Documenti di Didattica
Documenti di Professioni
Documenti di Cultura
•
Título original em inglês: Orali/y & literacy:
The technologizing o( the word
© Methuen & Co. Ltd, 1982
reeditado pela Routledge, 1988
CDD-302.224
Indices para catálogo sistemático:
Aqul81çio
OrIgem
SollcjtarH~ I)',~;';
Pro(" .! li. ,,
Data it O~ I üJ.
I
I )
BIBLIOGRAFIA 201
Embora as palavras estejam fundadas na linguagem falada, a escrita Embora o termo "pré-cultura escrita" em si seja útil e por vezes
tiranicamente as encerra para sempre num campo visual. Uma pessoa necessário, quando usado inadvertidamente também causa problemas
iguais, ainda que não tão evidentes, aos provocados pelo termo "literatura Hoje, felizmente, o termo "literatura oral" está perdendo terreno,
oral". "Pré-cultura escrita" apresenta a oralidade - o "sistema modelar mas é bastante provável que eliminá-Io por completo seja uma batalha
primário" - como úm desvio anacrônico do "sistema modelar secundário" nunca inteiramente vencida. Para a maioria daqueles que pertencem a
uma cultura escrita, pensar nas palavras como totalmente desvinculadas
que o sucedeu.
da escrita é uma tarefa simplesmente árdua demais, até mesmo quando
Juntamente com os termos "literatura oral" e "pré-cultura escrita",
estudos lingüísticos ou antropológicos especializados possam exigi-Io. As
ouvimos também menções ao "texto" de uma enunciação oral. "Texto",
palavras continuam vindo à mente na sua forma escrita, por mais que se
cuja raiz significa "tecer", é, em termos absolutos, mais compa.tível
tente o contrário. Além disso, desvincular as palavras da escrita é
etimologicamente com a enunciação oral do que "literatura", que etlmo-
psicologicamente ameaçador, pois a sensação de controle sobre a lingua-
logicamente se refere a letras (literae) do alfabeto. O discurso oral tem
gem que se tem na cultura escrita está estreitamente ligada às transforma-
sido geralmente considerado, até mesmo em ambientes orais, como tecer
ções visuais da língua: sem dicionários, regras gramaticais escritas, pon-
ou alinhavar - rbapsoidein, "fazer rapsódias" significa basicamente em
tuação e todo o aparato restante que transforma as palavras em algo que
grego "alinhavar canções". Mas, na verdade, quando na cultura escrita se
se pode percorrer com os olhos, como se pode viver? Os usuários de um
usa hoje o termo "texto" para fazer referência à apresentação oral, está-se
grafoleto como o inglês padrão têm acesso a vocabulários centenas de
pensando em termos de uma analogia com a escrita. No vocabulário de
vezes maiores do que aqueles com que uma língua oral é capaz de lidar.
quem pertence à cultura escrita, o "texto" de uma narrativa apresentada
Em um mundo lingüístico desse tipo, os dicionários são fundamentais. É
por quem pertence a uma cultura oral primária representa um suporte
desconcertante lembrar que não existe dicionário na mente, que o aparato
anterior: o cavalo como um automóvel sem rodas, novamente.
lexicográfico constitui um acréscimo muito tardio às línguas, que todas
Admitida a enorme diferença entre fala e escrita, o que se pode fazer elas possuem gramáticas complexas e as desenvolveram sem nenhuma
para construir uma alternativa ao termo anacrônico e contraditório "liter~- ajuda da escrita e que, fora das culturas com tecnologia relativamente
tura oral"? Adaptando uma proposta feita por Northrop Frye para a poesia sofisticada, a maioria dos usuários das línguas sempre se arranjaram muito
épica em Ibe anatomy of criticism [Anatomia da crítica] 0957, pp. 248-250, bem sem quaisquer transformações visuais do som vocal.
293-303), poderíamos nos referir a toda arte puramente oral como epos, que Na realidade, as culturas orais produzem realizações verbais im-
tem a mesma raiz proto-indo-européia, wekw-, como a palavra latina vox e pressionantes e belas, de alto valor artístico e humano, que já não são
seu equivalente em português "voz", e portanto está firmemente apoiada sequer possíveis quando a escrita se apodera da psique. Contudo, sem a
no vocal, no oral. As apresentações orais seriam, assim, sentidas como escrita, a consciência humana não pode atingir o ápice de suas potencia-
"vocalizações", o que elas efetivamente são. Porém, o sentido mais comum lidades, não é capaz de outras criações belas e impressionantes. Nesse
do termo epos, poesia épica (oral) (ver Bynum 1967), iria de certa forma sentido, a oralidade precisa e está destinada a produzir a escrita. A cultura
interferir num significado genérico atribuído a todas as criações orais. escrita, como veremos, é imprescindível ao desenvolvimento não apenas
"Vocalizações" parece possuir muitas associações concorrentes, embora, da ciência, mas também da história, da filosofia, ao entendimento
caso alguém julgue o termo leve o bastante para ser lançado ao mar, eu analítico da literatura e de qualquer arte e, na verdade, à explicação da
certamente me esforçarei por mantê-Io à tona. Porém, ainda assim, carece- própria linguagem (incluindo a falada). Dificilmente haverá uma cultura
ríamos de um termo mais genérico que abrangesse tanto a arte puramente oral ou uma cultura predominantemente oral no mundo, hoje, que não
oral quanto a literatura. Neste livro, manterei um procedimento comum esteja ciente da enorme pletora de capacidades absolutamente inacessí-
entre pessoas informadas e recorrerei, quando necessário, a perífrases veis sem a cultura escrita. Essa consciência é angustiante para pessoas
explicativas - "formas artísticas puramente orais", "formas artísticas verbais" enraizadas na oralidade primária, que desejam ardentemente a cultura
(que incluiriam tanto as formas orais quanto as compostas por escrito, assim escrita, mas que estão igualmente conscientes de que entrar no mundo
como tudo o que se situa entre ambas) e outras expressões semelhantes.
cheio de atrativos da cultura escrita significa deixar atrás de si boa parte
do que é fascinante e profundamente amado no mundo oral anterior.
Devemos morrer para continuar a viver.
Felizmente, a cultura escrita - não obstante devore seus próprios
antecedentes orais e, a menos que seja cuidadosamente monitorada, até
mesmo destrua sua memória - é também infinitamente adaptável. Ela
pode também resgatar sua memória. Podemos usar a cultura escrita para
reconstruir a consciência humana primitiva que não possuía nenhuma
cultura escrita - pelo menos reconstruir essa consciência da melhor forma
possível, embora imperfeita (nunca podemos esquecer o presente que
nos é familiar demais para permitir que nossas mentes reconstituam
qualquer passado em sua total integridade). Essa reconstrução pode gerar
uma compreensão melhor do que significou a cultura escrita para a 2
conformação da consciência do homem em direção às culturas de alta A DESCOBERTAMODERNA DAS CULTURASORAIS PRIMÁRIAs
tecnologia e no interior delas. Essa compreensão tanto da oralidade
quanto da cultura escrita é o que este livro - forçosamente um estudo
letrado, e não uma apresentação oral- busca, até certo ponto, atingir.
• No original, look up, literalmente "procurar com os olhos", o que certamente traz
implicações maiores para o leitor, como quer o autor, do que a tradução "procurar"
evidencia. (N.T.)
•• Look up something. (N.T.)
teria nenhum significado concebível. Sem a escrita, as palavras em si não 223-126), uma vez que a compreensão da psicodinâmica da oralidade era
possuem uma presença visual, mesmo que os objetos que elas representam virtualmente inexistente em 1923. Também não ca~sa surpresa que povos
sejam visuais. Elas são sons. Poder-se-ia "evocá-Ias" - "reevocá-Ias"*. Porém . mumente - e talvez universalmente - conSiderem que as palavras
oraiS co
não estão em lugar algum onde poderiam ser "procuradas"". Não têm sede, são dotadas de grande poder. O som sempre exerce u~ poder. Um
nem rastro (uma metáfora visual, que mostra a subordinação à escrita), nem caçador pode ver um búfalo, cheirar, sentir seu gosto e toca-Io quando o
mesmo uma trajetória. São ocorrências, eventos. búfalo está completamente inerte, até mesmo morto, mas, se ouve .um
Para saber o que é uma cultura oral primária e qual a natureza de 'f I é melhor tomar cuidado: algo está acontecendo. Nesse sentido,
b u ao, d
nosso problema em relação a uma cultura semelhante, convém refletir todo som - especialmente a enunciação oral, que vem de dentro os
sobre a natureza do próprio som como tal (Ong 1967b, pp. 111-138). Toda organismos vivos - é "dinâmico".
sensação ocorre no tempo, mas o som possui uma relação especial com O fato de os povos orais comumente - e muito provavelmente em
ele, diferente da que existe em outros campos registrados na sensação todo o mundo - julgarem as palavras dotadas de uma potencialidade
humana. O som existe apenas quando está deixando de existir. Ele não mágica está estreitamente ligado, pelo menos inconscien~emente, a sua
é apenas perecível, mas é essencialmente evanescente e percebido como percepção da palavra como necessariamente fala~a, pr~fenda e, portanto,
evanescente. Quando pronuncio a palavra "permanência", no momento dotada de um poder. Os povos profundamente tipograficos esquecem-se
em que chego a "-nência", "perma-" desapareceu e tem de desaparecer. de pensar nas palavras como primariamente orais, como eventos e, logo,
Não há como deter e possuir o som. Posso deter uma câmera necessariamente portadoras de poder: para eles, as palavras tendem antes
cinematográfica e fixar um quadro na tela. Se detiver o movimento do som, a ser assimiladas a coisas, "lá", em uma superfície plana. Essas "coisas"
não tenho nada - apenas silêncio, ausência absoluta de som. Toda sensação não são tão prontamente associadas à magia, pois não constituem aç~~s,
ocorre no tempo, mas nenhum outro campo sensorial resiste completamen- mas, num sentido radical, estão mortas, embora passíveis de ressurreiçao
te a uma imobilização, a uma estabilização idêntica à do som. A visão pode dinâmica (Ong 1977, pp. 230-271).
registrar o movimento, mas pode também registrar a imobilidade. Na Os povos orais comumente pensam que os nomes (um gênero. de
realidade, ela favorece a imobilidade, pois, para examinar algo atentamente palavras) são capazes de transmitir poder para outras coisas. As exphca-
por meio da visão, preferimos mantê-Io imóvel. Muitas vezes, reduzimos o ções sobre os nomes dados por Adão aos animais no Gênesis 2:20
movimento a uma série de instantâneos a fim de ver melhor o que é o geralmente atraem uma atenção condescendente para essa antiga crença
movimento. Não existe o equivalente de um instantâneo para o som. Um presumivelmente exótica. Essa crença é, na verdade, muito menos exótica
oscilograma é silencioso. Ele existe fora do mundo sonoro. do que parece à primeira vista às nações quirográficas e tipográficas.
A qualquer pessoa com uma noção do que sejam as palavras em Antes de mais nada os nomes realmente dão aos seres humanos um
uma cultura oral primária, ou uma cultura não muito distante da oralidade poder sobre aquilo ~ue nomeiam: sem aprender um vasto suprimento de
primária, não surpreende que o termo hebraico dabar signifique "pala- nomes, somos simplesmente incapazes de compreender, por exemplo, a
vra" e "evento". Malinowski 0923, pp. 451, 470-481) salientou que, entre química e pôr em prática a engenharia química. O mesmo ocorre com
os povos "primitivos" (orais), geralmente a linguagem é um modo de ação qualquer outro conhecimento intelectual. Em segundo lugar, as nações
e não simplesmente uma confirmação do pensamento, embora tenha tido quirográficas e tipográficas tendem a pensar nos nomes como rótulos,
dificuldade em explicar a que estava se referindo (Sampson 1980, pp. etiquetas escritas ou impressas coladas imaginariamente no objeto no-
meado. As nações orais não percebem um nome como uma etiqueta, pois
não fazem idéia de um nome como algo que possa ser visto. Repre-
* Cal! them back; recal! them. (N.T.) sentações escritas ou impressas de palavras podem ser rótulos; as palavras
** To lookfor them. (N.T.)
reais, faladas, não.
t se poderia trazer de novo à mente o que foi elaborado com
das. como , .
tanta dificuldade? A única resposta é: pensar p~nsamentos memoravelS.
Numa cultura oral primária, para resolver efetIvamente o pro~lema d~
Numa cultura oral, a redução das palavras a sons determina não
- e da recuperação do pensamento cuidadosamente artIculado, e
apenas os modos de expressão, mas também os processos mentais. retençao
preciso exercê-Io segundo padrões mnemônicos, moldados para uma
Sabemos o que podemos recordar. Quando dizemos que sabemos pronta repetição oral. O pensamento deve surgir em padrões. fortel~ente
geometria euclidiana, não queremos dizer que temos na mente, nesse rítmicos, equilibrados, em repetições ou antíteses, em altteraçoes e
momento, cada uma de suas proposições e provas, mas, sim, que assonâncias, em expressões epitéticas ou outras expressões formulares,
podemos rapidamente trazê-Ias à mente. Podemos recordá-Ias. O teorema em conjuntos temáticos padronizados (a assembléia, a re~ei~ão, o duel_o,
"sabemos o que podemos recordar" aplica-se também a uma cultura oral. o "ajudante" do herói e assim por diante), em p~overblos que sao
Mas como as pessoas recordam numa cultura oral? O conhecimento constantemente ouvidos por todos, de forma a VIr prontamente ao
organizado que os indivíduos pertencentes à cultura escrita atualmente espírito, e que são eles próprios modelados para a retenção e a :ápida
estudam, a fim de que "saibam", isto é, possam recordar, com muito recordação - ou em outra forma mnemônica. As reflexões e os ~etodo~
poucas exceções - quando muito -, foi reunido e colocado a sua de memorização estão entrelaçados. A mnemônica deve determmar ate
disposição pela escrita. Esse é o caso não apenas da geometria euclidiana, mesmo a sintaxe (Havelock 1963, pp. 87-96, 131-132,294-296).
mas também da história da Revolução Americana, ou até mesmo da média
O pensamento prolongado, quando fundado na oralidade, até
de pontos no beisebol ou das leis de trânsito.
mesmo nos casos em que não se apresente na forma de versos, tende
Uma cultura oral não possui textos. Como ela reúne o material ~ ser altamente rítmico, pois o ritmo auxilia na recordação, até mesmo
organizado para fins de recordação? É o mesmo que perguntar: "O que p;icologicamente. Jousse (978) demonstrou a íntima ligação entre
ela faz ou pode saber de uma forma organizada?" padrões rítmicos orais, processo de respiração, gesticulação e simetria
bilateral do corpo humano nos targums aramaicos e helênicos, e
Suponhamos que uma pessoa, em uma cultura oral, tentasse se
portanto também no hebraico antigo. Entre os antigos gregos, Hesíodo,
concentrar em um problema particularmente complexo e finalmente
que ocupou uma posição intermediária entre a Grécia homérica oral e
conseguisse articular uma solução que, por sua vez, fosse relativamente
a cultura escrita grega totalmente desenvolvida, exprimiu um material
complexa, consistindo, digamos, em umas poucas centenas de palavras.
semifilosófico nas formas poéticas formulares que o organizavam no
Como ela retém, para posterior recordação, a verbalização tão arduamen-
interior da cultura oral da qual ele emergiu (Havelock 1963, pp. 97-98,
te elaborada? Na ausência total de qualquer escrita, não há nada fora do
pensador, nenhum texto que lhe permita produzir a mesma linha de
294-301).
pensamento novamente ou até mesmo verificar se ele fez isso ou não. As fórmulas ajudam a implementar o discurso rítmico, assim
Aides-mémoire tais como varas marcadas ou uma série de objetos como funcionam, por si sós, como apoios mnemônicos, como expres-
cuidadosamente ordenados não irão, por si sós, recuperar uma complica- sões fixas que circulam pelas bocas e pelos ouvidos de todos. "Verme-
da série de asserções. Antes de mais nada, de que modo, realmente, lho pela manhã, o alerta do marinheiro; vermelha à noite, a delícia do
poderia uma solução longa, analítica, ser montada? É essencial que haja marinheiro." "Dividir para conquistar." "Errar é humano, perdoar é
um interlocutor virtual: é difícil falar consigo mesmo durante horas divino." "A tristeza é melhor do que o riso, porque quando o rosto está
consecutivas. O pensamento apoiado em uma cultura oral está preso....à triste o coração se torna mais sábio" (Eclesiastes 7:3). "A videira
comunicação. aderente." "O robusto carvalho." "Expulsai a natureza e ela voltará a
galope." Fixas, muitas vezes ritmicamente equilibradas, expressões
Mas até mesmo com um ouvinte que estimule o pensamento e dê
desse e de outros tipos podem ser ocasionalmente encontradas impres-
apoio, a miscelânea de idéias nào pode ser preservada em notas rabisca-
sas; na realidade, podem ser "procuradas"- em livros de adágios, mas sólido{ a memória tem uma importância tão grande quando tratam dos
nas culturas orais não são eventuais, são constantes. Elas formam a poderes do espírito.
substância do próprio pensamento. Sem elas, este é impossível em
Obviamente, toda expressão e todo pensamento são até certo
qualquer forma extensa, pois é nelas que consiste.
ponto formulares, no sentido de que cada palavra e cada conceito
Quanto mais complexo é o pensamento oralmente padronizado, expresso numa palavra constituem uma espécie de fórmula, um modo
maior é a probabilidade de que seja caracterizado por expressões fixas fixo de processar os dados da experiência, determinando o modo como
utilizadas com habilidade. Isso vale para as culturas orais em geral, da .a experiência e a reflexão são intelectualmente organizadas e atuando
Grécia homérica às existentes atualmente em toda parte do planeta. como dispositivo mnemônico de algum tipo. A verbalização da experiên-
Preface to Plato (1963), de Havelock, e obras de ficção como o romance cia (o que implica pelo menos alguma transformação - o que não
de Chinua Achebe, No longer at ease [Tranqüilidade perdida) (1961), equivale à falsificação) pode efetivar sua recordação. Contudo, as fórmu-
baseado diretamente na tradição oral ibo, na África Ocidental, fornecem las que caracterizam a oralidade são mais elaboradas do que as palavras
exemplos abundantes de padrões de pensamento de personagens educa- individualmente, embora algumas possam ser relativamente simples: o
dos oralmente que se movem mnemonicamente nesses sulcos instrumen- "caminho da baleia" do poeta do Beowulf é uma fórmula (metafórica)
talizados, orais, quando os falantes refletem, com grande inteligência e para o mar em um sentido diferente do termo "mar".
requinte, sobre as situações nas quais se acham envolvidos. Nas culturas
orais, a própria lei está encerrada em adágios formulares, provérbios, que
não constituem meros adornos jurídicos, mas são, em si mesmos, a lei.
Numa cultura orall, um juiz é muitas vezes chamado a articular conjuntos O conhecimento da base mnemônica do pensamento e da expres-
de provérbios relevantes dos quais ele pode obter decisões justas nos são em culturas orais primárias abre caminho para a compreensão de
processos de litígios formais que deve julgar (Ong 1978, p. 5). algumas outras características do pensamento e da expressão fundados
Numa cultura oral, refletir atentamente sobre algo em termos não- na oralidade, além de sua estilização formular. As características mencio-
formulares, não-padronizados, não-mnemônicos, ainda que isso fosse pos- nadas aqui são algumas das que tornam o pensamento e a expressão
sível, seria uma perda de tempo, pois esse pensamento, uma vez terminado, fundados no oral diferentes daqueles que são fundados no quirográfico
nunca poderia ser recuperado com alguma eficácia, tal como o seria com e no tipográfico - isto é, as características que devem parecer mais
o auxílio da escrita. Não seria um conhecimento confiável, mas simplesmen- surpreendentes àqueles que foram criados em culturas baseadas na escrita
te um pensamento momentâneo, embora complexo. As fórmulas fixas e na tipografia. Esse inventário de características não se apresenta como
altamente padronizadas e comunais das culturas orais cumprem algumas exclusivo ou conclusivo, mas ilustrativo, pois o aprofundamento da
das finalidades da escrita em culturas quirográficas. Porém, ao fazê-Io, compreensão do pensamento fundado na oralidade (e, conseqüentemen-
determinam evidentemente o tipo de pensamento que pode ser realizado, te, a compreensão do pensamento baseado no quirográfico, no tipográ-
o modo como a experiência é intelectualmente organizada. Em uma cultura fico e no eletrônico) requer mais estudos.
9~,~EP~!:!~tlcia é intelectualizada mnemonicamente. Esse é um dos Numa cultura oral primária, o pensamento e a expressão tendem
motivos por que, para um santo Agostinho de Hipona (354-430 d.e.), assim a ser dos seguintes tipos:
como para outros sábios que viviam numa cultura com algum conhecimen-
to da escrita, mas que ainda conservava um resíduo oral espantosamente
No início, quando Deus criou os céus e a terra, a terra era um vasto Essa característica está intimamente ligada às fórmulas como meio
deserto informe, e as trevas cobriam o abismo, enquanto um forte de aparelhar a memória. As bases do pensamento e da expressão
vento varria as águas. Então Deus disse: "Seja feita a luz", e houve fundados na oralidade tendem a ser não tanto meras totalidades, mas
luz. Deus viu como era boa a luz. Deus então separou a luz das agrupamentos de totalidades, tais como termos, frases ou orações parale-
trevas. Deus chamou à luz "dia" e às trevas ele chamou "noite". los, termos, frases ou orações antitéticos, epítetos. As nações orais
Assim chegou a noite, e a ela sucedeu a manhã - o primeiro dia.
preferem, especialmente no discurso formal, não o soldado, mas o
soldado valente; não a princesa, mas a bela princesa; não o carvalho, mas
o carvalho robusto. Assim, a expressão oral está carregada de uma
Dois "e" introdutórios, ambos mergulhados num período compos-
quantidade de epítetos e outras bagagens formulares que a cultura
to. A versão Douay traduz o hebraico we ou wa ("e") simplesmente por
altamente escrita rejeita como pesados e tediosamente redundantes em
"e". A New American o traduz por "e", "quando", "então", "assim" ou
virtude de seu peso agregativo (Ong 1977, pp. 188-212).
