussão sistemática,
aberta e pluralista de ideias, e não dogma. Compartilhamos também da ideia de que
a ciência moderna convive com uma crise em seu interior sem precedentes na sua
história. As Ciências Humanas e Sociais hoje, no século XXI, atravessam uma profunda

11 A propósito do neopositivismo, sugerimos ler nosso artigo na Internet: “Popper e o neo-


positivismo: equívoco ou embuste?” Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.
br/064/64lima.htm>
12 Evidentemente, o senso comum tende a ser um conhecimento raso, conservador, que pode
legitimar atitudes arrogantes, que inclusive algumas recusam se colocar em teste pela ciência.
Boaventura Sousa Santos (2004) entende que o senso comum pode se emancipar através das
conquistas e do diálogo com a ciência. Ou seja, a ciência moderna constituiu-se contra o senso
comum. Esse posicionamento possibilitou um enorme avanço no conhecimento científico. Po-
rém, seu efeito colateral foi expropriar a pessoa humana comum da capacidade de participar do
processo científico. Cabe a uma nova ciência corrigir esse efeito: “sensocomunicar” a ciência para
o povo. “Trata-se, portanto, de contribuir para a construção de um novo senso comum sobre o
modo como se faz ciência, tendo em vista sua desdogmatização” (FREITAS, A.L.S., [200-]).

45
MÉTODOS E TÉCNICAS crise de confiança epistemológica, como observa Boaventura Sousa Santos. Ao ser
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO apresentada como científica, uma teoria jamais deve se impor como “certeza absoluta”
ou pasteurizada de dúvidas que desestimulam o exame dos seus pressupostos, bem
como o confronto ou o diálogo com outras teorias possivelmente até melhores. Uma
teoria que se apresenta como certa resvala no dogmatismo. Nas aulas, não é raro,
professores defenderem uma teoria, apaixonadamente. Em vez de estimularem a dú-
vida e a problematização junto aos alunos, procuram convencê-los de sua verdade.
Desse modo, entendemos que esses professores renegam reconhecer que toda teoria
é “demasiadamente humana”. Portanto, ela deve ser contextualizada historicamente,
e questionada sobre os interesses ideológicos impregnados tanto na sua construção
como no uso dela. Além do mais, toda teoria científica incorre em falhas na sua lógica
interna e imprecisão argumentativa.
Neste sentido, o aluno feito estudante, ao iniciar sua pesquisa, pode tomar cons-
ciência de que ele também é capaz de ser sujeito do processo de produção do conhe-
cimento. Em vez de ser um aprendiz passivo, ele pode se posicionar – em ato – para
“aprender-fazendo” pesquisa científica.
De acordo com Azanha (1987), existem atividades que somente aprendemos fa-
zendo. Fazer poesia, jogar xadrez, tocar piano, contar uma piada com graça implicam
necessariamente um sujeito ativo para cada uma dessas ações o domínio da técnica ou
o uso de regras apropriadas, que só se aprende fazendo. Pouco ou nada vale saber a
teoria, mas é imprescindível o exercício de fazer-errar-fazer-errar-fazer até acertar.
Tomemos alguém que sabe jogar xadrez. A dedução imediata é de alguém que
sabe como operar com sua inteligência as regras desse jogo tão complexo; ele sabe
como usá-las para vencer a partida, embora não necessite explicar teoricamente sobre
quais são os processos cognitivos que usa para realizar com êxito a técnica que o leva
para ganhá-la13. Algo semelhante pode acontecer com alguém que sabe inventar coisas
como poesias, máquinas, jogos, fazer pesquisar.
No caso específico da iniciação científica, conhecer a história da ciência, a evolu-
ção dos métodos científicos, os tipos de pesquisa e mesmo as regras da ABNT (que
normalizam o trabalho científico), sem dúvida, são caminhos indispensáveis para o

13 G. Ryle (1970) foi quem primeiro observou que se perguntasse a um humorista sobre as
regras usadas para contar piadas com graça, provavelmente nada obteríamos. No campo da edu-
cação, J. Passmore (1979) também observou que não existe um método para ensinar alguém a
ser crítico, e, nessa linha de pensamento é que Azanha observa que não existem regras para fazer
alguém ser um ‘bom professor’ ou um ‘bom ensinador’. Isto é, essas atividades, acima, consis-
tem essencialmente em um “saber fazer” do que conhecer teoricamente as regras e aplicá-las. “Se
dissermos que alguém ‘sabe ensinar’, isto significa necessariamente que obtém êxito no seu pro-
pósito e só acessória e eventualmente que segue esta ou aquela regra” (AZANHA, 1987, p. 76).

46
aprendizado do conhecimento “teórico” pelo estudante, mas tal conhecimento pouco O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
vale para ele aprender a fazer uma pesquisa14.
Primeiro, cabe-nos observar se o aluno está realmente investindo em sua formação
de uma atitude especial de “iniciativa”, “observação arguta”, “ir-à-luta”, de “ser ousado”
no seu desejo de saber. O iniciante da pesquisa precisa ter “chutzpah”15.
Segundo, é preciso elaborar um projeto de pesquisa, que nada mais é do que orga-
nizar algumas observações, amadurecer ideias e intenções sobre um assunto escolhido
para ser investigado. O iniciante da pesquisa deve escolher um assunto interessante
que ele efetivamente pode dar conta em um período relativamente curto. Trata-se, no
caso, de uma pesquisa de pequeno porte.
Terceiro, em vez de o iniciante ficar totalmente dependente do orientador, ele
deve executar a pesquisa propriamente dita pelos seus próprios meios e deixar que
seu estilo se desenvolva no processo de investigação. Esse ato de ousadia (ir-à-luta) im-
plica em erros que são imprescindíveis nos ensaios-e-erros do processo de pesquisa16.
Nessa fase, não basta apenas ler, é preciso selecionar o que ler, obviamente, livros e
artigos que esclarecem o seu objeto de estudo. É necessário ler, compreender e pensar
a relação do lido com o seu objeto hipoteticamente construído. Também no ato de
leitura é preciso adquirir o hábito de anotar, registrar, fazer resumos e resenhas em for-
ma de fichamentos, portanto, é preciso documentar tudo, para posterior elaboração
de um pensamento sistemático sobre o assunto investigado. Trata-se de usar técnicas
adequadas para facilitar a organização e sistematização das ideias direcionadas para o
resultado da pesquisa.
Quarto, os resultados da pesquisa realizada devem ser apresentados em forma de
um escrito: artigo teórico ou monografia. (Obs.: no mestrado, a monografia é denomi-
nada “dissertação” e no doutorado “tese”).
No Brasil, vem crescendo a formação de grupos de pesquisas, em vez de se fazer
apenas pesquisa individual. Com os grupos de pesquisa, espera-se que seja criado
desde cedo no meio estudantil uma “ambiência para a investigação” (LÜDKE, 2001),
por meio do qual o processo de aprender-fazendo é desenvolvido de modo coletivo.

14 Conforme observa Mazzotti (2006) “a diferença entre os cientistas e os não-cientistas (...)


está nas regras ou nos modos de produzir evidências, não na lógica que operam. Certamente, o
rigor requerido em uma comunidade — por exemplo, a dos cientistas ou a dos não-cientistas —
quando tratam de um assunto, determina a qualidade das explicações que apresentam”.
15 Cf.: LIMA, R. “Chutzpah e a educação do desejo”. Disponível em: <http://www.espacoa-
cademico.com.br/083/83lima.htm > Abril/ 2008.
16 Cf.: LIMA, R. “Sobre o erro no ensino e na pesquisa”. Disponível em: <http://www.espa-
coacademico.com.br/076/76lima.htm> Set/ 2007.

47
MÉTODOS E TÉCNICAS Acreditamos que os alunos compreenderiam melhor certos assuntos do currículo
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO se eles fossem reconhecidos em seu potencial de investigação sistemática. Provavel-
mente, eles teriam seu interesse aguçado se o conhecimento fosse “menos mistificado
e mais emancipatório” (SOUSA SANTOS, 2004). O simples ato de os professores hu-
manizarem a nova geração dos homens de conhecimento, no mínimo, serviria para os
estudantes se identificarem com outro ser humano, pensante, sofrente, imerso em um
saber popular. O aluno determinado em buscar soluções racionais para os questiona-
mentos sobre a natureza, os bichos, os insetos, e os próprios seres humanos poderiam
contribuir tanto para sua própria formação profissional como também para fazer uma
nossa sociedade emancipada17.
Um dos entraves para nossa sociedade não ser cientificamente “emancipada” é

[...] faltar para a ciência brasileira o que temos no esporte - o efeito futebol
de rua. Acho que um dos motivos pelos quais o Brasil se tornou campeão no
futebol é porque existem milhões de crianças jogando bola na rua. É uma massa
enorme, treinada desde a infância. É um ambiente que forja campeões [...]. Mas
com a ciência não é assim. ‘A criança e o jovem não têm esse estímulo por conta
das falhas na educação básica - professores que ganham mal, aulas de ciência
sem sentido’ (DAVIDOVICH, 2007).

Complementamos essa observação com outra, de Paulo Lee (2002), que enuncia:

É a partir da escola, porém, que o futuro cidadão deveria ser estimulado


a compreender a ciência, a pensar cientificamente e a não forçar a visão
socialmente estereotipada do cientista, da ciência e dos produtos desta.
“É inaceitável que os estudantes, futuros cidadãos, convivam com produtos da
ciência, usufruam seus benefícios tecnológicos, mas continuem acreditando
que a ciência e o pensamento científico são apenas acessíveis a poucas mentes
especiais e brilhantes” [grifo meu].

Acompanhamos essas ideias, porque superar esse obstáculo cultural de nossas


escolas é imprescindível tanto para fazer o Brasil se tornar uma potência científica
como para senso-emancipar a população em geral. Se tivéssemos milhões de crianças
interessadas em ciência, criaríamos uma geração mais emancipada intelectualmente e
menos vulnerável aos discursos ideológicos.
O aluno que se assume “estudante”, ao fazer uma formação universitária pode com-
pensar essa falha da escola, bem como corrigir distorções sobre a ciência e a imagem
caricatural do cientista. Todavia, ele fará um considerável avanço em sua formação se

17 Boaventura Sousa Santos assinala que uma das metas da nova ciência seria ser um “conheci-
mento científico emancipado” lutando por uma sociedade também emancipada.

48
tornando um iniciante da pesquisa científica, porque terá que aprender a problema- O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
tizar a realidade, levantar hipóteses, criticar determinados estudos etc. Não podemos
esquecer que o marco que deu início à ciência moderna que vigora até hoje foi o exer-
cício da dúvida. Possivelmente a realidade observada pelo senso comum é a primeira
‘vítima’ de sua dúvida ou suspeita: por quê? Como? Será que é assim mesmo como diz
a tradição, a superstição, a crença popular?
Evidentemente que o senso comum é fundamental na construção das nossas con-
vicções e no uso da linguagem prática para dar conta dos problemas do dia-a-dia.
Espera-se que o iniciante da pesquisa científica, no final do seu curso de formação, e
mais depois de ter concluído sua primeira pesquisa, tenha superado o senso comum
‘negativo’ presente nas seguintes expressões: “mãe é mãe”, “os homens são uns mora-
listas”, “as mulheres são umas dissimuladas”, “menino da rua é delinqüente”, e tantas
outras pérolas do senso comum tomadas como verdades prontas, binárias e opostas
(“ou isto ou aquilo”) que sempre desconsideram as circunstâncias e as idiossincrasias
dessas afirmativas. Na verdade, ninguém supera totalmente o senso comum, mas a
“boa” formação intelectual ou científica deve fundar no sujeito uma atitude proble-
matizadora diante da realidade, com o objetivo de desenvolver uma atitude especial
que vida o conhecimento sistemático18 das coisas do mundo. Espera-se, ainda, que
o pesquisador iniciante faça parte de uma nova geração determinada a fundar novos
paradigmas, novos métodos, empreenda ideias ousadas que seus mestres não tiveram
coragem suficiente para ir além do convencionado19.
Nesse caminho, ser um iniciante na pesquisa científica é se aventurar em um cami-
nho não-pronto, mas que precisa ser trilhado por sua própria conta e risco, isto é: uma
autoformação intelectual e profissional.

18 Pedro Demo, por exemplo, usa “conhecimento sistemático” como sinônimo de ciência.
19 Existe a possibilidade perversa de a iniciação à pesquisa criar alunos discípulos de alguns pro-
fessores, situados no lugar do “Discurso do Capitalista”, que – mesmo sendo de esquerda política
– exploram a mais-valia do aluno, tanto o usando para fazer trabalho braçal ou “sujo” como para
ser um divulgador de sua doutrina. Nossa preocupação: ser um aluno-servil ao orientado deve ser
a reprodução perversa da acadêmica, que passou a exigir produção tal como um sistema fabril. O
professor cuja atitude não prima pelo diálogo e autocrítica constantes, mas sim inculca no aluno
uma atitude de subserviência, de seguidor do que ele manda, deveria ser impedido de orientar
pesquisas. Porque os resultados tendem a estarem marcados de antemão, ou viciados por princí-
pios doutrinários e ideias dogmáticas. Ao quebrar esse estilo dogmático de ser professor-orientado,
talvez pudéssemos vislumbrar uma nova geração de pesquisadores autônomos e dispostos sempre
a romper paradigmas, momento genuíno para a ciência dar seu grande salto rumo à verdade.

49
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
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Anotações

52
4 Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
em educação: princípios
básicos

Luzia Marta Bellini

O objetivo deste capítulo é apresentar a terminologia de palavras que utilizamos


nas disciplinas Metodologia de Pesquisa para refinar nosso trabalho na elaboração do
planejamento de pesquisa. Iniciamos com algumas definições dos termos metodolo-
gia, métodos e técnicas de pesquisa.
1) Existe uma confusão terminológica entre metodologia, métodos, procedimentos
metodológicos e técnicas de pesquisa. Metodologia refere-se ao campo geral de estu-
do dos métodos chamado de metanível ou metaconhecimento por Michel Thiollent
(1985). Metodologia é a disciplina ou o campo de reflexão que apresenta ao investiga-
dor um conjunto de regras para orientar o caminho mais correto da investigação, ou
seja, como escolher a teoria (ou teorias), como elaborar problemas, construir hipóte-
ses, como escolher os procedimentos de pesquisa. Sem essas dimensões metodológi-
cas, o pesquisador não consegue iniciar sua investigação.
2) Os métodos ou procedimentos metodológicos constituem o campo efetivo do
método ou da técnica. O método orienta o procedimento que ordena as etapas para
realizar uma pesquisa. Há vários métodos, como explicaremos neste capítulo. Confor-
me a investigação elaborada e a teoria escolhida, o método assinala um caminho entre
outros possíveis. O método garante um procedimento criterioso e coerente com os
conceitos teóricos escolhidos (OLIVEIRA, 1999, p. 19).
3) As técnicas de pesquisa são instrumentos ou dispositivos para a obtenção de in-
formações ou coleta de dados. Estas devem ser rigorosamente pensadas e elaboradas à
luz dos pressupostos teóricos escolhidos pelo pesquisador e têm a função de contro-
lar metodologicamente as qualidades das informações, indicar quais as qualidades ou
distorções que podem ocorrer no processo de obtenção de informações (THIOLLENT,
1985, p. 22).

53
MÉTODOS E TÉCNICAS Uma técnica é uma teoria em atos, afirma Thiollent (1985), e não pode existir
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO obtenção ou coleta de dados sem pressupostos teóricos. Se ocorrer a separação entre
método e técnica fatalmente o estudante desenvolverá seu trabalho teórico divorciado
da prática. O estudante poderá se orientar pelos pressupostos teóricos da fenomeno-
logia e elaborar um questionário com uma abordagem positivista. Ora, esses métodos
conflitam entre si. Desse modo, sua pesquisa não atingirá os objetivos e apresentará
muitas distorções.
Resumindo, metodologia é um campo de estudo dos diferentes métodos; esse es-
tudo é necessário para a orientação correta da pesquisa, mas não deve, por outro lado,
cercear a capacidade de o investigador de aproximar diferentes métodos desde que
sejam derivados de teorias que não se contradigam ou se anulem.
O estudo dos métodos evita erros, precisa detalhes técnicos para a obtenção de
informações e refina o sentido ético na investigação. Ganhamos, com o estudo dos di-
ferentes métodos a capacidade de identificar as teorias que orientam as investigações,
relacionar teoria e prática, tornar claro o vocabulário e os conceitos que vamos utilizar.
Por que é necessário o estudo do método? Oliveira (1999) chama a atenção para
isso. Não podemos confundir método como orientação de pesquisa com o termo mé-
todo de aprendizagem como recursos para a alfabetização, por exemplo. Por exemplo,
falamos método Paulo Freire. Porém, para escapar dessa forma reducionista de descre-
ver o termo método, será “necessário ir além para perceber o embasamento teórico,
que dá suporte e consistência ao método. De que modo encara a educação? Quais são
os pressupostos da relação entre educador e educando? Como tais questões podem
interferir na produção do saber? E assim por diante” (OLIVEIRA, 1999, p. 21 ).

METODOLOGIA COMO DISCIPLINA FILOSÓFICA E COGNITIVA


Metodologia é a disciplina que estuda as metodologias, os métodos, suas qualida-
des e seus defeitos. Desse modo, não pode ser encarada como o estudo de uma cole-
ção de métodos; é o metanível da pesquisa, nas palavras de Thiollent (1988a), porque
exige a interação entre a atividade filosófica e a cognitiva. A metodologia alimenta-se
de considerações cognitivas e filosóficas e, nesse percurso, se relaciona com a episte-
mologia e com a filosofia da ciência (THIOLLENT, 1988a). Podemos assinalar, então,
de acordo com as idéias de Michel Thiollent, que a metodologia dá um “parecer” sobre
os métodos da pesquisa que selecionamos em nossa investigação, faz sua crítica filosó-
fica e sua crítica da ciência. Trata-se de um campo que nos permite elaborar condutas
para a investigação que queremos realizar.
A metodologia analisa as dimensões dos vários métodos, avalia “suas capacidades,
potencialidades, limitações ou distorções” e faz a crítica de “seus pressupostos ou as

54
implicações de sua utilização” (THIOLLENT, 1988a, p. 25). Leva, de um lado, a estudar Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
o conhecimento geral e necessário que orienta o pesquisador na delimitação de seu em educação: princípios
básicos
objeto de pesquisa, na escolha de conceitos, na construção de suas hipóteses e de seus
procedimentos e técnicas. De outro, propicia a avaliação das técnicas de pesquisa, isto
é, dos modos como captamos e produzimos informações.
O estudo da metodologia tem uma função pedagógica, pois “permite a formação
do estado de espírito e dos hábitos correspondentes ao ideal de pesquisa científica”
(THIOLLENT, 1988a, p. 25). O estudo desse metacampo (metaconhecimento) possibi-
lita ao estudante conhecimentos teóricos e metodológicos que vão ajudá-lo a avaliar as
teorias com as quais pretende abordar um tema, permite pensar e articular conceitos,
elaborar análises e fazer generalizações.
Michel Thiollent (1984, p. 46) resume o campo de estudo da metodologia como:
a) Metodologia geral (de nível epistemológico), que estuda os problemas da ex-
plicação em ciência social, causalidade, teologia, compreensão etc., assim como
a discussão da especificidade das orientações teóricas gerais: positivismo, prag-
matismo, behaviorismo, experimentalismo, fenomenologia, hermenêutica, dia-
lética etc.
b) Metodologia aplicável, que debate a arte de conduzir projetos de pesquisa so-
cial ou educacional, incluindo: definição de temas, formulação de hipóteses,
análise de técnicas, de suas capacidades e distorções.
c) Estudo aprofundado das técnicas convencionais, que estuda os aspectos quali-
tativos e quantitativos: questionários, entrevistas, análise de conteúdos etc.
d) Técnicas quantitativas: estuda o problema da amostragem, inferências, correla-
ções, análise fatorial, “pacotes” de computação etc.
e) Técnicas qualitativas formalizadas que incluem o conhecimento dos grafos, mo-
delagem, gramáticas, estruturas lógicas, inclusive ao nível das relações e contra-
dições sociais.
f ) Métodos especiais que estudam os métodos de intervenção como os da pesqui-
sa participante, da pesquisa-ação, da intervenção sociológica, da análise institu-
cional etc; os métodos de avaliação e suas aplicações em educação, organização
e tecnologia; os métodos de projetação e os com aplicação em organização,
arquitetura, engenharia e os métodos de prognosticação, como a Técnica Dephi
e outras técnicas prospectivas em ciência, tecnologia e políticas públicas.

Em relação aos métodos qualitativos, temos, desde a década de 90 do século XX,


novas contribuições para a pesquisa nas áreas humanas. A pesquisa qualitativa opera,
desde então, com grande número de métodos. São alguns desses o estudo de caso

55
MÉTODOS E TÉCNICAS (experiência pessoal, institucional), a investigação participativa, a entrevista, a observa-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ção participante, os métodos visuais, a análise de imagens (paradas ou em movimento
como fotografias, filmes), sons, história de vida, gravações, lembretes (DENZIN; LIN-
COLN, 2007).

O CAMPO DE ESTUDO DA METODOLOGIA: ALGUNS ASPECTOS SOBRE AS


CORRENTES TEÓRICO-METODOLÓGICAS
Para compreendermos um pouco mais o quadro delineado por Thiollent acerca
dos estudos efetivados em metodologia, é importante conhecermos as chamadas ten-
dências ou correntes teórico-metodológicas que orientam as investigações nas áreas
das humanidades.
Estudamos em Metodologia da Pesquisa o campo das tendências teórico- meto-
dológicas. Nesse campo iniciamos os estudos sobre o empirismo, o racionalismo, o
positivismo, a fenomenologia, o marxismo, entre outras.
O empirismo. O empirismo privilegia o fato, o dado. Nesse caso, o conhecimento
independe do observador, já que o fato se repete sempre. Queremos afirmar que para
o empirismo, o conhecimento vem de fora para dentro do sujeito do conhecimento. É
o fato, o dado que produz conhecimento. O método é o indutivo, ou seja, o investiga-
dor parte de premissas singulares, obtidas pela observação e/ou experimentação para
uma afirmação universal. O conhecimento é definido, como enuncia Chalmers (1993),
como uma coleção de dados que obtidos pela repetição do experimento.
O formalismo. Essa tendência opera com a lógica formal, opera com a matemati-
zação. O formalismo privilegia a dedução, não parte do fato, isto é, privilegia o sujeito
do conhecimento. Por exemplo, no caso dos matemáticos, o raciocínio é dedutivo. A
matemática é, por excelência, uma ciência dedutiva. O matemático não necessita de
trabalho experimental para produzir dado ou conhecimento.
O positivismo. O positivismo buscou o equilíbrio entre o formalismo e o empiris-
mo (THIOLLENT, 1984). O positivismo nasceu na França impulsionado pela Revolução
Francesa. O termo positivismo significa, segundo Ângela Bello (2004), que “fixemos
a atenção sobre aquilo que é positivo”. Para Comte (1798-1857), positivo é o que “é
útil, experimentável e concreto, sendo definido como útil, experimentável e concreto
tudo aquilo que pode ser investigado e evidenciado pela ciência” (BELLO, 2004, p. 42).
Após Comte, o positivismo mudou bastante e foi chamado de neopositivismo com os
filósofos do Círculo de Viena, que pretendiam reunir as exigências da comprovação
do fato ao rigor da lógica. A ideia central, no entanto, era a unidade básica entre as
ciências naturais e as sociais.
Ao lado dessas três tendências, vamos chamar à discussão o método quantitativo.

56
Ao formalismo não interessa esse método, pois não há o dado como marco do co- Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
nhecimento. O formalismo trabalha com a dedução, com a lógica formal. Nesse caso, em educação: princípios
básicos
não se trabalha com o método quantitativo. O empirismo, por sua vez, entende que a
teoria ou as leis são decorrentes da capacidade de o pesquisador obter dado ou fatos.
Aqui o método quantitativo é a base para se produzir conhecimento. Já o positivismo
toma o legado dessas duas correntes e também privilegia o aspecto quantitativo, mes-
mo não abdicando da lógica formal.
A metodologia é capaz, por meio dessa gama de correntes, de estabelecer aspectos
necessários ao encaminhamento da pesquisa. O primeiro deles podemos dizer que é a
definição de ciência. Por exemplo, para o empirismo, ciência é definida como conhe-
cimento comprovado e objetivo; as teorias científicas são produtos de rigorosa experi-
mentação. Se, nesse caso, a ciência é baseada na experimentação, temos que, por meio
dessa experimentação, a obtenção de dados pelos quais podemos extrair afirmações
singulares e generalizar, ou seja, elaborar afirmações universais, leis ou teorias. Mé-
todo científico para essa corrente significa método experimental (CHALMERS, 1993).
No âmbito das ciências humanas, as tendências teórico-metodológicas, como o fun-
cionalismo, o estruturalismo, o marxismo, o pragmatismo, a teoria crítica da Escola de
Frankfurt, a fenomenologia, o marxismo, a socioanálise, a teoria dos campos de Kurt
Lewin, entre outras, são importantes e bastantes presentes na orientação dos procedi-
mentos metodológicos das investigações na área. Na educação encontraremos, além
dessas correntes, o behaviorismo, o cognitivismo, o construtivismo e o interacionismo.
Nas áreas de política e economia da educação, vamos encontrar o marxismo, a teoria
crítica da Escola de Frankfurt como fonte de muitas e excelentes pesquisas (THIOL-
LENT, 1984).
Cada teoria dessas traz um vocabulário próprio e um rol de conceitos característi-
cos constituído pelos estudiosos da área. Bello (2004), em seu livro Fenomenologia
e Ciências Humanas, apresenta a fenomenologia de Husserl. Discute a história da
filosofia para destacar a noção de experiência em Descartes (que é o pensar) e em
Santo Agostinho (que é o viver). Desse modo, para explicitar Husserl e sua corrente
fenomenológica (que é diferente da fenomenologia de Sartre, Merleau-Ponty, Peirce),
a autora faz um caminho da filosofia dos gregos ao renascimento, da idade moderna
à contemporânea abordando o positivismo e as origens da fenomenologia. Esmiuça a
noção de método analítico na fenomenologia (que significa “ir ao encontro das coisas”
sem ideias pré-concebidas). Desse modo, quer compreender e descrever o dado ou as
informações obtidas sem torná-las determinantes. A explicação das informações é dada
pelos conceitos de atos de percepção, atos cognitivos, atos de imaginação.
Outra corrente muito importante na área humana e na educação é o marxismo.

57
MÉTODOS E TÉCNICAS Para apreendermos algumas categorias de análise de Marx é necessário compreender
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO que estamos em uma sociedade produtora de mercadorias, a capitalista. Karl Marx es-
creveu O Capital ou a crítica da economia política no século XIX e essa obra contém
preciosas lições acerca do funcionamento da sociedade capitalista. A mais espetacular
dessas lições talvez esteja no primeiro capítulo do volume I do Capital, intitulada A
mercadoria. Para os passos iniciais com Marx, talvez o texto O trabalho alienado
seja uma leitura básica para todos nós. Nesse texto, Marx parte das premissas básicas
da economia política e suas leis de funcionamento. Com esses textos, o estudante
entrará em contato com o vocabulário marxista: a propriedade privada dos meios de
produção, a oposição entre capital e trabalho, capital e terra, salário, lucro e mais valia
e trabalho alienado.
Vale a pena investir na leitura do texto, pois a noção de trabalho alienado permite
ao estudante de graduação compreender sua futura jornada na instituição escola.
A noção de alienação faz parte de investigações na área educacional. As pesqui-
sas sobre aprendizagem no campo da psicopedagogia de Sara Pain (1999) e de Alicia
Fernandez (1991) mostram a união de um referencial metodológico da psicologia, da
epistemologia genética com o emprego do conceito de alienação advindo da teoria
de Marx. As estudiosas debatem o papel da alienação na prática institucional e na
manutenção da ordem burocrática nas instituições escolares. Sara Pain escreveu um
livro clássico A função da ignorância. O conceito de ignorância é tratado no sentido
do desconhecimento de algo. Alicia Fernandez escreveu A inteligência aprisionada e
A Mulher escondida na professora.
O marxismo é uma corrente que influenciou muitos métodos em pesquisa na área
educacional. De acordo com Thiollent (1984), marxismo e o comportamentalismo
coexistem em Pierre Naville; o estruturalismo e o marxismo em Althusser; o marxismo
e a pesquisa empírica em Vaillancourt, o marxismo e a crítica dos métodos tradicionais
em Adorno; o marxismo e a incorporação da filosofia analítica em Habermas; o mar-
xismo aplicado à pesquisa-ação em Heinz Moser. Existe também a aproximação entre
marxismo e fenomenologia (THIOLLENT, 1984).
São tendências que não se autoexcluem e podem, assim, ser escolhidas pelo pes-
quisador para a explicação de um determinado objeto. Sobre a escolha de duas ou
mais teorias pelo pesquisador para orientar metodologicamente sua investigação,
Doesjwik (1993) escreveu que isso pode ocorrer quando, dependendo do objeto de
estudo proposto e dos objetivos propostos, podemos construir nosso próprio modelo
teórico a partir de uma teoria ou de várias teorias existentes. Este é um desafio à nossa
criatividade.
Resumindo, a metodologia constitui-se em um campo para a compreensão de

58
muitas dimensões da metodologia de pesquisa. A saber, a relação epistemológica entre Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
objeto e sujeito do conhecimento, entre a constituição e politização do método, a rela- em educação: princípios
básicos
ção teoria ou teorias e a técnica de pesquisa, as técnicas para obtenção de informações
seus limites e seus alcances.

MÉTODOS E TÉCNICAS DE PESQUISA


A metodologia é um metanível que possibilita ao estudante o exame de teoria ou
teorias (ou um conjunto de argumentações para efetuar o diálogo com o objeto de
pesquisa), permite recortar seu problema de e hipótese de pesquisa. O método – em
grego, caminho para se chegar a um fim – por sua vez, expressa o conjunto de regras e
normas que devemos estabelecer para efetivar os procedimentos de investigação cien-
tífica. Podemos entender melhor o significado de método no conjunto das orientações
técnicas ou a metodologia em menor grau.

TÉCNICAS PARA A PESQUISA EDUCACIONAL


Uma primeira observação metodológica que fazemos vem de Michel Thiollent
(1985, p. 22), para quem:

[...] as técnicas de pesquisa não deveriam ser ensinadas como receitas ou ins-
trumentos neutros e inter-trocáveis, mas sim como dispositivos de obtenção de
informações cujas qualidades, limitações ou distorções devem ser metodologi-
camente controladas.

