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DE PESQUISA EM EDUCAÇÃO
EDITORA DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ
CONSELHO EDITORIAL
EQUIPE TÉCNICA
Métodos e Técnicas
de Pesquisa em
Educação
2. ed. - revisada e ampliada
2
Maringá
2010
Coleção Formação de Professores - EAD
ISBN 978-85-7628-233-4
CAPÍTULO 1
O primeiro projeto de pesquisa: algumas orientações > 11
Ana Cristina Teodoro da Silva
CAPÍTULO 2
Ética na pesquisa e o lugar do pesquisador no mundo
José de Arimathéia Cordeiro Custódio
> 25
CAPÍTULO 3
O que é iniciação à ciência e à pesquisa?
Raymundo de Lima
> 37
CAPÍTULO 4
Metodologia, métodos e técnicas de pesquisa em educação:
princípios básicos
> 53
Luzia Marta Bellini
CAPÍTULO 5
Método, explicação científica e pesquisa acadêmica > 67
Evandro Luis Gomes
3
MÉTODOS E TÉCNICAS CAPÍTULO 6
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Orientações para a utilização de entrevistas, questionários, > 87
tabelas e gráficos em pesquisas educacionais
Patrícia Lessa
CAPÍTULO 7
Imagens fotográficas como fonte de pesquisas nos campos > 101
da história e da educação
Henrique M. Silva / Ivana Guilherme Simili
CAPÍTULO 9
Pesquisa participante, métodos e técnicas de investigação >135
Carlos Alberto Mucelin / Luzia Marta Bellini
4
S obre os autores
Ana Cristina Teodoro da Silva
Professora do Departamento de Fundamentos da Educação da
história da Lógica.
Catarina
5
MÉTODOS E TÉCNICAS José de Arimathéia Cordeiro Custódio
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Jornalista do Departamento de Comunicação da Universidade Estadual de
(UnB).
Raymundo de Lima
Professor do Departamento de Fudamentos da Educação da Universidade
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A presentação da Coleção
A coleção Formação de Professores - EAD teve sua primeira edição publicada em
2005, com 33 títulos financiados pela Secretaria de Educação a Distância (SEED) do
Ministério da Educação (MEC) para que os livros pudessem ser utilizados como material
didático nos cursos de licenciatura ofertados no âmbito do Programa de Formação de
Professores (Pró-Licenciatura 1). A tiragem da primeira edição foi de 2500 exemplares.
A partir de 2008, demos início ao processo de organização e publicação da segunda
edição da coleção, com o acréscimo de 12 novos títulos. A conclusão dos trabalhos
deverá ocorrer somente no ano de 2012, tendo em vista que o financiamento para
esta edição será liberado gradativamente, de acordo com o cronograma estabelecido
pela Diretoria de Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES), que é responsável pelo programa denominado
Universidade Aberta do Brasil (UAB).
A princípio, serão impressos 695 exemplares de cada título, uma vez que os livros
da nova coleção serão utilizados como material didático para os alunos matriculados
no Curso de Pedagogia, Modalidade de Educação a Distância, ofertado pela Universi-
dade Estadual de Maringá, no âmbito do Sistema UAB.
Cada livro da coleção traz, em seu bojo, um objeto de reflexão que foi pensado
para uma disciplina específica do curso, mas em nenhum deles seus organizadores
e autores tiveram a pretensão de dar conta da totalidade das discussões teóricas e
práticas construídas historicamente no que se referem aos conteúdos apresentados. O
que buscamos, com cada um dos livros publicados, é abrir a possibilidade da leitura,
da reflexão e do aprofundamento das questões pensadas como fundamentais para a
formação do Pedagogo na atualidade.
Por isso mesmo, esta coleção somente poderia ser construída a partir do esforço
coletivo de professores das mais diversas áreas e departamentos da Universidade Esta-
dual de Maringá (UEM) e das instituições que têm se colocado como parceiras nesse
processo.
Neste sentido, agradecemos sinceramente aos colegas da UEM e das demais insti-
tuições que organizaram livros e ou escreveram capítulos para os diversos livros desta
coleção.
Agradecemos, ainda, à administração central da UEM, que por meio da atuação
direta da Reitoria e de diversas Pró-Reitorias não mediu esforços para que os traba-
lhos pudessem ser desenvolvidos da melhor maneira possível. De modo bastante
7
MÉTODOS E TÉCNICAS específico, destacamos o esforço da Reitoria para que os recursos para o financiamento
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO desta coleção pudessem ser liberados em conformidade com os trâmites burocráticos
e com os prazos exíguos estabelecidos pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação (FNDE).
Internamente enfatizamos, ainda, o envolvimento direto dos professores do De-
partamento de Fundamentos da Educação (DFE), vinculado ao Centro de Ciências
Humanas, Letras e Artes (CCH), que no decorrer dos últimos anos empreenderam
esforços para que o curso de Pedagogia, na modalidade de educação a distância, pu-
desse ser criado oficialmente, o que exigiu um repensar do trabalho acadêmico e uma
modificação significativa da sistemática das atividades docentes.
No tocante ao Ministério da Educação, ressaltamos o esforço empreendido pela
Diretoria da Educação a Distância (DED) da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal do Ensino Superior (CAPES) e pela Secretaria de Educação de Educação a
Distância (SEED/MEC), que em parceria com as Instituições de Ensino Superior (IES)
conseguiram romper barreiras temporais e espaciais para que os convênios para a li-
beração dos recursos fossem assinados e encaminhados aos órgãos competentes para
aprovação, tendo em vista a ação direta e eficiente de um número muito pequeno de
pessoas que integram a Coordenação Geral de Supervisão e Fomento e a Coordenação
Geral de Articulação.
Esperamos que a segunda edição da Coleção Formação de Professores - EAD possa
contribuir para a formação dos alunos matriculados no curso de Pedagogia, bem como
de outros cursos superiores a distância de todas as instituições públicas de ensino
superior que integram e ou possam integrar em um futuro próximo o Sistema UAB.
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A presentação do livro
Este livro é resultado de um trabalho coletivo iniciado em 2005, quando saiu sua
primeira versão. De 2005 a 2009, a versão inicial foi utilizada pelas turmas de Ensino
a Distância do Curso Normal Superior da Universidade Estadual de Maringá. Graças
ao uso dos alunos e dos tutores, a primeira edição pôde ser repensada. Pudemos
anotar, durante as aulas no EAD, quais foram os acertos, quais foram as inadequações
e corrigi-las.
Desse modo, a segunda edição do livro Metodologia e Técnicas de Pesquisa em
Educação, de 2010, além de apresentar capítulos revisados, ganhou novos textos.
Esses capítulos são essenciais para uma melhor compreensão do universo das investi-
gações pedagógicas.
O livro Metodologia e Técnicas de Pesquisa em Educação, em sua segunda
edição, conta com nove capítulos e define Metodologia como uma disciplina geral que
discute a epistemologia, os diferentes métodos e o conjunto de técnicas, ou métodos
em atos, como afirmou Michel Thiollent. É o campo de debate que abrange a meto-
dologia como atividade filosófica e cognitiva. O livro traz a noção de que o estudo da
metodologia é aquele que qualifica o estudante para examinar as teorias, os métodos
e as técnicas de pesquisa.
O campo dos estudos metodológicos não é fácil. Comporta o estudo de filosofia
das ciências, dos diferentes métodos e das técnicas. Geralmente, metodologia é com-
preendida com a aplicação das normas e técnicas, ou oposta a essa concepção, é vista
como o levantamento das tendências teórico metodológicas de determinados contex-
tos históricos. No entanto, metodologia é muito mais do que o estudo das teorias ou
das normas. Do século XIX ao século XXI, esse campo cresceu em complexidade e em
produções.
No século XIX, tivemos um marco histórico, que foi a inauguração do estatuto epis-
temológico das investigações científicas com o positivismo. A oposição ao positivismo
gerou outros modos de pensar o mundo e seus fenômenos, como o materialismo
dialético e a teoria compreensiva. Todavia, o século XX foi além dessas três dimen-
sões ou balizas teóricas. O pós-positivismo ou o positivismo lógico, o refutacionismo
de Popper, a noção de paradigma de Thomas Kuhn, a fenomenologia, a filosofia da
matemática de Lakatos inspirada na dialética de Hegel e Marx e pelo refutacionismo
de Popper, as provocações anarquistas de Feyrabend foram tendências da filosofia das
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MÉTODOS E TÉCNICAS ciências que envolveram o campo da Metodologia. Não podemos ignorá-las, sob pena
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO de nos tornamos anacrônicos.
No século XXI, os debates do campo metodológico já não são aqueles entre o
quantitativo e o qualitativo; foram além. Hoje, se orientam sob o signo da interdiscipli-
naridade e da integração de métodos para atender diferentes campos de estudo, entre
eles o da Pedagogia. Embora este livro não trate de todos os detalhes desses debates
e das dimensões particulares de cada método, ele anuncia que o mundo dos estudos
metodológicos é muito rico; pontua alguns métodos e técnicas para a investigação em
educação e dá o tom básico a um livro de Metodologia: pensar e fazer são movimen-
tos inseparáveis daqueles que pretendem ver o mundo dos conhecimentos da outra
forma.
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1 O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
orientações
Ana Cristina Teodoro da Silva
1 Sobre a leitura que cria e recria ideias, ver Paulo Freire (1981).
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MÉTODOS E TÉCNICAS próprio de cada pesquisador, daquele que tem dúvidas, inquietações, que vê relações
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO intrínsecas entre seu trabalho e seu estudo. Esse caminho vocês estão construindo, e
ele vai construir vocês.
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mensurados, mas sobretudo quem nunca desiste de questionar a realidade, sabendo O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
que qualquer conhecimento é apenas recorte” (1996, p. 20). O conhecimento é um orientações
Pode-se executar seriamente até uma coleção de figurinhas: basta fixar o tema,
os critérios de catalogação, os limites históricos da coleção. Decidindo-se não
remontar além de 1960, ótimo, pois de lá para cá as figurinhas não faltam. Have-
rá sempre uma diferença entre essa coleção e o Museu do Louvre, mas melhor
do que fazer um museu pouco sério é empenhar-se a sério numa coleção de
figurinhas de jogadores de futebol de 1960 a 1970 (ECO, 1995, p. 4).
Não se quer com isso desencorajar quem queira fazer um museu. Entretanto será
necessário dividir a tarefa em muitos passos, e, com humildade, olhar para as próprias
ferramentas e capacidades para distinguir qual seria o primeiro passo. Sem esquecer-
se de verificar se existem fontes para a questão posta (figurinhas no século XIX talvez
sejam impossíveis). E, ainda, se os instrumentos para fazer a análise proposta estão
disponíveis. Nós, por exemplo, não seríamos capazes de analisar as obras do Louvre.
Para fazer pesquisa é necessário planejamento (eis aí a importância do projeto!),
e essa é uma experiência que se leva para toda a vida, pois significa aprender a por
ordem nas ideias. “Não importa tanto o tema da tese quanto a experiência de trabalho
que ela comporta” (ECO, 1995, p. 5). Tudo o que for feito: pesquisas nas bibliotecas,
fichamentos, escritas e re-escritas, conversas com professores, comentários no bar...
tudo ajudará a esculpir uma nova pessoa – por isso é bom que seja bem feito, são
lições de formação.
Um requisito fundamental a um bom trabalho é que o pesquisador faça boas leitu-
ras. Não sem razão os cursos de Metodologia da Pesquisa, via de regra, são iniciados
problematizando a análise de textos.2 Deve-se ler o máximo possível, resguardando a
qualidade da leitura. Reflexão não combina com pressa, com cumprir tabelas e horá-
rios. Vocês estão se formando, e o que lembrarão é menos o conteúdo dos textos e
mais a experiência da leitura, o como leram, o movimento interior envolvido, o des-
pertar para outras formas de pensar o mundo.
2 Para refletir a respeito, estudem o capítulo “Diretrizes para a leitura, análise e interpretação de
textos” de Severino (1986, p. 121-135).
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MÉTODOS E TÉCNICAS O tema deve ser algo que apaixone. É comum pensar qual o tema mais ou menos
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO trabalhoso. Tema difícil é aquele trabalhado sem estímulo, sem gosto. A pesquisa é
criativa, pode descobrir relações novas, questionar o saber vigente, estabelecer co-
nhecimento novo, forçar o surgimento de alternativas. “Uma definição pertinente de
pesquisa poderia ser: diálogo inteligente com a realidade, tomando-o como processo
e atitude, e como integrante do cotidiano” (DEMO, 1996, p. 36-7).3 Para Pedro Demo,
a pesquisa é científica e educativa, compõe o “processo emancipatório” que constitui
um sujeito crítico, autocrítico e participante, “capaz de reagir contra a situação de
objeto e de não cultivar os outros como objeto” (DEMO, 1996, p. 42).4 Tal processo
apenas é possível se estamos conectados à nossa realidade, em uma rel ação que é
também afetiva.
Pesquisa é “conquista lenta e progressiva”, contudo há que se começar. Primeiro,
aprender a aprender, não copiar, não se recusar à elaboração pessoal (DEMO, 1996, p.
64). É difícil ocorrer boa elaboração com meras cópias, leituras ruins, feitas pela meta-
de ou número prévio de páginas estabelecidas. “É o aluno que deve saber descobrir o
que ler, quanto ler, como ler, para formar o seu próprio juízo. Sobretudo, deve saber
justificar quando e por que julga ‘ter dado conta do tema’, sem empáfias exaustivas”
(DEMO, 1996, p. 67). A autocrítica é fundamental. Vocês estão constituindo um cami-
nho profissional (lembrem-se: toda professora deve ter postura de pesquisadora), um
caminho cidadão, constituindo suas opções políticas e éticas. Bom mesmo é, ao final
de um trabalho, poder dizer ‘fiz o meu melhor’.
3 Demo lembra que a realidade é sempre maior do que conseguimos captar e que há outras
portas paralelas para a emancipação – a arte, por exemplo. Ainda nesse livro, que se encontra
na BCE, há um bom comentário sobre a distinção feita entre pesquisa qualitativa e quantitativa
(1996, p. 20).
4 Poderia ter sido “o primeiro projeto a gente nunca esquece”; seria bonitinho, mas perderia
em clareza.
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diferentes. Mesmo dentro de uma mesma instituição, tais itens podem ser diferencia- O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
dos, de acordo com os objetivos a que se propõem (afinal, há pesquisa de iniciação orientações
• Título
• Resumo
• Palavras-chave
• Introdução
• Justificativa
• Objetivos
• Metodologia
• Cronograma
• Referências
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MÉTODOS E TÉCNICAS simples. Apresenta o tema, a problemática e a hipótese de trabalho, bem como as fon-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO tes, o método a ser utilizado, os objetivos que se pretende alcançar. Tudo isso em mais
ou menos vinte linhas (exigência que pode variar um pouco).
As palavras-chave são aquelas que geram a identidade do trabalho, sem as quais
nem conseguiríamos falar do que estamos fazendo. Servem para guiar o leitor e para
catalogar o trabalho. Quais seriam as palavras-chave deste capítulo, por exemplo? “Pes-
quisa” sem dúvida seria uma delas, mas não apenas, porque o texto não trata da pes-
quisa em geral. Outra palavra-chave seria “projeto” e, talvez, “iniciação científica”, para
marcar que se discorre de um projeto de pesquisa de iniciantes.
Na introdução cabe apresentar o tema, o problema a ser estudado, o fenômeno
que se deseja analisar, explicar o enfoque, seus contornos e limites. Pensem no leitor,
o objeto de investigação precisa ser reconhecido por ele. Apresente com clareza, narre
como nasceu o problema, como se chegou a ele. Explique os conceitos novos.
O espaço e o tempo da pesquisa precisam estar claros. Por exemplo, não se inves-
tiga a educação especial, e sim uma proposta de trabalho com crianças portadoras de
deficiência auditiva, de 3 a 6 anos, em um colégio de Maringá, em 2005. As opções
feitas precisam ser justificadas. Por que estudar necessidades especiais? Por que porta-
dores de deficiência auditiva? Por que de 3 a 6 anos? Por que a opção por um colégio
específico? Por que no período proposto?
O tema é abrangente, a problemática indica a dificuldade específica. Há que se ter
uma dificuldade, uma pergunta – boas perguntas são bons inícios para chegar a uma
problemática –, uma contradição, um caminho a se testar. “Você terá um problema de
pesquisa se e somente se você e seus leitores concordarem que as duas partes, você e
eles, não sabem ou não entendem algo, mas que deveriam saber ou entender” (BOO-
TH et al, 2000, p. 303). Procure identificar a questão que deve ser elucidada. Há que se
ter uma inquietação, que vencer um desafio. Fazer o projeto é sistematizar um trabalho
futuro, e esse momento traz muitas dúvidas, gera a angústia do desconhecido, ainda
mais que a pesquisa nasce de algo que não se sabe. Porém se aprende a suportar os
limites do conhecimento.
Propor um bom problema é muito importante. Em algumas pesquisas, um bom
problema é o melhor resultado. Alguns artigos publicados chegam a ponto de propor
problemas, e não a resolvê-los. Achem um problema que seja importante e só prome-
tam o que forem capazes de cumprir. A problemática será, no decorrer da pesquisa,
o guia para a estruturação do raciocínio. Além disso, a formulação da pergunta dá
indícios do caminho metodológico a seguir.
Uma vez apresentada a temática e exposto o problema, apresenta-se uma hipótese
de trabalho que corresponde a um ensaio de resposta ao problema levantado, uma
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suposição.6 A hipótese é sempre provisória, pois ainda não foi demonstrada; adquirida O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
mediante a leitura, observações e experiências pessoais. Pode ganhar o “status” de orientações
6 Muito vago? É a angústia do livre arbítrio. Melhor que determinar qual é o “bom” caminho.
A discussão sobre metodologia será aprofundada no capítulo 4.
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MÉTODOS E TÉCNICAS As fontes podem ser do presente ou do passado, um fragmento de caneca en-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO contrado em um sítio arqueológico pode ter muito a dizer sobre uma coletividade
que esteve naquele local. Observem: foi usada originalmente como caneca (ou te-
ria sido como instrumento ritualístico?), há séculos ou milênios. Mas hoje, para o
pesquisador, é fonte de pesquisa, fala a respeito dos hábitos de sua coletividade, da
tecnologia disponível e outras relações.
Sugere-se que, ao optar por uma ou mais fontes, o pesquisador procure traba-
lhos importantes que tenham dialogado com fontes do mesmo tipo, para, junto com
os outros autores-pesquisadores, pensar e discutir sobre o diálogo com seu material.
Muito mais poderia ser dito sobre as fontes, mas, por ora, basta anotar que, na
introdução do projeto, é necessário esclarecer quais serão as fontes da pesquisa.
Na justificativa, responde-se qual a importância de investigar o tema escolhido.
Vale a pena trabalhá-lo? Não é um tema óbvio? Deve-se mostrar qual a relevância
da proposta, que contribuições traz para a sociedade, quais as consequências e im-
plicações de não se saber a respeito do tema. Expõe-se também qual a experiên-
cia do pesquisador e discute-se a viabilidade do projeto (no tempo disponível, por
exemplo).
Deve ser discutida também qual a contribuição da proposta para o conhecimento
científico, para o que é necessária a revisão bibliográfica sobre o tema, procurando
identificar o que já se sabe a respeito. Busca-se a consciência das matrizes teóricas
que legitimam o projeto e quais os interesses envolvidos. Com a revisão bibliográ-
fica, certo caminho pode ser reconhecido como pertinente ou pode ser visto como
equivocado. A discussão com a bibliografia dá uma visão geral do tema, ajudando a
medir o tamanho do esforço necessário para a empreitada em comparação com o
“tamanho de nossas pernas”. “Diante de circunstâncias limitantes, como tempo dis-
ponível, recursos, instrumentos empíricos, é possível assumir o tema em maior ou
menor profundidade” (DEMO, 1996, p. 66). Ou seja, não é necessário desistir por
conta de uma limitação de capacidade ou tempo, e sim saber recortar os interesses.
Cada tema tem seus clássicos que precisam ser consultados, porque não se po-
dem desprezar os caminhos já trilhados por séculos de conhecimento apenas tendo
noções prévias do conhecimento já existente que uma problemática pertinente é ca-
paz de surgir. A ausência de um trabalho muito importante na área de estudo indica
imaturidade da proposta. É comum a contraposição a trabalhos anteriores, para o
que a capacidade de abordar criticamente a bibliografia é fundamental.
A introdução e a justificativa são apresentadas em forma de texto, o que não é o
caso dos objetivos, usualmente em tópicos e com os verbos no infinitivo. No objeti-
vo geral, responde-se que meta se quer alcançar, para que se propõe o estudo, qual
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seu sentido, sua utilidade, que resultados são esperados; nos objetivos específicos, O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
que etapas devem ser atingidas para solucionar o problema, quais os passos teóricos orientações
7 Para uma explicação sobre a organização dos materiais nas bibliotecas, é útil ver o capítulo
“uso de biblioteca e documentação”, em Salomon (2001, p. 289-298).
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MÉTODOS E TÉCNICAS os textos fundamentais do tema a ser investigado. Um dos primeiros passos da pes-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO quisa é procurar conhecer a produção existente acerca do tema e sobre questões
afins, ou seja, fazer o levantamento bibliográfico. As referências podem ser encon-
tradas em bibliotecas, na Internet, junto aos professores. As pesquisas são realizadas
tendo em mãos nomes de autores, títulos de obras ou palavras-chave do tema. Além
de livros, há teses, monografias e periódicos especializados. Conversem com profes-
sores que trabalham com o tema, que podem dar dicas importantes e indicar auto-
res especializados para uma nova consulta à biblioteca. Pensem se há possibilidade
de adquirir aqueles livros que, de tão fundamentais, serão “companheiros diários”
no trajeto da pesquisa. Dica: visitas aos sebos de livros sempre oferecem surpresas
baratas.
Parte das referências básicas deve ser estudada já para o projeto. A apresentação
daquelas que serão lidas no processo da pesquisa é indispensável, em nosso caso.
Portanto, apresentem separadamente as referências estudadas para compor o proje-
to e o levantamento bibliográfico que incorporará todo o material encontrado sobre
o tema e que poderá ser útil no processo de pesquisa.
Tudo isso às vezes exige bastante disciplina. Vocês podem imaginar o quanto um
pesquisador deve ser responsável. Todavia, dá orgulho fazer um trabalho assim.
A apresentação do projeto deve ser de acordo com as normas da ABNT para
trabalhos científicos. Cada parte do projeto deve iniciar em uma nova página. O
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trabalho deve ser digitado de acordo com as configurações presentes nas normas, O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
que devem nortear também as referências e citações.8 orientações
Lembrem-se de que sempre escrevemos para alguém, pensem no leitor, é uma boa
estratégia de clareza. Escrevam explicando bem as ideias, é assim que agem os grandes
autores. Definam os termos utilizados. Passem o texto para colegas lerem e utilizem o
professor de cobaia, é necessário saber se estamos sendo entendidos, para isso, é útil
que outros leiam nossos textos.
Textos raramente ficam bons na primeira versão. É preciso reconhecer que ler um
texto mais de uma vez pode ser fundamental e que escrever exige fazer e refazer. A
imagem de papéis que embolamos e jogamos fora é normal, compõe o processo. Vo-
cês devem entender a necessidade da crítica. Se alguém diz apenas “legal” ao ler um
texto, desconfiem.
É comum ouvir: ‘certo, professora, entendi as partes do projeto, mas como escre-
ver?’ Perguntamo-nos como responder a isso, pois a habilidade de leitura e escrita
parece estar na raiz de tudo isso. Por ora, conseguimos responder que é necessário
valorizar o erro, na medida em que o erro dá oportunidade de superação. Escrever
é trabalhoso, e pouca gente é capaz de escrever de uma vez, do começo ao fim, sem
hesitar ou precisar revisar.
Enfim, o projeto de pesquisa é o planejamento do caminho, explicita as etapas de
trabalho e como será feito, o que possibilita pensar previamente sobre a viabilidade
do que se propõe quanto aos métodos, as técnicas e ao tempo disponível. Pode ser
alterado no decorrer da pesquisa, com o surgimento de novos dados ou referências
imprevistas. Tais alterações devem ser bem pensadas e discutidas com o orientador.
Projeto é já um início de trabalho, o esforço de pensar (e sonhar) o caminho. É
um preparo que demonstra a pertinência da trilha a ser percorrida. Projeto não traz
resultados de pesquisa, o que só ocorrerá com a pesquisa pronta. No caso de nosso
curso (METEP), vocês terão sido bem sucedidos se aprenderam a questionar como é
feita a ciência; se aprenderam que é necessário planejar os trabalhos científicos e se
retomarem essas orientações em seus trabalhos de conclusão de curso, que é outro
momento da mesma história.
8 Regras preciosas sobre quando e como citar são apresentadas por Umberto Eco (1995, p. 121-
127). Mais à frente, trata também das notas de rodapé. O autor é debochado, dizendo coisas do
tipo: não escolha um orientador por conveniência ou preguiça. Diversos exemplares desse livro
são encontrados na BCE.
21
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Referências
BOOTH, Wayne C.; COLOMB, Gregory G.; WILLIAMS, Joseph M. A arte da pesquisa.
Tradução de Henrique A. Rego Monteiro. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 7. ed. São Paulo: Cortez,
1996.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 12. ed. Tradução de Gilson César Cardoso de
Souza. São Paulo: Perspectiva, 1995.
SALOMON, Délcio Vieira. Como fazer uma monografia. 10. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
Proposta de Atividade
1) Visitem algumas bibliotecas e procurem saber como são organizadas, que setores possuem,
como é feita a catalogação das obras.
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5) Na escola, o que poderia ser fonte de pesquisa? O primeiro projeto de
pesquisa: algumas
orientações
6) Quando ouvir falar em pesquisa (na televisão, no jornal, no estudo), procure saber qual a
fonte utilizada e como foi abordada. Lembre-se que um dos critérios do estudo científico é
divulgar suas fontes e seus métodos.
7) Sua cidade tem um sebo de livros? Visite-o e veja o que tem que diz respeito à Educação.
Caso viaje a outra cidade, procure visitar suas bibliotecas e sebos.
Anotações
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MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações
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2 Ética na pesquisa
e o lugar do
pesquisador no mundo
José de Arimathéia Cordeiro Custódio
Este capítulo começa e termina com um conselho. Conforme o que você, leitor,
entende por conhecimento científico, ali estará sua ética, pois esta está subordinada,
entre outros, aos conceitos de ciência e conhecimento.
A ética na pesquisa tem muito a ver com a visão de mundo. O pesquisador busca
a legitimidade de sua pesquisa em algum fundamento ético que lhe dá conforto inte-
lectual ou moral. É desse “lugar” confortável que ele desenvolve toda a sua pesquisa.
Ética, porém, é muito mais do que seguir um conjunto de regras escritas e consagradas
(um Código).
Ética – em pesquisa ou em qualquer contexto – tem a ver com diálogo: é o diálogo
entre o pesquisador e os outros atores envolvidos na pesquisa. Note que não falamos
em “objeto” de pesquisa, como normalmente acontece, porque nem sempre a pesqui-
sa é sobre um objeto, mas sobre outras pessoas. E pessoas nunca são objetos – nem de
pesquisa. Esse é um ponto importante e bom início de reflexão ética.
Mas já lançamos vários pontos de reflexão de uma vez. Vamos nos deter um pouco
em cada um dos aspectos apresentados.
Quando se fala em ética, pensa-se logo em um conjunto de princípios e parâmetros
de conduta. De fato, a ética é como um fundamento, um alicerce assentado sobre o
modo de ver o mundo. Ela é formada por um conjunto de valores nascidos dessa visão
de mundo, e desse fundamento nascem condutas, leis, crenças, atitudes, normas e
sanções.
Vamos dar um exemplo elucidativo: no livro do Gênesis, capítulo 4, versículos 8 a
10, encontramos a passagem em que Deus pede contas de Abel a Caim, que acabou
de matar o irmão. Caim responde simplesmente: “Por acaso sou guardião do meu ir-
mão?”. Podemos falar aqui em uma “ética de Caim”, que despreza seu semelhante com
tal intensidade que nem remorso há pelo homicídio.
Uma sociedade pautada pela “ética de Caim” não se importará com os mendigos nas
calçadas, com as guerras no outro continente, com as prisões superlotadas, com per-
seguições religiosas, nem mesmo com a pesquisa experimental realizada em – outros
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MÉTODOS E TÉCNICAS – seres humanos. Placebo para estudo comparativo em mulheres com AIDS na África?
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Ah, mas é lá na África! Tudo pelo bem da aquisição de conhecimento. Por que não fa-
zer estudos em presidiários, negros pobres, idosos sem família em asilos ou pacientes
de hospitais psiquiátricos? Chegou tarde: já fizeram tudo isso em décadas passadas,
e demorou a alguma voz vencer a ética de Caim e gritar contra essa prática antiética.
Infelizmente a sociedade ainda não grita pelo Abel de hoje, talvez pelo motivo que
o Skank apresentou: “a nossa indignação é uma mosca sem asas; não atravessa a janela
de nossas casas”. Menos Caim e mais São Francisco de Assis, eis um bom fundamento
ético.