"enquanto", para proporcionar um fluxo narrativo com a subordinação
analítica e racional que caracteriza a escrita (Chafe 1982) e que parece Em muitas das culturas de baixa tecnologia, em desenvolvimento,
mais natural em textos do século XX. As estruturas orais muitas vezes os clichês nas acusações políticas - inimigo do povo, capitalistas fomen-
consideram a pragmática (a conveniência do falante - Sherzer 1974 relata tadores da guerra -, que chocam os pertencentes a uma cultura altamente
longas apresentações públicas orais entre os CImas, incompreensíveis escrita por serem imponderados, constituem fundamentos formulares
para os ouvintes). As estruturas quirográficas levam mais em conta a residuais dos processos orais de pensamento. Um dos muitos indícios de
sintaxe (organização do próprio discurso), como sugeriu Givón (1979). O um alto - ainda que em vias de desaparecimento - resíduo oral na cultura
discurso escrito desenvolve uma gramática mais elaborada e fixa do que da União Soviética é (ou era, uns anos atrás, quando a visitei) a insistência
o discurso oral, porque nele o significado depende mais da estrutura em falar da "Gloriosa Revolução de Outubro de 17" - essa fórmula
lingüística, uma vez que carece dos contextos normais inteiramente epitética constitui uma estabilização obrigatória, como eram as fórmulas
homéricas epitéticas "sábio Nestor" ou "esperto Ulisses", ou como costu- perto ~o foco de atenção muito daquilo com que já se deparou. A
mava ser "o glorioso Quatro de Julho" no resíduo oral comum até mesmo redundância, a repetição do já dito, mantém tanto o falante quanto o
nos Estados Unidos do início do século XX. A União Soviética ainda i ouvinte na pista certa.
apresenta todo ano os epítetos oficiais para vários toei classiei da história Uma vez que a redundância caracteriza o pensamento e a fala
soviética. orais, ela é em um sentido profundo mais natural ao pensamento e à fala
Uma cultura oral pode, com efeito, perguntar num enigma por que do que a linearidade parcimoniosa. O pensamento e a fala parcimonio-
os carvalhos são robustos, mas o faz para demonstrar que eles o são, para samente lineares ou analíticos constituem uma criação artificial, construí-
manter intacto o agregativo, e de modo algum para questionar o atributo da pela tecnologia da escrita. Eliminar a redundância numa escala
ou lançar dúvidas sobre ele. (Para exemplos extraídos diretamente da significativa requer uma tecnologia que sirva de obstáculo ao tempo,
cultura oral dos tubas, no Zaire, ver Faik-Nzuji 1970.) Nas culturas orais, requer a escrita, que impõe algum tipo de tensão à psique ao impedir que
as expressões tradicionais não devem ser desmontadas: foi trabalhoso a expressão recaia em seus padrões mais naturais. A psique pode
mantê-Ias juntas por gerações e não existe nenhum lugar fora da mente controlar a tensão, em parte porque a escrita à mão é, fisicamente, um
onde se possa armazená-Ias. Portanto, soldados são sempre valentes, processo muito lento - em média, cerca de um décimo da velocidade do
princesas são sempre belas e carvalhos são sempre robustos. Isso não discurso oral (Chafe 1982). Com a escrita, a mente é forçada a seguir um
significa que não possa haver outros epítetos para soldados, princesas ou padrão mais lento, que lhe dá a oportunidade de alterar e reorganizar seus
carvalhos, até mesmo epítetos opostos, mas também estes são padroniza- processos mais normais, redundantes.
dos: o soldado fanfarrão, a princesa infeliz podem também fazer parte do
A redundância é igualmente propiciada pelas condições físicas da
equipamento. O que prevalece para epítetos prevalece igualmente para
expressão oral diante de um público vasto, situação na qual ela é na
outras fórmulas. Uma expressão formular, uma vez cristalizada, deve
verdade mais marcada do que na maioria das conversas face a face. Nem
permanecer intacta. Sem um sistema de escrita, o pensamento fragmen-
todo mundo, dentre uma multidão ouvinte, compreende cada palavra que
tado - isto é, a análise - constitui um procedimento altamente arriscado.
um falante pronuncia, mesmo que em virtude de problemas acústicos.
Como sintetizou muito bem Lévi-Strauss, "a mente selvagem (isto é, oral]
Convém ao falante dizer a mesma coisa, ou algo equivalente, duas ou três
totaliza" (1966, p. 245).
vezes. Se deixarmos passar o "não apenas ...", podemos inferi-lo pelo "mas
também ..." Até que a amplificação eletrônica reduzisse os problemas
acústicos a um mínimo, os oradores públicos ainda à época de, por
exemplo, William Jennings Bryan 0860-1925), mantinham a velha redun-
O pensamento requer algum tipo de continuidade. A escrita dância em seus discursos e, por força do hábito, deixavam que ela
estabelece no texto uma "linha" de continuidade fora da mente. Se a semeasse seus escritos. Em alguns tipos de substitutos acústicos da
distração confunde ou oblitera da mente o contexto do qual emerge o comunicação verbal oral, a redundância atinge dimensões excepcionais,
material que estou lendo agora, o contexto pode ser recuperado passan- como na conversa de tambores africana. Requer-se em média por volta
do-se novamente os olhos pelo texto de modo seletivo. Retrocessos de oito vezes mais palavras para dizer algo pelos tambores do que na
podem ser inteiramente ocasionais, puramente ad boe. A mente concentra linguagem falada (Ong 1977, p. 101).
suas energias em avançar porque aquilo a que ela retrocede jaz imóvel A necessidade que sente o orador de prosseguir enquanto está
diante de si, sempre disponível em fragmentos inscritos na página. No repassando em sua mente o que dizer em seguida também favorece a
discurso oral, a situação é diferente. Não há nada para o que retroceder redundância. No estilo oral, embora a pausa possa ser benéfica, a
fora da mente, pois a manifestação oral desapareceu tão logo foi pronun- hesitação é sempre prejudicial. Por conseguinte, é preferível repetir algo,
ciada. Por conseguinte, a mente deve avançar mais lentamente, mantendo
se possível engenhosamente, a simplesmente parar de falar enquanto se mente,i. isto é, baseada na quantidade de memorização que os métodos
está à procura da idéia seguinte. As culturas orais estimulam a fluência, o educacionais da cultura exigem (Goody 1968a, pp. 13-14).
excesso, a loquacidade. Os retóricos chamariam a isso copia. Por uma As culturas orais, evidentemente, não carecem de originalidade
espécie de lapso, continuaram a fazê-lo depois de haver adaptado a própria. A originalidade narrativa reside não na construção de novas
retórica de uma arte de falar em público para uma arte de escrever. histórias, mas na administração de uma interação especial com sua
Durante a Idade Média e a Renascença, a "amplificação" incha muitas audiência, em sua época - a cada narração, deve-se dar à história, de uma
vezes os primeiros textos escritos, tornando-os tediosamente redundantes maneira única, uma situação singular, pois nas culturas orais o público
segundo os padrões modernos. Enquanto a cultura sanciona um grande deve ser levado a reagir, muitas vezes intensamente. Porém, os narradores
resíduo oral- o que ocorre até por volta da era romântica e mesmo depois -, também introduzem novos elementos em velhas histórias (Goody 1977,
permanece intensa na cultura ocidental uma preocupação com os copia. pp. 29-30). Na tradição oral, haverá tantas variantes menores de um mito
Thomas Babington Macaulay (1800-1859) é um dos muitos vitorianos quantas forem as repetições dele, e a quantidade de repetições pode
loquazes cujas composições escritas pleonásticas ainda soam como um aumentar indefinidamente. Poemas encomiásticos de líderes exigem um
discurso exuberante, oralmente composto, como também soam, muito espírito empreendedor, pois as velhas fórmulas e os velhos temas devem
freqüentemente, os escritos de Winston Churchill (1874-1965). interagir com novas e muitas vezes complexas situações políticas. Porém,
as fórmulas e os temas são antes remodelados do que suplantados por
novo material.
Obviamente, a escrita é conservadora a seu próprio modo. Logo Na ausência de categorias analíticas aperfeiçoadas, que dependem
depois de seu surgimento, ela servia para imobilizar os códigos jurídicos da escrita para organizar o conhecimento distante da experiência vivida, as
na antiga Suméria (Oppenheim 1964, p. 232). Porém, pelo fato de tomar culturas orais conceituam e verbalizam todo o seu conhecimento com uma
para si funções conservadoras, o texto liberta a mente de tarefas conser- referência mais ou menos próxima ao cotidiano da vida humana, assimilan-
vadoras, isto é, de seu esforço de memorização e, desse modo, permite- do o mundo estranho, objetivo, à interação imediata, conhecida, de seres
lhe que se volte para novas especulações (Havelock 1963, pp. 254-305). humanos. Uma cultura quirográfica (escrita) e sobretudo uma cultura
De fato, a oralidade residual de uma dada cultura quirográfica pode, de tipográfica (impressa) pode distanciar e, de um certo modo, desnaturar até
I certo modo, ser calculada com base na carga mnemônica que impõe à mesmo o humano, discriminando coisas como os nomes de líderes e as
divisões políticas em uma lista abstrata, neutra, inteiramente desprovida de
um contexto de ação humana. Uma cultura oral não possui um veículo tão
neutro como uma lista. Na última metade do segundo livro, a llíada Muitas das culturas orais ou residualmente orais - senão todas -
apresenta o famoso catálogo dos navios - mais de 400 versos - que colige impressionam as pessoas pertencentes a uma cultura escrita pelo tom
os nomes dos líderes gregos e as regiões que governavam, mas num extraordinariamente agonístico de seu desempenho verbal e certamente
contexto global de ação humana: os nomes de pessoas e lugares aparecem por seu estilo de vida. A escrita alimenta abstrações que afastam o
envolvidos em feitos (Havelock 1963, pp. 176-180). O lugar normal e muito conhecimento da arena onde seres humanos lutam entre si. 'Ela separa
provavelmente o único na Grécia homérica no qual esse tipo de informação aquele que conhece daquilo que é conhecido. Ao manter o conhecimento
política podia ser encontrado numa forma verbalizada era numa narrativa imerso na vida cotidiana, a oralidade o situa dentro de um contexto de
ou numa genealogia, que não constitui uma lista neutra, mas um relato que luta. Provérbios e enigmas não são usados simplesmente para armazenar
descreve as relações pessoais (cf. Goody e Watt 1968, p. 32). As culturas conhecimento, mas para envolver as pessoas em um combate verbal e
orais conhecem poucas estatísticas ou poucos fatos divorciados da atividade intelectual: dizer um provérbio ou um enigma desafia os ouvintes a
humana ou quase humana. superá-Io com um outro mais adequado ou oposto (Abrahams 1968;
Uma cultura oral, do mesmo modo, não possui nada que corres- 1972). Na narrativa, é comum depararmos, nos embates entre persona-
ponda aos manuais de regras práticas para o comércio (esses manuais, na gens, com passagens em que eles alardeiam suas próprias façanha§ e/ou
verdade, são extremamente raros e sempre toscos, até mesmo em culturas investem verbalmente contra um oponente: na llíada, no Beowulf, em
quirográficas, e passaram a existir realmente apenas depois que a impres- todos os contos medievais europeus, no The Mwíndo Epic e em inúmeras
são foi consideravelmente interiorizada - Ong 1967b, pp. 28-29, 234, 258). outras histórias africanas (Okpewho 1979; Obiechina 1975), na Bíblia,
O comércio era aprendido empiricamente (assim como ainda o é, em como entre Davi e Golias (l Samuel 17:43-47). Característicos das socie-
grande medida, até mesmo em culturas de alta tecnologia), isto é, com dades orais em todo o mundo, apelativos recíprocos se encaixam numa
base na observação e na prática, com apenas um mínimo de explicação designação específica em lingüística: jlyting (ou fliting). Criados numa
verbal. A maior articulação verbal de coisas como procedimentos de cultura predominantemente oral, certos jovens negros nos Estados Uni-
navegação, que eram cruciais na cultura homérica, seria encontrada não dos, no Caribe e em outros lugares participam do que é conhecido como
em qualquer descrição abstrata do tipo manual de instruções, mas em dozens, joning, sounding ou outros nomes, em que um oponente tenta
formas como as encontradas na seguinte passagem da llíada i.141-144, sobrepujar o outro caluniando a mãe deste. O dozens não é uma briga
em que a descrição abstrata está encaixada numa narrativa que apresenta real, mas uma forma de arte, como as outras invectivas verbais estilizadas
em outras culturas.
direções específicas para a ação humana ou relatos de atos específicos:
Não somente no uso que se faz do conhecimento, mas também na
Ora, convém a nau ligeira nas ondas divinas lançarmos. celebração do comportamento físico, as culturas orais revelam-se agonis-
Os remadores, sem perda de tempo, reunamos, e as uítimas ticamente programadas. A narrativa oral é muitas vezes caracterizada por
Logoponhamos a bordo e a donzela graciosa de Crise, uma descrição entusiástica da violência física. Na llíada, por exemplo, os
De belas faces. Comande o nauio um dos chefes do exército. livros VIII e X rivalizariam, no mínimo, com o que mostram a televisão e
o cinema mais sensacionalistas atuais em matéria de violência explícita e
os ultrapassam em muito em pormenores requintadamente sangrentos -
o que pode ser menos repulsivo quando descrito verbalmente do que
A cultura oral primária preocupa-se pouco em preservar o conhe- quando apresentado visualmente. Representações de violência físita crua,
cimento de habilidades como um corpus abstrato, independente. fundamental em muitos poemas épicos orais e outros gêneros orais, e que
subsistem em muitos dos primeiros produtos da cultura escrita, diminuem A flinâmica agonística dos processos de pensamento e expressão
gradativamente ou se tornam marginais na literatura narrativa posterior. orais foi fundamental para o desenvolvimento da cultura ocidental, em
Elas sobrevivem nas baladas medievais, mas já estão sendo ridicularizadas que ela foi institucionalizada pela "arte" da retórica e pela dialética de
por Thomas Nashe em 7be unf0111tnate traveler [O viajante desafortuna- Sócrates e de Piatão a ela associadas, que forneceu à verbalização
doI (1594). A narrativa literária, à medida que se aproxima do romance agonística oral uma base científica produzida com o auxílio da escrita.
sério, finalmente traz o foco da ação cada vez mais para as crises Voltaremos a essa questão posteriormente.
\ interiores, distanciando-se das meramente exteriores.
Os sofrimentos físicos comuns e constantes da vida em muitas
sociedades primitivas explicam em parte, obviamente, as mostras de Mais empáticos e participativos do que
violência nas primitivas formas artísticas verbais. Ignorância das causas objetivamente distanciados
físicas de doenças ou desgraças também pode alimentar tensões indivi-
duais. Uma vez que a doença ou a desgraça são causadas por alguma
Para uma cultura oral, aprender ou saber significa atingir uma
coisa, em vez de causas físicas, pode-se presumir que sejam o resultado
identificação íntima, empática, comunal com o conhecido (Havelock
da maldade individual de um outro ser humano - um mago, uma feiticeira
1963, pp. 145-146), "deixar-se levar por ele". A escrita separa o conhe-
- e, portanto, aumentam as hostilidades. Porém, a violência nas formas
cedor do conhecido e, desse modo, estabelece condições para a
artísticas orais também está ligada à própria estrutura da oralidade.
"objetividade", no sentido de um desprendimento ou distanciamento
Quando toda comunicação verbal deve ser feita diretamente pela voz,
individual. A "objetividade" que Homero e outros declamadores decidi-
envolvida na dinâmica de troca sonora, as relações interpessoais são
damente possuem é aquela imposta pela expressão formular: a reação
mantidas em tons extremos - tanto as atrações quanto, e sobretudo, os
do indivíduo não é expressa como simplesmente individual ou "subje-
antagonismos.
tiva", mas, antes, como uma reação encerrada na reação comunal, na
O outro lado das invectivas verbais ou dos vitupérios agonísticos "alma" comunal. Sob a influência da escrita, a despeito dos ataques
nas culturas orais ou residualmente orais é a expressão exagerada de feitos a ela, Platão excluíra os poetas de sua República, pois estudá-Ios
louvor que se encontra sempre associada à oralidade. Ela é bastante era essencialmente aprender a reagir com "alma", sentir-se identificado
conhecida nos poemas orais de louvor na África atual, já muito estudados com Aquiles ou Ulisses (Havelock 1963, pp. 197-233). Lidando com um
(Finnegan 1970; Opland 1975), assim como em toda a tradição retórica outro cenário oral primário, mais de 2 mil anos depois, os editores de
ocidental residualmente oral, da Antiguidade Clássica até fins do século 7be Mwindo Epic (1971, p. 37) chamam a atenção para uma identifica-
XVIII. "Aqui estou para enterrar César, não para falar em seu louvor", ção forte e semelhante de Candi Rureke, o declamador do poema épico,
exclama Marco Antônio em sua oração fúnebre no Júlio César de e, por intermédio dele, de seus ouvintes, com o herói Mwindo, uma
Shakespeare (v.ii.79), e então passa a fazer o elogio de César segundo os identificação que na realidade influi na gramática da narração, de modo
padrões retóricos do encômio, nos quais eram adestrados todos os que, eventualmente, o narrado r desliza para a primeira pessoa quando
escolares da Renascença e que Erasmo usou com tanta espirituosidade descreve as ações do herói. A ligação entre narrador, público e perso~
em seu Elogio da loucura. O elogio exagerado na antiga tradição retórica, nagem é tão íntima que Rureke faz com que o próprio personagem
residualmente oral, causa aos que pertencem a uma cultura altamente épico Mwindo se dirija aos escribas que tomam nota de sua declamação:
letrada uma impressão de falsidade, de presunção e de afetação ridícula. "Vamos, escriba!" ou "ó escriba, veja que eu já estou prosseguindo". Na
Porém, o elogio está de acordo com o mundo altamente polarizado, sensibilidade do narrado r e de seu público, o herói da apresentação oral
agonístico oral, do bem e do mal, da virtude e do vício, dos vilões e dos absorve no mundo oral até mesmo aqueles que, transcrevendo-o, estão
heróis. des-oralizando-o num texto.
QV'ando passam as gerações e o objeto ou a instituição a que se
refere o mundo arcaico já não fazem parte da experiência presente,
vivida, embora a palavra tenha sido conservada, seu significado é
Ao contrário das sociedades de cultura escrita, as sociedades orais geralmente alterado ou simplesmente desaparece. Os tambores africanos,
podem ser caracterizadas como homeostáticas (Goody e Watt 1968, pp. tal como usados, por exemplo, entre os lokele no leste do Zaire, expres-
31-34), isto é, elas vivem preponderantemente num presente que se sam-se em formas elaboradas que preservam certas palavras arcaicas que
mantém em equilíbrio ou homeostase, descartando-se de memórias que os executantes podem vocalizar, mas cujo significado já não conhecem
já não são relevantes para esse presente. (Carrington 1974, pp. 41-42; Ong 1977, pp. 94-95). Fossem quais fossem
As forças que governam a homeostase podem ser percebidas as coisas a que essas palavras se referissem, desapareceram da experiên-
quando se reflete sobre a situação das palavras num cenário oral primário. cia diária lokele, e o termo que permanece ficou vazio. Os versos ritmados
e os jogos transmitidos oralmente de geração a geração de crianças, até
As culturas tipográficas inventaram dicionários nos quais os vários signi-
mesmo em culturas de alta tecnologia, possuem palavras semelhantes que
ficados de uma palavra, tal como ela ocorre em textos datáveis, podem
ser registrados em definições formais. Assim, sabe-se que as palavras perderam seus significados referenciais originais e constituem pratica-
possuem camadas de significado, muitas das quais bastante irrelevantes mente sílabas sem sentido. Muitos exemplos dessa sobrevivência de
em relação aos significados comuns atuais. Os dicionários chamam a termos vazios podem ser encontrados em Opie e Opie (1952), que, como
atenção para discrepâncias semânticas. literatos, conseguem recuperar e comunicar os significados originais dos
termos perdidos a seus usuários orais atuais.
As culturas orais obviamente não possuem dicionários e têm
Goody e Watt (1968, pp. 31-33) citam exemplos impressionantes
poucas discrepâncias semânticas. O significado de cada palavra é contro-
da homeostase de culturas orais na transmissão de genealogias fornecidos
lado por aquilo que Goody e Watt (1968, p. 29) chamam de "ratificação
por Laura Bohannan, Emrys Peters e Godfrey e Monica Wilson. Nos
semântica direta", isto é, pelas situações da vida real em que a palavra é
últimos anos, descobriu-se que, entre o povo tiv da Nigéria, as genealo-
usada aqui e agora. A mente oral não está interessada em definições (Luria
gias de fato usadas oralmente na solução de disputas jurídicas divergem
1976, pp. 48-99). As palavras adquirem significados somente de seu
bastante das genealogias cuidadosamente registradas por escrito pelos
hábitat real sempre constante, que não consiste meramente, como num
ingleses 40 anos antes (em virtude de sua importância, nessa época
dicionário, em outras palavras, mas inclui também gestos, inflexões
também, em disputas jurídicas). Os tiv posteriores afirmaram que estavam
vocais, expressão facial e todo o cenário humano e existencial, em que a
usando as mesmas genealogias de 40 anos antes e que os registros
palavra real, falada, sempre ocorre. Os significados da palavra nascem
anteriormente escritos estavam errados. O que ocorreu foi que as genea-
continuamente do presente, embora os significados passados obviamente
logias posteriores haviam sido adaptadas às relações sociais que haviam
tenham moldado o significado presente em muitos e diferentes aspectos,
sofrido mudanças entre os tiv: eram as mesmas no sentido de que
já não reconhecidos.
funcionavam do mesmo modo para regulamentar o mundo real. A
É verdade que as formas artísticas orais, tais como o poema épico, integridade do passado estava subordinada à integridade do presente.
conservam algumas palavras, também, mediante o uso corrente, não o
Goody e Watt (1968, p. 33) relatam um caso ainda mais notavelmente
uso corrente de discursos cotidianos de aldeães, mas o uso corrente dos
específico de "amnésia estrutural" entre os gonja, em Gana. Registros
poetas épicos comuns, que preservam as formas arcaicas em seu vocabu-
escritos feitos pelos ingleses na virada do século XX mostram que a tradição
lário especial. Essas apresentações fazem parte da vida social cotidiana e,
oral gOnja de então apresentava Ndewura ]akpa, o fundador do estado de
portanto, as formas arcaicas são correntes, embora limitadas à atividade
Gonja, como pai de sete filhos, cada um dos quais governava uma das sete
poética. A memória do antigo significado de antigos termos, desse modo,
divisões territoriais do estado. Sessenta anos depois, à época em que os
tem uma certa durabilidade, que não é, no entanto, ilimitada.
I
mitos de estado foram novamente registrados, duas das sete divisões haviam de uma realidade individual, sensível; ele se refere a um conceito que não
desaparecido, uma por anexação a uma outra divisão, e a outra em virtude é desta ou daquela árvore, mas pode ser aplicado a qualquer árvore. Cada
de uma mudança de fronteira. Nestes últimos mitos, Ndewura Jakpa tinha objeto específico que intitulamos "árvore" é verdadeiramente "concreto",
cinco Hlhos e não se mencionava nenhuma das outras duas divisões simplesmente ele próprio, de modo algum "abstrato", mas o termo que
extintas. Os gonja ainda estavam em contato com seu passado, faziam aplicamos ao objeto individual é em si mesmo abstrato. Todavia, se todo
questão desse contato em seus mitos, mas a parte do passado sem nenhuma pensamento conceitual é assim, até certo ponto abstrato, alguns usos de
relevância visível para o presente havia simplesmente caído no esquecimen- conceitos são mais abstratos do que outros.
to. O presente impunha sua própria economia às lembranças passadas.