Uma técnica é uma teoria em atos, assinala Thiollent (1985), referindo-se à ob-
servação feita por Pierre Bourdieu, e não pode existir obtenção ou coleta de dados
sem pressupostos teóricos. Se ocorrer a separação entre método e técnica ocorrerá
fatalmente que o estudante desenvolverá seu trabalho teórico divorciado da prática. O
estudante poderá se orientar pelos pressupostos teóricos da fenomenologia e elaborar
um questionário com uma abordagem positivista. Ora, são métodos antagônicos que
conflitam entre si.
As técnicas de investigação são várias. Podemos asseverar, grosso modo, que temos
as técnicas convencionais, as quantitativas e as técnicas de abordagem qualitativa. En-
tretanto, em pesquisa não precisamos trabalhar com essa divisão, desde que o sujeito
que se propõe a realizar uma pesquisa avalie a junção de técnicas com os pressupostos
teóricos que orientam seu trabalho.
Tomando a pesquisa qualitativa, Thiollent (1985) descreve as técnicas de obten-
ção de informações (ou coleta de dados). Podemos obter informações por meio
de arquivos, de documentação, de livros, de pessoas (por questionários, entrevistas,

59
MÉTODOS E TÉCNICAS observação de comportamento), em laboratório e em situações de campo tanto em
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ciências humanas quanto em ciências naturais.
O estudante pode lançar mão de técnicas para a obtenção de informações ou dados
na educação em várias situações. Por exemplo: o candidato à monografia quer verificar
como as crianças iniciam sua alfabetização. Primeiro passo, perguntar: qual o método
mais adequado para o objeto? Qual ou quais os argumentos que o pesquisador vai
adotar para seguir sua investigação?
Outro exemplo: em uma investigação em psicologia da aprendizagem, quere-
mos analisar a capacidade de atenção de os professores nos desenhos iniciais que
a criança de 5 anos faz, ou seja, como esses docentes classificam a representação
dos alunos. A técnica é de observação, que poderá ser realizada em sala de aula ou
em uma situação similar. Para tal tarefa, os pesquisadores/professores têm como
material os desenhos das crianças e a entrevista com os professores. A entrevista
pode se dar de muitas formas: perguntando ao professor como ele classifica os
desenhos da criança (como desenho gráfico, como texto) e também propondo ao
professor que escreva do “jeito” do professor. São técnicas derivadas da psicologia
e da entrevista clínica, método proposto por Jean Piaget para avaliar a elaboração/
resolução de problemas.
Outra técnica de informação pode ser empregada no trabalho com fontes docu-
mentais. Um exemplo interessante em história da educação é a pesquisa organizada
por Carlos Monarcha (2001), professor e pesquisador da Universidade Paulista que
resgatou documentos sobre a vida e obra do educador Anísio Teixeira (1900-1971),
um dos protagonistas do Manifesto dos Pioneiros de 1932. Os pesquisadores traba-
lham a relação educação e história e debatem os rumos da educação brasileira com
o que chamam de “tradição pedagógica liberal brasileira”.
Pesquisas sobre a história de uma escola, sobre os fundadores da escola de uma
cidade podem ser feitas com fontes documentais relativas às primeiras escolas em
uma cidade, seus fundadores, seus projetos pedagógicos. Os documentos podem ser
jornais, fotografias, documentos da escola, e se houver professores vivos, as entrevistas
podem ser uma técnica importante.
As entrevistas e questionários constituem importante técnica para as investigações,
mas há passos a realizar. São eles: Quais os tipos de dados ou informações que que-
remos? Quais os mecanismos para as entrevistas? Há dados objetivos, por exemplo, a
data de nascimento, porém há dados que queremos obter que são subjetivos, como
conhecer as opiniões, as atitudes, as preferências.
Questionários e entrevistas são técnicas diferentes, mas são complementares.
Em alguns casos, o questionário pode ser aplicado sem a presença do pesquisador.

60
Podemos enviar o questionário por correio, por e-mail. Em uma abordagem qualitati- Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
va, o questionário pode conter questões abertas, ou pode ser substituído por roteiro em educação: princípios
básicos
de entrevista; se for uma pesquisa não-diretiva, o entrevistador pode optar por um
tema-chave ou dar uma instrução ao respondente. A diferença entre questionário, que
pode ser aplicado em uma entrevista dirigida, é aplicada em um conjunto de pessoas
escolhidas por critérios, por exemplo, de representatividade da população global, e as
entrevistas semiestruturadas e não-diretivas residem na extensão desses instrumentos.
Geralmente o questionário é feito para ser aplicado a um grande número de pessoas, e
as entrevistas semiestruturadas e não-diretivas são dirigidas para um pequeno número
de pessoas com perguntas com mais aberturas para as respostas para captar maior
profundidade (THIOLLENT, 1985, p. 33).
Na entrevista não-diretiva, há a formulação de um problema que é o eixo da entre-
vista. Por exemplo, pedimos a um indivíduo que descreva a vida política de país e o
deixamos livre para falar. Aqui, há necessidade de gravar a entrevista, pois há muitos
lapsos e silêncios e é preciso que tomemos o maior número de informações possíveis.
A concepção que ampara essa técnica é a cognitivista, para a qual o entrevistado fala e
o entrevistador faz as representações do entrevistado.
Thiollent chama nossa atenção para a natureza da pergunta nas entrevistas e alerta
sobre os erros mais comuns.
O pesquisador pode elaborar questões pelas quais ele faz a imposição de sua
problemática. O pesquisador toma sua problemática como a da pessoa ou do
grupo social estudado. Ocorre, sobretudo, com grupos excluídos. Por exem-
plo: entramos em uma favela para discutir com os moradores as percepções ou
os conceitos sobre os quais talvez os entrevistados nunca tenham pensado. O
entrevistador pode enfatizar as atitudes radicais ou tradicionais do grupo. Ou
para falar em educação, o pesquisador chega à escola para ouvir sobre a indisci-
plina dos alunos. Se ele inicia sua pesquisa com a problemática da indisciplina
e sobrepõe a sua visão à dos alunos, ele pode chegar à conclusão de que os
alunos são mesmos indisciplinados, não querem estudar etc. Aliás, há muitos
estudantes que são professores que, em suas monografias, querem trabalhar
esse tema, porque ele é parte de seu cotidiano. Para evitar o erro de impor aos
alunos a sua visão, está a nossa frente a tarefa de levantar muitos estudos sobre
o tema. Nessa área existem muitas pesquisas de qualidade que fazem com o que
investigador relacione a instituição escolar – sua história, sua estrutura e fun-
cionamento – com a realidade pedagógica do colégio. O estudante NÃO pode
realizar nenhum trabalho de pesquisa sem CONHECER as pesquisas da área.
Desconsiderar o papel da linguagem é um erro também comum. Thiollent

61
MÉTODOS E TÉCNICAS postula que não podemos esquecer que a linguagem não é neutra. Entre usar a
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO palavra regime, sistema político ou governo, a última é mais compreensível para
as pessoas, sobretudo se forem de classes sociais diferentes.
 A formulação de uma pergunta poderá induzir respostas enviesadas caso uma
pergunta com respostas fechadas não dê alternativas suficientes para o entrevista-
do. A pergunta: “Por que o senhor resolveu alugar a casa onde mora?”, seguida de
alternativas: a) O aluguel é baixo; b) A casa é confortável e c) A vizinhança é boa”,
pode resultar em uma resposta tendenciosa, pois não havia, por exemplo, uma
alternativa como: “A casa fica perto de meu trabalho” (THIOLLENT, 1985, p. 56).

Há outras técnicas importantes para a pesquisa, como a análise da argumentação,


que traz contribuições para a pesquisa em educação. Podemos realizar a análise de teo-
rias da educação baseando-nos na Teoria da Argumentação de Perelman como fizeram
Mazzotti e Oliveira (2000) com o texto Escola e Democracia I, a teoria da curvatura da
vara e a Escola e Democracia II, para além da curvatura da vara de Dermeval Saviani .
Mazzotti e Oliveira (2000) apresentam as três teses centrais dos textos de Saviani:
1ª Do caráter revolucionário da pedagogia da essência e do caráter reacionário da
pedagogia da existência; 2ª Do caráter científico do método tradicional e do caráter
pseudocientífico dos métodos novos; 3ª De como, quando menos se falou em demo-
cracia no interior da escola, mais ela esteve articulada com a construção de uma ordem
democrática; e quando menos se falou em democracia no interior da escola, menos
ela foi democrática (MAZZOTTI; OLIVEIRA, 2000). Mediante exposição das teses, os
autores argumentam:
1) O uso da metáfora da curvatura da vara é um argumento com forte poder de
persuasão, porque Saviani trabalha com a ideia de que há interesses contrários
às classes oprimidas e isso precisa mudar. A metáfora da curvatura da vara é
empregada para dar a ideia de retidão. A metáfora da curvatura constitui-se por
meio do princípio da mecânica newtoniana – a toda ação corresponde uma
reação em igual intensidade e em sentido contrário.
2) Os autores demonstram que a metáfora não cabe para a explicação da história,
da sociedade e da escola. Perguntam “Em que medida a história, a sociedade e
a escola são comparáveis às varas mecânicas?”;
3) A pedagogia nova não é a antítese à pedagogia tradicional, nem em termos he-
gelianos, nem em termos lógicos.
4) Qual a visão de ciência está em jogo quando Saviani afirma que os métodos
tradicionais são científicos e os da a escola nova pseudocientíficos?
5) O que é mais ou menos democrático?

62
Com essas indagações, os autores desenvolvem uma argumentação bem consistente Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
às teses do livro de Demerval Saviani, Escola e Democracia, e inauguram outro modo de em educação: princípios
básicos
ler a escola tradicional e a escola nova do ponto de vista histórico e pedagógico.
Outro tipo de análise é a de conteúdo: podemos fazer análise de jornais, por
exemplo. Como exercício, pensemos em selecionar um jornal segundo critérios de
tema e dar para várias pessoas categorizarem, ou seja, reunirem os conteúdos con-
forme suas compreensões. Podemos ver que cada uma delas fará a categorização de
modo diferente.
A análise léxica também é interessante como técnica de pesquisa: trata-se de tomar
um documento, um livro e analisar a ocorrência das palavras, a distância entre as pala-
vras, o número de palavras. Por exemplo, podemos ver quantas vezes um documento
apresenta as palavras democracia, política, neoliberalismo. Para essa análise é impor-
tante o uso do computador.
Como expusemos neste capitulo, as técnicas são os métodos em uma escala menor;
ninguém faz uma pesquisa sem estabelecer seus pressupostos teóricos, sem fundamen-
tação ou referencial teórico; e quando formos elaborar as técnicas, é importante que o
orientador seja o interlocutor mais presente. Não há modo mais eficaz do que dialogar
com o orientador para tratar da construção dos argumentos do novo pesquisador.
Para finalizar, traçamos os tipos de pesquisa que são possíveis para a realização da
monografia, utilizando as técnicas descritas neste capitulo. Alguns autores classificam
as pesquisas em vários tipos. É necessário consultar os manuais de metodologia para
termos uma visão mais correta. No âmbito das pesquisas participativas ou não, mas
que trabalham com técnicas de observação (incluindo aí entrevistas, questionários)
documentos, temos o estudo de caso (que pode ser uma escola, uma sala de aula, um
grupo de estudantes), pesquisa etnográfica (que utiliza os recursos da antropologia
como ficar em uma escola por um período mais longo como observador de várias ins-
tâncias, a relação professor/aluno, a relação professor/professor, a relação professor/
diretoria administrativa, a relação aluno/livro didático/caderno) e as técnicas podem
ser elaboradas com recursos da observação com fichas, gravação de entrevistas, análise
dos cadernos dos alunos, descrição da escola.
Falta-nos neste final apontar que os tipos de pesquisa descritiva, explicativa e ex-
ploratória de pequeno porte também devem atender às exigências metodológicas ex-
postas aqui. É necessário enfatizar que a pesquisa exploratória, por exemplo, quase
sempre é feita realizando-se levantamento bibliográfico, em pesquisas em websites,
com entrevistas a pessoas que atuam na área (SANTOS, 2004). Para essa tarefa, o pes-
quisador deve também anotar as considerações metodológicas como delimitar o tema,
procurar levantar questões sobre seu interesse.

63
MÉTODOS E TÉCNICAS As pesquisas explicativas são investigações que se propõem a analisar e criar uma
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO explicação (no caso de pesquisas de grande porte, teorias) de um fenômeno. Essas
pesquisas devem ser compreendidas no âmbito das técnicas enunciadas neste capi-
tulo. As pesquisas descritivas (SANTOS, 2004) “são constituídas por levantamentos
de características conhecidas que compõem um fenômeno”. Devemos assinalar que,
embora estejamos imbuídos de apresentar levantamentos de coisas que conhece-
mos, isto não implica em ignorar o conjunto de regras estabelecidas para realizar as
pesquisas. Por exemplo, o pesquisador vai levantar o número de crianças e jovens
repetentes de uma determinada escola e descrever em termos temporais como está
ocorrendo essa dinâmica. A tarefa desse levantamento não pode ser em vão. Ela pode
se constituir em algo mais significativo se ao lado desse intento o pesquisador se
propuser a relacionar essa dinâmica a outras variáveis na escola como trabalho in-
fantil, projeto pedagógico da escola, mudanças frequentes de professores ou outras
questões.
De qualquer maneira, em nossa frente em primeiro lugar está a necessidade do
estudo crítico das questões educacionais.

Referências

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Universidade Sagrado Coração, 2004.

BRANDÃO, Carlos Rodrigues (Org.) Pesquisa participante. 4. ed. São Paulo:


Brasiliense, 1981.

CHALMERS, Alan F. O que é Ciência afinal? São Paulo: Brasiliense, 1993.

DENZIN, Norman K.; LINCOLN, Yvonna S. O planejamento da pesquisa


qualitativa: teorias e abordagens. Porto Alegre: Artmed/Bookman, 2006.
Reimpressão 2007.
DOESWIJK, Andréas Leonardus. La funccion de la teoria em la investigacion
historiográfica. Cadernos de Metodologia e Técnica de Pesquisa, Maringá, n. 4,
1993.

FERNANDEZ, Alicia. A inteligência aprisionada. Porto Alegre: Artmed, 1991.

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MAZZOTTI, Tarso Bonilha; OLIVEIRA, Renato José. Ciências da Educação. Rio de Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
Janeiro: DP&A, 2000. em educação: princípios
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argumentação. In: REUNIÃO ANUAL DA ANPED, 22., 1999, Caxambu, MG.
Anais...Caxambu, MG: Anped, 1999.

MONARCHA, Carlos (Org). Anísio Teixeira: a obra de uma vida. Rio de Janeiro:
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OLIVEIRA, Paulo Salles (Org.). Metodologia das ciências humanas. São Paulo:
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PAIN, Sara. A função da ignorância. Porto Alegre: Artmed, 1999.

SANTOS, Antonio Raimundo. Metodologia científica: a construção do


conhecimento. Rio de Janeiro: DP&A, 2004.

THIOLLENT, Michel. Aspectos qualitativos da metodologia de pesquisa com


objetivos de descrição, avaliação e reconstrução. In: CADERNOS DE PESQUISA.
49: 45-50, maio de 1984.

______. A Captação de informação nos dispositivos de pesquisa social: problemas


de distorção e relevância. CADERNOS CERU, N. 16, nov. 1981, p. 81-105.

______. Crítica metodológica, investigação social e enquête operária. 4. ed.


São Paulo: Editora Polis, 1985.

______. Metodologia da Pesquisa-Ação. 4 edição. São Paulo: Editora Cortez,


1988b.

______. Opinião pública e debates políticos. São Paulo: Editora Polis, 1986.

______. Pesquisa-ação: aspectos de sua diversidade. Texto apresentado no 14º


Encontro de Estudos Rurais e Urbanos organizado pelo Ceru. São Paulo, 12-15 de
maio de 1987.

65
MÉTODOS E TÉCNICAS THIOLLENT, Michel. Tendências metodológicas em pesquisa social. Maringá:
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Educação, 1988. Curso
ministrado de 18 a 22 de abril de 1988a.

THIOLLENT, Michel; ARAUJO FILHO, Targino de; SOARES, Rosa Leonora Salerno
(Coord.) Metodologia e experiência em projetos de extensão. Niterói, RJ: Eduff,
2000. Disponível em: <www.itoi.ufrj.br/sempre>. Acesso em: 20 abr. 2005.

Para continuar estudando

1) Há livros imprescindíveis para a leitura e reflexão sobre as técnicas de pesquisa. Um deles


é o de Michel Thiollen, Crítica metodológica, investigação social e enquête operária,
que expõe com muita propriedade as orientações críticas que o pesquisador deve tomar
no processo de investigação. Além disso, apresenta e debate a famosa enquete operária
realizada por Karl Marx em 1880.

2) Outro livro importante para estudantes de pedagogia é o de Menga Ludke e Marly André,
de 1986, Pesquisa Educacional: abordagens qualitativas, editora EPU. Nesse livro são
apresentadas as bases da pesquisa etnográfica para a educação e os estudos de caso. Tam-
bém importante leitura é o do livro de Alda Judith Alves-Mazzotti e Fernando Gewandsz-
najder, O método nas ciências naturais e sociais. Pesquisa quantitativa e qualitativa, da
editora Pioneira.

3) Uma atitude importante para o estudante que está iniciando sua jornada pela pesquisa é
ler relatos de pesquisa, livros e artigos que trazem a temática da educação desde o início
de seu curso de graduação. A busca em sites é um grande recurso. Indicamos para aqueles
que gostam de pesquisas sobre a história das teorias pedagógicas o livro de Marcus Vinícius
da Cunha, John Dewey. A utopia democrática, da editora DP&A, de 2001. Um livro cuja
edição é mais antiga é o de Áurea Maria Guimarães, Vigilância e depredação escolar, da
editora Papirus, 1985, mas trata-se uma reflexão sobre as bases educacionais da escola. Um
artigo que podemos encontrar na Internet é o de Helena Moussatche, Alda Judith Alves-
Mazzotti e Tarso Bonilha Mazzotti, intitulado A arquitetura escolar como representação
social de escola.

Atividades

1) Imagine que em uma sala de 5a série do Ensino Fundamental, as crianças sejam conside-
radas, por seus professores, como indisciplinadas. Como pesquisador você iniciaria uma
investigação por meio de qual ou quais métodos? Que técnicas empregaria?

66
5 Método, explicação
científica e pesquisa
acadêmica
Evandro Luis Gomes

INTRODUÇÃO
Neste capitulo apresentamos, de modo sucinto e introdutório, alguns conceitos
fundamentais da metodologia científica abstrata, dando especial ênfase à inferência
científica e seu papel para a pesquisa acadêmica, bem como a suas aplicações à pesqui-
sa nas ciências dos fatos humanos.
Quando falamos em metodologia, genericamente, referimo-nos aos procedimen-
tos inteligentes e eficazes – aos métodos – mais apropriados para alcançarmos suces-
so em determinadas atividades. Etimologicamente, método provém de dois termos
gregos: (a) meta, que significa ‘através, por meio de’; e (b) hodós, que denota ‘um
caminho, uma trilha, um modo’. Deste modo, o termo método refere-se ao ‘caminho
que leva a’ ou ao ‘caminho através do qual’. O exercício intencional, consciente e
planejado de qualquer atividade reporta ao seu aspecto metodológico. Você mesmo
deve utilizar muitos métodos e estratégias para realizar suas atividades quotidianas.
Nesta exposição, tratamos concisamente do método científico que, como define Larry
Laudan (2000, p. 13), constitui-se simplesmente das “técnicas e procedimentos que
um cientista usa ao realizar experimentos ou construir teorias”. Naturalmente, não
poderíamos deixar de tratar da lógica da inferência científica que está para o método
assim como o pensamento está para a razão, constituindo-se em sua dimensão ativa.
Imagine-se em uma situação prática: fixar um quadro na parede. Antes de iniciar a
colocação, você imagina um resultado bonito, agradável, bem feito, harmonioso. Nessa
etapa, você se detém em aspectos estéticos, ergonômicos, decorativos etc., que consti-
tuem os aspectos extrametodológicos que orientam a maneira como você irá executar
a parte metodológica do processo efetivo de fixação do quadro na parede. Esse exem-
plo ilustra como um método sempre pressupõe outros aspectos não-metodológicos
relevantes. Laudan (2000, p. 13) diferencia o método científico e as teorias do método
científico. Essas são “[...] opiniões metacientíficas explícitas que um cientista adota ao
examinar a lógica da inferência científica” que são facilmente identificadas. A arte de
experimentar (metodologia) não se confunde com o desenvolvimento da filosofia da
67
MÉTODOS E TÉCNICAS ciência e das teorias do método científico, embora sejam aspectos interdependentes
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO da atividade científica. Enquanto a metodologia privilegia o estudo dos procedimen-
tos e técnicas, o exame das teorias do método científico preocupa-se compreender
as categorias-chave – os conceitos gerais – envolvidas na pesquisa científica, muitas
vezes, utilizadas tacitamente. Quando um pesquisador adota uma metodologia, ele
normalmente se compromete com conceitos extracientíficos importantes dos quais
é bom que tenha consciência. E, embora a metodologia vise em primeiro plano aos
procedimentos e técnicas, seu uso consequente só é possível quando se sabe com
clareza de que maneira e aonde se quer chegar com uma investigação, que neces-
sariamente envolve reflexão conceitual e epistemológica. A epistemologia – a teoria
do conhecimento científico – é aqui tomada como sinônima de filosofia da ciência;
distinta, portanto, da teoria do conhecimento, que estuda, genericamente, a natureza,
as condições e a validade do conhecimento humano.
Na primeira seção, discutiremos diversos aspectos da lógica da inferência científica,
procurando compreender como se dá a produção do conhecimento científico. Nesse
processo, daremos especial destaque às leis científicas como instrumentos explicativos
e preditivos. Faz-se necessário compreender como as leis são validadas e que papel o
método experimental cumpre nesse processo. Na sequência, delineamos, com base
em alguns critérios, a esfera do conhecimento científico e possibilitamos a caracteriza-
ção precisa do que é ciência e do que constitui a não-ciência. Por fim, na última seção,
apresentamos alguns esquemas explicativos típicos das ciências dos fatos humanos,
que esperamos sirvam de ponto de partida para aprofundamentos certamente neces-
sários para a sua formação subsequente.
Esperamos que as discussões a seguir auxiliem em seu desenvolvimento acadêmi-
co, sobretudo estimulando e melhorando sua percepção intelectual de que explica-
ções merecem o qualificativo de científicas e quais não.

A LÓGICA DA INFERÊNCIA CIENTÍFICA


A ciência começa quando as observações dos fenômenos (naturais) são estudadas
a fim de produzirem explicações. O que se busca constatar são regularidades ou re-
petições que permitam ser isoladas e expressas como leis naturais em um sistema de
conceitos. Na sequência, analisamos com mais detalhe os fundamentos desse princí-
pio fundamental do conhecimento científico.

O PAPEL DAS LEIS NA EXPLICAÇÃO CIENTÍFICA


O produto das observações é a matéria-prima para a formulação das leis científicas.
A pesquisa científica parte do pressuposto de que a realidade possui uma organização

68
intrínseca que pode ser enunciada na forma de leis. Algumas leis, como Carnap (1994, Método, explicação
científica e pesquisa
p. 213) as denomina, são chamadas de leis básicas que subsistem mesmo que delas o acadêmica

ser humano não tenha consciência alguma, seja no passado ou ainda hoje. Por exem-
plo, a lei de gravitação já ‘existia’ na antiguidade, embora ninguém naquela época a
tenha entendido ou a formulado corretamente.
Mas há outros tipos de leis. Quando uma certa regularidade é constatada todas
as vezes e em todos os lugares que uma observação é tomada, tal regularidade deve
ser expressa na forma de lei universal. Mas, nem todas as leis são universais. Explica
Carnap (1994, p. 3):

Algumas leis afirmam que ela [a regularidade observada] ocorre somente em


certa percentagem de casos. Se a percentagem é especificada ou se de alguma
outra maneira, um enunciado quantitativo é feito acerca da relação de algum
evento relativamente a outro, então o enunciado é chamado de ‘lei estatística’.

As leis estatísticas não são exclusivas das ciências dos fatos humanos. Também nas
ciências da natureza há leis estatísticas em diversos campos. Mesmo sob a forma esta-
tística uma lei possui conteúdo cognitivo, pois o que expressa uma lei deste tipo ainda
pode ser verdadeiro ou falso, é uma afirmação que descreve relações entre objetos na
realidade empírica.
Os enunciados das leis científicas universais têm a seguinte forma lógica: ‘Qualquer
que seja x, se x tem uma propriedade P, então x tem a propriedade Q’. Uma lei física
universal, por exemplo, a da dilatação dos metais teria a seguinte enunciação: qualquer
que seja x, se x for metal, então x se dilata ao ser aquecido. Todavia, nem todo enunciado
científico é universal. Há alguns enunciados científicos que enunciam fatos particulares.
Por exemplo, o enunciado ‘x é antídoto para a toxina y’ não afirma que ‘toda toxina y tem
um antídoto x’. Todavia, estes enunciados particulares são muito importantes para o de-
senvolvimento do conhecimento científico. Neste sentido, salienta Carnap (1994, p. 5):

Naturalmente, todo nosso conhecimento teve sua origem em enunciados sin-


gulares – observações particulares de indivíduos particulares. Uma das maiores
e intrigantes questões na filosofia da ciência é como somos capazes, a partir de
enunciados singulares, de estabelecer leis universais.

As leis universais, as mais simples e abrangentes, são generalizações empíricas


que descrevem propriedades que podem ser diretamente observadas. Mas, a ciência
também explica fenômenos com base em conceitos teóricos e não-observáveis, como
as partículas atômicas elementares (prótons, nêutrons e elétrons, por exemplo) e os
campos eletromagnéticos que são descritos por leis puramente teóricas. Como Carnap
(1994, p. 6) observa:

69
MÉTODOS E TÉCNICAS A ciência começa com observações diretas de fatos singulares. Nada mais é
DE PESQUISA EM observável. Certas regularidades não são diretamente observáveis. É somente
EDUCAÇÃO
quando muitas observações são comparadas às outras que as regularidades são
descobertas. Estas regularidades são expressas pelas chamadas ‘leis’.

Mas para que servem as leis científicas? Carnap considera que elas podem ser usa-
das para explicar fatos conhecidos e para prever fatos ainda não conhecidos. Neste
caso, quanto melhor a teoria, maior a confiabilidade na previsão. A predição científica
apesar de parecer um processo mágico, na verdade, manifesta uma característica ex-
tremamente desejável da ciência e de toda boa teoria. Imagine quão bom seria se com
todo o conhecimento geológico hoje disponível, conseguíssemos prever a ocorrência
e a violência dos terremotos, por exemplo. Como neste caso, por melhores que sejam
nossos conhecimentos científicos sobre um aspecto da realidade, nem sempre é possí-
vel fazer as previsões que precisamos. Isto reforça a necessidade de continuidade das
pesquisas, para que índices melhores de previsão possam ser atingidos.
A explicação científica só se faz com base em alguma lei. Em casos simples uma úni-
ca lei pode ser suficiente, mas em casos complicados muitas leis podem ser necessárias
para explicar um mesmo fato. Mas é fato também que, tanto na ciência, quanto na
vida quotidiana, uma lei universal nem sempre é explicitamente colocada. Mesmo nas
explicações de fatos particulares elas estão presentes, pois como nota Carnap (1994, p.
7) “a resposta é que explicações de fato são realmente explicações de leis disfarçadas”.
Ou seja, ao explicar um fato, automaticamente formulamos um enunciado compatível
ao de uma lei científica.
Mas e no caso das leis estatísticas? Seriam elas uma forma de explicação aceitável?
Novamente, Carnap (1994, p. 8) pondera:

Mesmo quando uma lei estatística fornece somente uma explicação extrema-
mente fraca, ela é ainda uma explicação [...] Se forte ou fraca, estas são ex-
plicações genuínas. Na ausência de leis universais conhecidas, as explicações
estatísticas são, muitas vezes, o único tipo disponível.

Caso recusemos a contribuição explicativa das leis estatísticas, estaríamos ainda


mais ignorantes acerca de uma infinidade de situações nas quais não é possível abrir
mão, mesmo das mais fracas de conhecimento. Onde acaba a ‘certeza’, começa a esta-
tística. A ideia é que antes saber menos do que nada.
Como dissemos, com frequência uma explicação científica recorre a diversas leis
para explicar os fatores que produzem um fenômeno, dada a sua complexidade. Veja
o exemplo abaixo publicado no sítio eletrônico do Instituto Nacional de Câncer
(RJ):

70
Dois pontos devem ser enfatizados com relação aos fatores de risco: primeiro, Método, explicação
que o mesmo fator pode ser de risco para várias doenças (por exemplo, o taba- científica e pesquisa
acadêmica
gismo, que é fator de risco de diversos cânceres e de doenças cardiovasculares
e respiratórias); segundo, que vários fatores de risco podem estar envolvidos
na gênese de uma mesma doença, constituindo-se em agentes causais múlti-
plos. O estudo de fatores de risco, isolados ou combinados, tem permitido
estabelecerem-se relações de causa-efeito entre eles e determinados tipos de
câncer (PREVENÇÃO, [200-]).

Nesta explicação, por exemplo, a complexidade da causa de um câncer ilustra bem


o aspecto antes mencionado. Note que dar um novo nome a um problema antigo não
é explicá-lo. Como Carnap (1994, p. 15) sublinha “[...] não é suficiente, para os pro-
pósitos de explicação, simplesmente introduzir um novo agente dando-lhe um novo
nome. Você deve também dar leis”. Por exemplo, quando vamos ao médico, muitas
vezes, ele não consegue identificar o agente causador, nem o processo de evolução da
moléstia que nos acomete. Frente a isto eles afirmam: ‘Deve ser uma virose’. ‘Virose’
aqui é um novo nome, mas que como sabemos, nada explica. A situação é análoga ao
que os médicos querem dizem ao afirmar que ‘algo é geneticamente causado’. A maio-
ria destes usos é absolutamente genérico e quase ou nada explicativo, pois não são
acompanhados da devida verificação caso a caso. Se não se determina o agente e as leis
que explicam um fenômeno, então um conceito não passa de um nome e não explica
cientificamente nada. É claro, como reconhece Carnap (1994, p. 16), que quando um
conceito é frutífero leva a leis mais gerais. Mas ele precisa ser descrito e mostrar-se
eficaz, observável ou teoricamente manipulável (fortemente descritivo) para protago-
nizar uma explicação científica genuína.
As leis empíricas de que estamos falando são completamente diferentes das leis
da lógica e da matemática pura. Estas não são leis empíricas, ao contrário, embora
elas sejam universais não nos dizem nada sobre como o mundo é, valem num do-
mínio completamente conceitual e abstrato – no contexto da linguagem das teorias
lógico-matemáticas.