Começa a se perceber como a ética está atrelada à visão de mundo. Em outras
palavras, tais visões definem os sistemas econômicos, educativos, jurídicos e, claro,
científicos. Qual é o mais importante Ministro de Estado? Todos vão dizer que é o
da Fazenda (ou Economia), portanto estamos diante de uma sociedade que valoriza
muito mais um orçamento do que um projeto pedagógico ou o patrimônio cultural.
Algum leitor dirá: ora, mas como levar adiante um bom projeto pedagógico ou preser-
var o patrimônio cultural sem recursos financeiros? Pois é: esse já não escapa mais da
armadilha montada pela ética subjacente.
Agora faça uma enquete e pergunte a algumas pessoas se são felizes. A quem res-
ponder negativamente, pergunte-lhe por quê. Possivelmente ela responderá que lhe
“falta” alguma coisa, e provavelmente vai se referir a algum bem material, ou seja,
algo a ver com “ter” ou “não ter”. Logo, temos uma sociedade que liga o conceito de
felicidade diretamente ao conceito de “ter”. E um grupo que mede sua felicidade pela
posse e propriedade logicamente será consumista. Haverá os que oferecem novos e
atraentes bens de consumo e aqueles que farão o possível para adquiri-los. Sendo
assim, que ética regula as atitudes desse grupo? Quais valores estão sustentando esta
sociedade? Reflita sobre isso e sobre sua própria visão de mundo.
Em uma sociedade como esta, até informação e conhecimento passam a ser pro-
duto de vitrine. Será que esse frenesi por aquisição de informação cada vez em maior
quantidade e velocidade não é produto dessa visão de mundo do “ter”? Quando foi
que a quantidade e velocidade da informação passaram a ser mais importantes do que
a qualidade do conhecimento? Pense a respeito.
É uma sociedade que privilegia a informação em quantidade em detrimento da
formação de qualidade que gera, por exemplo, os famosos trabalhos acadêmicos “con-
trol C, control V”. Em tempos de Internet, aí reside um perigo. A sociedade industrial
também gerou escolas, cursos e monografias produzidas em escala e comercializadas.
É exatamente por esse motivo que afirmamos, lá no início, que onde está a sua
visão de mundo e de conhecimento, lá estará sua ética.
26
Mas dissemos também que a ética é bem mais do que uma antologia de regras Ética na pesquisa
e o lugar do
de conduta codificadas; pois embora várias categorias tenham seu Código de Ética – pesquisador no mundo
como médicos, dentistas, jornalistas, etc. – esses “mandamentos” não dão conta de
responder às demandas da dinâmica da prática profissional. É preciso seguir a lei e
observar as normas codificadas, mas ter sempre em mente que a ética é mais ampla e
profunda.
27
MÉTODOS E TÉCNICAS ponto inicial da possível e nada recomendável desumanização.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Dificilmente, porém, você encontrará algum livro de metodologia de pesquisa que
escape a essa visão de ciência cartesiana. Além disso, ela é aceita pela maioria da comu-
nidade científica e acadêmica. Assim, tendo em mente esse alerta contra a desumani-
zação da pesquisa e da ciência, vamos em frente, paralelo ao esquema de justificativa,
hipóteses, objetivos gerais e específicos, metodologia, etc.. Cabe, contudo, lembrar
que esse é mais um modelo baseado em determinada visão de mundo – mas não a
única e verdadeira.
Mas voltemos aos outros elementos de um projeto de pesquisa. Provavelmente
você, pesquisador, dentro desse modelo de projeto de pesquisa, tem mais facilidade
em definir e elaborar um ou outro. Conhecemos uma professora que adora fazer jus-
tificativas longas e rebuscadas. Muitos dirão que tudo tem sentido apenas a partir das
hipóteses, que serão ou não confirmadas. Esse, por exemplo, é um raciocínio positi-
vista, ou seja, preocupado com resultados. Diante da expectativa de um novo princípio
ativo qualquer, pergunta-se: será que essa substância poderá se tornar um eficaz re-
médio contra – digamos – a depressão? Só uma pesquisa positivista o dirá. Se for bem
sucedida, a indústria transformará o conhecimento científico em produto tecnológico
e, por consequência, um bem de consumo – saúde para quem puder pagar. Se não,
será condenada ao esquecimento.
Estamos diante de uma ética (de pesquisa) de resultados, sem falar na ética do con-
sumo, a que já nos referimos. Dirão uns: e daí que para testar o medicamento usaremos
placebo em cem pessoas? Pense nos milhões que serão beneficiados. Apresentamos-lhe a
ética utilitarista. Ela lhe parece razoável? Sim, parece justo somente quando o observador
está em uma posição confortável. Agora imagine que você acabou de ver duas vans esco-
lares caírem em um rio e as portas só abrem por fora. Em uma estão 15 crianças; na outra,
só uma: o seu filho. Não há tempo para abrir as duas. Você vai ser utilitarista também?
Para outros pesquisadores, o importante não é provar nada, mas apenas descrever
ou constatar uma situação. Todavia, naquela visão cartesiana que mencionamos, o mais
importante é a metodologia. Afinal – argumenta-se – como saber se o conhecimento
adquirido é confiável se não é confiável o método que ajudou a chegar lá? Pergunta
sem saída? Não necessariamente, é tudo – sempre – uma questão de visão das coisas.
Por outro lado, há os pesquisadores que partem de uma teoria “consagrada”. Essa
conduta também envolve perigos, pois nem sempre a tradição dá conta de fornecer os
conhecimentos buscados. Na verdade, recomendamos enfoques multidisciplinares. É
preciso lembrar que uma teoria é igualmente um ponto de vista, por melhor que seja.
Tampouco pode o pesquisador se ancorar na objetividade de sua pesquisa, juran-
do por Deus que não interfere nem um pouquinho nos resultados. A objetividade
28
na pesquisa é um mito, assim como a objetividade do jornalista que reporta um fato. Ética na pesquisa
e o lugar do
Todo texto (verbal ou não) é uma leitura de mundo. Certa vez, alguns pesquisadores pesquisador no mundo
29
MÉTODOS E TÉCNICAS que se trata de uma pesquisa linguística, mas não delimitar o fenômeno pesquisado, e
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO utilizar um instrumento bastante abrangente: gravar horas e horas de conversa sobre
todos os assuntos imagináveis. Foi assim que fizeram muitos dos pesquisadores em
Linguística.
30
PARA FINALIZAR... Ética na pesquisa
e o lugar do
Se depois de toda esta reflexão ainda pairam muitas dúvidas sobre a ética, não se pesquisador no mundo
preocupe. No início, era mesmo o Caos. Ética também é uma questão de exercício,
portanto é preciso praticá-la regular e insistentemente. Também dissemos que Ética é
diálogo, por isso um dos melhores exercícios é dialogar com o outro, entendendo “di-
álogo” no sentido mais amplo possível, isto é, conversar consigo mesmo, com o outro,
colocar-se no lugar do outro, experimentar o que o outro conhece, e assim por diante.
O importante é não agir sem reflexão. Abaixo, também deixamos algumas sugestões de
leitura para que você, leitor, dialogue com elas.
Ah, sim, não esquecemos que prometemos outro conselho ao final deste capítulo.
E o conselho é este: na dúvida sobre o seu comportamento ético em pesquisa, siga
este – seja honesto sempre: honesto consigo mesmo, com seu próprio projeto, com
seu objeto de pesquisa, com seus parceiros, com seus métodos e técnicas, com seus
resultados e com suas avaliações. Assim provavelmente errará menos.
Referências
CENCI, Ângelo Vitório. O que é Ética. Passo Fundo: Ed. do Autor, 2000.
MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo:
Paulus, 2004.
31
MÉTODOS E TÉCNICAS PROTA, Leonardo; SIQUEIRA, José Eduardo de; ZANCANARO, Lourenço (Org.).
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Bioética: estudos e reflexões 2. Londrina: EDUEL, 2001.
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em História. São Paulo: Ática,
1998.
ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à
Filosofia. São Paulo: Moderna, 2000.
Ótima leitura para quem inicia no estudo do pensamento filosófico. Aborda conceitos
fundamentais como conhecimento, ciência, moral, estética, em uma perspectiva histórica.
Utiliza várias formas de expressão para a reflexão, como textos literários e histórias em
quadrinhos. Todas as unidades terminam com exercícios.
BRASIL. Normas de pesquisa envolvendo seres humanos (Resolução CNS 196/96). Bioética,
Brasília, v. 4, n. 2, 1996. Suplemento.
Dispositivo legal que regulamenta a pesquisa em seres humanos de qualquer área do
conhecimento.
CENCI, Ângelo Vitório. O que é Ética. Passo Fundo: Ed. do Autor, 2000.
Trata das origens da ética ocidental, as formas do saber ético, especificidades da ética,
normais morais, jurídicas e religiosas, assim como outros aspectos referentes aos funda-
mentos éticos, como a universalidade, a evolução e a prova moral e ética; senso comum,
responsabilidade moral, liberdade, ideologia e limites da ética.
32
GUIMARÃES, Eduardo (Org.). Produção e circulação do conhecimento: política, ciência, Ética na pesquisa
e o lugar do
divulgação. Campinas, SP: Pontes, 2003. pesquisador no mundo
Livro que reúne uma série de artigos e está dividido em três partes. A primeira (A ciência
e sua circulação) e a terceira (Produção de conhecimento e Estado) são úteis. O volume I
(mesmo organizador e editora) também vale como leitura complementar.
MARCONDES FILHO, Ciro. Até que ponto, de fato, nos comunicamos? São Paulo: Paulus,
2004.
Apesar de dirigido mais às áreas de Comunicação e Filosofia, é recomendável às demais,
pois todas – direta ou indiretamente – têm ligação com aquelas duas. Traz na primeira par-
te um claro panorama das correntes históricas de pensamento filosófico (bom para quem
nunca se aprofundou em Filosofia), da Antiguidade até nossos dias. Na segunda, com base
na Filosofia, discute se realmente o homem contemporâneo comunica.
PROTA, Leonardo; SIQUEIRA, José Eduardo de; ZANCANARO, Lourenço (Org.). Bioética: es-
tudos e reflexões 2. Londrina: EDUEL, 2001.
Obra que reúne artigos de profissionais de diversas áreas (Medicina, Enfermagem, Jornalis-
mo, Serviço Social, Psicologia, Biologia, Odontologia) que trazem fundamentos bioéticos
aplicados em problemas da prática de cada um, somadas às reflexões filosóficas. Vários
trabalhos foram apresentados no Congresso Mundial de Bioética (Brasília, 2002).
VIEIRA, Maria do Pilar de Araújo et al. A pesquisa em História. São Paulo: Ática, 1998.
Semelhantemente, apesar de ser voltado mais à pesquisa histórica, dá lições e provoca
reflexão do pesquisador ao questionar determinadas posturas científicas. Discute as fontes
e os passos da pesquisa (incluindo problematização, delimitação do tema, etc.) e aborda
até a relação entre professor-orientador e aluno.
33
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Proposta de Atividade
1) Reúna recortes de jornais e revistas sobre algum assunto que ganhou destaque em todos
eles. Observe as manchetes e as fotografias, se houver. Repare as semelhanças e diferenças
de enfoque. Procure identificar as ideologias presentes nos textos e o fundamento ético
por trás delas. Procure também identificar ideologias ausentes e, portanto, éticas ausentes.
Em um segundo momento, estabeleça um diálogo – apresente seus argumentos a um
interlocutor ou grupo e promova uma discussão. Procure observar, nos argumentos dos
outros, que ética os fundamenta.
2) Tente fazer o mesmo exercício com anúncios publicitários e observar o que eles valorizam
ou desvalorizam em seus textos e imagens: corpo humano; sentidos físicos; cores; senti-
mento familiar; condição econômica; prazer; satisfação de desejos. Depois tente expandir
a observação para novelas, filmes e livros.
3) Passeie pelos espaços da sua cidade e observe a organização das coisas: quem é privilegia-
do e quem fica em segundo plano. Pergunte-se por quê. Observe o espaço dedicado ao
verde, aos animais, idosos, pedestres. Note as sinalizações, as filas, as vitrines, os agrupa-
mentos de pessoas. Qual lógica e quais regras estão sob esta organização espacial?
4) Pense sobre esse pequeno problema: você atropela um cachorro sem querer. Você o leva
ao veterinário e o devolve ao dono, tratado. Se não socorresse o cachorro, você provavel-
mente se sentiria mal. Eis a questão então: você o ajudou por ele (que sofria) ou por você
mesmo (para evitar o mal estar da culpa)? Ou sequer ajudaria? Que ética é essa?
5) Faça uma autoavaliação ética. Pense em que se baseiam suas decisões quanto à família, ao
trabalho, ao grupo social. Analise em que se fundamentam suas opiniões sobre as grandes
questões, como espiritualidade, justiça social, liberdade, verdade, amor, ciência, conheci-
mento, ecologia, moral, ética. Como você define esses valores? Será que você é dogmático
em algum(ns) desse(s) aspectos?
1) Cobaias Humanas: Mostra o caso real ocorrido em Tuskgee (Alabama/EUA), em que cen-
tenas de pessoas sifilíticas, negras e pobres, tiveram negado o acesso à penicilina porque
as autoridades sanitárias americanas queriam descobrir como a doença evoluiria natural-
mente sem tratamento. O caso só foi denunciado depois de três décadas, nos anos 1970.
Também existe o livro.
2) Jenipapo: Filme brasileiro com um protagonista americano, que faz o papel de um jorna-
lista que tenta uma entrevista com um padre ligado ao movimento sem-terra. Como não
consegue a entrevista, mas conhece o padre muito bem, ele inventa a entrevista e publica,
o que põe em perigo a vida do padre pelas mãos dos latifundiários.
34
3) Projeto Secreto - Macacos: Discute a pesquisa em animais. Soldado vai trabalhar em um Ética na pesquisa
e o lugar do
laboratório do Exército americano, onde presencia experiências com animais para testar a pesquisador no mundo
resistência de seres vivos. Sugestão para debate somado à leitura do livro de Peter Singer
(cf. sugestões de leitura).
4) Erin Brockovich, uma Mulher de Talento: Mulher descobre poluição na água consumida
por uma população e denuncia indústria. Interesses corporativos e públicos se confrontam
enquanto a investigação vai aos poucos mobilizando a comunidade.
6) E a vida continua: Mostra os primeiros anos de pesquisa sobre a AIDS nos EUA e as dificul-
dades em avançar. Os primeiros debates foram marcados pelos preconceitos e desconhe-
cimento da doença (o que naturalmente gerou muita especulação), além de tentativas de
isenção de responsabilidade ou envolvimento de algumas agências governamentais.
Anotações
35
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações
36
3 O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
Raymundo de Lima
Um professor pede que os alunos “façam uma pesquisa” junto à Internet. Há aque-
les que simplesmente recortam frases dos textos encontrados na Internet e colam em
uma folha, como se fosse seu, muitas vezes sem citar a fonte. Aprendem, assim, a fazer
plágio1, e pensam que assim fazem pesquisa científica.
Embora não sejam cúmplices do crime de plágio, alunos e professores realizam um
duplo engano: o professor, porque não ensinou a distinção entre pesquisa informal
e pesquisa científica, já que na Internet colhemos dados, artigos, informações sobre
diversos assuntos, nem sempre confiáveis e originais; o aluno, porque deixou se levar
pela esperteza aética, desconsiderando a possibilidade de facilmente ser desmascara-
do na sua falta.
O propósito deste capítulo é dirimir alguns equívocos sobre o que é pesquisar
cientificamente, o que é iniciação científica e qual o seu papel na formação
universitária
Bagno (2005, p. 17) entende que o chamado “levantamento de estudos”, até pode
ser chamado “pesquisa”, assim como os pequenos gestos que empreendemos no dia-
a-dia: uma simples consulta no relógio para ver as horas, a espiada fora da janela a
fim de observar o tempo, a batidinha na porta do banheiro para saber se tem gente
dentro, conversar com alguém para saber sobre o ambiente de trabalho, enfim, esses
atos podem ser considerados pesquisa. Evidentemente, são pesquisas rudimentares,
informais, assistemáticas, mas, não são pesquisas científicas. Há ainda outros atos mais
elaborados, como os de “pesquisar” uma página do jornal de classificados em que
marcamos os anúncios que nos interessam, ou sair pelo comércio para comprar um
1 O plágio também é considerado uma grave falta ética ou crime também na pesquisa científica.
37
MÉTODOS E TÉCNICAS televisor tomando o cuidado de anotar o tamanho, modelo, marca, preço, para de-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO pois comparar e tomar uma decisão nesses casos, também podemos dizer, vulgarmen-
te, que estamos fazendo uma pesquisa, mas também não se trata de uma “pesquisa
científica”, porque não realizamos uma investigação sistemática, projetada e orientada
segundo um método para dar continuidade à produção do conhecimento científico
acumulado na história da humanidade.
Existe, ainda, a associação da pesquisa com enquete, principalmente em época de
eleição política. Assim, um jornal, revista ou televisão perguntam ao público sobre
algum assunto polêmico, que deve responder de modo fechado: sim ou não, favo-
rável ou desfavorável. Em seguida, essas respostas são transformadas em resultados:
60% disseram “sim”, 40% disseram “não”. Portanto, a enquete é um tipo de pesquisa
que procura averiguar a opinião do público. Mas não podemos considerá-la “científi-
ca”, salvo se for desenvolvida de acordo com os critérios mencionados no parágrafo
anterior.
38
científico, porque estão apenas preocupadas em reproduzir habitus2; o defeito dessas O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
“ciências” ainda é o seu “abstracionismo pedagógico” (AZANHA, 1992) ou teoricismo,
em vez de investigar a realidade concreta ou cotidiana das pessoas em seus ambientes
de trabalho (escola, universidade, empresa, etc.), lazer, etc. Em vez de argumentar
e demonstrar com clareza, coerência e consistência suas observações e ideias, elas
tendem a se valer de manobras retóricas, passando por cima, por exemplo, do alerta
sobre os ídolos3 elaborados por F. Bacon, no século XVII, que em certa medida ainda
devem ser observados na contemporaneidade.
Em resumo, há que considerar tanto o sentido etimológico da pesquisa, bem como
o seu uso indiscriminado, que nem sempre deve ser considerado como pesquisa
científica.
2 Descartes, ao escrever o Discurso sobre o método “move um poderoso ataque ao próprio funda-
mento da posição valorativa ao investir contra a memória e o habitus” (MARICONDA, 2006,
p. 456). Ou seja, seu alerta vale tanto para a emergente ciência no séc.XVII como a ciência
contemporânea: os argumentos baseados na autoridade – o dito de um autor consagrado;
e na memória dos escritos canonizados. Naquela época ele insurgia conta a autoridade da
Igreja, e sua concepção canônica e dogmática do conhecimento. Nos dias de hoje, ainda vale
a crítica e a suspeita sobre os argumentos sustentados numa autoridade religiosa ou laica e em
teoria dogmatizadas, isto é, que em vez de se abrir para novas investigações procuram anestesiar
a crítica e o debate, supondo que tal verdade já foi descoberta.
3 Bacon, na sua obra Novum organum (1988) trilhando um caminho diferente de Descartes,
também reitera um ataque à teologia, o qual visa a destituí-la de sua rígida autoridade, ao elaborar
quatro tipos de ídolos – ou atitudes erradas – mais frequentes que barram a formação da postura
científica. A) ídolos da tribo são condicionantes universais decorrentes da “própria natureza”
humana. O ser humano tende a aprender de modo simplório e raso o que é verdadeiramente
complexo; B) os ídolos da caverna são os condicionantes sociais, culturais, ideológicos (diríamos
hoje) que causam distorções nas nossas percepções, e insistem que o indivíduo veja as coisas sob
uma luz particular; C) os ídolos da feira são os condicionantes linguísticos, necessários para a
enunciação do conhecimento, mas que causam certo enfeitiça mento pelo uso das palavras aceitas
sem crítica entre pessoas que usam a mesma linguagem; D) ídolos de teatro são os condicionan-
tes teóricos (filosóficos e teológicos) que causam efeito passional em determinadas pessoas, são
também fontes de distorção. Os quatro ídolos devem ser superados pelo pesquisador iniciante.
39
MÉTODOS E TÉCNICAS científico porque não cumpre com os critérios epistêmicos4 desse conhecimento. Há
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO conhecimentos até muito ensinados e divulgados na universidade que não são pro-
dutos de pesquisa científica. Pode ser resultado de uma reflexão filosófica, escrita em
forma de ensaio teórico, apresentar ideias logicamente encadeadas e consistentes, mas
não é ciência. Alguns desses conhecimentos escritos em forma de ensaios são conside-
rados por alguns epistemologistas como “pseudociências”. Segundo Bunge (1989, p.
68 apud LEE, 2003, 2008): “uma pseudociência é uma disciplina que se faz passar por
ciência, (ou por tecnologia) sem sê-lo.” A parapsicologia, a astrologia, quiromancia,
são consideradas “pseudociências”5. A astrologia se utiliza das mesmas interpretações
para os mesmos signos, as mesmas fórmulas fixas para “explicar” as “influências” dos
astros, sem pelo menos levar em consideração sobre as descobertas da astronomia.
Logo, a astrologia não é ciência e a astronomia, sim. (Obs.: a discussão sobre os crité-
rios para demarcar ciência e não ciência escapa ao propósito desse texto).
No sentido que qualifica de “científica”, diz Rudio (1986), a pesquisa dever ser feita
de modo sistematizado, utilizando para isto de método próprio e técnicas específicas
e procurando um conhecimento que se refira à realidade empírica. Assim, “a pesquisa
científica é uma atividade voltada para a solução de problemas por meio do método
científico” (RAMPAZZO, 2004, p. 49). Os resultados obtidos devem ser apresentados
de forma peculiar, bem como devem ser analisados e debatidos em fóruns adequa-
dos. Os resultados das pesquisas científicas jamais devem ser considerados definitivos,
porque uma das características da ciência é se aproximar da ‘verdade’ e não ser ‘a’
verdade; é próprio das teorias científicas serem provisórias, abertas a discussão e ao
debate pluralista. Caso contrário, não se trata de ciência, mas de pseudociência, ou
de outro tipo de conhecimento que valoriza a certeza (dogmas), que no fundo é de
inspiração religiosa.
Existem inúmeras definições de pesquisa qualificada de científica. O epistemolo-
gista Hilton Japiassu observa que não existe uma definição objetiva nem muito menos
neutra daquilo que é ou não ciência. Esta pode ser tanto uma procura metódica [ou
sistemática] do saber, quando um modo de interpretar a realidade; tanto pode ser
uma instituição com seus grupos de pressão, até com seus preconceitos, suas recom-
pensas oficiais, quanto um metiê subordinado a instâncias administrativas, políticas
4 Opinião (do grego: doxa), faz oposição ao conhecimento sistematizado (gr.: episteme).
5 Segundo os critérios de demarcação entre ciência e pseudociência de Karl Popper, também
são considerados “pseudociências” o marxismo e a psicanálise. A propósito, sinalizo ser um erro
considerar o autor um neopositivista. (Ler nosso artigo na internet: “Popper e o neopositivismo:
equívoco ou embuste?” Disponível em: <http://www.espacoacademico.com.br/064/64lima.htm>
40
ou ideológicas; tanto uma ventura intelectual conduzido a um conhecimento teórico O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
(pesquisa) quando a um saber tecnologizado. “A ciência, como o homem, não é uma
criação da necessidade, mas do desejo” de saber mais e mais ( JAPIASSU, 1975, p. 49).
Pensamos que existe consenso sobre as seguintes ideias:
a) a pesquisa científica é sistemática ou metódica;
b) é um conhecimento codificado em uma linguagem própria de cada área da
ciência (teorias);
c) a teoria científica é a reconstrução (constructo) artificial da realidade problema-
tizada pelo cientista ou grupo de cientistas;
d) essa reconstrução não é definitiva, visto que a ciência está sempre limitada às
condições de sua época, portanto, o resultado significativo de uma nova pes-
quisa pode causar uma renovação parcial ou radical no pressuposto existente
(ruptura paradigmática6);
c) uma pesquisa científica pode ser comunicada, racionalmente discutida, e veri-
ficada. O processo do desenvolvimento científico alimenta-se precisamente co-
municações, análises e debates, uma vez que a informação científica é validada
pela comunidade científica e não por um único indivíduo.
6 A ideia de “ruptura do paradigma” é desenvolvida por Thomas Khun no seu livro “A estrutu-
ra das revoluções científicas. São Paulo: Perspectiva, 1975.
41
MÉTODOS E TÉCNICAS artigo, apresentado seu resumo em um evento, ou uma palestra, ele se sente crescido
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO intelectualmente.
Fazer pesquisa pode motivar o estudante para ler mais, procurar livros, artigos,
revistas, buscar na Internet; também ele poderá se dar conta que precisa escrever
melhor, corrigir eventuais erros e errâncias em seus textos. Ou seja, o seu sentimento
de autoria demanda investimento e aprimoramento intelectual levando-o a encontrar
seu estilo de estudante pesquisador.
Ao final do curso, cada estudante deve elaborar um trabalho de conclusão de curso
ou monografia (TCC de graduação7), que deve assumir a forma lógica de um escrito
consistente, coerente, cuidadoso no raciocínio argumentativo; ele deve demonstrar
no texto ter respondido uma hipótese ou pelos menos encaminhado a discussão do
assunto proposto para um ponto considerado satisfatório para os critérios da acade-
mia. Depois da defesa, os debates deverão comprovar e/ou confrontar com o que está
escrito na monografia, que é do conhecimento dos membros da banca examinadora.
É o que se espera do conhecimento produzido pela pesquisa: elaboração sistemática
em forma de texto cujo propósito é contribuir para o debate aberto, plural e investido
na busca da verdade.
7 Obs.: Usa-se fizer “monografia” para trabalho de final de curso de graduação e também
cursos de especialização. Nos cursos de Pós Graduação em nível de Mestrado usa-se “disserta-
ção”, e “tese” para Doutorado. A obrigatoriedade de originalidade temática, e, obviamente a
demonstração de uma tese proposta hipoteticamente para solucionar um problema” da pesquisa
cabe mais a tese de doutorado.
42
pesquisa. Concordamos em parte com esse ponto de vista, porque nem todos “bom O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
professor” tem vocação e/ou interesse em ser pesquisador profissional.
Convivendo com a realidade francesa, Kourganoff (1990) prevê, nos anos 1970
e 1980, que a primazia da pesquisa causaria desprestígo e descaso pela atividade de
ensino dos professores coptados para serem pesquisadores. Ele também duvida que
todo professor tenha vocação para fazer pesquisa e vir a ser um pesquisador ou um
professsor-pesquisador.
O debate organizado por Marli André (2001) traz um texto de Menga Lüdke (2001)
observando que “esse assunto de professor pesquisador é muito nosso, da academia,
do que dos professores da educação básica”. Existe o problema da vocação para a
pesquisa, e outros fatores que concorrem para não motivar os professores tão ligados
em seu cotidiano a fazer pesquisa, como: a falta de programa adequado de governo
para a formação continuada da escola pública, “a falta de preparo específico para a
pesquisa, que não lhes foi oferecido nos cursos de graduação” (LUDKE, 2005, p. 338).
Existe também a falta de interesse dos próprios orientadores [professores da univer-
sidade] para dar suporte teórico e metodológico para os professores empreenderem
uma investigação sistemática tomando os problemas de seu cotidiano escolar, visto
que os cursos de especialização e mestrados são conhecidos mais pelo seu “abstracio-
nismo pedagógico” (AZANHA, 1992; LIMA, 2005) do que pelo seu comprometimento
de aproveitar os problemas concretos da escola e elevá-los em um projeto de pesquisa
científica. Lüdke (2001) afirma que as pesquisas sugeridas pelos professores-orienta-
dores desses cursos de pós-graduação, no geral, “constituem prolongamentos de suas
dissertações e teses, não necessariamente voltadas para problemas concretos de suas
escolas” (p. 41).
Contudo, hoje é considerado uma boa aula aquela cujo professor supera o instru-
cionismo. Segundo Demo (2004, p. 33, ss), há dois tipos de aulas: a aula tradicional,
instrucionista, que causa no aluno a falsa impressão que ele não precisa estudar e
fazer pesquisa; e a aula provocativa, que além de demonstrar a ciência-em-processo,
também estimula e cria condições para o aluno pesquisar. Neste sentido, é considerado
‘bom curso’ quando o currículo é aberto, plural, cujos professores incentivam e ofere-
cem condições para o aluno-estudante realizar projetos de inciciação científica (PICs
e PIBICs). “As bolsas de inciação científica são a grande contribuição do CNPq para a
formação dos graduandos como futuros pesquisadores” (LUDKE, 2005, p. 338). Por
seu lado, o aluno deve ser ativo no processo de ensino e aprendizagem, tanto na sala
de aula como fora dela, isto é, deve ter iniciativa para investigar os assuntos abordados
no cursos, bem como outros de seu próprio interesse. Portanto, em vez de apenas re-
produzir ou repetir o conhecimento transmitido, cabe à nova geração de “estudantes”
43
MÉTODOS E TÉCNICAS investir na sua formação mediante atividades de pesquisa como “iniciante”.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO O estudante deve aprender a problematizar – e verbalizar – durante a aula sobre os
conhecimentos ensinados pelo professor. Subjetivamente, ele também irá confrontar
os conhecimentos científicos com o que nele resiste em forma de senso comum. Por
meio desses confrontos, dúvidas, angústias, curiosidades, o estudante pode elaborar
um projeto de investigação segundo os parâmetros da ciência, visando a obter como
resultado final um conhecimento mais sistemático. Noutras palavras, não que o senso
comum irá ser totalmente superado ou reprimido pelo saber científico, mas ele deve
aprender sobre um novo conhecimento sistemático por meio de seus próprios meios
como pesquisador, bem como fazer suas comprovações e usar de lógica de argumenta-
ção consistentes sobre os temas de seu estudo. Embora o “discurso da universidade”8
ainda seja muito influenciado pelos argumentos de autoridade9, tal como os sistemas
doutrinários fundados em uma ideologia política ou religiosa, nos últimos tempos tem
tomado consciência de que “é preciso limitar sua abrangência” (DEMO,1981, p. 31)10,
44
produzindo pesquisas científicas que superem com o senso comum, a pseudociência O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
e as crendices religiosas.