As culturas orais tendem a usar conceitos dentro de quadros de
Packard (1980, p. 157) chamou a atenção para o fato de que, na opinião de
referência situacionais, operacionais, que possuem um mínimo de abstra-
Claude Lévi-Strauss, T.O. Beidelman, Edmund Leach e outros, as tradições
ção, que permanecem próximos ao mundo cotidiano da vida humana.
orais refletem antes valores culturais presentes do que uma curiosidade
Existe uma vasta literatura sobre esse fenômeno. Havelock (1978a)
inútil sobre o passado. A seu ver, isso se aplica aos bashu, assim como
mostrou que os gregos pré-socráticos pensavam na justiça de modos antes
Harms (1980, p. 178) acha que se aplica aos bobangi.
operacionais do que formalmente conceituais, e a falecida Anne Amory
Devemos atentar aqui para as implicações desse fato em relação às Parry (1973) afirmou o mesmo sobre o epíteto amymon, aplicado por
genealogias orais. Um griot da África Oriental ou outro genealogista oral Homero a Egisto: o epíteto significa não "irrepreensível", uma abstração
recitará aquelas genealogias que seus ouvintes entendem. Se ele conhece considerável com a qual os literatos traduziram o termo, mas "belo-como-
genealogias que já não são pedidas, elas são descartadas de seu repertório um-guerreiro-pronto-para -a-Iuta-é-belo" .
e com o tempo desaparecem. As genealogias dos vencedores políticos
Nenhum estudo sobre o pensamento operacional é mais fecundo
têm evidentemente mais possibilidade de sobreviver do que as dos
para nossos objetivos presentes do que Cognitive development: lts cultural
vencidos. Henige (1980, p. 255), ao fazer um relato sobre as listas de reis
de Ganda e de Myoro, observa que o "modo oral... permite que partes
and socialfoundations [O desenvolvimento cognitivo: Seus fundamentos
culturais e sociais] (1976), de A.R. Luria. Seguindo indicações do psicólogo
inconvenientes do passado sejam esquecidas" em virtude das "exigências
soviético Lev Vygotsky, Luria realizou um vasto estudo de campo com
de continuidade do presente". Além disso, os narradores orais hábeis
indivíduos analfabetos (isto é, orais) e indivíduos com algum conheci-
deliberadamente variam suas narrativas tradicionais, porque faz parte de
mento da escrita nas regiões mais remotas do Usbequistão (a terra natal
sua habilidade a capacidade de adaptação a novos públicos e a novas
de Avicena) e Quirguízia, na União Soviética, durante 1931 e 1932. O livro
situações ou simplesmente de agradar. Um griot da África Ocidental
de Luria foi publicado na sua edição original russa apenas em 1974,
contratado por uma família real (Okpewho 1979, pp. 25-26, 247, n. 33; p.
quarenta e dois anos após o término de sua pesquisa, e traduzido para o
248, n. 36) adaptará sua declamação ao elogio de seus empregadores. As
inglês dois anos mais tarde.
culturas orais estimulam o triunfalismo, que, nos tempos modernos,
tendeu normalmente a desaparecer, à medida que as sociedades outrora O estudo de Luria proporciona uma compreensão mais adequada
orais se tornaram cada vez mais letradas. do funcionamento do pensamento fundado no oral do que as teorias de
Lucien Lévy-BruW (1923), que concluíra ser o pensamento "primitivo" (na
verdade, fundado no oral) "pré-Iógico" e mágico, no sentido de que se
baseava antes em sistemas de crença do que na realidade prática, ou do
que as teorias propostas pelos oponentes de Lévy-Bruhl, como Franz
Todo pensamento conceitual é até certo ponto abstrato. Um termo
Boas (não George Boas, como cita erroneamente Luria 1976, p. 8), que
tão "concreto" como "árvore" não se refere simplesmente a uma árvore
"concreta" específica, mas constitui uma abstração, extraída e distanciada
,círculos ou quadrados abstratos, mas, sim, com objetos concre-
afirmava que os povos primitivos pensavam como nós, mas usavam um
tos. Alunos de cursos para professores, por outro lado, com
conjunto diferente de categorias.
certo grau de cultura escrita, identificavam figuras geométricas
Dentro de um quadro rigoroso de referência teórica marxista, Luria por nomes categoricamente geométricos: círculos, quadrados,
ocupa-se até certo ponto de outras questões que não a das conseqüências triângulos e assim por diante 0976, pp. 32-39). Haviam sido
imediatas da cultura escrita, como "a economia individualista não regula- treinados para dar respostas escolares, não respostas tiradas da
mentada centrada na agricultura" e "o início da coletivização" 0976, p. 14), vida real.
e não codifica suas descobertas especificamente em termos de diferenças
2) Apresentaram-se aos sujeitos desenhos de quatro objetos, três
oralidade-cultura escrita. Mas, a despeito da ancoragem rigorosamente
pertencentes a uma categoria e o quarto a uma outra, e lhes
marxista, o relato de Luria gira claramente, na verdade, em torno das
pediram que agrupassem aqueles que eram semelhantes ou
diferenças entre oralidade e cultura escrita. Ele classifica os indivíduos
poderiam ser colocados num grupo ou designados por uma
entrevistados segundo uma escala que vai do analfabetismo a vários níveis
palavra. Uma série consistia em desenhos dos objetos martelo,
de cultura escrita moderada, e seus dados se encaixam claramente nas
serra, tora, machadinha. Os sujeitos analfabetos sempre pen-
classes dos processos noéticos fundados no oral, em oposição aos fundados
savam no grupo não em termos categoriais (três ferramentas;
no quirográfico. Os contrastes revelados entre os analfabetos (a grande
a tara não é uma ferramenta), mas em termos de situações
maioria dos seus sujeitos) e os alfabetizados são visíveis e certamente
práticas - "pensamento situacional" -, sem atentar absoluta-
significativos (muitas vezes, Luria chama explicitamente a atenção para esse
mente para o fato de que a classificação "ferramenta" se
fato) e mostram aquilo que o estudo mencionado e citado por Carothers
aplicava a todos os objetos, à exceção da tora. Quando se
(1959) também revela: um grau minimamente moderado de cultura escrita
trabalha com ferramentas e se vê uma tara, pensa-se em aplicar
faz uma enorme diferença nos processos mentais.
a ferramenta a ela, e não em manter a ferramenta longe daquilo
Luria e seus colegas reuniram dados durante longas conversas com para que foi feita - um jogo intelectual estranho. Um camponês
sujeitos no ambiente informal de uma casa de chá, apresentando as analfabeto de 25 anos: "São todos iguais. A serra irá serrar a
perguntas para a pesquisa em si de modo informal, como enigmas com tora e a machadinha irá cortá-Ia em pedacinhos. Se tiver de tirar
os quais os sujeitos estavam familiarizados. Desse modo, todos os um deles, jogo fora a machadinha. Ela não é tão boa para
esforços tiveram como objetivo adaptar as perguntas aos sujeitos em seu trabalhar quanto uma serra" 0976, p. 56). Quando lhe dizem
próprio meio. Estes não eram líderes em suas sociedades, mas temos que o martelo, a serra e a machadinha são todos ferramentas,
todos os motivos para crer que possuíam um nível normal de compreen- ele despreza a classe categorial e persiste no pensamento
são e eram bastante representativos da cultura. Entre as descobertas de situacional: "Sim, mas mesmo se tivermos ferramentas ainda
Luria, as seguintes podem ser apontadas como de especial interesse aqui: assim precisamos da madeira; do contrário, não podemos
construir nada" Cibid.). Quando lhe perguntam por que uma
outra pessoa rejeitara um item numa outra série de quatro que
1) Sujeitos analfabetos identificavam figuras geométricas atribuin- ele julgara pertencerem a uma mesma classe, respondeu:
do-Ihes os nomes de objetos, nunca abstratamente como "Provavelmente esse tipo de pensamento está em seu sangue."
círculos, quadrados etc. Um círculo seria chamado de prato,
Por outro lado, um jovem de 18 anos que estudara numa escola
peneira, balde, relógio ou lua; um quadrado seria chamado de
de aldeia durante apenas dois anos, não apenas classificou
espelho, porta, casa, plataforma de secagem de damasco. O
uma série análoga em termos categoriais, mas insistiu na
sujeitos de Luria identificavam os desenhos como repre-
correção da classificação quando foi contestado 0976, p. 74).
sentações das coisas reais que conheciam. Nunca lidavam com
Um trabalhador de 56 anos, num estágio apenas inicial de Metais preciosos não enferrnjam. O ouro é um metal precioso. Ele
alfabetização, misturou agrupamentos situacionais e catego- enfemJja ou não? Respostas típicas a essa indagação incluíram:
riais, embora com a predominância do último. Apresentada a "Metais preciosos enferrujam ou não? O ouro enferruja ou não?"
série machado, machadinha, foice, que deveria completar a (camponês, 18 anos); "Metal precioso enferruja. O ouro precioso
série serra, espiga, tora, ele completou a série com a serra - enferruja" (camponês analfabeto, 34 anos) (1976, p. 104). No
"São todas ferramentas de agricultura" -, mas depois reconsi- extremo norte, onde há neve, todos os ursos são brancos. Novaya
derou e acrescentou, a respeito da espiga, "Você pode segá-Ia Zemhla está no extremo norte e sempre há neve lá. De que cor são
com a foice" (1976, p. 72). A classificação abstrata não era os ursos?Eis uma resposta típica: "Não sei. Vi um urso negro. Nunca
inteiramente satisfatória. vi outros ... Cada localidade tem seus próprios animais" (1976, pp.
108-1(9). Você descobre de que cor são os ursos olhando para
Em determinados momentos de suas discussões, Luria tentou eles. Quem alguma vez ouviu falar de raciocinar, na vida prática,
ensinar a sujeitos analfabetos alguns princípios de classificação abstrata. sobre a cor de um urso polar? Além disso, como posso ter certeza
Porém, eles nunca os compreendiam completamente e, quando voltavam de que você está certo quando diz que todos os ursos são brancos
efetivamente a refletir sobre um problema por si mesmos, retomavam ao numa região coberta de neve? Quando o silogismo lhe é apresen-
situacional e não ao categorial (1976, p. 67). Estavam convencidos de que tado uma segunda vez, um dirigente de uma fazenda coletiva, de
o pensamento diferente do situacional, a saber, o categorial, não era 45 anos, no estágio apenas inicial de alfabetização, sai-se da
importante, não tinha interesse, era fútil (1976, pp. 54-55). O que nos seguinte forma: "A crer no que você diz, eles deveriam ser todos
lembra do relato de Malinowski (1923, p. 502) sobre como os "primitivos" brancos" (1976, p. 114). "A crer no que você diz" parece indicar a
(povos orais) possuem nomes para a fauna e a flora que são úteis em suas percepção das estruturas formais intelectuais. Algumas tinturas de
vidas, mas tratam as outras coisas da floresta como um fundo geral sem cultura escrita levam longe. Por outro lado, a cultura escrita
importância: "Isso é apenas 'mato'." "Somente um animal voador." limitada do dirigente deixa-o mais à vontade no mundo da vida
cotidiana interpessoal do que num mundo de puras abstrações: "A
crer no que você diz ..." É sua responsabilidade, não minha, se a
3) Sabemos que a lógica formal foi inventada pela cultura grega
resposta surge dessa forma.
depois de ter interiorizado a tecnologia da escrita alfabética, e
portanto fez de uma parte permanente de seus recursos noéticos
o tipo de pensamento que a escrita alfabética tornou possível. À Referindo-se ao estudo de Michael Cole e Sylvia Scribner na Libéria
luz desse conhecimento, os experimentos de Luria com as reações (1973), James Fernandez (1980) observou que um silogismo é auto-suficiente:
dos analfabetos ao raciocínio formalmente silogístico e inferencial suas conclusões derivam apenas de suas premissas. Ele aponta para o fato de
são particularmente esclarecedores. Em suma, seus sujeitos anal- que os indivíduos sem educação acadêmica não estão familiarizados com essa
fabetos pareciam não operar absolutamente com procedimentos regra básica especial, mas tendem, antes, em sua interpretação de dadas
dedutivos formais - o que não significa que não soubessem pensar afirmações, num silogismo, assim como em outras formas, a ir além das
ou que seu pensamento não fosse governado pela lógica, mas afirmações em si, como se faz normalmente nas situações da vida real ou nos
apenas que eles não adaptariam seu pensamento a formas pura- enigmas (comuns em todas as culturas orais). Eu acrescentaria a observação
mente lógicas, que parecem ter julgado desinteressantes. E por que de que o silogismo é, desse modo, como um texto, fixo, encerrado, isolado.
seriam interessantes? O silogismo está relacionado ao pensamento, Esse fato revela a base quirográfica da lógica. O enigma pertence ao mundo
mas em questões práticas ninguém trabalha em termos de silogis- oral. Para resolvê-Io, é preciso esperteza: usa-se o conhecimento, muitas vezes
mos formalmente expressos. profundamente inconsciente, para além das próprias palavras do enigma.
4) No trabalho de campo realizado por Luria, os pedidos de • retiradado centro para longe de qualquer situação o suficiente
definições dos objetos, até mesmo os mais concretos, encon- para permitir que o centro, o eu, seja examinado e descrito.
traram resistência. "Tente me explicar o que é uma álVore." Luria fez suas perguntas somente depois de uma longa conver-
"Por que eu deveria fazê-Io? Todo mundo sabe o que é uma sa sobre as características das pessoas e suas diferenças indivi-
álVore, não precisam que eu lhes explique", respondeu um duais 0976, p. 148). Perguntou-se a um homem de 38 anos,
camponês analfabeto, de 22 anos 0976, p. 86). Por que definir analfabeto, oriundo de uma região de pastagens nas monta-
se um cenário da vida real é infinitamente mais satisfatório do nhas (1976, p. 150): "Que tipo de pessoa é você, como é seu
que uma definição? Basicamente o camponês tinha razão. Não caráter, quais são suas boas qualidades e suas deficiências?
há como refutar o mundo da oralidade primária. Tudo o que Como você se descreveria?" "Eu cheguei aqui de Uch-Kurgan,
se pode fazer é afastar-se dele em direção à cultura escrita. era muito pobre e agora estou casado e tenho filhos." "Você
"Como você definiria uma álVore em duas palavras?" "Em duas está contente consigo mesmo ou gostaria de ser diferente?"
palavras? Macieira, olmo, álamo." "Suponhamos que você vá a "Seria bom se eu possuísse mais terra e pudesse plantar um
um lugar onde não haja carros. O que você diria às pessoas pouco de trigo." As circunstâncias exteriores dominam a aten-
[que um carro él?" "Se eu for, eu lhes direi que ônibus têm ção. "E quais são os seus defeitos?" "Este ano eu plantei um
quatro pernas, cadeiras em frente para as pessoas se sentarem, pood de trigo e estamos aos poucos corrigindo as deficiências."
um teto para sombra e uma máquina. Mas para ir direto ao Mais situações exteriores. "Bem, as pessoas são diferentes -
assunto, eu diria: 'Se você entrar num carro para dar uma volta, calmas, de gênio forte, ou às vezes sua memória não é boa. O
vai descobrir.''' O respondente enumera algumas característi- que você pensa de si mesmo?" "Nós nos comportamos bem -
cas, mas no fim retoma à experiência individual, situacional se fôssemos pessoas más, ninguém nos respeitaria" (1976, p.
0976, p. 87). 15). A auto-avaliação se ajustava à avaliação do grupo ("nós")
e era então tratada em termos das expectativas dos outros. Um
Por outro lado, um trabalhador alfabetizado de uma fazenda outro homem, um camponês de 36 anos, a quem se perguntou
coletiva, de 30 anos, diz: "É feito numa fábrica. Numa viagem, que tipo de pessoa ele era, respondeu com uma franqueza
pode percorrer a distância que um cavalo levaria dez dias para tocante e cordial: "O que posso dizer sobre meu próprio
cobrir - é muito veloz. Usa fogo e vapor. Primeiro temos de coração? Como posso falar sobre meu caráter? Pergunte aos
acender o fogo para que a água vire um vapor quente - o vapor outros; eles podem lhe dizer algo a meu respeito. Eu mesmo
dá potência à máquina ... Não sei se há água num carro, deve não posso dizer nada." O julgamento sobre um indivíduo vem
haver. Mas a água não é suficiente, também precisa de fogo" de fora, não de dentro.
0976, p. 90). Embora ele não estivesse bem informado, fez
uma tentativa de definir um carro. Sua definição, todavia, não
Estes são apenas alguns dos muitos exemplos fornecidos por Luria,
está centrada na descrição da aparência visual - esse tipo de
mas são típicos. Poderíamos argumentar que as respostas não eram mais
descrição está além da capacidade da mente oral-, mas é uma
favoráveis porque os entrevistados não estavam acostumados a se ver
definição em termos de suas operações.
diante desse tipo de perguntas, não importa o quão inteligentemente Luria
5) Os analfabetos de Luria têm dificuldade em articular uma os levasse a cenários semelhantes a enigmas. Mas a falta de familiaridade
auto-análise. A auto-análise requer um certo desmantelamento
do pensamento situacional. Exige isolamento do eu, em torno
do qual gira todo o mundo vivido para cada indivíduo, uma
é exatamente o ponto principal: uma cultura oral simplesmente não lida Os promotores dos testes de inteligência devem convir que as
com questões como figuras geométricas, categorização abstrata, proces- perguntas de nossos testes comuns de inteligência são talhadas para um
sos de raciocínio formalmente lógico, definições ou até mesmo descrições tipo especial de consciência, uma "consciência moderna", profundamente
abrangentes, ou auto-análise articulada, nenhum dos quais deriva sim- condicionada pela cultura escrita e pela impressão (Berger, 1978). De um
plesmente do próprio pensamento, mas do pensamento formado pelo indivíduo altamente inteligente de uma cultura oral ou residualmente oral
texto. As perguntas de Luria são perguntas de sala de aula, associadas ao deveríamos esperar normalmente que reagisse ao tipo de pergunta de
uso de textos e, na verdade, são semelhantes ou idênticas às perguntas Luria, como muitos de seus respondentes claramente fizeram, não respon-
de testes padronizados de inteligência, construídas por indivíduos perten- dendo à própria pergunta aparentemente insensata, mas tentando avaliar
centes à cultura escrita. Elas são legítimas, mas provêm de um mundo do o contexto enigmático como um todo (a mente oral totaliza): Para que ele
qual o respondente oral não faz parte. está me fazendo essa pergunta tola? O que ele está tentando fazer? (Ver
também Ong 1978, p. 4). "O que é uma árvore?" Ele está realmente
As reações dos sujeitos indicam que talvez seja impossível montar
esperando que eu responda a isso, quando ele e qualquer pessoa viu
um teste escrito ou mesmo um teste oral construído num cenário de
milhares de árvores? Posso lidar com enigmas. Mas isso não é um enigma.
cultura escrita que tivesse acesso, de modo rigoroso, às habilidades
Será um jogo? É claro que é um jogo, mas o indivíduo oral não conhece
intelectuais naturais de indivíduos de uma cultura fortemente oral. Glad-
as regras. As pessoas que fazem essas perguntas têm vivido com uma
win 0970, p. 219) observa que os habitantes da Ilha de Pulawat, no
sucessão ininterrupta de tais questões desde a infância e não estão
Pacífico Sul, respeitam seus navegadores, que precisam ser muito inteli-
conscientes de que estão usando regras especiais.
gentes em virtude de sua arte complexa e rigorosa, não porque os
considerem "inteligentes", mas tão somente porque são bons navegado- Numa sociedade com algum grau de cultura escrita, tal como a dos
res. Um habitante da África Central, a quem se perguntou o que pensava sujeitos de Luria, os analfabetos podem ter tido - e muitas vezes tiveram
do novo diretor da escola da aldeia, respondeu a Carrington 0974, p. 61); -, é claro, uma experiência direta do pensamento organizado segundo a
"Vamos observar um pouco como ele dança." As nações orais avaliam a cultura escrita da parte de outros. Terão ouvido, por exemplo, alguém ler
inteligência não sob o aspecto presumido de testes maquinados em composições escritas ou diálogos como os que somente pessoas perten-
manuais, mas dentro de contextos operacionais. centes à cultura escrita podem manter. Um mérito do estudo de Luria é
O assédio a estudantes ou a qualquer outro indivíduo com ques- mostrar que tais contatos ligeiros com a organização do conhecimento
tões analíticas desse tipo surge num estágio bastante tardio de textualida- própria da cultura escrita, pelo menos no que diz respeito a esse caso,
de. Essas perguntas estão ausentes, na verdade, não apenas das culturas podem não ter um efeito perceptível sobre os analfabetos. A escrita deve
orais, mas também das escritas. As questões em exames escritos passaram ser individualmente interiorizada para que possa influenciar os processos
de pensamento.
a ter um uso geral (no Ocidente) apenas muito depois que a impressão
produzisse seus efeitos sobre a consciência, milhares de anos após a Indivíduos que interiorizaram a escrita não apenas escrevem, mas
invenção da escrita. O latim clássico não possui uma palavra para "exame" também falam segundo os padrões da cultura escrita, isto é, organizam,
como o que "fazemos" hoje e no qual tentamos "passar" na escola. Até em diferentes graus, até mesmo sua expressão oral em padrões de
poucas gerações atrás, no Ocidente, e talvez ainda na maior parte do pensamento e padrões verbais que não conheceriam, a menos que
mundo atualmente, a prática acadêmica exigiu que os estudantes "recitas- soubessem escrever. Uma vez que a organização oral do pensamento não
sem" em classe, isto é, retomassem oralmente às afirmações do professor segue esses padrões, os pertencentes à cultura escrita julgaram ingênua
(fórmulas - a herança oral) que haviam memorizado nas exposições em essa organização. O pensamento oral, contudo, pode ser bastante sofisti-
classe ou nos manuais (Ong 1967b, pp. 53-76). cado e, a seu próprio modo, reflexivo. Narradores navajos de histórias
folclÓricas de animais podem dar explicações minuciosas das várias
•
implicações das histórias para uma compreensão de questões complexas que se conhecessem gravações sonoras não estava claro, uma vez que,
da vida humana, do fisiológico ao psicológico e ao ético, e estão na ausência da escrita, a única maneira de testar a repetição literal de
perfeitamente conscientes de coisas como incongruências físicas (por passagens longas seria a recitação simultânea das passagens por duas ou
exemplo, coiotes com bolas de âmbar como olhos) e da necessidade de mais pessoas juntas. Recitações sucessivas não podiam ser confrontadas
interpretar simbolicamente elementos das histórias (Toelken 1976, p. entre si. Porém, raramente se procuravam exemplos de recitação simul-
156). Afirmar que os povos orais são fundamentalmente não inteligentes, tânea em culturas orais. As pessoas pertencentes à cultura escrita conten-
que seus processos mentais são "toscos", é o tipo de julgamento que tavam-se simplesmente em admitir que a prodigiosa memória oral funcio-
durante séculos fez com que estudiosos afirmassem falsamente que, em nava, de algum modo, segundo seu próprio modelo textual literal.
virtude de os poemas homéricos mostrarem tanta habilidade, deveriam Ao avaliar de modo mais realista a natureza da memória verbal nas
ser essencialmente composições escritas. culturas orais primárias, os estudos de Milman Parry e Albert Lord
Também não devemos imaginar que o pensamento fundado no provaram novamente ser revolucionários. O estudo de Parry sobre os
oral seja "pré-lógico" ou "ilógico", em qualquer sentido simplista - tal poemas homéricos concentrou-se na questão. Parry demonstrou que a
como, por exemplo, no sentido de que os povos orais não compreendem llíada e a Odisséía eram essencialmente criações orais, fossem quais
relações causais. Eles sabem muito bem que, se empurrarmos com força fossem as circunstâncias que determinaram seu registro pela escrita. À
um objeto móbil, o empurrão fará com que ele se mova. A verdade é que primeira vista, essa descoberta pareceria confirmar a hipótese de memo-
eles não podem organizar concatenações complicadas de causas do tipo rização literal. A llíada e a Odisséia eram rigorosamente métricas. Como
analítico de seqüências lineares, as quais somente podem ser construídas poderia um cantor apresentar prontamente uma narrativa que consistisse
com o amemo de textos. As seqüências longas que eles produzem, tais de milhares de versos hexâmetros dactílicos, a menos que os tivesse
como as genealogias, não são analíticas, mas agregativas. Porém, as memorizado palavra por palavra? Aqueles que pertencem à cultura escrita
culturas orais podem produzir organizações de pensamento e de expe- e são capazes de recitar obras métricas extensas prontamente, memoriza-
riência incrivelmente complexas, inteligentes e belas. Para compreender ram-nas literalmente com base em textos. Parry 0928, in Pany 1971), no
como elas o fazem, será necessário discutir algumas das operações da entanto, lançou os alicerces de uma nova abordagem que podia explicar
memória oral. tal execução, com êxito, sem memorização literal. Como vimos no
capítulo 2, ele mostrou que os hexâmetros não eram simplesmente
compostos de unidades vocabulares, mas de fórmulas, grupos de palavras
para lidar com material tradicional, ajustando cada fórmula a um verso
hexâmetro. O poeta possuía um enorme vocabulário de frases postas em
hexâmetros. Com esse vocabulário hexâmetro, ele podia fabricar versos
A memória verbal é, compreensivelmente, um trunfo valorizado
metrificados exatos em quantidade infinita, à condição de que lidasse com
nas culturas orais. Mas o modo como a memória verbal funciona em
material tradicional.
formas artísticas orais é muito diferente daquele que os indivíduos
pertencentes à cultura escrita do passado comumente imaginaram. Numa Desse modo, nos poemas homéricos, para Ulisses, Heitor, Atena
cultura letrada, a memorização literal é geralmente feita com base em um ou ApoIo, assim como para os outros personagens, o poeta possuía
texto ao qual o memorizador retoma tantas vezes quanto necessário para epítetos e verbos que os adaptariam ao metro de forma exata quando,
aperfeiçoar e testar o domínio daquela memorização. No passado, os por exemplo, qualquer um deles devia ser apresentado dizendo algo.
pertencentes à cultura escrita geralmente assumiam que a memorização Metepbe polymetis Odysseus (falou o astuto Ulisses) ou prosepbe polymetis
oral numa cultura oral normalmente atingia o mesmo objetivo de repeti- Odysseus (falou o astuto Ulisses) ocorrem 72 vezes nos poemas (Milman
ção perfeitamente literal. Como tal repetição poderia ser verificada antes Parry 1971, p. 51). Ulisses é polymetís (astuto) não apenas porque tenha
,
essa natureza, mas também porque sem o epíteto polymetis ele não podia cantadas duas vezes do mesmo modo. Na sua essência, as mesmas
ser prontamente metrificado. Como se observou anteriormente, a adequa- fórmulas e os mesmos temas se repetiam, mas eram costurados ou
ção desses e de outros epítetos homéricos foi ingenuamente exagerada. "rapsodiados" diferentemente em cada reprodução, até pelo mesmo
O poeta possuía milhares de outras fórmulas métricas de funcionamento poeta, dependendo da reação do público, do estado de espírito do poeta
análogo, que podiam se adaptar a suas diversas necessidades métricas ou da ocasião, assim como de outros fatores sociais e psicológicos.
praticamente qualquer situação, indivíduo, coisa ou ação. Na verdade, a
As gravações das apresentações dos bardos do século XX foram
maioria das palavras na llíada e na Odisséia ocorrem como partes de
complementadas com gravações de entrevistas com eles. Com base nessas
fórmulas identificáveis.
entrevistas e na observação direta, sabemos como os bardos aprendem:
O estudo de Parry mostrou que fórmulas metricamente talhadas ouvindo, durante meses e anos, outros bardos que nunca cantam uma
controlavam a composição do antigo épico grego e que as fórmulas podiam narrativa do mesmo modo duas vezes, mas que usam repetidas vezes as
ser deslocadas muito facilmente, sem que interferissem na linha narrativa fórmulas-padrão relativas aos temas-padrão. As fórmulas sofrem alguma
ou no estilo do poema épico. Os cantores orais realmente deslocavam as variação, é claro, assim como os temas, e a "rapsodização" do poeta, ou o
fórmulas, de modo que cada uma das versões metricamente regulares da "alinhavamento" de narrativas, diferirá visivelmente de um para outro.
mesma história diferisse quanto ao fraseado? Ou a história era dominada Certos torneios de frases serão idiossincráticos. Basicamente, porém, o
literalmente, de modo a ser reproduzida exatamente em cada apresentação? material, os temas e as fórmulas, assim como sua utilização, pertencem a
Uma vez que todos os poetas homéricos pré-textuais haviam morrido havia uma tradição claramente identificável. A originalidade não consiste em
mais de 2 mil anos, não podiam ser gravados para uma prova conclusiva. introduzir novo material, mas em adaptar o material tradicional de modo
Porém, uma prova decisiva estava disponível nos poetas narrativos vivos na eficaz a cada situação específica, única, e/ou ao público.