AS LEIS CIENTÍFICAS E SUA FUNÇÃO PREDITIVA


As leis científicas articuladas em teorias bem estabelecidas permitem, além de
explicar fatos observados, que novos fatos não observados sejam previstos. Carnap
(1994, p. 16) sugere que esquema lógico da predição é o mesmo que o da explicação.
Assim, a partir do enunciado teórico de uma lei universal: ‘Qualquer que seja x, se x
tem uma propriedade P, então x tem a propriedade Q’, se poderia concluir que se x
tem a propriedade P, ele também teria a propriedade Q, uma vez que este fato é previs-
to a partir de uma lei respaldada pela bem estabelecida teoria T. A predição pode não

71
MÉTODOS E TÉCNICAS ser válida para todos os casos conhecidos, daí ela seria estatística ao invés de universal.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Neste caso, a predição é somente provável, mas ainda assim é uma predição que valerá
num percentual do conjunto de objetos em questão. Os enunciados das ciências da
saúde são deste tipo. Veja a previsão abaixo publicada no sítio do Instituto Nacional
de Câncer (RJ):

Fumar durante a gravidez traz sérios riscos. Abortos espontâneos, nascimentos


prematuros, bebês de baixo peso, mortes fetais e de recém-nascidos, complica-
ções com a placenta e episódios de hemorragia (sangramento) ocorrem mais
frequentemente quando a mulher grávida fuma. A gestante que fuma apresenta
mais complicações durante o parto e têm o dobro de chances de ter um bebê
de menor peso e menor comprimento, comparando-se com a grávida que não
fuma. (BRASIL, [200-], grifos nossos).

Trata-se de um enunciado estatístico que faz uma previsão, que possui um grau
de probabilidade a ela associado. Contudo, ela não deixa de ser uma previsão que se
confirma em x por cento dos casos. Aí fica a critério da gestante que fuma, decidir se
corre o risco. A partir do exemplo anterior pode-se estimar a importância dos tipos de
previsão que a ciência pode produzir. Previsibilidade é um aspecto fundamental em
ciência e na vida diária também: nossos comportamentos mais corriqueiros são de-
terminados por previsões que fazemos. Deste modo, as previsões fundamentadas no
conhecimento científico são análogas a muitas outras previsões ‘racionais’ que fazem
o nosso dia-a-dia possível.

OS CRITÉRIOS DE VALIDAÇÃO EM CIÊNCIA E SUA LÓGICA


O conhecimento científico produz enunciados que descrevem, explicam ou prevê-
em fatos. Estes enunciados estão sujeitos a critérios de validação. É bem por isso que,
uma teoria pode ser vista como um conjunto de enunciados validados a partir dos
critérios experimentais e teóricos de uma ciência particular. Há dois modos gerais de
validação do conhecimento em Ciência. Um positivo e o outro negativo.
A validação negativa se dá por refutação e foi proposta no século XX por Karl Po-
pper. Um enunciado é científico se ele pode ser refutado pela experiência. Estranho,
não? Mas algo irrefutável pela experiência não pode jamais ser validado e, por isso,
não se submeteria a critérios de validação que pudessem descartá-lo. A refutação em
questão pode ou não operar-se concretamente. Como sublinha Granger (1994, p. 79):
“Note-se, porém, que só se supõe uma possibilidade de conceber situações empíricas
de refutação, e não necessariamente sua realização concreta”.
Este critério negativo de validação científica guarda um aspecto intrigante bem ilus-
trado por Carnap (1994, p. 21): “Um milhão de exemplos positivos são insuficientes
para verificar uma lei; um contra-exemplo é suficiente para falsificá-la. A situação é

72
extremamente assimétrica. É fácil refutar uma lei; é extremamente difícil encontrar Método, explicação
científica e pesquisa
uma confirmação forte.” Por que isso é assim? A ideia toda é a seguinte: suponha que acadêmica

uma lei afirme que sempre que ‘se x tem uma propriedade P, então x tem a proprieda-
de Q’. Todavia, a partir de observações e experimentos constatamos que sempre x tem
a propriedade P, então x não tem a propriedade Q. Temos aí um conflito: a hipótese
deveria ter como consequência que x é Q, mas verifica-se que ela permite concluir que
x é não-Q. Já que a hipótese P leva a uma contradição (x é Q e não-Q) e a lógica da in-
ferência científica aqui assumida é consistente, isto é, livre de contradições, a hipótese
P deve ser falsa. Portanto, não-P. A lei que afirma ‘x tem uma propriedade P, então x
tem a propriedade Q’ foi invalidada. Para um conhecimento que pretende ser científi-
co basta um contra-exemplo e tudo vai ao chão. Isto explica, analogamente, porque o
trabalho da defesa no processo jurídico é muito mais fácil que o da acusação. É bem
mais fácil defender (destruir uma teoria, a da acusação) do que construí-la. Conheci-
mentos não-científicos são imunes a contra-exemplos e, por isso mesmo, não podem
nunca ser validados, nem serão nunca considerados científicos.
O modo positivo de validação dá-se por aproximação. Primeiro, porque os fatos
científicos são fatos virtuais uma vez que as teorias são constructos conceituais e, por
isso, devem ser aproximados por uma metateoria como a de probabilidades, uma teo-
ria da medida, etc. à realidade dos fenômenos. Segundo porque a inferência científica
subjacente à validação é indutiva.
Na busca pela confirmação de uma lei, por exemplo, do enunciado ‘se x tem a
propriedade P, então x tem a propriedade Q’ o que se procura é verificar se para cada
objeto x a lei vale. Lembre-se que x é uma variável percorrendo um conjunto poten-
cialmente muito grande de objetos. Por isso, estes objetos são denotados pelo índice
n , como em x n , no qual n é um número natural que, como sabemos, é um conjunto
potencialmente infinito. Não há evidência decisiva relativa à existência de conjuntos
infinitos na natureza, apenas de conjuntos muito numerosos. Por exemplo, o conjunto
de todos os átomos do universo certamente é um deles.
O processo de validação por aproximação corresponde esquematicamente a:

se x1 tem a propriedade P, então x1 tem a propriedade Q, é o caso.


se x 2 tem a propriedade P, então x 2 tem a propriedade Q, é o caso.
 

se x n 1 tem a propriedade P, então x n 1 tem a propriedade Q, é o caso.


 

se x n tem a propriedade P, então x n tem a propriedade Q, é o caso.

73
MÉTODOS E TÉCNICAS Apesar de não verificar todas as ocorrências possíveis de uma lei, se em n casos
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO avaliados não se constatou nenhum contra-exemplo, então a validação positiva vigo-
ra. O grau de confiabilidade para esta validação pode ser expresso como um grau de
probabilidade lógica. Mas você deve estar se perguntando: como podemos passar da
observação de fatos particulares a leis mais gerais que explicam certas regularidades
da natureza? Este é o famoso problema da indução. A lógica dedutiva não valida esta
inferência, mas ela, evidentemente, não esgota a inferência científica. Resta então o
recurso ao ferramental da lógica indutiva e da probabilidade que nos indica como cal-
cular o valor da probabilidade de certa conclusão ser o caso, se certas premissas (cada
caso testado) forem verdadeiras. Mas, como dito antes, nossa conclusão fundamentará
uma lei estatística. Carnap (1994, p. 18), que desenvolveu uma teoria lógica da pro-
babilidade, explica-nos: “Quando a lei é universal, então a lógica dedutiva elementar
é envolvida para inferir fatos desconhecidos. Se a lei é estatística, devemos usar uma
lógica diferente – a lógica da probabilidade”.
Entendamos melhor a inferência dedutiva. Uma inferência dedutiva é válida se a
sua conclusão não puder ser falsa, uma vez que suas premissas forem verdadeiras.
Por isso, se diz que a inferência dedutiva é demonstrativa: se as premissas forem ver-
dadeiras, a conclusão tem necessariamente que ser verdadeira. Ela vai de verdade em
verdade, procede teoricamente de leis em leis. Como você já deve estar imaginando,
a inferência indutiva não é demonstrativa, pois mesmo partindo de fatos verdadeiros,
pois nenhuma garantia há de que a sua conclusão será verdadeira. Além disso, ela
parte de fatos e chega a leis por meio de um salto lógico, chamado passo indutivo.
Este passo é tão mais confiável quanto mais casos favoráveis ao enunciado em teste
forem validados na pesquisa. Mas, por mais casos favoráveis que sejam constatados,
não se poderá afirmar que o enunciado vale universalmente. A validação positiva aci-
ma esboçada, por exemplo, indicou uma regularidade que só poderá ser enunciada
validamente na forma de uma lei estatística. Digamos que tal lei fosse enunciada nos
seguintes termos: se x tem a propriedade P, então x tem a propriedade Q e, a partir
da validação realizada, pode-se atribuir um grau de probabilidade 0.9 (ou 90%) para
esta lei. Logo, se um objeto a que pode ser substituído por x no esquema formal da lei
e há uma infinidade de as, então se a tem a propriedade P, então a tem a propriedade
Q tem o grau de probabilidade compatível com aquele aferido na validação positiva.
Mas esta noção de probabilidade não está dizendo que houve um contra-exemplo
e, por isso, a lei não é universal? Não. Se tivesse ocorrido algum contra-exemplo, a
lei teria sido descartada pela validação negativa. Uma vez que ela foi verificada com
sucesso em todos os casos examinados, mas exibe uma regularidade para um certo
percentual de casos e como não podemos testar todos, resta-nos atribuir um grau

74
de probabilidade para a lei estatística, indicando o grau de confiança que a lei obtida Método, explicação
científica e pesquisa
indutivamente tem de que o seu conteúdo seja verdadeiro. acadêmica

Cabe aqui uma palavra sobre a noção de probabilidade. A ideia mais comum de
probabilidade é chamada clássica ou puramente estatística. De acordo com esta con-
cepção, probabilidade é a razão entre o número de casos favoráveis e o número de
todos os casos possíveis, como mostra a expressão seguinte.

casos favoráveis
p
casos possíveis

Esta concepção pressupõe que todos os casos possíveis são igualmente possíveis.
Esta maneira de compreender a probabilidade se dá em termos de uma frequência
relativa, ou seja, é frequencista, só podendo ser verificada pela experiência. Se qui-
sermos verificar se a probabilidade de tirarmos seis no lançamento de dados, teremos
que atirá-lo n vezes até confirmarmos, nos lançamentos do dado, a probabilidade
estatística prevista. O problema é que nenhum número finito bastante grande de testes
concretos é o bastante para determinar a probabilidade que se procura com certeza.
Por isto, no século XX, outras concepções de probabilidade foram propostas. Carnap
(1994, p. 29 ) propõe uma concepção lógica de probabilidade – a que utilizamos no
exemplo acima – segundo a qual “quando afirmamos um enunciado de probabilidade,
não estamos estabelecendo um enunciado acerca do mundo, mas somente acerca da
relação lógica entre dois outros enunciados”. Carnap (1994, p. 32) explica como esta
relação de probabilidade lógica pode ser entendida:

Em minha concepção, a probabilidade lógica é a relação lógica similar à im-


plicação lógica; realmente penso que probabilidade poderia ser considerada
como uma implicação parcial. Se a evidência é tão forte que a hipótese segue-se
logicamente dela – é logicamente implicada por ela – temos um caso extremo
em que a probabilidade é 1. [...] Analogamente, se a negação da hipótese é
logicamente implicada pela evidência, a probabilidade lógica da hipótese é 0.

De volta ao teste positivo de validação, quanto maior for o n testado, maior o grau
de confirmação, mas como lembra Carnap (1994, p. 21): “Se encontrarmos um exem-
plo negativo, o assunto está encerrado. Contrariamente, cada exemplo positivo é uma
evidência adicional para a força da nossa confirmação”. É neste sentido que se apre-
senta uma regra metodológica para testagem eficaz – a regra metodológica da diversi-
ficação: os exemplos devem ser diversificados tanto quando possível. Apesar do risco
constante dos contra-exemplos, Carnap (1994, p. 82) acredita que é importante para
uma teoria confirmar um enunciado, pois “a verificação de um enunciado isolado, que

75
MÉTODOS E TÉCNICAS exprima um fato ou um encadeamento de fato (uma lei), contribui para confirmar o
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO conjunto de uma contribuição teórica”. Quando um contra-exemplo é detectado a
maquinaria científica coloca-se a procura de uma nova lei “um fato inexplicável numa
teoria, quando é explicado na teoria nova, aumenta, evidentemente, o grau de confir-
mação desta última” (CARNAP, 1994, p. 82). Esta é a força da forma científica de pen-
sar: ela é provisória e revisável; é uma forma de conhecimento perfectível e dinâmica.
Quando os fenômenos que se quer estudar não são encontrados na natureza po-
demos produzi-los. A isto damos o nome de experimento. Conclui Carnap (1994, p.
22): “Produzir condições para testagem tem a grande vantagem de que podemos mais
facilmente seguir a regra metodológica da diversificação, mas se criamos as condições
a serem testadas ou as encontramos na natureza já dadas, o esquema subjacente [de
confirmação] é o mesmo”.
Segundo Granger (1994, p. 79), os critérios de validação a serem aplicados às ciên-
cias dos fatos humanos são basicamente os mesmos que das ciências da natureza. Nes-
tas disciplinas, quando o conteúdo dos enunciados a ser validado for predominante-
mente factual, o modo de validação mais adequado parece ser o da validação estatística
com exigências e limitações semelhantes as que se colocam às ciências da natureza.
Como vimos, um enunciado estatístico é, sem dúvida, melhor que a ignorância.
Na validação dos enunciados em que predomina o conteúdo teórico deve-se aten-
tar para duas dificuldades. A primeira, sublinha Granger, de que o conteúdo teórico
a partir de uma disciplina não se reduza a um puro e simples decalque de noções
ingênuas. A segunda, de que a fundamentação esteja no domínio do conceito e da
descrição de fenômenos e não no do mito e das prescrições dogmáticas a que ele dá
suporte, como ocorre na ideologia.
Os enunciados de conteúdo teórico constituem em grande medida o que normal-
mente se chama de ‘fundamentação’, ‘suporte teórico’ ou ‘aporte teórico’ frequente-
mente exigidos nos projetos de pesquisa das ciências dos fatos humanos. Deve-se estar
sempre atento para que esta fundamentação seja a mais refinada e confiável possível
do ponto de vista racional e crítico. Coerência interna é um critério insuficiente para a
avaliação do ‘suporte teórico’ a escolher: contos de fadas também são coerentes.

O MÉTODO EXPERIMENTAL E A PRODUÇÃO DE CONCEITOS


O método experimental versa sobre o conhecimento que se fundamenta em ob-
servações que podem basicamente se adquiridas de dois modos. Nas observações não
experimentais, o observador exerce um papel passivo, pois não pode interagir com
os objetos que observa. São assim as observações feitas em astronomia e em algu-
mas metodologias das ciências dos fatos humanos. Nas observações experimentais,

76
o pesquisador exerce um papel ativo, pois pode definir diversos aspectos da expe- Método, explicação
científica e pesquisa
rimentação, controlando ou desconsiderando fatores não essenciais da experiência, acadêmica

imprimindo aspectos que enfatizam o que ele realmente pretende investigar. Assim é,
por exemplo, a pesquisa em Física, em Química e em Biologia.
O método experimental permite ao cientista lidar com conceitos com os quais ele
constrói suas teorias e leis para a explicação ou previsão de fenômenos. São três os
tipos de conceitos com os quais lida a ciência: classificatórios, comparativos e quanti-
tativos. Seguiremos aqui a conceituação proposta por Carnap (1994, p. 51-59). Os con-
ceitos classificatórios são simplesmente conceitos que colocam um objeto dentro de
certa classe. A classificação (taxonomia) dos seres vivos em biologia é um bom exem-
plo da utilização deste tipo de conceito. Os conceitos comparativos são aqueles que
desempenham um papel intermediário entre os conceitos classificatórios e quantitati-
vos. Os conceitos quantitativos são aqueles aos quais se associam a valores numéricos.
Como veremos, o papel dos conceitos comparativos é muito mais importante do
que normalmente se presume. Primeiro por que eles são muito mais que conceitos
simplesmente classificatórios. Eles são ferramentas muito eficazes para descrever,
prever, e explicar, pois explicam como um objeto relaciona-se com outro em termos
de mais ou menos. Outro aspecto importantíssimo destes conceitos ressalta Carnap
(1994, p. 53) é “a utilidade dos conceitos comparativos especialmente em campos nos
quais o método científico e os conceitos quantitativos ainda não foram desenvolvidos”.
Este é o caso, por exemplo, de campos como a Economia e algumas ciências dos fatos
humanos. Outra razão adicional que atesta a importância dos conceitos comparativos
é que, não raro, um conceito comparativo torna-se, mais tarde, a base para a proposi-
ção de um conceito quantitativo.
Outro aspecto importante é que um conceito comparativo utiliza-se de linguagem
qualitativa que vincula predicados (propriedades) e relações (entre objetos). Já uma
linguagem quantitativa utiliza-se do conceito matemático de função (ou seja, uma rela-
ção unívoca entre os elementos de dois conjuntos, em que cada elemento do primeiro
é levado em um único elemento do segundo), que permite atribuir valores numéricos
a relações entre dois objetos. Os conceitos quantitativos envolvem, devido à sua re-
presentação enquanto funções, processos de contagem e medida. Todavia, a descrição
de leis científicas com base no conceito de função é muito apropriada, pois se trata de
um conceito não quantitativo e inequívoco. Descrições funcionais entre dois objetos
quaisquer mostram como um conjunto de objetos varia em função do outro.

CONFIGURANDO UMA ABORDAGEM CIENTÍFICA


Apresentamos a seguir dois conjuntos de critérios que procuram enquadrar o que

77
MÉTODOS E TÉCNICAS caracteriza a visão científica. Estes conjuntos de critérios não são necessariamente
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO opostos. O primeiro, proposto por Granger (1994), tem a virtude de caracterizar os
aspectos mais importantes da explicação científica. O segundo visa apresentar os crité-
rios positivos que qualificam o conhecimento científico. Pretendemos com isto arejar
os preconceitos com que a epistemologia positivista tem sido tratada, especialmente,
nas ciências dos fatos humanos.

OS TRÊS TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DA VISÃO CIENTÍFICA


Granger acredita que é na maneira como o pensamento científico visa seus objetos
que ele se diferencia de qualquer outra forma de conhecimento. Com efeito, afirma
ele (1994, p. 45) “Existem alguns métodos científicos, mas um espírito e um só tipo de
visão propriamente científica”. Reproduzimos abaixo os três traços distintivos da visão
científica propostos por ele que, apesar de gerais, são eficazes para detectar atitudes
não-científicas.
Em primeiro lugar, a ciência é visão de uma realidade. Isto significa que embora a
invenção dos conceitos científicos envolva a imaginação, a atitude científica deve resistir
à fantasia e ao devaneio. Conclui Granger (1994, p. 46): “Certamente, a ciência é uma
representação abstrata, mas se apresenta, com razão, como representação do real”.
Em segundo lugar, a ciência visa a objetos para descrever e explicar, não direta-
mente para agir. Se os produtos da explicação científica podem, depois, servir a apli-
cações concretas no quotidiano, isto não significa que o conhecimento científico seja
um conhecimento voltado para a utilidade imediata; ele procura primeiro descrever e
explicar; depois, sendo possível, aplicado-o. Granger (1994, p. 47) sumariza:

Enquanto tal, a ciência não deixa de ser desinteressada e até, de certa medida,
lúdica: a busca do saber pelo cientista é um trabalho intenso, mas também um
jogo. De qualquer forma, o primeiro resultado da visão é a satisfação de com-
preender, e de modo algum agir.

Em terceiro lugar, uma preocupação constante com critérios de validação. Já


apresentamos algumas das dificuldades de validação de uma tese numa teoria e à assi-
metria existente entre o procedimento de confirmação e o poder destrutivo dos con-
tra-exemplos. Todo o aparato validador visa verificar e acreditar uma conclusão frente
a outras que não disponham de suficiente fundamento ou justificação. De acordo com
segundo Granger (1994, p. 47):

Um saber acerca da experiência só é científico se contiver indicações sobre a


maneira como foi obtido, suficientes para que as suas condições possam ser
reproduzidas. [...] Assim, o conhecimento científico é necessariamente público,
ou seja, exposto ao controle – competente – de quem quer que seja.

78
Método, explicação
científica e pesquisa
Noutras palavras, o conhecimento científico é comunicável, ao contrário da ex- acadêmica

periência mística que é íntima, incomunicável e irreproduzível. Precisamente por ser


portador destas características, o conhecimento científico é que a maneira atual de
exercê-lo faz uso de determinados meios de produção e divulgação científicos. As
revistas acadêmicas, por exemplo, publicam as pesquisas mais recentes a toda uma
comunidade de praticantes de um determinado campo do conhecimento em cumpri-
mento a exigência de publicidade e controle competente. Neste sentido, a ênfase do
trabalho acadêmico na forma escrita (trabalhos, monografias, teses, etc.) se exige por-
que conhecimento científico produzido deve ser comunicável, publicado, validado. A
ciência não é coisa que se faça sozinho. Mesmo aqueles pesquisadores que laboram
sozinhos, sempre pressupõem que suas pesquisas devam convencer ou mostrarem-se
válidas, posteriormente, a uma audiência exigente.
Os critérios propostos por Granger são epistemológicos – definem o campo do que
é científico – e orientam a escolha dos métodos específicos para a investigação cien-
tífica dos objetos. Estes três aspectos da visão científica não constituem um método
propriamente dito, mas eles são fundamentos para avaliar se um determinado método
é ou não compatível com uma visão científica. Na sequência, apresentamos algumas
ideias positivistas que circunscreveram a visão científica no bojo do movimento posi-
tivista em geral.

A CONTRIBUIÇÃO POSITIVISTA À VISÃO CIENTÍFICA


Ao termo ‘positivismo’ costuma-se associar uma imensa gama de doutrinas filo-
sóficas ligadas a Augusto Comte (1798-1957), personagem importante deste movi-
mento filosófico na França e que teve forte influência e adeptos no Brasil, sobretudo
na segunda metade do século XIX e começo do século XX. Apesar de o positivismo
comteano ser a forma mais difundida no Brasil até 1920, autores positivistas de outras
nacionalidades também aqui exerceram influência significativa, como John Stuart Mill.
O positivismo é um movimento cultural de grande espectro na cultura europeia do
período. Na França, o positivismo se combinou com o racionalismo, tradição iniciada
por Descartes e consolidada no Iluminismo; na Inglaterra, o positivismo esteve asso-
ciado à tradição empirista e utilitarista, juntando-se mais tarde, ao evolucionismo; na
Alemanha aparece como cientificismo e monismo materialista; e, na Itália, o positivis-
mo italiano busca suas raízes no naturalismo renascentista, florescendo no campo da
pedagogia e também na antropologia criminal (REALE; ANTISERI, 1993, p. 296). Entre
seus representantes mais significativos no século XIX encontram-se, além de Augusto
Comte, na Inglaterra, John Stuart Mill (1806-1873) e Herbert Spencer (1820-1903); na

79
MÉTODOS E TÉCNICAS Alemanha, Jakob Moleschott (1822-1893) e Ernest Haeckel (1834-1919); e na Itália,
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Roberto Ardigò (1828-1920).
Não trataremos aqui nem do positivismo histórico, nem de um autor específico. A
partir da análise de Kolakowski (1969), apresentamos algumas teses positivistas rela-
tivas ao que é o conhecimento científico que permitem qualificar qual conhecimento
merece ou não esta designação. Estas teses estão de certa forma presentes nos diversos
autores do movimento. Kolakowski (1969, p. 2-3) assim resume o modo positivista de
pensar:

O positivismo defende certa atitude filosófica a respeito do conhecimento


humano; estritamente falando, não julga previamente questões sobre como
o homem chega ao conhecimento – nem os fundamentos psicológicos nem
históricos do conhecimento. Mas é uma coleção de regras e critério valorativos
referentes à cognição humana: ele nos diz que tipos de conteúdos em nossos
enunciados sobre o mundo merecem o nome de conhecimento e supre-nos
com normas que fazem possível distinguir entre quais poderiam e quais não
poderiam ser razoavelmente perguntados. Desta maneira, o positivismo é uma
atitude normativa, regulando como usamos termos tais como ‘conhecimento’,
‘ciência’, ‘cognição’ e ‘informação’.

Por meio de quatro regras gerais, Kolakowski (1969) caracteriza os critérios positi-
vistas de validação dos enunciados sobre a realidade, que avaliam o conteúdo do co-
nhecimento. Esta caracterização por meio de regras é instrutiva e interessante porque
caracteriza amplamente o positivismo não o restringindo a certos ramos específicos
do movimento.
A primeira regra identificada por Kolakowski (1969, p. 3) é o cânone de fenome-
nalismo. Em suma, a regra postula que “[...] não existe diferença entre ‘essência’ e
‘fenômeno’.” Desse modo são eliminadas pelo positivismo categorias como ‘forma
substancial’ e ‘qualidade oculta’. As doutrinas tradicionais encaravam os fenômenos
como manifestações de tais categorias. Por isso, continua Kolakowski (1969, p. 3):

“Estamos denominando informação somente aquilo que é realmente manifes-


tado na experiência; opiniões acerca de entidades ocultas das quais as coisas
experimentadas são supostamente manifestação permanecem sem valor.” Esta
regra positivista acarreta o fato de que, se a questão é legítima, então ela repre-
senta a procura do mecanismo para explicar a manifestação; caso isso não seja
possível, a questão deve ser considerada ilegítima. Entre os objetos rejeitados
pelos positivistas, além do âmbito da experiência possível de averiguação efe-
tiva, figuram as entidades ‘matéria’ e ‘espírito’. Uma consequência desse enun-
ciado é a rejeição do transcendente e do sobrenatural como objetos cientifica-
mente investigáveis.

A segunda regra estrutural do positivismo, segundo Kolakowski (1969, p. 5), é a


regra do nominalismo. Ela é uma consequência natural da primeira. Ela pode ser

80
descrita da seguinte maneira: “A regra do nominalismo leva ao enunciado de que po- Método, explicação
científica e pesquisa
deríamos não assumir que qualquer ideia formulada em termos gerais pode ter qual- acadêmica

quer referente real diferente de objetos concretos individuais.” Ou seja, não é porque
podemos conceber algo conceitual que se atribua a toda uma classe de objetos, diga-
mos a ‘unicornidade’, que os objetos particulares desta categoria universal existem.
Esta regra estabelece a negação dos universais. Para o esquema conceitual positivista,
“Temos o direito a reconhecer a existência de uma coisa, eles dizem [os positivistas],
somente quanto à experiência nos obriga a fazê-lo” (KOLAKOWSKI 1969, p. 5). Mas
como conciliar esta regra com a necessidade que a ciência tem de utilizar-se de cons-
tructos abstratos para descrever situações ideais? Kolakowski (1969, p. 6) pondera que

Estudar as propriedades de tais situações ideais ajuda-nos a entender as situa-


ções reais que somente se aproximam destas de forma mais ou menos estrita.
Mas estas situações ideais – o vacuum em mecânica, os sistemas auto-contidos,
figuras em geometria – são criações nossas que servem como melhor descrição
– mais concisa e generalizada – da realidade empírica.

Neste sentido, Kolakowski (1969, p. 6) conclui:

O mundo que nós conhecemos é uma coleção de fatos individuais observáveis.


A ciência procura ordenar estes fatos e, somente graças a esse trabalho de orde-
nação, ela torna-se uma ciência verdadeira, i. e., alguma coisa que possa ter uso
prático e que nos habilita a predizer certos eventos em base de outros.

A terceira regra aqui denominada regra de resguardo axiológico, estabelece que


os juízos de valor e dos enunciados normativos não têm valor cognitivo. Isso se deve,
em primeiro lugar, à regra de fenomenalismo; valores não são características do mun-
do, carecendo assim de objetividade. Pela regra de nominalismo, um mundo ideal
de valores por si mesmo, com o qual as atribuições axiológicas (ou seja, relativas aos
valores) estejam relacionadas, não existe. Kolakowski (1969, p. 6) afirma ainda que,
“Consequentemente, estamos autorizados a expressar julgamentos de valor no mun-
do humano, mas nós não estamos autorizados a assumir que nosso procedimento os
faz científicos; mais genericamente, os únicos procedimentos para fazê-los são nossas
próprias escolhas arbitrárias”. Um teórico positivista teria achado a recente polêmica
acerca da permissão ou não de pesquisa com células-tronco embrionárias, e seu folcló-
rico julgamento no Supremo Tribunal Federal, um disparate.
A quarta e última regra, denominamos postulado de unidade do método científico
e expressa “[...] a crença de que os métodos para adquirir conhecimento válido e os
principais estágios na elaboração da experiência através da reflexão teórica são, essen-
cialmente, o mesmo em toda esfera da experiência” (KOLAKOWSKI, 1969, p. 8).

81
MÉTODOS E TÉCNICAS Essas regras encerram lato sensu a essência do projeto epistemológico positivista.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Em nosso contexto acadêmico, muitas vezes se usa o termo positivista de um modo
completamente pejorativo, e quem ouse a mencioná-lo em suas pesquisas é considera-
do um obsoleto praticante de uma ideologia superada. Se o leitor comparar as regras
positivistas desta subseção com os três traços característicos da visão científica propos-
tos por Granger (1994), constatará muitas semelhanças e coincidências nas descrições
do conhecimento científico.