O reconhecimento de que o conhecimento científico foi construído contra o senso
comum, como assinala Gaston Bachelard, não significa generalizar porque nem todo
senso comum representa ignorância, assim como nem sempre a ciência se desdobra
em sabedoria prática para a vida. Como alerta Boaventura Sousa Santos, cabe a uma
novo modelo de ciência ter um compromisso de “sensocumunicar” e ser “prudente
para uma vida decente”.
O posicionamento cientificista que supõe a ciência como o melhor dos conheci-
mentos existentes, é fundado no positivismo e no neopositivismo11, hoje nos parece
esvaziado de argumentos tendo em vista os efeitos colaterais da ciência e da tecnologia
sem a devida prudência ou bom senso. Neste sentido, fazer pouco caso de certo tipo
de senso comum também denominado “conhecimento prático” ou “sabedoria popu-
lar” é adotar uma atitude preconceituosa próxima do neopositivismo. Ou seja, o senso
comum como sabedoria popular foi e ainda é válido para a sobrevivência dos diversos
povos do planeta que ignoram a ciência. Assim, o agricultor “conhece” suas estações;
o marinheiro “conhece” seus mares, o que eles não sabem é sistematizar tais conhe-
cimentos que é coisa de cientista12. Em nosso entendimento, a autêntica atitude cien-
tífica deve ser prudente para com os outros tipos de conhecimentos (senso comum,
filosofia, religião, mitologia) como deve sustentar o exercício da dúvida metódica
sobre as teorias forjadas pelos autores, sobretudo aqueles que ficaram consagrados na
história da ciência.
Compartilhamos com a ideia que entende a ciência como discussão sistemática,
aberta e pluralista de ideias, e não dogma. Compartilhamos também da ideia de que
a ciência moderna convive com uma crise em seu interior sem precedentes na sua
história. As Ciências Humanas e Sociais hoje, no século XXI, atravessam uma profunda
45
MÉTODOS E TÉCNICAS crise de confiança epistemológica, como observa Boaventura Sousa Santos. Ao ser
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO apresentada como científica, uma teoria jamais deve se impor como “certeza absoluta”
ou pasteurizada de dúvidas que desestimulam o exame dos seus pressupostos, bem
como o confronto ou o diálogo com outras teorias possivelmente até melhores. Uma
teoria que se apresenta como certa resvala no dogmatismo. Nas aulas, não é raro,
professores defenderem uma teoria, apaixonadamente. Em vez de estimularem a dú-
vida e a problematização junto aos alunos, procuram convencê-los de sua verdade.
Desse modo, entendemos que esses professores renegam reconhecer que toda teoria
é “demasiadamente humana”. Portanto, ela deve ser contextualizada historicamente,
e questionada sobre os interesses ideológicos impregnados tanto na sua construção
como no uso dela. Além do mais, toda teoria científica incorre em falhas na sua lógica
interna e imprecisão argumentativa.
Neste sentido, o aluno feito estudante, ao iniciar sua pesquisa, pode tomar cons-
ciência de que ele também é capaz de ser sujeito do processo de produção do conhe-
cimento. Em vez de ser um aprendiz passivo, ele pode se posicionar – em ato – para
“aprender-fazendo” pesquisa científica.
De acordo com Azanha (1987), existem atividades que somente aprendemos fa-
zendo. Fazer poesia, jogar xadrez, tocar piano, contar uma piada com graça implicam
necessariamente um sujeito ativo para cada uma dessas ações o domínio da técnica ou
o uso de regras apropriadas, que só se aprende fazendo. Pouco ou nada vale saber a
teoria, mas é imprescindível o exercício de fazer-errar-fazer-errar-fazer até acertar.
Tomemos alguém que sabe jogar xadrez. A dedução imediata é de alguém que
sabe como operar com sua inteligência as regras desse jogo tão complexo; ele sabe
como usá-las para vencer a partida, embora não necessite explicar teoricamente sobre
quais são os processos cognitivos que usa para realizar com êxito a técnica que o leva
para ganhá-la13. Algo semelhante pode acontecer com alguém que sabe inventar coisas
como poesias, máquinas, jogos, fazer pesquisar.
No caso específico da iniciação científica, conhecer a história da ciência, a evolu-
ção dos métodos científicos, os tipos de pesquisa e mesmo as regras da ABNT (que
normalizam o trabalho científico), sem dúvida, são caminhos indispensáveis para o
13 G. Ryle (1970) foi quem primeiro observou que se perguntasse a um humorista sobre as
regras usadas para contar piadas com graça, provavelmente nada obteríamos. No campo da edu-
cação, J. Passmore (1979) também observou que não existe um método para ensinar alguém a
ser crítico, e, nessa linha de pensamento é que Azanha observa que não existem regras para fazer
alguém ser um ‘bom professor’ ou um ‘bom ensinador’. Isto é, essas atividades, acima, consis-
tem essencialmente em um “saber fazer” do que conhecer teoricamente as regras e aplicá-las. “Se
dissermos que alguém ‘sabe ensinar’, isto significa necessariamente que obtém êxito no seu pro-
pósito e só acessória e eventualmente que segue esta ou aquela regra” (AZANHA, 1987, p. 76).
46
aprendizado do conhecimento “teórico” pelo estudante, mas tal conhecimento pouco O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
vale para ele aprender a fazer uma pesquisa14.
Primeiro, cabe-nos observar se o aluno está realmente investindo em sua formação
de uma atitude especial de “iniciativa”, “observação arguta”, “ir-à-luta”, de “ser ousado”
no seu desejo de saber. O iniciante da pesquisa precisa ter “chutzpah”15.
Segundo, é preciso elaborar um projeto de pesquisa, que nada mais é do que orga-
nizar algumas observações, amadurecer ideias e intenções sobre um assunto escolhido
para ser investigado. O iniciante da pesquisa deve escolher um assunto interessante
que ele efetivamente pode dar conta em um período relativamente curto. Trata-se, no
caso, de uma pesquisa de pequeno porte.
Terceiro, em vez de o iniciante ficar totalmente dependente do orientador, ele
deve executar a pesquisa propriamente dita pelos seus próprios meios e deixar que
seu estilo se desenvolva no processo de investigação. Esse ato de ousadia (ir-à-luta) im-
plica em erros que são imprescindíveis nos ensaios-e-erros do processo de pesquisa16.
Nessa fase, não basta apenas ler, é preciso selecionar o que ler, obviamente, livros e
artigos que esclarecem o seu objeto de estudo. É necessário ler, compreender e pensar
a relação do lido com o seu objeto hipoteticamente construído. Também no ato de
leitura é preciso adquirir o hábito de anotar, registrar, fazer resumos e resenhas em for-
ma de fichamentos, portanto, é preciso documentar tudo, para posterior elaboração
de um pensamento sistemático sobre o assunto investigado. Trata-se de usar técnicas
adequadas para facilitar a organização e sistematização das ideias direcionadas para o
resultado da pesquisa.
Quarto, os resultados da pesquisa realizada devem ser apresentados em forma de
um escrito: artigo teórico ou monografia. (Obs.: no mestrado, a monografia é denomi-
nada “dissertação” e no doutorado “tese”).
No Brasil, vem crescendo a formação de grupos de pesquisas, em vez de se fazer
apenas pesquisa individual. Com os grupos de pesquisa, espera-se que seja criado
desde cedo no meio estudantil uma “ambiência para a investigação” (LÜDKE, 2001),
por meio do qual o processo de aprender-fazendo é desenvolvido de modo coletivo.
47
MÉTODOS E TÉCNICAS Acreditamos que os alunos compreenderiam melhor certos assuntos do currículo
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO se eles fossem reconhecidos em seu potencial de investigação sistemática. Provavel-
mente, eles teriam seu interesse aguçado se o conhecimento fosse “menos mistificado
e mais emancipatório” (SOUSA SANTOS, 2004). O simples ato de os professores hu-
manizarem a nova geração dos homens de conhecimento, no mínimo, serviria para os
estudantes se identificarem com outro ser humano, pensante, sofrente, imerso em um
saber popular. O aluno determinado em buscar soluções racionais para os questiona-
mentos sobre a natureza, os bichos, os insetos, e os próprios seres humanos poderiam
contribuir tanto para sua própria formação profissional como também para fazer uma
nossa sociedade emancipada17.
Um dos entraves para nossa sociedade não ser cientificamente “emancipada” é
[...] faltar para a ciência brasileira o que temos no esporte - o efeito futebol
de rua. Acho que um dos motivos pelos quais o Brasil se tornou campeão no
futebol é porque existem milhões de crianças jogando bola na rua. É uma massa
enorme, treinada desde a infância. É um ambiente que forja campeões [...]. Mas
com a ciência não é assim. ‘A criança e o jovem não têm esse estímulo por conta
das falhas na educação básica - professores que ganham mal, aulas de ciência
sem sentido’ (DAVIDOVICH, 2007).
Complementamos essa observação com outra, de Paulo Lee (2002), que enuncia:
17 Boaventura Sousa Santos assinala que uma das metas da nova ciência seria ser um “conheci-
mento científico emancipado” lutando por uma sociedade também emancipada.
48
tornando um iniciante da pesquisa científica, porque terá que aprender a problema- O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
tizar a realidade, levantar hipóteses, criticar determinados estudos etc. Não podemos
esquecer que o marco que deu início à ciência moderna que vigora até hoje foi o exer-
cício da dúvida. Possivelmente a realidade observada pelo senso comum é a primeira
‘vítima’ de sua dúvida ou suspeita: por quê? Como? Será que é assim mesmo como diz
a tradição, a superstição, a crença popular?
Evidentemente que o senso comum é fundamental na construção das nossas con-
vicções e no uso da linguagem prática para dar conta dos problemas do dia-a-dia.
Espera-se que o iniciante da pesquisa científica, no final do seu curso de formação, e
mais depois de ter concluído sua primeira pesquisa, tenha superado o senso comum
‘negativo’ presente nas seguintes expressões: “mãe é mãe”, “os homens são uns mora-
listas”, “as mulheres são umas dissimuladas”, “menino da rua é delinqüente”, e tantas
outras pérolas do senso comum tomadas como verdades prontas, binárias e opostas
(“ou isto ou aquilo”) que sempre desconsideram as circunstâncias e as idiossincrasias
dessas afirmativas. Na verdade, ninguém supera totalmente o senso comum, mas a
“boa” formação intelectual ou científica deve fundar no sujeito uma atitude proble-
matizadora diante da realidade, com o objetivo de desenvolver uma atitude especial
que vida o conhecimento sistemático18 das coisas do mundo. Espera-se, ainda, que
o pesquisador iniciante faça parte de uma nova geração determinada a fundar novos
paradigmas, novos métodos, empreenda ideias ousadas que seus mestres não tiveram
coragem suficiente para ir além do convencionado19.
Nesse caminho, ser um iniciante na pesquisa científica é se aventurar em um cami-
nho não-pronto, mas que precisa ser trilhado por sua própria conta e risco, isto é: uma
autoformação intelectual e profissional.
18 Pedro Demo, por exemplo, usa “conhecimento sistemático” como sinônimo de ciência.
19 Existe a possibilidade perversa de a iniciação à pesquisa criar alunos discípulos de alguns pro-
fessores, situados no lugar do “Discurso do Capitalista”, que – mesmo sendo de esquerda política
– exploram a mais-valia do aluno, tanto o usando para fazer trabalho braçal ou “sujo” como para
ser um divulgador de sua doutrina. Nossa preocupação: ser um aluno-servil ao orientado deve ser
a reprodução perversa da acadêmica, que passou a exigir produção tal como um sistema fabril. O
professor cuja atitude não prima pelo diálogo e autocrítica constantes, mas sim inculca no aluno
uma atitude de subserviência, de seguidor do que ele manda, deveria ser impedido de orientar
pesquisas. Porque os resultados tendem a estarem marcados de antemão, ou viciados por princí-
pios doutrinários e ideias dogmáticas. Ao quebrar esse estilo dogmático de ser professor-orientado,
talvez pudéssemos vislumbrar uma nova geração de pesquisadores autônomos e dispostos sempre
a romper paradigmas, momento genuíno para a ciência dar seu grande salto rumo à verdade.
49
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Referências
AZANHA, José Mario Pires. Educação: alguns escritos. São Paulo: Companhia Edirora
Nacional, 1987.
BACON, F. Novum organum. São Paulo: Abril-Nova Cultural, 1988. (Os pensadores).
BAGNO, Marcos. Pesquisa na escola: o que é, como se faz. São Paulo: Loyola, 2005.
BELLINI, Marta. Ler e escrever: o estudante e o sentimento de autoria. In: SILVA, Ana
Cristina T. (Org.). Iniciação à ciência e à pesquisa. Maringá: Eduem, 2005. p. 29-
44.
DAVIDOVICH, Luiz. Declaração. Folha de São Paulo, São Paulo, 20 out. 2007.
Caderno Ciências.
DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências sociais. São Paulo: Atlas, 1981.
50
FOLHA DE S.PAULO. Produtiva, mas ordinária. 20 out. 2007. Caderno Ciência. O que é iniciação à
ciência e à pesquisa?
FREITAS, Ana Lúcia Souza de. Pedagogia da emancipação. Rio de Janeiro: Relume
Dumará; São Paulo: Ediouro; [200-]. ( Viver Mente&Cérebro; n. 6).
Disponível em: <www.vivermentecerebo.com.br>. |Acesso em: 13 nov. 2009.
LEE, Paulo. Projeto ciência e pseudociências. [S.l.: s.n.], 2001. Disponível em:
<http://www.adorofisica.com.br/trabalhos/ciencia_e_ps/index.html> Acesso em: 9
ago. 2008.
______. Que é ser crítico. Espaço Acadêmico, [S.l.] n. 84, maio 2008. Disponível
em: <http://www.espacoacademico.com.br/084/84lima.htm>. Acesso em: 13 maio,
2008.
51
MÉTODOS E TÉCNICAS LÜDKE, Menga. A complexa relação entre o professor e a pesquisa. In: ______.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas, SP:
Papirus, 2001. p. 27-54.
______. O professor e sua formação para a pesquisa. Eccos: Revista Científica, São
Paulo, v. 7, n. 2, p. 333-349, jul./dez. 2005.
SOUSA SANTOS, Boaventura de. Conhecimento prudente para uma vida decente:
‘um discurso sobre a ciência’ revisitado. São Paulo: Cortez, 2004.
Anotações
52
4 Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
em educação: princípios
básicos
53
MÉTODOS E TÉCNICAS Uma técnica é uma teoria em atos, afirma Thiollent (1985), e não pode existir
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO obtenção ou coleta de dados sem pressupostos teóricos. Se ocorrer a separação entre
método e técnica fatalmente o estudante desenvolverá seu trabalho teórico divorciado
da prática. O estudante poderá se orientar pelos pressupostos teóricos da fenomeno-
logia e elaborar um questionário com uma abordagem positivista. Ora, esses métodos
conflitam entre si. Desse modo, sua pesquisa não atingirá os objetivos e apresentará
muitas distorções.
Resumindo, metodologia é um campo de estudo dos diferentes métodos; esse es-
tudo é necessário para a orientação correta da pesquisa, mas não deve, por outro lado,
cercear a capacidade de o investigador de aproximar diferentes métodos desde que
sejam derivados de teorias que não se contradigam ou se anulem.
O estudo dos métodos evita erros, precisa detalhes técnicos para a obtenção de
informações e refina o sentido ético na investigação. Ganhamos, com o estudo dos di-
ferentes métodos a capacidade de identificar as teorias que orientam as investigações,
relacionar teoria e prática, tornar claro o vocabulário e os conceitos que vamos utilizar.
Por que é necessário o estudo do método? Oliveira (1999) chama a atenção para
isso. Não podemos confundir método como orientação de pesquisa com o termo mé-
todo de aprendizagem como recursos para a alfabetização, por exemplo. Por exemplo,
falamos método Paulo Freire. Porém, para escapar dessa forma reducionista de descre-
ver o termo método, será “necessário ir além para perceber o embasamento teórico,
que dá suporte e consistência ao método. De que modo encara a educação? Quais são
os pressupostos da relação entre educador e educando? Como tais questões podem
interferir na produção do saber? E assim por diante” (OLIVEIRA, 1999, p. 21 ).
54
implicações de sua utilização” (THIOLLENT, 1988a, p. 25). Leva, de um lado, a estudar Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
o conhecimento geral e necessário que orienta o pesquisador na delimitação de seu em educação: princípios
básicos
objeto de pesquisa, na escolha de conceitos, na construção de suas hipóteses e de seus
procedimentos e técnicas. De outro, propicia a avaliação das técnicas de pesquisa, isto
é, dos modos como captamos e produzimos informações.
O estudo da metodologia tem uma função pedagógica, pois “permite a formação
do estado de espírito e dos hábitos correspondentes ao ideal de pesquisa científica”
(THIOLLENT, 1988a, p. 25). O estudo desse metacampo (metaconhecimento) possibi-
lita ao estudante conhecimentos teóricos e metodológicos que vão ajudá-lo a avaliar as
teorias com as quais pretende abordar um tema, permite pensar e articular conceitos,
elaborar análises e fazer generalizações.
Michel Thiollent (1984, p. 46) resume o campo de estudo da metodologia como:
a) Metodologia geral (de nível epistemológico), que estuda os problemas da ex-
plicação em ciência social, causalidade, teologia, compreensão etc., assim como
a discussão da especificidade das orientações teóricas gerais: positivismo, prag-
matismo, behaviorismo, experimentalismo, fenomenologia, hermenêutica, dia-
lética etc.
b) Metodologia aplicável, que debate a arte de conduzir projetos de pesquisa so-
cial ou educacional, incluindo: definição de temas, formulação de hipóteses,
análise de técnicas, de suas capacidades e distorções.
c) Estudo aprofundado das técnicas convencionais, que estuda os aspectos quali-
tativos e quantitativos: questionários, entrevistas, análise de conteúdos etc.
d) Técnicas quantitativas: estuda o problema da amostragem, inferências, correla-
ções, análise fatorial, “pacotes” de computação etc.
e) Técnicas qualitativas formalizadas que incluem o conhecimento dos grafos, mo-
delagem, gramáticas, estruturas lógicas, inclusive ao nível das relações e contra-
dições sociais.
f ) Métodos especiais que estudam os métodos de intervenção como os da pesqui-
sa participante, da pesquisa-ação, da intervenção sociológica, da análise institu-
cional etc; os métodos de avaliação e suas aplicações em educação, organização
e tecnologia; os métodos de projetação e os com aplicação em organização,
arquitetura, engenharia e os métodos de prognosticação, como a Técnica Dephi
e outras técnicas prospectivas em ciência, tecnologia e políticas públicas.
55
MÉTODOS E TÉCNICAS (experiência pessoal, institucional), a investigação participativa, a entrevista, a observa-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ção participante, os métodos visuais, a análise de imagens (paradas ou em movimento
como fotografias, filmes), sons, história de vida, gravações, lembretes (DENZIN; LIN-
COLN, 2007).
56
Ao formalismo não interessa esse método, pois não há o dado como marco do co- Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
nhecimento. O formalismo trabalha com a dedução, com a lógica formal. Nesse caso, em educação: princípios
básicos
não se trabalha com o método quantitativo. O empirismo, por sua vez, entende que a
teoria ou as leis são decorrentes da capacidade de o pesquisador obter dado ou fatos.
Aqui o método quantitativo é a base para se produzir conhecimento. Já o positivismo
toma o legado dessas duas correntes e também privilegia o aspecto quantitativo, mes-
mo não abdicando da lógica formal.
A metodologia é capaz, por meio dessa gama de correntes, de estabelecer aspectos
necessários ao encaminhamento da pesquisa. O primeiro deles podemos dizer que é a
definição de ciência. Por exemplo, para o empirismo, ciência é definida como conhe-
cimento comprovado e objetivo; as teorias científicas são produtos de rigorosa experi-
mentação. Se, nesse caso, a ciência é baseada na experimentação, temos que, por meio
dessa experimentação, a obtenção de dados pelos quais podemos extrair afirmações
singulares e generalizar, ou seja, elaborar afirmações universais, leis ou teorias. Mé-
todo científico para essa corrente significa método experimental (CHALMERS, 1993).
No âmbito das ciências humanas, as tendências teórico-metodológicas, como o fun-
cionalismo, o estruturalismo, o marxismo, o pragmatismo, a teoria crítica da Escola de
Frankfurt, a fenomenologia, o marxismo, a socioanálise, a teoria dos campos de Kurt
Lewin, entre outras, são importantes e bastantes presentes na orientação dos procedi-
mentos metodológicos das investigações na área. Na educação encontraremos, além
dessas correntes, o behaviorismo, o cognitivismo, o construtivismo e o interacionismo.
Nas áreas de política e economia da educação, vamos encontrar o marxismo, a teoria
crítica da Escola de Frankfurt como fonte de muitas e excelentes pesquisas (THIOL-
LENT, 1984).
Cada teoria dessas traz um vocabulário próprio e um rol de conceitos característi-
cos constituído pelos estudiosos da área. Bello (2004), em seu livro Fenomenologia
e Ciências Humanas, apresenta a fenomenologia de Husserl. Discute a história da
filosofia para destacar a noção de experiência em Descartes (que é o pensar) e em
Santo Agostinho (que é o viver). Desse modo, para explicitar Husserl e sua corrente
fenomenológica (que é diferente da fenomenologia de Sartre, Merleau-Ponty, Peirce),
a autora faz um caminho da filosofia dos gregos ao renascimento, da idade moderna
à contemporânea abordando o positivismo e as origens da fenomenologia. Esmiuça a
noção de método analítico na fenomenologia (que significa “ir ao encontro das coisas”
sem ideias pré-concebidas). Desse modo, quer compreender e descrever o dado ou as
informações obtidas sem torná-las determinantes. A explicação das informações é dada
pelos conceitos de atos de percepção, atos cognitivos, atos de imaginação.
Outra corrente muito importante na área humana e na educação é o marxismo.
57
MÉTODOS E TÉCNICAS Para apreendermos algumas categorias de análise de Marx é necessário compreender
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO que estamos em uma sociedade produtora de mercadorias, a capitalista. Karl Marx es-
creveu O Capital ou a crítica da economia política no século XIX e essa obra contém
preciosas lições acerca do funcionamento da sociedade capitalista. A mais espetacular
dessas lições talvez esteja no primeiro capítulo do volume I do Capital, intitulada A
mercadoria. Para os passos iniciais com Marx, talvez o texto O trabalho alienado
seja uma leitura básica para todos nós. Nesse texto, Marx parte das premissas básicas
da economia política e suas leis de funcionamento. Com esses textos, o estudante
entrará em contato com o vocabulário marxista: a propriedade privada dos meios de
produção, a oposição entre capital e trabalho, capital e terra, salário, lucro e mais valia
e trabalho alienado.
Vale a pena investir na leitura do texto, pois a noção de trabalho alienado permite
ao estudante de graduação compreender sua futura jornada na instituição escola.
A noção de alienação faz parte de investigações na área educacional. As pesqui-
sas sobre aprendizagem no campo da psicopedagogia de Sara Pain (1999) e de Alicia
Fernandez (1991) mostram a união de um referencial metodológico da psicologia, da
epistemologia genética com o emprego do conceito de alienação advindo da teoria
de Marx. As estudiosas debatem o papel da alienação na prática institucional e na
manutenção da ordem burocrática nas instituições escolares. Sara Pain escreveu um
livro clássico A função da ignorância. O conceito de ignorância é tratado no sentido
do desconhecimento de algo. Alicia Fernandez escreveu A inteligência aprisionada e
A Mulher escondida na professora.
O marxismo é uma corrente que influenciou muitos métodos em pesquisa na área
educacional. De acordo com Thiollent (1984), marxismo e o comportamentalismo
coexistem em Pierre Naville; o estruturalismo e o marxismo em Althusser; o marxismo
e a pesquisa empírica em Vaillancourt, o marxismo e a crítica dos métodos tradicionais
em Adorno; o marxismo e a incorporação da filosofia analítica em Habermas; o mar-
xismo aplicado à pesquisa-ação em Heinz Moser. Existe também a aproximação entre
marxismo e fenomenologia (THIOLLENT, 1984).
São tendências que não se autoexcluem e podem, assim, ser escolhidas pelo pes-
quisador para a explicação de um determinado objeto. Sobre a escolha de duas ou
mais teorias pelo pesquisador para orientar metodologicamente sua investigação,
Doesjwik (1993) escreveu que isso pode ocorrer quando, dependendo do objeto de
estudo proposto e dos objetivos propostos, podemos construir nosso próprio modelo
teórico a partir de uma teoria ou de várias teorias existentes. Este é um desafio à nossa
criatividade.
Resumindo, a metodologia constitui-se em um campo para a compreensão de
58
muitas dimensões da metodologia de pesquisa. A saber, a relação epistemológica entre Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
objeto e sujeito do conhecimento, entre a constituição e politização do método, a rela- em educação: princípios
básicos
ção teoria ou teorias e a técnica de pesquisa, as técnicas para obtenção de informações
seus limites e seus alcances.
[...] as técnicas de pesquisa não deveriam ser ensinadas como receitas ou ins-
trumentos neutros e inter-trocáveis, mas sim como dispositivos de obtenção de
informações cujas qualidades, limitações ou distorções devem ser metodologi-
camente controladas.
Uma técnica é uma teoria em atos, assinala Thiollent (1985), referindo-se à ob-
servação feita por Pierre Bourdieu, e não pode existir obtenção ou coleta de dados
sem pressupostos teóricos. Se ocorrer a separação entre método e técnica ocorrerá
fatalmente que o estudante desenvolverá seu trabalho teórico divorciado da prática. O
estudante poderá se orientar pelos pressupostos teóricos da fenomenologia e elaborar
um questionário com uma abordagem positivista. Ora, são métodos antagônicos que
conflitam entre si.
As técnicas de investigação são várias. Podemos asseverar, grosso modo, que temos
as técnicas convencionais, as quantitativas e as técnicas de abordagem qualitativa. En-
tretanto, em pesquisa não precisamos trabalhar com essa divisão, desde que o sujeito
que se propõe a realizar uma pesquisa avalie a junção de técnicas com os pressupostos
teóricos que orientam seu trabalho.
Tomando a pesquisa qualitativa, Thiollent (1985) descreve as técnicas de obten-
ção de informações (ou coleta de dados). Podemos obter informações por meio
de arquivos, de documentação, de livros, de pessoas (por questionários, entrevistas,
59
MÉTODOS E TÉCNICAS observação de comportamento), em laboratório e em situações de campo tanto em
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ciências humanas quanto em ciências naturais.
O estudante pode lançar mão de técnicas para a obtenção de informações ou dados
na educação em várias situações. Por exemplo: o candidato à monografia quer verificar
como as crianças iniciam sua alfabetização. Primeiro passo, perguntar: qual o método
mais adequado para o objeto? Qual ou quais os argumentos que o pesquisador vai
adotar para seguir sua investigação?
Outro exemplo: em uma investigação em psicologia da aprendizagem, quere-
mos analisar a capacidade de atenção de os professores nos desenhos iniciais que
a criança de 5 anos faz, ou seja, como esses docentes classificam a representação
dos alunos. A técnica é de observação, que poderá ser realizada em sala de aula ou
em uma situação similar. Para tal tarefa, os pesquisadores/professores têm como
material os desenhos das crianças e a entrevista com os professores. A entrevista
pode se dar de muitas formas: perguntando ao professor como ele classifica os
desenhos da criança (como desenho gráfico, como texto) e também propondo ao
professor que escreva do “jeito” do professor. São técnicas derivadas da psicologia
e da entrevista clínica, método proposto por Jean Piaget para avaliar a elaboração/
resolução de problemas.
Outra técnica de informação pode ser empregada no trabalho com fontes docu-
mentais. Um exemplo interessante em história da educação é a pesquisa organizada
por Carlos Monarcha (2001), professor e pesquisador da Universidade Paulista que
resgatou documentos sobre a vida e obra do educador Anísio Teixeira (1900-1971),
um dos protagonistas do Manifesto dos Pioneiros de 1932. Os pesquisadores traba-
lham a relação educação e história e debatem os rumos da educação brasileira com
o que chamam de “tradição pedagógica liberal brasileira”.