Iugoslávia moderna, país adjacente à antiga Grécia e que em parte sobre-
As façanhas mnemônicas desses bardos orais são notáveis, mas
punha-se a ela. Parry encontrou esses poetas compondo narrativas épicas
diferem daquelas associadas à memorização de textos. Os pertencentes à
orais para as quais não havia texto. Seus poemas narrativos, como os de
cultura escrita ficam comumente surpresos ao saber que o planejamento
Homero, eram métricos e formulares, embora seu verso métrico fosse
do bardo para repetir a história que ouviu apenas uma vez deve muitas
diferente do antigo hexâmetro dactílico grego. Lord continuou e ampliou o
vezes esperar um dia ou dois após ele tê-Ia ouvido. Na memorização de
trabalho de Parry, construindo a enorme coleção de gravações orais dos
um texto escrito, adiar sua recitação geralmente enfraquece sua lembran-
poetas narrativos iugoslavos de nossa época, agora na Parry Collection da
ça. Um poeta oral não está trabalhando com textos ou numa moldura
Universidade de Harvard.
textual. Ele precisa de tempo para deixar que a história mergulhe em seu
A maioria desses poetas narrativos eslavos do sul ainda vivos - e, próprio estoque de temas e fórmulas, tempo para "se emprenhar" da
na verdade, os melhores - é analfabeta. Aprender a ler e escrever história. Quando recorda e reconta a história, em nenhum sentido literal
incapacita o poeta oral, como Lord descobriu: introduz em sua mente o da palavra ele "memorizou" a reprodução métrica da versão do outro
conceito de um texto como controlador da narrativa e por isso interfere cantor - uma versão que há muito tempo desapareceu no momento em
nos processos de composição oral, que nada têm a ver com textos, mas que o novo cantor está meditando sobre a história para sua nova
são "a recordação de canções cantadas" (Peabody 1975, p. 216). reprodução (Lord 1960, pp. 20-29). O material fixo na memória do bardo
A memória de canções dos poetas orais é ágil: "Não era raro" é um veículo de temas e fórmulas com os quais todas as histórias são
deparar com um bardo iugoslavo cantando "versos de 10 a 20 sílabas por construídas de diferentes modos.
minuto" (Lord 1960, p. 17). Uma comparação entre as canções gravadas, Uma das descobertas mais reveladoras no estudo de Lord foi a de
no entanto, revela que, embora metricamente regulares, elas nunca eram que, embora os cantores estejam conscientes de que dois diferentes
J
cantores nunca cantam a mesma canção de modo idêntico, um cantor exemplo, Goody 0977, pp. 118-119) relata como, entr~ os lodagaa do
replicará que pode fazer sua própria versão de uma canção, verso por norte de Gana, onde a Invocação ao Bagre, como o pal-Noss.o entre _os
verso e palavra por palavra, quando quiser e "exatamente igual daqui a cristãos, é "algo que todo mundo 'sabe"', as reproduções da mvocaçao,
20 anos" (Lord 1960, p. 27). Todavia, quando suas supostas reproduções no entanto, não são absolutamente estáveis. A invocação consiste a?enas
literais são gravadas e comparadas, verifica-se que são sempre diferentes, de "mais ou menos uma dúzia de versos" e, quando se conhece a hngua,
embora as canções sejam versões reconhecíveis da mesma história. como Goody, e pronuncia-se a frase inicial da invocação, o ouvinte toma
"Palavra por palavra e verso por verso", como interpreta Lord 0960, p. o refrão, corrigindo todos os erros que julga que se esteja cometendo.
28), é simplesmente um modo enfático de dizer "semelhante". "Verso" é Todavia, a gravação mostra que a elocução da invocação pode variar
obviamente um conceito textual e até mesmo o conceito de "palavra" co nsideravelmente de uma recitação para outra, até mesmo no caso ..de
como uma entidade discreta, separada do fluxo discursivo, parece ser recitações pelo mesmo indivíduo, ou por indivíduos que irão cornglr
algo textual. Goody (1977, p. 115) chamou a atenção para a possibilidade quem recita quando a versão não corresponde a sua versão (corrente).
de uma linguagem inteiramente oral que possui um termo para discurso As descobertas de Goody, assim como as de outros (Opland 1975;
em geral, ou para uma unidade rítmica de uma canção, ou para uma 1976), evidenciam que os povos orais às vezes tentam a repetição literal
elocução, ou para um tema, não possuir um termo pronto para "palavra" de poemas ou de outras formas artísticas orais. O que conseguem? ~a
como um item isolado, um "pedaço" de discurso, como em "Esta última maioria das vezes, o mínimo, segundo os padrões de uma cultura escnta.
frase consiste de 26 palavras". Ou não? Talvez sejam 28. Se não se pode Opland 0976, p. 114) registra esforços reais, na África do Sul, de repetição
escrever, "pára-raios" constitui uma palavra ou duas? A percepção de literal e seus resultados: "Qualquer poeta na comunidade repetirá do
palavras individuais como itens significativamente discretos é alimentada poema que consta de meu teste limitado, pelo menos 60% em relação às
pela escrita, que, aqui como em qualquer outra parte, é dierética, outras versões." Êxito e ambição dificilmente se igualam aqui. Sessenta
separativa. (Os antigos manuscritos tendem não a separar as palavras por cento de exatidão na memorização ganhariam uma nota muito baixa
claramente umas das outras, mas a juntá-Ias.) na aula de recitação de um texto ou na reprodução do texto de uma peça
Significativamente, cantores analfabetos na cultura altamente letra- teatral por um ator.
da da moderna Iugoslávia desenvolvem e manifestam posições em Muitos casos de "memorização" de poesia oral citados como provas
relação à escrita (Lord 1960, p. 28). Admiram a cultura escrita e acreditam de "composição prévia" pelo poeta, tal como nos exemplos em Finnegan
que uma pessoa alfabetizada pode fazer ainda melhor o que eles fazem, 0977, pp. 76-82), não parecem ter uma exatidão literal maior. Na verdade,
isto é, recriar uma canção longa depois de ouvi-Ia apenas uma vez. Isso Finnegan afirma apenas "estreita semelhança em trechos que atingem
é exatamente o que os alfabetizados não são capazes de fazer, ou fazem uma repetição palavra por palavra" 0977, p. 76) e "um número muito
somente com dificuldade. Assim como os pertencentes à cultura escrita maior de repetição verbal e verso por verso do que se poderia esperar da
atribuem tipos de realizações letradas aos executores orais, também os analogia iugoslava" 0977, p. 78; sobre a validade dessas comparações e
executores orais atribuem tipos de realizações orais a alfabetizados. o sentido discutível da "poesia oral" em Finnegan, ver Foley 1979).
Há muito tempo (960), Lord mostrou a aplicabilidade da análise Todavia estudos recentes trouxeram à luz alguns exemplos de
oral-formular ao inglês arcaico (Beowulj), e outros mostraram diferentes memorização I~teralmais exata entre povos orais. Um é o da verbalização
modos pelos quais os métodos oral-formulares ajudam a explicar a ritual entre os canas, na costa panamenha, relatado por Joel Sherzer
composição oral ou residualmente oral da Idade Média européia, em (1982). Em 1970, Sherzer gravara uma fórmula longa e mágica de um rito
.~ alemão, francês, português e outras línguas (ver Foley 1980b). Em todo o da puberdade sendo ensinada por um homem, que era especialista em
, mundo, trabalhos de campo corroboraram e ampliaram o estudo feito por ritos de puberdade de meninas, a outros especialistas como ele. Sherzer
Parry e, de modo muito mais detalhado, por Lord na Iugoslávia. Por
í
retomou em 1979 com uma transcrição que havia feito da fórmula e seus aprendizes na recitação literal do cântico por meio de uma disciplina
descobriu que o mesmo homem podia repeti-Ia literalmente, fonema por rigorosa durante vários anos e conseguem resultados notáveis, embora
fonema. Embora esse autor não estabeleça o âmbito ou a duração da eles próprios façam, nas suas próprias recitações, mudanças das quais não
fórmula literal exata em questão, dentro de qualquer grupo determinado se dão conta. Certos movimentos na narrativa são mais propensos a erros
de especialistas em fórmulas, por um dado período de tempo, o exemplo do que outros. Em certas partes, a música estabiliza inteiramente o texto,
apresentado por ele é o de uma reprodução literal claramente bem-suce- mas em outras gera erros dos mesmos tipos encontrados nas cópias de
dida. (Os exemplos citados por Sherzer 1982, n. 3, com base em Finnegan manuscritos, como os feitos pelo h01110ioteleuton - um copista (ou
1977, como já indicamos, parecem todos discutíveis ~ na melhor das executor oral) pula da ocorrência de uma frase final para uma outra
hipóteses - e, portanto, não equivalentes a seu próprio exemplo.) ocorrência da mesma frase final, omitindo o material intermediário.
Dois outros exemplos comparáveis ao de Sherzer mostram a Novamente, aperfeiçoou-se aqui a reprodução literal de um tipo - não
reprodução literal de material oral alimentada não por uma moldura ritual, totalmente invariável, porém notável.
mas por restrições lingüísticas ou musicais especiais. Um é da poesia Embora em todos esses exemplos a produção de poesia oral ou
clássica somali, que tem um padrão de escansão aparentemente mais outra verbalização oral por uma memória conscientemente desenvolvida
complexo e rígido do que o do antigo poema épico grego, de modo que não seja idêntica à prática oral-formular da Grécia homérica ou da
a linguagem não pode variar tão prontamente. John william Johnson moderna Iugoslávia ou de inúmeras outras tradições, a memorização
observa que os poetas orais somalis "aprendem as regras da prosódia de literal aparentemente não liberta inteiramente os processos noéticos orais
uma maneira muito semelhante, senão idêntica, à que aprendem a própria da dependência de fórmulas, se é que não a aumenta. No caso da poesia
gramática" 0979b, p. 118; ver também Johnson 1979a). Eles não conseguem oral somali, Francesco Antinucci mostrou que essa poesia possui não
estabelecer quais são as regras métricas, assim como não conseguem estabe- apenas restrições fonológicas, métricas, mas também sintáticas. Isto é,
lecer as regras da gramática somali. Os poetas somalis não compõem e apenas certas estruturas sintáticas específicas ocorrem nos versos dos
se apresentam normalmente ao mesmo tempo, mas constróem uma poemas: em exemplos apresentados por Antinucci, apenas dois tipos de
composição em particular, palavra por palavra, que depois recitam eles estruturas sintáticas em centenas de outros possíveis 0979, p. 148).
próprios em público ou encarregam outro de fazê-lo. Novamente, esse Indubitavelmente, trata-se de composição formular, pois as fórmulas nada
caso constitui mais um exemplo claro de memorização literal oral. mais são do que "restrições" e aqui estamos lidando com fórmulas
Evidentemente, qual seria o grau de estabilidade da verbalização por um sintáticas (que são também encontradas na economia dos poemas com
período de tempo qualquer (vários anos, uma década ou mais) ainda está que Pany e Lord trabalharam). Rutledge (981) chama a atenção para o
por ser investigado. caráter formular do material presente nos cânticos Heike, que, na verda-
de, são formulares a ponto de conter muitas palavras arcaicas, cujos
O segundo exemplo mostra como a música pode atuar como uma
significados os mestres nem mesmo conhecem. Sherzer (982) também
restrição para fixar uma narrativa literal oral. Com base em seu próprio
chama particularmente a atenção para o fato de que as enunciações nas
trabalho de campo minucioso no Japão, Eric Rutledge (981) dá informa-
quais pôde verificar uma recitação literal são construídas com elementos
ções sobre uma tradição japonesa, ainda existente porém em declínio, na
formulares análogos aos das apresentações orais do tipo comum, rapsó-
qual uma narrativa oral, 1be tale of the Heike [O conto do Heikel, é
dico, não literal. Ele propõe que se pense num continuu111 entre o uso
entoada com música, com algumas poucas partes em "voz pura", desa-
"fixo" e o "flexível" de elementos formulares. Às vezes, os elementos
companhadas de instrumentos, e alguns interlúdios puramente instru-
formulares são arranjados de forma a tentar estabelecer uma uniformida-
mentais. A narrativa e o acompanhamento musical são memorizados por
de literal, às vezes funcionam para efetuar uma certa adaptabilidade ou
aprendizes, que começam ainda muito novos, trabalhando com um
variação (embora os usuários dos elementos formulares, como mostrou
mestre oral. Os mestres (não há nenhum vivo) encarregam-se de treinar
Lord, possam geralmente julgar "fixo" um uso que, na verdade, é "flexível" rização literal dos Vedas datam de 1906 ou 1927 (Kiparsky 1976, pp.
ou variável). A proposta de Sherzer é sem dúvida judiciosa. 99-100), antes que Parry completasse qualquer dos seus estudos, ou de
1954 (Bright 1981), antes dos de Lord (1960) e de Havelock (1963). Em
A memorização oral merece um estudo mais extenso e mais detalha-
do, especialmente em rituais. Os exemplos literais de Sherzer são rituais, e Tbe destiny of the Veda in India [O destino do Veda na Índia] (1965), o
Rutledge sugere em seu trabalho - e afirma explicitamente numa carta célebre indólogo francês e tradutor do Rig-Veda, Louis Renou, nem
dirigida a mim (22 de janeiro de 1982) - que os cânticos Heike têm uma mesmo se dá conta dos tipos de indagações levantadas pela obra de Parry.
moldura ritualística. Chafe (982), tratando especificamente da língua Não há dúvida de que a transmissão oral foi importante na história
sêneca, sugere que a linguagem ritual, comparada à coloquial, é semelhante dos Vedas (Renou 1965, pp. 25-26 - #26 - e notas, pp. 83-84). Os
à escrita pelo fato de que "possui uma estabilidade que a linguagem professores brâmanes, ou gurus, e seus discípulos dedicam ~ntensos
coloquial não possui. O mesmo ritual oral é apresentado repetidas vezes: esforços à memorização literal, cruzando as palavras em diferentes
não literalmente, com certeza, mas com um conteúdo, um estilo e uma padrões para garantir o domínio oral de suas posições umas em relação
estrutura formular que permanecem constantes de execução para execu- às outras (Basham 1963, p. 164), embora chegar a uma conclusão sobre
ção." Em suma, tudo indica que, nas culturas orais em geral, decididamente a questão de ter este último padrão sido habitualmente usado antes que
a grande maioria da recitação oral tende para a finalidade adaptável do um texto houvesse sido desenvolvido pareça ser um problema insolúvel.
continuum, até mesmo no ritual. Mesmo em culturas que conhecem a Na esteira dos estudos recentes sobre memória oral, no entanto, surgem
escrita e dela dependem, mas conservam um contato vivo com a oralidade indagações quanto aos modos como a memória dos Vedas realmente
primitiva - isto é, conservam um alto grau de resíduo oral - a própria funcionava num cenário puramente oral - se é que houve um tal cenário
enunciação ritual muitas vezes não é tipicamente literal. "Fazei-o em minha para os Vedas inteiramente independente de textos. Sem um texto, como
memória", disse Jesus na Última Ceia (Lucas 22:19). Os cristãos celebram a poderia um determinado hino - para não falar da totalidade dos hinos
Eucaristia como seu ato fundamental de culto em virtude das instruções de das coleções - ser estabilizado palavra por palavra, e isso através de
Jesus. Porém, as palavras cruciais que os cristãos repetem como sendo as muitas gerações? Afirmações, feitas de boa fé por indivíduos pertencentes
palavras de Jesus, ao cumprir sua instrução (isto é, as palavras "Este é o meu a culturas orais, de que as reproduções são idênticas, palavra por palavra,
corpo ...; este é o cálice de meu sangue ..."), não aparecem exatamente da como vimos, podem ser totalmente contrárias aos fatos. Meras declarações,
mesma maneira nas duas vezes em que são citadas no Novo Testamento. freqüentemente feitas por indivíduos pertencentes às culturas escritas, de
A antiga Igreja cristã lembrava de forma pré-textual, oral, até mesmo em que tais textos longos foram conservados literalmente através de gerações
seus rituais textualizados, inclusive naquelas exatas passagens de que numa sociedade inteiramente oral já não podem ser admitidas sem
deveria lembrar com maior freqüência. verificação. O que foi conservado? A primeira recitação de um poema por
aquele que lhe deu origem? Como poderia ele repeti-Io palavra por
Muitas vezes se menciona a memorização oral literal dos hinos
palavra uma segunda vez e ter certeza de que o fizera? Uma versão
vedas na Índia, provavelmente em completa independência de quaisquer
produzida por um professor extremamente poderoso? Isso parece possí-
textos. Tais afirmações, tanto quanto sei, nunca foram avaliadas com
vel. Porém, a produção de sua própria versão mostra uma variabilidade
referência às descobertas de Parry e de Lord, assim como outras relativas
na tradição e sugere que, na boca de um outro professor igualmente
à "memorização" oral. Os Vedas são coleções extensas e antigas, prova-
capaz, poderiam surgir outras tantas variações, deliberadas ou não.
velmente compostas entre 1500 e 900 ou 500 a.c. - a variação que deve
ser permitida nas datas possíveis mostra como são vagos os contatos de De fato, os textos védicos - nos quais baseamos nosso conheci-
nossa época com os cenários originais nos quais se desenvolveram os mento dos Vedas atualmente - têm uma história complexa e muitas
hinos, as orações e as fórmulas litúrgicas que compõem essas coleções. variantes, fatos que parecem sugerir que dificilmente se originaram de
As referências típicas ainda citadas atualmente para comprovar a memo- uma tradição oral absolutamente literal. Com efeito, a estrutura formular
f
e temática dos Vedas, visível até mesmo em traduções, relaciona-os a descrições de bardos incluem instrumentos de corda ou tambores". (Ver
outras execuções orais conhecidas por nós e indica que exigem outros também Lord 1960; Havelock 1978a, pp. 220-222; Biebuyck e Mateene 1971,
estudos relacionados ao que se descobriu recentemente sobre elementos frontispício.) A esses casos, podemos acrescentar outros exemplos de
formulares, elementos temáticos e mnemânica oral. O trabalho de Peabo- atividade manual, tais como a gesticulação, muitas vezes elaborada e
dy (975) já encoraja claramente tal estudo em sua análise das relações estilizada (Scheub 1977), e outras atividades corporais tais balançar para a
entre a tradição indo-européia mais antiga e a versificação grega. Por frente ou para trás, ou dançar. O Talmude, não obstante seja um texto, ainda
exemplo, a alta incidência de redundância ou sua ausência nos Vedas é vocalizado por judeus ortodoxos altamente orais em Israel com um
poderia, por si só, indicar até que ponto sua proveniência é mais ou balançar do dorso para a frente e para trás, como eu mesmo testemunhei.
menos oral (ver Peabody 1975, p. 173). A palavra oral, como já observamos, nunca existe num contexto
Em todos os casos, literal ou não, a memorização oral está sujeita puramente verbal, como ocorre com a palavra escrita. As palavras
à variação proveniente de pressões sociais diretas. Os narradores narram proferidas são sempre modificações de uma circunstância total, existencial,
o que o público deseja ou permite. Quando o mercado para um livro que sempre envolve o corpo. A atividade corporal que acompanha a mera
impresso decresce, as prensas param de rolar, mas milhares de cópias vocalização não é eventual ou arquitetada na comunicação oral, mas
podem permanecer. Quando o mercado para uma genealogia oral desa- natural e até mesmo inevitável. Na verbalização oral, particularmente a
parece, também o faz a própria genealogia, completamente. Como se pública, a imobilidade absoluta é em si um gesto que impressiôna.
observou (p. 60), as genealogias dos vencedores tendem a sobreviver (a
se aperfeiçoar); as dos vencidos tendem a desaparecer (ou a se reformu-
lar). A interação com o público vivo pode interferir ativamente na
estabilidade verbal: as expectativas do público podem contribuir para a
fixação dos temas e das fórmulas. Tais expectativas me foram impostas
Boa parte da explicação anterior da oralidade pode ser usada para
há alguns anos por uma de minhas sobrinhas, uma menininha ainda
identificar o que pode ser chamado de culturas "verbomotoras", isto é,
pequena o bastante para preservar uma mentalidade claramente oral
culturas nas quais, ao contrário do que ocorre nas culturas de alta
(embora infiltrada pela cultura escrita a sua volta). Eu estava lhe contando
tecnologia, desenvolvimentos de ação e atitudes em relação a questões
a história dos "Três porquinhos": "Ele soprou e bufou e soprou e bufou
dependem significativamente mais do uso efetivo de palavras, e portanto
e soprou e bufou". Cathy empertigou-se diante da fórmula que usei. Ela
da interação humana, e significativamente menos do contato não-verbal,
conhecia a história, e minha fórmula não era a que esperava. "Ele soprou
muitas vezes predominantemente visual do mundo "objetivo" das coisas.
e bufou e bufou e soprou e soprou e soprou e bufou", disse ela, fazendo
Jousse (925) usava seu termo verbomoteur para se referir principalmente
um beicinho. Reformulei a narrativa, cedendo à exigência do público por
às culturas antigas hebraica e aramaica e outras adjacentes, que tinham
aquilo que havia sido dito antes, como outros narradores orais devem ter
algum conhecimento da escrita, mas permaneciam basicamente mais
feito muitas vezes.
orais e orientadas pela palavra do que orientadas pelo objeto quanto a
Finalmente, é preciso observar que a memória oral difere significati- seu estilo de vida. Estamos expandindo seu uso aqui para incluir todas as
vamente da memória textual pelo fato de a memória oral possuir um culturas que conservam resíduo oral suficiente para permanecer signifi-
componente altamente somático. Peabody 0975, p. 197) apontou que "em cativamente atentas mais à palavra, num contexto caracterizado por uma
todas as partes do mundo e em todas as épocas (. ..) a composição interação entre indivíduos (o tipo oral de contexto), do que ao objeto. É
tradicional foi associada à atividade manual. Os aborígines da Austrália e de preciso fazer a ressalva, no entanto, de que palavras e objetos nunca estão
outras regiões muitas vezes fazem figuras de cordão juntamente com suas totalmente separados: as palavras representam objetos, e a percepção
canções. Outros povos manipulam contas em cordões. A maioria das destes é em parte condicionada pelo estoque de palavras nos quais se
determinada passagem, a unidade do grupo desaparecerá assim que cada
aninham as percepções. A natureza não estabelece "fatos"; eles somente
indivíduo entrar em seu mundo privado. Um exemplo do contraste entre
surgem no interior de afirmações construí das por seres humanos para se
oralidade e cultura escrita, nesse aspecto, encontra-se no relatório de #
referir à teia descosida da realidade a sua volta.