ESQUEMAS EXPLICATIVOS DAS CIÊNCIAS DOS FATOS HUMANOS


As ciências dos fatos humanos participam por analogia dos padrões explicação e
previsão existentes nas ciências da natureza. Alguns chegam até a afirmar que o título
de ‘ciência’ é indevidamente atribuído a este conhecimento. Granger (1994, p. 85)
avalia que “O obstáculo fundamental está, evidentemente, na natureza dos fenôme-
nos de comportamento humano, que carregam uma carga de significações que se
opõem a sua transformação simples em objetos, ou seja, em esquemas abstratos lógica
e matematicamente manipuláveis”. E, considerando que os fatos humanos envolvem
liberdade e imprevisibilidade, pondera Granger (1994, p. 86): “Um sentimento, uma
reação coletiva, um fato de língua parece que dificilmente podem reduzir-se a tais
esquemas abstratos. Assim, a questão não é reduzi-los, e sim representá-los, ainda que
parcialmente, em sistemas de conceitos”, o que sempre é muito interessante quando
alguma ciência dos fatos humanos consegue cumprir.
A fim de justificarmos a ideia de que a abordagem metodológica nas ciências dos
fatos humanos é plural, resenharemos a discussão que Granger (1994, p. 90-92) apre-
senta dos ‘tipos de inteligibilidade’, propostos primeiramente sociólogo e filósofo
francês J.-M. Berthelot (L’intelligence du social, cap. II). Estes ‘esquemas’ de explica-
ção podem ser aplicados puros ou combinados a todas as ciências dos fatos humanos
na produção de representação dos fenômenos estudados.
O esquema causal: supõe-se que o fenômeno A explica o fenômeno B de tal modo
que, variações em A causam variações a B; Não se pode ter B sem A. A explicação so-
ciológica de Durkheim para o suicídio utiliza este esquema.
O esquema ‘funcional’: supõe-se que o fenômeno a ser estudado ‘funciona’ como
um organismo ou uma máquina. Neste caso, busca-se conhecer e representar as condi-
ções de funcionamento que mantém o estado e o regime da marcha de funcionamento
do sistema. A análise se foca na interação entre as partes e o todo do sistema procu-
rando descrever como seus elementos interagem em equilíbrio e como este pode ser
modificado. Este método é muito utilizado em Economia, por exemplo.
O esquema estrutural: explica-se um fenômeno não com base em seus elementos

82
componentes ou supostamente componentes, mas a partir de uma totalidade mais Método, explicação
científica e pesquisa
abrangente, uma estrutura. Por exemplo, as mudanças fonéticas verificadas no pro- acadêmica

cesso evolutivo de uma língua não se explicariam como uma mudança individual e
isolada, mas como uma reestruturação global do sistema; uma mudança na estrutura.
Diversas disciplinas humanas utilizam-se deste esquema, particularmente, a Linguísti-
ca e a Antropologia.
O esquema hermenêutico: ele é semelhante ao utilizado em interpretação literária
quando se procura desvelar o que realmente quis dizer um autor. O esquema se ba-
seia na premissa de que o verdadeiro sentido de um fenômeno se esconde detrás de
aparências que precisam ser cuidadosamente estudadas. A psicanálise, por exemplo,
atua com base neste esquema. Certas explicações marxistas, com base em sua teoria
da ideologia, se fundamenta neste esquema. Este é o esquema explicativo subjacente
a qualquer teoria da conspiração.
O esquema actancial, do agente: os fenômenos a explicar são resultados do com-
portamento de agente individuais ou coletivos portadores de intenções e submetido
a regras. Por isso, este esquema procura identificar os atores individuais ou coletivos,
suas intenções e os sistemas de regras nos quais atuam. Este esquema explicativo pode
ser utilizado tanto em teoria econômica, educação e administração.
O esquema dialético: explicar uma realidade humana individual e coletiva consiste
em descobrir e equacionar as contradições internas inerentes a essa realidade. Este
esquema é justificador e mais interpretativo do que explicativo, pois se aplica normal-
mente a realidades humanas já consumadas.
Avaliando estes esquemas Granger (1994, p. 92) pondera:

- São esquemas tirados das ciências da natureza ou de noções intuitivas da ex-


periência imediata pouco analisada;
- Apresentam um nível de conceituação bastante baixo;
- A pluralidade de métodos sugere certa insegurança metodológica e até
arbitrariedade.

Ele atribui estas fragilidades à natureza própria dos fatos humanos. Acreditamos
que os três pontos acima devam ser cuidadosamente considerados nas pesquisas dos
fatos humanos, para não comprometer irremediavelmente os resultados alcançados
nas tentativas de explicações destes fenômenos. Ou seja, entendemos que estas fragi-
lidades metodológicas das ciências dos fatos humanos não devam ser agravadas pela
imperícia que possa acentuar os pontos fracos acima descritos, não importando o
esquema explicativo que o pesquisador considere o melhor a ser adotado. Granger
concluir (1994, p. 92: “há que se admitir que o conhecimento científico desses fatos só

83
MÉTODOS E TÉCNICAS pode ter bom êxito pela conjunção de vários esquemas [explicativos], cujo modo de
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO superposição e de encadeamento deve ser definido em cada caso especial”. Estamos
convencidos, sobretudo, que uma abordagem pragmática seja a mais adequada à es-
colha do esquema explicativo a ser utilizado: o melhor esquema explicativo é aquele
que melhor representa, descreve e explica o fenômeno a ser estudado. Um método X
é melhor que um método Y relativamente aos fenômenos que pretende explicar. Um
método só pode ser considerado absolutamente melhor que os demais no terreno do
fundamentalismo e dogmatismo metodológicos.
A propósito do fundamentalismo metodológico é muito instrutiva uma compara-
ção entre as disciplinas formais e as ciências dos fatos humanos. Nas disciplinas for-
mais como a Lógica e a Matemática e outras disciplinas altamente matematizadas não
há argumento de autoridade. Se uma conclusão é válida ela é consequência necessária
das premissas e hipóteses feitas, executadas na lógica subjacente ao campo de conhe-
cimento em questão. Nas disciplinas humanas, ao contrário, é comum valermo-nos
do apelo a autoridades respeitadas pela comunidade de praticantes para aumentar a
anuência às nossas conclusões. Neste texto, por exemplo, diversas autoridades foram
utilizadas e suas opiniões foram requisitadas por se tratarem de especialistas de grande
reputação acadêmica. Contudo, quando se apela a uma autoridade para testemunhar
em favor de questões que estão fora de sua especialidade, quem faz o apelo comete a
falácia (o erro lógico) do recurso à autoridade. Julgamos que este é um erro lógico co-
mum e um perigo constante em todas as ciências dos fatos humanos. Não basta afirmar
x disse y. É preciso verificar a relevância, a atualidade e a eficácia do que x disse acerca
de y para tomá-lo como fundamento de um projeto de pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nestas considerações finais, gostaria de reforçar dois pontos ainda não manifestos,
mas que estão, imagino, subentendidos em toda a exposição. O primeiro é que a me-
todologia científica é muito mais que a formatação correta ou adequada de trabalhos
acadêmicos. Não que o aspecto formal não seja importante, com certeza é. Mas cer-
tamente a ênfase no formalismo metodológico pode dissimular o verdadeiro objetivo
da atividade acadêmica e científica: produzir boas explicações para os inúmeros fenô-
menos ainda inexplicados. Os aspectos formais envolvidos nos trabalhos acadêmicos
e relatórios de pesquisa é que estão subordinados ao conceito de ciência que devem
concretizar.
O outro aspecto, não menos importante, é uma denúncia ao antiintelectualismo
reinante tanto na sociedade quanto em setores da academia. O antiintelectualismo
vigente é uma atitude de desprezo a racionalidade que equipara às ciências formas de

84
conhecimento precárias, que ao longo denominamos de não-ciência. Uma faceta des- Método, explicação
científica e pesquisa
ta postura procura equiparar ou reduzir o conhecimento científico ao conhecimento acadêmica

técnico. Quando a isto diremos apenas que sem o primeiro não haveria o segundo.
Por fim, acreditamos que a ciência perfaz uma forma de conhecimento modelar e de
grande poder transformador da sociedade, das relações humanas e do homem consigo
mesmo e no modo como se relaciona com a realidade na qual está inserido.

Referências

BRASIL. Ministério da Saúde. O fumo e a gravidez. Brasília: Ministério da


Saúde, [200-]). Disponível em: <http://www.inca.gov.br/tabagismo/frameset.
asp?item=jovem&link=gravidez.htm>. Acesso em: 28 out, 2008.

CARNAP, Rudolf. An introduction to the Philosophy of science. Edited by Martin


Gardner. New York: Dover Publications, 1994.

GRANGER, Gilles-Gaston. A ciência e as ciências. Tradução de Roberto Leal Fer-


reira. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1994.

KOLAKOWSKI, Leszek. The alienation of reason: a history of positivist thought.


Translated by Norbert Guterman. Garden City; New York: Anchor Books, 1969.

LAUDAN, Larry. Teorias do método científico de Platão a Mach. Tradução de Balthazar


Barbosa Filho. Cadernos de História e Filosofia da Ciência, Campinas, SP: v. 10, n.
2, jul.-dez. 2000.

PREVENÇÃO e fatores de risco. Rio de Janeiro: INCA, [200-]. Disponível em: <http://
www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=13>. Acesso em: 28 out. 2008.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História de Filosofia. São Paulo: Paulus, 1993. v. 3.

85
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Proposta de Atividade

1) Reúna textos de jornais, revistas de divulgação científica acerca de temas que ganharam
destaque na mídia. Leia-os e tente identificar as concepções de ciência e sociedade que
estão presentes no texto. Dialogue com os argumentos destes escritos e estabeleça o que
valorizam e destacam em termos de conhecimento.
2) Neste capítulo, o autor apresenta e põe em debate as contribuições do positivismo à visão
científica do século XIX. Como o autor, mediante Kolakowski apresenta o modeo positivis-
ta de pensar?
3) O que o autor deste capítulo chama de conduta antiintelectualista no debate sobre os
conhecimentos (ver Considerações Finais, p. 84)?

Anotações

86
6 utilização
Orientações para a
de entrevistas,
questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
educacionais
Patrícia lessa dos Santos

O QUE SÃO INSTRUMENTOS DE PESQUISA


A realização de uma pesquisa exige uma organização; a partir da escolha de um
tema, selecionamos o material bibliográfico disponível e atualizado para que possa-
mos eleger nossos objetivos. Dependendo dos objetivos que foram eleitos e do marco
teórico ou quadro teórico, faremos a escolha dos instrumentos que devem ser utiliza-
dos para a coleta dos dados. Os instrumentos disponíveis, referentes às técnicas sele-
cionadas para a coleta de dados são muitos e diversificados; a escolha de um ou outro
irá depender dos objetivos da pesquisa, do tipo de informação que necessitamos e do
número de envolvidos. Por exemplo, em uma pesquisa sobre o perfil socioeconômico
de um determinado bairro de sua cidade pode ser utilizado o questionário pela sua
capacidade de abrangência; já em uma pesquisa sobre a aquisição de força em prati-
cantes de musculação seria mais adequado o uso de testes de medidas e escalas.
Nem toda informação é válida para a pesquisa; a informação da qual tratamos aqui
não é um simples amontoado de dados, mas sim uma organização metódica dos mes-
mos, ou seja, os resultados dos testes, as tabelas, as planilhas, os gráficos, os quadros
comparativos resultantes da coleta e análise de dados servem para recortar, ordenar e
estruturar algumas dimensões do conhecimento. Mesmo que as informações sejam in-
finitas, sua organização e sistematização não são infinitas e dependem de procedimen-
tos adequados aos critérios de classificação, como: tipos, nomes, locais e intervalos de
tempo. Ao realizarmos uma pesquisa sobre “liderança estudantil”, temos que ter em
mente: 1º– se a pesquisa será revisão bibliográfica ou pesquisa de campo; 2º – caso
seja pesquisa de campo, deve ser definida a escola ou grupo de escolas, por exemplo.
Por isso as informações que teremos que colher no levantamento de dados serão re-
cortadas de acordo com critérios pré-estabelecidos.

87
MÉTODOS E TÉCNICAS Alguns temas terão um maior número de fontes que outros. As fontes podem
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ser escritas (livros, revistas, periódicos, documentos etc.). Dentre as fontes escritas,
podemos subdividi-las em: impressas (leis, teses, relatórios, romances etc.) e não-im-
pressas (cartas, entrevistas, provas e exames de alunos etc.), e as fontes orais (diálogos,
palestras, depoimentos, programas televisivos, lições de aula, julgamentos e represen-
tações jurídicas etc.). Os instrumentos estarão adequados às fontes que queremos ou
podemos utilizar para obter determinados conhecimentos sobre o objeto investigado.
O conhecimento do qual falamos é parcial, relacional e provisório, pois não devemos
ter a pretensão de abarcar a totalidade ou a verdade absoluta sobre determinado fenô-
meno ou objeto de estudo. Devemos ter claro qual o nosso objetivo de estudo e como
podemos nos organizar para estudá-lo:

Uma tese estuda um objeto por meio de determinados instrumentos. Muitas


vezes o objeto é um livro e os instrumentos, outros livros. É o caso de, supo-
nhamos, uma tese sobre O Pensamento Econômico de Adam Smith, cujo objeto
é constituído por livros de Adam Smith, enquanto os instrumentos são outros
livros sobre Adam Smith. Diremos então que, nesse caso os escritos de Adam
Smith constituem as fontes primárias e os livros sobre Adam Smith constituem
as fontes secundárias. [...]

Em certos casos, pelo contrário, o objeto é um fenômeno real: é o que acontece


com as teses sobre movimentos migratórios internos na Itália atual, sobre o
comportamento de crianças problemáticas, sobre opiniões do público a res-
peito de debates na televisão. Aqui as fontes não existem ainda sob a forma de
textos escritos, mas devem tornar-se os textos que você inserirá na tese à guisa
de documentos: dados estatísticos, transcrições de entrevistas, talvez fotografias
ou mesmo documentos audiovisuais (ECO, 1996, p. 35).

A diferença entre os instrumentos e as fontes é que as fontes tanto podem ser um


livro como podem não existir em formato de texto original, tal como explicou Um-
berto Eco na citação anterior. Já os instrumentos, como o próprio nome pressupõe,
são os materiais previamente selecionados pelo pesquisador que irão servir de acesso
aos dados provenientes das fontes (na pesquisa bibliográfica geralmente são livros,
enquanto que na pesquisa de campo podem ser livros ou fontes orais que posterior-
mente o pesquisador irá transformar em texto escrito). Tomemos como exemplo uma
pesquisa sobre “O movimento gay na cidade do Rio de Janeiro na década de 1970”.
As fontes podem ser jornais e materiais de divulgação de algum grupo organizado
(utilizaríamos a análise de conteúdo ou a análise do discurso na análise dos dados),
os discursos de algum militante (estudos sobre memória social ou história oral podem
ser úteis), documentos, fotos ou jornais. Já os instrumentos seriam as entrevistas real-
izadas com os militantes, que deveriam ser submetidas a análise de conteúdo, a análise
iconográfica ou a análise de discurso.

88
Os instrumentos da pesquisa estão relacionados às técnicas utilizadas para a coleta Orientações para a
utilização de entrevistas,
dos dados e devem estar previamente descritos no projeto de forma organizada e det- questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
alhada de modo que o pesquisador saiba o que fazer como fazer e onde fazer durante educacionais

a execução da pesquisa. Um pesquisador avançado, digamos, com certa experiência na


área, com conhecimentos prévios acerca do tema e, além disso, com disponibilidade
de tempo poderá selecionar mais de um instrumento para a coleta de dados. Dentre os
mais comuns podemos citar: o questionário, a entrevista, a observação, o formulário,
os testes de escalas de medida de opinião, testes para medida e avaliação corporal e
o diário de campo. Bauer e Gaskell (2002) indicam enfoques analíticos para texto,
imagem (parada e em movimento) e som. O importante é sabermos que em pesquisa
tudo irá se transformar em texto, por exemplo, ao utilizarmos algumas gravações jor-
nalísticas de televisão sobre a Guerra do Golfo devemos planejar quais irão servir para
nossa investigação, verificar se os registros originais são claros e possíveis de serem
encontrados por outros pesquisadores e, por fim, sua transcrição irá exigir metas,
normas e uma sistematização rigorosa dos dados.

O QUESTIONÁRIO
O questionário é um instrumento muito utilizado em enquetes dirigidas a um pú-
blico amplo como, por exemplo, um levantamento de casos de pessoas atingidas por
uma doença com vistas a realizar um planejamento de controle do problema. Os estu-
dos epidemiológicos muito usuais em enfermagem, saúde pública, educação física e
áreas afins muitas vezes adotam o questionário em conjunto com outros instrumentos
de coleta de dados, como a anamnese, as medidas e avaliações corporais, bem como
exames laboratoriais ou testes psicológicos.
Trabalhar com uma grande amostra é a maior vantagem da aplicação do question-
ário, caso em que o uso da entrevista não é aconselhado. Dentre suas características
está a precisão dos dados, e para tanto é necessário que as questões sejam claras e
não deixem margem para dúvida. As questões podem ser fechadas, com alternativas
determinadas, o que limita a resposta e torna a coleta padronizada e de fácil aplicação.
Podem ser abertas, que se destinam a obter respostas mais espontâneas ou então mis-
tas; são os questionários que incluem perguntas abertas e fechadas.
A popularidade comercial do uso dos questionários, que são facilmente encon-
trados nas avaliações sobre o impacto causado no lançamento de novos produtos no
mercado, nem por isso são indicadores da falta de regras no controle das informações.
Um questionário, assim como outros instrumentos de pesquisa, deve ter critérios rig-
orosos, sistematizados no planejamento da pesquisa; dentre suas características de-
stacamos que ele deve ser intencional, digamos, deve ter objetivos determinados e

89
MÉTODOS E TÉCNICAS deve ser sustentado, ou seja, guiado por um corpo de conhecimentos. Sugerimos ver
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO o questionário elaborado por Karl Marx em 1880, realizado com operários franceses
(THIOLLENT, 1985).
O emprego do questionário é mais comum quando há um grande número de pes-
soas a serem interrogadas sobre determinada informação. Muitas situações indicam a
manipulação de informações, a distorção dos conhecimentos. Por exemplo, algumas
epistemólogas do feminismo apontam as pesquisas sexistas que enfatizam o destino
biológico das mulheres, mais ligadas a uma natureza imutável e a maternidade como
destino generalizado do gênero feminino para desqualificar sua participação social
na criação de objetos, leis, modos de vida e outros (RAGO, 2002). Esse argumento é
usado por feministas e teóricos preocupados em desconstruir o modelo generificado
de divisão social do mundo, um mundo dividido em dois gêneros, o masculino, tido
como superior, e o feminino ou o segundo sexo, como definiu a grande feminista
Simone de Beauvoir. Aqui encontramos bons exemplos de pesquisas com clara ma-
nipulação dos dados para distorção proposital dos resultados.
Agências de pesquisa estatística como o Ibope (pesquisa eleitorais para medir a
preferência do eleitor) e o IBGE, que realiza o censo (pesquisa para levantamento de
dados populacionais), reúnem grandes quantidades de informações que servirão a um
banco de dados e em muitos casos sofrerão um tratamento estatístico posterior a fim
de organizar as informações que poderão ser apresentadas em formatos de quadros,
tabelas ou gráficos.
Tanto no momento de elaborar um questionário, quanto na realização da entrev-
ista ou na preparação do trabalho de observação é importante realçarmos os passos
que iniciam com o registro das informações, depois a análise dos dados, segundo
uma classificação e categorização e finalmente, a interpretação dos mesmos. Caso a
pesquisa seja realizada por um grupo é necessário que sejam realizadas reuniões para
discussão do instrumento, bem como um treinamento para que todo grupo possa
saber aplicar o mesmo. Quando as perguntas são feitas pelo próprio investigador
é necessário ter uma voz clara, pausada e paciente. Quando os dados são preenchi-
dos pelo informante é importante verificar sua disponibilidade, se o mesmo possui
tempo para preencher os dados, se está com paciência, enfim deve haver uma previa
disposição em colaborar e para isso a atuação do pesquisador é fundamental, antes
do preenchimento ele deve conversar, procurando explicar suas intenções, seus obje-
tivos, deixar claro que os dados fornecidos não serão usados para expor o informante
bem como, deve procurar esclarecer as dúvidas do informante antes de dar início ao
preenchimento dos dados.

90
A ENTREVISTA Orientações para a
utilização de entrevistas,
A entrevista é um instrumento muito útil nas pesquisas de caráter qualitativo, ou questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
seja, sustentada por uma base de dados mais discursivos que matemáticos. Sua carac- educacionais

terística fundamental é a relação dialógica entre duas ou mais pessoas, por isso seu
caráter subjetivo. É subjetivo porque implica o uso de algumas técnicas e métodos
escolhidos propositalmente pelo entrevistador/pesquisador com vistas a alcançar algu-
mas informações que o mesmo espera que o entrevistado possua. Portanto, a interação
entre entrevistador e informante caracteriza um diálogo que deverá ser sistematica-
mente anotado pelo entrevistador em um diário de campo, podendo ser acrescido de
uma gravação em K7, vídeo ou mesmo fotografia.
A entrevista é um recurso muito usado no jornalismo, na investigação policial, no
inquérito judicial, na seleção de trabalhadores para determinado cargo ou função,
para desvendar uma opinião a respeito de um determinado momento, situação ou
assunto polêmico, para seleção em concursos variados e muitas outras funções. Na
pesquisa científica, como em outras atividades, é importante a elaboração de uma
pauta ou roteiro que servirá de guia na seleção das questões-chaves para uma coleta de
dados eficiente e condizente com a proposta teórico-metodológica da pesquisa, que
deverá prever, dentre outras questões, o número de entrevistados, o número de ent-
revistas realizadas com um mesmo informante, o tempo para realização das mesmas.
Um pesquisador, mesmo que bastante experiente, deve fazer um estudo preliminar
até chegar a um formato acabado do instrumento que será usado na coleta dos dados.
Ao elaborar o instrumento devemos ter em mente nossa capacidade de diálogo, de
improviso e perspicácia para tirar do informante os dados que buscamos.
Técnicas ou modelos conceituais como o survey, as entrevistas narrativas (BAUER;
GASKELL, 2002), a entrevista em profundidade sugerida por Denise Jodelet ( JODELET,
2001; SÁ, 1989), a anamnese (TURATO, 2003), que é muito usual na área da saúde, as
técnicas de entrevista para a perspectiva da História Oral (THOMPSON, 2002; RAGO,
2002) são alguns dos possíveis exemplos que se encontram disponíveis para os pes-
quisadores, que podem optar pela utilização de dois ou mais instrumentos, o que irá
depender do tempo previsto para a pesquisa bem como da experiência e habilidades
do pesquisador.
Ao pesquisar as memórias da anarcofeminista Luci Fabri, Margareth Rago utilizou
entrevistas que foram gravadas e, posteriormente, transcritas, buscando ali as impli-
cações políticas, sociais e culturais do silenciamento que os discursos dominantes da
história operam nos grupos excluídos. A pesquisadora relata que estava imbuída do
‘sentimento benjaminiano’, que põe como tarefa ao historiador salvar a memória e
livrá-la do esquecimento, e ela assinala:

91
MÉTODOS E TÉCNICAS O contato com essa senhora erudita e reflexiva, profundamente aberta à vida,
DE PESQUISA EM fez-me inevitavelmente pensar na utilidade da história, na importância da pre-
EDUCAÇÃO
servação da memória, sobretudo daquela silenciada pelos jogos do poder e,
mais ainda, levou-me a valorizar os aportes da história oral, área em que havia
incursionado timidamente em outra ocasião. A re-apresentação oral do passa-
do, ‘fazendo emergir do tempo/experiência os fatos considerados mais signifi-
cativos do ponto de vista do narrador’ (Guimarães Neto, 2000, p.99) traz colo-
ridos, cheiros e emoções que dificilmente se encontrariam no texto histórico,
na maior parte das vezes muito asséptico em sua pretensão de objetividade
(RAGO, 2002, p. 32).

Aqui temos apenas um exemplo de entrevista, fundamentada e elaborada de acor-


do com a perspectiva da história oral. Para cada ponto de vista ou modelo teórico-
metodológico haverá uma abordagem diferenciada da entrevista. A escolha do tipo de
entrevista (estruturada, semiestruturada e não-estruturada) dependerá da abordagem
ou do tipo de pesquisa a ser adotado.
Deixamos algumas sugestões para a elaboração de um roteiro de entrevista:

1) não existe uma neutralidade proposta pelos positivistas, pois o próprio ato de
elaborar uma entrevista já supõe questões subjetivas dos investigados; suas per-
guntas são elaboradas segundo um recorte da realidade e não a realidade pro-
priamente dita;
2) a entrevista não é uma simples conversa. O entrevistador não pode se perder,
tornando-se um amigo;
3) faça um estudo preliminar a respeito das informações que deseja adquirir para
decidir como alcançá-las e qual instrumento é o mais adequado;
4) crie códigos, símbolos, sinais para facilitar a transcrição dos dados;
5) se você tem dificuldade em anotar com certa rapidez, utilize suportes auxiliares
como um gravador, por exemplo;
6) na transcrição dos dados, procure ser fiel às palavras do entrevistado.

Enfim, a precisão dos dados, a coerência das ideias e o controle das distorções
são importantes fatores que influenciarão os resultados da pesquisa, por isso um
instrumento bem planejado, testado e adequado aos objetivos do projeto resulta
positivamente.

TIPOS DE ENTREVISTA: ESTRUTURADA, SEMI-ESTRUTURADA E


NÃO-ESTRUTURADA
Os três tipos de técnicas adotados na elaboração de uma entrevista são válidos tam-
bém para a observação, por isso apresentaremos alguns exemplos de observação es-
truturada, semiestruturada e não-estruturada juntamente com os tipos de entrevistas.

92
Também encontramos entrevistas individuais e em grupo, realizadas por um pesquisa- Orientações para a
utilização de entrevistas,
dor ou por uma equipe. No caso das equipes de pesquisadores, é importante enfatizar- questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
mos o treinamento do grupo. educacionais

Estruturada: a observação centra sua atenção na ocorrência de certos comporta-


mentos ou fenômenos e fazem suas anotações segundo essas premissas.
Semiestruturada: delimita algumas partes a serem observadas, mas não fecha out-
ras ocorrências que podem surgir no percurso do processo de pesquisa.
Não-estruturada: a estratégia depende do tipo de pesquisa e do referencial teórico
adotado; por exemplo, na pesquisa etnográfica o pesquisador deve ficar desprovido de
um indicador inicial, assim pode adotar a “observação não-estruturada”.

A OBSERVAÇÃO
A técnica de observação aplicada ao objeto de estudo é um estado de atenção vol-
untária e seletiva, ou seja, aquilo que deve ser observado está previamente planejado.
O material usado na observação resume-se em papel, caneta e prancheta, que servirão
para realizar o registro que deve ser o mais descritivo possível. Para o registro é feita
uma pauta de observação, evitando a ilusão de que estamos observando ‘tudo o que
se passa’. Em função disso, podemos afirmar que a técnica da observação deve ser
intencionada, com objeto determinado e sustentada, ou seja, guiada por um corpo de
conhecimentos (NEGRINE, 1999).
A utilização da observação na coleta dos dados é muito usada na pesquisa soci-
ológica ou mesmo na antropologia. Alguns modelos advindos prioritariamente des-
sas áreas expandiram-se para educação e saúde. A técnica é empregada geralmente
quando o pesquisador quer analisar as relações sociais ou a interação entre pessoas de
um grupo ou comunidade.
Ao realizar o trabalho de observação, outros recursos como filmagem, gravação
sonora e/ou registro fotográfico podem ser associados ao relatório de observação, no
qual devem encontrar-se registrados de forma metódica o local, a data, hora, o grupo
observado e uma descrição o mais precisa possível dos acontecimentos e fenômenos
que foram observados.
A técnica para a utilização da observação comporta alguns elementos, como:
a) o sujeito: como ele observa;
b) o objeto ou o indivíduo: o que será observado;
c) os meios: sentidos usados para captar a informação (visão, audição, tato);
d) as ferramentas ou instrumentos;
e) o marco teórico: referencial que parte do investigador relacionado ao seu re-
corte da realidade, suas prioridades cognitivas (NEGRINE, 1999).

93
MÉTODOS E TÉCNICAS As pesquisas que mais utilizam a observação sãoa pesquisa participante, a pesquisa-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ação e a etnográfica. Marli André (1989) realizou uma pesquisa sobre o cotidiano esco-
lar na qual utilizou a observação em uma investigação etnográfica por proporcionar:
“um contato direto e prolongado do pesquisador com a situação e as pessoas ou gru-
pos selecionados” (ANDRÉ, 1989, p. 38). Sugeriu ainda que os dados da observação
possam ser conjugados a outros dados, como, por exemplo, registros de documentos,
atas, fotografias ou mesmo resultados de entrevistas.
A seguir, indicamos algumas estratégias para o registro da observação:
- elaboração de uma pauta de observação;
- uso de diário;
- fichas de observação;
- elaboração de mapas e esquemas;
- uso de símbolos para facilitar o registro das informações;

Esses procedimentos auxiliam na precisão do registro, lembrando que ao observar


não estaremos ‘olhando para tudo’ e sim exercendo um olhar dirigido, por isso, se
o trabalho for realizado em equipe é importante o treinamento das pessoas que irão
coletar os dados.

TABELAS E GRÁFICOS
Tabelas e gráficos são formas comuns para apresentar de maneira visualmente aces-
sível e organizada os dados encontrados nos resultados de uma pesquisa. Mais co-
muns nas pesquisas quantitativas, as tabelas e gráficos são também usuais em pesquisa
qualitativas.
As tabelas, também conhecidas como quadros estatísticos, são importantes na apre-
sentação dos dados de uma pesquisa por facilitarem a compreensão dos dados para
o leitor. Lakatos e Marconi (2001) argumentam que uma tabela bem elaborada deve
possuir a capacidade de apresentar ideias e as relações entre as mesmas com certa in-
dependência do texto informativo. Sua função é justamente explicitar as informações
de forma clara e concisa, de modo que qualquer leitor possa visualizar os resultados
alcançados na pesquisa.
São quatro os elementos que irão compor uma tabela:

1) nome seguido de um número (Tabela 1);


2) título (aquilo que está sendo apresentado);
3) dados dispostos em colunas;
4) dados dispostos em linhas.

94
Os gráficos são figuras usadas para representar os dados de forma clara e objetiva. Orientações para a
utilização de entrevistas,
Normalmente são empregados para enfatizar relações entre dados e dar destaque ao questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
trabalho. Apresentamos a seguir um modelo de tabela e um modelo de gráfico: educacionais

Exemplo 1: Tabela 1

Número de alunos que fizeram provas de matemática em cada ano de aplicação

SÉRIE NÚMERO DE ALUNOS

3ª série diurna de 1997 290594

4ª série diurna de 1998 270265

5ª série diurna de 1999 269942

Exemplo 2: Gráfico

Índice de desempenho em atletas fundistas das regiões norte, leste e oeste do


Paraná.

95
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Referências

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Metodologia da pesquisa educacional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1989. p. 35-45.

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som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.

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Marguerite (Org.). Fontes de informação para pesquisadores e profissionais.
Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.

CAUDURO, Maria Teresa (Org). Investigação em Educação física e esportes: um


novo olhar pela pesquisa qualitativa. Novo Hamburgo: FEEVALE, 2004.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 14. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.

FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da pesquisa educacional. 2. ed. São Paulo:


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LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, M. Fundamentos de metodologia científica. 4. ed.


São Paulo: Atlas, 2001.