Pesquisas sobre a história de uma escola, sobre os fundadores da escola de uma
cidade podem ser feitas com fontes documentais relativas às primeiras escolas em
uma cidade, seus fundadores, seus projetos pedagógicos. Os documentos podem ser
jornais, fotografias, documentos da escola, e se houver professores vivos, as entrevistas
podem ser uma técnica importante.
As entrevistas e questionários constituem importante técnica para as investigações,
mas há passos a realizar. São eles: Quais os tipos de dados ou informações que que-
remos? Quais os mecanismos para as entrevistas? Há dados objetivos, por exemplo, a
data de nascimento, porém há dados que queremos obter que são subjetivos, como
conhecer as opiniões, as atitudes, as preferências.
Questionários e entrevistas são técnicas diferentes, mas são complementares.
Em alguns casos, o questionário pode ser aplicado sem a presença do pesquisador.
60
Podemos enviar o questionário por correio, por e-mail. Em uma abordagem qualitati- Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
va, o questionário pode conter questões abertas, ou pode ser substituído por roteiro em educação: princípios
básicos
de entrevista; se for uma pesquisa não-diretiva, o entrevistador pode optar por um
tema-chave ou dar uma instrução ao respondente. A diferença entre questionário, que
pode ser aplicado em uma entrevista dirigida, é aplicada em um conjunto de pessoas
escolhidas por critérios, por exemplo, de representatividade da população global, e as
entrevistas semiestruturadas e não-diretivas residem na extensão desses instrumentos.
Geralmente o questionário é feito para ser aplicado a um grande número de pessoas, e
as entrevistas semiestruturadas e não-diretivas são dirigidas para um pequeno número
de pessoas com perguntas com mais aberturas para as respostas para captar maior
profundidade (THIOLLENT, 1985, p. 33).
Na entrevista não-diretiva, há a formulação de um problema que é o eixo da entre-
vista. Por exemplo, pedimos a um indivíduo que descreva a vida política de país e o
deixamos livre para falar. Aqui, há necessidade de gravar a entrevista, pois há muitos
lapsos e silêncios e é preciso que tomemos o maior número de informações possíveis.
A concepção que ampara essa técnica é a cognitivista, para a qual o entrevistado fala e
o entrevistador faz as representações do entrevistado.
Thiollent chama nossa atenção para a natureza da pergunta nas entrevistas e alerta
sobre os erros mais comuns.
O pesquisador pode elaborar questões pelas quais ele faz a imposição de sua
problemática. O pesquisador toma sua problemática como a da pessoa ou do
grupo social estudado. Ocorre, sobretudo, com grupos excluídos. Por exem-
plo: entramos em uma favela para discutir com os moradores as percepções ou
os conceitos sobre os quais talvez os entrevistados nunca tenham pensado. O
entrevistador pode enfatizar as atitudes radicais ou tradicionais do grupo. Ou
para falar em educação, o pesquisador chega à escola para ouvir sobre a indisci-
plina dos alunos. Se ele inicia sua pesquisa com a problemática da indisciplina
e sobrepõe a sua visão à dos alunos, ele pode chegar à conclusão de que os
alunos são mesmos indisciplinados, não querem estudar etc. Aliás, há muitos
estudantes que são professores que, em suas monografias, querem trabalhar
esse tema, porque ele é parte de seu cotidiano. Para evitar o erro de impor aos
alunos a sua visão, está a nossa frente a tarefa de levantar muitos estudos sobre
o tema. Nessa área existem muitas pesquisas de qualidade que fazem com o que
investigador relacione a instituição escolar – sua história, sua estrutura e fun-
cionamento – com a realidade pedagógica do colégio. O estudante NÃO pode
realizar nenhum trabalho de pesquisa sem CONHECER as pesquisas da área.
Desconsiderar o papel da linguagem é um erro também comum. Thiollent
61
MÉTODOS E TÉCNICAS postula que não podemos esquecer que a linguagem não é neutra. Entre usar a
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO palavra regime, sistema político ou governo, a última é mais compreensível para
as pessoas, sobretudo se forem de classes sociais diferentes.
A formulação de uma pergunta poderá induzir respostas enviesadas caso uma
pergunta com respostas fechadas não dê alternativas suficientes para o entrevista-
do. A pergunta: “Por que o senhor resolveu alugar a casa onde mora?”, seguida de
alternativas: a) O aluguel é baixo; b) A casa é confortável e c) A vizinhança é boa”,
pode resultar em uma resposta tendenciosa, pois não havia, por exemplo, uma
alternativa como: “A casa fica perto de meu trabalho” (THIOLLENT, 1985, p. 56).
62
Com essas indagações, os autores desenvolvem uma argumentação bem consistente Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
às teses do livro de Demerval Saviani, Escola e Democracia, e inauguram outro modo de em educação: princípios
básicos
ler a escola tradicional e a escola nova do ponto de vista histórico e pedagógico.
Outro tipo de análise é a de conteúdo: podemos fazer análise de jornais, por
exemplo. Como exercício, pensemos em selecionar um jornal segundo critérios de
tema e dar para várias pessoas categorizarem, ou seja, reunirem os conteúdos con-
forme suas compreensões. Podemos ver que cada uma delas fará a categorização de
modo diferente.
A análise léxica também é interessante como técnica de pesquisa: trata-se de tomar
um documento, um livro e analisar a ocorrência das palavras, a distância entre as pala-
vras, o número de palavras. Por exemplo, podemos ver quantas vezes um documento
apresenta as palavras democracia, política, neoliberalismo. Para essa análise é impor-
tante o uso do computador.
Como expusemos neste capitulo, as técnicas são os métodos em uma escala menor;
ninguém faz uma pesquisa sem estabelecer seus pressupostos teóricos, sem fundamen-
tação ou referencial teórico; e quando formos elaborar as técnicas, é importante que o
orientador seja o interlocutor mais presente. Não há modo mais eficaz do que dialogar
com o orientador para tratar da construção dos argumentos do novo pesquisador.
Para finalizar, traçamos os tipos de pesquisa que são possíveis para a realização da
monografia, utilizando as técnicas descritas neste capitulo. Alguns autores classificam
as pesquisas em vários tipos. É necessário consultar os manuais de metodologia para
termos uma visão mais correta. No âmbito das pesquisas participativas ou não, mas
que trabalham com técnicas de observação (incluindo aí entrevistas, questionários)
documentos, temos o estudo de caso (que pode ser uma escola, uma sala de aula, um
grupo de estudantes), pesquisa etnográfica (que utiliza os recursos da antropologia
como ficar em uma escola por um período mais longo como observador de várias ins-
tâncias, a relação professor/aluno, a relação professor/professor, a relação professor/
diretoria administrativa, a relação aluno/livro didático/caderno) e as técnicas podem
ser elaboradas com recursos da observação com fichas, gravação de entrevistas, análise
dos cadernos dos alunos, descrição da escola.
Falta-nos neste final apontar que os tipos de pesquisa descritiva, explicativa e ex-
ploratória de pequeno porte também devem atender às exigências metodológicas ex-
postas aqui. É necessário enfatizar que a pesquisa exploratória, por exemplo, quase
sempre é feita realizando-se levantamento bibliográfico, em pesquisas em websites,
com entrevistas a pessoas que atuam na área (SANTOS, 2004). Para essa tarefa, o pes-
quisador deve também anotar as considerações metodológicas como delimitar o tema,
procurar levantar questões sobre seu interesse.
63
MÉTODOS E TÉCNICAS As pesquisas explicativas são investigações que se propõem a analisar e criar uma
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO explicação (no caso de pesquisas de grande porte, teorias) de um fenômeno. Essas
pesquisas devem ser compreendidas no âmbito das técnicas enunciadas neste capi-
tulo. As pesquisas descritivas (SANTOS, 2004) “são constituídas por levantamentos
de características conhecidas que compõem um fenômeno”. Devemos assinalar que,
embora estejamos imbuídos de apresentar levantamentos de coisas que conhece-
mos, isto não implica em ignorar o conjunto de regras estabelecidas para realizar as
pesquisas. Por exemplo, o pesquisador vai levantar o número de crianças e jovens
repetentes de uma determinada escola e descrever em termos temporais como está
ocorrendo essa dinâmica. A tarefa desse levantamento não pode ser em vão. Ela pode
se constituir em algo mais significativo se ao lado desse intento o pesquisador se
propuser a relacionar essa dinâmica a outras variáveis na escola como trabalho in-
fantil, projeto pedagógico da escola, mudanças frequentes de professores ou outras
questões.
De qualquer maneira, em nossa frente em primeiro lugar está a necessidade do
estudo crítico das questões educacionais.
Referências
64
MAZZOTTI, Tarso Bonilha; OLIVEIRA, Renato José. Ciências da Educação. Rio de Metodologia, métodos
e técnicas de pesquisa
Janeiro: DP&A, 2000. em educação: princípios
básicos
MONARCHA, Carlos (Org). Anísio Teixeira: a obra de uma vida. Rio de Janeiro:
DP&A, 2001.
OLIVEIRA, Paulo Salles (Org.). Metodologia das ciências humanas. São Paulo:
Hucitec; Unesp, 1999.
______. Opinião pública e debates políticos. São Paulo: Editora Polis, 1986.
65
MÉTODOS E TÉCNICAS THIOLLENT, Michel. Tendências metodológicas em pesquisa social. Maringá:
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Universidade Estadual de Maringá. Departamento de Educação, 1988. Curso
ministrado de 18 a 22 de abril de 1988a.
THIOLLENT, Michel; ARAUJO FILHO, Targino de; SOARES, Rosa Leonora Salerno
(Coord.) Metodologia e experiência em projetos de extensão. Niterói, RJ: Eduff,
2000. Disponível em: <www.itoi.ufrj.br/sempre>. Acesso em: 20 abr. 2005.
2) Outro livro importante para estudantes de pedagogia é o de Menga Ludke e Marly André,
de 1986, Pesquisa Educacional: abordagens qualitativas, editora EPU. Nesse livro são
apresentadas as bases da pesquisa etnográfica para a educação e os estudos de caso. Tam-
bém importante leitura é o do livro de Alda Judith Alves-Mazzotti e Fernando Gewandsz-
najder, O método nas ciências naturais e sociais. Pesquisa quantitativa e qualitativa, da
editora Pioneira.
3) Uma atitude importante para o estudante que está iniciando sua jornada pela pesquisa é
ler relatos de pesquisa, livros e artigos que trazem a temática da educação desde o início
de seu curso de graduação. A busca em sites é um grande recurso. Indicamos para aqueles
que gostam de pesquisas sobre a história das teorias pedagógicas o livro de Marcus Vinícius
da Cunha, John Dewey. A utopia democrática, da editora DP&A, de 2001. Um livro cuja
edição é mais antiga é o de Áurea Maria Guimarães, Vigilância e depredação escolar, da
editora Papirus, 1985, mas trata-se uma reflexão sobre as bases educacionais da escola. Um
artigo que podemos encontrar na Internet é o de Helena Moussatche, Alda Judith Alves-
Mazzotti e Tarso Bonilha Mazzotti, intitulado A arquitetura escolar como representação
social de escola.
Atividades
1) Imagine que em uma sala de 5a série do Ensino Fundamental, as crianças sejam conside-
radas, por seus professores, como indisciplinadas. Como pesquisador você iniciaria uma
investigação por meio de qual ou quais métodos? Que técnicas empregaria?
66
5 Método, explicação
científica e pesquisa
acadêmica
Evandro Luis Gomes
INTRODUÇÃO
Neste capitulo apresentamos, de modo sucinto e introdutório, alguns conceitos
fundamentais da metodologia científica abstrata, dando especial ênfase à inferência
científica e seu papel para a pesquisa acadêmica, bem como a suas aplicações à pesqui-
sa nas ciências dos fatos humanos.
Quando falamos em metodologia, genericamente, referimo-nos aos procedimen-
tos inteligentes e eficazes – aos métodos – mais apropriados para alcançarmos suces-
so em determinadas atividades. Etimologicamente, método provém de dois termos
gregos: (a) meta, que significa ‘através, por meio de’; e (b) hodós, que denota ‘um
caminho, uma trilha, um modo’. Deste modo, o termo método refere-se ao ‘caminho
que leva a’ ou ao ‘caminho através do qual’. O exercício intencional, consciente e
planejado de qualquer atividade reporta ao seu aspecto metodológico. Você mesmo
deve utilizar muitos métodos e estratégias para realizar suas atividades quotidianas.
Nesta exposição, tratamos concisamente do método científico que, como define Larry
Laudan (2000, p. 13), constitui-se simplesmente das “técnicas e procedimentos que
um cientista usa ao realizar experimentos ou construir teorias”. Naturalmente, não
poderíamos deixar de tratar da lógica da inferência científica que está para o método
assim como o pensamento está para a razão, constituindo-se em sua dimensão ativa.
Imagine-se em uma situação prática: fixar um quadro na parede. Antes de iniciar a
colocação, você imagina um resultado bonito, agradável, bem feito, harmonioso. Nessa
etapa, você se detém em aspectos estéticos, ergonômicos, decorativos etc., que consti-
tuem os aspectos extrametodológicos que orientam a maneira como você irá executar
a parte metodológica do processo efetivo de fixação do quadro na parede. Esse exem-
plo ilustra como um método sempre pressupõe outros aspectos não-metodológicos
relevantes. Laudan (2000, p. 13) diferencia o método científico e as teorias do método
científico. Essas são “[...] opiniões metacientíficas explícitas que um cientista adota ao
examinar a lógica da inferência científica” que são facilmente identificadas. A arte de
experimentar (metodologia) não se confunde com o desenvolvimento da filosofia da
67
MÉTODOS E TÉCNICAS ciência e das teorias do método científico, embora sejam aspectos interdependentes
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO da atividade científica. Enquanto a metodologia privilegia o estudo dos procedimen-
tos e técnicas, o exame das teorias do método científico preocupa-se compreender
as categorias-chave – os conceitos gerais – envolvidas na pesquisa científica, muitas
vezes, utilizadas tacitamente. Quando um pesquisador adota uma metodologia, ele
normalmente se compromete com conceitos extracientíficos importantes dos quais
é bom que tenha consciência. E, embora a metodologia vise em primeiro plano aos
procedimentos e técnicas, seu uso consequente só é possível quando se sabe com
clareza de que maneira e aonde se quer chegar com uma investigação, que neces-
sariamente envolve reflexão conceitual e epistemológica. A epistemologia – a teoria
do conhecimento científico – é aqui tomada como sinônima de filosofia da ciência;
distinta, portanto, da teoria do conhecimento, que estuda, genericamente, a natureza,
as condições e a validade do conhecimento humano.
Na primeira seção, discutiremos diversos aspectos da lógica da inferência científica,
procurando compreender como se dá a produção do conhecimento científico. Nesse
processo, daremos especial destaque às leis científicas como instrumentos explicativos
e preditivos. Faz-se necessário compreender como as leis são validadas e que papel o
método experimental cumpre nesse processo. Na sequência, delineamos, com base
em alguns critérios, a esfera do conhecimento científico e possibilitamos a caracteriza-
ção precisa do que é ciência e do que constitui a não-ciência. Por fim, na última seção,
apresentamos alguns esquemas explicativos típicos das ciências dos fatos humanos,
que esperamos sirvam de ponto de partida para aprofundamentos certamente neces-
sários para a sua formação subsequente.
Esperamos que as discussões a seguir auxiliem em seu desenvolvimento acadêmi-
co, sobretudo estimulando e melhorando sua percepção intelectual de que explica-
ções merecem o qualificativo de científicas e quais não.
68
intrínseca que pode ser enunciada na forma de leis. Algumas leis, como Carnap (1994, Método, explicação
científica e pesquisa
p. 213) as denomina, são chamadas de leis básicas que subsistem mesmo que delas o acadêmica
ser humano não tenha consciência alguma, seja no passado ou ainda hoje. Por exem-
plo, a lei de gravitação já ‘existia’ na antiguidade, embora ninguém naquela época a
tenha entendido ou a formulado corretamente.
Mas há outros tipos de leis. Quando uma certa regularidade é constatada todas
as vezes e em todos os lugares que uma observação é tomada, tal regularidade deve
ser expressa na forma de lei universal. Mas, nem todas as leis são universais. Explica
Carnap (1994, p. 3):
As leis estatísticas não são exclusivas das ciências dos fatos humanos. Também nas
ciências da natureza há leis estatísticas em diversos campos. Mesmo sob a forma esta-
tística uma lei possui conteúdo cognitivo, pois o que expressa uma lei deste tipo ainda
pode ser verdadeiro ou falso, é uma afirmação que descreve relações entre objetos na
realidade empírica.
Os enunciados das leis científicas universais têm a seguinte forma lógica: ‘Qualquer
que seja x, se x tem uma propriedade P, então x tem a propriedade Q’. Uma lei física
universal, por exemplo, a da dilatação dos metais teria a seguinte enunciação: qualquer
que seja x, se x for metal, então x se dilata ao ser aquecido. Todavia, nem todo enunciado
científico é universal. Há alguns enunciados científicos que enunciam fatos particulares.
Por exemplo, o enunciado ‘x é antídoto para a toxina y’ não afirma que ‘toda toxina y tem
um antídoto x’. Todavia, estes enunciados particulares são muito importantes para o de-
senvolvimento do conhecimento científico. Neste sentido, salienta Carnap (1994, p. 5):
69
MÉTODOS E TÉCNICAS A ciência começa com observações diretas de fatos singulares. Nada mais é
DE PESQUISA EM observável. Certas regularidades não são diretamente observáveis. É somente
EDUCAÇÃO
quando muitas observações são comparadas às outras que as regularidades são
descobertas. Estas regularidades são expressas pelas chamadas ‘leis’.
Mas para que servem as leis científicas? Carnap considera que elas podem ser usa-
das para explicar fatos conhecidos e para prever fatos ainda não conhecidos. Neste
caso, quanto melhor a teoria, maior a confiabilidade na previsão. A predição científica
apesar de parecer um processo mágico, na verdade, manifesta uma característica ex-
tremamente desejável da ciência e de toda boa teoria. Imagine quão bom seria se com
todo o conhecimento geológico hoje disponível, conseguíssemos prever a ocorrência
e a violência dos terremotos, por exemplo. Como neste caso, por melhores que sejam
nossos conhecimentos científicos sobre um aspecto da realidade, nem sempre é possí-
vel fazer as previsões que precisamos. Isto reforça a necessidade de continuidade das
pesquisas, para que índices melhores de previsão possam ser atingidos.
A explicação científica só se faz com base em alguma lei. Em casos simples uma úni-
ca lei pode ser suficiente, mas em casos complicados muitas leis podem ser necessárias
para explicar um mesmo fato. Mas é fato também que, tanto na ciência, quanto na
vida quotidiana, uma lei universal nem sempre é explicitamente colocada. Mesmo nas
explicações de fatos particulares elas estão presentes, pois como nota Carnap (1994, p.
7) “a resposta é que explicações de fato são realmente explicações de leis disfarçadas”.
Ou seja, ao explicar um fato, automaticamente formulamos um enunciado compatível
ao de uma lei científica.
Mas e no caso das leis estatísticas? Seriam elas uma forma de explicação aceitável?
Novamente, Carnap (1994, p. 8) pondera:
Mesmo quando uma lei estatística fornece somente uma explicação extrema-
mente fraca, ela é ainda uma explicação [...] Se forte ou fraca, estas são ex-
plicações genuínas. Na ausência de leis universais conhecidas, as explicações
estatísticas são, muitas vezes, o único tipo disponível.
70
Dois pontos devem ser enfatizados com relação aos fatores de risco: primeiro, Método, explicação
que o mesmo fator pode ser de risco para várias doenças (por exemplo, o taba- científica e pesquisa
acadêmica
gismo, que é fator de risco de diversos cânceres e de doenças cardiovasculares
e respiratórias); segundo, que vários fatores de risco podem estar envolvidos
na gênese de uma mesma doença, constituindo-se em agentes causais múlti-
plos. O estudo de fatores de risco, isolados ou combinados, tem permitido
estabelecerem-se relações de causa-efeito entre eles e determinados tipos de
câncer (PREVENÇÃO, [200-]).
71
MÉTODOS E TÉCNICAS ser válida para todos os casos conhecidos, daí ela seria estatística ao invés de universal.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Neste caso, a predição é somente provável, mas ainda assim é uma predição que valerá
num percentual do conjunto de objetos em questão. Os enunciados das ciências da
saúde são deste tipo. Veja a previsão abaixo publicada no sítio do Instituto Nacional
de Câncer (RJ):
Trata-se de um enunciado estatístico que faz uma previsão, que possui um grau
de probabilidade a ela associado. Contudo, ela não deixa de ser uma previsão que se
confirma em x por cento dos casos. Aí fica a critério da gestante que fuma, decidir se
corre o risco. A partir do exemplo anterior pode-se estimar a importância dos tipos de
previsão que a ciência pode produzir. Previsibilidade é um aspecto fundamental em
ciência e na vida diária também: nossos comportamentos mais corriqueiros são de-
terminados por previsões que fazemos. Deste modo, as previsões fundamentadas no
conhecimento científico são análogas a muitas outras previsões ‘racionais’ que fazem
o nosso dia-a-dia possível.
72
extremamente assimétrica. É fácil refutar uma lei; é extremamente difícil encontrar Método, explicação
científica e pesquisa
uma confirmação forte.” Por que isso é assim? A ideia toda é a seguinte: suponha que acadêmica
uma lei afirme que sempre que ‘se x tem uma propriedade P, então x tem a proprieda-
de Q’. Todavia, a partir de observações e experimentos constatamos que sempre x tem
a propriedade P, então x não tem a propriedade Q. Temos aí um conflito: a hipótese
deveria ter como consequência que x é Q, mas verifica-se que ela permite concluir que
x é não-Q. Já que a hipótese P leva a uma contradição (x é Q e não-Q) e a lógica da in-
ferência científica aqui assumida é consistente, isto é, livre de contradições, a hipótese
P deve ser falsa. Portanto, não-P. A lei que afirma ‘x tem uma propriedade P, então x
tem a propriedade Q’ foi invalidada. Para um conhecimento que pretende ser científi-
co basta um contra-exemplo e tudo vai ao chão. Isto explica, analogamente, porque o
trabalho da defesa no processo jurídico é muito mais fácil que o da acusação. É bem
mais fácil defender (destruir uma teoria, a da acusação) do que construí-la. Conheci-
mentos não-científicos são imunes a contra-exemplos e, por isso mesmo, não podem
nunca ser validados, nem serão nunca considerados científicos.
O modo positivo de validação dá-se por aproximação. Primeiro, porque os fatos
científicos são fatos virtuais uma vez que as teorias são constructos conceituais e, por
isso, devem ser aproximados por uma metateoria como a de probabilidades, uma teo-
ria da medida, etc. à realidade dos fenômenos. Segundo porque a inferência científica
subjacente à validação é indutiva.
Na busca pela confirmação de uma lei, por exemplo, do enunciado ‘se x tem a
propriedade P, então x tem a propriedade Q’ o que se procura é verificar se para cada
objeto x a lei vale. Lembre-se que x é uma variável percorrendo um conjunto poten-
cialmente muito grande de objetos. Por isso, estes objetos são denotados pelo índice
n , como em x n , no qual n é um número natural que, como sabemos, é um conjunto
potencialmente infinito. Não há evidência decisiva relativa à existência de conjuntos
infinitos na natureza, apenas de conjuntos muito numerosos. Por exemplo, o conjunto
de todos os átomos do universo certamente é um deles.
O processo de validação por aproximação corresponde esquematicamente a:
73
MÉTODOS E TÉCNICAS Apesar de não verificar todas as ocorrências possíveis de uma lei, se em n casos
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO avaliados não se constatou nenhum contra-exemplo, então a validação positiva vigo-
ra. O grau de confiabilidade para esta validação pode ser expresso como um grau de
probabilidade lógica. Mas você deve estar se perguntando: como podemos passar da
observação de fatos particulares a leis mais gerais que explicam certas regularidades
da natureza? Este é o famoso problema da indução. A lógica dedutiva não valida esta
inferência, mas ela, evidentemente, não esgota a inferência científica. Resta então o
recurso ao ferramental da lógica indutiva e da probabilidade que nos indica como cal-
cular o valor da probabilidade de certa conclusão ser o caso, se certas premissas (cada
caso testado) forem verdadeiras. Mas, como dito antes, nossa conclusão fundamentará
uma lei estatística. Carnap (1994, p. 18), que desenvolveu uma teoria lógica da pro-
babilidade, explica-nos: “Quando a lei é universal, então a lógica dedutiva elementar
é envolvida para inferir fatos desconhecidos. Se a lei é estatística, devemos usar uma
lógica diferente – a lógica da probabilidade”.
Entendamos melhor a inferência dedutiva. Uma inferência dedutiva é válida se a
sua conclusão não puder ser falsa, uma vez que suas premissas forem verdadeiras.
Por isso, se diz que a inferência dedutiva é demonstrativa: se as premissas forem ver-
dadeiras, a conclusão tem necessariamente que ser verdadeira. Ela vai de verdade em
verdade, procede teoricamente de leis em leis. Como você já deve estar imaginando,
a inferência indutiva não é demonstrativa, pois mesmo partindo de fatos verdadeiros,
pois nenhuma garantia há de que a sua conclusão será verdadeira. Além disso, ela
parte de fatos e chega a leis por meio de um salto lógico, chamado passo indutivo.
Este passo é tão mais confiável quanto mais casos favoráveis ao enunciado em teste
forem validados na pesquisa. Mas, por mais casos favoráveis que sejam constatados,
não se poderá afirmar que o enunciado vale universalmente. A validação positiva aci-
ma esboçada, por exemplo, indicou uma regularidade que só poderá ser enunciada
validamente na forma de uma lei estatística. Digamos que tal lei fosse enunciada nos
seguintes termos: se x tem a propriedade P, então x tem a propriedade Q e, a partir
da validação realizada, pode-se atribuir um grau de probabilidade 0.9 (ou 90%) para
esta lei. Logo, se um objeto a que pode ser substituído por x no esquema formal da lei
e há uma infinidade de as, então se a tem a propriedade P, então a tem a propriedade
Q tem o grau de probabilidade compatível com aquele aferido na validação positiva.
Mas esta noção de probabilidade não está dizendo que houve um contra-exemplo
e, por isso, a lei não é universal? Não. Se tivesse ocorrido algum contra-exemplo, a
lei teria sido descartada pela validação negativa. Uma vez que ela foi verificada com
sucesso em todos os casos examinados, mas exibe uma regularidade para um certo
percentual de casos e como não podemos testar todos, resta-nos atribuir um grau
74
de probabilidade para a lei estatística, indicando o grau de confiança que a lei obtida Método, explicação
científica e pesquisa
indutivamente tem de que o seu conteúdo seja verdadeiro. acadêmica
Cabe aqui uma palavra sobre a noção de probabilidade. A ideia mais comum de
probabilidade é chamada clássica ou puramente estatística. De acordo com esta con-
cepção, probabilidade é a razão entre o número de casos favoráveis e o número de
todos os casos possíveis, como mostra a expressão seguinte.
casos favoráveis
p
casos possíveis
Esta concepção pressupõe que todos os casos possíveis são igualmente possíveis.
Esta maneira de compreender a probabilidade se dá em termos de uma frequência
relativa, ou seja, é frequencista, só podendo ser verificada pela experiência. Se qui-
sermos verificar se a probabilidade de tirarmos seis no lançamento de dados, teremos
que atirá-lo n vezes até confirmarmos, nos lançamentos do dado, a probabilidade
estatística prevista. O problema é que nenhum número finito bastante grande de testes
concretos é o bastante para determinar a probabilidade que se procura com certeza.
Por isto, no século XX, outras concepções de probabilidade foram propostas. Carnap
(1994, p. 29 ) propõe uma concepção lógica de probabilidade – a que utilizamos no
exemplo acima – segundo a qual “quando afirmamos um enunciado de probabilidade,
não estamos estabelecendo um enunciado acerca do mundo, mas somente acerca da
relação lógica entre dois outros enunciados”. Carnap (1994, p. 32) explica como esta
relação de probabilidade lógica pode ser entendida:
De volta ao teste positivo de validação, quanto maior for o n testado, maior o grau
de confirmação, mas como lembra Carnap (1994, p. 21): “Se encontrarmos um exem-
plo negativo, o assunto está encerrado. Contrariamente, cada exemplo positivo é uma
evidência adicional para a força da nossa confirmação”. É neste sentido que se apre-
senta uma regra metodológica para testagem eficaz – a regra metodológica da diversi-
ficação: os exemplos devem ser diversificados tanto quando possível. Apesar do risco
constante dos contra-exemplos, Carnap (1994, p. 82) acredita que é importante para
uma teoria confirmar um enunciado, pois “a verificação de um enunciado isolado, que
75
MÉTODOS E TÉCNICAS exprima um fato ou um encadeamento de fato (uma lei), contribui para confirmar o
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO conjunto de uma contribuição teórica”. Quando um contra-exemplo é detectado a
maquinaria científica coloca-se a procura de uma nova lei “um fato inexplicável numa
teoria, quando é explicado na teoria nova, aumenta, evidentemente, o grau de confir-
mação desta última” (CARNAP, 1994, p. 82). Esta é a força da forma científica de pen-
sar: ela é provisória e revisável; é uma forma de conhecimento perfectível e dinâmica.
Quando os fenômenos que se quer estudar não são encontrados na natureza po-
demos produzi-los. A isto damos o nome de experimento. Conclui Carnap (1994, p.