Carother (959) sobre a prova de que os povos orais comumente exteriori- ;; .
As culturas que estamos aqui denominando verbomotoras prova- zam o comportamento esquizóide, ao passo que os letrados o interiorizam.
velmente causam ao homem tecnológico a impressão de supervalorizar o Os letrados muitas vezes manifestam tendências (perda de contato com o
próprio discurso, superestimar e certamente fazer um uso excessivo da meio ambiente) por um recolhimento em seu mundo de sonhos (sistema-
retórica. Nas culturas orais primárias, nem mesmo os negócios são tização onírica esquizofrênica); os povos orais comumente manifestam suas
meramente negócios: são fundamentalmente retórica. Comprar algo em tendências esquizóides por uma confusão exterior extrema, que muitas
um souk ou bazar do Oriente Médio não é uma simples transação vezes os leva a um ato violento, até mesmo à mutilação de si mesmos ou
econômica, como seria no Woolworth's e como uma cultura de alta de outros. Esse comportamento é freqüente o bastante para ter dado origem
tecnologia imaginaria que fosse na natureza das coisas. Ao contrário, é a termos especiais para designá-Io: o antigo guerreiro escandinavo fica
uma série de manobras verbais (e somáticas), um duelo polido, uma berserk; o indivíduo do sudeste da Ásia, amok.*
disputa de talentos, uma operação de agonística oral.
Em culturas orais, um pedido de informação é comumente interpre-
tado interativamente (Malinowski 1923, pp. 451, 470-481), como agonístico
e, ao contrário de obter realmente uma resposta, é freqüentemente desvia-
do. Uma história esclarecedora é contada por um visitante ao condado de A tradição heróica da cultura oral primária e da cultura escrita
Cork, na Irlanda, uma região particularmente oral em um país em que todas primitiva, com seu enorme resíduo oral, está relacionada ao estilo de vida
as regiões conservam alto grau de oralidade residual. O visitante viu um agonístico, mas é construída segundo as necessidades dos processos
habitante de Cork encostado no edifício do correio. Dirigiu-se a ele, bateu noéticos orais. A memória oral trabalha eficientemente com personagens
com a mão na parede do edifício, perto do ombro do homem e perguntou: "fortes", indivíduos cujas façanhas são notáveis, memoráveis e geralmente
"É aqui o correio?" O homem não se deixou enganar. Olhou para seu notórias. Desse modo, a economia noética própria a ela gera figuras de
inquiridor calmamente e com grande preocupação: "Você por acaso não tamanho descomunal, isto é, figuras heróicas não por motivos românticos
estaria procurando um selo, não é?" Ele tratou a pergunta não como um ou deliberadamente didáticos, mas por motivos muito mais fundamentais:
pedido de informação, mas como algo que o perguntador estava lhe organizar a experiência numa forma permanentemente memorável. Per-
fazendo. Assim, ele fez algo, por sua vez, àquele que lhe fazia uma pergunta sonalidades apagadas não podem sobreviver na mnemônica oral. Para
para ver o que aconteceria. Qualquer nativo de Cork, segundo a mitologia, garantir peso e memorabilidade, as figuras heróicas tendem a constituir
lida com todas as perguntas desse modo. Sempre responde a uma pergunta figuras-tipo: o sábio Nestor, o furioso Aquiles, o astuto Ulisses, o compe-
fazendo outra. Nunca baixe sua guarda oral. tentíssimo Mwindo ("Pequenino-Recém-Nascido-Que-Andava", Kábútwa-
A oralidade primária alimenta as estruturas de personalidade que de kénda, seu epíteto usual). A mesma economia mnemônica ou noética
certo modo são comunais e exteriorizadas, e menos introspectivas do que impõe-se ainda nos lugares em que as molduras orais persistem em
as comuns entre os pertencentes à cultura escrita. A comunicação oral culturas escritas, como na narrativa de contos de fadas para crianças: a
agrupa as pessoas. Escrever e ler constituem atividades solitárias que atraem extraordinariamente inocente Chapeuzinho Vermelho, o imensamente
a psique para dentro de si mesma. Um professor que fala a sua classe, que perverso lobo, o caule incrivelmente longo do pé de feijão que João tem
ele percebe - e que percebe a si própria - como um grupo intimamente
ligado, descobre que, se pedir a ela para pegar seus manuais e ler uma
de escalar - pois figuras não-humanas adquirem dimensões heróicas resumidamente podemos tratar dessa questão aqui. Ela foi abordada por
também. Aqui, figuras bizarras acrescentam um outro auxílio mnemônico: mim com maiores detalhes e maior profundidade em rbe presence of the
é mais fácil lembrar os CicIopes do que um monstro de dois olhos, ou word [A presença da palavra], obra à qual remeto o leitor interessado
Cérbero do que um cão com uma só cabeça (ver Yates 1966, pp. 9-11, (1967b, Índice).
65-67). Agrupamentos numéricos formulares são também mnemonica- Para testar o interior físico de um objeto como interior, nenhum
mente úteis: os Sete Contra Tebas, as Três Graças, as Três Parcas e assim sentido funciona de modo tão eficaz quanto o som. O sentido humano
por diante. Não se pretende negar que outras forças, além da mera da visão é mais adaptado à luz refletida difusamente pelas superfícies. (A
utilidade mnemônica, produzam figuras heróicas e agrupamentos. A reflexão difusa, de uma página impressa ou uma paisagem, contrasta com
teoria psicanalítica pode explicar boa parte dessas forças. Numa economia a reflexão especular, de um espelho.) Uma fonte de luz, tal como um
noética oral, no entanto, a utilidade mnemônica constitui uma condição fogo, pode ser interessante, mas é opticamente desconcertante: a vista
sine qua non, e sejam quais forem as outras forças, sem o molde não pode se "concentrar" em nada dentro do fogo. De modo análogo, um
mnemônico adequado de verbalização, as figuras não sobreviverão. objeto translúcido, como um alabast!o, é interessante, porque, embora
À medida que a escrita e, por fim, a impressão gradativamente não seja uma fonte de luz, a vista também não pode se "concentrar" nele.
alteram as velhas estruturas noéticas orais, a narrativa se constrói cada vez A profundidade pode ser percebida pela vista, porém de forma muitíssi-
menos sobre figuras "fortes" até que, após cerca de três séculos de mo agradável como uma série de superfícies: os troncos de árvores em
impressão, ela possa se mover confortavelmente no mundo da vida um bosque, por exemplo, ou cadeiras em um auditório. A vista não
humana comum, típico do romance. Aqui, no lugar do herói, encontra- percebe um interior estritamente como um interior: dentro de um apo-
mos finalmente até mesmo o anti-herói, que, em vez de enfrentar o sento, as paredes que ela percebe são ainda superfícies, exteriores.
inimigo, constantemente recua e foge, como o protagonista de Rabbit rnn
O paladar e o olfato não contribuem muito para registrar a
[O coelho fogel, de John Updike. O heróico e o maravilhoso haviam interioridade ou a exterioridade. O tato, sim. Porém, ele destrói parcial-
servido a uma função específica de organizar o conhecimento em um
mente a interioridade no próprio processo da percepção. Se eu desejasse
mundo oral. Com o controle da informação e da memória originado pela
descobrir pelo tato se uma caixa está vazia ou cheia, teria de fazer um
escrita e, mais profundamente, pela impressão, não necessitamos de um
buraco para inserir uma mão ou um dedo: isso significa que a caixa está,
herói no velho sentido para mobilizar o conhecimento na forma de
nesse sentido, aberta, e assim é menos um interior.
histórias. A situação nada tem a ver com uma suposta "perda de ideais".
A audição pode registrar a interioridade sem violá-Ia. Posso bater
numa caixa para descobrir se está vazia ou cheia, ou numa parede para
saber se é oca ou sólida. Ou posso fazer uma moeda tinir para saber se
é de prata ou de chumbo.
Ao tratar de alguns aspectos da psicodinâmica da oralidade, Todos os sons registram as estruturas interiores do que quer que
ocupamo-nos até agora principalmente de uma característica do som em os produza. Um violino cheio de concreto não soará como um violino
normal. Um saxofone soa diferentemente de uma flauta: sua estrutura
si, sua evanescência, sua relação com o tempo. O som existe somente
interna é diferente. E, acima de tudo, a voz humana vem do interior do
quando está desaparecendo. Outras características do som também deter-
minam ou influenciam a psicodinâmica oral. A principal dessas outras organismo humano, que fornece as ressonâncias vocais.
características é relação singular do som com a interioridade em compa- A vista isola; o som incorpora. A visão situa o observador fora do
ração com os demais sentidos. Essa relação é importante em virtude da que ele vê, a uma distância, ao passo que o som invade o ouvinte. A visão
interioridade da consciência e da própria comunicação humanas. Apenas disseca, como observou Merleau-Ponty (1961). A visão chega a um ser
humano de uma direção por vez: para olhar para um aposento ou uma mesmo vale para "exterior". Quando falamos de "interior" e "exterior"
paisagem, preciso girar meus olhos de um lado para outro. Quando ouço, mesmo no caso de objetos físicos, estamos nos referindo a nossa própri~
no entanto, reúno o som ao mesmo tempo de qualquer direção, imedia- percepção de nós mesmos: estou dentro daqui e tudo o mais está fora.
tamente: estou no centro do meu mundo auditivo, que me envolve, Com "interior" e "exterior", apontamos para nossa própria experiência de
estabelecendo-me em uma espécie de âmago da sensação e da existência. corporalidade (Ong 1967b, pp. 117-122, 176-179, 228, 231) e analisamos
Esse efeito de centramento do som é o que a reprodução sonora de outros objetos com referência a essa experiência.
alta-fidelidade explora com profunda sofisticação. Podemos mergulhar no
Numa cultura oral primária, na qual a palavra existe apenas no
ouvir, no som. Na visão, não há uma maneira análoga de mergulhar em
som, sem qualquer referência a um texto visualmente perceptível e a uma
si mesmo.
consciência, nem mesmo à possibilidade de um tal texto, a fenomenolo-
Ao contrário da visão - o sentido da dissecação - o som é, desse gia do som penetra profundamente no sentimento de existência dos seres
modo, um sentido unificador. A propósito, um ideal visual típico é a humanos, na qualidade de palavra falada. Pois o modo como a palavra é
clareza e a distinção. (A campanha de Descartes pela clareza e pela vivenciada é sempre importante na vida psíquica. A ação centralizadora
distinção registrou uma intensificação da visão no sensório humano - Ong do som (o campo sonoro não está espalhado diante de mim, mas a toda
1967b, pp. 63, 221). O auditório ideal, por outro lado, é harmonia, é um a minha volta) afeta o sentido humano do cosmos. Para as culturas orais ,
colocar junto. o cosmos é um evento contínuo, com o homem em seu centro. O homem
A interioridade e a harmonia são características da consciência é o umbilicus mundi, o umbigo do mundo (Eliade 1958, pp. 231-235 etc.).
humana. A consciência de cada indivíduo humano é totalmente inte- Somente após a escrita e a ampla convivência com mapas, implementada
riorizada, conhecida do indivíduo a partir de dentro e é inacessível a pela impressão, os seres humanos iriam, ao pensar sobre o cosmos ou o
qualquer outro diretamente do interior. Quem diz "eu", com isso quer universo ou o "mundo", pensar essencialmente em algo que jaz fora de
dizer algo diferente daquilo que o outro quer dizer. O que é "eu" para nossos olhos, como num atlas impresso moderno, uma vasta superfície
mim é apenas "você" para você. E esse "eu" incorpora a experiência em ou reunião de superfícies (a visão apresenta superfícies) prontas para ser
si "reunindo-a". O conhecimento é, fundamentalmente, não um fenôme- "exploradas". O antigo mundo oral conheceu poucos "exploradores",
no fragmentador, mas unificador, uma luta pela harmonia. Sem harmonia, embora conhecesse certamente muitos itinerantes, viajantes, aventureiros
e peregrinos.
um estado interior, a psique não é sadia.
Devemos observar que os conceitos "interior" e "exterior" são Veremos que a maioria das características do pensamento e da
conceitos não-matemáticos e não podem ser diferenciados matematica- ~x~ressão fundados no oral e discutida anteriormente neste capítulo está
mente. São conceitos fundados na existência, baseados na experiência mtunamente relacionada à economia unificadora centralizadora inte-
que cada um tem de seu corpo, que está tanto dentro de mim (não lhe riorizadora do som tal como é percebido pelos 'seres humanos: Uma
peço para parar de cutucar meu corpo, mas para parar de me cutucar) economia verbal dominada pelo som é mais conforme às tendências
quanto fora de mim (sinto a mim mesmo como, de certa forma, dentro agregativas (harmonizadoras) do que às analíticas, dissecadoras (que viriam
de meu corpo). O corpo é uma fronteira entre mim mesmo e tudo o mais. ~om a palavra inscrita, visualizada: a visão é um sentido dissecador). É
O que quero dizer com "interior" e "exterior" pode ser comunicado l~almente mais conforme ao holismo conservador (o presente homeostá-
somente com referência à experiência da corporalidade. As tentativas de tico que deve ser mantido intacto, as expressões formulares que devem ser
definição de "interior" e de "exterior" são inevitavelmente tautológicas: mantidas intactas), ao pensamento situacional do que ao pensamento
"interior" é definido por "in", que é definido por "entre", que é definido abstrato, mais conforme a uma certa organização humanística do conheci-
por "dentro de", e assim por diante, girando no círculo tautológico. O ~ento, que envolve as ações dos seres humanos e antropomórficos
lfidivíduos mtenonza
. '. d os, d o que a que envolve coisas impessoais. '
Os denominadores usados aqui para descrever o mundo oral alta em cerimõnias litúrgicas. Pois sempre se pensa em Deus "falando" a
primário serão úteis novamente mais adiante para descrever o que seres humanos, não escrevendo para eles. A mentalidade oral do texto
aconteceu à consciência humana quando a escrita e a impressão reduzi- bíblico, até mesmo em suas partes epistolares, é espantosa (Ong 1967b,
ram o mundo oral-auricular a um mundo de páginas visualizadas. pp. 176-191). O hebraico dabar, que significa "palavra", significa também
"acontecimento" e, desse modo, refere-se diretamente à palavra falada. A
palavra falada é sempre um acontecimento, um movimento no tempo,
completamente desprovido do repouso coisificante da palavra escrita ou
impressa. Na teologia trinitária, a Segunda Pessoa da Divindade é a
Palavra, e o análogo humano para a Palavra aqui não é a palavra humana
Em virtude de sua constituição física como som, a palavra falada
escrita, mas a falada. Deus Pai "fala" seu Filho: ele não o registra. Jesus,
origina-se do interior humano e revela seres humanos a outros seres
a Palavra de Deus, nada deixou por escrito, embora soubesse ler e
humanos como interiores conscientes, como indivíduos; a palavra falada
escrever (Lucas 4:16). "A fé vem pelos ouvidos", lemos na Carta aos
agrupa os seres humanos de forma coesa. Quando um orador se dirige a
Romanos 00:17). "A letra mata, o espírito [sopro no qual se move a
um público, os ouvintes normalmente formam uma unidade, consigo
palavra falada] dá vida" (2 Coríntios 3:6).
mesmos e com o orador. Se este pede ao público para ler um folheto que
Ihes foi fornecido, assim que cada leitor penetra em seu próprio mundo
privado da leitura, a unidade do público é desfeita, restabelecendo-se
somente quando o discurso oral recomeça. A escrita e a impressão isolam.
Não há um nome ou um conceito coletivos para leitores que corresponda
a "público". O coletivo readership' - esta revista tem um readership de 2 Jacques Derrida afirmou que "não existe signo lingüístico antes da
milhões - é uma abstração excessiva. Para pensar em leitores como um escrita" 0976, p. 14). Mas também não existe um "signo" lingüístico
grupo unido, precisamos voltar a chamá-Ios pelo nome de "público", depois da escrita, se com isso estivermos aludindo à referência oral do
como se fossem realmente ouvintes. A palavra falada forma unidades em texto escrito. Embora ela libere potenciais da palavra nunca vistos, uma
grande escala também: países nos quais se falam duas ou mais línguas representação textual, visual de uma palavra não é uma palavra real, mas
diferentes muito provavelmente têm uma dificuldade maior em estabele- um "sistema modelar secundário" (cf. Lotman 1977). O pensamento
cer ou manter a unidade nacional, como atualmente no Canadá ou na aninha-se na fala, não em textos, cujos significados, todos, são adquiridos
Bélgica ou em muitos países em desenvolvimento. pela referência do símbolo visível ao mundo do som. O que o leitor está
A força interiorizadora do mundo oral tem uma ligação especial vendo nesta página não são palavras reais, mas símbolos codificados
com o sagrado, com as preocupações fundamentais da existência. Na pelos quais um ser humano adequadamente informado pode evocar na
maioria das religiões, a palavra falada exerce uma função fundamental na sua consciência palavras reais, num som real ou imaginado. É impossível
vida cerimonial e devota. Eventualmente, nas religiões mundiais mais à escrita ser mais do que marcas em uma superfície, a menos que seja
abrangentes, produzem-se textos sagrados nos quais o sentido do sagrado usada por um ser humano consciente como uma pista para palavras
soadas, reais ou imaginadas, direta ou indiretamente.
está igualmente ligado à palavra escrita. No entanto, uma tradição
religiosa apoiada em textos pode continuar a legitimar a primazia do oral Os povos quirográficos e tipográficos julgam convincente pensar
de muitas maneiras. Na cristandade, por exemplo, a Bíblia é lida em voz na palavra, fundamentalmente um som, como um "signo", porque "signo"
se refere primordialmente a algo visualmente percebido. Signum, que nos
• Significativamente, o português não tem equivalente para readershíp, que precisa ser traduzido
deu a palavra "signo", significava o estandarte que uma unidade do
por uma perífrase: "número de leitores de uma publicação" (Webster, Record). (N.T.) exército romano portava para identificação visual - etimologicamente, o
"objeto que se segue" (raiz proto-indo-européia, sekw-, seguir). Embora oscilográficos e a onBas de certos "comprimentos", com os quais pode
os romanos conhecessem o alfabeto, esse signum não era uma palavra lidar um indivíduo surdo, que pode não ter nenhum conhecimento do
soletrada, mas uma espécie de desenho ou imagem pictórica, como uma que seja a experiência do som. Ou reduzimos o som ao registro escrito e
águia, por exemplo. ao mais radical de todos eles: o alfabeto.
A percepção de nomes soletrados como rótulos ou etiquetas firmou- Não é provável que o homem oral pense nas palavras como
se muito lentamente, pois a oralidade primária subsistia residualmente, "signos", fenômenos visuais imóveis. Homero refere-se a elas com o
séculos após a invenção da escrita e até mesmo da impressão. Ainda na epíteto~padrão "palavras aladas" - que sugere evanescência, poder e
Renascença européia, alquimistas letrados, quando usavam rótulos para liberdade: as palavras estão constantemente se movimentando, mas pelo
seus frascos e suas caixas, tendiam a registrar neles não um nome escrito, vôo, que constitui uma forma impressionante de movimento e que liberta
mas signos iconográficos como diferentes signos do zodíaco, e os comer- o voador, elevando-o acima do mundo comum, grosseiro, pesado,
ciantes identificavam suas lojas não com palavras escritas, mas com símbo- "objetivo" .
los iconográficos como a hera para uma taverna, o mastro do barbeiro, as Ao objetar a Jean-Jacques Rousseau, Derrida está obviamente
três esferas do agiota. (Sobre os rótulos iconográficos, ver Yates 1966.) Essas correto em rejeitar a convicção de que a escrita não é mais do que
etiquetas ou rótulos absolutamente não nomeiam aquilo a que se referem: acidental com relação à palavra falada (Derrida 1976, p. 7). Mas tentar
a palavra "hera" não é a palavra "taverna", a palavra "mastro" não é a palavra construir uma lógica da escrita sem investigar em profundidade a oralida-
"barbeiro". Os nomes ainda são palavras que se movimentaram através do de, da qual emergiu a escrita e na qual a escrita está permanente e
tempo: esses símbolos imóveis, mudos, eram, repito, algo mais. Eram inevitavelmente enraizada, é limitar nossa compreensão - embora real-
"signos", num sentido em que as palavras não o são. mente produza, ao mesmo tempo, efeitos que são brilhantemente fasci-
Nossa complacência ao pensar nas palavras como signos se deve nantes, mas também por vezes psicodélicos, isto é, causados por distor-
à tendência - talvez incipiente em culturas orais, mas claramente acen- ções sensoriais. Libertar do preconceito quirográfico e tipográfico nossa
tuada nas culturas quirográficas - a reduzir toda sensação e, na verdade, compreensão da linguagem é provavelmente mais difícil do que qualquer
toda a experiência humana, a análogos visuais. O som é um evento no um de nós possa imaginar, muito mais difícil, parece, do que a "descons-
tempo, e "o tempo caminha", inexoravelmente, sem nenhuma parada ou trução" da literatura, pois essa "desconstrução" permanece uma atividade
divisão. O tempo é aparentemente domado quando o tratamos espacial- literária. Voltaremos a esse problema no próximo capítulo, ao tratar da
mente num calendário ou no mostrador de um relógio, onde podemos internalização da tecnologia.
fazê-Io aparecer dividido em unidades separadas, uma ao lado da outra.