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bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos. São Paulo: Atlas,
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MOLINA NETO, Vicente. Etnografia: uma opção metodológica para alguns problemas
de investigação no âmbito da Educação Física. In: MOLINA NETO, Vicente;
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metodológicas. Porto Alegre: Ed. Universidade UFRGS; Sulina, 1999. p. 107-139.

96
NEGRINE, Airton. Instrumentos de coleta de informação na pesquisa qualitativa. Orientações para a
utilização de entrevistas,
In: MOLINA NETO, Vicente; TRIVIÑOS, Augusto N. S. A pesquisa qualitativa na questionários, tabelas e
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Educação Física: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Ed. Universidade UFRGS; educacionais

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RAGO, Margareth. Audácia de sonhar: memória e subjetividade em Lucce Fabri.


História oral. Revista da Associação Brasileira de História Oral, São Paulo, v. 5, n.
5, p. 29-44, jun. 2002.

SÁ, Celso Pereira de. A construção do objeto de pesquisa em representações


sociais. Rio de Janeiro: Eduerj, 1998.

THIOLLENT, Michel J. M. Crítica metodológica, investigação social e enquête


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THOMAS, Jerry R.; NELSON, Jack K. Métodos de pesquisa em atividade física. 3.


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THOMPSON, Paul. História oral e contemporaneidade. In: HISTÓRIA oral. Revista


da Associação Brasileira de História Oral, São Paulo, v. 5. n. 5, l, p. 9-28, jun.
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TURATO, Egberto Ribeiro. Tratado de metodologia da pesquisa clínico-


qualitativa: construção teórico-epistemológica, discussão comparada e aplicação nas
áreas da saúde e humanas. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

Proposta de Atividade

1) Marque um ‘X’ na opção correta:


1.1) Ao realizar uma pesquisa com crianças na faixa etária de 7-10 anos de idade sobre:
“A violência entre crianças no horário do recreio escolar”, que teve como objetivos: 1)
analisar o discurso que as crianças tem sobre o que é violência, e 2) verificar o número de
incidências de queixas de violência entre as crianças no recreio escolar e os motivos do ato,
você escolheria como instrumento para coleta de dados:
(a) entrevista
(b) questionário
(c) observação

97
MÉTODOS E TÉCNICAS (d) nenhuma das opções
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Justifique sua escolha: ________________________

1.2) Se você tivesse que fazer uma coleta de dados em cinco escolas da rede pública da sua
cidade para verificar os números de reprovação nas disciplinas de Português e de Matemá-
tica entre alunos da 6ª série do ensino fundamental, você iria utilizar:
(a) entrevista
(b) questionário
(c) observação
(d) nenhuma das opções
Justifique sua escolha: ________________________

1.3) Em uma pesquisa experimental sobre a utilização do laboratório para aulas de ciências
você poderia usar:
(a) entrevista
(b) questionário
(c) observação
(d) nenhuma das opções
Justifique sua escolha: ________________________

2) Elabore um roteiro de entrevista tendo como base: a) deverão ser entrevistadas 20 profes-
soras da rede pública; b) o foco da entrevista será dado na compreensão das entrevistadas
sobre a avaliação, seus métodos e resultados no cotidiano da sala de aula; c) o estudo terá
como preocupação avaliar os modelos avaliativos usados no ensino atual.

3) Observando o gráfico abaixo, descreva quais são os dados que estão sendo apontados pela
mesma e os resultados obtidos:

GRÁFICO 1: Origem dos entrevistados na Expoingá - 2001

100%
70%
50%
30%
10%
0%
a b c d e f

a) Maringá;
b) Região de Cianorte;
c) Região de Campo Mourão;
d) Região de Londrina;
e) Região Metropolitana;
f ) Outros Estados.

98
Orientações para a
utilização de entrevistas,
questionários, tabelas e
Anotações gráficos em pesquisas
educacionais

99
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações

100
7 Imagens fotográficas
como fonte de
pesquisas nos campos
da história e da
educação

Henrique M. Silva / Ivana Guilherme Simili

Múltiplas são as possibilidades de emprego das imagens fotográficas nos estudos


da educação. A arquitetura, o mobiliário, as práticas escolares, os objetos e artefatos de
ensino, os uniformes, as aparências dos sujeitos nas encenações e cenários dos fazeres
da escola, tais como as festas comemorativas e cívicas, as diplomações discentes, os
desfiles são alguns entre muitos outros temas que encontram nas imagens fotográficas
o suporte para a produção de conhecimento para a história da educação.
Neste capítulo, pretendemos sugerir algumas leituras e interpretações que podem
ajudar o pesquisador no trato das fotografias como fonte de estudo da educação e da
história da educação.

O DOCUMENTO FOTOGRÁFICO: PERSPECTIVAS DE LEITURAS E


INTERPRETAÇÕES
A utilização de imagens fotográficas em pesquisas históricas e nas ciências sociais,
ainda que reconhecida, continua suscitando polêmica, em decorrência das diferentes
posições defendidas pelos críticos e teóricos da fotografia e de sua pertinência enquan-
to documento histórico, envolvendo o que se convencionou chamar de “princípio de
realidade”.
Tal problemática ainda persiste quando propomos sua utilização no campo das
pesquisas em educação, mesmo considerando seu uso ainda incipiente nessa área e
seu ganho consequente, apoiadas nas experiências adquiridas pelas áreas cujo uso se
convencionou há mais tempo. Trata-se então de uma utilização do ponto de vista me-
todológico que se faz por empréstimo, apesar dos objetivos e dos olhares particulares
dos historiadores da educação. Por esse motivo, nosso propósito é trabalhar em uma
perspectiva transdisciplinar, envolvendo tanto o potencial interesse que essa fonte

101
MÉTODOS E TÉCNICAS documental suscita, quanto sua pertinência em termos metodológicos.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Philippe Dubois, em seu livro O ato fotográfico, estabelece em termos retrospecti-
vos três pontos de vista bastante distintos sobre o problema: o primeiro envolvendo o
discurso da mimese, isto é, a fotografia como espelho do real; o segundo como sendo
o discurso do código e da desconstrução, isto é, a fotografia como transformação do
real; e o terceiro, o discurso do índice, isto é, a fotografia como traço de um real. Tais
pontos podem ser resumidamente apresentados da seguinte forma: da primeira po-
sição vê-se na foto uma reprodução mimética do real; verossimilhança, as noções de
similaridade e de realidade, de verdade e de autenticidade recobrem-se e sobrepõem-
se exatamente segundo essa perspectiva; a foto é concebida como espelho do mundo,
é um ícone no sentido de Charles Sanders Pierce.
A segunda atitude consiste em denunciar essa faculdade da imagem de se fazer
cópia exata do real. Qualquer imagem é analisada como uma interpretação-transfor-
mação do real, como uma formação arbitrária, cultural, ideológica e perceptualmente
codificada. Segundo essa concepção, a imagem não pode representar o real empírico
(cuja existência é, aliás, recolocada em questão pelo pressuposto sustentado por tal
concepção: não haveria realidade fora dos discursos que falam dela), mas apenas uma
espécie de realidade interna transcendente. A foto é aqui um conjunto de códigos, um
símbolo nos termos peircianos. Finalmente, a terceira maneira de abordar a questão
do realismo em foto marca certo retorno ao referente, mas livre da obsessão do ilu-
sionismo mimético. Essa referencialização da fotografia inscreve o meio no campo de
uma pragmática irredutível: a imagem foto torna-se inseparável de sua experiência re-
ferencial, do ato que funda. Sua realidade primordial nada diz além de uma afirmação
de existência. A foto é, em primeiro lugar, índice. Só depois ela pode tornar-se pareci-
da (ícone) e adquirir sentido (símbolo). A terceira perspectiva, muito influenciada pe-
las categorias da semiótica inicialmente concebidas por C. S. Pierce (1960), é de certa
forma também compartilhada por Jean-Marie Schaeffer, que parte do pressuposto de
que “a imagem fotográfica é essencialmente (mas não exclusivamente) um signo de
recepção, pois que é impossível compreendê-la plenamente no quadro de uma semio-
logia que define o signo ao nível da emissão” (SCHAEFER, 1996, p. 10).
Pierce estabelece um sentido tripolar para o signo a partir do reconhecimento das
características múltiplas e variadas com as quais ele se apresenta. Conforme Martine
Joly (1994), Pierce propõe distinguir três tipos principais de signos: o ícone, o índice
e o símbolo. O ícone corresponde à classe de signos cujo significante mantém uma
relação de analogia com o que representa, isto é, com seu referente. Um desenho
figurativo, uma fotografia, uma imagem de síntese que represente uma árvore ou uma
casa são ícones, na medida em que se “pareçam” com uma árvore ou uma casa. Todavia

102
a semelhança pode acontecer de outra forma que não visualmente, e a gravação ou a Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
imitação do galope de um cavalo podem ser, em teoria, considerados também como nos campos da história e
da educação
ícone, da mesma maneira que qualquer signo imitativo – perfumes sintéticos de certos
brinquedos, tecidos sintéticos que parecem tecidos naturais ao tato, gosto sintético de
certos alimentos.
O índice corresponde à classe dos signos que mantêm uma relação causal de con-
tiguidade física com o que representam. É o caso dos signos ditos “naturais”, como
a palidez para o cansaço, a fumaça para o fogo, a nuvem para a chuva, e também as
pegadas deixadas pelo caminhante na areia ou as marcas deixadas pelo pneu de um
carro na lama. Finalmente, o símbolo corresponde à classe dos signos que mantêm
uma relação de convenção com seu referente. Os símbolos clássicos, como a bandeira
para o país ou a pomba para a paz, entram nessa categoria junto com a linguagem,
aqui considerada como um sistema de signos convencionais. Há, no entanto, que se
ponderar tal classificação na medida em que não existem signos puros, mas, como
infere Martine Joly (1994), apenas características dominantes.
Tal perspectiva particularmente nos interessa, pois mostra o sentido da parcialida-
de do instantâneo congelado na fotografia, livre, como diria Dubois (1998), da obses-
são do ilusionismo mimético. Por outro lado, pelo reconhecimento do fato concreto
da existência real do referente, ela se converte em objeto privilegiado para a história,
enquanto documento. Coloca-se assim essa categoria documental em pé de igualdade
com as outras fontes documentais.
O caráter incompleto e inconcluso da fotografia utilizada como documento histó-
rico não é seu privilégio; ela compartilha tais limitações com outras fontes, em conso-
nância com Mirian Moreira Leite:

Habitualmente a documentação histórica necessária à reconstrução histórica


precisa ser variada, pois cada uma das fontes, desde os tradicionais documentos
administrativos, até os depoimentos da história oral, tem vieses específicos e
exprime, na maior parte das vezes, um aspecto limitado da questão focalizada
pelo pesquisador (LEITE, 1993, p. 84).

A fotografia, neste sentido, pode funcionar como testemunho, pois que atesta a
existência de uma realidade; porém, por si só, não lhe atribui sentido, o qual precisa
ser buscado em outras referências que deem conta do seu contexto.
Schaeffer, em um sentido mais amplo, busca analisar essa questão no campo do
representamen, naquilo em que o signo possa representar o objeto ou dele dizer algu-
ma coisa. Schaefer (1996, p. 50) afirma que “para que um signo possa nos transmitir
as informações que ele veicula, é sempre necessário que intervenha um conhecimen-
to lateral já formado que permita inserir o signo que “sobrevém” em um conjunto

103
MÉTODOS E TÉCNICAS de estímulos e conhecimentos organizados”. Esse “conhecimento lateral” é bastante
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO variável, podendo ser, conforme Schaeffer, tanto estímulos sensoriais preservados na
memória, como também representações ou conhecimentos mais abstratos com rela-
ção a esses estímulos, ou até um conhecimento mais apurado em relação ao contexto
do objeto retido na imagem.
As fotografias, quando utilizadas como recordação, são um bom exemplo de inter-
venção necessária do conhecimento lateral. A esse respeito, esclarece que,

A existência do que é conhecido como a “foto de recordação”, assim como a


utilização da imagem fotográfica para se recordar dos acontecimentos levam-
nos a salientar a importância do conhecimento lateral no funcionamento da
imagem como signo referencial identificante. A questão é saber em que condi-
ções a informação referencial virtualmente transmitida por uma imagem pode
ser “tratada” pelo receptor, isto é, pode gerar determinadas identificações
(SCHAEFFER, 1996, p. 67).

Outra ordem de problemas com relação ao uso de imagens fotográficas diz res-
peito a sua objetividade e ao papel do receptor ou observador da imagem quanto à
intencionalidade do fotógrafo. Sabemos, nesse último caso, que essa possibilidade é
totalmente subvertida pelo próprio caráter da fotografia, que permite uma espécie de
transcendência do dado icônico e às vezes leituras outras do observador que em nada
se vinculam ao ponto de vista ou à intencionalidade do fotógrafo ou daqueles a quem
a fotografia fora encomendada. Tal aspecto é constatado na seguinte observação feita
por Schaeffer:

Se é verdade que, em seu conteúdo icônico, toda imagem fotográfica constitui


um ponto de vista específico sobre um campo fenomênico, também é certo que
a recepção dessa imagem transcende o dado icônico segundo as “inclinações”
culturais e idiossincráticas que escapam a qualquer controle por parte do emis-
sor postulado: não podemos neutralizar a espacialidade específica do ponto de
vista (SCHAEFFER, 1996, p. 62).

Essa recepção da imagem como campo perceptivo não é, segundo o mesmo autor,
a recepção da mensagem em si, mas da visão eventualmente correspondente a um
olhar motivador. Em termos da objetividade da imagem fotográfica, a questão que se
expõe é ainda mais controversa, pois diz respeito antes de tudo ao conhecimento do
arché fotográfico. Tal conhecimento ou reconhecimento implica o fato de a imagem
fotográfica ser de certa forma autoautentificadora, e de ser essa característica compatí-
vel com identificações e interpretações diversas, às vezes totalmente equivocadas, em
relação ao impregnante.
Para Schaeffer, tais equívocos muitas vezes são intencionais e se prestam a formas

104
variadas de manipulação. A denúncia da falta de “objetividade “da imagem fotográfica Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
foi feita por Gisèle Freud (1974) a partir da sua experiência como jornalista: fotogra- nos campos da história e
da educação
fias suas, tiradas dos Instantâneos da Bolsa de Paris, foram veiculadas na imprensa
europeia da época em manchetes que ora as utilizavam para destacar certa euforia
do mercado, como, por exemplo, As ações alcançaram preços fabulosos, ora para
impressionar de forma alarmista a iminência de catástrofe, com destaques do tipo:
“Pânico na Bolsa de Paris, perdem-se fortunas, milhares de pessoas arruinadas”. O que
se observa nesse caso, e que levou à decepção de Gisèle Freud (1974) acerca da obje-
tividade da imagem fotográfica nada mais é que uma enorme confusão entre a imagem
e a interpretação identificante (isto é, o conhecimento lateral), o que, nos termos de
Schaeffer, produziu uma falta de diferenciação entre o ato interpretativo do fotógrafo
e o do receptor. Nesse caso, o que levou ao engano não foi obra da imagem em si, mas
do intérprete, que se enganou ou visou a enganar outro intérprete. De modo mais
distintivo, Schaeffer esclarece que,

Se o conhecimento e o objetivo podem com efeito motivar a tomada da impres-


são, mesmo assim jamais são transferidos na imagem: esta não é sua ‘ilustração’
nem sua ‘codificação comunicacional’. O interpretante, mesmo se quisesse,
não conseguiria ‘reencontrar’ o conhecimento lateral e a intencionalidade do
fotógrafo, não importa quanto se esforçasse para perscrutar a imagem. O co-
nhecimento do estado do fato impresso lhe deve ser fornecido por acréscimo
(ao lado da imagem), se já não dispuser dele desde o início. Quanto à intencio-
nalidade, a menos que seja codificada por estereótipos visuais ou comunicada
verbalmente, ocasiona tão-somente uma reconstrução hipotética a partir do
contexto de recepção (SCHAEFFER, 1996, p. 76-77).

Então esse poder autoidentificador da imagem fotográfica não deve ser atribuído à
função da imagem, mas sim a uma função do conhecimento e reconhecimento do seu
arché, que se refere ao estatuto da informação analógica e não a sua interpretação. É
desse modo que o fotógrafo capta a imagem motivadora espontaneamente, e o recep-
tor identifica a imagem com sua interpretação receptiva, sem que haja necessariamen-
te qualquer relação interpretativa entre produtor e receptor. Tal acomodação é quebra-
da quando se estabelece um feedback; aí se percebe o distanciamento interpretativo,
posto que é impossível (pelo menos em sua quase totalidade) que a imagem consiga
transmitir a constelação motivadora do fotógrafo.
O uso de fotografias de época durante a gravação de depoimentos em história
oral pode servir ao mesmo tempo como desencadeador da memória quanto desinibi-
dor das falas, ajudando a elucidar determinados fatos e acontecimentos importantes
sobre um momento histórico ou sobre a vida de uma comunidade ou grupo que se
está investigando. Entretanto é verdade também que, sem o apoio das outras fontes,

105
MÉTODOS E TÉCNICAS incluindo-se as orais, ler e compreender as fotografias se torna um trabalho inexequí-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO vel e sem o menor sentido. A imagem fotográfica, por ser estática e por não ter memó-
ria, só pode ser compreendida quando inserida no próprio universo interpretativo do
receptor, considerando que apenas nesse universo ela se transforma em testemunho
de uma situação complexa ou de um fato ocorrido.
Desse modo, a intercalação e o entrecruzamento de fontes podem ser de funda-
mental importância na construção de um quadro de referências mais amplo para se
compreender o sentido do conteúdo de determinadas imagens, a fim de que elas ad-
quiram um sentido não em si, mas em seu contexto.
Conhecer previamente a situação histórica da produção das imagens se mostra
imprescindível para a viabilização da sua utilização como fonte documental, tanto para
pesquisas em história quanto em educação, ao mesmo tempo em que possibilitam ao
leitor das imagens estabelecer um arranjo das fotos a partir de temas que elas mesmo
sugerem, ou talvez as agrupando a partir de critérios técnicos tais como idade, grau de
preservação, formas de exposição (tomadas internas ou externas), luminosidade etc.
A utilização das fotografias a partir da constituição de alguns eixos temáticos sus-
citados pelo conteúdo das próprias imagens nos proporciona informações valiosas e
mesmo esclarecedoras sobre o modo de vida e a evolução social e material de uma
dada comunidade. De certo modo, elas preservam um sentido intencional ao registrar
as mudanças ocorridas ao longo da história.
A quantidade e variedade do material disponível condicionam as possibilidades da
pesquisa, cuja análise e interpretação de seu conteúdo podem ser enriquecidas com
informações de outras fontes documentais. No caso das entrevistas, o uso das fotogra-
fias no momento da gravação dos relatos pode servir como detonadoras da memória,
confrontando dados contidos nas imagens com aqueles prestados pelo informante.
Os comentários sobre o conteúdo das fotos propiciam um fluxo bastante dinâmico e
espontâneo das falas, ao mesmo tempo em que estimulam a memória dos informantes
sobre determinados temas, além de ajudar no esclarecimento de alguns pontos sugeri-
dos durante as gravações. As fotos podem, assim, nos termos de Mirian Moreira Leite,
funcionar como:

Um desencadeador de lembranças múltiplas e constituir, de um lado, uma for-


ma de resgatar um passado esquecido e, de outro, no caso do pesquisador, um
estímulo formulador de hipóteses para testar a comunicação das fotografias e
o seu esquecimento temporário ou total. Pelo menos as deformações progres-
sivas da memória, que ampliam ou alteram o material original (LEITE, 1993,
p. 135).

O enquadramento da cena e seu recorte podem ser elucidativos também dos

106
recursos técnicos empregados, os quais permitem reconhecer o contexto da sua pro- Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
dução, sugerindo algumas das escolhas dos fotógrafos ou daqueles a quem a fotografia nos campos da história e
da educação
foi encomendada. Isso nos insere diante da discussão a respeito da evolução e das
origens da fotografia e talvez de seu princípio genético, buscado na “perspectiva” da
pintura renascentista; noutros termos, em uma forma de enquadramento visual da
realidade desenvolvida no Ocidente.
No entanto, tal percepção só pode ser realmente compreendida à luz de um reco-
nhecimento mais amplo do que foi a trajetória e a história das pessoas e do ambiente
retratado, sem o qual se torna muito difícil compreender tais escolhas.
Para Arlindo Machado (1984), as formas da tomada são sempre um feixe de indi-
cadores da posição ideológica do grupo ou do fotógrafo que as registra, consciente-
mente ou não. Por essa mesma razão é que elas servem, a partir de um repertório de
situações e eventos fotografáveis, como um inventário precioso dos valores de cada
grupo (MACHADO, 1984, p. 55).
É justamente esse aspecto que Pierre Bourdieu explora de forma mais completa em
seu livro Un art moyen, no qual a fotografia possibilita esculpir e celebrar nas figuras
imagéticas os mais arcaicos valores da cultura. Por essa razão,

[...] a fotografia convencional é aí vista como uma espécie de ‘toten’ onde toma
forma o sistema ético e estético do grupo social. A fotografia popular é um culto
doméstico: nas cerimônias institucionais, como os casamentos, os aniversários,
as bodas, o batismo, a comunhão cristã, a viagem de férias ou de núpcias, etc.,
ela se inscreve no ritual e tem por função sancionar, consagrar a união familiar.
Em tais cerimônias, as pessoas se fazem fotografar porque a fotografia realiza
a imagem que o grupo faz de si mesmo: o que ela registra em seu suporte
fotossensível não são propriamente os indivíduos enquanto tais, mas os papéis
sociais que cada um desempenha: pai, mãe, avô, tio, marido, debutante, militar,
turista (apud MACHADO, 1984, p. 55).

Esse sentido de eternização dos grandes momentos na vida das pessoas é extensivo
a situações muitas vezes banais do cotidiano, mas que têm uma dimensão muito ex-
pressiva para o grupo e para as famílias que o compõem. Elas servem ou serviram para
reforçar o sentimento de integração e pertença que o grupo construiu de si mesmo e
de sua unidade, e talvez seja por essa razão que, segundo Machado, o efeito de reali-
dade da fotografia “tenda sempre a se superpor à percepção dos arranjos que a câmera
impõe” (MACHADO, 1984, p. 55).
De certa forma, as motivações originais do passado, transmitidas pela fotografia de
uma geração a outra, revelam a força e a ação do tempo expressas nas fisionomias dos
velhos, mas também reforçam sua resistência na promessa do novo.
Talvez seja nesse sentido que Christian Metz atribua à fotografia uma dimensão de

107
MÉTODOS E TÉCNICAS morte, retrato ambíguo, imóvel e silencioso, que preserva a ação inexorável do tempo
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO sobre as faces e que guarda a lembrança dos mortos como mortos em razão dessa imo-
bilidade e fixidez que lhe são inerentes. Sontag enuncia que esse caráter impiedoso
e testemunhal que registra a ação do tempo sobre nossas vidas, e esse caminho em
direção à morte é intrínseco à fotografia, acrescentando que

Todas as fotografias são “memento mori”. Fotografar é participar na mortali-


dade, vulnerabilidade e mutabilidade de uma outra pessoa ou objeto. Cada
fotografia testemunha a inexorável dissolução do tempo, precisamente por se-
lecionar e fixar um determinado momento. [...] A fotografia é o inventário da
mortalidade (apud SANTAELLA; NÖTH, 1998, p. 133).

COMO TRABALHAR COM AS IMAGENS?


As fotografias estão em muitos acervos. Elas estão nos centros de documentação
e de memória, especialmente criados para guardar a história sob a forma de imagens,
narrando paisagens, arquiteturas, o cotidiano das pessoas, a atuação de personagens
históricos, os acontecimentos importantes da vida em sociedade, da política, da eco-
nomia, da educação e da cultura. Elas mostram a cidade, a escola, a igreja, a rua e
seus transeuntes, “as pessoas importantes”, os acontecimentos e as mudanças que
marcaram a trajetória de um espaço e “seus personagens”. Elas estão nos acervos da
imprensa – nos jornais e nas revistas, para dizer o que “aconteceu”, com quem acon-
teceu, como aconteceu. Cenas, cenários, pessoas povoam as páginas dos jornais e das
revistas, mostrando espaços, fisionomias, objetos etc. Elas estão nos acervos pessoais,
nas casas das pessoas, de maneira organizada sob a forma de álbuns ou ainda nas
gavetas de armários, guarda-roupas, em porta-retratos, contando a história familiar.
Fragmentos visuais que dizem sobre diversos fatos, acontecimentos e situações fami-
liares – os casamentos, os nascimentos dos filhos, o percurso das crianças – o batismo,
a primeira-comunhão, na escola, com a roupa escolar, com os amigos. A essas fotos,
juntam-se aquelas das festas, das reuniões de família no Natal, na páscoa etc. Enfim,
as fotografias estão em muitos lugares, fazendo parte de nossas vidas, narrando-a e
indicando a diferença instalada entre ontem e hoje, entre passado e presente, fazendo
lembrar e recordar.
Nas pesquisas das ciências humanas e da educação, as possibilidades de emprego
das fotografias são muitas. Neste ponto do texto, lançamos o olhar para um aspecto
das práticas pedagógicas escolares: o uso dos uniformes, para dimensionar as poten-
cialidades das imagens fotográficas para a abordagem e conhecimento de temas e pro-
blemáticas da educação.
Tipos e estilos diferentes de uniformes marcaram a história do vestuário infan-
til na educação. Nos acervos públicos e pessoais (familiares), encontramos imagens

108
fotográficas que podem ser transformadas em fontes para o conhecimento de muitos Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
aspectos relacionados a esse tipo de vestuário. nos campos da história e
da educação
Grosso modo, por meio das fotografias e dependendo do seu conteúdo, traçar o
perfil dos uniformes usados por uma escola em um determinado período, podemos
mapear os tipos e estilos em diferentes épocas, podemos coletar imagens de alunos e
alunas de duas ou mais escolas e trabalhar com o método comparativo para estabele-
cer as diferenças e semelhanças, como, por exemplo, os uniformes das escolas de elite
e privada e as públicas. É possível também deter o olhar sobre os uniformes usados
na educação física, estabelecendo critérios de seleção para a coleta e captação das
informações contidas nos fragmentos visuais, como também podemos articular os uni-
formes de um período à moda da época, ou ainda, desvelar as relações e articulações
entre as peças e a educação dos gêneros, identificando e captando a contribuição da
indumentária na modelagem das identidades de meninos e meninas, das aparências
femininas e masculinas. Em suma: os uniformes são peças da indumentária da edu-
cação e enquanto tais, podem ser transformados em objetos de estudo da educação.
Diríamos que, qualquer que seja o objeto de estudo gerado pelo uniforme escolar,
a utilização das fotografias como fonte de pesquisa exige que algumas questões sejam
ponderadas pelo pesquisador no trabalho de seleção e análise dos materiais fotográficos.
A partir deste ponto, o texto adquire o contorno de um guia. Apresentamos alguns
encaminhamentos que podem auxiliar o pesquisador que enveredar pelo campo de
estudos que têm na fotografia o suporte para a captação das informações.
O primeiro passo diz respeito à seleção e coleta das fotografias para o estudo. Em
qualquer trabalho de pesquisa que envolva o uso de fotografias, é necessário explicar
o processo de levantamento e os tipos de acervos de onde o material foi retirado e/
ou obtido. Como e onde as fotografias foram coletadas é uma informação que deve
constar em qualquer tipo de trabalho acadêmico para apresentar, explicar e justificar o
levantamento e as seleções – as escolhas feitas sobre o material levantado.
O segundo passo é o entendimento do tipo de documento que é a fotografia. No
item anterior deste capítulo, alguns princípios que devem balizar a análise das imagens
foram pontuados. Àquelas reflexões podemos justapor as concepções de Peter Burke
(2001; 2004) e Boris Kossoy (1993; 2001) sobre o documento fotográfico. Para os au-
tores, os documentos fotográficos devem ser processados da mesma maneira que os
escritos e não devem ser tomados como espelhos fiéis dos fatos. Ou ainda, nas palavras
de Marcos Napolitano (2005, p. 235), “o conceito moderno de documento rejeita a
máxima metódica; o documento fala por si”.
Conceber os documentos visuais como portadores de ambiguidades, de significa-
dos não explícitos, de omissões pensadas, calculadas que precisaram ser decifrados é

109
MÉTODOS E TÉCNICAS um encaminhamento necessário ao pesquisador na análise das imagens fotográficas.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Essa maneira de conceber os documentos visuais traz consigo um problema para
o pesquisador, o qual diz respeito sobre como enfrentar e contornar interpostos na
análise entre o implícito e explícito dos documentos fotográficos. Equacionar essa
problemática é outro passo necessário à pesquisa.
Nas reflexões de Kossoy (2001, p. 117) encontramos uma maneira de solucionar
a equação entre o que se vê e o que se esconde em uma fotografia: “conjugar as infor-
mações fotográficas ao conhecimento do contexto econômico, político e social, dos
costumes, do ideário estético refletido nas manifestações artísticas, literárias, culturais
da época retratada [...]”.
O que o autor diz claramente é que uma fotografia, como fragmento do real, con-
gelado pelo fotógrafo no ato do registro da imagem, carrega “sentidos e significados”
que podem ser desvelados e conhecidos, quando associamos o conteúdo da imagem
ao “contexto”.
O que é um contexto? Como achar e o que considerar como contexto? No dicioná-
rio, encontramos duas definições para “contexto”, as quais podem ajudar no entendi-
mento do encaminhamento sugerido por Kossoy: (2001) “conjunto; todo, totalidade;
argumento, assunto”. Isto posto, podemos concluir que toda fotografia traz os sinais,
os indícios que a ligam a um contexto (uma época, um assunto, um acontecimento,
uma moda, uma prática, uma situação etc.) o qual precisa ser conhecido pelo pesqui-
sador para entender o que está posto na imagem fotográfica.
Neste ponto, vale lembrar que toda pesquisa que usa a imagem fotográfica como
fonte de pesquisa tem um objetivo claro e definido e que toda investigação de con-
teúdo de uma imagem requer o conhecimento do contexto, que é dado pela leitura
bibliográfica para esmiuçar e argumentar. Portanto, o apoio bibliográfico a ser buscado
pelo pesquisador está diretamente relacionado ao objetivo da pesquisa (ou à proble-
mática da investigação). A bibliografia vai ajudar no conhecimento do que está posto
nas imagens de forma “declarada” ou “velada”. Aqui está outro passo da investigação:
associar, justapor e relacionar o conteúdo das imagens ao levantamento de informa-
ções em outras bases documentais. As bases bibliográficas podem ser constituídas por
vários tipos de documentos: livros, artigos de periódicos científicos, jornais, revistas,
história oral etc. Não podemos perder de mira que o que se intenta no trabalho é en-
tender o material oferecido pelas imagens. Para afiar a lente dos olhos é preciso muito
mais que ver. É necessário enxergar.
Voltando ao exemplo dos uniformes escolares, uma pista do contexto pode estar
na legenda das imagens quando provenientes de acervos públicos ou da imprensa;
no caso daquelas imagens oriundas dos acervos pessoais e familiares, as informações