22): “Produzir condições para testagem tem a grande vantagem de que podemos mais
facilmente seguir a regra metodológica da diversificação, mas se criamos as condições
a serem testadas ou as encontramos na natureza já dadas, o esquema subjacente [de
confirmação] é o mesmo”.
Segundo Granger (1994, p. 79), os critérios de validação a serem aplicados às ciên-
cias dos fatos humanos são basicamente os mesmos que das ciências da natureza. Nes-
tas disciplinas, quando o conteúdo dos enunciados a ser validado for predominante-
mente factual, o modo de validação mais adequado parece ser o da validação estatística
com exigências e limitações semelhantes as que se colocam às ciências da natureza.
Como vimos, um enunciado estatístico é, sem dúvida, melhor que a ignorância.
Na validação dos enunciados em que predomina o conteúdo teórico deve-se aten-
tar para duas dificuldades. A primeira, sublinha Granger, de que o conteúdo teórico
a partir de uma disciplina não se reduza a um puro e simples decalque de noções
ingênuas. A segunda, de que a fundamentação esteja no domínio do conceito e da
descrição de fenômenos e não no do mito e das prescrições dogmáticas a que ele dá
suporte, como ocorre na ideologia.
Os enunciados de conteúdo teórico constituem em grande medida o que normal-
mente se chama de ‘fundamentação’, ‘suporte teórico’ ou ‘aporte teórico’ frequente-
mente exigidos nos projetos de pesquisa das ciências dos fatos humanos. Deve-se estar
sempre atento para que esta fundamentação seja a mais refinada e confiável possível
do ponto de vista racional e crítico. Coerência interna é um critério insuficiente para a
avaliação do ‘suporte teórico’ a escolher: contos de fadas também são coerentes.
76
o pesquisador exerce um papel ativo, pois pode definir diversos aspectos da expe- Método, explicação
científica e pesquisa
rimentação, controlando ou desconsiderando fatores não essenciais da experiência, acadêmica
imprimindo aspectos que enfatizam o que ele realmente pretende investigar. Assim é,
por exemplo, a pesquisa em Física, em Química e em Biologia.
O método experimental permite ao cientista lidar com conceitos com os quais ele
constrói suas teorias e leis para a explicação ou previsão de fenômenos. São três os
tipos de conceitos com os quais lida a ciência: classificatórios, comparativos e quanti-
tativos. Seguiremos aqui a conceituação proposta por Carnap (1994, p. 51-59). Os con-
ceitos classificatórios são simplesmente conceitos que colocam um objeto dentro de
certa classe. A classificação (taxonomia) dos seres vivos em biologia é um bom exem-
plo da utilização deste tipo de conceito. Os conceitos comparativos são aqueles que
desempenham um papel intermediário entre os conceitos classificatórios e quantitati-
vos. Os conceitos quantitativos são aqueles aos quais se associam a valores numéricos.
Como veremos, o papel dos conceitos comparativos é muito mais importante do
que normalmente se presume. Primeiro por que eles são muito mais que conceitos
simplesmente classificatórios. Eles são ferramentas muito eficazes para descrever,
prever, e explicar, pois explicam como um objeto relaciona-se com outro em termos
de mais ou menos. Outro aspecto importantíssimo destes conceitos ressalta Carnap
(1994, p. 53) é “a utilidade dos conceitos comparativos especialmente em campos nos
quais o método científico e os conceitos quantitativos ainda não foram desenvolvidos”.
Este é o caso, por exemplo, de campos como a Economia e algumas ciências dos fatos
humanos. Outra razão adicional que atesta a importância dos conceitos comparativos
é que, não raro, um conceito comparativo torna-se, mais tarde, a base para a proposi-
ção de um conceito quantitativo.
Outro aspecto importante é que um conceito comparativo utiliza-se de linguagem
qualitativa que vincula predicados (propriedades) e relações (entre objetos). Já uma
linguagem quantitativa utiliza-se do conceito matemático de função (ou seja, uma rela-
ção unívoca entre os elementos de dois conjuntos, em que cada elemento do primeiro
é levado em um único elemento do segundo), que permite atribuir valores numéricos
a relações entre dois objetos. Os conceitos quantitativos envolvem, devido à sua re-
presentação enquanto funções, processos de contagem e medida. Todavia, a descrição
de leis científicas com base no conceito de função é muito apropriada, pois se trata de
um conceito não quantitativo e inequívoco. Descrições funcionais entre dois objetos
quaisquer mostram como um conjunto de objetos varia em função do outro.
77
MÉTODOS E TÉCNICAS caracteriza a visão científica. Estes conjuntos de critérios não são necessariamente
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO opostos. O primeiro, proposto por Granger (1994), tem a virtude de caracterizar os
aspectos mais importantes da explicação científica. O segundo visa apresentar os crité-
rios positivos que qualificam o conhecimento científico. Pretendemos com isto arejar
os preconceitos com que a epistemologia positivista tem sido tratada, especialmente,
nas ciências dos fatos humanos.
Enquanto tal, a ciência não deixa de ser desinteressada e até, de certa medida,
lúdica: a busca do saber pelo cientista é um trabalho intenso, mas também um
jogo. De qualquer forma, o primeiro resultado da visão é a satisfação de com-
preender, e de modo algum agir.
78
Método, explicação
científica e pesquisa
Noutras palavras, o conhecimento científico é comunicável, ao contrário da ex- acadêmica
79
MÉTODOS E TÉCNICAS Alemanha, Jakob Moleschott (1822-1893) e Ernest Haeckel (1834-1919); e na Itália,
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Roberto Ardigò (1828-1920).
Não trataremos aqui nem do positivismo histórico, nem de um autor específico. A
partir da análise de Kolakowski (1969), apresentamos algumas teses positivistas rela-
tivas ao que é o conhecimento científico que permitem qualificar qual conhecimento
merece ou não esta designação. Estas teses estão de certa forma presentes nos diversos
autores do movimento. Kolakowski (1969, p. 2-3) assim resume o modo positivista de
pensar:
Por meio de quatro regras gerais, Kolakowski (1969) caracteriza os critérios positi-
vistas de validação dos enunciados sobre a realidade, que avaliam o conteúdo do co-
nhecimento. Esta caracterização por meio de regras é instrutiva e interessante porque
caracteriza amplamente o positivismo não o restringindo a certos ramos específicos
do movimento.
A primeira regra identificada por Kolakowski (1969, p. 3) é o cânone de fenome-
nalismo. Em suma, a regra postula que “[...] não existe diferença entre ‘essência’ e
‘fenômeno’.” Desse modo são eliminadas pelo positivismo categorias como ‘forma
substancial’ e ‘qualidade oculta’. As doutrinas tradicionais encaravam os fenômenos
como manifestações de tais categorias. Por isso, continua Kolakowski (1969, p. 3):
80
descrita da seguinte maneira: “A regra do nominalismo leva ao enunciado de que po- Método, explicação
científica e pesquisa
deríamos não assumir que qualquer ideia formulada em termos gerais pode ter qual- acadêmica
quer referente real diferente de objetos concretos individuais.” Ou seja, não é porque
podemos conceber algo conceitual que se atribua a toda uma classe de objetos, diga-
mos a ‘unicornidade’, que os objetos particulares desta categoria universal existem.
Esta regra estabelece a negação dos universais. Para o esquema conceitual positivista,
“Temos o direito a reconhecer a existência de uma coisa, eles dizem [os positivistas],
somente quanto à experiência nos obriga a fazê-lo” (KOLAKOWSKI 1969, p. 5). Mas
como conciliar esta regra com a necessidade que a ciência tem de utilizar-se de cons-
tructos abstratos para descrever situações ideais? Kolakowski (1969, p. 6) pondera que
81
MÉTODOS E TÉCNICAS Essas regras encerram lato sensu a essência do projeto epistemológico positivista.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Em nosso contexto acadêmico, muitas vezes se usa o termo positivista de um modo
completamente pejorativo, e quem ouse a mencioná-lo em suas pesquisas é considera-
do um obsoleto praticante de uma ideologia superada. Se o leitor comparar as regras
positivistas desta subseção com os três traços característicos da visão científica propos-
tos por Granger (1994), constatará muitas semelhanças e coincidências nas descrições
do conhecimento científico.
82
componentes ou supostamente componentes, mas a partir de uma totalidade mais Método, explicação
científica e pesquisa
abrangente, uma estrutura. Por exemplo, as mudanças fonéticas verificadas no pro- acadêmica
cesso evolutivo de uma língua não se explicariam como uma mudança individual e
isolada, mas como uma reestruturação global do sistema; uma mudança na estrutura.
Diversas disciplinas humanas utilizam-se deste esquema, particularmente, a Linguísti-
ca e a Antropologia.
O esquema hermenêutico: ele é semelhante ao utilizado em interpretação literária
quando se procura desvelar o que realmente quis dizer um autor. O esquema se ba-
seia na premissa de que o verdadeiro sentido de um fenômeno se esconde detrás de
aparências que precisam ser cuidadosamente estudadas. A psicanálise, por exemplo,
atua com base neste esquema. Certas explicações marxistas, com base em sua teoria
da ideologia, se fundamenta neste esquema. Este é o esquema explicativo subjacente
a qualquer teoria da conspiração.
O esquema actancial, do agente: os fenômenos a explicar são resultados do com-
portamento de agente individuais ou coletivos portadores de intenções e submetido
a regras. Por isso, este esquema procura identificar os atores individuais ou coletivos,
suas intenções e os sistemas de regras nos quais atuam. Este esquema explicativo pode
ser utilizado tanto em teoria econômica, educação e administração.
O esquema dialético: explicar uma realidade humana individual e coletiva consiste
em descobrir e equacionar as contradições internas inerentes a essa realidade. Este
esquema é justificador e mais interpretativo do que explicativo, pois se aplica normal-
mente a realidades humanas já consumadas.
Avaliando estes esquemas Granger (1994, p. 92) pondera:
Ele atribui estas fragilidades à natureza própria dos fatos humanos. Acreditamos
que os três pontos acima devam ser cuidadosamente considerados nas pesquisas dos
fatos humanos, para não comprometer irremediavelmente os resultados alcançados
nas tentativas de explicações destes fenômenos. Ou seja, entendemos que estas fragi-
lidades metodológicas das ciências dos fatos humanos não devam ser agravadas pela
imperícia que possa acentuar os pontos fracos acima descritos, não importando o
esquema explicativo que o pesquisador considere o melhor a ser adotado. Granger
concluir (1994, p. 92: “há que se admitir que o conhecimento científico desses fatos só
83
MÉTODOS E TÉCNICAS pode ter bom êxito pela conjunção de vários esquemas [explicativos], cujo modo de
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO superposição e de encadeamento deve ser definido em cada caso especial”. Estamos
convencidos, sobretudo, que uma abordagem pragmática seja a mais adequada à es-
colha do esquema explicativo a ser utilizado: o melhor esquema explicativo é aquele
que melhor representa, descreve e explica o fenômeno a ser estudado. Um método X
é melhor que um método Y relativamente aos fenômenos que pretende explicar. Um
método só pode ser considerado absolutamente melhor que os demais no terreno do
fundamentalismo e dogmatismo metodológicos.
A propósito do fundamentalismo metodológico é muito instrutiva uma compara-
ção entre as disciplinas formais e as ciências dos fatos humanos. Nas disciplinas for-
mais como a Lógica e a Matemática e outras disciplinas altamente matematizadas não
há argumento de autoridade. Se uma conclusão é válida ela é consequência necessária
das premissas e hipóteses feitas, executadas na lógica subjacente ao campo de conhe-
cimento em questão. Nas disciplinas humanas, ao contrário, é comum valermo-nos
do apelo a autoridades respeitadas pela comunidade de praticantes para aumentar a
anuência às nossas conclusões. Neste texto, por exemplo, diversas autoridades foram
utilizadas e suas opiniões foram requisitadas por se tratarem de especialistas de grande
reputação acadêmica. Contudo, quando se apela a uma autoridade para testemunhar
em favor de questões que estão fora de sua especialidade, quem faz o apelo comete a
falácia (o erro lógico) do recurso à autoridade. Julgamos que este é um erro lógico co-
mum e um perigo constante em todas as ciências dos fatos humanos. Não basta afirmar
x disse y. É preciso verificar a relevância, a atualidade e a eficácia do que x disse acerca
de y para tomá-lo como fundamento de um projeto de pesquisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nestas considerações finais, gostaria de reforçar dois pontos ainda não manifestos,
mas que estão, imagino, subentendidos em toda a exposição. O primeiro é que a me-
todologia científica é muito mais que a formatação correta ou adequada de trabalhos
acadêmicos. Não que o aspecto formal não seja importante, com certeza é. Mas cer-
tamente a ênfase no formalismo metodológico pode dissimular o verdadeiro objetivo
da atividade acadêmica e científica: produzir boas explicações para os inúmeros fenô-
menos ainda inexplicados. Os aspectos formais envolvidos nos trabalhos acadêmicos
e relatórios de pesquisa é que estão subordinados ao conceito de ciência que devem
concretizar.
O outro aspecto, não menos importante, é uma denúncia ao antiintelectualismo
reinante tanto na sociedade quanto em setores da academia. O antiintelectualismo
vigente é uma atitude de desprezo a racionalidade que equipara às ciências formas de
84
conhecimento precárias, que ao longo denominamos de não-ciência. Uma faceta des- Método, explicação
científica e pesquisa
ta postura procura equiparar ou reduzir o conhecimento científico ao conhecimento acadêmica
técnico. Quando a isto diremos apenas que sem o primeiro não haveria o segundo.
Por fim, acreditamos que a ciência perfaz uma forma de conhecimento modelar e de
grande poder transformador da sociedade, das relações humanas e do homem consigo
mesmo e no modo como se relaciona com a realidade na qual está inserido.
Referências
PREVENÇÃO e fatores de risco. Rio de Janeiro: INCA, [200-]. Disponível em: <http://
www.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=13>. Acesso em: 28 out. 2008.
REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História de Filosofia. São Paulo: Paulus, 1993. v. 3.
85
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Proposta de Atividade
1) Reúna textos de jornais, revistas de divulgação científica acerca de temas que ganharam
destaque na mídia. Leia-os e tente identificar as concepções de ciência e sociedade que
estão presentes no texto. Dialogue com os argumentos destes escritos e estabeleça o que
valorizam e destacam em termos de conhecimento.
2) Neste capítulo, o autor apresenta e põe em debate as contribuições do positivismo à visão
científica do século XIX. Como o autor, mediante Kolakowski apresenta o modeo positivis-
ta de pensar?
3) O que o autor deste capítulo chama de conduta antiintelectualista no debate sobre os
conhecimentos (ver Considerações Finais, p. 84)?
Anotações
86
6 utilização
Orientações para a
de entrevistas,
questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
educacionais
Patrícia lessa dos Santos
87
MÉTODOS E TÉCNICAS Alguns temas terão um maior número de fontes que outros. As fontes podem
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ser escritas (livros, revistas, periódicos, documentos etc.). Dentre as fontes escritas,
podemos subdividi-las em: impressas (leis, teses, relatórios, romances etc.) e não-im-
pressas (cartas, entrevistas, provas e exames de alunos etc.), e as fontes orais (diálogos,
palestras, depoimentos, programas televisivos, lições de aula, julgamentos e represen-
tações jurídicas etc.). Os instrumentos estarão adequados às fontes que queremos ou
podemos utilizar para obter determinados conhecimentos sobre o objeto investigado.
O conhecimento do qual falamos é parcial, relacional e provisório, pois não devemos
ter a pretensão de abarcar a totalidade ou a verdade absoluta sobre determinado fenô-
meno ou objeto de estudo. Devemos ter claro qual o nosso objetivo de estudo e como
podemos nos organizar para estudá-lo:
88
Os instrumentos da pesquisa estão relacionados às técnicas utilizadas para a coleta Orientações para a
utilização de entrevistas,
dos dados e devem estar previamente descritos no projeto de forma organizada e det- questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
alhada de modo que o pesquisador saiba o que fazer como fazer e onde fazer durante educacionais
O QUESTIONÁRIO
O questionário é um instrumento muito utilizado em enquetes dirigidas a um pú-
blico amplo como, por exemplo, um levantamento de casos de pessoas atingidas por
uma doença com vistas a realizar um planejamento de controle do problema. Os estu-
dos epidemiológicos muito usuais em enfermagem, saúde pública, educação física e
áreas afins muitas vezes adotam o questionário em conjunto com outros instrumentos
de coleta de dados, como a anamnese, as medidas e avaliações corporais, bem como
exames laboratoriais ou testes psicológicos.
Trabalhar com uma grande amostra é a maior vantagem da aplicação do question-
ário, caso em que o uso da entrevista não é aconselhado. Dentre suas características
está a precisão dos dados, e para tanto é necessário que as questões sejam claras e
não deixem margem para dúvida. As questões podem ser fechadas, com alternativas
determinadas, o que limita a resposta e torna a coleta padronizada e de fácil aplicação.
Podem ser abertas, que se destinam a obter respostas mais espontâneas ou então mis-
tas; são os questionários que incluem perguntas abertas e fechadas.
A popularidade comercial do uso dos questionários, que são facilmente encon-
trados nas avaliações sobre o impacto causado no lançamento de novos produtos no
mercado, nem por isso são indicadores da falta de regras no controle das informações.
Um questionário, assim como outros instrumentos de pesquisa, deve ter critérios rig-
orosos, sistematizados no planejamento da pesquisa; dentre suas características de-
stacamos que ele deve ser intencional, digamos, deve ter objetivos determinados e
89
MÉTODOS E TÉCNICAS deve ser sustentado, ou seja, guiado por um corpo de conhecimentos. Sugerimos ver
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO o questionário elaborado por Karl Marx em 1880, realizado com operários franceses
(THIOLLENT, 1985).
O emprego do questionário é mais comum quando há um grande número de pes-
soas a serem interrogadas sobre determinada informação. Muitas situações indicam a
manipulação de informações, a distorção dos conhecimentos. Por exemplo, algumas
epistemólogas do feminismo apontam as pesquisas sexistas que enfatizam o destino
biológico das mulheres, mais ligadas a uma natureza imutável e a maternidade como
destino generalizado do gênero feminino para desqualificar sua participação social
na criação de objetos, leis, modos de vida e outros (RAGO, 2002). Esse argumento é
usado por feministas e teóricos preocupados em desconstruir o modelo generificado
de divisão social do mundo, um mundo dividido em dois gêneros, o masculino, tido
como superior, e o feminino ou o segundo sexo, como definiu a grande feminista
Simone de Beauvoir. Aqui encontramos bons exemplos de pesquisas com clara ma-
nipulação dos dados para distorção proposital dos resultados.
Agências de pesquisa estatística como o Ibope (pesquisa eleitorais para medir a
preferência do eleitor) e o IBGE, que realiza o censo (pesquisa para levantamento de
dados populacionais), reúnem grandes quantidades de informações que servirão a um
banco de dados e em muitos casos sofrerão um tratamento estatístico posterior a fim
de organizar as informações que poderão ser apresentadas em formatos de quadros,
tabelas ou gráficos.
Tanto no momento de elaborar um questionário, quanto na realização da entrev-
ista ou na preparação do trabalho de observação é importante realçarmos os passos
que iniciam com o registro das informações, depois a análise dos dados, segundo
uma classificação e categorização e finalmente, a interpretação dos mesmos. Caso a
pesquisa seja realizada por um grupo é necessário que sejam realizadas reuniões para
discussão do instrumento, bem como um treinamento para que todo grupo possa
saber aplicar o mesmo. Quando as perguntas são feitas pelo próprio investigador
é necessário ter uma voz clara, pausada e paciente. Quando os dados são preenchi-
dos pelo informante é importante verificar sua disponibilidade, se o mesmo possui
tempo para preencher os dados, se está com paciência, enfim deve haver uma previa
disposição em colaborar e para isso a atuação do pesquisador é fundamental, antes
do preenchimento ele deve conversar, procurando explicar suas intenções, seus obje-
tivos, deixar claro que os dados fornecidos não serão usados para expor o informante
bem como, deve procurar esclarecer as dúvidas do informante antes de dar início ao
preenchimento dos dados.
90
A ENTREVISTA Orientações para a
utilização de entrevistas,
A entrevista é um instrumento muito útil nas pesquisas de caráter qualitativo, ou questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
seja, sustentada por uma base de dados mais discursivos que matemáticos. Sua carac- educacionais
terística fundamental é a relação dialógica entre duas ou mais pessoas, por isso seu
caráter subjetivo. É subjetivo porque implica o uso de algumas técnicas e métodos
escolhidos propositalmente pelo entrevistador/pesquisador com vistas a alcançar algu-
mas informações que o mesmo espera que o entrevistado possua. Portanto, a interação
entre entrevistador e informante caracteriza um diálogo que deverá ser sistematica-
mente anotado pelo entrevistador em um diário de campo, podendo ser acrescido de
uma gravação em K7, vídeo ou mesmo fotografia.
A entrevista é um recurso muito usado no jornalismo, na investigação policial, no
inquérito judicial, na seleção de trabalhadores para determinado cargo ou função,
para desvendar uma opinião a respeito de um determinado momento, situação ou
assunto polêmico, para seleção em concursos variados e muitas outras funções. Na
pesquisa científica, como em outras atividades, é importante a elaboração de uma
pauta ou roteiro que servirá de guia na seleção das questões-chaves para uma coleta de
dados eficiente e condizente com a proposta teórico-metodológica da pesquisa, que
deverá prever, dentre outras questões, o número de entrevistados, o número de ent-
revistas realizadas com um mesmo informante, o tempo para realização das mesmas.
Um pesquisador, mesmo que bastante experiente, deve fazer um estudo preliminar
até chegar a um formato acabado do instrumento que será usado na coleta dos dados.
Ao elaborar o instrumento devemos ter em mente nossa capacidade de diálogo, de
improviso e perspicácia para tirar do informante os dados que buscamos.
Técnicas ou modelos conceituais como o survey, as entrevistas narrativas (BAUER;
GASKELL, 2002), a entrevista em profundidade sugerida por Denise Jodelet ( JODELET,
2001; SÁ, 1989), a anamnese (TURATO, 2003), que é muito usual na área da saúde, as
técnicas de entrevista para a perspectiva da História Oral (THOMPSON, 2002; RAGO,
2002) são alguns dos possíveis exemplos que se encontram disponíveis para os pes-
quisadores, que podem optar pela utilização de dois ou mais instrumentos, o que irá
depender do tempo previsto para a pesquisa bem como da experiência e habilidades
do pesquisador.
Ao pesquisar as memórias da anarcofeminista Luci Fabri, Margareth Rago utilizou
entrevistas que foram gravadas e, posteriormente, transcritas, buscando ali as impli-
cações políticas, sociais e culturais do silenciamento que os discursos dominantes da
história operam nos grupos excluídos. A pesquisadora relata que estava imbuída do
‘sentimento benjaminiano’, que põe como tarefa ao historiador salvar a memória e
livrá-la do esquecimento, e ela assinala:
91
MÉTODOS E TÉCNICAS O contato com essa senhora erudita e reflexiva, profundamente aberta à vida,
DE PESQUISA EM fez-me inevitavelmente pensar na utilidade da história, na importância da pre-
EDUCAÇÃO
servação da memória, sobretudo daquela silenciada pelos jogos do poder e,
mais ainda, levou-me a valorizar os aportes da história oral, área em que havia
incursionado timidamente em outra ocasião. A re-apresentação oral do passa-
do, ‘fazendo emergir do tempo/experiência os fatos considerados mais signifi-
cativos do ponto de vista do narrador’ (Guimarães Neto, 2000, p.99) traz colo-
ridos, cheiros e emoções que dificilmente se encontrariam no texto histórico,
na maior parte das vezes muito asséptico em sua pretensão de objetividade
(RAGO, 2002, p. 32).
1) não existe uma neutralidade proposta pelos positivistas, pois o próprio ato de
elaborar uma entrevista já supõe questões subjetivas dos investigados; suas per-
guntas são elaboradas segundo um recorte da realidade e não a realidade pro-
priamente dita;
2) a entrevista não é uma simples conversa. O entrevistador não pode se perder,
tornando-se um amigo;
3) faça um estudo preliminar a respeito das informações que deseja adquirir para
decidir como alcançá-las e qual instrumento é o mais adequado;
4) crie códigos, símbolos, sinais para facilitar a transcrição dos dados;
5) se você tem dificuldade em anotar com certa rapidez, utilize suportes auxiliares
como um gravador, por exemplo;
6) na transcrição dos dados, procure ser fiel às palavras do entrevistado.
Enfim, a precisão dos dados, a coerência das ideias e o controle das distorções
são importantes fatores que influenciarão os resultados da pesquisa, por isso um
instrumento bem planejado, testado e adequado aos objetivos do projeto resulta
positivamente.
92
Também encontramos entrevistas individuais e em grupo, realizadas por um pesquisa- Orientações para a
utilização de entrevistas,
dor ou por uma equipe. No caso das equipes de pesquisadores, é importante enfatizar- questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
mos o treinamento do grupo. educacionais
A OBSERVAÇÃO
A técnica de observação aplicada ao objeto de estudo é um estado de atenção vol-
untária e seletiva, ou seja, aquilo que deve ser observado está previamente planejado.
O material usado na observação resume-se em papel, caneta e prancheta, que servirão
para realizar o registro que deve ser o mais descritivo possível. Para o registro é feita
uma pauta de observação, evitando a ilusão de que estamos observando ‘tudo o que
se passa’. Em função disso, podemos afirmar que a técnica da observação deve ser
intencionada, com objeto determinado e sustentada, ou seja, guiada por um corpo de
conhecimentos (NEGRINE, 1999).
A utilização da observação na coleta dos dados é muito usada na pesquisa soci-
ológica ou mesmo na antropologia. Alguns modelos advindos prioritariamente des-
sas áreas expandiram-se para educação e saúde. A técnica é empregada geralmente
quando o pesquisador quer analisar as relações sociais ou a interação entre pessoas de
um grupo ou comunidade.
Ao realizar o trabalho de observação, outros recursos como filmagem, gravação
sonora e/ou registro fotográfico podem ser associados ao relatório de observação, no
qual devem encontrar-se registrados de forma metódica o local, a data, hora, o grupo
observado e uma descrição o mais precisa possível dos acontecimentos e fenômenos
que foram observados.
A técnica para a utilização da observação comporta alguns elementos, como:
a) o sujeito: como ele observa;
b) o objeto ou o indivíduo: o que será observado;
c) os meios: sentidos usados para captar a informação (visão, audição, tato);
d) as ferramentas ou instrumentos;
e) o marco teórico: referencial que parte do investigador relacionado ao seu re-
corte da realidade, suas prioridades cognitivas (NEGRINE, 1999).
93
MÉTODOS E TÉCNICAS As pesquisas que mais utilizam a observação sãoa pesquisa participante, a pesquisa-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ação e a etnográfica. Marli André (1989) realizou uma pesquisa sobre o cotidiano esco-
lar na qual utilizou a observação em uma investigação etnográfica por proporcionar:
“um contato direto e prolongado do pesquisador com a situação e as pessoas ou gru-
pos selecionados” (ANDRÉ, 1989, p. 38). Sugeriu ainda que os dados da observação
possam ser conjugados a outros dados, como, por exemplo, registros de documentos,
atas, fotografias ou mesmo resultados de entrevistas.
A seguir, indicamos algumas estratégias para o registro da observação:
- elaboração de uma pauta de observação;
- uso de diário;
- fichas de observação;
- elaboração de mapas e esquemas;
- uso de símbolos para facilitar o registro das informações;
TABELAS E GRÁFICOS
Tabelas e gráficos são formas comuns para apresentar de maneira visualmente aces-
sível e organizada os dados encontrados nos resultados de uma pesquisa. Mais co-
muns nas pesquisas quantitativas, as tabelas e gráficos são também usuais em pesquisa
qualitativas.
As tabelas, também conhecidas como quadros estatísticos, são importantes na apre-
sentação dos dados de uma pesquisa por facilitarem a compreensão dos dados para
o leitor. Lakatos e Marconi (2001) argumentam que uma tabela bem elaborada deve
possuir a capacidade de apresentar ideias e as relações entre as mesmas com certa in-
dependência do texto informativo. Sua função é justamente explicitar as informações
de forma clara e concisa, de modo que qualquer leitor possa visualizar os resultados
alcançados na pesquisa.
São quatro os elementos que irão compor uma tabela:
94
Os gráficos são figuras usadas para representar os dados de forma clara e objetiva. Orientações para a
utilização de entrevistas,
Normalmente são empregados para enfatizar relações entre dados e dar destaque ao questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
trabalho. Apresentamos a seguir um modelo de tabela e um modelo de gráfico: educacionais
Exemplo 1: Tabela 1
Exemplo 2: Gráfico
95
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Referências
BAUER, Martin W.; GASKELL, George. Pesquisa qualitativa com texto, imagem e
som: um manual prático. Petrópolis: Vozes, 2002.
ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 14. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.
MOLINA NETO, Vicente. Etnografia: uma opção metodológica para alguns problemas
de investigação no âmbito da Educação Física. In: MOLINA NETO, Vicente;
TRIVIÑOS, Augusto N. S. A pesquisa qualitativa na Educação Física: alternativas
metodológicas. Porto Alegre: Ed. Universidade UFRGS; Sulina, 1999. p. 107-139.