Mas isso também falsifica o tempo. O tempo real absolutamente não tem
divisões, é ininterruptamente contínuo: à meia-noite, o ontem não estalou
para o hoje. Ninguém pode encontrar o exato ponto da meia-noite, e se
ele não é exato, como pode ser meia-noite? E não possuímos nenhuma
vivência do hoje como sendo o dia seguinte a ontem, como é repre-
sentado num calendário. Reduzido ao espaço, o tempo parece estar sob
um controle maior - mas somente parece, pois o tempo real, indivisível,
leva-nos para a morte real. (Não estou aqui negando que o reducionismo
espacial seja imensamente útil e tecnologicamente necessário; quero com
isso somente dizer que suas realizações são intelectualmente limitadas e
podem ser ilusórias.) De modo análogo, reduzimos o som a padrões
4
A ESCRITA REESTRUTURA A CONSCIÊNCIA
No entanto, as palavras estão sozinhas em um texto. Além disso, Até mesmo em um diário pessoal dirigido a mim mesmo preciso
ao compor um texto, ao "escrever" algo, aquele que produz a enunciação construir uma ficção de destinatário. De fato, o diário requer, de certo
escrita está igualmente sozinho. Escrever é uma operação solipsística. modo, o máximo de ficcionalização do enunciador e do destinatário. A
Estou escrevendo um livro que, espero, será lido por centenas de milhares escrita é sempre uma espécie de imitação de conversa, e em um diário,
de pessoas; portanto, devo estar isolado de todos. Enquanto escrevo o portanto, finjo estar falando comigo mesmo. Mas eu nunca falo realmente
presente livro, deixo um aviso de que estou "fora" durante horas e dias - comigo mesmo desse modo. Nem poderia, sem a escrita e, na verdade,
para que ninguém, incluindo indivíduos que irão presumivelmente ler o sem a impressão. O diário pessoal constitui uma forma literária muito
livro, possa interromper minha solidão. tardia, na verdade desconhecida até o século XVII (Boerner 1969). O tipo
de devaneios solipsísticos verbalizados que ele implica são um produto
Em um texto, até mesmo as palavras carecem de suas qualidades __
da consciência moldada pela cultura impressa. E para qual "eu" estou eu
plenamente fonéticas. Na linguagem falada, uma palavra deve ter esta ou
escrevendo? Eu mesmo hoje? Para o eu que penso que serei daqui a dez
aquela entoação ou tom de voz - animado, excitado, calmo, irado,
anos? Como espero ser então? Para mim mesmo como me imagino ou
resignado ou qualquer que seja. É impossível pronunciar uma palavra
espero que os outros me imaginem? Perguntas como essas podem encher
oralmente sem qualquer entoação. Em um texto, a pontuação pode
- e realmente enchem - escritores de diários de angústias; e muitas vezes
sinalizar um tom de forma mínima: um ponto de interrogação ou uma
levam à interrupção dos diários. O memorialista já não pode conviver com
vírgula, por exemplo, geralmente requerem que a voz se eleve um pouco.
sua ficção.
A tradição letrada, adotada e adaptada por críticos habilidosos, pode
também prover algumas pistas extratextuais para as entoações, mas elas Os modos como os leitores são imaginados constituem o lado
não serão completas. O atores gastam horas decidindo como realmente inferior da história literária, cujo cume é a história dos gêneros e o
pronunciar as palavras do texto que está diante deles. Uma determinada tratamento do personagem e do enredo. Os escritos antigos fornecem ao
passagem poderia ser pronunciada por um ator em um brado; por outro, leitor auxílios visíveis para que se situe imaginativamente. Eles apresen-
em um sussurro. tam um material filosófico em diálogos, como os do Sócrates de Platão,
O contexto extratextual está ausente não apenas para os leitores, mas os quais o leitor pode imaginar estar ouvindo por acaso. Ou os episódios
também para o escritor. A falta de um contexto verificável é o que torna a devem ser imaginados como episódios contados a um público ao vivo
escrita normalmente uma atividade tão mais angustiante do que a apresen- em dias sucessivos. Mais tarde, na Idade Média, os escritos apresentarão
tação oral para um público real. "O público do escritor é sempre uma ficção" textos filosóficos e teológicos na forma objeção-e-resposta, para que o
(Ong 1977, pp. 53-81). O escritor precisa construir um papel ao qual leitores leitor possa imaginar um debate oral. Boccaccio e Chaucer fornecerão ao
ausentes e muitas vezes desconhecidos possam se moldar. Até mesmo ao leitor grupos fictícios de homens e mulheres contando histórias uns para
escrever a um amigo íntimo preciso construir uma ficção de estado de os outros, isto é, uma "moldura histórica", para que o leitor possa fingir
espírito para ele, ao qual ele deve se moldar. O leitor precisa também ser um dos membros do grupo ouvinte. Mas quem está falando com quem
construir uma ficção para o escritor. Quando meu amigo ler minha carta, em Orgulho epreconceito ou em O vermelho e o negro, ou em Adam Bedé?
posso estar em um estado de espírito totalmente diferente do momento em Os romancistas do século XIX salmodiam conscientemente "caro leitor"
que a escrevi. De fato, posso muito bem estar morto. Para que um texto repetidas vezes para lembrar que não estão contando uma história, mas
comunique sua mensagem, não importa que o autor esteja vivo ou morto. escrevendo-a, de modo que tanto o autor quanto o leitor estão tendo
dificuldades em se situar. A psicodinâmica da escrita amadureceu muito
lentamente na narrativa.
existencial. A necessidade desse cuidado excepcional transforma a escrita
E como o leitor deve se imaginar diante de Finnegan 's Wak&.
no trabalho angustiante que geralmente é.
Apenas um leitor. Porém, de um tipo ficcional. A maioria dos leitores de
inglês não poderá ou não desejará se tornar o tipo especial de leitor O que Goody 0977, p. 128) chama de "esquadrinhamento retros-
exigido por ]oyce. Alguns fazem cursos em universidades para aprender pectivo" torna possível, na escrita, eliminar incoerências (Goody 1977, pp.
como se imaginar à /a ]oyce. Embora o texto de ]oyce seja muito oral, no 49-50), escolher palavras com uma seletividade refletida que investe o
sentido de que se lê bem em voz alta, a voz e seus ouvintes não cabem pensamento e as palavras de novos poderes discriminatórios. Em uma
em qualquer cenário de vida real imaginável, mas apenas no cenário cultura oral, o fluxo de palavras, o correspondente fluxo de pensamento,
imaginativo de Finnegan 's Wake, que é imaginável apenas em virtude da os copia defendidos na Europa pelos retóricos da Antiguidade Clássica
escrita e da impressão que o precederam. Finnegan 's Wake foi composto até a Renascença, tendem a lidar com as discrepâncias mediante glosas
em escrita, mas para a impressão: com sua ortografia e seus usos abundantes - a etimologia aqui é reveladora: g/ossa, língua, "linguando-
idiossincráticos, seria virtualmente impossível multiplicá-Io de modo as" de ponta a ponta. Com a escrita, as palavras, uma vez "proferidas",
exato em cópias manuscritas. Não há mimese, aqui, no sentido aristotéli- exteriorizadas, postas na superfície, podem ser eliminadas, apagadas,
co, salvo ironicamente. A escrita é de fato a sementeira da ironia, e quanto mudadas. Não existe um equivalente para isso em uma apresentação oral,
mais durar a tradição escrita (e impressa), mais forte será o desenvolvi- nenhum meio de apagar uma palavra falada: as correções não removem
mento irônico (Ong 1971, pp. 272-302). uma frase infeliz ou um erro, elas meramente complementam-nos com
negativa e remendo. O brico/age ou o remendo que Lévi-Strauss (1966,
1970) julga característicos dos padrões mentais "primitivos" ou "selva-
gens" podem ser vistos aqui como conseqüência da situação noética oral.
As correções em apresentações orais tendem a ser contraproducentes, a
o distanciamento que a escrita realiza desenvolve um novo tipo de tornar o falante muito pouco convincente. Portanto, nós as reduzimos a
exatidão na verbalização, tirando-a do contexto existencialmente rico, mas um mínimo, ou então as evitamos totalmente. Na escrita, as correções
caótico, de muitas das enunciações orais. As apresentações orais podem ser podem ser tremendamente produtivas, pois como poderá o leitor saber
se foram feitas?
impressionantes em sua grandiloqüência e sua sabedoria comunal, quer
sejam longas, como na narrativa formal, quer sejam breves e apotegmática~, _ Evidentemente, uma vez interiorizada a busca quirográfica inicial
como nos provérbios. Todavia, a sabedoria tem a ver com um contexto de precisão e exatidão analítica, ela pode retroagir na fala, e o faz. Embora
social total e relativamente infrangível. A linguagem e o pensamento o pensamento de Platão seja expresso na forma de diálogo, sua excep-
tratados oralmente não são conhecidos por sua exatidão analítica. cional precisão se deve aos efeitos da escrita sobre os processos noéticos,
pois os diálogos são, na verdade, textos escritos. Por meio de um texto
Evidentemente, toda linguagem e todo pensamento são até certo
ponto analíticos: eles decompõem o denso continuum da experiência, a tratado quirograficamente, expresso na forma de diálogo, eles se movem
"grande, maldita, murmurante confusão" de William ]ames, em partes dialeticamente em direção ao esclarecimento analítico de questões que
mais ou menos separadas, segmentos significativos. Porém, as palavras Sócrates e PIatão haviam herdado na forma mais "totalizada", não-analí-
tica, narrativa, oral.
escritas refinam a análise, pois se exige mais das palavras individualmen-
te. Para nos fazermos entender sem gestos, sem expressão facial, sem Em Tbe greek concept of justice: From its shadow in Homer to its
entoação, sem um ouvinte real, temos de prever cuidadosamente todos os substance in P/ato [O conceito grego de justiça: De sua obscuridade em
significados possíveis que uma afirmação possa ter para qualquer leitor possível, Homero a sua solidez em Platão] (1978a), Havelock tratou do movimento
em qualquer situação possível, e temos de fazer com que nossa linguagem que PIatão levou ao ponto crítico. A objetividade analítica com que PIatão
funcione de modo a se tornar dara apenas por si, sem nenhum contexto
tratou do conceito abstrato de justiça não pode ser encontrada em restrito evidentemente são em grande parte orais e, como o pensamento
nenhuma das culturas puramente orais conhecidas. Analogamente, a e a expressão orais em geral, operam funcionalmente, próximos ao
objetividade letal nas questões e nas fraquezas dos adversários, presente mundo da vida humana cotidiana: o grupo que Bernstein encontrou
nas orações de Cícero, é obra de uma mente letrada, embora saibamos usando esse código era composto de meninos mensageiros sem nenhuma
que Cícero não compôs seus discursos por escrito antes de proferi-los, escolaridade. Sua expressão possui um ar de fórmula e encadeia pensa-
escreVeU-OSposteriormente, tais como os conhecemos (Ong 1967b, pp., mentos não em uma subordinação cuidadosa, mas "como contas em uma
56-57). Os debates orais refinadamente analíticos nas universidades caixa" (1974, p. 134) - reconhecidamente o modo formular e acumulativo
medievais e na tradição escolástica posterior até o século atual (Ong 1981, da cultura oral. O código elaborado é formado com o auxílio obrigatório
pp. 137-138) foram obra de mentes afiadas por textos escritos e pela da escrita e, para uma elaboração plena, da impressão. O grupo encon-
leitura e comentário de textos, oralmente e por escrito. trado por Bernstein usando esse código pertencia às seis principais
escolas públicas que fornecem a mais intensiva educação em leitura e
Ao separar o conhecedor do conhecido (Havelock 1963), a escrita
escrita na Grã-Bretanha 0974, p. 83). Os códigos lingüísticos "restrito" e
permite uma articulação crescente da introspecção, abrindo a psique
"elaborado" de Bernstein poderiam ser reintitulados "de base oral" e "de
como nunca antes ao mundo objetivo externo, muito diferente dela
base textual", respectivamente. Olson (977) mostrou como a oralidade
própria, mas também do eu interior com o qual o mundo objetivo é
relega o significado em grande parte ao contexto, ao passo que a escrita
comparado. A escrita torna possíveis as grandes religiões introspectivas
concentra o significado na própria linguagem.
como o budismo, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Todas elas
possuem textos sagrados. Os antigos gregos e romanos conheciam a A escrita e a impressão criam tipos especiais de dialetos. A
escrita e a usavam, particularmente os gregos, para construir o conheci- maioria das línguas nunca foi posta em escrita, como se viu (p. 15).
mento filosófico e científico. Porém, não criaram textos sagrados compa- Porém certas línguas, ou mais propriamente dialetos, investiram enor-
ráveis aos Vedas, à Bíblia ou ao Corão, e sua religião deixou de se memente na escrita. Muitas vezes, como na Inglaterra, na Alemanha ou
estabelecer nos recessos da psique que a escrita lhes abrira. Ela se tornou na Itália, onde se encontra uma grande quantidade de dialetos, um
apenas um recurso literário elegante e arcaico para escritores como dialeto regional desenvolveu-se quirograficamente mais do que os
Ovídio e uma moldura para práticas exteriores, carentes de significado outros, por motivos econômicos, políticos, religiosos ou outros, e
pessoal premente. finalmente se tornou uma língua nacional. Na Inglaterra, isso aconteceu
com o dialeto da classe alta londrina; na Alemanha, com o alto alemão
A escrita desenvolve códigos em uma linguagem diferente dos
(o alemão das regiões montanhosas do sul); na Itália, com o toscano.
códigos orais na mesma língua. Basil Bernstein 0974, pp. 134-135, 176,
Conquanto seja verdade que eles eram todos, em sua essência, dialetos
181, 197-198) distingue o "código lingüístico restrito" ou a "linguagem
regionais e/ou de classe, seu status como línguas nacionais quirografi-
pública" dos dialetos ingleses das classes baixas na Grã-Bretanha e o
camente controladas tornou-os espécies de dialetos ou línguas diferen-
"código lingüístico elaborado" ou a "linguagem privada" dos dialetos das
tes daqueles que não são escritos em larga escala. Como ressaltou
classes média e alta. Walt Wolfram (972) havia apontado anteriormente
Guxman 0970, pp. 773-776), uma língua escrita nacional teve de ser
distinções como as de Bernstein entre o inglês dos negros norte-america-
isolada da base dialetal original, descartou certas formas dialetais,
nos e o inglês norte-americano padrão. O código lingüístico restrito pode
desenvolveu várias camadas de vocabulário com base em fontes abso-
ser pelo menos tão expressivo e exato quanto o código elaborado em
lutamente não-dialetais, além de certas peculiaridades sintáticas. A esse
contextos que são familiares e compartilhados pelo falante e pelo ouvinte.
tipo de linguagem estabelecida escrita Haugen 0966, pp. 50-71) cha-
Para lidar com o não familiar de modo expressivo e exato, no entanto, o
mou, com propriedade, "grafoleto".
código lingüístico restrito não funcionará; é absolutamente necessário um
código lingüístico elaborado. A origem e o uso do código lingüístico
Um grafoleto moderno como o "inglês", para usar o termo que é Onde existem grafoletos, a gramática e o uso "corretos" são
comumente usado para referir a esse grafoleto, foi trabalhado durante popularmente interpretados como a gramática e o uso do próprio
séculos, primeiro e mais intensamente, ao que parece, pela chancelaria grafoleto, à exclusão da gramática e do uso de outros dialetos. As bases
de Henrique V (Richardson 1980), depois pelos teóricos normativistas, sensoriais do próprio conceito de ordem são em boa parte visuais (Ong
gramáticos, lexicógrafos e outros. Foi registrado maciçamente em escri- 1967b, pp. 108, 136-137), e o fato de que o grafoleto seja escrito ou, a
ta e impressão e agora em computadores, de forma que os que possuem fortíorí, impresso, favorece a idéia de lhe atribuir um poder normativo
competência no grafoleto atualmente podem estabelecer facilmente especial para manter a língua em ordem. Porém, quando outros dialetos
contato não apenas com milhares de outras pessoas, mas também com de uma dada língua - além do grafoleto - diferem da gramática do
o pensamento do passado de séculos atrás, pois os outros dialetos do grafoleto, eles não são não agramaticais: estão simplesmente usando uma
inglês, assim como milhares de línguas estrangeiras, são interpretados gramática diferente, pois a língua é uma estrutura e é impossível usar a
no grafoleto. Nesse sentido, o grafoleto inclui todos os outros dialetos: língua sem uma gramática. À luz desse fato, os lingüistas hoje comumente
ele os explica de uma maneira que eles mesmos não poderiam fazer. O insistem em que todos os dialetos são iguais no sentido de que nenhum
grafoleto traz as marcas de milhares de mentes que o usaram para possui uma gramática intrinsecamente mais "correta" do que a dos outros.
compartilhar entre si sua consciência. Nele foi forjado um vasto voca- Mas Hirsch 0977, pp. 43-50) vai mais além e diz que, em um sentido
bulário de uma ordem de magnitude impossível para uma língua oral. profundo, nenhum outro dialeto, por exemplo em inglês, alemão ou
O Webster's Thírd New International Díctionary (971) afirma em seu italiano, possui algo remotamente semelhante aos recursos do grafoleto.
Prefácio que poderia ter "multiplicado muitas vezes" as 450 mil palavras É má pedagogia insistir nisso, porque não há nada "errado" com os outros
que realmente inclui. Admitindo-se que "multiplicado muitas vezes" dialetos, não faz nenhuma diferença se os falantes de um outro dialeto
deva significar pelo menos três vezes, e arrendondando os números, aprendem ou não o grafoleto, que possui recursos de uma ordem de
podemos entender que os editores têm em mãos um registro de cerca magnitude inteiramente diferente.
de um milhão e meio de palavras usadas em impressão em inglês. As
línguas e os dialetos orais podem se arranjar com uma pequena fração
desse número.
A riqueza léxica dos grafoletos começa com a escrita, porém sua
plenitude se deve à impressão, pois os recursos de um grafoleto moderno Dois grandes desenvolvimentos especiais no Ocidente derivam da
estão disponíveis em grande parte por meio dos dicionários. Há registros interação da escrita e da oralidade - e a afetam. São a retórica acadêmica
limitados de palavras de vários tipos desde muito cedo na história da e o latim culto.
escrita (Goody 1977, pp. 74-111), mas enquanto a impressão não esteve
Em seu terceiro volume da Oxford hístory of Englísh líterature, C.S.
bem estabelecida não houve dicionários que tentassem computar de
Lewis observou que "a retórica constitui o maior obstáculo entre nós e
forma generalizada e abrangente as palavras em uso em qualquer língua.
nossos antepassados" 0954, p. 60). Lewis honra a magnitude da questão
É fácil entender por que é assim se pensarmos no que significaria fazer
ao se recusar a tratar dela, apesar de sua extraordinária relevância para a
até mesmo umas poucas dúzias de cópias relativamente precisas do
cultura em todas as épocas, pelo menos até a era romântica (Ong 1971,
Webster's Thírd ou mesmo do Webster's New Collegíate Díctionary, que é
pp. 1-22, 255-283). O estudo da retórica dominante em todas as culturas
muito menor. Dicionários como esses estão a anos-luz do mundo das
ocidentais até aquela época havia começado como o núcleo da educação
culturas orais. Nada ilustra de modo mais impressionante como a escrita
e da cultura gregas antigas. Na Grécia Antiga, o estudo da "filosofia",
e a impressão alteram os estados de consciência.
representada por Sócrates, Platão e Aristóteles, a despeito de toda a
fecundidade subseqüente, constituía um elemento menor na cultura
grega, nunca competindo com a retórica, quer no número de seus em latim - antinomasia ou pronominatio, paradiastote ou distinetio,
praticantes, quer em seus efeitos sociais imediatos (Marrou 1956, pp. anti-categoria ou aceusatio eoneertativa etc., etc. (Lanham 1968; Sonnino
194-205), como sugere o infeliz destino de Sócrates. 1968) - provavelmente reagirão com um "Que perda de tempo!". Mas, para
seus primeiros descobridores ou inventores, os sofistas da Grécia do século
A retórica estava na raiz da arte de falar em público, da comunica-
V, a retórica era algo maravilhoso. Ela fornecia uma lógica racional para o
ção oral para a persuasão (retórica forense e deliberativa) ou para a
que lhes era mais caro, a apresentação oral eficaz e muitas vezes pomposa,
exposição. O rhetor grego provém da mesma raiz que o latim orator e
algo que havia sido uma parte distintivamente humana da existência
significa falante público. Nas perspectivas desenvolvidas por Havelock
humana durante séculos, mas que, antes da escrita, nunca se poderia ter
(963), pareceria óbvio que, em um sentido muito profundo, a tradição
sido preparada ou explicada de modo tão refletido.
retórica representasse o velho mundo oral, e a tradição filosófica, as novas
estruturas quirográficas de pensamento. Como Platão, C.S. Lewis estava, A retórica reteve muito da velha tendência oral para o pensamento
inconscientemente na verdade, voltando as costas ao mundo oral. Duran- e a expressão basicamente agonísticos e formulares. Isso se mostra
te séculos, até a era romântica (quando o ímpeto retórico foi desviado, claramente no ensino retórico dos "lugares" (Ong 1967b, pp. 56-87; 1971,
definitiva senão totalmente, da apresentação oral para a escrita), um pp. 147-187; Howell1956, Índice). Com sua herança agonística, o ensino
comprometimento explícito ou até mesmo implícito com o estudo e a retórico assumia que o objetivo de praticamente todo discurso era
prática formais da retórica constituem um indício do montante de orali- demonstrar ou refutar uma questão contra alguma oposição. O desenvol-
dade primária residual em uma dada cultura (Ong 1971, pp. 23-103). vimento de um tema era visto como um processo de "invenção", isto é,
de encontrar no estoque de argumentos que outros sempre haviam
Os gregos homéricos e pré-homéricos, como em geral os povos
explorado os que eram aplicáveis ao caso. Esses argumentos eram
orais, praticavam o falar em público com grande habilidade muito depois
considerados alojados ou "assentados" (termo de Quintiliano) nos "luga-
que suas habilidades foram reduzidas a uma "arte", isto é, a um corpo dé
res" Ctopoi em grego, toei em latim) e eram muitas vezes chamados toei
princípios seqüencialmente organizado, científico, que explicava e sus-
eommunes ou lugares-comuns quando se julgava que fornecessem argu-
tentava a persuasão verbal. Essa "arte" é apresentada na Arte retórica
mentos comuns a todo e qualquer assunto.
(teehne rhetorike) de Aristóteles. As culturas orais, como vimos, não
comportam "artes" dessa espécie organizada. Ninguém podia ou pode Desde pelo menos a época de Quintiliano, os toei eommunes
simplesmente recitar de improviso um tratado como a Arte retórica de foram tomado em dois sentidos diferentes. No primeiro, referiam-se aos
Aristóteles, como alguém em uma cultura oral deveria fazer se esse tipo "assentos" de argumentos, considerados como "cabeçalhos" abstratos
de entendimento devesse ser implementado. As produções orais longas no debate atual, tais como definição, causa, efeito, contrastes, seme-
seguem padrões mais acumulativos, menos analíticos. A "arte" da retórica, lhanças e assim por diante (a claSSificação variava em tamanho de um
embora dissesse respeito à linguagem falada, foi, como as outras "artes", autor para outro). Quando se desejasse desenvolver uma "prova" -
produto da escrita. deveríamos dizer simplesmente desenvolver uma linha de pensamento
- sobre qualquer assunto, tal como a lealdade, o mal, a culpa de um
As pessoas de uma cultura de alta tecnologia que se tornam
acusado de crime, a amizade, a guerra etc., dever-se-ia sempre encon-
conscientes da vasta literatura do passado que trata da retórica - da
trar algo para dizer definindo, procurando causas, efeitos, contrastes e
Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média e pela Renascença, à Era
tudo o mais. Esses cabeçalhos podem ser intitulados "lugares-comuns
das Luzes (por exemplo, Kennedy 1980; Murphy 1974; Howell1956, 1971)
analíticos". No segundo sentido, os toei eommunes ou lugares-comuns
-, do interesse universal e obsessivo pelo assunto durante as eras e da
referiam-se a coleções de ditos (na verdade, fórmulas) sobre vários
quantidade de tempo despendido em estudá-Io, da vasta e complicada
tópicos - tais como lealdade, decadência, amizade etc. -, que poderiam
terminologia para classificar centenas de figuras de linguagem em grego e
caber na composição do próprio discurso oral ou escrito. Nesse sentido,
os toei eommunes podem ser intitulados "lugares-comuns cumulativos". mais novas, vernaculares. Estas possuíam uma orientação prática para o
Tanto os lugares-comuns analíticos quanto os cumulativos, está claro, comércio e outras ocupações, ao passo que as escolas mais antigas, com
mantinham viva a velha tendência oral para o pensamento e a expres- instrução baseada no latim, eram para aqueles que aspiravam a ser
são feitos essencialmente de material formular ou eram fixos de outra clérigos, advogados, médicos, diplomatas e outros servidores públicos. As
maneira, herdados do passado. Dizer isso não é explicar toda a doutrina mulheres escritoras eram sem dúvida alguma influenciadas por obras que
complexa, que em si mesma era parte integrante da enorme arte da haviam lido e que provinham da tradição de fundamento latino, acadê-
retórica. mica, retórica, mas elas próprias se exprimiam normalmente em um tom
diferente, muito menos oratório, que tinha muito a ver com a ascensão
A retórica, é claro, é essencialmente antitética (Durand 1960, pp. do romance.