110
obtidas durante a seleção e a coleta das imagens ou completadas/complementadas Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
pela história oral podem fornecer o mapa de seu contexto (época, pessoas, local etc.). nos campos da história e
da educação
Vejam bem: falamos em pistas, sinais, indícios do contexto ou seja, o que precisa ser
conhecido para esclarecer o que está nas imagens.
O esclarecimento do contexto de um estudo sobre a educação completa-se com
a literatura histórica, pela historiografia, ou com a “bibliografia” disponível sobre o
assunto da pesquisa.
Neste sentido, em nosso exemplo, a análise de fotografias que narram os uniformes
escolares quase que independentemente do foco de análise, dois encaminhamentos
são necessários. O primeiro é articular o uso desses uniformes ao contexto da educa-
ção, e o segundo compreender o significado desse vestuário nas práticas da educação.
Exemplo elucidador pode ser utilizado pelo estudo realizado por Simili (2008),
no qual se procurou examinar as transformações observadas na educação e na moda
durante os anos de 1942-1945, que correspondem aos anos de participação do Brasil
na Segunda Guerra Mundial, mediante análise dos estilos e perfis das voluntárias da
Legião Brasileira de Assistência. As voluntárias eram mulheres pertencentes a diver-
sos segmentos femininos que se dispuseram a trabalhar na instituição, como meio
de ajudar o país a contornar alguns problemas sociais. Com esse propósito, a autora
examinou documentos diversos – da imprensa e fotografias – para mostrar como os
cursos, os serviços e as atividades criados pela instituição envolveram, prepararam e
transformaram as mulheres em voluntárias. Nesse empreendimento, é revelado, atra-
vés das imagens fotográficas, o papel desempenhado pelos uniformes na criação dos
estilos e perfis femininos que emergem no cenário nacional da época, na capital da
república, a cidade do Rio de Janeiro.
O texto deixa nítido que o entendimento do oferecido pela documentação – es-
crita e imagética –, exigiu o conhecimento dos projetos pedagógicos dos anos 1940,
os conceitos de educação que orientavam a formação das mulheres nas escolas, os
fins almejados com a educação das mulheres. Os conceitos e princípios da educação
que orientavam os projetos e as práticas pedagógicas foram retirados da história e da
historiografia da educação que retratam e analisam aqueles anos.
Quanto aos uniformes usados pelas voluntárias, a autora mostrou que foi neces-
sário buscar subsídios teóricos-metológicos nos estudos da moda que a ajudassem a
entender o significado embutido nesse tipo de vestuário e os sentidos que carregavam
nas práticas pedagógicas da educação. Os estudos acerca dos uniformes, como peça
de vestuário da moda e de controle social, deram sustentação à análise das imagens e
na construção da argumentação.
Por conseguinte, estudar os uniformes ou enfocar questões ligadas a esse tipo

111
MÉTODOS E TÉCNICAS de vestuário na educação significa inseri-lo e concebê-lo como um instrumento das
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO práticas pedagógicas, com seus mecanismos de controle e de ensinamentos. Noutras
palavras: os uniformes também educam os sujeitos que o usam, inculcando valores,
comportamentos, atitudes e desenvolvendo habilidades, competências.
Retomando o que propõe Kathia Castilho (2002, p. 70), uma estudiosa da moda,
cujos comentários podem ser trazidos para a educação e orientar pesquisas sobre esse
tipo de indumentária, são os investimentos de valores (trajes e acessórios) que a pes-
soa passa a vestir que a configuram em um sujeito transformado, dando-lhe outra
aparência capaz de, com seus novos efeitos de sentido, qualificá-lo, particularizá-lo,
distingui-lo dentre os demais pelas escolhas expostas, vestidas em seu próprio corpo.
Vestidos com os uniformes de uma escola, os alunos passam a ostentar no corpo um
dos símbolos da educação e as transformações que a acompanham, passam também
a revelar na aparência o pertencimento a um espaço da educação (uma escola) e as
propostas pedagógicas que orientam suas formações.
A relação entre individual e coletivo, entre indumentária e educação, entre vestuá-
rio e práticas pedagógicas possíveis de serem estabelecidas nas análises das fotografias
de uniformes escolares encontram nestas reflexões a sustentação teórica-metodológica.
Alison Lurie (1997, p. 33) considera o uniforme a forma extrema de roupa conven-
cional, constituindo-se no traje totalmente determinado pelo outro, no qual o sujeito
que o usa abdica do direito de agir individualmente e coloca-se, de maneira parcial ou
total, sob censura. Para Jeniffer Craik (2003, p. 6), o uso dos uniformes diria respeito
ao controle do eu social, mas também do eu interno e de sua formação, ou seja, o eu
interno passa a ser controlado, censurado pelo social, pelas regras impostas ao eu
interno e individual, transformando-o em coletivo. Para esta autora, existiriam vários
sentidos no seu uso, tais como o de “compreender e obedecer às regras relativas ao
exercício do uniforme, transformando as peças de roupa em manifestações comuni-
cativas”. Sem dúvida, usar um uniforme é comunicar sobre o corpo e pelo vestuário
a internalização dos comportamentos, das atitudes e dos valores que devem orientar
seu uso, porque os “uniformes são indicadores extremamente eficazes da codificação
de regras apropriadas de conduta e sua internalização”.
Portanto, vestidos com os uniformes os alunos dizem muito sobre a educação.
Explorar os uniformes por meio das fotografias é um território a ser explorado pelos
pesquisadores da educação. Mais que isso: os uniformes nas variedades de imagens,
cores, texturas e símbolos têm muito a dizer e a ensinar sobre a educação brasileira e
como tal um exemplo concreto da pertinência do uso da fotografia como documento
para pesquisas.

112
Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
nos campos da história e
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Cadernos Pagu, Campinas, SP, n. 31, p. 439-470, jul./dez. 2008.

Proposta de Atividade

1) Procurem na Internet um estudo da área da educação que tenha usado as imagens fotográ-
ficas no trabalho de pesquisa. Identifiquem o problema de pesquisa e a metodologia do
trabalho com as fontes imagéticas, respondendo: qual foi o objetivo da pesquisa? Como as
imagens foram coletadas e selecionadas? Como foram analisadas? Quais foram os resulta-
dos da investigação?
2) Façam um levantamento na Internet dos acervos públicos que guardam imagens fotográ-
ficas. Selecionem um acervo e façam uma visita online. Escrevam um texto identificando
a proposta norteadora do acervo (o objetivo de sua existência, os tipos de materiais nele
depositados). Se o acesso às fotografias for possível, escolham uma imagem e completem
a redação do texto, indicando uma possibilidade de abordagem para o fragmento visual
sob o da educação.

114
3) Selecionem uma imagem fotográfica do acervo pessoal (privado e familiar). Essa seleção Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
deve ser orientada no sentido de responder à pergunta: como ela poderia ser usada em nos campos da história e
uma pesquisa que tenha como foco um tema, uma problemática da educação? da educação

Anotações

115
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações

116
8 Pesquisa em
educação: memória e
história oral
Ivana Guilherme Simili / Henrique Manoel da Silva / Patrícia Lessa dos Santos

MEMÓRIAS E HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO: A CONSTRUÇÃO DE UM


OBJETO
O conceito de memória e as metodologias que acompanham a produção das fontes
e dos objetos de investigação têm contribuído para a produção de conhecimentos
para a história e historiografia da educação, sob diferentes perspectivas temáticas e
teórico-metodológicas. Conhecer a trajetória de uma escola por meio das lembranças
dos alunos e professores, produzir conhecimentos sobre o percurso dos docentes e
as experiências profissionais, identificar as diferenças observadas na história da edu-
cação por meio dos personagens são algumas das abordagens proporcionadas pelas
teorias e metodologias que envolvem a memória e a captação das informações. Essas
abordagens se configuram em uma alternativa à visão hegemônica produzida institu-
cionalmente mediante registros das falas dominantes. Considerando que a vida real,
cotidiana é permeada por muitas contradições, as memórias e as lembranças revisita-
das e ativadas pelo registro da história oral também se convertem em um meio de lidar
com esse mundo crivado de contradições.
Qualquer que seja a ótica escolhida na investigação que tem suporte nas informa-
ções da memória, algumas questões devem ser enfrentadas nas diferentes etapas da
pesquisa. Elas dizem respeito aos conceitos de memória e lembrança que norteiam a
produção das fontes, ao tipo de informação coletada com os instrumentos da histó-
ria oral e seus desdobramentos – história de vida, depoimentos; aos mecanismos de
controle que devem nortear a leitura e a interpretação dos materiais obtidos. Devemos
ressaltar que a pertinência do uso dessa fonte em contraste com fontes convencionais
(documentos oficiais, escritos jornalísticos, registros cartoriais, entre outros) é que
ela não apenas suscita novos objetos e nova documentação para pesquisas no campo
educacional, como também estabelece uma relação original entre o pesquisador e
os sujeitos da história pesquisada. Neste sentido, cabe também lembrar que o teste-
munho da fala não se deixa manipular tão facilmente quanto uma série estatística e
que a ambientação do encontro propiciado pela entrevista gera inevitavelmente uma

117
MÉTODOS E TÉCNICAS interação, na qual o controle do pesquisador sobre o assunto abordado é apenas par-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO cial (ETIENE, 1998).
Com estas considerações iniciais, neste capítulo trazemos as dimensões da pesqui-
sa em História da Educação com o objetivo de apresentar alguns marcos teórico-me-
todológicos para a abordagem de temáticas relacionadas às experiências da educação
sob o foco da memória e da história oral.

MEMÓRIA, LEMBRANÇAS E ESQUECIMENTOS: ENTRE O INDIVIDUAL E


O COLETIVO
A memória ou os fenômenos da memória sempre foi intrigante e instigante para o
senso comum e para a ciência. Pelos gregos antigos a memória era considerada uma
identidade sobrenatural ou divina: era a deusa Mnemosyne, mãe das Musas, que pro-
tegia as Artes e a História e dava aos poetas e adivinhos o poder de voltar ao passado e
de lembrá-lo para a coletividade:

Heródoto de Halicarnassus apresenta aqui os resultados de sua investigação,


para que a memória dos acontecimentos não se apague entre os homens com o
passar do tempo, e para que feitos admiráveis dos helenos e dos bárbaros não
caiam no esquecimento; ele dá, inclusive, as razões pelas quais eles guerrearam
(GAGNEBIN, 1992, p. 11).

Salvar o passado do esquecimento, essa era a tarefa a que os gregos antigos se


propunham ao imortalizarem seus feitos, as ações humanas em palavras, evitando que
fossem apagados com o tempo e intencionando que servissem de exemplo às gerações
humanas futuras.
“A memória é, pois, inseparável do sentimento do tempo e da percepção/ experi-
ência do tempo como algo que escoa” (CHAUI, 1995, p. 126). Em seu nascedouro,
memória e história estão juntas: a memória é história e vice-versa. O legado grego à
história é essa preocupação com o tempo.
No século XIX, acompanhando as mudanças na história da ciência, a memória é
transformada em objeto de investigação. Em fins daquele século, Henri Bergson (1859-
1941) propõe-se a descobrir a maneira pela qual a memória se constitui nos indivíduos
e afirma a existência de dois tipos de memórias: uma formada pelo hábito (que é um
automatismo psíquico que ocorre pela repetição) e outra “pura”, que guardaria o que
não se repete, ambas mantidas por nós por seu significado afetivo.
Bergson (1990) assinala que na memória pura estariam as imagens-lembranças que
seriam as verdadeiras ressurreições do passado, as quais, conservadas pelo espírito,
permaneceriam tal qual foram guardadas. Armazenadas no cérebro, essas imagens-
lembranças apareceriam em dados momentos como imagens passadas. O conceito de

118
memória de Bergson marcaria presença na história do conhecimento sobre os fenôme- Pesquisa em educação:
memória e história oral
nos memorialísticos ao mostrar que o passado sobrevive na memória, manifestando-se
sob a forma de lembranças, como “imagens-lembranças”.
A teoria da memória de Bergson serviu de inspiração principalmente a literatos,
como Marcel Proust (1988), para sua obra “Em Busca do Tempo Perdido”. Walter Ben-
jamin (1985, p. 37), examinando a obra proustiana, pontua: “sabemos que Proust não
descreveu em sua obra uma vida como ela de fato foi, mas sim uma vida lembrada
por quem a viveu”. Viver, guardar e lembrar, eis o eixo das abordagens da memória
proporcionadas pelas reflexões de Bergson e sobre a qual gravitarão as abordagens e
discussões posteriores. Ou, ainda, conforme destaca Benjamim: lembrar da vida que
se viveu não é recuperá-la como foi.
Um contraponto às formulações teóricas de Bergson pode ser tomado de Maurice
Halbwachs (1990) em “A Memória Coletiva”. Em uma filiação sociológica que remete a
Durkheim, Halbwachs atrelará a constituição e permanência da memória aos “quadros
sociais da memória”. Para o autor, embora a memória se manifeste no indivíduo, ela é
“antes de tudo uma combinação particular do universo histórico, social e cultural com
o qual o indivíduo está em relação”. Acrescenta ele: “Mas, nossas lembranças perma-
necem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acon-
tecimentos nos quais só nos estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É
porque, em realidade, nunca estamos sós” (HALBWACHS, 1990, p. 26).
A teoria de Halbwachs é clara: não existem lembranças individuais. Lembrar é sem-
pre um ato coletivo, é lembrar-se de lugares e pessoas que fizeram parte de algum
modo e em algum momento de suas vidas e que são lembradas como pertencendo a
uma experiência. Ou ainda como enuncia a música: “nunca estamos sós”.
O caráter coletivo das lembranças foi transformado em princípio metodológico das
investigações sobre a memória, realizadas sob diferentes óticas na área das ciências
humanas, na qual se inclui a educação. Esse princípio possibilita conhecer, através da
experiência individual, o coletivo – como os lugares e pessoas de uma época e sua cul-
tura, como os espaços educacionais em suas relações com os sujeitos, as experiências
detidas por eles no magistério, no ensino, na educação.
Além de defender a relação entre memória e sociedade, outro ponto importante
na teoria de Halbwachs e que será explorado nas reflexões posteriores é aquele que
contesta a sobrevivência do passado em sua totalidade (como pensava Bergson). Para
Halbwachs, a memória não é sonho ou contemplação do passado, mas é trabalho. Sua
formulação teórica foi sintetizada por Ecléa Bosi nos seguintes termos: lembrar não é
reviver, mas é refazer, reconstruir, repensar com imagens e ideias de hoje as experiên-
cias do passado. A esse respeito, a autora expõe:

119
MÉTODOS E TÉCNICAS A lembrança é construída pelos materiais que estão à nossa disposição no con-
DE PESQUISA EM junto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida
EDUCAÇÃO
que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que
experimentamos na infância, por que nós não somos os mesmos de então e
porque nossa percepção alterou-se e com ela, nossas idéias, nossos juízos de
realidade e valor. O simples fato de lembrar o passado no presente, exclui a
identidade entre imagens de um e de outro e propõe a diferença em termos de
ponto de vista (BOSI, 1987, p. 17).

Disso resulta que as lembranças remetem a uma relação entre passado e presente,
entre o que foi vivido, existiu, aconteceu e o que é recordado no presente. Como lem-
branças que se manifestam no presente, as recordações do passado são reelaboradas
com as explicações, os entendimentos, as justificativas da circunstância, do contexto e,
principalmente, do momento e das razões por que foi evocado. E é por esse constante
refazer que uma lembrança que , apreendida, ouvida e guardada não permanece na me-
mória da mesma forma, produzindo as mesmas leituras e interpretações. As lembranças
que ficam na memória não se petrificam tal qual em um banco de dados de computador,
em que as informações são guardadas e quando acessadas estão tal qual foram gravadas
(como defendia Bergson). Para Bosi (1987), é sempre no e pelo presente que o passado
é refeito e, por isso, as lembranças são expressões dos trabalhos da memória.
Para esclarecer essa relação entre memória e tempo, entre lembrança e lembrar,
resgatamos o comentário de Peter Wagner elaborado na introdução de um livro que
pretende ser a memória de uma prostituta, intitulado “Fanny-Hill: memórias de uma
mulher de prazer”, escrito no século XVIII por John Cleland (1989). Pensa o autor ser
impossível a nós, expoentes de um século, entender o significado desse livro para os
homens coevos a sua publicação, isto porque nele estão embutidos outros valores,
comportamentos e atitudes sociais comungados pelos indivíduos daquele tempo. Lê-
lo hoje significa dar-lhe outra interpretação, ter dele outro entendimento, visto que vi-
vemos em uma sociedade onde perpassa, vige e impera uma coleção de valores morais
e sexuais diferentes daquela época.
Se o tempo instala essa diferença entre interpretações, o mesmo processo pode ser
observado na leitura desse mesmo livro por uma mesma pessoa. Essa diferença se esta-
belece entre as leituras, entre uma primeira e sucessivas outras, com certos interstícios
de tempo. Por isso, nunca se lê um livro de uma mesma e única maneira. Cada leitura
é um olhar e traz novas descobertas. Passagens de um texto destacadas em uma leitura
podem vir a ser substituídas por outras. Detalhes postergados ou deixados de lado
por serem incompreensíveis ou tidos como desimportantes em um momento podem
conferir novos sentidos à leitura em outro momento, renovando a interpretação e o
entendimento.

120
O livro pode servir como analogia para a vida: semelhante a um livro é a vida de Pesquisa em educação:
memória e história oral
uma pessoa, e sua leitura metáfora para os trabalhos da memória. Se o passado não
se revive, mas se refaz, se não é sonho, mas trabalho, com as lembranças dos sujeitos
durante uma investigação estaremos, sempre, evidenciando e lidando com as leituras
feitas de uma experiência de vida.
Entretanto o que fica para cada pessoa de uma experiência de vida? Essas questões
remetem ao ato de lembrar. Para lembrar é pré-requisito o arquivamento das infor-
mações na memória ou o que podemos denominar experiência. Nem tudo experi-
mentado, vivido e percebido por uma pessoa, em quaisquer das situações que tenha
vivenciado, é inexoravelmente guardado tal qual o vivido e percebido. Apenas são pas-
síveis de arquivamento algumas passagens da vida ou determinados aspectos dela, sob
a forma de experiências vivenciadas. Tampouco tudo o que é ouvido é gravado pela
memória. A memória seleciona e elege, dentro do universo das mensagens recebidas,
pelas múltiplas formas e meios, as mais importantes . Isto é o que faz a diferença entre
os indivíduos e suas experiências.
Essa reflexão remete a um aspecto importante para quem envereda em pesquisas
com foco na memória. A vivência comum de uma experiência compartilhada pelos su-
jeitos (uma história de vida, uma situação em particular, um acontecimento agradável
ou traumático etc.) pode ser geradora de lembranças com conteúdos que em nada ou
pouco se aproximam do que realmente foi no passado. Essa separação das memórias,
lembranças operadas pelas pessoas foi descrita por Bosi (1987, p. 27), para quem “fica
o que significa. E fica não do mesmo modo: às vezes quase intacto, às vezes completa-
mente alterado”. Desse modo, trabalhar com memórias e lembranças significa apren-
der a lidar com o que ficou para os sujeitos, com os crivos conscientes e inconscientes
dos indivíduos, das seleções feitas nas experiências vivenciadas, das seleções feitas
como operações da memória, para guardar e lembrar.
Entretanto, como vimos com Halbwachs (1990), a memória adquire conteúdo cole-
tivo. Desse modo, a memória é formada e sustentada por laços sociais e por mais que
uma experiência seja individual e por mais que os sujeitos tentem escamotear as recor-
dações detidas, eles não conseguirão subtrair de suas narrativas a presença dos vários
“outros” concretos e abstratos que habitam suas memórias. As pessoas que constituem
os grupos sociais e com os quais estiveram envolvidas são personagens que também
incorporaram a sua consciência as imagens e representações dos “outros” (pessoas, es-
paços, cores, odores, sabores), como produtos de uma experiência coletiva. Podemos
falar, aqui, em memória compartilhada, as histórias contadas em uma dada comunida-
de, como, por exemplo, pequenos agricultores no interior do Rio Grande do Sul que
testemunham formas de incorporação que pareciam ser individuais, mas que foram

121
MÉTODOS E TÉCNICAS ouvidas de outras pessoas e se tornaram testemunhos de experiências. O pesquisador
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO tem que ter consciência de que os testemunhos individuais são passíveis de serem
transformados pelo conjunto das memórias de outras pessoas; isto é, mesclam-se as
memórias do indivíduo com o de sua coletividade. Nesses casos, é necessário entender
a formação das narrativas dentro da hierarquização de outras narrativas. Conforme
assinala Cruikshank (1998), levar a sério os relatos orais não significa considerar que
eles falam por si mesmos de uma forma simples ou que seus significados são autoevi-
dentes; é preciso reconhecer que o seu significado não é fixo: ele precisa ser estudado
na prática e em seu contexto.
Por esse caráter sempre coletivo das lembranças, qualquer lembrança individual
também traz em seu bojo as marcas temporais e espaciais, por onde é possível entre-
ver e localizar na memória individual a memória coletiva. A esse respeito Halbwachs
expõe:

Cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva [...]Para


que nossa memória se auxilie com as dos outros, não basta que eles nos tragam
seus depoimentos: é necessário ainda que ela não tenha deixado de concordar
com suas memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as ou-
tras (HALBWACHS, 1990, p. 51).

Nesse percurso, se a memória individual é um ponto de vista sobre a memória co-


letiva, e se a constituição desta última é marcada pelos pontos de contato existentes
entre as lembranças, isto significa que é mediante o confronto entre lembranças que
as concordâncias e discordâncias podem ser percebidas pelo pesquisador. Neste sen-
tido, Bosi (1987, p. 335) escreveu: os indivíduos auxiliam-se mutuamente na fixação
do conteúdo e forma das recordações. “Se a memória grupal pode sofrer os precon-
ceitos e tendências do grupo, sempre é possível um confronto e uma correção dos
relatos individuais e a história se salva de espelhar apenas os interesses e distorções
de cada um”.
A memória individual, como causa e efeito de múltiplas influências, se vê penetra-
da pela incorporação de experiências, manipulações, deturpações que são próprias
de seu refazer. Pierre Nora (1993, p. 3) pontua: se a memória é vida, “ela está em evo-
lução permanente, aberta à dialética da lembrança e da anamnésia, inconsciente de
suas deformações sucessivas, vulnerável a todas as utilizações e manipulações, susce-
tível a longas latências e repentinas revitalizações”. Assim, gravar, guardar e esquecer,
lembrar e esquecer são partes de uma mesma moeda que é a memória, resultado da
constante seleção daquilo que se quer registrar e lembrar, daquilo que foi esquecido
e que não será mais recordado, ou ainda daquilo que está apagado, em estado de
latência, podendo ou não vir a ser “acordado”, manipulado, utilizado. Com certeza, a

122
memória é um caleidoscópio de recordações e emoções. Pesquisa em educação:
memória e história oral
Essa polissemia da memória leva a pensarmos em um dos termos das operações
rememorativas: o esquecimento:

Esquecer-se / esconder-se: Essa fórmula centrada na ambigüidade da voz média


do verbo léthomai não resume o essencial daquilo que Freud fala das lembran-
ças esquecidas/escondidas/encobertas por conta da repressão? As histéricas, os
neuróticos e as pessoas, de um modo geral, se escondem no esquecimento.
Ou: esquecem-se, escondem algo de si próprias no esquecimento (MENESES,
1991, p. 9).

A relação ambígua entre lembrança e o esquecimento foi assim pensada por Benja-
min (1987, p. 37): “ O importante para o autor que rememora não é o que ele viveu,
mas o tecido de sua rememoração, o trabalho de Penélope da reminiscência. Ou seria
preferível falar do trabalho de Penélope do esquecimento?”.
Essas reflexões caminham no sentido de afirmar que, nos processos rememorati-
vos, lembrar e esquecer são formas de expressão da memória, os quais podem ser in-
terpretados como “zonas de sombra, silêncios, não ditos” (POLLAK, 1989, p. 8). Entre
lembranças e esquecimentos instalam-se os espaços dos silêncios, dos não ditos, dos
brancos e vazios da memória.
O campo de abordagem dos relatos orais sobre o passado engloba inevitavelmente
as experiências subjetivas, muitas vezes do universo do intangível. Por isso, durante
algum tempo essa abordagem de pesquisa foi considerada limitada. Todavia, hoje a his-
tória oral se converteu em uma qualidade interessante ao estudo da memória porque
é capaz de recompor fatos pinçados aqui e ali nas histórias de vida dando mostras de
como as percepções do passado são construídas, processadas e integradas na vida das
pessoas. De certo modo, essa abordagem acena para duas perspectivas: a primeira, de
se focar naquilo que os depoimentos revelam sobre a história social: as contradições
inerentes às relações de poder e a complexidade da vida cotidiana; e em segundo, na
formação e constituição das narrativas, por meio das quais essas narrativas influenciam
e fixam a memória.
Na luta instalada entre o trabalho de tecer as lembranças, ou da Penélope da remi-
niscência e do esquecimento, há o trabalho de elaboração do pesquisador que produz
novas fontes para o conhecimento da história . Neste ponto, vale recordar Benjamin
(1985, p. 156): para o qual articular historicamente algo passado não significa reco-
nhecê-lo ‘como efetivamente foi’. Significa captar uma lembrança como ela fulgura
num instante de perigo”.

123
MÉTODOS E TÉCNICAS DOCUMENTOS DA MEMÓRIA: A HISTÓRIA ORAL
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Se a memória é trabalho, se a memória não guarda o passado tal como existiu, se a
memória é resultado de uma operação na qual se incluem as leituras, as deformações,
os esquecimentos, os silêncios e os brancos, conformando lembranças e esquecimen-
tos acerca dos fatos vivenciados, podemos afirmar que nas memórias encontramos o
passado sob a forma de vestígios, os quais podem ser captados e transformados em
fonte para o conhecimento histórico.
Todavia, o que é um vestígio? Na acepção de Rousso:

O vestígio é a marca de alguma coisa que foi, que passou e deixou apenas o
sinal de sua passagem; de outro, esse vestígio que chega até nós é, de maneira
implícita, um indício de tudo aquilo que não deixou lembrança e simplesmente
desapareceu [...] sem deixar vestígio (ROUSSO, 1996, p. 5).

A captação dos vestígios do passado tem na história oral o instrumento para a pro-
dução das fontes. Thompson (2002, p. 9-10) alega: “entendo por ‘história oral’ a inter-
pretação da história e das mutáveis sociedades e culturas através da escuta das pessoas
e do registro de suas lembranças e experiências. Não creio que se possa avançar muito
tentando definir história oral de modo estreito”. Isso porque o autor a entende como
um método ‘essencialmente interdisciplinar’, uma disciplina que se transformou em
método de pesquisa, e que a pesquisa de vida deve abranger as vidas individuais e a
análise mais ampla da sociedade.
Para Thompson (2002), o interesse nas fontes orais estaria nos processos de re-
memoração dos conteúdos históricos, nas relações memória-identidade e na relação
entrevistador-entrevistado. Na autoridade compartilhada (entre entrevistador e entre-
vistado), esses métodos coletivos ou comunitários envolvem os narradores tanto no
estágio da entrevista quanto no da elaboração da história . O registro oral da memória
dos atores sociais permite a preservação de sua experiência histórica, e ressalta essa
experiência por seus próprios atores. Todos aqueles atores sociais que ficam fora da
história tradicional têm na história oral um lócus privilegiado para se fazerem ouvir,
um espaço para a construção de novas perspectivas.
Em suma: a história oral é uma fonte para o conhecimento da história, por meio
das testemunhas do passado, as quais fornecem mediante suas lembranças os vestígios
do passado com os quais podemos escrever a história sob diferentes focos, inclusive
e especialmente de temas e questões presentes e passadas da educação. Embora as
definições encontradas para história oral sejam muitas, as explicações e os sentidos
atribuídos por Maria Isaura Pereira de Queiroz (1988) podem auxiliar na compreensão
e precisão de alguns conceitos. Para a autora, a história oral recobriria uma quantidade

124
de relatos a respeito de fatos não registrados por outros tipos de documentação, ou Pesquisa em educação:
memória e história oral
cuja documentação se quer completar. Desse modo, história oral pode ser definida
como sinônimo de narrativa oral, por meio da qual é dado a conhecer o que se pensa,
o que se sabe, e o que se conhece um determinado sujeito de pesquisa.
É importante destacar alguns conceitos-chave que devem nortear a escolha da me-
todologia para a captação das informações. Dependendo do objeto e do objetivo da
pesquisa realizada com suporte na história oral, os documentos produzidos serão as
histórias de vida ou depoimentos.
Nesse aspecto, Queiroz (1988) escreveu para História de vida “[...] relato de um
narrador sobre sua existência através do tempo, reconstituindo o acontecimento que
vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu. Narrativa linear e individual dos
acontecimentos que considera significativos”. A premissa da autora nessa reflexão é:
“Toda história de vida encerra um conjunto de depoimentos”. Nela, estabelece-se uma
diferença entre história de vida e depoimento, a qual está relacionada ao tipo de pes-
quisa que se intenta realizar. Trocando em miúdos: a razão pela qual optamos por
outra técnica para a obtenção das informações será definidora do tipo de história oral
praticada, se história de vida (a experiência como depoimento) ou os depoimentos das
experiências, os quais versam sobre aspectos que necessitam ser conhecidos/esclare-
cidos por meio dos sujeitos selecionados para a investigação. Elas podem ser também
um contraponto a determinadas informações contidas nos documentos escritos, ou
deixar elucidar certas questões que merecem maiores esclarecimentos. Tais informa-
ções orais permitem entender como determinado acontecimento é percebido pelas
pessoas comuns, cuja voz é silenciada pelas grandes narrativas.
Uma coisa é certa: a entrevista é a técnica (para alguns, método) a ser empregada
na história oral. Nas palavras de Queiroz (1988), “A entrevista está presente em todas
as formas de coleta de relatos orais, pois estes implicam sempre num colóquio entre
pesquisador e narrador”.
Neste mesmo sentido caminha a reflexão de Verena Alberti (2005, p.155-157), para
quem a história oral é definida como uma metodologia de pesquisa e de constituição
de fontes que têm na entrevista o principal recurso para a captação das informações.
A autora acrescenta que o trabalho de produção de fontes orais pode ser dividido em
três momentos: a preparação das entrevistas, sua realização e seu tratamento, os quais
devem ser claramente expostos no projeto de pesquisa e o pesquisador deve ter claro
o que pretende saber/descobrir por meio do emprego da coleta das informações orais.
Os “momentos da pesquisa”, definidos por Alberti, podem se constituir em guia
para a realização das entrevistas, visto que o pesquisador não pode se esquecer de que
o estabelecimento do diálogo entre aquele que busca as informações e os informantes

125
MÉTODOS E TÉCNICAS deve estar sustentado na clareza dos objetivos visados, os quais definem o tipo de es-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO tratégia a ser usada junto aos protagonistas da história – captação das histórias de vida
ou depoimentos. Assim, antecede a realização de entrevista a definição clara e objetiva
dos propósitos almejados pelo pesquisador com a história oral. O que procuramos
saber deve orientar a produção do roteiro da entrevista e a determinação prévia do
número de entrevistados. Dois exemplos podem auxiliar na compreensão da equação
que deve ser solucionada pelo pesquisador antes de iniciar as entrevistas. Podemos es-
tabelecer como objeto de estudo o conhecimento das trajetórias femininas de mulhe-
res com mais de cinquenta anos nos cursos de letramento e alfabetização tardia, com
vistas a entender os dilemas enfrentados por elas para estudar à época correspondente
àquela etapa da escolarização. Nesse caso, podemos trabalhar com as histórias de vida
de três mulheres que frequentam um determinado curso. A faixa etária pode ser deter-
minante na definição do número bem como a disposição em participar também pode
ser delimitadora dos sujeitos envolvidos na investigação. Ou ainda, podemos estabe-
lecer algum critério de seleção que as transformem em sujeitos “ideais” para aquilo
que estamos procurando, como, por exemplo, a ligação com mundo rural e a falta de
condições para a escolarização.
Outro exemplo pode ser um estudo desenvolvido com o grupo de mulheres que
frequenta determinado curso, com o intuito de entendermos as motivações que as
levaram a frequentá-lo, talvez com o objetivo de compreender as mudanças propor-
cionadas pela idade e as experiências acumuladas as suas histórias de vida, levando-as
a repensarem suas trajetórias e a importância de estudar. Nesse exemplo, ao contrário
do anterior, em que o roteiro a ser preparado pelo pesquisador estará orientado em
conhecer os percursos individuais para deles extrair as informações necessárias ao
trabalho de investigação, as entrevistas serão feitas com base em questões que permi-
tam obter respostas para o que procuramos saber. O número de entrevistados pode
ser estabelecido em função de um grupo formado por uma sala de aula ou por outro
critério estabelecido a priori pelo investigador.
Se para alguns estudiosos o número de entrevistados é condição inicial para a rea-
lização das entrevistas, para outros em uma metodologia de base qualitativa o número
de sujeitos não pode ser determinado a priori. Essa é a posição defendida por Rosária
Duarte (2002), segundo a qual o que deve determinar o número de informantes é a
qualidade das informações obtidas em cada depoimento, assim como da profundi-
dade e do grau de recorrência e divergência dessas informações. A autora também
postula que os “dados” originais ou pistas que possam indicar novas perspectivas à
investigação em curso devem ser aproveitados, dando-se continuidade ao trabalho de
entrevistas.