96
NEGRINE, Airton. Instrumentos de coleta de informação na pesquisa qualitativa. Orientações para a
utilização de entrevistas,
In: MOLINA NETO, Vicente; TRIVIÑOS, Augusto N. S. A pesquisa qualitativa na questionários, tabelas e
gráficos em pesquisas
Educação Física: alternativas metodológicas. Porto Alegre: Ed. Universidade UFRGS; educacionais
Proposta de Atividade
97
MÉTODOS E TÉCNICAS (d) nenhuma das opções
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Justifique sua escolha: ________________________
1.2) Se você tivesse que fazer uma coleta de dados em cinco escolas da rede pública da sua
cidade para verificar os números de reprovação nas disciplinas de Português e de Matemá-
tica entre alunos da 6ª série do ensino fundamental, você iria utilizar:
(a) entrevista
(b) questionário
(c) observação
(d) nenhuma das opções
Justifique sua escolha: ________________________
1.3) Em uma pesquisa experimental sobre a utilização do laboratório para aulas de ciências
você poderia usar:
(a) entrevista
(b) questionário
(c) observação
(d) nenhuma das opções
Justifique sua escolha: ________________________
2) Elabore um roteiro de entrevista tendo como base: a) deverão ser entrevistadas 20 profes-
soras da rede pública; b) o foco da entrevista será dado na compreensão das entrevistadas
sobre a avaliação, seus métodos e resultados no cotidiano da sala de aula; c) o estudo terá
como preocupação avaliar os modelos avaliativos usados no ensino atual.
3) Observando o gráfico abaixo, descreva quais são os dados que estão sendo apontados pela
mesma e os resultados obtidos:
100%
70%
50%
30%
10%
0%
a b c d e f
a) Maringá;
b) Região de Cianorte;
c) Região de Campo Mourão;
d) Região de Londrina;
e) Região Metropolitana;
f ) Outros Estados.
98
Orientações para a
utilização de entrevistas,
questionários, tabelas e
Anotações gráficos em pesquisas
educacionais
99
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações
100
7 Imagens fotográficas
como fonte de
pesquisas nos campos
da história e da
educação
101
MÉTODOS E TÉCNICAS documental suscita, quanto sua pertinência em termos metodológicos.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Philippe Dubois, em seu livro O ato fotográfico, estabelece em termos retrospecti-
vos três pontos de vista bastante distintos sobre o problema: o primeiro envolvendo o
discurso da mimese, isto é, a fotografia como espelho do real; o segundo como sendo
o discurso do código e da desconstrução, isto é, a fotografia como transformação do
real; e o terceiro, o discurso do índice, isto é, a fotografia como traço de um real. Tais
pontos podem ser resumidamente apresentados da seguinte forma: da primeira po-
sição vê-se na foto uma reprodução mimética do real; verossimilhança, as noções de
similaridade e de realidade, de verdade e de autenticidade recobrem-se e sobrepõem-
se exatamente segundo essa perspectiva; a foto é concebida como espelho do mundo,
é um ícone no sentido de Charles Sanders Pierce.
A segunda atitude consiste em denunciar essa faculdade da imagem de se fazer
cópia exata do real. Qualquer imagem é analisada como uma interpretação-transfor-
mação do real, como uma formação arbitrária, cultural, ideológica e perceptualmente
codificada. Segundo essa concepção, a imagem não pode representar o real empírico
(cuja existência é, aliás, recolocada em questão pelo pressuposto sustentado por tal
concepção: não haveria realidade fora dos discursos que falam dela), mas apenas uma
espécie de realidade interna transcendente. A foto é aqui um conjunto de códigos, um
símbolo nos termos peircianos. Finalmente, a terceira maneira de abordar a questão
do realismo em foto marca certo retorno ao referente, mas livre da obsessão do ilu-
sionismo mimético. Essa referencialização da fotografia inscreve o meio no campo de
uma pragmática irredutível: a imagem foto torna-se inseparável de sua experiência re-
ferencial, do ato que funda. Sua realidade primordial nada diz além de uma afirmação
de existência. A foto é, em primeiro lugar, índice. Só depois ela pode tornar-se pareci-
da (ícone) e adquirir sentido (símbolo). A terceira perspectiva, muito influenciada pe-
las categorias da semiótica inicialmente concebidas por C. S. Pierce (1960), é de certa
forma também compartilhada por Jean-Marie Schaeffer, que parte do pressuposto de
que “a imagem fotográfica é essencialmente (mas não exclusivamente) um signo de
recepção, pois que é impossível compreendê-la plenamente no quadro de uma semio-
logia que define o signo ao nível da emissão” (SCHAEFER, 1996, p. 10).
Pierce estabelece um sentido tripolar para o signo a partir do reconhecimento das
características múltiplas e variadas com as quais ele se apresenta. Conforme Martine
Joly (1994), Pierce propõe distinguir três tipos principais de signos: o ícone, o índice
e o símbolo. O ícone corresponde à classe de signos cujo significante mantém uma
relação de analogia com o que representa, isto é, com seu referente. Um desenho
figurativo, uma fotografia, uma imagem de síntese que represente uma árvore ou uma
casa são ícones, na medida em que se “pareçam” com uma árvore ou uma casa. Todavia
102
a semelhança pode acontecer de outra forma que não visualmente, e a gravação ou a Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
imitação do galope de um cavalo podem ser, em teoria, considerados também como nos campos da história e
da educação
ícone, da mesma maneira que qualquer signo imitativo – perfumes sintéticos de certos
brinquedos, tecidos sintéticos que parecem tecidos naturais ao tato, gosto sintético de
certos alimentos.
O índice corresponde à classe dos signos que mantêm uma relação causal de con-
tiguidade física com o que representam. É o caso dos signos ditos “naturais”, como
a palidez para o cansaço, a fumaça para o fogo, a nuvem para a chuva, e também as
pegadas deixadas pelo caminhante na areia ou as marcas deixadas pelo pneu de um
carro na lama. Finalmente, o símbolo corresponde à classe dos signos que mantêm
uma relação de convenção com seu referente. Os símbolos clássicos, como a bandeira
para o país ou a pomba para a paz, entram nessa categoria junto com a linguagem,
aqui considerada como um sistema de signos convencionais. Há, no entanto, que se
ponderar tal classificação na medida em que não existem signos puros, mas, como
infere Martine Joly (1994), apenas características dominantes.
Tal perspectiva particularmente nos interessa, pois mostra o sentido da parcialida-
de do instantâneo congelado na fotografia, livre, como diria Dubois (1998), da obses-
são do ilusionismo mimético. Por outro lado, pelo reconhecimento do fato concreto
da existência real do referente, ela se converte em objeto privilegiado para a história,
enquanto documento. Coloca-se assim essa categoria documental em pé de igualdade
com as outras fontes documentais.
O caráter incompleto e inconcluso da fotografia utilizada como documento histó-
rico não é seu privilégio; ela compartilha tais limitações com outras fontes, em conso-
nância com Mirian Moreira Leite:
A fotografia, neste sentido, pode funcionar como testemunho, pois que atesta a
existência de uma realidade; porém, por si só, não lhe atribui sentido, o qual precisa
ser buscado em outras referências que deem conta do seu contexto.
Schaeffer, em um sentido mais amplo, busca analisar essa questão no campo do
representamen, naquilo em que o signo possa representar o objeto ou dele dizer algu-
ma coisa. Schaefer (1996, p. 50) afirma que “para que um signo possa nos transmitir
as informações que ele veicula, é sempre necessário que intervenha um conhecimen-
to lateral já formado que permita inserir o signo que “sobrevém” em um conjunto
103
MÉTODOS E TÉCNICAS de estímulos e conhecimentos organizados”. Esse “conhecimento lateral” é bastante
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO variável, podendo ser, conforme Schaeffer, tanto estímulos sensoriais preservados na
memória, como também representações ou conhecimentos mais abstratos com rela-
ção a esses estímulos, ou até um conhecimento mais apurado em relação ao contexto
do objeto retido na imagem.
As fotografias, quando utilizadas como recordação, são um bom exemplo de inter-
venção necessária do conhecimento lateral. A esse respeito, esclarece que,
Outra ordem de problemas com relação ao uso de imagens fotográficas diz res-
peito a sua objetividade e ao papel do receptor ou observador da imagem quanto à
intencionalidade do fotógrafo. Sabemos, nesse último caso, que essa possibilidade é
totalmente subvertida pelo próprio caráter da fotografia, que permite uma espécie de
transcendência do dado icônico e às vezes leituras outras do observador que em nada
se vinculam ao ponto de vista ou à intencionalidade do fotógrafo ou daqueles a quem
a fotografia fora encomendada. Tal aspecto é constatado na seguinte observação feita
por Schaeffer:
Essa recepção da imagem como campo perceptivo não é, segundo o mesmo autor,
a recepção da mensagem em si, mas da visão eventualmente correspondente a um
olhar motivador. Em termos da objetividade da imagem fotográfica, a questão que se
expõe é ainda mais controversa, pois diz respeito antes de tudo ao conhecimento do
arché fotográfico. Tal conhecimento ou reconhecimento implica o fato de a imagem
fotográfica ser de certa forma autoautentificadora, e de ser essa característica compatí-
vel com identificações e interpretações diversas, às vezes totalmente equivocadas, em
relação ao impregnante.
Para Schaeffer, tais equívocos muitas vezes são intencionais e se prestam a formas
104
variadas de manipulação. A denúncia da falta de “objetividade “da imagem fotográfica Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
foi feita por Gisèle Freud (1974) a partir da sua experiência como jornalista: fotogra- nos campos da história e
da educação
fias suas, tiradas dos Instantâneos da Bolsa de Paris, foram veiculadas na imprensa
europeia da época em manchetes que ora as utilizavam para destacar certa euforia
do mercado, como, por exemplo, As ações alcançaram preços fabulosos, ora para
impressionar de forma alarmista a iminência de catástrofe, com destaques do tipo:
“Pânico na Bolsa de Paris, perdem-se fortunas, milhares de pessoas arruinadas”. O que
se observa nesse caso, e que levou à decepção de Gisèle Freud (1974) acerca da obje-
tividade da imagem fotográfica nada mais é que uma enorme confusão entre a imagem
e a interpretação identificante (isto é, o conhecimento lateral), o que, nos termos de
Schaeffer, produziu uma falta de diferenciação entre o ato interpretativo do fotógrafo
e o do receptor. Nesse caso, o que levou ao engano não foi obra da imagem em si, mas
do intérprete, que se enganou ou visou a enganar outro intérprete. De modo mais
distintivo, Schaeffer esclarece que,
Então esse poder autoidentificador da imagem fotográfica não deve ser atribuído à
função da imagem, mas sim a uma função do conhecimento e reconhecimento do seu
arché, que se refere ao estatuto da informação analógica e não a sua interpretação. É
desse modo que o fotógrafo capta a imagem motivadora espontaneamente, e o recep-
tor identifica a imagem com sua interpretação receptiva, sem que haja necessariamen-
te qualquer relação interpretativa entre produtor e receptor. Tal acomodação é quebra-
da quando se estabelece um feedback; aí se percebe o distanciamento interpretativo,
posto que é impossível (pelo menos em sua quase totalidade) que a imagem consiga
transmitir a constelação motivadora do fotógrafo.
O uso de fotografias de época durante a gravação de depoimentos em história
oral pode servir ao mesmo tempo como desencadeador da memória quanto desinibi-
dor das falas, ajudando a elucidar determinados fatos e acontecimentos importantes
sobre um momento histórico ou sobre a vida de uma comunidade ou grupo que se
está investigando. Entretanto é verdade também que, sem o apoio das outras fontes,
105
MÉTODOS E TÉCNICAS incluindo-se as orais, ler e compreender as fotografias se torna um trabalho inexequí-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO vel e sem o menor sentido. A imagem fotográfica, por ser estática e por não ter memó-
ria, só pode ser compreendida quando inserida no próprio universo interpretativo do
receptor, considerando que apenas nesse universo ela se transforma em testemunho
de uma situação complexa ou de um fato ocorrido.
Desse modo, a intercalação e o entrecruzamento de fontes podem ser de funda-
mental importância na construção de um quadro de referências mais amplo para se
compreender o sentido do conteúdo de determinadas imagens, a fim de que elas ad-
quiram um sentido não em si, mas em seu contexto.
Conhecer previamente a situação histórica da produção das imagens se mostra
imprescindível para a viabilização da sua utilização como fonte documental, tanto para
pesquisas em história quanto em educação, ao mesmo tempo em que possibilitam ao
leitor das imagens estabelecer um arranjo das fotos a partir de temas que elas mesmo
sugerem, ou talvez as agrupando a partir de critérios técnicos tais como idade, grau de
preservação, formas de exposição (tomadas internas ou externas), luminosidade etc.
A utilização das fotografias a partir da constituição de alguns eixos temáticos sus-
citados pelo conteúdo das próprias imagens nos proporciona informações valiosas e
mesmo esclarecedoras sobre o modo de vida e a evolução social e material de uma
dada comunidade. De certo modo, elas preservam um sentido intencional ao registrar
as mudanças ocorridas ao longo da história.
A quantidade e variedade do material disponível condicionam as possibilidades da
pesquisa, cuja análise e interpretação de seu conteúdo podem ser enriquecidas com
informações de outras fontes documentais. No caso das entrevistas, o uso das fotogra-
fias no momento da gravação dos relatos pode servir como detonadoras da memória,
confrontando dados contidos nas imagens com aqueles prestados pelo informante.
Os comentários sobre o conteúdo das fotos propiciam um fluxo bastante dinâmico e
espontâneo das falas, ao mesmo tempo em que estimulam a memória dos informantes
sobre determinados temas, além de ajudar no esclarecimento de alguns pontos sugeri-
dos durante as gravações. As fotos podem, assim, nos termos de Mirian Moreira Leite,
funcionar como:
106
recursos técnicos empregados, os quais permitem reconhecer o contexto da sua pro- Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
dução, sugerindo algumas das escolhas dos fotógrafos ou daqueles a quem a fotografia nos campos da história e
da educação
foi encomendada. Isso nos insere diante da discussão a respeito da evolução e das
origens da fotografia e talvez de seu princípio genético, buscado na “perspectiva” da
pintura renascentista; noutros termos, em uma forma de enquadramento visual da
realidade desenvolvida no Ocidente.
No entanto, tal percepção só pode ser realmente compreendida à luz de um reco-
nhecimento mais amplo do que foi a trajetória e a história das pessoas e do ambiente
retratado, sem o qual se torna muito difícil compreender tais escolhas.
Para Arlindo Machado (1984), as formas da tomada são sempre um feixe de indi-
cadores da posição ideológica do grupo ou do fotógrafo que as registra, consciente-
mente ou não. Por essa mesma razão é que elas servem, a partir de um repertório de
situações e eventos fotografáveis, como um inventário precioso dos valores de cada
grupo (MACHADO, 1984, p. 55).
É justamente esse aspecto que Pierre Bourdieu explora de forma mais completa em
seu livro Un art moyen, no qual a fotografia possibilita esculpir e celebrar nas figuras
imagéticas os mais arcaicos valores da cultura. Por essa razão,
[...] a fotografia convencional é aí vista como uma espécie de ‘toten’ onde toma
forma o sistema ético e estético do grupo social. A fotografia popular é um culto
doméstico: nas cerimônias institucionais, como os casamentos, os aniversários,
as bodas, o batismo, a comunhão cristã, a viagem de férias ou de núpcias, etc.,
ela se inscreve no ritual e tem por função sancionar, consagrar a união familiar.
Em tais cerimônias, as pessoas se fazem fotografar porque a fotografia realiza
a imagem que o grupo faz de si mesmo: o que ela registra em seu suporte
fotossensível não são propriamente os indivíduos enquanto tais, mas os papéis
sociais que cada um desempenha: pai, mãe, avô, tio, marido, debutante, militar,
turista (apud MACHADO, 1984, p. 55).
Esse sentido de eternização dos grandes momentos na vida das pessoas é extensivo
a situações muitas vezes banais do cotidiano, mas que têm uma dimensão muito ex-
pressiva para o grupo e para as famílias que o compõem. Elas servem ou serviram para
reforçar o sentimento de integração e pertença que o grupo construiu de si mesmo e
de sua unidade, e talvez seja por essa razão que, segundo Machado, o efeito de reali-
dade da fotografia “tenda sempre a se superpor à percepção dos arranjos que a câmera
impõe” (MACHADO, 1984, p. 55).
De certa forma, as motivações originais do passado, transmitidas pela fotografia de
uma geração a outra, revelam a força e a ação do tempo expressas nas fisionomias dos
velhos, mas também reforçam sua resistência na promessa do novo.
Talvez seja nesse sentido que Christian Metz atribua à fotografia uma dimensão de
107
MÉTODOS E TÉCNICAS morte, retrato ambíguo, imóvel e silencioso, que preserva a ação inexorável do tempo
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO sobre as faces e que guarda a lembrança dos mortos como mortos em razão dessa imo-
bilidade e fixidez que lhe são inerentes. Sontag enuncia que esse caráter impiedoso
e testemunhal que registra a ação do tempo sobre nossas vidas, e esse caminho em
direção à morte é intrínseco à fotografia, acrescentando que
108
fotográficas que podem ser transformadas em fontes para o conhecimento de muitos Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
aspectos relacionados a esse tipo de vestuário. nos campos da história e
da educação
Grosso modo, por meio das fotografias e dependendo do seu conteúdo, traçar o
perfil dos uniformes usados por uma escola em um determinado período, podemos
mapear os tipos e estilos em diferentes épocas, podemos coletar imagens de alunos e
alunas de duas ou mais escolas e trabalhar com o método comparativo para estabele-
cer as diferenças e semelhanças, como, por exemplo, os uniformes das escolas de elite
e privada e as públicas. É possível também deter o olhar sobre os uniformes usados
na educação física, estabelecendo critérios de seleção para a coleta e captação das
informações contidas nos fragmentos visuais, como também podemos articular os uni-
formes de um período à moda da época, ou ainda, desvelar as relações e articulações
entre as peças e a educação dos gêneros, identificando e captando a contribuição da
indumentária na modelagem das identidades de meninos e meninas, das aparências
femininas e masculinas. Em suma: os uniformes são peças da indumentária da edu-
cação e enquanto tais, podem ser transformados em objetos de estudo da educação.
Diríamos que, qualquer que seja o objeto de estudo gerado pelo uniforme escolar,
a utilização das fotografias como fonte de pesquisa exige que algumas questões sejam
ponderadas pelo pesquisador no trabalho de seleção e análise dos materiais fotográficos.
A partir deste ponto, o texto adquire o contorno de um guia. Apresentamos alguns
encaminhamentos que podem auxiliar o pesquisador que enveredar pelo campo de
estudos que têm na fotografia o suporte para a captação das informações.
O primeiro passo diz respeito à seleção e coleta das fotografias para o estudo. Em
qualquer trabalho de pesquisa que envolva o uso de fotografias, é necessário explicar
o processo de levantamento e os tipos de acervos de onde o material foi retirado e/
ou obtido. Como e onde as fotografias foram coletadas é uma informação que deve
constar em qualquer tipo de trabalho acadêmico para apresentar, explicar e justificar o
levantamento e as seleções – as escolhas feitas sobre o material levantado.
O segundo passo é o entendimento do tipo de documento que é a fotografia. No
item anterior deste capítulo, alguns princípios que devem balizar a análise das imagens
foram pontuados. Àquelas reflexões podemos justapor as concepções de Peter Burke
(2001; 2004) e Boris Kossoy (1993; 2001) sobre o documento fotográfico. Para os au-
tores, os documentos fotográficos devem ser processados da mesma maneira que os
escritos e não devem ser tomados como espelhos fiéis dos fatos. Ou ainda, nas palavras
de Marcos Napolitano (2005, p. 235), “o conceito moderno de documento rejeita a
máxima metódica; o documento fala por si”.
Conceber os documentos visuais como portadores de ambiguidades, de significa-
dos não explícitos, de omissões pensadas, calculadas que precisaram ser decifrados é
109
MÉTODOS E TÉCNICAS um encaminhamento necessário ao pesquisador na análise das imagens fotográficas.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Essa maneira de conceber os documentos visuais traz consigo um problema para
o pesquisador, o qual diz respeito sobre como enfrentar e contornar interpostos na
análise entre o implícito e explícito dos documentos fotográficos. Equacionar essa
problemática é outro passo necessário à pesquisa.
Nas reflexões de Kossoy (2001, p. 117) encontramos uma maneira de solucionar
a equação entre o que se vê e o que se esconde em uma fotografia: “conjugar as infor-
mações fotográficas ao conhecimento do contexto econômico, político e social, dos
costumes, do ideário estético refletido nas manifestações artísticas, literárias, culturais
da época retratada [...]”.
O que o autor diz claramente é que uma fotografia, como fragmento do real, con-
gelado pelo fotógrafo no ato do registro da imagem, carrega “sentidos e significados”
que podem ser desvelados e conhecidos, quando associamos o conteúdo da imagem
ao “contexto”.
O que é um contexto? Como achar e o que considerar como contexto? No dicioná-
rio, encontramos duas definições para “contexto”, as quais podem ajudar no entendi-
mento do encaminhamento sugerido por Kossoy: (2001) “conjunto; todo, totalidade;
argumento, assunto”. Isto posto, podemos concluir que toda fotografia traz os sinais,
os indícios que a ligam a um contexto (uma época, um assunto, um acontecimento,
uma moda, uma prática, uma situação etc.) o qual precisa ser conhecido pelo pesqui-
sador para entender o que está posto na imagem fotográfica.
Neste ponto, vale lembrar que toda pesquisa que usa a imagem fotográfica como
fonte de pesquisa tem um objetivo claro e definido e que toda investigação de con-
teúdo de uma imagem requer o conhecimento do contexto, que é dado pela leitura
bibliográfica para esmiuçar e argumentar. Portanto, o apoio bibliográfico a ser buscado
pelo pesquisador está diretamente relacionado ao objetivo da pesquisa (ou à proble-
mática da investigação). A bibliografia vai ajudar no conhecimento do que está posto
nas imagens de forma “declarada” ou “velada”. Aqui está outro passo da investigação:
associar, justapor e relacionar o conteúdo das imagens ao levantamento de informa-
ções em outras bases documentais. As bases bibliográficas podem ser constituídas por
vários tipos de documentos: livros, artigos de periódicos científicos, jornais, revistas,
história oral etc. Não podemos perder de mira que o que se intenta no trabalho é en-
tender o material oferecido pelas imagens. Para afiar a lente dos olhos é preciso muito
mais que ver. É necessário enxergar.
Voltando ao exemplo dos uniformes escolares, uma pista do contexto pode estar
na legenda das imagens quando provenientes de acervos públicos ou da imprensa;
no caso daquelas imagens oriundas dos acervos pessoais e familiares, as informações
110
obtidas durante a seleção e a coleta das imagens ou completadas/complementadas Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
pela história oral podem fornecer o mapa de seu contexto (época, pessoas, local etc.). nos campos da história e
da educação
Vejam bem: falamos em pistas, sinais, indícios do contexto ou seja, o que precisa ser
conhecido para esclarecer o que está nas imagens.
O esclarecimento do contexto de um estudo sobre a educação completa-se com
a literatura histórica, pela historiografia, ou com a “bibliografia” disponível sobre o
assunto da pesquisa.
Neste sentido, em nosso exemplo, a análise de fotografias que narram os uniformes
escolares quase que independentemente do foco de análise, dois encaminhamentos
são necessários. O primeiro é articular o uso desses uniformes ao contexto da educa-
ção, e o segundo compreender o significado desse vestuário nas práticas da educação.
Exemplo elucidador pode ser utilizado pelo estudo realizado por Simili (2008),
no qual se procurou examinar as transformações observadas na educação e na moda
durante os anos de 1942-1945, que correspondem aos anos de participação do Brasil
na Segunda Guerra Mundial, mediante análise dos estilos e perfis das voluntárias da
Legião Brasileira de Assistência. As voluntárias eram mulheres pertencentes a diver-
sos segmentos femininos que se dispuseram a trabalhar na instituição, como meio
de ajudar o país a contornar alguns problemas sociais. Com esse propósito, a autora
examinou documentos diversos – da imprensa e fotografias – para mostrar como os
cursos, os serviços e as atividades criados pela instituição envolveram, prepararam e
transformaram as mulheres em voluntárias. Nesse empreendimento, é revelado, atra-
vés das imagens fotográficas, o papel desempenhado pelos uniformes na criação dos
estilos e perfis femininos que emergem no cenário nacional da época, na capital da
república, a cidade do Rio de Janeiro.
O texto deixa nítido que o entendimento do oferecido pela documentação – es-
crita e imagética –, exigiu o conhecimento dos projetos pedagógicos dos anos 1940,
os conceitos de educação que orientavam a formação das mulheres nas escolas, os
fins almejados com a educação das mulheres. Os conceitos e princípios da educação
que orientavam os projetos e as práticas pedagógicas foram retirados da história e da
historiografia da educação que retratam e analisam aqueles anos.
Quanto aos uniformes usados pelas voluntárias, a autora mostrou que foi neces-
sário buscar subsídios teóricos-metológicos nos estudos da moda que a ajudassem a
entender o significado embutido nesse tipo de vestuário e os sentidos que carregavam
nas práticas pedagógicas da educação. Os estudos acerca dos uniformes, como peça
de vestuário da moda e de controle social, deram sustentação à análise das imagens e
na construção da argumentação.
Por conseguinte, estudar os uniformes ou enfocar questões ligadas a esse tipo
111
MÉTODOS E TÉCNICAS de vestuário na educação significa inseri-lo e concebê-lo como um instrumento das
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO práticas pedagógicas, com seus mecanismos de controle e de ensinamentos. Noutras
palavras: os uniformes também educam os sujeitos que o usam, inculcando valores,
comportamentos, atitudes e desenvolvendo habilidades, competências.
Retomando o que propõe Kathia Castilho (2002, p. 70), uma estudiosa da moda,
cujos comentários podem ser trazidos para a educação e orientar pesquisas sobre esse
tipo de indumentária, são os investimentos de valores (trajes e acessórios) que a pes-
soa passa a vestir que a configuram em um sujeito transformado, dando-lhe outra
aparência capaz de, com seus novos efeitos de sentido, qualificá-lo, particularizá-lo,
distingui-lo dentre os demais pelas escolhas expostas, vestidas em seu próprio corpo.
Vestidos com os uniformes de uma escola, os alunos passam a ostentar no corpo um
dos símbolos da educação e as transformações que a acompanham, passam também
a revelar na aparência o pertencimento a um espaço da educação (uma escola) e as
propostas pedagógicas que orientam suas formações.
A relação entre individual e coletivo, entre indumentária e educação, entre vestuá-
rio e práticas pedagógicas possíveis de serem estabelecidas nas análises das fotografias
de uniformes escolares encontram nestas reflexões a sustentação teórica-metodológica.
Alison Lurie (1997, p. 33) considera o uniforme a forma extrema de roupa conven-
cional, constituindo-se no traje totalmente determinado pelo outro, no qual o sujeito
que o usa abdica do direito de agir individualmente e coloca-se, de maneira parcial ou
total, sob censura. Para Jeniffer Craik (2003, p. 6), o uso dos uniformes diria respeito
ao controle do eu social, mas também do eu interno e de sua formação, ou seja, o eu
interno passa a ser controlado, censurado pelo social, pelas regras impostas ao eu
interno e individual, transformando-o em coletivo. Para esta autora, existiriam vários
sentidos no seu uso, tais como o de “compreender e obedecer às regras relativas ao
exercício do uniforme, transformando as peças de roupa em manifestações comuni-
cativas”. Sem dúvida, usar um uniforme é comunicar sobre o corpo e pelo vestuário
a internalização dos comportamentos, das atitudes e dos valores que devem orientar
seu uso, porque os “uniformes são indicadores extremamente eficazes da codificação
de regras apropriadas de conduta e sua internalização”.
Portanto, vestidos com os uniformes os alunos dizem muito sobre a educação.
Explorar os uniformes por meio das fotografias é um território a ser explorado pelos
pesquisadores da educação. Mais que isso: os uniformes nas variedades de imagens,
cores, texturas e símbolos têm muito a dizer e a ensinar sobre a educação brasileira e
como tal um exemplo concreto da pertinência do uso da fotografia como documento
para pesquisas.
112
Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
nos campos da história e
Referências da educação
BURKE, Peter. Como confiar em fotografias. Folha de São Paulo, São Paulo, p. 13, 4.
fev. 2001.
CASTILHO, Khatia. Do corpo à moda: exercícios de uma prática estética. In: ______.
GALVÃO, Diana. A moda do corpo, o corpo da moda. São Paulo: Esfera, 2002, p.
59-72.
DUBOIS, Philippe. O ato fotográfico e outros ensaios. 2. ed. Campinas, SP: Papirus,
1998.
______.Fotografia & História. 2. ed. rev. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001.
113
MÉTODOS E TÉCNICAS NAPOLITANO, Marcos. Fontes audiovisuais: a História depois do papel. In: PINSKY,
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2005.
PIERCE, Charles Sanders. Colllected papers. New York: Harvard University Press,
1931-1960. v. 1-2.