451, 453-459), pois o orador fala diante de adversários pelo menos
implícitos. A oratória tem raízes profundamente agonísticas (Ong 19~7_b,
pp. 192-222; 1981, pp. 119-148). O desenvolvimento da vasta tradlçao
retórica foi característico do Ocidente e estava relacionado, como causa,
como efeito ou ambos, à tendência entre os gregos e seus epígonos
culturais a maximizar as oposições, tanto no mundo mental quanto no O segundo grande desenvolvimento no Ocidente que afetou a
extramental, ao contrário dos indianos e dos chineses, que programatica- interação entre escrita e oralidade foi o latim culto. O latim culto foi um
mente os minimizam (Lloyd 1966; Oliver 1971). resultado direto da escrita. Entre cerca de 550 e 700 d.C., o latim falado
Da Antiguidade grega em diante, a predominância da retórica no como vernáculo em várias regiões da Europa se desenvolveu em várias
conhecimento acadêmico criou em todo o mundo letrado uma impressão, formas antigas de italiano, espanhol, catalão, francês e outras línguas
real embora muitas vezes vaga, de que a oratória constituía o paradigma românicas. Por volta de 700 d.C., os falantes desses rebentos do latim já
de toda expressão verbal e manteve o tom agonístico do discurso não conseguiam entender o velho latim escrito, inteligível talvez para
extremamente alto pelos padrões atuais. A própria poesia foi freqüente- alguns de seus bisavós. Sua língua falada se afastara demasiadamente de
mente absorvida pela oratória epidêitica e considerada intimamente suas origens. Porém, a escolaridade e, com ela, a maior parte do discurso
relacionada basicamente ao encômio ou à censura (como muito da poesia oficial da Igreja ou do Estado, continuou em latim. Não havia realmente
oral e até mesmo escrita é ainda hoje). outra alternativa. A Europa era um pântano de centenas de línguas e
dialetos, a maioria deles nunca escrita até hoje. As tribos falantes de
No século XIX, a maior parte do estilo literário em todo o Ocidente
inúmeros dialetos germânicos e eslavos e outros ainda mais exóticos,
foi formada pela retórica acadêmica, de um modo ou de outro, com uma
línguas que não pertenciam ao grupo indo-europeu como o magiar, o
notável exceção: o estilo literário de mulheres autoras. Das mulheres que
finlandês e o turco, estavam se introduzindo na Europa Ocidental. Não
se tornaram escritoras publicadas, como tantas desde 1600, praticamente
havia como traduzir as obras literárias, científicas, filosóficas, médicas ou
nenhuma teve tal treinamento. Da época medieval em diante, a educação
teológicas ensinadas em escolas e universidades para a multidão de
de meninas foi muitas vezes intensa e produziu administradoras de
vernáculos orais, que muitas vezes possuíam formas diferentes, mutua-
negócios domésticos eficientes, às vezes compostos de 50 a 80 pessoas
mente ininteligíveis, entre populações talvez a apenas 50 milhas umas das
que exerciam atividades de tamanho considerável (Markham 1675, título),
outras. Até que um ou outro dialeto, por motivos econômicos ou outros,
mas essa educação não era adquirida em instituições acadêmicas, que
tornou-se dominante o bastante para ganhar adeptos até mesmo de outras
ensinavam retórica e todos os outros assuntos em latim. Quando come-
regiões dialetais (como o dialeto do leste das Midlands, na Inglaterra, ou
çaram a freqüentar escolas em certa quantidade durante o século XVII, as
o hochdeutseh, na Alemanha), a única política prática era ensinar latim à
meninas não entraram em escolas de latim de primeira linha, mas nas
quantidade limitada de meninos que iam à escola. O latim, outrora uma
língua materna, tornou-se assim uma língua escolar apenas, falado não
somente nas salas de aula, mas também, em princípio - ainda que nem desse isolamento. A escrita, como vimos anteriormente, serve para
sempre de fato -, em todas as demais dependências escolares. Por ordem separar e distanciar o conhecedor do conhecido e, assim, estabelecer a
dos estatutos escolares, o latim tornou-se o latim culto, uma língua objetividade. Sugeriu-se (Ong 1977, pp. 24-29) que o latim culto causa
inteiramente controlada pela escrita, ao passo que os novos vernáculos uma objetividade ainda maior pelo fato de fixar o conhecimento em um
românicos haviam se desenvolvido do latim como as línguas sempre meio isolado das profundezas carregadas de emoção de uma língua
haviam feito, oralmente. O latim havia sofrido um corte som-visão. materna, reduzindo assim a interferência do mundo da vida humana
cotidiana e permitindo o mundo refinadamente abstrato da escolástica
Em virtude de sua base na academia, que era totalmente masculina
medieval e da nova ciência matemática moderna que se seguiu à
- com exceções raras o bastante para ser descartadas -, o latim culto teve
experiência escolástica. Sem o latim culto, parece que a ciência moderna
uma outra característica em comum com a retórica, além de sua proveniên-
teria aberto caminho com uma dificuldade muito maior, se é que o teria
cia clássica. Durante mil anos, estava vinculado ao sexo, uma língua escrita
feito. A ciência moderna nasceu do solo latino, pois os filósofos e
e falada apenas por pessoas do sexo masculino, aprendida fora do lar, em
cientistas até a época de Newton, comumente tanto escreviam quanto
um cenário tribal que era, na verdade, um cenário de rito de puberdade
elaboravam seu pensamento abstrato em latim.
masculino, parte do castigo físico e de outros tipos de opressão deliberada-
mente impostos (Ong 1971, pp. 113-141; 1981, pp. 119-48). Ele não tinha A interação entre essa língua controlada quirograficamente, como
nenhuma vinculação direta com o inconsciente de qualquer pessoa do tipo o latim culto, e os vários vernáculos (línguas maternas) está ainda longe
que as línguas maternas, aprendidas na infância, sempre têm. de ser inteiramente entendida. Não há como simplesmente "traduzir" uma
língua como o latim culto em línguas como as vernáculas. A tradução era
Não obstante, de modo paradoxal, o latim culto estava relacionado
transformação. A interação criou todos os tipos de resultados. Baurnl
com a oralidade e com a cultura escrita. Por um lado, como acabamos de
0980, p. 264) chamou a atenção, por exemplo, para alguns dos efeitos
observar, era uma língua quirograficamente controlada. Dos milhares que
quando as metáforas de um latim conscientemente metafórico eram
a falaram durante os 1400 anos seguintes, todos sabiam também escrevê-
transferi das para línguas maternas menos metaforizadas.
Ia. Não havia usuários puramente orais. Mas o controle quirográfico do
latim culto não impediu sua aliança com a oralidade. Paradoxalmente, a Durante esse período, outras línguas controladas quirograficamente,
textualidade que mantinha o latim enraizado na Antiguidade Clássica vinculada ao sexo, desenvolveram-se na Europa e na Ásia, onde populações
justamente o mantinha também enraizado na oralidade, pois o ideal letradas de tamanho considerável desejavam compartilhar de uma herança
clássico de educação havia sido produzir não o escritor competente, mas intelectual comum. Decididamente contemporâneos do latim culto eram o
o rhetor, o orator, o orador público. A gramática do latim culto provinha hebraico rabínico, o árabe clássico, o sânscrito e o chinês clássicos,
desse mundo oral. Assim também seu vocabulário básico - embora, como juntamente com o grego bizantino, uma sexta língua culta de modo muito
todas as línguas realmente em uso, incorporasse milhares de novas menos definido, pois o grego vernacular mantinha um contato estreito com
palavras ao correr dos séculos. ela (Ong 1977, pp. 28-34). Todas essas línguas cultas já não estavam em uso
Despido de balbucios, isolado da mais tenra infância, na qual a como línguas maternas (isto é, no sentido restrito, não usado pelas mães ao
língua tem suas raízes mais profundamente psíquicas, nunca uma primei- criar os filhos). Elas nunca constituíam primeiras línguas para nenhum
ra língua para nenhum de seus usuários, pronunciado em toda a Europa indivíduo, eram controladas exclusivamente pela escrita, faladas apenas por
de modos muitas vezes mutuamente ininteligíveis, mas sempre escrito da pessoas do sexo masculino (com poucas exceções, embora talvez maiores
mesma maneira, o latim culto constituiu um exemplo impressionante do no caso do chinês clássico do que nos demais) e eram faladas apenas por
poder da escrita para isolar o discurso e da produtividade sem paralelo aqueles que sabiam escrevê-Ias e que, de fato, haviam-nas aprendido
inicialmente pelo uso da escrita. Essas línguas' já não existem e é difícil hoje
perceber seu antigo poder. Todas as línguas usadas para o discurso culto
atualmente são também línguas maternas (ou, no caso do árabe, estão cada Estados Unidos cerca de 120 milhões de cópias entre 1836 e 1920, tinha
vez mais absorvendo línguas maternas). Nada mostra de modo mais como objetivo a terapêutica de leitura para aperfeiçoar não a leitura com
convincente do que esse desaparecimento da língua controlada quirografi- vistas à compreensão que idealizamos hoje, mas a leitura oral, declama-
camente como a escrita está perdendo seu antigo monopólio de poder tória. O McGuJfey's especializava-se em passagens tiradas da literatura
(embora não sua importância) no mundo atual. "centradas no som", relacionadas com grandes heróis (personagens orais
"fortes"). Elas forneciam inúmeros exercícios de pronúncia oral e de
respiração (Lynn 1973, pp. 16, 20).
A própria retórica emigrou, gradativa mas inevitavelmente, do
mundo oral para o quirográfico. Desde a Antiguidade Clássica, as habili-
Como sugerem as relações paradoxais da oralidade e da cultura dades verbais aprendidas na retórica foram praticadas não apenas na
escrita na retórica e no latim culto, a transição da oralidade para a cultura oratória, mas também na escrita. Por volta do século XVI, das cinco partes
escrita foi lenta (Ong 1967b, pp. 53-87; 1971, pp. 23-48). A Idade Média tradicionais da retórica (invenção, disposição, estilo, memória e elocu-
usava os textos muito mais do que a Grécia e a Roma antigas, os professores ção), os manuais de retórica estavam comumente omitindo a quarta -
faziam preleções sobre textos nas universidades e, no entanto, nunca memória -, que não era aplicável à escrita. Elas estavam também
testavam o conhecimento ou a perícia intelectual pela escrita, mas sempre reduzindo a última, elocução (Howell 1956, pp. 146-172, 270 etc.). Em
pelo debate oral - uma prática que continuou de modo decrescente até o larga medida, fizeram essas mudanças com explicações especiosas ou
século XIX e que hoje ainda sobrevive residualmente na defesa de teses de nenhuma explicação. Atualmente, quando os currículos registram a
doutorado nos lugares cada vez mais raros onde essa prática ainda subsiste. retórica como uma matéria, isso significa meramente o estudo de como
Embora o humanismo renascentista tenha inventado a erudição textual escrever com competência. Porém, ninguém conscientemente lançou um
moderna e presidido ao desenvolvimento da impressão tipográfica, ele programa para dar essa nova orientação à retórica: a "arte" simplesmente
também retornou à Antiguidade e, por esse motivo, deu nova vida à seguiu a tendência da consciência de uma economia oral para uma
oralidade. O estilo inglês no período Tudor (Ong 1971, pp. 23-47), e mesmo economia escrita. A tendência foi concluída antes que se desse conta
muito depois, carregou um forte resíduo oral em seu uso de epítetos, ritmo, disso. Uma vez concluída, a retórica já não era a matéria predominante
antíteses, estruturas formulares e lugares-comuns. Assim também os estilos que fora outrora: a educação já não podia ser descrita como fundamen-
literários da Europa Ocidental em geral. talmente retórica como no passado. Os três Rs - reading, 'riting e
'rithmetics· -, que representavam uma educação essencialmente não-re-
Na Antiguidade Clássica ocidental, admitia-se pacificamente que
tórica, livresca, comercial e doméstica, gradativamente se sobrepuseram
um texto escrito de qualquer valor devia e merecia ser lido em voz alta,
à educação tradicionalmente fundada na oralidade, heróica, agonística,
e a prática da leitura de texto em voz alta continuou, comumente com
que havia geralmente preparado os jovens no passado para o ensino e o
muitas variações, durante o século XIX (Balogh 1926). Essa prática
serviço público profissional, eclesiástico ou político. Durante o processo,
influenciou fortemente o estilo literário, da Antiguidade até épocas muito
à medida que o latim foi expulso, as mulheres entraram cada vez em
recentes (Balogh 1926; Crosby 1936; Nelson 1976-1977; Ahern 1982).
maior número na academia, que também passou a ter uma orientação
Ainda aspirando à velha oralidade, o século XIX desenvolveu disputas de
cada vez mais comercial (Ong 1967b, pp. 241-255).
"elocução", que tentavam dar a textos impressos um ar primitivo, usando
uma cuidadosa habilidade para memorizar os textos literalmente e recitá-
los de modo que soassem como produções orais de improviso (Howell
1971, pp. 144-256). Dickens lia excertos de seus romances no palanque • Literalmente: "leitura", "escrita" e "aritmética", numa forma popular, estudantil, jocosa.
de orador. O célebre McGuJfey's readers, de que foram publicadas nos (N.T.)
Embora este livro se ocupe principalmente da cultura oral e das
mudanças no pensamento e na expressão introduzi das pela escrita, ele
deve fazer breves considerações sobre a impressão, pois esta tanto reforça
quanto transforma os efeitos da escrita sobre o pensamento e a expressão.
Uma vez que o desvio da fala para a escrita constitui essencialmente um
desvio do universo sonoro para o espaço visual, aqui os efeitos da
impressão no uso do espaço visual podem constituir o foco de atenção
central, embora não o único. Esse foco revela não apenas a relação entre
a impressão e a escrita, mas também a relação da impressão com a
oralidade ainda residual na escrita e na cultura tipográfica inicial. Além
disso, embora todos os efeitos da impressão não se reduzam a seus efeitos
sobre o uso do espaço visual, muitos dos outros efeitos decididamente se
relacionam a esse uso de várias maneiras.
Em um trabalho deste alcance, não há nem mesmo como enumerar
todos os efeitos da impressão. Até mesmo uma leitura superficial dos dois
volumes de Elizabeth Eisenstein, Ibe printing press as an agent of change
[A prensa tipográfica como agente de mudança] (1979), torna extrema-
mente evidente como os efeitos específicos da impressão têm sido impressão de caracteres tipográficos alfabéticos, na qual cada letra era
diversificados e imensos. Eisenstein explica em detalhes como a impres- gravada em uma peça separada de metal, assinalou uma ruptura psicoló-
são fez da Renascença italiana uma Renascença européia permanente, gica de primeira ordem. Ela embutiu profundamente a própria palavra no
como ela implementou a Reforma protestante e reorientou a prática processo de manufatura e transformou-a em uma espécie de produto. A
religiosa católica, como afetou o desenvolvimento do capitalismo moder- primeira linha de montagem, uma técnica de manufatura que, em uma
no, implementou a exploração européia do planeta, mudou a vida em série de etapas fixas, produz objetos complexos idênticos compostos de
fanúlia e a política, difundiu o conhecimento como nunca antes, tornou partes substituíveis, não era do tipo que produz fogões, sapatos ou armas,
a cultura escrita universal um objetivo sério, permitiu a ascensão das mas de um tipo que produzia o livro impresso. Em fins de 1700, a
ciências modernas e, por outro lado, alterou a vida social e intelectual. revolução industrial aplicou à outra manufatura as técnicas de substituição
Em 1be Gutenberg galaxy [A galáxia de Gutenberg] (962) e Under- de partes com que os impressores haviam trabalhado durante 300 anos.
standing media [Entendendo a mídia] (964), Marshall MCLuhan chamou Apesar das afirmações de muitos semiólogos estruturalistas, foi a impres-
a atenção para muitos dos modos mais sutis pelos quais a impressão são, e não a escrita, que realmente reificou a palavra e, com ela, a
afetou a consciência, como George Steiner também fez em Language and atividade noética (Ong 1958b, pp. 306-318).
silence [Linguagem e silêncio] (1967) e como tentei fazer em outros A audição, mais do que a visão, dominara o antigo mundo
trabalhos (Ong 1958b; 1967b; 1971; 1977). Esses efeitos mais sutis da noético de maneira significativa, até mesmo muito depois que a escrita
impressão sobre a consciência, mais do que os efeitos sociais imediata-
estivesse profundamente interiorizada. A cultura manuscrita no Ociden-
mente observáveis, são nossa preocupação aqui.
te permaneceu sempre marginalmente oral. Ambrósio de Milão captou
Durante milhares de anos, os seres humanos vêm imprimindo o espírito anterior em seu Comentário sobre Lucas (iv. 5); "A visão é
desenhos em superfícies gravadas de diferentes maneiras, e desde o muitas vezes enganadora, a audição serve como garantia." No Ocidente,
século VII ou VIII, chineses, coreanos e japoneses imprimem textos durante a Renascença, a oração foi a mais ensinada de todas as
verbais, inicialmente em blocos de madeira gravados em relevo (Carter produções verbais e permaneceu implicitamente o paradigma básico de
1955). Porém, o desenvolvimento crucial na história global da impressão todo discurso, tanto escrito quanto oral. O material escrito era subsidiá-
foi a invenção da impressão de caracteres alfabéticos tipográficos na rio da audição de maneiras que nos parecem hoje estranhas. A escrita
Europa do século XV. A escrita alfabética fragmentara a palavra em servia em geral para reciclar o conhecimento, embebendo-o novamente
equivalentes espaciais de unidades fonológicas (em princípio, embora as no mundo oral, como nos debates universitários medievais, na leitura
letras nunca resultassem em indicadores totalmente fonológicos). Mas as de textos literários e de outros textos para grupos (Crosby 1936; Ahern
letras usadas na escrita não existem anteriormente ao texto em que 1981; Nelson 1976-1977) e na leitura em voz alta até mesmo quando se
OCorrem. Com o caractere tipográfico não é assim. As palavras são estava lendo para si próprio. Pelo menos até o século XII na Inglaterra,
compostas de unidades (tipos) que preexistem, como unidades, às a verificação de cálculos financeiros escritos ainda era feita auricular-
palavras que irão constituir. A impressão sugere que as palavras são mente, fazendo-se com que fossem lidos em voz alta. Clanchy 0979,
coisas, muito mais do que a escrita jamais fizera.
pp. 215, 183) descreve a prática e chama a atenção para o fato de que
Como o alfabeto, a impressão de caracteres tipográficos alfabéticos ela ainda está inscrita em nosso vocabulário: ainda hoje falamos de
foi inventada uma só vez (Ong 1967b, e referências lá citadas). Os "auditoria", isto é, de "ouvir" livros de contabilidade, embora o que um
chineses tinham tipos móveis, mas não o alfabeto, apenas caracteres contador realmente faça atualmente seja um exame visual. Anteriormen-
basicamente pictográficos. Antes de meados de 1400, os coreanos e os te, os povos residualmente orais podiam entender melhor até mesmo
turcos uigur tinham tanto o alfabeto quanto o tipo móvel, porém os tipos os números ouvindo, e não olhando.
móveis não portavam caracteres separados, e, sim, palavras inteiras. A
As culturas manuscritas permaneceram em geral oral-auriculares
até mesmo na recuperação de material preservado em textos. Os manus-
critos não eram fáceis de ler segundo padrões tipográficos posteriores, e
o que os leitores encontravam em manuscritos tendiam a confiar pelo
menos de certo modo à memória. Localizar novamente um material em
um manuscrito nem sempre era fácil. A memorização era encorajada e
facilitada também pelo fato de que, em culturas manuscritas altamente
orais, a verbalização que se encontrava até mesmo em textos escritos
conservava a padronização mnemânica que levava à recordação imediata.
Além disso, os leitores comumente vocalizavam, liam lentamente em voz
alta ou solto voce mesmo quando sozinhos, e isso também auxiliava a fixar
o material na memória.
FINNEGAN, Ruth (970). Oralliterature in Africa. Oxford: Clarendon Press. GLADWIN, Thomas (970). East is a big bird: Nauigation and logic on pllluwat Atoll.
Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
- (977). Oralpoetry: Its natllre, significance, and social contextoCambridge,
Inglaterra: Cambridge University Press. GOLDIN, Frederick Corg.) (973). Lyrics of the troubadours and trouueres: An
anthology and a History. Tradução e introdução de Frederick Goldin.
____ (978). A world treasury of oral poetry. Introdução de Ruth Finnegan. Garden City, Nova York: Anchor Books.
BIoomington e Londres: Indiana University Press.
GOODY, Jack (John Rankin] Corg.) 0968a). Literacy in traditional societies. Introdu-
FISH, Stanley (972). Seif-consuming artifacts: 7be experience of seuenteenth century ção de Jack Goody. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press.
poetry. Berkeley, Califómia e Londres: University of Califomia Press.
____ 0968b). "Restricted Iiteracy in Northem Ghana". In: Jack Goody Corg.).
FOLEY, John MiJes (977). "The traditional oral audience". Balkan Studies, 18, pp. Literacy in traditional societies. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University
145-153. Descreve as estruturas sociais, rituais, de parentesco etc. na Press, pp. 198-264.
apresentação oral num festival sérvio em 1973.
____ (977). 7be domestication of the sauage mind. Cambridge, Inglaterra:
- (979). Review of Oralpoetry: Its nature, significance, and social context Cambridge University Press.
(977) por Ruth Finnegan. Balkan Stlldies, 20, pp. 470-475.
GOODY, Jack (John Rankine] e Watt, Ian (968). "The consequences of Iiteracy". In:
____ 0980a). "Beowuif and traditional narra tive song: The potential and Iimits Jack Goody Corg.). Literacy in traditional societie. Cambridge, Inglaterra:
of comparison". In: John D. Niles Corg.). Old English Literature in conte.xt: Cambridge University Press, pp. 27-84.
Ten essays. Londres, Inglaterra, e Totowa, Nova Jersey: Boydell, Rowman & GRlMBLE, A.F. (957). Return to the Islands. Londres: Murray.
Littlefield), pp. 117-136, 173-178. Sugere que o que uma fórmula oral
realmente é e como funciona depende da tradição na qual é usada. No GULIK, Robert Hans van Ctrad. e org.) (949). 7bree murder cases solued 0'judge
entanto, a existência de um número muito grande de semelhanças justifica dee: An old chinese detectiue nouel. Tóquio: Toppan Printing Co. O original
que se continue a usar o termo fórmula oral. é uma obra anônima chinesa do século XVIII. O Dee Goong Ao histórico,
ou "Juiz Dee" C630-700 d.C), aparece em histórias chinesas anteriores.
___ 0980b). "Oralliterature: Premises and problems". Choice, 18, pp. 487-496.
GUMPERZ, John]., KALTMANN, Hannah e O·CONNOR, Catherine 0982 ou 1983).