126
O posicionamento da autora deve ser interpretado como uma ponderação a ser Pesquisa em educação:
memória e história oral
feita pelo pesquisador no decorrer de seu trabalho, mas é sempre bom e salutar apre-
sentar e justificar no projeto de pesquisa, as estratégias e os instrumentos de pesquisa
que serão empregados na investigação. Nas justificativas do objeto de pesquisa é im-
portante mencionar o número de sujeitos que o trabalho pretende envolver e a razão
das escolhas feitas em “potencial”. Nunca é demais dizer, porque as demasias também
podem fazer bem: “No projeto de pesquisa, convém listar os nomes dos possíveis
entrevistados com uma breve biografia que justifique sua escolha de acordo com os
objetivos do estudo” (ALBERTI, 2005, p. 172).
Alguns princípios devem orientar a realização das entrevistas.. “Fazer uma entrevis-
ta é avaliá-la e analisá-la constantemente – enquanto é gravada e, mais tarde, quando
é objeto de análise” (ALBERTI, 2005, p. 178). Partindo dessa premissa, a guisa de
sugestões, podemos citar: a criação de um caderno de campo, para anotações sobre
os passos do trabalho, com as impressões, com os comentários acerca dos contatos e
das dificuldades enfrentadas pelo pesquisador no diálogo com os informantes. Esse
material também será utilizado pelo investigador como parte do trabalho de pesquisa,
dando suporte às análises das informações coletadas.
Nas reflexões de Alberti encontramos os subsídios para a produção de um roteiro
com aspectos que devem ser contemplados no caderno de campo. Transformamos os
comentários e sugestões da autora em itens, ampliando-os com nossas experiências,
com vistas a indicar alguns pontos que podem guiar o estudante/pesquisador na escri-
ta do caderno: 1) Como chegou até o informante? Por que ele foi selecionado? Como
foi o primeiro contato? O que disse o informante quando convidado a participar da
entrevista? Como foi o processo para o agendamento da entrevista? Qual foi o espaço
escolhido para a realização da entrevista? Qual a razão da escolha? Qual foi a ambiência
(espaço onde ocorreu) e o clima que predominou durante a entrevista (tenso, calmo,
descontraído etc.)? Quanto tempo durou a entrevista? O entrevistado aceitou o uso
do gravador? Houve mudança no comportamento do entrevistado após a ligação do
gravador? As perguntas feitas foram respondidas? Quais não foram? Qual a explicação
dada pelo entrevistado para deixar de responder? Quais expressões faciais e gestuais
acompanharam os relatos? Quais emoções foram suscitadas pelas questões? Em que
medida e até que ponto as informações obtidas foram intrigantes por que não haviam
sido cogitadas pelo investigador?
Concordamos com Alberti (2005, p. 179) quando enuncia que “conduzir uma en-
trevista não é tarefa fácil”. É da autora também a sugestão para que o pesquisador pro-
cure ser “simples e direto” na formulação das perguntas e que toda entrevista deve ser
acompanhada pela gravação de uma “espécie de cabeçalho”, registrando-se oralmente

127
MÉTODOS E TÉCNICAS o nome do (s) entrevistado (s), a data, o local e o título do projeto.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO A produção da fonte oral faz outras exigências ao pesquisador. Como todo trabalho
acadêmico-científico, as informações colhidas se tornarão públicas na medida em que
todo levantamento de informações tem em mira a produção de conhecimento para
um dado estudo (monografias, dissertações, teses etc.) Por isso, é importante que o
pesquisador cuide dos aspectos “legais”. Todo o procedimento de entrevista deve ser
acompanhado da produção de um documento no qual deve ser registrado o uso que
será feito do material, o qual deve ser assinado pelo informante. “[...] é necessário
providenciar o documento de cessão de direitos sobre a entrevista, a ser assinado pelo
entrevistado ao final do depoimento” (ALBERTI, 2005, p. 180). Essa prática não pode
ser esquecida pelo pesquisador, sob pena de responder pelo uso indevido das infor-
mações. Assim, a gravação de entrevistas, além de fazer exigências “tecnológicas”, ou
seja, a aquisição de equipamentos apropriados (gravadores ou aparelhagem multimí-
dia), também obriga a que o pesquisador adote determinadas condutas e a ter certos
cuidados durante o processo de registro da história oral, os quais estão relacionados
aos mecanismos legais para o uso das informações e atenção para acompanhar os rela-
tos, para poder produzir o caderno de campo.
A gravação configura-se, portanto, em uma etapa dos procedimentos da pesquisa,
a qual é seguida pela transcrição dos relatos. Trabalho moroso e delicado que exige
atenção, porque se trata de ouvir e transcrever o que foi registrado oralmente. Esse
trabalho transforma os relatos orais em textos escritos. Esse material, juntamente com
aqueles registrados no caderno de campo, fundamentarão a análise e o conhecimento
almejado no empreendimento de pesquisa, ou seja, do objetivo (ou problemática) que
transformou a história oral em fonte de informação da investigação.
Por essa razão, no trabalho de transcrição é preciso explorar as informações das
gravações, destacando-se, por exemplo, os risos, as reticências, as pausas, as mudanças
de tom das palavras, as alterações bruscas dos assuntos; as dificuldades em lembrar,
os esquecimentos lembrados como esquecimentos (de lugares, pessoas, situações).
Esses dados devem compor a transcrição, indicando-se na redação do texto escrito os
momentos em que ocorreram. Uma sugestão é indicar essas “ocorrências” da memória
entre colchetes. Enfim, desses materiais e dessa matéria é feita a história oral: sujeitos
reais, com suas lembranças e esquecimentos e suas maneiras de recordar.

ALGUNS APONTAMENTOS SOBRE ÉTICA E HISTÓRIA ORAL


Dado que consideramos a memória um processo e não um depósito de dados, de-
vemos observar a semelhança com a linguagem, já que a memória é social, tornando-se
concreta apenas quando verbalizada pelas pessoas. Nos termos de Portelli (1997, p.

128
16), “a memória é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, Pesquisa em educação:
memória e história oral
valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados”. Por essa razão, as
lembranças e recordações podem ser semelhantes, contraditórias e mesmo sobrepos-
tas, mas são únicas, tal como as impressões digitais de uma pessoa.
Neste sentido, o respeito pelo valor e importância do relato de uma pessoa é um
pré-requisito ético do trabalho de campo na história oral.
Agir com educação ao abordarmos nossos informantes é fundamental, elemento
básico para se criar um clima de respeito e interesse por aquilo que ouvimos quando
iniciamos uma conversa, pois a arte essencial do historiador oral é a arte de ouvir.
Alguns manuais célebres sobre trabalho de campo dos anos 1980 aconselhavam a
se manter neutro e distante e nada interferir nos relatos. Hoje a sugestão é diametral-
mente oposta: mostre-se, diga suas intenções com relação ao trabalho, fale um pouco
de você para seu informante, responda às perguntas que lhe fizerem, provoque as
lembranças com alguns recursos, como fragmentos de jornais de época, fotografias,
informações de terceiros, cujo assunto possa estar relacionado à conversa e à experi-
ência de vida do seu informante.
Contradizer ou questionar com polidez uma determinada passagem da entrevista
pode suscitar comentários mais longos e menos óbvios e até mesmos análises e co-
mentários que de outro modo não se teria conhecimento.
Mesmo que você seja um pesquisador com títulos acadêmicos buscando informa-
ções com pessoas que podem ser analfabetas é importante nunca se de esquecer que
no trabalho de campo o conhecimento está com o informante e o pesquisador esta lá
para aprender.
Conforme nos lembra Portelli (1997), as comunidades e agrupamentos sociais,
como é o caso das escolas, não são espaços idealmente homogêneos e unidos. São
também palcos de tensões e conflitos. Por esse motivo, o trabalho de produção da do-
cumentação oral registra necessariamente esses aspectos, de modo que esse registro
pode agradar alguns de seus membros e a outros não. Então o maior serviço prestado
pelo pesquisador oralista é fazer com que a voz dessas pessoas e de suas comunidades
seja ouvida, seja levada para fora, rompendo sua sensação de isolamento e impotência,
que essa fala chegue a lugares e pessoas que de outro modo jamais seria reconhecida.

PRÁTICA E PESQUISA EM HISTÓRIA ORAL


Duas grandes modalidades em história oral vêm se configurando nos últimos tem-
pos. Embora não sejam tipologias rigorosamente precisas e acabadas, elas se apresen-
tam em duas formas distintas, a primeira de caráter mais técnico e a segunda de caráter
metódico. Tais formas possuem duas variantes respectivamente, a técnica se desdobra

129
MÉTODOS E TÉCNICAS na: a) arquivista-documentalista e b) difusor populista, e no caso da forma metódica
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO em: a) reducionista e b) analista completa.

No caso das variantes técnicas, ambas possuem uma feição empirista e pragmá-
tica por princípio. Limita-se a executar ordenadamente a técnica sem maiores
pretensões analíticas ou científicas, destituídas de qualquer pretensão teórica.
Ao contrário da forma metódica, que busca adotar uma postura abstrata com
uma motivação maior a conceituação e reflexão teórica (LOSANO, 1998).

A atuação do arquivista-documentalista visa a criar e organizar documentos trans-


critos procedentes de entrevistas gravadas para possível utilização futura por parte
de historiadores e demais pesquisadores interessados em nossos tempos. Como seu
interesse é futuro, esses técnicos direcionam seus esforços no sentido de constituir
numerosos acervos. Embora limitado, seu trabalho é de extrema importância para
a atividade do pesquisador analítico contemporâneo; entretanto, mais do que com-
preender a história esse técnico se limita ao acúmulo de relatos orais motivado por
certo romantismo ingênuo em resgatar e armazenar evidências históricas na forma de
depoimentos e de relatos das tradições orais perdidas no tempo.
O difusor populista se configura em uma espécie de entusiasta-idealista para quem
a história oral surgiu como uma alternativa inconteste daqueles cuja história nunca
fora ouvida e registrada. A história oral seria a forma pela qual a voz dos historicamen-
te excluídos seria difundida. No entanto, essa orientação empirista tem levado a uma
simples forma de transmissão linguística do discurso dos subalternos, destituída de
um rigor interpretativo e/ou analítico. A ausência de rigor e a falta de controles sobre
a participação do recompilador na produção e análise da fonte se configuram como os
maiores problemas dessa maneira de praticar a história oral. Menosprezar a reflexão
teórica e assumir unilateralmente o papel de porta-voz dos excluídos, limitando-se so-
mente à técnica é, segundo Lozano (1998), um dos maiores equívocos de quem pratica
essa modalidade de pesquisa.
Dentro da forma metódica, a variante reducionista pode ser descrita como uma
maneira reticente de se fazer história oral, pois ao contrário da variante analítica, ela
não valoriza integralmente a evidência da oralidade em si mesma, mas apenas a utiliza
como apêndice ou complemento para a comprovação factual ou ilustração testemu-
nhal dos postulados teóricos aceitos a priori. A abordagem do oral, nesses casos, se
transfigura em um suporte das evidências e das séries quantitativas tradicionais (LOZA-
NO, 1998). Embora esse método não negue a validade da informação oral, o seu uso
só se dá em um nível muito restrito e de modo ocasional. Mesmo considerando todas
essas limitações, essa variante é ironicamente uma das práticas mais difundidas na
atualidade no uso da evidência oral que, nos termos de Lozano, se constitui no modo

130
mais fácil de pôr na boca dos outros os nossos próprios pensamentos. Pesquisa em educação:
memória e história oral
Dentre as modalidades abordadas, a variante analista é a única que trata a fonte oral
em sua plenitude. Os pesquisadores não só colhem, ordenam e sistematizam como
criticam o processo de produção da fonte. Estes também interpretam e situam histori-
camente os relatos e as evidências orais, confrontando e cruzando seus dados com ou-
tras fontes documentais tradicionais e não-tradicionais disponíveis à pesquisa historio-
gráfica e às ciências sociais. Sua abordagem não se limita a um único método e a uma
única técnica. As opções metodológicas são ampliadas mediante diálogo com outras
disciplinas e saberes. Os pesquisadores não tomam a história oral e seu recurso como
mera técnica arquivística nem como nova alternativa ou como a missão de dar voz aos
excluídos do seu tempo, mas sim como uma forma de se renovar o envolvimento do
pesquisador com seus sujeitos e pensar seus problemas de pesquisa (LOZANO, 1998).
Em síntese, é na prática e na ousadia da experimentação sistemática e crítica que
se pode avançar nesse campo de pesquisas, no qual se misturam o conhecimento do
pesquisador com o saber do pesquisado com o objetivo de construir um artefato so-
cialmente irrepreensível, que é a história de vida.

Referências

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BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1990.

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DE PESQUISA EM
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Proposta de Atividade

1) Conforme observamos inicialmente, na educação, um dos campos de estudos que vem


ganhando destaque é a produção de conhecimentos baseados na coleta e na análise de
memórias. Localize na Internet um artigo científico sobre memórias de professores ou que
trate de temas da educação relacionados aos fenômenos memorialísticos. Leia-o e respon-
da: qual foi o objetivo da investigação? Qual foi a metodologia utilizada? (por exemplo,
quais foram as fontes do estudo? Quais instrumentos teóricos e metodológicos foram em-
pregados na constituição das fontes? Se a história oral foi usada, verifique quais foram os
critérios estabelecidos pelo autor para selecionar os sujeitos; quantos sujeitos compõem
o universo dos entrevistados; como o trabalho de coleta das informações foi conduzido;
como os produtos (ou materiais obtidos na investigação) foram analisados. (Sugestão de
site para pesquisa: http://www.histedbr.fae.unicamp.br).

2) Nas lembranças de uma história de vida, a infância transforma-se em objeto de recordações


com múltiplos fios. Escreva um texto respondendo à pergunta: quais recordações você
guarda do primeiro dia em que foi à escola?

3) Proceda à análise do texto escrito conforme o item 2, do seguinte modo: a) retire do ca-
pítulo o conceito de memória que melhor representa a narrativa sobre as recordações do
primeiro dia de aula; b) indique por meio de itens os processos e as operações da memória
envolvidos na trama de suas recordações – as lembranças mais “fortes” e a mais “fracas”,
o que foi esquecido, o que foi lembrado em “partes”, o que permanece como lembrança
tênue e vaga, o que não conseguiu recordar, os “brancos” surgidos no ato de lembrar e
escrever. Finalmente, apoiado nesse material (no texto e na análise), crie uma definição de
memória sintetizando-a em uma frase.

133
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações

134
9 Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
investigação

Carlos Alberto Mucelin / Luzia Marta Bellini

Participação, participar, são palavras que traduzem aí, portanto, a possibilida-


de do envolvimento do trabalho popular na produção de conhecimento sobre
a condição da vida do povo. Homens e mulheres de comunidades populares
são convocados para serem sujeitos das pesquisas de que eram antes o objeto
de estudo [Grifos do autor] (BRANDÃO, 1985, p. 224).

INTRODUÇÃO
Entre as modalidades de pesquisa social, a Pesquisa Participante – PP é uma das
mais importantes e eficazes. Um pressuposto essencial da PP é considerar os atores
sociais envolvidos como sujeitos e não objetos. É imprescindível, portanto, iniciar os
trabalhos de uma PP pela leitura de pesquisas sociais realizadas por estudiosos que
ousaram investigar com os atores sociais, ao invés de considerá-los como objetos.
A pesquisa participante rompe com os métodos investigativos tradicionais da pes-
quisa considerada científica, cuja base é excessivamente quantitativa, por exigir do pes-
quisador a inter-relação participativa com os sujeitos da investigação a que se propõe
estudar. Nessa modalidade investigativa é necessário, entre outras coisas, que se bus-
que compreender e avaliar a linguagem e a lógica das atividades na vivência do grupo
participante. As vivências no contexto dos grupos investigados impõem participar do
mundo do outro com o propósito de compreendê-lo. A observação livre e participante
é um dos instrumentos investigativos fundamentais que foi proposto e aplicado ini-
cialmente por Malinowski1.
O pesquisador, no contexto da PP, é impelido a romper com o saber apartado
do contato da realidade e investiga compartilhando as vivências dos sujeitos que se

1 O antropólogo polonês Bronislaw Kasper Malinowski (1884-1942) foi o criador da obser-


vação participante. Conviveu com os nativos das ilhas Trobiand, próximo à Nova Guiné, entre
1914 e 1918. Elaborou o conceito de função, em nível primário, como a resposta de uma cul-
tura determinada no que concerne às necessidades básicas do homem.

135
MÉTODOS E TÉCNICAS propõe a estudar e compreender.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Entre as características da PP está o compromisso político do pesquisador com o
sujeito, na maioria das vezes em situação social diferente da sua. A PP impõe o compro-
misso e a participação com metas e projetos que superam o compreender e explicar o
outro. Via de regra, tais estudos tendem a ser realizados com atores sociais marginali-
zados e oprimidos da sociedade.
Para Gohn (1985, p. 8), “a pesquisa científica é sempre apreensão de uma totali-
dade viva em movimento, que tem uma historicidade”. Por tal pressuposto, esse tipo
de investigação pretende apreender um recorte fenomenológico sígnico, dinâmico e
historicamente contextualizado. Trata-se de registrar determinados fenômenos, muitas
vezes acontecimentos que se apresentam em espaços e tempos isolados a serem apre-
endidos no processo da investigação, na busca do retrato fiel daquilo que denomina-
mos real. Os resultados são remetidos a um processo de reflexão e registro que busca
sua gênese constitutiva e sua natureza.
Apesar da importância da PP no contexto da pesquisa científica, geralmente ela é
vista como uma investigação cuja credibilidade é frágil. Tal fragilidade é apontada pela
quase ausência de dados e métodos quantitativos, pela subjetividade na argumentação
do objeto estudado e dos resultados que sua complexidade e variabilidade apresentam.
Demo (1999) é um dos maiores críticos brasileiros à modalidade de pesquisa parti-
cipante, porém enfatiza que a seriedade e competência científica do pesquisador é um
diferencial na idealização e realização de tais estudos.

ORIGENS E HISTÓRICO DA PESQUISA PARTICIPANTE


As primeiras investigações participantes no contexto da América Latina ocorreram
na década de 1960. Entre as estratégias dos pesquisadores estava o estímulo da parti-
cipação popular no processo de formação de consciência crítica, especialmente a dos
camponeses, visando à inserção de processos políticos de mudança. Nessa década, a
América vivia um contexto socioeconômico no qual a sociedade passava por processos
de mudanças estruturais, e várias experiências nas áreas de educação e ciências sociais
surgiram nesse período.
Entre as pesquisas de vertente participativa, a PP é a que busca a aproximação entre
o pesquisador e o objeto de sua pesquisa. Esse trabalho social recebeu várias denomi-
nações, dependendo do país ou da área de conhecimento e atuação na educação ou
nas ciências sociais, no trabalho com alfabetização de camponeses ou trabalhadores
urbanos, entre outros.
Paulo Freire foi o primeiro pesquisador brasileiro a ser associado à pesquisa partici-
pante. Seu método de alfabetização pressupunha estimular o alfabetizando a elaborar

136
uma significação do contexto social-histórico no qual estava inserido, estimulando a Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
formação de consciência dos sujeitos a respeito de sua própria vivência. investigação

Na década de 1970, na linha sociológica, Orlando Fals Borda foi o precursor da PP,
tendo como pressuposto o compromisso radical com as lutas populares contra o im-
perialismo e o neocolonialismo. Borda propôs uma divisão entre ciência dominante e
ciência popular. A partir dele tem início uma nova postura dos pesquisadores, ou seja,
o processo de devolução do conhecimento gerado pelos grupos participantes.
Gajardo (1986) afirma que o termo “pesquisa participante” foi criado por pesqui-
sadores norte-americanos e europeus envolvidos com projetos de intercâmbio com
países do Terceiro Mundo, na área das ciências sociais. Para a autora, Paulo Freire foi o
criador de um estilo alternativo de pesquisa e ação educativa, devido ao conjunto de
experiências que sustentadas pela concepção conscientizadora de educação se desen-
volveu em fins da década de 1960.

CONCEITOS E DEFINIÇÕES DA PESQUISA PARTICIPANTE


O que é uma Pesquisa Participante? Segundo Brandão (1985, p. 169), em 1977, em
uma reunião internacional a respeito de pesquisa participante, convocada pelo Con-
sejo Internacional de Educación de Adultos, foi formulada uma definição geral para
essa modalidade de pesquisa:

A pesquisa participante é um enfoque de investigação por meio do qual se bus-


ca a plena participação da comunidade na análise de sua própria realidade com
o objetivo de promover a participação social para o benefício dos participantes
da investigação. Esses participantes são os oprimidos, os marginalizados, os
explorados. Trata-se, portanto, de uma atividade educativa de investigação e
ação social.

Essa é também a compreensão de Gajardo (1986), a qual assim discorre acerca da


PP: as produções coletivas de conhecimento que tentam romper com o monopólio
do saber; a análise coletiva das informações e seu uso para sensibilização e desenvol-
vimento do processo de conscientização; a análise crítica dos problemas e as relações
entre os problemas e os indivíduos, objetivando a inserção de soluções conjuntas.
Todos são pressupostos teóricos inerentes à pesquisa participante.
Uma Pesquisa Participante apresenta como característica em consonância com Ga-
jardo (1986), Le Boterf (1985), Brandão (1985) e Thiollent (1986), entre outros, que
ela não depende necessariamente de uma forma metodológica única. A PP pressupõe
que a investigação ocorra como um processo, desenvolvido conjuntamente pelo pes-
quisador e pelos atores sociais participantes, em função de suas realidades vividas.
Depende ainda do grau de conscientização dos envolvidos, da estrutura existente e

137
MÉTODOS E TÉCNICAS da problemática analisada. Isso exige que o pesquisador passe a conviver mais inten-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO samente com o grupo, não configurando em hipótese alguma como sujeito ausente, e
sim atuante construindo com o grupo o processo de estudo, identificação de proble-
mas e planejamento de ações para o enfrentamento.
Podemos definir a PP como um processo de investigação no qual a comunidade
participa da avaliação de sua realidade por meio da reflexão coletiva e/ou dinâmicas de
grupo organizadas pelo pesquisador, com vistas à realização de ações que objetivem
mudanças benéficas aos participantes. Geralmente os participantes são atores sociais
marginalizados e oprimidos. Logo, trata-se de uma atividade de pesquisa de caráter
educacional voltada para a ação participante. Essa modalidade de pesquisa apresenta
um pressuposto de interação entre a geração de conhecimentos específicos do local
onde se desenvolve e a imediata utilização deste, aproximando os profissionais pesqui-
sadores e os atores sociais.
Para Brandão (1986), a PP é uma modalidade de investigação social que pretende
a plena participação dos atores da comunidade na análise de sua realidade, visando a
promover a participação social para o benefício dos membros participantes da investiga-
ção. Os participantes são os atores sociais oprimidos, marginalizados e/ou explorados.
A PP é considerada por Van Dijk (1984) como uma corrente crítica que se desen-
volve nas ciências sociais pela insatisfação de certos grupos quanto ao fazer científico
profissional. Essa modalidade de investigação se identifica com a educação popular,
uma vez que o investigador não considera os atores como objeto de estudo e sim com
sujeitos.
A pesquisa participante é constituída por um conjunto de estratégias de investiga-
ção, conforme Silva (1986, p. 15), que envolve a participação ativa da população na
tomada de decisões referentes a uma ou mais fases de um processo de investigação, ou
que simplesmente coloca os resultados alcançados para fundamentar a busca de uma
nova práxis. Essa práxis pretende indicar uma direção que apresente novos rumos as
mudanças nas situações de opressão em que vivem as classes subalternas.

PRINCÍPIOS E PRESSUPOSTOS DA PESQUISA PARTICIPANTE


O princípio fundamental da PP é a participação do ator social como sujeito e não
como objeto. Muitas vezes, mesmo quando um estudo é tratado como PP, fere o prin-
cípio participante por agir sobre os atores sociais e não com eles. Muitas vezes, as
pessoas envolvidas são deduzidas, inferidas, medidas, contadas, calculadas, com base
em modelos e identidades criadas por sujeitos alheios ao grupo a que pertencem.
Entre os pressupostos de uma pesquisa participante, destacamos que ela deve:

138
a) ser um processo de conhecer e agir no qual os atores sociais estudam seu con- Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
texto procurando discutir e validar ações que beneficiem o grupo; investigação

b) iniciar os trabalhos a partir da realidade dos atores sociais, pela identificação de


problemas existentes. Necessariamente, o processo investigativo deve envolver
a população e com o pesquisador avaliar e validar a proposta de investigação, a
forma de coleta de dados, os resultados da análise, o planejamento e as ações
de intervenção na realidade;
c) contrapor métodos tradicionais de investigação com procedimentos qualitati-
vos e de comunicação interpessoal;
d) ser levada a efeito como um processo investigativo coletivo;
e) constituir uma experiência educativa e significante.

Um dos objetivos que geralmente permeia a realização de uma PP é a busca da


melhoria da qualidade de vida dos atores sociais participantes. Esse pressuposto teó-
rico vem ao encontro do que escreveram Pena-Veja, Almeida e Petraglia (2001, p. 33),
que defendem que “[...] o dinamismo da ciência necessita da participação ativa dos
pesquisadores”.
A Pesquisa Participante pressupõe a efetiva participação dos atores investigados
como forma de mudança de determinadas situações de opressão ou condições de mar-
ginalização social. É por esse pressuposto teórico que manifestamos a crença de que
uma forma de mudança na condição de excluídos sociais e economicamente é desen-
volver ações que considerem os atores sociais como sujeitos do processo investigativo.

MOMENTOS METODOLÓGICOS PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA


PESQUISA PARTICIPANTE
A PP já apresenta um marco teórico consagrado. Entretanto, não se trata de um es-
quema rígido. Uma característica importante é a flexibilidade nos momentos metodo-
lógicos e de estratégias, cuja adaptação aos mais variados contextos e situações podem
alterar e variar a ordem das etapas e/ou desconsiderar algumas delas.
Constituem etapas importantes no desenvolvimento de uma PP os seguintes pro-
cedimentos: montagem institucional, aproximação, conhecimento através da ação –
Figura 1.

MONTAGEM CONHECIMENTO POR


APROXIMAÇÃO
INSTITUCIONAL MEIO DA AÇÃO

Figura 1 – Procedimentos importantes para desenvolvimento de uma PP

139
MÉTODOS E TÉCNICAS A montagem institucional preconiza a apresentação e discussão do projeto de in-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO vestigação com a população e seus representantes. Define-se o quadro teórico da pes-
quisa participante (objetivos, conceitos, hipóteses e métodos). Delimita-se o local a ser
estudado e o planejamento da organização do processo de pesquisa participante com
a determinação das instituições envolvidas. Elabora-se, mesmo que provisoriamente,
um cronograma de etapas e ações previstas.
A aproximação com o grupo é fundamental. Trata-se ao mesmo tempo de um
reconhecimento inicial e determinação de lugares e grupos sociais da região a ser in-
vestigada. É uma fase de coleta de informações, tanto formais como informais. Nessa
etapa, o pesquisador inicia os contatos com os atores sociais e o registro de informa-
ções necessárias.
O conhecimento por meio da ação consiste em aplicar as técnicas e conhecimen-
tos adquiridos pelo pesquisador a serviço dos interesses e necessidades do grupo.
São estudadas as prioridades do atores, mapeando-se as raízes históricas e se desen-
volvendo ações participativas validadas pelos atores. Finalmente, o momento de apre-
sentação dos resultados para validação, incorporação e/ou/rejeição dos resultados.
Geralmente, uma PP é desenvolvida com pelo menos quatro fases principais:

Fase 1: Montagem institucional e metodológica da Pesquisa Participante


Nessa fase, o pesquisador deve promover a discussão do projeto da PP com a
população e seus representantes. Define-se o quadro teórico de pesquisa regis-
trando os objetivos, conceitos, hipóteses, métodos. Delimita-se a região do estudo.
Elaboram-se os documentos necessários, tais como termo de intenção de pesquisa e
termo de compromisso, nos quais são oficializadas as participações das instituições,
os grupos participantes, a distribuição de tarefas e as obrigações e direitos dos en-
volvidos. É pertinente também a elaboração do cronograma com as ações a serem
realizadas.