Proposta de Atividade
1) Procurem na Internet um estudo da área da educação que tenha usado as imagens fotográ-
ficas no trabalho de pesquisa. Identifiquem o problema de pesquisa e a metodologia do
trabalho com as fontes imagéticas, respondendo: qual foi o objetivo da pesquisa? Como as
imagens foram coletadas e selecionadas? Como foram analisadas? Quais foram os resulta-
dos da investigação?
2) Façam um levantamento na Internet dos acervos públicos que guardam imagens fotográ-
ficas. Selecionem um acervo e façam uma visita online. Escrevam um texto identificando
a proposta norteadora do acervo (o objetivo de sua existência, os tipos de materiais nele
depositados). Se o acesso às fotografias for possível, escolham uma imagem e completem
a redação do texto, indicando uma possibilidade de abordagem para o fragmento visual
sob o da educação.
114
3) Selecionem uma imagem fotográfica do acervo pessoal (privado e familiar). Essa seleção Imagens fotográficas
como fonte de pesquisas
deve ser orientada no sentido de responder à pergunta: como ela poderia ser usada em nos campos da história e
uma pesquisa que tenha como foco um tema, uma problemática da educação? da educação
Anotações
115
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações
116
8 Pesquisa em
educação: memória e
história oral
Ivana Guilherme Simili / Henrique Manoel da Silva / Patrícia Lessa dos Santos
117
MÉTODOS E TÉCNICAS interação, na qual o controle do pesquisador sobre o assunto abordado é apenas par-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO cial (ETIENE, 1998).
Com estas considerações iniciais, neste capítulo trazemos as dimensões da pesqui-
sa em História da Educação com o objetivo de apresentar alguns marcos teórico-me-
todológicos para a abordagem de temáticas relacionadas às experiências da educação
sob o foco da memória e da história oral.
118
memória de Bergson marcaria presença na história do conhecimento sobre os fenôme- Pesquisa em educação:
memória e história oral
nos memorialísticos ao mostrar que o passado sobrevive na memória, manifestando-se
sob a forma de lembranças, como “imagens-lembranças”.
A teoria da memória de Bergson serviu de inspiração principalmente a literatos,
como Marcel Proust (1988), para sua obra “Em Busca do Tempo Perdido”. Walter Ben-
jamin (1985, p. 37), examinando a obra proustiana, pontua: “sabemos que Proust não
descreveu em sua obra uma vida como ela de fato foi, mas sim uma vida lembrada
por quem a viveu”. Viver, guardar e lembrar, eis o eixo das abordagens da memória
proporcionadas pelas reflexões de Bergson e sobre a qual gravitarão as abordagens e
discussões posteriores. Ou, ainda, conforme destaca Benjamim: lembrar da vida que
se viveu não é recuperá-la como foi.
Um contraponto às formulações teóricas de Bergson pode ser tomado de Maurice
Halbwachs (1990) em “A Memória Coletiva”. Em uma filiação sociológica que remete a
Durkheim, Halbwachs atrelará a constituição e permanência da memória aos “quadros
sociais da memória”. Para o autor, embora a memória se manifeste no indivíduo, ela é
“antes de tudo uma combinação particular do universo histórico, social e cultural com
o qual o indivíduo está em relação”. Acrescenta ele: “Mas, nossas lembranças perma-
necem coletivas, e elas nos são lembradas pelos outros, mesmo que se trate de acon-
tecimentos nos quais só nos estivemos envolvidos, e com objetos que só nós vimos. É
porque, em realidade, nunca estamos sós” (HALBWACHS, 1990, p. 26).
A teoria de Halbwachs é clara: não existem lembranças individuais. Lembrar é sem-
pre um ato coletivo, é lembrar-se de lugares e pessoas que fizeram parte de algum
modo e em algum momento de suas vidas e que são lembradas como pertencendo a
uma experiência. Ou ainda como enuncia a música: “nunca estamos sós”.
O caráter coletivo das lembranças foi transformado em princípio metodológico das
investigações sobre a memória, realizadas sob diferentes óticas na área das ciências
humanas, na qual se inclui a educação. Esse princípio possibilita conhecer, através da
experiência individual, o coletivo – como os lugares e pessoas de uma época e sua cul-
tura, como os espaços educacionais em suas relações com os sujeitos, as experiências
detidas por eles no magistério, no ensino, na educação.
Além de defender a relação entre memória e sociedade, outro ponto importante
na teoria de Halbwachs e que será explorado nas reflexões posteriores é aquele que
contesta a sobrevivência do passado em sua totalidade (como pensava Bergson). Para
Halbwachs, a memória não é sonho ou contemplação do passado, mas é trabalho. Sua
formulação teórica foi sintetizada por Ecléa Bosi nos seguintes termos: lembrar não é
reviver, mas é refazer, reconstruir, repensar com imagens e ideias de hoje as experiên-
cias do passado. A esse respeito, a autora expõe:
119
MÉTODOS E TÉCNICAS A lembrança é construída pelos materiais que estão à nossa disposição no con-
DE PESQUISA EM junto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida
EDUCAÇÃO
que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que
experimentamos na infância, por que nós não somos os mesmos de então e
porque nossa percepção alterou-se e com ela, nossas idéias, nossos juízos de
realidade e valor. O simples fato de lembrar o passado no presente, exclui a
identidade entre imagens de um e de outro e propõe a diferença em termos de
ponto de vista (BOSI, 1987, p. 17).
Disso resulta que as lembranças remetem a uma relação entre passado e presente,
entre o que foi vivido, existiu, aconteceu e o que é recordado no presente. Como lem-
branças que se manifestam no presente, as recordações do passado são reelaboradas
com as explicações, os entendimentos, as justificativas da circunstância, do contexto e,
principalmente, do momento e das razões por que foi evocado. E é por esse constante
refazer que uma lembrança que , apreendida, ouvida e guardada não permanece na me-
mória da mesma forma, produzindo as mesmas leituras e interpretações. As lembranças
que ficam na memória não se petrificam tal qual em um banco de dados de computador,
em que as informações são guardadas e quando acessadas estão tal qual foram gravadas
(como defendia Bergson). Para Bosi (1987), é sempre no e pelo presente que o passado
é refeito e, por isso, as lembranças são expressões dos trabalhos da memória.
Para esclarecer essa relação entre memória e tempo, entre lembrança e lembrar,
resgatamos o comentário de Peter Wagner elaborado na introdução de um livro que
pretende ser a memória de uma prostituta, intitulado “Fanny-Hill: memórias de uma
mulher de prazer”, escrito no século XVIII por John Cleland (1989). Pensa o autor ser
impossível a nós, expoentes de um século, entender o significado desse livro para os
homens coevos a sua publicação, isto porque nele estão embutidos outros valores,
comportamentos e atitudes sociais comungados pelos indivíduos daquele tempo. Lê-
lo hoje significa dar-lhe outra interpretação, ter dele outro entendimento, visto que vi-
vemos em uma sociedade onde perpassa, vige e impera uma coleção de valores morais
e sexuais diferentes daquela época.
Se o tempo instala essa diferença entre interpretações, o mesmo processo pode ser
observado na leitura desse mesmo livro por uma mesma pessoa. Essa diferença se esta-
belece entre as leituras, entre uma primeira e sucessivas outras, com certos interstícios
de tempo. Por isso, nunca se lê um livro de uma mesma e única maneira. Cada leitura
é um olhar e traz novas descobertas. Passagens de um texto destacadas em uma leitura
podem vir a ser substituídas por outras. Detalhes postergados ou deixados de lado
por serem incompreensíveis ou tidos como desimportantes em um momento podem
conferir novos sentidos à leitura em outro momento, renovando a interpretação e o
entendimento.
120
O livro pode servir como analogia para a vida: semelhante a um livro é a vida de Pesquisa em educação:
memória e história oral
uma pessoa, e sua leitura metáfora para os trabalhos da memória. Se o passado não
se revive, mas se refaz, se não é sonho, mas trabalho, com as lembranças dos sujeitos
durante uma investigação estaremos, sempre, evidenciando e lidando com as leituras
feitas de uma experiência de vida.
Entretanto o que fica para cada pessoa de uma experiência de vida? Essas questões
remetem ao ato de lembrar. Para lembrar é pré-requisito o arquivamento das infor-
mações na memória ou o que podemos denominar experiência. Nem tudo experi-
mentado, vivido e percebido por uma pessoa, em quaisquer das situações que tenha
vivenciado, é inexoravelmente guardado tal qual o vivido e percebido. Apenas são pas-
síveis de arquivamento algumas passagens da vida ou determinados aspectos dela, sob
a forma de experiências vivenciadas. Tampouco tudo o que é ouvido é gravado pela
memória. A memória seleciona e elege, dentro do universo das mensagens recebidas,
pelas múltiplas formas e meios, as mais importantes . Isto é o que faz a diferença entre
os indivíduos e suas experiências.
Essa reflexão remete a um aspecto importante para quem envereda em pesquisas
com foco na memória. A vivência comum de uma experiência compartilhada pelos su-
jeitos (uma história de vida, uma situação em particular, um acontecimento agradável
ou traumático etc.) pode ser geradora de lembranças com conteúdos que em nada ou
pouco se aproximam do que realmente foi no passado. Essa separação das memórias,
lembranças operadas pelas pessoas foi descrita por Bosi (1987, p. 27), para quem “fica
o que significa. E fica não do mesmo modo: às vezes quase intacto, às vezes completa-
mente alterado”. Desse modo, trabalhar com memórias e lembranças significa apren-
der a lidar com o que ficou para os sujeitos, com os crivos conscientes e inconscientes
dos indivíduos, das seleções feitas nas experiências vivenciadas, das seleções feitas
como operações da memória, para guardar e lembrar.
Entretanto, como vimos com Halbwachs (1990), a memória adquire conteúdo cole-
tivo. Desse modo, a memória é formada e sustentada por laços sociais e por mais que
uma experiência seja individual e por mais que os sujeitos tentem escamotear as recor-
dações detidas, eles não conseguirão subtrair de suas narrativas a presença dos vários
“outros” concretos e abstratos que habitam suas memórias. As pessoas que constituem
os grupos sociais e com os quais estiveram envolvidas são personagens que também
incorporaram a sua consciência as imagens e representações dos “outros” (pessoas, es-
paços, cores, odores, sabores), como produtos de uma experiência coletiva. Podemos
falar, aqui, em memória compartilhada, as histórias contadas em uma dada comunida-
de, como, por exemplo, pequenos agricultores no interior do Rio Grande do Sul que
testemunham formas de incorporação que pareciam ser individuais, mas que foram
121
MÉTODOS E TÉCNICAS ouvidas de outras pessoas e se tornaram testemunhos de experiências. O pesquisador
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO tem que ter consciência de que os testemunhos individuais são passíveis de serem
transformados pelo conjunto das memórias de outras pessoas; isto é, mesclam-se as
memórias do indivíduo com o de sua coletividade. Nesses casos, é necessário entender
a formação das narrativas dentro da hierarquização de outras narrativas. Conforme
assinala Cruikshank (1998), levar a sério os relatos orais não significa considerar que
eles falam por si mesmos de uma forma simples ou que seus significados são autoevi-
dentes; é preciso reconhecer que o seu significado não é fixo: ele precisa ser estudado
na prática e em seu contexto.
Por esse caráter sempre coletivo das lembranças, qualquer lembrança individual
também traz em seu bojo as marcas temporais e espaciais, por onde é possível entre-
ver e localizar na memória individual a memória coletiva. A esse respeito Halbwachs
expõe:
122
memória é um caleidoscópio de recordações e emoções. Pesquisa em educação:
memória e história oral
Essa polissemia da memória leva a pensarmos em um dos termos das operações
rememorativas: o esquecimento:
A relação ambígua entre lembrança e o esquecimento foi assim pensada por Benja-
min (1987, p. 37): “ O importante para o autor que rememora não é o que ele viveu,
mas o tecido de sua rememoração, o trabalho de Penélope da reminiscência. Ou seria
preferível falar do trabalho de Penélope do esquecimento?”.
Essas reflexões caminham no sentido de afirmar que, nos processos rememorati-
vos, lembrar e esquecer são formas de expressão da memória, os quais podem ser in-
terpretados como “zonas de sombra, silêncios, não ditos” (POLLAK, 1989, p. 8). Entre
lembranças e esquecimentos instalam-se os espaços dos silêncios, dos não ditos, dos
brancos e vazios da memória.
O campo de abordagem dos relatos orais sobre o passado engloba inevitavelmente
as experiências subjetivas, muitas vezes do universo do intangível. Por isso, durante
algum tempo essa abordagem de pesquisa foi considerada limitada. Todavia, hoje a his-
tória oral se converteu em uma qualidade interessante ao estudo da memória porque
é capaz de recompor fatos pinçados aqui e ali nas histórias de vida dando mostras de
como as percepções do passado são construídas, processadas e integradas na vida das
pessoas. De certo modo, essa abordagem acena para duas perspectivas: a primeira, de
se focar naquilo que os depoimentos revelam sobre a história social: as contradições
inerentes às relações de poder e a complexidade da vida cotidiana; e em segundo, na
formação e constituição das narrativas, por meio das quais essas narrativas influenciam
e fixam a memória.
Na luta instalada entre o trabalho de tecer as lembranças, ou da Penélope da remi-
niscência e do esquecimento, há o trabalho de elaboração do pesquisador que produz
novas fontes para o conhecimento da história . Neste ponto, vale recordar Benjamin
(1985, p. 156): para o qual articular historicamente algo passado não significa reco-
nhecê-lo ‘como efetivamente foi’. Significa captar uma lembrança como ela fulgura
num instante de perigo”.
123
MÉTODOS E TÉCNICAS DOCUMENTOS DA MEMÓRIA: A HISTÓRIA ORAL
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Se a memória é trabalho, se a memória não guarda o passado tal como existiu, se a
memória é resultado de uma operação na qual se incluem as leituras, as deformações,
os esquecimentos, os silêncios e os brancos, conformando lembranças e esquecimen-
tos acerca dos fatos vivenciados, podemos afirmar que nas memórias encontramos o
passado sob a forma de vestígios, os quais podem ser captados e transformados em
fonte para o conhecimento histórico.
Todavia, o que é um vestígio? Na acepção de Rousso:
O vestígio é a marca de alguma coisa que foi, que passou e deixou apenas o
sinal de sua passagem; de outro, esse vestígio que chega até nós é, de maneira
implícita, um indício de tudo aquilo que não deixou lembrança e simplesmente
desapareceu [...] sem deixar vestígio (ROUSSO, 1996, p. 5).
A captação dos vestígios do passado tem na história oral o instrumento para a pro-
dução das fontes. Thompson (2002, p. 9-10) alega: “entendo por ‘história oral’ a inter-
pretação da história e das mutáveis sociedades e culturas através da escuta das pessoas
e do registro de suas lembranças e experiências. Não creio que se possa avançar muito
tentando definir história oral de modo estreito”. Isso porque o autor a entende como
um método ‘essencialmente interdisciplinar’, uma disciplina que se transformou em
método de pesquisa, e que a pesquisa de vida deve abranger as vidas individuais e a
análise mais ampla da sociedade.
Para Thompson (2002), o interesse nas fontes orais estaria nos processos de re-
memoração dos conteúdos históricos, nas relações memória-identidade e na relação
entrevistador-entrevistado. Na autoridade compartilhada (entre entrevistador e entre-
vistado), esses métodos coletivos ou comunitários envolvem os narradores tanto no
estágio da entrevista quanto no da elaboração da história . O registro oral da memória
dos atores sociais permite a preservação de sua experiência histórica, e ressalta essa
experiência por seus próprios atores. Todos aqueles atores sociais que ficam fora da
história tradicional têm na história oral um lócus privilegiado para se fazerem ouvir,
um espaço para a construção de novas perspectivas.
Em suma: a história oral é uma fonte para o conhecimento da história, por meio
das testemunhas do passado, as quais fornecem mediante suas lembranças os vestígios
do passado com os quais podemos escrever a história sob diferentes focos, inclusive
e especialmente de temas e questões presentes e passadas da educação. Embora as
definições encontradas para história oral sejam muitas, as explicações e os sentidos
atribuídos por Maria Isaura Pereira de Queiroz (1988) podem auxiliar na compreensão
e precisão de alguns conceitos. Para a autora, a história oral recobriria uma quantidade
124
de relatos a respeito de fatos não registrados por outros tipos de documentação, ou Pesquisa em educação:
memória e história oral
cuja documentação se quer completar. Desse modo, história oral pode ser definida
como sinônimo de narrativa oral, por meio da qual é dado a conhecer o que se pensa,
o que se sabe, e o que se conhece um determinado sujeito de pesquisa.
É importante destacar alguns conceitos-chave que devem nortear a escolha da me-
todologia para a captação das informações. Dependendo do objeto e do objetivo da
pesquisa realizada com suporte na história oral, os documentos produzidos serão as
histórias de vida ou depoimentos.
Nesse aspecto, Queiroz (1988) escreveu para História de vida “[...] relato de um
narrador sobre sua existência através do tempo, reconstituindo o acontecimento que
vivenciou e transmitir a experiência que adquiriu. Narrativa linear e individual dos
acontecimentos que considera significativos”. A premissa da autora nessa reflexão é:
“Toda história de vida encerra um conjunto de depoimentos”. Nela, estabelece-se uma
diferença entre história de vida e depoimento, a qual está relacionada ao tipo de pes-
quisa que se intenta realizar. Trocando em miúdos: a razão pela qual optamos por
outra técnica para a obtenção das informações será definidora do tipo de história oral
praticada, se história de vida (a experiência como depoimento) ou os depoimentos das
experiências, os quais versam sobre aspectos que necessitam ser conhecidos/esclare-
cidos por meio dos sujeitos selecionados para a investigação. Elas podem ser também
um contraponto a determinadas informações contidas nos documentos escritos, ou
deixar elucidar certas questões que merecem maiores esclarecimentos. Tais informa-
ções orais permitem entender como determinado acontecimento é percebido pelas
pessoas comuns, cuja voz é silenciada pelas grandes narrativas.
Uma coisa é certa: a entrevista é a técnica (para alguns, método) a ser empregada
na história oral. Nas palavras de Queiroz (1988), “A entrevista está presente em todas
as formas de coleta de relatos orais, pois estes implicam sempre num colóquio entre
pesquisador e narrador”.
Neste mesmo sentido caminha a reflexão de Verena Alberti (2005, p.155-157), para
quem a história oral é definida como uma metodologia de pesquisa e de constituição
de fontes que têm na entrevista o principal recurso para a captação das informações.
A autora acrescenta que o trabalho de produção de fontes orais pode ser dividido em
três momentos: a preparação das entrevistas, sua realização e seu tratamento, os quais
devem ser claramente expostos no projeto de pesquisa e o pesquisador deve ter claro
o que pretende saber/descobrir por meio do emprego da coleta das informações orais.
Os “momentos da pesquisa”, definidos por Alberti, podem se constituir em guia
para a realização das entrevistas, visto que o pesquisador não pode se esquecer de que
o estabelecimento do diálogo entre aquele que busca as informações e os informantes
125
MÉTODOS E TÉCNICAS deve estar sustentado na clareza dos objetivos visados, os quais definem o tipo de es-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO tratégia a ser usada junto aos protagonistas da história – captação das histórias de vida
ou depoimentos. Assim, antecede a realização de entrevista a definição clara e objetiva
dos propósitos almejados pelo pesquisador com a história oral. O que procuramos
saber deve orientar a produção do roteiro da entrevista e a determinação prévia do
número de entrevistados. Dois exemplos podem auxiliar na compreensão da equação
que deve ser solucionada pelo pesquisador antes de iniciar as entrevistas. Podemos es-
tabelecer como objeto de estudo o conhecimento das trajetórias femininas de mulhe-
res com mais de cinquenta anos nos cursos de letramento e alfabetização tardia, com
vistas a entender os dilemas enfrentados por elas para estudar à época correspondente
àquela etapa da escolarização. Nesse caso, podemos trabalhar com as histórias de vida
de três mulheres que frequentam um determinado curso. A faixa etária pode ser deter-
minante na definição do número bem como a disposição em participar também pode
ser delimitadora dos sujeitos envolvidos na investigação. Ou ainda, podemos estabe-
lecer algum critério de seleção que as transformem em sujeitos “ideais” para aquilo
que estamos procurando, como, por exemplo, a ligação com mundo rural e a falta de
condições para a escolarização.
Outro exemplo pode ser um estudo desenvolvido com o grupo de mulheres que
frequenta determinado curso, com o intuito de entendermos as motivações que as
levaram a frequentá-lo, talvez com o objetivo de compreender as mudanças propor-
cionadas pela idade e as experiências acumuladas as suas histórias de vida, levando-as
a repensarem suas trajetórias e a importância de estudar. Nesse exemplo, ao contrário
do anterior, em que o roteiro a ser preparado pelo pesquisador estará orientado em
conhecer os percursos individuais para deles extrair as informações necessárias ao
trabalho de investigação, as entrevistas serão feitas com base em questões que permi-
tam obter respostas para o que procuramos saber. O número de entrevistados pode
ser estabelecido em função de um grupo formado por uma sala de aula ou por outro
critério estabelecido a priori pelo investigador.
Se para alguns estudiosos o número de entrevistados é condição inicial para a rea-
lização das entrevistas, para outros em uma metodologia de base qualitativa o número
de sujeitos não pode ser determinado a priori. Essa é a posição defendida por Rosária
Duarte (2002), segundo a qual o que deve determinar o número de informantes é a
qualidade das informações obtidas em cada depoimento, assim como da profundi-
dade e do grau de recorrência e divergência dessas informações. A autora também
postula que os “dados” originais ou pistas que possam indicar novas perspectivas à
investigação em curso devem ser aproveitados, dando-se continuidade ao trabalho de
entrevistas.
126
O posicionamento da autora deve ser interpretado como uma ponderação a ser Pesquisa em educação:
memória e história oral
feita pelo pesquisador no decorrer de seu trabalho, mas é sempre bom e salutar apre-
sentar e justificar no projeto de pesquisa, as estratégias e os instrumentos de pesquisa
que serão empregados na investigação. Nas justificativas do objeto de pesquisa é im-
portante mencionar o número de sujeitos que o trabalho pretende envolver e a razão
das escolhas feitas em “potencial”. Nunca é demais dizer, porque as demasias também
podem fazer bem: “No projeto de pesquisa, convém listar os nomes dos possíveis
entrevistados com uma breve biografia que justifique sua escolha de acordo com os
objetivos do estudo” (ALBERTI, 2005, p. 172).
Alguns princípios devem orientar a realização das entrevistas.. “Fazer uma entrevis-
ta é avaliá-la e analisá-la constantemente – enquanto é gravada e, mais tarde, quando
é objeto de análise” (ALBERTI, 2005, p. 178). Partindo dessa premissa, a guisa de
sugestões, podemos citar: a criação de um caderno de campo, para anotações sobre
os passos do trabalho, com as impressões, com os comentários acerca dos contatos e
das dificuldades enfrentadas pelo pesquisador no diálogo com os informantes. Esse
material também será utilizado pelo investigador como parte do trabalho de pesquisa,
dando suporte às análises das informações coletadas.
Nas reflexões de Alberti encontramos os subsídios para a produção de um roteiro
com aspectos que devem ser contemplados no caderno de campo. Transformamos os
comentários e sugestões da autora em itens, ampliando-os com nossas experiências,
com vistas a indicar alguns pontos que podem guiar o estudante/pesquisador na escri-
ta do caderno: 1) Como chegou até o informante? Por que ele foi selecionado? Como
foi o primeiro contato? O que disse o informante quando convidado a participar da
entrevista? Como foi o processo para o agendamento da entrevista? Qual foi o espaço
escolhido para a realização da entrevista? Qual a razão da escolha? Qual foi a ambiência
(espaço onde ocorreu) e o clima que predominou durante a entrevista (tenso, calmo,
descontraído etc.)? Quanto tempo durou a entrevista? O entrevistado aceitou o uso
do gravador? Houve mudança no comportamento do entrevistado após a ligação do
gravador? As perguntas feitas foram respondidas? Quais não foram? Qual a explicação
dada pelo entrevistado para deixar de responder? Quais expressões faciais e gestuais
acompanharam os relatos? Quais emoções foram suscitadas pelas questões? Em que
medida e até que ponto as informações obtidas foram intrigantes por que não haviam
sido cogitadas pelo investigador?
Concordamos com Alberti (2005, p. 179) quando enuncia que “conduzir uma en-
trevista não é tarefa fácil”. É da autora também a sugestão para que o pesquisador pro-
cure ser “simples e direto” na formulação das perguntas e que toda entrevista deve ser
acompanhada pela gravação de uma “espécie de cabeçalho”, registrando-se oralmente
127
MÉTODOS E TÉCNICAS o nome do (s) entrevistado (s), a data, o local e o título do projeto.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO A produção da fonte oral faz outras exigências ao pesquisador. Como todo trabalho
acadêmico-científico, as informações colhidas se tornarão públicas na medida em que
todo levantamento de informações tem em mira a produção de conhecimento para
um dado estudo (monografias, dissertações, teses etc.) Por isso, é importante que o
pesquisador cuide dos aspectos “legais”. Todo o procedimento de entrevista deve ser
acompanhado da produção de um documento no qual deve ser registrado o uso que
será feito do material, o qual deve ser assinado pelo informante. “[...] é necessário
providenciar o documento de cessão de direitos sobre a entrevista, a ser assinado pelo
entrevistado ao final do depoimento” (ALBERTI, 2005, p. 180). Essa prática não pode
ser esquecida pelo pesquisador, sob pena de responder pelo uso indevido das infor-
mações. Assim, a gravação de entrevistas, além de fazer exigências “tecnológicas”, ou
seja, a aquisição de equipamentos apropriados (gravadores ou aparelhagem multimí-
dia), também obriga a que o pesquisador adote determinadas condutas e a ter certos
cuidados durante o processo de registro da história oral, os quais estão relacionados
aos mecanismos legais para o uso das informações e atenção para acompanhar os rela-
tos, para poder produzir o caderno de campo.
A gravação configura-se, portanto, em uma etapa dos procedimentos da pesquisa,
a qual é seguida pela transcrição dos relatos. Trabalho moroso e delicado que exige
atenção, porque se trata de ouvir e transcrever o que foi registrado oralmente. Esse
trabalho transforma os relatos orais em textos escritos. Esse material, juntamente com
aqueles registrados no caderno de campo, fundamentarão a análise e o conhecimento
almejado no empreendimento de pesquisa, ou seja, do objetivo (ou problemática) que
transformou a história oral em fonte de informação da investigação.
Por essa razão, no trabalho de transcrição é preciso explorar as informações das
gravações, destacando-se, por exemplo, os risos, as reticências, as pausas, as mudanças
de tom das palavras, as alterações bruscas dos assuntos; as dificuldades em lembrar,
os esquecimentos lembrados como esquecimentos (de lugares, pessoas, situações).
Esses dados devem compor a transcrição, indicando-se na redação do texto escrito os
momentos em que ocorreram. Uma sugestão é indicar essas “ocorrências” da memória
entre colchetes. Enfim, desses materiais e dessa matéria é feita a história oral: sujeitos
reais, com suas lembranças e esquecimentos e suas maneiras de recordar.
128
16), “a memória é um processo individual, que ocorre em um meio social dinâmico, Pesquisa em educação:
memória e história oral
valendo-se de instrumentos socialmente criados e compartilhados”. Por essa razão, as
lembranças e recordações podem ser semelhantes, contraditórias e mesmo sobrepos-
tas, mas são únicas, tal como as impressões digitais de uma pessoa.
Neste sentido, o respeito pelo valor e importância do relato de uma pessoa é um
pré-requisito ético do trabalho de campo na história oral.
Agir com educação ao abordarmos nossos informantes é fundamental, elemento
básico para se criar um clima de respeito e interesse por aquilo que ouvimos quando
iniciamos uma conversa, pois a arte essencial do historiador oral é a arte de ouvir.
Alguns manuais célebres sobre trabalho de campo dos anos 1980 aconselhavam a
se manter neutro e distante e nada interferir nos relatos. Hoje a sugestão é diametral-
mente oposta: mostre-se, diga suas intenções com relação ao trabalho, fale um pouco
de você para seu informante, responda às perguntas que lhe fizerem, provoque as
lembranças com alguns recursos, como fragmentos de jornais de época, fotografias,
informações de terceiros, cujo assunto possa estar relacionado à conversa e à experi-
ência de vida do seu informante.
Contradizer ou questionar com polidez uma determinada passagem da entrevista
pode suscitar comentários mais longos e menos óbvios e até mesmos análises e co-
mentários que de outro modo não se teria conhecimento.
Mesmo que você seja um pesquisador com títulos acadêmicos buscando informa-
ções com pessoas que podem ser analfabetas é importante nunca se de esquecer que
no trabalho de campo o conhecimento está com o informante e o pesquisador esta lá
para aprender.
Conforme nos lembra Portelli (1997), as comunidades e agrupamentos sociais,
como é o caso das escolas, não são espaços idealmente homogêneos e unidos. São
também palcos de tensões e conflitos. Por esse motivo, o trabalho de produção da do-
cumentação oral registra necessariamente esses aspectos, de modo que esse registro
pode agradar alguns de seus membros e a outros não. Então o maior serviço prestado
pelo pesquisador oralista é fazer com que a voz dessas pessoas e de suas comunidades
seja ouvida, seja levada para fora, rompendo sua sensação de isolamento e impotência,
que essa fala chegue a lugares e pessoas que de outro modo jamais seria reconhecida.