Fase 2: Estudo preliminar da região e da população envolvida


O pesquisador deve coletar e sistematizar um conjunto de informações prelimina-
res a respeito do local e dos atores que serão convidados a participar da investigação.
Identificam-se a estrutura social, as necessidades e os problemas da comunidade a ser
estudada, caracterizando as classes sociais a que compõem.
Nessa fase, devem-se também obter informações, como os dados socioeconômi-
cos e tecnológicos. As informações precisam ser difundidas aos participantes, que
iniciam estudos e autoentendimento de sua realidade.

140
Fase 3: Análise crítica dos problemas considerados prioritários e que Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
os participantes desejam estudar investigação

Para analisar os problemas e optar por quais se desejam realizar ações de enfrenta-
mento, reuniões de grupos são fundamentais. Nas reuniões, o pesquisador deve pla-
nejar e realizar a constituição de grupos de investigação. Os problemas vivenciados
pelos atores são identificados e, coletivamente, são analisados criticamente com vis-
tas à busca de soluções. Tais decisões devem sempre ser democráticas e participativas.

Fase 4: Sistematização e aplicação de um plano de ação para a busca de


soluções de problemas identificados
É fundamental que essa fase seja iniciada com atividades educativas. Essas ativida-
des permitem que os problemas sejam avaliados segundo o contexto da vivência dos
atores sociais participantes.
Depois de estudados os problemas, ações de intervenção devem ser levadas a efei-
to, sempre com a participação dos membros participantes.
Entre as fases previstas na literatura para o desenvolvimento de uma PP, salienta-
mos os cinco momentos metodológicos preconizados por Le Boterf (1985). São eles:

a) Definição do grupo e primeiros contatos com seus representantes;


b) Montagem institucional e metodológica da pesquisa participante – elaboração
e aprovação dos documentos necessários;
c) Estudo preliminar e provisório do local e do grupo em estudo;
d) Análise crítica dos problemas identificados pelo grupo, pesquisador e atores, con-
siderados por eles como prioritários e que manifestaram interesse em estudar;
e) Programação e execução de um plano de ação para contribuir no enfrentamen-
to dos problemas expostos.

É pertinente enfatizar que uma pesquisa participante é um processo permanen-


te. Em outras palavras, uma PP não se encerra com a etapa de enfrentamento dos
problemas pela execução do plano de ações. O estudo e a análise crítica do contexto
da realidade e a execução das ações validadas pelo grupo conduzem à identifica-
ção de outros problemas. Isso implica em um processo contínuo e ininterrupto de
pesquisar-se. Portanto, o envolvimento de lideranças locais para a manutenção de
atividades do grupo é fundamental, especialmente porque, geralmente, ao final da
investigação o pesquisador deixa o grupo, que é impelido a assumir a continuidade
do processo

141
MÉTODOS E TÉCNICAS INSTRUMENTOS E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS PARA A PP
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Determinadas técnicas tradicionais de pesquisa social, tais como a observação dire-
ta e indireta, a entrevista livre, os questionários estruturados e semiestruturados, são
importantes e não devem se desconsideradas pelo pesquisador participante. Quando
necessário, novas técnicas de pesquisa deverão ser desenvolvidas, mesmo que sua va-
lidade seja específica e que talvez não possam ser aplicadas em outro contexto similar.
O desenvolvimento de uma Pesquisa Participante, assim como qualquer investi-
gação científica, preconiza a utilização de instrumentos, estratégias e técnicas para a
obtenção de informações. As técnicas utilizadas permitem a coleta das informações
e tendem a contribuir para uma aproximação dos participantes no contexto no qual
se insere o problema ou objeto de estudo. É comum o uso de entrevistas semiestru-
turadas, de observações livres, de depoimentos, de oficinas de trabalho, de reflexão
coletiva, de filmagem, de fotografias e de um diário de campo.
Os instrumentos em questão contribuem para a socialização de informações entre
os participantes do estudo, tanto o pesquisador como os atores, além de promover
momentos de reflexão sobre seus problemas e situações cotidianas.
Para realizar a Pesquisa Participante é pertinente o uso de entrevistas estruturadas
e/ou semiestruturadas, depoimentos, observações livres, filmagens, fotografias, além
de registros dos diálogos informais pela convivência com o grupo.

Entrevistas e depoimentos
A entrevista e o depoimento são instrumentos importantes tanto para o desenvol-
vimento de uma Pesquisa Participante como de um estudo perceptivo, pois permite a
obtenção de informações sobre determinado objeto de estudo por meio da comuni-
cação verbal.
As entrevistas, geralmente, são organizadas de forma estruturada e semiestrutu-
rada. As estruturadas são aquelas cujas respostas estão fechadas em possibilidades
de respostas pré-determinadas, ou seja, o entrevistado não pode argüir sobre o tema
e sim escolher determinadas alternativas. Já a entrevista semiestruturada é aquela na
qual o entrevistador (pesquisador) organiza as questões sobre seu objeto de estudo,
oferecendo condições para que o entrevistado possa expressar seu ponto de vista so-
bre a temática, sem que necessariamente tenha que escolher uma resposta pré-elabo-
rada, fechada.
Minayo (1993) assinala que a entrevista pode ser estruturada de várias maneiras.
Denomina semiestruturada aquela que combina questões fechadas (estruturadas) com
abertas.
As entrevistas semiestruturadas exigem mais do pesquisador, por ser necessária

142
a realização de análise de conteúdo, para que se possam “extrair” das conversas os Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
núcleos de sentido e suas essências. É muito pertinente a gravação dos diálogos da investigação

entrevista, uma vez que se registra a totalidade do discurso e permite maior rapidez na
realização da mesma.
Uma entrevista pode ser pensada como um diálogo que se estabelece entre duas ou
mais pessoas, no qual quem inquire objetiva elucidar ideias, pontos de vista, crenças
ou percepções dos entrevistados. Ferreira (1999) enuncia que a entrevista pode ser
definida como um “colóquio previamente marcado entre duas ou mais pessoas para se
obter certos esclarecimentos”.
Minayo (1993, p. 108) define a entrevista como uma: “[...] conversa a dois, feita
por iniciativa do entrevistador, destinada a fornecer informações pertinentes para um
objeto de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador) em temas igualmente pertinentes
com vistas a esse objetivo”.
O estudo qualitativo é sempre dinâmico e exige do pesquisador planejamento pré-
vio e muita atenção durante as entrevistas, para que possa registrar informações adi-
cionais. Trata-se das observações livres. Neste sentido, Lodi (1971, p. 13) lembra que
a entrevista é “[...] um método de coleta de informações coexistente com outros dois
métodos mais conhecidos: a observação e a documentação”.
Para Triviños (1995, p. 146), a entrevista semiestruturada é aquela que, a partir
de determinados questionamentos básicos, “[...] apoiados em teorias e hipóteses que
interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas,
fruto de novas hipóteses que vão surgindo, à medida que se recebem as respostas do
informante”. Triviños enfatiza que as questões de qualquer estudo não nascem a prio-
ri, têm um sentido pragmático, porque dependem não somente da teoria que sustenta
a ação do pesquisador, mas também as informações que absorveu do fenômeno social
a que se propôs estudar.
O depoimento muito se assemelha à entrevista, porém é realizado com atores so-
ciais com algum destaque em relação ao grupo investigado, tais como líderes comu-
nitários, autoridades instituídas, enfermeiros, presidentes de associações de bairros,
líderes religiosos, entre outros. Comumente, tais pessoas exercem influência sobre a
comunidade a ser pesquisada e seus depoimentos podem contribuir significativamen-
te para a investigação.
A definição do roteiro de entrevistas é muito importante. A realização de ensaios
com atores sociais similares podem permitir que esse roteiro seja adequado às neces-
sidades da investigação. No que se refere às entrevistas semiestruturadas, Brandão
(1985) apresenta uma sequência importante para se evidenciar as percepções e enten-
dimentos do atores participantes a respeito do contexto de investigação.

143
MÉTODOS E TÉCNICAS Outro procedimento relevante é o registro fotográfico que retrate situações do
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ambiente a ser pesquisado. Uma das estratégias é a organização de um compêndio de
fotografias que, quando adequadamente utilizadas, podem facilitar a avaliação do con-
texto da região de investigação na realização dos diálogos de entrevistas estabelecidos
com os atores sociais a respeito da temática investigada.
Realizar entrevistas com a utilização de imagens fotográficas2, adequadamente es-
colhidas, pode favorecer para melhor revelar as percepções e significações dos atores
entrevistados.
- Sugere-se que sejam realizados ensaios de entrevistas seguido da avaliação dos
resultados, até seja definido um roteiro adequado a ser utilizado. Essa etapa de prepa-
ração e definição do roteiro de entrevista deve ser realizada com um rapport3,

É importante que as informações das entrevistas sejam digitadas na íntegra. Tais


informações precisam ser submetidas ao processo de interpretação pelo pesquisador.
Um processo adequado é a análise de conteúdo4, no qual deve ser realizada a organiza-
ção e sistematização dos núcleos de sentido e a elaboração das essências desses núcle-
os. As essências, necessariamente, precisam ser socializadas com o grupo participante;
assim, mais uma vez o processo educativo se consolida.

Observação livre
A observação livre é uma importante técnica de pesquisa que não se traduz em um
simples olhar. Implica em uma vivência cotidiana da qual se extrai a essencialidade das
experiências. Para Triviños (1995, p. 153), observar é:

[...] destacar de um conjunto (objetos, pessoas, animais, etc.) algo especifica-


mente, prestando, por exemplo, atenção em suas características (cor, tamanho
etc.). Observar um fenômeno social significa, em primeiro lugar, que determi-
nado evento social, simples ou complexo, tenha sido abstratamente separado
de seu contexto para que, em sua dimensão singular, seja estudado em seus

2 Durante a realização de uma PP (MUCELIN, 2006), fizemos uso de imagens fotográficas.


Observamos que as imagens causavam um choque nos atores com a exterioridade, especialmen-
te circunstância e fragmentos dos ambientes com os quais não tinham grandes interações. Isso
nos levou a desenvolver um instrumento de investigação, que denominamos Jogo da Percepção.
3 O rapport é um termo inglês que significa concordância, conformidade, harmonia. Na pes-
quisa participante, o termo rapport se constitui em uma espécie de ensaio do instrumento a ser
utilizado, tendo por objetivo a correção de possíveis falhas e ou adequações pertinentes, antes
que o estudo seja efetivado. Não há regras definidas sobre quantas repetições se fazem neces-
sárias, mas é comum a realização de algumas entrevistas (cinco, por exemplo), analisadas para
identificação de falhas e ações de acertos.
4 Ver Bardin (1991).

144
atos, atividades, significados, relações etc. Individualizam-se ou agrupam-se os Pesquisa participante,
fenômenos dentro de uma realidade que é indivisível, essencialmente para des- métodos e técnicas de
investigação
cobrir seus aspectos aparenciais e mais profundos, até captar, se for possível,
sua essência numa perspectiva específica e ampla, ao mesmo tempo, de contra-
dições, dinamismo, de relações [...].

Triviños afirma ainda que, ao contrário da observação corriqueira, a observação do


pesquisador deve atender às principais necessidades da pesquisa qualitativa quando se
objetiva a compreensão de determinado fenômeno em observação.
A observação adequada requer do pesquisador a convivência, uma vez que se esti-
ver alheio aos valores, costumes e hábitos, as observações que elabora podem induzi-
lo, obviamente, a inferências inadequadas e até prejudiciais ao estudo.
A observação livre ocorre em inúmeros momentos da pesquisa. De forma direta
durante uma entrevista, uma visita a um local ou um contato informal com os atores.
No que diz respeito à observação, Lodi (1971, p. 14) destaca que, durante a entrevista,
o investigador pode usá-la de várias maneiras:

(a) para observar a vida do entrevistado em seu ambiente natural e em sua


interação com seus familiares ou pessoa de trato quotidiano; (b) para notar
como reage às perguntas, seu tom de voz, as hesitações e as atitudes para com
o entrevistador; (c) para observar se o entrevistado age realmente como diz ao
entrevistador.

A observação é parcial e seletiva e tem limitações como o ângulo de visão e seus


distintos aspectos, além do fato que, quando um observador aparece em um determi-
nado contexto, ele tende a prejudicar a espontaneidade da cena. Lodi (1971, p. 14)
acrescenta que ”o observador em cena sofre pressões para participar e para observar
e [...] ele poderá começar como observador não participante e terminar como partici-
pante não observador”.

Imagem e fotografia

A foto é um acontecimento, um lugar de passagem pelo qual passamos, re-


temos, mas que nos escapa em imediaticidade. É uma percepção do espaço-
tempo. Um espaço-tempo de singularidades, margem singular de busca entre o
perceber e o percebido. Assíntota técnico-existencial dos signos que emergem,
nascem e crescem no tempo (CHAMARELLI FILHO, 2005).

A imagem fotográfica é fundamental para uma PP por permitir o registro de cir-


cunstâncias dos locais a serem pesquisados. Citamos, por exemplo, situações de uso e
hábitos cotidianos, objetos de estudo.
Acreditamos que a reprodução das imagens da vida real foi um dos principais

145
MÉTODOS E TÉCNICAS objetos de desejo de nossos ancestrais. Prova disso são as pinturas rupestres encon-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO tradas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Entre as evidências da tentativa
de obtenção da imagem, de captar e descortinar o real, está a riqueza de detalhes das
pinturas encontradas na gruta de Altamira na Espanha, onde nossos ancestrais regis-
traram cenas de suas caçadas e de seu cotidiano – Figura 2.

Figura 2 – Bisão: pintura pré-histórica da gruta de Altamira na Espanha

Fonte: Recorte fotográfico de Beckett (2002)

Justamand (2004) informa que homem primitivo brasileiro fez pinturas rupestres,
desenhando-as nas rochas e que alguns desses registros podem ter até 50 mil anos.
Citamos como exemplo os registros encontrados no Parque Nacional da Serra da Ca-
pivara no Estado do Piauí – Brasil – Figura 3.
A preocupação humana com os fatos vivenciados e seu registro remontam à Anti-
guidade. Lima (2001, p. 26) assinala que para o homem pré-histórico, “[...] a arte é um
reflexo da vida social”.
O pintor ancestral pré-histórico buscava registrar e evidenciar as cenas de seu coti-
diano, com destaque para a caça e as lanças como símbolos de necessidade e sobrevi-
vência, imortalizando seus afazeres, seu dia-a-dia, suas crenças, seus hábitos.

146
Figura 3 – Pinturas rupestres no Brasil Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
investigação

Disponível em: <http://www.nordesteweb.com> e <http://www.icomos.org.br/patrimonio_brasileiro>.

Hoje, vivemos a era da fotografia instantânea, da máquina digital. É uma situação


muito diferente daquela vivida por Peirce, quando estudou e registrou o efeito sígnico
da imagem fotográfica, no final do século XIX.
Peirce (2003, p. 65) considerava as fotografias5, de forma especial as instantâneas,
“[...] muito instrutivas, pois sabemos que sob certos aspectos são exatamente como
os objetos que as representam. Essa semelhança, porém, se deve ao fato de terem
sido produzidas em circunstâncias tais que foram fisicamente forçadas a corresponder
ponto por ponto à natureza”.
Semioticamente, Fidaldo e Gradim (2005, p. 20) interpretam a fotografia e a pintu-
ra como ícones ao concebê-las como:

[...] signos em que existe uma semelhança topológica entre o significante e o


significado. Uma pintura, uma fotografia são ícones na medida em que possuem
uma semelhança com o objeto pintado ou fotografado. Subtipos de ícones são
as imagens, os diagramas e as metáforas.

Ao abordar a fotografia instantânea, Expósito (2005), enfatiza que ela:

[...] ativa mecanismos narrativos que jogam com a duração, com a previsão de
linearidade narrativa por parte do espectador. As imagens assim construídas
apresentam-se como ficções condensadas, histórias congeladas num instantâ-
neo. Ativa-se, ao mesmo tempo, toda a capacidade possível de ficcionalização
e toda a força de verossimilhança da fotografia. A analogia com o real, esse
desejo de realidade inerente à imagem fotográfica, se conjuga com a capaci-
dade para construir um relato, para encenar. O resultado é a elaboração de

5 Segundo Kubrusly (2003), a primeira fotografia data de 1827, feita na França. A partir de
1841, com a produção de chapas mais sensíveis e objetivas mais luminosas, associados ao apri-
moramento do processamento químico, tornou-se possível o retrato.

147
MÉTODOS E TÉCNICAS ficções verossímeis que forçam nossos mecanismos de percepção do mundo.
DE PESQUISA EM A sua inevitável condição ficcional se une à capacidade documental da imagem
EDUCAÇÃO
fotográfica, forçando os limites do que consideramos como real e pondo em
questão nossos mecanismos habituais de reconhecimento da realidade.

As fotografias, mesmo sendo recortes de objetos ou paisagem e correspondendo


aos pontos da natureza, do real, associando-se ainda aos filtros da percepção, geral-
mente induzem à formação de ideias que não contemplam todos os aspectos da reali-
dade dos fatos. Para nós, a leitura das imagens é construída segundo diversos fatores,
como as ferramentas cognitivas, filtro cultural, filtro individual, motivação, religião,
crenças, costumes e hábitos, desejos, sonhos, entre outros, constituindo-se assim em
um instrumento facilitador na construção da realidade, da imagem mental.
A palavra fotografia6 induz, na maioria das vezes, a pensar de forma sígnica na repro-
dução fiel de um objeto ou paisagem. Mas, afinal, o que é uma fotografia? Cláudio A.
Kubrusly (2003) pontua que definir fotografia não é uma tarefa fácil, e que pesquisando
centenas de pessoas, inclusive fotógrafos, não obteve sequer uma definição igual.
Kubrusly (2003, p. 8-9), ao abordar o significado da fotografia, questiona sua
natureza:

A possibilidade de parar o tempo, retendo para sempre uma imagem que jamais
se repetirá? Um processo capaz de gravar e reproduzir com perfeição imagens
de tudo que nos cerca? Um documento histórico, prova irrefutável de uma ver-
dade qualquer? [...] uma ilusão de ótica que engana nossos olhos e nosso cé-
rebro com uma porção de manchas sobre o papel, deixando uma sensação tão
viva de que estamos diante da própria realidade retratada?

A resposta sobre tais questionamento é afirmativa tanto para Kubrusly como para nós.
Segundo Chamarelli Filho (2005), a fotografia “[...] é um método, com o qual se
observa a realidade [...] a foto reage de maneira reflexiva ao procurar ser fabular, ser,
um intervalo perceptivo de uma realidade, como generalidade dos (aos) acontecimen-
tos e do olhar habitual dos fatos”.
É nesse pressuposto da imagem fotográfica, de permitir a alguém observar recor-
tes fixados da realidade, da percepção habitual dos fatos, que imputamos à fotogra-
fia o crédito de ser um instrumento facilitador do estudo da percepção ambiental.
Como ícone, a fotografia permite a um observador ler circunstâncias de um contexto,

6 O dicionário Aurélio Ferreira (1999) define a fotografia como o “processo de formar e fixar
sobre uma emulsão fotossensível a imagem dum objeto, e que compreende, usualmente, duas
fases distintas: na primeira, a emulsão é impressionada pela luz, e sobre ela se forma, por meio
dum sistema óptico, a imagem do objeto; na segunda, a emulsão impressionada é tratada por
meio de reagentes químicos que revelam e fixam, permanentemente, a imagem desejada”.

148
permitindo que a realidade ou fragmento se revele de maneira tão corriqueira que Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
pode ser pensado como significante ou elemento revelador da realidade. investigação

A imagem registrada em uma fotografia jamais se repetirá na totalidade, inclusive


os fenômenos a ela vinculados. Nem mesmo quando tal registro ocorra em uma cir-
cunstância fenomenológica próxima aos ditames de uma lei, a repetição do fato será
sempre uma aproximação, com maior ou menor qualidade, intensidade e quantidade
de detalhes, dependendo não somente do fenômeno em si, mas da percepção do ob-
servador, que também é dinâmica. Entretanto, é possível perceber através das imagens
certas regularidades, comportamentos que podem ser pensados como lei, ou como
força do hábito, e que nos interessa enquanto objeto de estudo.
Para Addison (2003, p. 2), a expressão “imagem” sugere “[...] um tipo de objeto re-
sultante da relação entre o meio e o homem em um estrito senso de espontaneidade”.
Addison expõe que para elucidar a imagens e compará-las com situações reais “[...]
usamos, freqüentemente, os mapas mentais, sendo que esses são componentes de um
processo que resulta na expressão de objetos percebidos, os quais são as expressões
da relação do sujeito com o meio urbano”.
Expósito (2005) sugere que a imagem:

Sobretudo, evidencia o caráter incompleto de nossa percepção, deixando apa-


recer uma ausência ou uma perturbação. Constroem uma realidade possível
no tempo, uma ficção verossímil, oferecendo-nos com detalhe tudo o que a faz
possível, introduzem algum elemento que rompe esse harmonioso reconheci-
mento, essa imagem ‘bela’, ou ainda remarcam a ausência daquilo que poderia
explicar razoavelmente o que estamos vendo na imagem. Aparece assim, de
novo, o processo de estranhamento, que nos faz distanciar daquilo que vemos
(EXPÓSITO, 2005).

No que se refere à leitura da imagem, Lima (2001, p. 13) pondera que “cada pessoa
faz diversas associações da imagem com a sua linguagem cultural, que lhe são mais
significativas, mas ainda assim ela se aproxima da imagem coletiva”.
A fotografia é um instrumento sígnico perceptivo, que tem a potencialidade de
expressar situações de singularidade de hábitos. Isso vem ao encontro do que escre-
veu Chamarelli Filho (2005). “É no meio que se deverá procurar a subjetividade; é
nos artifícios da fotografia, em que se inscrevem as possibilidades do dispositivo, que
se deverá procurar a sua singularidade: o seu caráter de sinsigno, mas também a sua
ideologia”.
A fotografia permite fixar situações cotidianas dos fragmentos habituais. É um ins-
trumento facilitador de investigação, por permitir evidenciar situações do contexto da
investigação.

149
MÉTODOS E TÉCNICAS JOGO DA PERCEPÇÃO
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
“A fotografia passa também a ter o ‘privilégio da generalidade’ por estar em
conexão com esses fluxos informativos e por contemplar a ‘paisagem humana’
naquilo que dela é subtraído ou acrescentado” (CHAMARELLI FILHO, 2005).

A paisagem dos locais de investigação e determinadas situações ambientais nor-


malmente indicam determinadas crenças e hábitos da população local que podem ser
registradas pela fotografia, facilitando o estudo e a caracterização da percepção dos
atores investigados.
O mundo é percebido pelas pessoas por sentidos que variam segundo seus contex-
tos. A visão é um dos sentidos humanos mais utilizados, fundamental para a percep-
ção. Portanto, essencial na formação das crenças que moldam e estabelecem os hábitos
cotidianos das pessoas e suas percepções ambientais.
Como já mencionamos, o pesquisador deve, quando possível, criar novos instru-
mentos e técnicas de investigação. Tendo por base o poder sígnico da fotografia, de-
senvolvemos um instrumento de pesquisa que denominamos Jogo da Percepção.
O “Jogo de Percepção” é uma atividade de análise perceptiva realizada com um
conjunto de imagens previamente escolhidas sobre um determinado tema ou objeto
de estudo. Essas imagens devem necessariamente registrar situações de contraste ou
dualidade dentro do objeto de estudo, para que possam estimular e evidenciar a per-
cepção do participante do jogo (ator social) a respeito da temática.
A ideia central desse instrumento de investigação é confrontar situações de contras-
te sígnico perceptivo dentro do objeto de estudo. Depois de acordada a participação
do ator social, o Jogo da Percepção pode ser planejado para acontecer segundo os
momentos:

Momento 1
Entregar as fotografias embaralhadas e solicitar que sejam observadas
Questionar sobre o que elas retratam: visa a evidenciar a percepção do participante
sobre o objeto de estudo
Questionar sobre o local das imagens: pretende evidenciar a identificação do parti-
cipante sobre o local investigado.

Momento 2
Perguntar se todas as imagens retratam o local que o investigador está pesquisan-
do. Caso uma ou mais imagens não sejam percebidas como do local da investigação,
solicitar que sejam separadas. Isso pode evidenciar a percepção ou conhecimento do

150
participante sobre o local investigado, a ser analisado posteriormente. Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
investigação

Momento 3
Solicitar ao participante que separe as imagens segundo os contrastes já preco-
nizados pelo pesquisador. Pedir que o participante organize as fotografias em tantos
grupos quanto julgar pertinente sobre a temática investigada.
Nesse momento do jogo, finalizada a organização dos grupos de imagens, per-
guntar ao participante primeiro sobre um dos lados do contraste investigado: (Aqui é
importante que os diálogos sejam gravados para posterior registro e análise).
- Quantos grupos organizou?
- Como denomina cada grupo?
Com as fotografias já numeradas no verso para não influenciar o participante, inda-
gar: o que cada grupo significa, o que retratam, porque ocorrem, se aquelas imagens
retratam situações visíveis no lugar da investigação, de quem é a responsabilidade, etc.

NOTA: É muito importante que cada grupo de imagens seja registrado (anotar os
números das fotografias agrupadas. A numeração deve ser previamente realizada no
verso) pelo pesquisador em uma ficha, para confrontar quando das análises dos resul-
tados, quais imagens retratam a percepção do ator entrevistado. Isso contribui para
evidenciar a percepção ambiental individual e coletiva.

Momento 4
Conversar sobre o grupo ou grupos de imagens opostas às situações investigadas
no momento 3, repetindo os questionamentos, ou seja:
- Quantos grupos organizou nessa situação (ou simplesmente anotar)?
- Como denomina o grupo, ou cada grupo?
Registrar o número do verso das fotografias e indagar: o que o grupo significa, o
que retratam, porque ocorrem, se aquelas imagens retratam situações visíveis no lugar
da investigação, de quem é a responsabilidade, etc.
O uso de imagens para a PP é fundamental. De acordo com Lima (2001, p. 37), a
imagem:

[...] é sempre uma manipulação da realidade. Nunca a experiência direta pode


ser comparada com a imagem que tem como modelo a realidade. A reprodução
da realidade é de alguma maneira a captação da essência desta para a mediati-
zação de percepções, de acordo com os objetivos a que se propõe o ‘apresen-
tador’ e/ou ‘leitor’. Quanto maior o nível de semelhanças e coincidências com
a realidade, dizemos que a imagem tem um alto nível de ‘iconicidade’, pois
reproduz a realidade com maior exatidão.

151
MÉTODOS E TÉCNICAS O Jogo da Percepção é fundamentalmente um instrumento focado no efeito da
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO imagem. Ferreira (1999) postula que a imagem é a “Representação dinâmica, cinema-
tográfica ou televisionada, de pessoa, animal, objeto, cena [...] Produto da imaginação,
consciente ou inconsciente [...] Aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter com
ela semelhança ou relação simbólica; símbolo”.
Nosso Jogo da Percepção encontra sustentação nas ideias de Peirce, esclarecidas
por Banti (1996, p. 17), para quem “[...] a ação de uma idéia para tornar vívida outra
idéia associada a ela, é designado pelo termo ‘sugestão’. Este último termo é usado
também para designar fenômenos motores ou manifestações da mente observados de
fora.” Para nós, a sugestão das fotografias que escolhemos para compor o jogo teve
essa característica: estimular a reflexão sobre os fenômenos culturais que engendram
a percepção ambiental, individual e coletiva da comunidade investigada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das maiores contribuições na realização de uma investigação participante é a
oportunidade que tanto os pesquisadores quanto os atores sociais têm para vivenciar
o processo de produção de conhecimento, pela aproximação e troca de experiências
dos envolvidos nessa modalidade de estudo.
Durante a realização de uma PP, pesquisadores e pesquisados tendem a discutir
questões importantes, tais como a cidadania, a ética, os direitos, os deveres, a atuação
do poder público, os valores culturais, a forma de uso e hábitos, entre outros. Tais
questões, geralmente, são problematizadas em reuniões ad hoc, nas quais elas são
questionadas, argumentadas e debatidas, mesmo que entre os participantes haja pes-
soas analfabetas ou com baixo nível de escolaridade. O que se pretende é a produção
coletiva do saber em que o pesquisador/educador fazendo uso da interação dialética
sujeito-objeto, contribui com o grupo participante para avaliar o contexto no qual está
inserido, sua organização social e política.
As reflexões e significações produzidas pelo grupo participante objetivam levar os
atores sociais a conceber determinados problemas de seu contexto para que ações
possam ser planejadas e executadas na defesa de seus interesses. Trata-se de um cons-
tante desafio levar a efeito o pressuposto da PP, ou seja, agir com os atores sociais
participantes para promover a produção de conhecimentos e ações coletivas para o
bem comum aproximando-os, paulatina e continuamente, da condição de sujeitos do
processo investigativo.
Os resultados de uma pesquisa participante precisam ser comunicados tanto para o
registro das produções da ciência quanto para os atores sociais envolvidos.
Uma PP implica em uma ciência simples, com estrutura metodológica e técnica que

152
visa à realização de tarefas científicas, muitas vezes em condições adversas e primitivas Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
com o uso de recursos locais. Muitas vezes impõe ao pesquisador abandonar sua con- investigação

dição tradicional de erudito, rompendo as relações assimétricas entre pesquisadores e


pesquisados e passando a considerar as pessoas das bases sociais como sujeitos ativos
no processo da investigação.

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Piracicaba, SP. Anais... Piracicaba, SP: [s.n.], 1984.

Proposta de Atividade

1) Você conheceu uma comunidade de catadores de recicláveis que trabalham em um am-


biente de risco para a saúde psicológica e fisiológica. Propõe-se a investigar maneira de a
comunidade superar alguns problemas decorrentes desse tipo de trabalho. Como iniciaria
uma Pesquisa Participante? Como promoveria a participação dos atores sociais desse local?
Como a educação contribuiria com a Pesquisa Participante?

155
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações

156

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