129
MÉTODOS E TÉCNICAS na: a) arquivista-documentalista e b) difusor populista, e no caso da forma metódica
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO em: a) reducionista e b) analista completa.
No caso das variantes técnicas, ambas possuem uma feição empirista e pragmá-
tica por princípio. Limita-se a executar ordenadamente a técnica sem maiores
pretensões analíticas ou científicas, destituídas de qualquer pretensão teórica.
Ao contrário da forma metódica, que busca adotar uma postura abstrata com
uma motivação maior a conceituação e reflexão teórica (LOSANO, 1998).
130
mais fácil de pôr na boca dos outros os nossos próprios pensamentos. Pesquisa em educação:
memória e história oral
Dentre as modalidades abordadas, a variante analista é a única que trata a fonte oral
em sua plenitude. Os pesquisadores não só colhem, ordenam e sistematizam como
criticam o processo de produção da fonte. Estes também interpretam e situam histori-
camente os relatos e as evidências orais, confrontando e cruzando seus dados com ou-
tras fontes documentais tradicionais e não-tradicionais disponíveis à pesquisa historio-
gráfica e às ciências sociais. Sua abordagem não se limita a um único método e a uma
única técnica. As opções metodológicas são ampliadas mediante diálogo com outras
disciplinas e saberes. Os pesquisadores não tomam a história oral e seu recurso como
mera técnica arquivística nem como nova alternativa ou como a missão de dar voz aos
excluídos do seu tempo, mas sim como uma forma de se renovar o envolvimento do
pesquisador com seus sujeitos e pensar seus problemas de pesquisa (LOZANO, 1998).
Em síntese, é na prática e na ousadia da experimentação sistemática e crítica que
se pode avançar nesse campo de pesquisas, no qual se misturam o conhecimento do
pesquisador com o saber do pesquisado com o objetivo de construir um artefato so-
cialmente irrepreensível, que é a história de vida.
Referências
ALBERTI, Verena. Fontes orais. In: PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas.
São Paulo: Contexto, 2005. p. 155-202.
______. Teses sobre a Filosofia da História. São Paulo: Ática, 1985. (Obras
escolhidas; grandes cientistas sociais).
131
MÉTODOS E TÉCNICAS CLELAND, John. Fanny Hill ou memórias de uma mulher de prazer. São Paulo:
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Estação Liberdade, 1989. 2 v.
MENESES, Adélia Bezerra de. Memória e Ficção. Revista Resgate, Campinas, SP, n. 3,
p. 9-15, 1991.
132
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Relatos orais: do “indizível” ao “dizível”. In: Pesquisa em educação:
memória e história oral
SIMSON, Olga de Moraes (Org.). Experimentos com história de vida: Itália-Brasi.
São Paulo: Vértice; Revista dos Tribunais, 1988.
Proposta de Atividade
3) Proceda à análise do texto escrito conforme o item 2, do seguinte modo: a) retire do ca-
pítulo o conceito de memória que melhor representa a narrativa sobre as recordações do
primeiro dia de aula; b) indique por meio de itens os processos e as operações da memória
envolvidos na trama de suas recordações – as lembranças mais “fortes” e a mais “fracas”,
o que foi esquecido, o que foi lembrado em “partes”, o que permanece como lembrança
tênue e vaga, o que não conseguiu recordar, os “brancos” surgidos no ato de lembrar e
escrever. Finalmente, apoiado nesse material (no texto e na análise), crie uma definição de
memória sintetizando-a em uma frase.
133
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações
134
9 Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
investigação
INTRODUÇÃO
Entre as modalidades de pesquisa social, a Pesquisa Participante – PP é uma das
mais importantes e eficazes. Um pressuposto essencial da PP é considerar os atores
sociais envolvidos como sujeitos e não objetos. É imprescindível, portanto, iniciar os
trabalhos de uma PP pela leitura de pesquisas sociais realizadas por estudiosos que
ousaram investigar com os atores sociais, ao invés de considerá-los como objetos.
A pesquisa participante rompe com os métodos investigativos tradicionais da pes-
quisa considerada científica, cuja base é excessivamente quantitativa, por exigir do pes-
quisador a inter-relação participativa com os sujeitos da investigação a que se propõe
estudar. Nessa modalidade investigativa é necessário, entre outras coisas, que se bus-
que compreender e avaliar a linguagem e a lógica das atividades na vivência do grupo
participante. As vivências no contexto dos grupos investigados impõem participar do
mundo do outro com o propósito de compreendê-lo. A observação livre e participante
é um dos instrumentos investigativos fundamentais que foi proposto e aplicado ini-
cialmente por Malinowski1.
O pesquisador, no contexto da PP, é impelido a romper com o saber apartado
do contato da realidade e investiga compartilhando as vivências dos sujeitos que se
135
MÉTODOS E TÉCNICAS propõe a estudar e compreender.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Entre as características da PP está o compromisso político do pesquisador com o
sujeito, na maioria das vezes em situação social diferente da sua. A PP impõe o compro-
misso e a participação com metas e projetos que superam o compreender e explicar o
outro. Via de regra, tais estudos tendem a ser realizados com atores sociais marginali-
zados e oprimidos da sociedade.
Para Gohn (1985, p. 8), “a pesquisa científica é sempre apreensão de uma totali-
dade viva em movimento, que tem uma historicidade”. Por tal pressuposto, esse tipo
de investigação pretende apreender um recorte fenomenológico sígnico, dinâmico e
historicamente contextualizado. Trata-se de registrar determinados fenômenos, muitas
vezes acontecimentos que se apresentam em espaços e tempos isolados a serem apre-
endidos no processo da investigação, na busca do retrato fiel daquilo que denomina-
mos real. Os resultados são remetidos a um processo de reflexão e registro que busca
sua gênese constitutiva e sua natureza.
Apesar da importância da PP no contexto da pesquisa científica, geralmente ela é
vista como uma investigação cuja credibilidade é frágil. Tal fragilidade é apontada pela
quase ausência de dados e métodos quantitativos, pela subjetividade na argumentação
do objeto estudado e dos resultados que sua complexidade e variabilidade apresentam.
Demo (1999) é um dos maiores críticos brasileiros à modalidade de pesquisa parti-
cipante, porém enfatiza que a seriedade e competência científica do pesquisador é um
diferencial na idealização e realização de tais estudos.
136
uma significação do contexto social-histórico no qual estava inserido, estimulando a Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
formação de consciência dos sujeitos a respeito de sua própria vivência. investigação
Na década de 1970, na linha sociológica, Orlando Fals Borda foi o precursor da PP,
tendo como pressuposto o compromisso radical com as lutas populares contra o im-
perialismo e o neocolonialismo. Borda propôs uma divisão entre ciência dominante e
ciência popular. A partir dele tem início uma nova postura dos pesquisadores, ou seja,
o processo de devolução do conhecimento gerado pelos grupos participantes.
Gajardo (1986) afirma que o termo “pesquisa participante” foi criado por pesqui-
sadores norte-americanos e europeus envolvidos com projetos de intercâmbio com
países do Terceiro Mundo, na área das ciências sociais. Para a autora, Paulo Freire foi o
criador de um estilo alternativo de pesquisa e ação educativa, devido ao conjunto de
experiências que sustentadas pela concepção conscientizadora de educação se desen-
volveu em fins da década de 1960.
137
MÉTODOS E TÉCNICAS da problemática analisada. Isso exige que o pesquisador passe a conviver mais inten-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO samente com o grupo, não configurando em hipótese alguma como sujeito ausente, e
sim atuante construindo com o grupo o processo de estudo, identificação de proble-
mas e planejamento de ações para o enfrentamento.
Podemos definir a PP como um processo de investigação no qual a comunidade
participa da avaliação de sua realidade por meio da reflexão coletiva e/ou dinâmicas de
grupo organizadas pelo pesquisador, com vistas à realização de ações que objetivem
mudanças benéficas aos participantes. Geralmente os participantes são atores sociais
marginalizados e oprimidos. Logo, trata-se de uma atividade de pesquisa de caráter
educacional voltada para a ação participante. Essa modalidade de pesquisa apresenta
um pressuposto de interação entre a geração de conhecimentos específicos do local
onde se desenvolve e a imediata utilização deste, aproximando os profissionais pesqui-
sadores e os atores sociais.
Para Brandão (1986), a PP é uma modalidade de investigação social que pretende
a plena participação dos atores da comunidade na análise de sua realidade, visando a
promover a participação social para o benefício dos membros participantes da investiga-
ção. Os participantes são os atores sociais oprimidos, marginalizados e/ou explorados.
A PP é considerada por Van Dijk (1984) como uma corrente crítica que se desen-
volve nas ciências sociais pela insatisfação de certos grupos quanto ao fazer científico
profissional. Essa modalidade de investigação se identifica com a educação popular,
uma vez que o investigador não considera os atores como objeto de estudo e sim com
sujeitos.
A pesquisa participante é constituída por um conjunto de estratégias de investiga-
ção, conforme Silva (1986, p. 15), que envolve a participação ativa da população na
tomada de decisões referentes a uma ou mais fases de um processo de investigação, ou
que simplesmente coloca os resultados alcançados para fundamentar a busca de uma
nova práxis. Essa práxis pretende indicar uma direção que apresente novos rumos as
mudanças nas situações de opressão em que vivem as classes subalternas.
138
a) ser um processo de conhecer e agir no qual os atores sociais estudam seu con- Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
texto procurando discutir e validar ações que beneficiem o grupo; investigação
139
MÉTODOS E TÉCNICAS A montagem institucional preconiza a apresentação e discussão do projeto de in-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO vestigação com a população e seus representantes. Define-se o quadro teórico da pes-
quisa participante (objetivos, conceitos, hipóteses e métodos). Delimita-se o local a ser
estudado e o planejamento da organização do processo de pesquisa participante com
a determinação das instituições envolvidas. Elabora-se, mesmo que provisoriamente,
um cronograma de etapas e ações previstas.
A aproximação com o grupo é fundamental. Trata-se ao mesmo tempo de um
reconhecimento inicial e determinação de lugares e grupos sociais da região a ser in-
vestigada. É uma fase de coleta de informações, tanto formais como informais. Nessa
etapa, o pesquisador inicia os contatos com os atores sociais e o registro de informa-
ções necessárias.
O conhecimento por meio da ação consiste em aplicar as técnicas e conhecimen-
tos adquiridos pelo pesquisador a serviço dos interesses e necessidades do grupo.
São estudadas as prioridades do atores, mapeando-se as raízes históricas e se desen-
volvendo ações participativas validadas pelos atores. Finalmente, o momento de apre-
sentação dos resultados para validação, incorporação e/ou/rejeição dos resultados.
Geralmente, uma PP é desenvolvida com pelo menos quatro fases principais:
140
Fase 3: Análise crítica dos problemas considerados prioritários e que Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
os participantes desejam estudar investigação
Para analisar os problemas e optar por quais se desejam realizar ações de enfrenta-
mento, reuniões de grupos são fundamentais. Nas reuniões, o pesquisador deve pla-
nejar e realizar a constituição de grupos de investigação. Os problemas vivenciados
pelos atores são identificados e, coletivamente, são analisados criticamente com vis-
tas à busca de soluções. Tais decisões devem sempre ser democráticas e participativas.
141
MÉTODOS E TÉCNICAS INSTRUMENTOS E ESTRATÉGIAS METODOLÓGICAS PARA A PP
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO Determinadas técnicas tradicionais de pesquisa social, tais como a observação dire-
ta e indireta, a entrevista livre, os questionários estruturados e semiestruturados, são
importantes e não devem se desconsideradas pelo pesquisador participante. Quando
necessário, novas técnicas de pesquisa deverão ser desenvolvidas, mesmo que sua va-
lidade seja específica e que talvez não possam ser aplicadas em outro contexto similar.
O desenvolvimento de uma Pesquisa Participante, assim como qualquer investi-
gação científica, preconiza a utilização de instrumentos, estratégias e técnicas para a
obtenção de informações. As técnicas utilizadas permitem a coleta das informações
e tendem a contribuir para uma aproximação dos participantes no contexto no qual
se insere o problema ou objeto de estudo. É comum o uso de entrevistas semiestru-
turadas, de observações livres, de depoimentos, de oficinas de trabalho, de reflexão
coletiva, de filmagem, de fotografias e de um diário de campo.
Os instrumentos em questão contribuem para a socialização de informações entre
os participantes do estudo, tanto o pesquisador como os atores, além de promover
momentos de reflexão sobre seus problemas e situações cotidianas.
Para realizar a Pesquisa Participante é pertinente o uso de entrevistas estruturadas
e/ou semiestruturadas, depoimentos, observações livres, filmagens, fotografias, além
de registros dos diálogos informais pela convivência com o grupo.
Entrevistas e depoimentos
A entrevista e o depoimento são instrumentos importantes tanto para o desenvol-
vimento de uma Pesquisa Participante como de um estudo perceptivo, pois permite a
obtenção de informações sobre determinado objeto de estudo por meio da comuni-
cação verbal.
As entrevistas, geralmente, são organizadas de forma estruturada e semiestrutu-
rada. As estruturadas são aquelas cujas respostas estão fechadas em possibilidades
de respostas pré-determinadas, ou seja, o entrevistado não pode argüir sobre o tema
e sim escolher determinadas alternativas. Já a entrevista semiestruturada é aquela na
qual o entrevistador (pesquisador) organiza as questões sobre seu objeto de estudo,
oferecendo condições para que o entrevistado possa expressar seu ponto de vista so-
bre a temática, sem que necessariamente tenha que escolher uma resposta pré-elabo-
rada, fechada.
Minayo (1993) assinala que a entrevista pode ser estruturada de várias maneiras.
Denomina semiestruturada aquela que combina questões fechadas (estruturadas) com
abertas.
As entrevistas semiestruturadas exigem mais do pesquisador, por ser necessária
142
a realização de análise de conteúdo, para que se possam “extrair” das conversas os Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
núcleos de sentido e suas essências. É muito pertinente a gravação dos diálogos da investigação
entrevista, uma vez que se registra a totalidade do discurso e permite maior rapidez na
realização da mesma.
Uma entrevista pode ser pensada como um diálogo que se estabelece entre duas ou
mais pessoas, no qual quem inquire objetiva elucidar ideias, pontos de vista, crenças
ou percepções dos entrevistados. Ferreira (1999) enuncia que a entrevista pode ser
definida como um “colóquio previamente marcado entre duas ou mais pessoas para se
obter certos esclarecimentos”.
Minayo (1993, p. 108) define a entrevista como uma: “[...] conversa a dois, feita
por iniciativa do entrevistador, destinada a fornecer informações pertinentes para um
objeto de pesquisa, e entrada (pelo entrevistador) em temas igualmente pertinentes
com vistas a esse objetivo”.
O estudo qualitativo é sempre dinâmico e exige do pesquisador planejamento pré-
vio e muita atenção durante as entrevistas, para que possa registrar informações adi-
cionais. Trata-se das observações livres. Neste sentido, Lodi (1971, p. 13) lembra que
a entrevista é “[...] um método de coleta de informações coexistente com outros dois
métodos mais conhecidos: a observação e a documentação”.
Para Triviños (1995, p. 146), a entrevista semiestruturada é aquela que, a partir
de determinados questionamentos básicos, “[...] apoiados em teorias e hipóteses que
interessam à pesquisa, e que, em seguida, oferecem amplo campo de interrogativas,
fruto de novas hipóteses que vão surgindo, à medida que se recebem as respostas do
informante”. Triviños enfatiza que as questões de qualquer estudo não nascem a prio-
ri, têm um sentido pragmático, porque dependem não somente da teoria que sustenta
a ação do pesquisador, mas também as informações que absorveu do fenômeno social
a que se propôs estudar.
O depoimento muito se assemelha à entrevista, porém é realizado com atores so-
ciais com algum destaque em relação ao grupo investigado, tais como líderes comu-
nitários, autoridades instituídas, enfermeiros, presidentes de associações de bairros,
líderes religiosos, entre outros. Comumente, tais pessoas exercem influência sobre a
comunidade a ser pesquisada e seus depoimentos podem contribuir significativamen-
te para a investigação.
A definição do roteiro de entrevistas é muito importante. A realização de ensaios
com atores sociais similares podem permitir que esse roteiro seja adequado às neces-
sidades da investigação. No que se refere às entrevistas semiestruturadas, Brandão
(1985) apresenta uma sequência importante para se evidenciar as percepções e enten-
dimentos do atores participantes a respeito do contexto de investigação.
143
MÉTODOS E TÉCNICAS Outro procedimento relevante é o registro fotográfico que retrate situações do
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO ambiente a ser pesquisado. Uma das estratégias é a organização de um compêndio de
fotografias que, quando adequadamente utilizadas, podem facilitar a avaliação do con-
texto da região de investigação na realização dos diálogos de entrevistas estabelecidos
com os atores sociais a respeito da temática investigada.
Realizar entrevistas com a utilização de imagens fotográficas2, adequadamente es-
colhidas, pode favorecer para melhor revelar as percepções e significações dos atores
entrevistados.
- Sugere-se que sejam realizados ensaios de entrevistas seguido da avaliação dos
resultados, até seja definido um roteiro adequado a ser utilizado. Essa etapa de prepa-
ração e definição do roteiro de entrevista deve ser realizada com um rapport3,
Observação livre
A observação livre é uma importante técnica de pesquisa que não se traduz em um
simples olhar. Implica em uma vivência cotidiana da qual se extrai a essencialidade das
experiências. Para Triviños (1995, p. 153), observar é:
144
atos, atividades, significados, relações etc. Individualizam-se ou agrupam-se os Pesquisa participante,
fenômenos dentro de uma realidade que é indivisível, essencialmente para des- métodos e técnicas de
investigação
cobrir seus aspectos aparenciais e mais profundos, até captar, se for possível,
sua essência numa perspectiva específica e ampla, ao mesmo tempo, de contra-
dições, dinamismo, de relações [...].
Imagem e fotografia
145
MÉTODOS E TÉCNICAS objetos de desejo de nossos ancestrais. Prova disso são as pinturas rupestres encon-
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO tradas em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. Entre as evidências da tentativa
de obtenção da imagem, de captar e descortinar o real, está a riqueza de detalhes das
pinturas encontradas na gruta de Altamira na Espanha, onde nossos ancestrais regis-
traram cenas de suas caçadas e de seu cotidiano – Figura 2.
Justamand (2004) informa que homem primitivo brasileiro fez pinturas rupestres,
desenhando-as nas rochas e que alguns desses registros podem ter até 50 mil anos.
Citamos como exemplo os registros encontrados no Parque Nacional da Serra da Ca-
pivara no Estado do Piauí – Brasil – Figura 3.
A preocupação humana com os fatos vivenciados e seu registro remontam à Anti-
guidade. Lima (2001, p. 26) assinala que para o homem pré-histórico, “[...] a arte é um
reflexo da vida social”.
O pintor ancestral pré-histórico buscava registrar e evidenciar as cenas de seu coti-
diano, com destaque para a caça e as lanças como símbolos de necessidade e sobrevi-
vência, imortalizando seus afazeres, seu dia-a-dia, suas crenças, seus hábitos.
146
Figura 3 – Pinturas rupestres no Brasil Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
investigação
[...] ativa mecanismos narrativos que jogam com a duração, com a previsão de
linearidade narrativa por parte do espectador. As imagens assim construídas
apresentam-se como ficções condensadas, histórias congeladas num instantâ-
neo. Ativa-se, ao mesmo tempo, toda a capacidade possível de ficcionalização
e toda a força de verossimilhança da fotografia. A analogia com o real, esse
desejo de realidade inerente à imagem fotográfica, se conjuga com a capaci-
dade para construir um relato, para encenar. O resultado é a elaboração de
5 Segundo Kubrusly (2003), a primeira fotografia data de 1827, feita na França. A partir de
1841, com a produção de chapas mais sensíveis e objetivas mais luminosas, associados ao apri-
moramento do processamento químico, tornou-se possível o retrato.
147
MÉTODOS E TÉCNICAS ficções verossímeis que forçam nossos mecanismos de percepção do mundo.
DE PESQUISA EM A sua inevitável condição ficcional se une à capacidade documental da imagem
EDUCAÇÃO
fotográfica, forçando os limites do que consideramos como real e pondo em
questão nossos mecanismos habituais de reconhecimento da realidade.
A possibilidade de parar o tempo, retendo para sempre uma imagem que jamais
se repetirá? Um processo capaz de gravar e reproduzir com perfeição imagens
de tudo que nos cerca? Um documento histórico, prova irrefutável de uma ver-
dade qualquer? [...] uma ilusão de ótica que engana nossos olhos e nosso cé-
rebro com uma porção de manchas sobre o papel, deixando uma sensação tão
viva de que estamos diante da própria realidade retratada?
A resposta sobre tais questionamento é afirmativa tanto para Kubrusly como para nós.
Segundo Chamarelli Filho (2005), a fotografia “[...] é um método, com o qual se
observa a realidade [...] a foto reage de maneira reflexiva ao procurar ser fabular, ser,
um intervalo perceptivo de uma realidade, como generalidade dos (aos) acontecimen-
tos e do olhar habitual dos fatos”.
É nesse pressuposto da imagem fotográfica, de permitir a alguém observar recor-
tes fixados da realidade, da percepção habitual dos fatos, que imputamos à fotogra-
fia o crédito de ser um instrumento facilitador do estudo da percepção ambiental.
Como ícone, a fotografia permite a um observador ler circunstâncias de um contexto,
6 O dicionário Aurélio Ferreira (1999) define a fotografia como o “processo de formar e fixar
sobre uma emulsão fotossensível a imagem dum objeto, e que compreende, usualmente, duas
fases distintas: na primeira, a emulsão é impressionada pela luz, e sobre ela se forma, por meio
dum sistema óptico, a imagem do objeto; na segunda, a emulsão impressionada é tratada por
meio de reagentes químicos que revelam e fixam, permanentemente, a imagem desejada”.
148
permitindo que a realidade ou fragmento se revele de maneira tão corriqueira que Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
pode ser pensado como significante ou elemento revelador da realidade. investigação
No que se refere à leitura da imagem, Lima (2001, p. 13) pondera que “cada pessoa
faz diversas associações da imagem com a sua linguagem cultural, que lhe são mais
significativas, mas ainda assim ela se aproxima da imagem coletiva”.
A fotografia é um instrumento sígnico perceptivo, que tem a potencialidade de
expressar situações de singularidade de hábitos. Isso vem ao encontro do que escre-
veu Chamarelli Filho (2005). “É no meio que se deverá procurar a subjetividade; é
nos artifícios da fotografia, em que se inscrevem as possibilidades do dispositivo, que
se deverá procurar a sua singularidade: o seu caráter de sinsigno, mas também a sua
ideologia”.
A fotografia permite fixar situações cotidianas dos fragmentos habituais. É um ins-
trumento facilitador de investigação, por permitir evidenciar situações do contexto da
investigação.
149
MÉTODOS E TÉCNICAS JOGO DA PERCEPÇÃO
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
“A fotografia passa também a ter o ‘privilégio da generalidade’ por estar em
conexão com esses fluxos informativos e por contemplar a ‘paisagem humana’
naquilo que dela é subtraído ou acrescentado” (CHAMARELLI FILHO, 2005).
Momento 1
Entregar as fotografias embaralhadas e solicitar que sejam observadas
Questionar sobre o que elas retratam: visa a evidenciar a percepção do participante
sobre o objeto de estudo
Questionar sobre o local das imagens: pretende evidenciar a identificação do parti-
cipante sobre o local investigado.
Momento 2
Perguntar se todas as imagens retratam o local que o investigador está pesquisan-
do. Caso uma ou mais imagens não sejam percebidas como do local da investigação,
solicitar que sejam separadas. Isso pode evidenciar a percepção ou conhecimento do
150
participante sobre o local investigado, a ser analisado posteriormente. Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
investigação
Momento 3
Solicitar ao participante que separe as imagens segundo os contrastes já preco-
nizados pelo pesquisador. Pedir que o participante organize as fotografias em tantos
grupos quanto julgar pertinente sobre a temática investigada.
Nesse momento do jogo, finalizada a organização dos grupos de imagens, per-
guntar ao participante primeiro sobre um dos lados do contraste investigado: (Aqui é
importante que os diálogos sejam gravados para posterior registro e análise).
- Quantos grupos organizou?
- Como denomina cada grupo?
Com as fotografias já numeradas no verso para não influenciar o participante, inda-
gar: o que cada grupo significa, o que retratam, porque ocorrem, se aquelas imagens
retratam situações visíveis no lugar da investigação, de quem é a responsabilidade, etc.
NOTA: É muito importante que cada grupo de imagens seja registrado (anotar os
números das fotografias agrupadas. A numeração deve ser previamente realizada no
verso) pelo pesquisador em uma ficha, para confrontar quando das análises dos resul-
tados, quais imagens retratam a percepção do ator entrevistado. Isso contribui para
evidenciar a percepção ambiental individual e coletiva.
Momento 4
Conversar sobre o grupo ou grupos de imagens opostas às situações investigadas
no momento 3, repetindo os questionamentos, ou seja:
- Quantos grupos organizou nessa situação (ou simplesmente anotar)?
- Como denomina o grupo, ou cada grupo?
Registrar o número do verso das fotografias e indagar: o que o grupo significa, o
que retratam, porque ocorrem, se aquelas imagens retratam situações visíveis no lugar
da investigação, de quem é a responsabilidade, etc.
O uso de imagens para a PP é fundamental. De acordo com Lima (2001, p. 37), a
imagem:
151
MÉTODOS E TÉCNICAS O Jogo da Percepção é fundamentalmente um instrumento focado no efeito da
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO imagem. Ferreira (1999) postula que a imagem é a “Representação dinâmica, cinema-
tográfica ou televisionada, de pessoa, animal, objeto, cena [...] Produto da imaginação,
consciente ou inconsciente [...] Aquilo que evoca uma determinada coisa, por ter com
ela semelhança ou relação simbólica; símbolo”.
Nosso Jogo da Percepção encontra sustentação nas ideias de Peirce, esclarecidas
por Banti (1996, p. 17), para quem “[...] a ação de uma idéia para tornar vívida outra
idéia associada a ela, é designado pelo termo ‘sugestão’. Este último termo é usado
também para designar fenômenos motores ou manifestações da mente observados de
fora.” Para nós, a sugestão das fotografias que escolhemos para compor o jogo teve
essa característica: estimular a reflexão sobre os fenômenos culturais que engendram
a percepção ambiental, individual e coletiva da comunidade investigada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma das maiores contribuições na realização de uma investigação participante é a
oportunidade que tanto os pesquisadores quanto os atores sociais têm para vivenciar
o processo de produção de conhecimento, pela aproximação e troca de experiências
dos envolvidos nessa modalidade de estudo.
Durante a realização de uma PP, pesquisadores e pesquisados tendem a discutir
questões importantes, tais como a cidadania, a ética, os direitos, os deveres, a atuação
do poder público, os valores culturais, a forma de uso e hábitos, entre outros. Tais
questões, geralmente, são problematizadas em reuniões ad hoc, nas quais elas são
questionadas, argumentadas e debatidas, mesmo que entre os participantes haja pes-
soas analfabetas ou com baixo nível de escolaridade. O que se pretende é a produção
coletiva do saber em que o pesquisador/educador fazendo uso da interação dialética
sujeito-objeto, contribui com o grupo participante para avaliar o contexto no qual está
inserido, sua organização social e política.
As reflexões e significações produzidas pelo grupo participante objetivam levar os
atores sociais a conceber determinados problemas de seu contexto para que ações
possam ser planejadas e executadas na defesa de seus interesses. Trata-se de um cons-
tante desafio levar a efeito o pressuposto da PP, ou seja, agir com os atores sociais
participantes para promover a produção de conhecimentos e ações coletivas para o
bem comum aproximando-os, paulatina e continuamente, da condição de sujeitos do
processo investigativo.
Os resultados de uma pesquisa participante precisam ser comunicados tanto para o
registro das produções da ciência quanto para os atores sociais envolvidos.
Uma PP implica em uma ciência simples, com estrutura metodológica e técnica que
152
visa à realização de tarefas científicas, muitas vezes em condições adversas e primitivas Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
com o uso de recursos locais. Muitas vezes impõe ao pesquisador abandonar sua con- investigação
Referências
BECKETT, W. História da pintura. Tradução de. Mario Vilela. São Paulo: Ática, 2002.
153
MÉTODOS E TÉCNICAS DEMO, P. Elementos metodológicos da pesquisa participante. In BRANDÃO, C. R.
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO (Org.). Repensando a pesquisa participante. 9. ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.
154
MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 2. ed. Pesquisa participante,
métodos e técnicas de
São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1993. investigação
PEIRCE, C. S. Semiótica. Tradução de José Teixeira Coelho Neto. 3. ed. São Paulo:
Perspectiva, 2003.
PENA-VEJA, A.; ALMEIDA, C. R. S.; PETRAGLIA, I. (Org.). Edgar Morin: ética, cultura
e Educação. São Paulo: Cortez, 2001.
Proposta de Atividade
155
MÉTODOS E TÉCNICAS
DE PESQUISA EM
EDUCAÇÃO
Anotações
156