Artigo especializado, com valiosa bibliografia, que inclui uma lista de
gravações sonoras. "The transition to Iiteracy". A ser publicado In: Deborah Tannen Corg.).
Coherence in spoken and written discollrse. Esse trabalho foi apresentado
___ Corg.) (981). Oral traditionalliterature: A Festschriftfor Albert Bates Lord. numa sessão prévia da 32ª Georgetown University Round Table on Langua-
Columbus, Ohio: Slavica Press). ges and Linguistics, março de 1981, pp. 19-21. Manuscritos cedidos pelos
FORSTER, E.M. (974). Aspects of the nouel and relatea um"tings.Londres: Edward autores.
Amold. GUXMAN, M.M. (970). "Some general regularities in the formation and develop-
FRITSCHI, Gerhard (981). "Oral experience in some modem African novels". Texto ment of nationallanguages". In: Joshua A. Fishman Corg.). Readings in the
datilografado, 282 pp., cedido pelo autor. sociology of language. The Hague: Mouton, pp. 773-776.
HADAS, Moses (954). Ancilla to ClassicalReading. Nova York: Columbia University
FRYE, Northrop (957). Anatomy of criticism. Princeton, Nova Jersey: Pri~ceton
Press.
University Press.
HAJNAL, István (954). L'Enseignement de l'écriture allx uniuersités médiévales.
GELB, IJ. (963). A study of writing. Edição revisada. Chicago: University of Chicago
Budapest: Academia Scientiarum Hungarica Budapestini.
Press. Originalmente publicado como A study of writing. 7be Foundations of
grammatology, 1952. HARMS, Robert W. (980). "Bobangi oral traditions: Indicators of changing percep-
tions". In: Joseph C Miller Corg.). 7be African past-speaks. Londres: Dawson;
Hamden, Conn.: Archon, pp. 178-200. Essas abordagens baseiam-se no HIRSCH, E.D., ]r. (1977). rbe philosophy of composition. Chicago e Londres:
pressuposto de que as tradições orais são memorizadas e transmitidas não University of Chicago Press.
em virtude de uma curiosidade ociosa acerca do passado, mas porque fazem HOLOKA, ]ames P. (1973). "Homeric originality: A survey". Classical World, 66, pp.
afIrmações importantes acerca do presente.
257-293. Valiosa bibliografIa comentada; 214 entradas. Cf. também Haymes
HARTMAN, Geoffrey (1981). Saving the text:Literature/Derrida/Philosophy. Baltimo- 1973.
re, Md: ]ohns Hopkins University Press.
HOPKINS, Gerard Manley (1937). Note-books and papers ofGerard Man/ey. Hopkins.
HAUGEN, Einar (1966). "Linguistics and language planning". In: William Bright Ed. Humplirey House. Londres: Oxford University Press.
(org.). Socio/inguistics: Proceedings ofthe UCIA Socio/ingllistics Conference HORNER, Winifred B1Yan (1979). "Speech-aet and text-aet theo1Y: 'Theme-ing' in
1964. The Hague: Mouton, pp. 50-71. freshman composition". Co/lege Composition and Communication, 30, pp.
HAVELOCK, Eric A. (1963). Preface to Plato. Cambridge, Mass.: Belknap Press of 166-169.
Harvard University Press. ___ (1980). Historical rhetoric: An annotated bibliography of selected sOllrces
___ (1973). "Prologue to Greek literacy". In: Lectures in memory of LOlliseTaft in English. Boston, Mass.: G.K. Hall.
Samp/e, University of Cincinnati Classical Studies, vol. 2. Norman, Okla.: HOWELL, Wilbur Samuel (1956). Logic and rhetoric in England, 1500-1700.
University of Oklahoma Press, 229-291. Princeton, Nova ]ersey: Princeton University Press.
___ (1976). Origins of western literacy. Toronto: Ontario Institute for Studies in ___ (1971). Eighteenth-Centllry British logic and rhetoric. Princeton, Nova
Education). ]ersey: Princeton University Press.
___ (1978a). rbe greek concept of justice: From its shadow in homer to its ISER, Wolfgang (1978). rbe act of reading: A theory of aesthetic response. Baltimore
sllbstance in Plato. Cambridge, Mass., e Londres, Inglaterra: Harvard Univer- e Londres: lobos Hopkins University Press. Originalmente publicado como
sity Press). Der Akt des Lesens: rbeorie asthetischer Wirkung. Munique: Wilhelm Fink,
1976).
___ (1978b). "The alphabetization of Homer". In: Eric A. Havelock e ]ackson
F. Herschell (orgs.). Communication arts in the ancient world (Nova York: MNS, William M., ]r. (1953). Pnnts and visual communication. Cambridge, Mass.:
Hastings House, pp., 3-21. Harvard University Press.
___ (1979). "The ancient art of oral poetry". Philosophy and Rhetoric, 19, pp. ]AYNES, ]ulian (1977). rbe origins of consciollsness in the breakdown of the
187-202. bicameral mind. Boston: Houghton Mifflin.
HAVELOCK, Eric A. e HERSCHELL, ]ackson P. (orgs.) (1978). Communication arts ]OHNSON, ]ohn William (1979a). "Somali prosodic systems". Hom of Africa, 2 (3).
in the ancient world. Humanistic Studies in the Communication Arts. Nova (Julho-setembro), pp. 46-54.
York: Hastings House. ___ (1979b). "Recent contributions by Somalis and Somalists to the study of
HAWKES, Terence (1977). Structuralism and semiotics. Berkeley e Los Angeles: oral literature". In: Hussein M. Adam (org.). Somalia and the world:
University of California Press; Londres: Methuen. Proceedings ofthe International Symposium. 15 a 21 de outubro. Mogadishu:
Halgan, pp. 117-131.
HAYMES, Edward R. (1973). A bibliography of stlldies relating to parry's and lord's
]OUSSE, MareeI (1925) Le style oral rhythmique et mnémotechniqlle chez /es
oral theory. Publicação da Milman Pafl)' Collection: Documentation and
Verbo-moteurs. Paris: G. Beauchesne.
Planning Series, I. Cambridge, Mass.: Harvard University Press). Valiosa
bibliografIa comentada; 500 entradas. cr
também Holoka 1973. ___ (1978). Leparlant, laparo/e, et/esouf/le, prefácio de Mauricc Homs, École
Pratique des Hautes Études. L'Anthropologie du geste. Paris, Gallirnard.
HENIGE, David (1980). '''The discase of writing': Ganda and Nyoro, kinglists in a
newly literate world". In: ]oseph C. Miller (org.). African past speaks. KAHLER, Erich (1973). rbe inward tum of narrative. Tradução de Richard Clara
Londres: Dawson: Hamden, Cono.: Archon, pp. 240-261. Winston. Princeton, Nova ]ersey: Princeton University Press.
LORD, Albert B. (960). "The singer of tales". Hanlard Studies in Comparative
KELBER, Wemer (980). "Mark and oral tradition". Semeia, 16, pp. 7-55. Literature, 24. Cambridge, Mass.: Harvard University Press.
___ (983). 7be oral and the writtengospel: 7be hermeneutics ofspeaking and ____ (975). "Perspectives on recent work in oral literature". In: ]oseph ].
writing in the synoptic tradition, Mark, Paul and Q. Filadélfia: Fortress Press. Duggan Corg.). Oralliterature. Nova York: Bames and Noble, pp. 1-24.
KENNEDY, George A. (980). Classical rhetorie and its christian and secular
LOTMAN, ]urij (977). 7be stmcture ofthe artistic textoTradução de Ronald Vroon.
traditionfrom ancient to modern times. Chapel Hill, NC: University of North
Michigan Slavic Contributions, 7. Ann Arbor, Mich.: University of Michigan.
Carolina Press.
LOWRY, Martin (979). 7be world of aldus manutius: Business and Scholarship in
KERCKHOVE, Derrick de (981). "A theOIY of Greek tragedy". Sub-stance, publica-
Renaissance Veniee. Ithaca, Nova York: Comell University Press.
do por Sub-Stance, Inc., University of Wisconsin, Madison, verão de 1981.
LURJA [também Lurriia], Aleksandr Romanovich (976). Cognitive Development: Its
KIPARSKY, Paul (976). "Oral poetry: Some linguistic and typological considera-
cultural and socialfoundations. In: Michael Cole Corg.), tradução de Martin
tions". In: Benjamin A. Stolz e Richard S. Shannon Corgs). Oralliterature and
Lopez-Morillas e Lynn Solotaroff. Cambridge, Mass. e Londres: Harvard
theformula. Ann Arbor, Mich.: Center for the Coordination of Andent and
University Press.
Modem Studies, pp. 73-106.
KROEBER, A.L. (972). inquiry". In: Garrick Mallery Corg.). Sign
"Sign language LYNN, Robert Wood (973). "Civil catechetics in mid-Victorian America: Some notes
language among North American Indians. The Hague: Mouton. Reimpres- about American civil religion, past and present". ReligiousEdueation, 68, pp.
são Washington, DC, 1981. 5-27.
LANHAM, Richard A. (968). A handlist of rhetorical terms. Berkeley: University of MACHEREY, Pierre (978). A theory of literaey prodlu::tion. Tradução de Geoffrey
Califomia Press). Wall. Londres e Boston: Roudedge & Kegan Paul. Título original em francês
Pour une théorie de la produetion littéraire (966).
LEAKEY, Richard E. e Lewin, Roger (979). People of the lake: Mankind and its
beginnings. Garden City, Nova York: Anchor PresslDoubleday. MACKAY, Ian (978). Introdueingpraetieal phoneties. Boston: Little, Brown.
LÉVI-STRAUSS, Claude (963). Totemism. Tradução de Rodney Needham. Boston: McLUHAN, Marshall (962). 7be Gutenberg Galaxy: 7be making oftypographie mano
Beacon Press. Toronto: University of Toronto Press.
____ (966). 7be savage mind. Chicago: University of Chicago Press. Título (964). Understanding media: 7be extensions of mano Nova York:
original em francês La pensée sauvage, 1962. McGraw-Hill.
____ (970). 7be raw and the cooked. Tradução de ]ohn e Doreen Weightman. McLUHAN, Marshall e FlORE, Quentin (967). 7be medium is the massage. Nova
Nova York: Harper & Row). Título original em francês Le em et le cuit, 1964. York: Bantam Books.
____ (979). Myth and meaning, the 1977 Massey Lectures, CBS Radio series, MALINOWSKI, Bronislaw (923). "The problem of meaning in primitive languages".
"Ideas". Nova York: Schocken Books. In: c.K. Ogden, eLA. Richards Corgs.). 7be meaning of meaning: A study of
LÉVY-BRUHL, Luden (910). Lesfonctions mentales dans les soeiétés inférieures. the influenee of language upon thought and of the seienee of symbolism.
Paris: F. Alcan. Introdução de ].P. Postgate e ensaios complementares por B. Malinowski e
F.G. Crookshank. Nova York: Harcourt, Brace; Londres: Kegan Paul, Trench,
____ (923). Primitiue mentality. Tradução autorizada de Lilian A. Clare. Nova
Trubner, pp. 451-10.
York: Macmillan. Título original em francês La mentalité primitive.
LEWIS, Clive Staples (954). English literature in the sixteenth eentury (excluding
MALLERY,Garrick (972). Sign language among North Ameriean Indians eompared
drama). Oxford: Clarendon Press.Oxford history of english literature, vol. 3. with that among otherpeoples and Deaf-Mutes, com artigos de A.L. Kroeber
e c.F. Voegelin, Approaches to Semiotics, 14. The Hague: Mouton. Reimpres-
LLOYD, Geoffrey Edward R. (966). Polarity and analogy: Two types of argumenta- são de uma monografia publicada em 1881 no primeiro Report ofthe Bureau
tion in ear?y Greek thought. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University of Ethnology.
Press.
MARANDA, Pierre, e MARANDA, Elli Kongãs (orgs.) (971). Stntctural analysis of
Pantheon Books. Originalmente publicado com o título Urspnmgsgescbicbte
oral tradition. Filadélfia: University of Pennsylvania Press. Estudos de Claude des Bewusstseins (949).
Lévi-Strauss, Edmund R. Leach, DelI Hymes, A. Julien Greimas, Victor Tumer,
James L. Peacock, Alan Dundes, ElIi Kongãs Maranda, Alan Lomax e Joan OBIECHINA, Emmanuel (975). Culture, tradition, and society in tbe WestAfrican
Halifax, Roberto de Mana, e David Maybury-Lewis. nove/. Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press. "The blending of
impulses from the oral and the literary traditions gives the West African nove!
MARKHAM, Gervase (675). 7be englisb bouse-wife, containing tbe inward and its distinctive local colar", p. 34.
outward Vertues wbicb ougbt to be in a compleat woman: As ber skill in
pbysick, cbintrgery, cookery, extraction of oyls, banquetting stuff, ordering of O'CONNOR, Michael Patrick (980). Hebrew verse stntcture. Winona Lake, Ind.:
great feasts, preserving all sorts of wines, conceited secrets, distillations, Eisenbrauns. Com habilidade e admirável verve, beneficia-se da obra de
perfumes, ordering of wool, bemp, jlax; making clotb and dying; tbe Parry, Lord e Ong para reavaliar a poesia hebraica segundo as novas
knowledge of dayries; oflice of malting; of oats, tbeir e.xcellentuses in families; descobertas acerca das culturas orais e sua psicoclinâmica.
of brewing, baking and ali otber tbings belonging to tbe bousebold. A Work OKPEWHO, Isidore (979). 7be Epic in Africa: Toward a poetics of tbe oral
generalIy approved, and now the Eighth Time much Augmented, Purged, performance. Nova York: Columbia University Press.
and made the most profitable and necessary for alI men, and the general
OLIVER, Robert T. (971). Communication and culture in Ancient India and Cbina.
good of this Nation. Londres: George Sawbridge.
Syracure, Nova York: Syracuse University Press.
MARROU, Henri-Irénée (956). A bistory of Education in Antiquity. Tradução de
OLSON, David R. (977). "From utterance to text: The bias of language in speech
George Lamb. Nova York: Sheed & Ward.
and writing". Haroard Educational Review, 47, pp. 257-281.
MEGGITT, Mervyn (968). "Uses of literacy in New Guinea and Melanesia". In: Jack
___ 0980a). "On the language and authority of textbooks". journal of
Goody (org.). Literacy in traditional societies. Cambridge, Inglaterra: Cam-
Communication, 30 (4). Inverno de 1980, pp. 186-1%.
bridge University Press, pp. 300-309.
___ (org.) 0980b). Socialfoundations of language and tbougbt. Nova York:
MERLEAU-PONTY, Maurice (961). "L'Oeil et l'esprit". Les temps modernes, 18, pp. Norton.
184-185. Número especial: "Maurice Merleau-Ponty", pp. 193-227.
ONG, Walter J. 0958a). Ramus and Talon Inventory. Cambridge, Mass.: Harvard
MILLER, Joseph C. (980). 7be african past speaks: Essays on oral tradition and University Press.
bistory. Londres: Dawson; Hamden, Conn.: Archon.
____ 0958b). Ramus, metbod, and tbe decay of dialogue. Cambridge, Mass.:
MILLER,Joseph Hillis (979). "On edge: The crossways of contemporary criticism". Harvard University Press.
Bulletin oftbe American Academy of Arts and Sciences, 32, (2). Janeiro, pp.
____ (962). 7be barbarian witbin. Nova York: MacmilIan.
13-32.
___ 0967a). In tbe Human Grain. Nova York: Macmillan; Londres: Collier-
MILLER, Perry e Johnson, Thomas H. (938). 7be puritans. Nova York: American Macmillan.
Book Co.
___ 0967b). 7bepresence oftbe word. New Haven e Londres: Yale University
MURPHY, James J. (974). Rbetoric in tbe middle ages:A bistory of rbetorical tbeory Press.
from St Augustine to tbe Renaissance. Berkeley, Los Angeles, e Londres:
University of Califomia Press. --_ (971). Rbetoric, romance, and tecbnology. Ithaca e Londres: ComeU
University Press.
NÃNNY, Max (973). Ezra Pound: Poeticsfor an electricage. Beme: A. Franke Verlag.
___ (977). Interfaces oftbe word. Ithaca e Londres: ComeU University Press.
NELSON, William 0976-1977). "From 'Listen, Lordings' to 'Dear Reader"'. Unil'ersity
___ (978). "Literacy and orality in our times". ADE Bulletin, 58. Setembro de ~
ofToronto Quarterly, 46, pp. 111-124.
1978, pp. 1-7.
NEUMANN, Erich (954). 7be origins and bistory of consciousness. Prefácio de c.G.
____ (981). Figbting for li/e: Contest, se.xuality, and consciousness. Ithaca e
Jung, tradução para o inglês de R.F.C. HulI. Bollingen Series,XLII. Nova York:
Londres: ComelI University Press.
OPIE, lona Archibald e OPIE, Peter (952). 1be Oxford Dictionary of nursery rhymes.
Oxford: Clarendon Press.
T POTTER, Stephen (937).
Jonathan Cape.
7be MlIse in Chains: A study in edllcation. Londres:
OPIAND, Jeffrey (975). Imbongi Nezibongo: The Xhosa tribal poet and the PRATT, Mary Louise (977). Toward a speech act theory of literary discollrse.
contemporary poetic tradition". PMIA, 90, pp. 185-208. Bloomington e Londres: Indiana University Press.
(976). Discussão anexa do artigo "Oral Poetry: Some linguistic and
PROPP, Vladimir lakovlevich (968). M01phologyoftheFolktale. 2ª ed. revista. Austin
---ty-pological considerations", de Paul Kiparsky. In: Benjamin A. Stoltz e
e Londres: University of Texas Press, for the American Folklore Society and
Richard S. Shannon (orgs.). Oral literature and the formula. Arm Arbor,
the Indiana University Research Center for the Language Sciences.
Michigan: Center for the Coordination of Ancient and Modern Studies, pp.
107-125. REICHERT, John (978). "More than kin and less than kind: Limits of genre theory".
In: Joseph P. Strelka (org.). 7beories of literary genre. Yearbook of compara-
OPPENHEIM, A. Leo (964). Ancient Mesopotamia. Chicago: University Chicago
tive Criticism, vol. VIII. University Park and Londres: Pennsylvania State
Press. University Press, pp. 57-79.
PACKARD, Randall M. (980). "The study of historical process in African traditions
RENOU, Louis (965). 7be destiny of the Veda in India, ed. Dev Raj Chanana. Delhi,
of genesis: The Bashu myth of Muhiyi". In: Joseph c. Miller (org.). 1be
Patna, Varanasi: Motilal Banarsidass).
African past speaks. Londres: Dawson; Hamden, Cohn.: Archon, pp. 157-177.
PARKER, William Riley (967). "Where do English departrnents come from?". College RICHARDSON, Malcolm (980). "Henry V, the English chancery, and chancery
English", Speclllllm, 55, (4). Outubro de 1980, pp. 726-750.
English, 28, pp. 339-351.
PARRY, Adam (971). Introdução, pp. ix-xlii e notas, passim. In: Milman Pany. 1be ROSENBERG, Bruce A. (970). 7be art ofthe americanfolkpreacher. Nova York:
making of Homeric verse: 1be collecedpapers of Milman Parry, Adam Pany Oxford University Press.
(org.). Oxford: Clarendon Press. ____ (978). "The genres of oral narrative". In:Joseph P. Strelka (org.). 7beories
PARRY, Anne Amory (973). Blameless Aegisthus: A Study of aflúflúlV and other of literarygenre. Yearbook of comparative criticism, vol. VIII. University Park
Homeric Epithets. Mnemosyne: Bibliotheca Classica Batava, Supp. 26. Ley- e Londres: Pennsylvania State University Press, pp. 150-165.
den: E.J. Brill. ROUSSEAU, Jean-Jacques (821). "Essa i sur I'origine des langues: ou il est parlé de
PARRY, Milman (928). L 'Epithetetraditionelle dans Homere. Paris: Société Éditrice Ia mélodie et de l'imitation musicale". In: Oellures de]] Rousseall (21 vols.,
Les Belles Lettres. Na tradução inglesa, pp. 1-190. In: Milman Parry. 1be 1820-1823) vol. 13, Écrits sur Ia musiqlle. Paris: E. Lequien, pp. 143-221.
making of Homeric verse. Adam Pany (org.). Oxford: Clarendon Press, 1971.
RUTLEDGE, Eric (981). "The lessons of apprenticeship: music and textual variation
___ (971). 1be making Q(Homeric verse:1be collectedpapers of Milman Parry, in japanese epic tradition". Paper lido no 96ª Convenção Anual da Modern
[Seu filho] Adam Pany (org.). Oxford: Clarendon Press. Languages Association of America, Nova York, NY, 27 a 30 de dezembro de
PEABODY, Berkley (975). 1be winged word: A study in the technique of ancient 1981, programa item 487, "Anthropological approaches to literature". 29 de
Greek oral composition as seen principally through Hesiod's works and days. dezembro, manuscrito do autor.
Albany, Nova York: State University of New York Press. SAMPSON, Geoffrey (980). Schools of /ingllistics. Stanford, Califómia: Stanford
PLAKS, Andrew H. (org.) (977). Chinese narrative: Critical and theoretical essays. University Press.
Prefácio de Cyril Birch. Princeton, Nova Jersey: Princeton University Press. SAUSSURE, Ferdinand de (959). COllrsein generallingllistics. Tradução de Wade
PLATÃO. As referências a Platão seguem os números Stephanus usuais, mediante Baskin, editado por Charles Bally e Albert Sechehaye, em colaboração com
os quais elas podem ser identificadas em todas as edições eruditas e na Albert Reidlinger. Nova York: Philosophical Library. Originalmente publica-
maioria das edições comuns. do em francês, 1916.
PLATÃO (973). Phaednls and Letters VII and VIII. Tradução com introdução de SCHEUB, Harold (977). "Body and image in oral narrative performance". New
Walter Hamilton. (Harmondsworth, Inglaterra: Penguin Books. Literary History, 8, pp. 345-367. Inclui fotografias da gesticulação com as
mãos e outras partes do corpo por declamadoras
Xhosa.
de narrativas entre os
T STOKOE, William, c., Jr. (1972). Semiotics and human sign language. The Hague e
Paris: Mouton.
STOIZ, Benjamin A. e Shannon, Richard S. (orgs.) (976). Oral /iterature and the
SCHMANDT-BESSERAT, Denise (978). "The ear1iest precursor ofwriting". Scientific
formula. Ann Arbor, Mich.: Center for the Coordination of Ancient and
American, 238, (6). Junho de 1978, pp. 50-59. Trata de selos de barro ocos
Modem Studies.
e sinais gravados em barro do penodo neolítico na Ásia Ocidental por volta
de 9.000 a.c. e usados durante milhares de anos, ao que parece, principal- TAMBIAH, S.J. (968). "Literacy in a Buddhist village in north-east Thailand". In: Jack
mente para registrar os bens ou carregamentos de gado, cereais e outras Goody (org.). Literacy in traditional societies. Cambridge, Inglaterra: Cam-
mercadorias. Muito provavelmente um precursor da escrita que talvez tenha bridge University Press, pp. 85-131.
conduzido da escrita no seu sentido pleno.
TANNEN, Deborah 0980a). "A comparative analysis of oral narrative strategies:
SCHOLES, Robert e KELLOGG, Robert (966). 1be nature of narrative. Nova York: Athenian Greek and American English". In: Wallace L. Chafe (org.). 1bepear
Oxford University Press. stories: Cultural, cognitive, and /inguistic aspects of narrative production.
Norwood, Nova Jersey: Ablex, pp. 51-87.
SCRlBNER, Sylvia e COLE, Michael (978). "Literacy without schooling: Testing for
intelleetual effects", Harvard Educational Review, 48, pp. 448-461. ____ O 980b). "Implications of the oraVliterate continuum for cross-cultural
communication". In: James E. A1atis (org.). Georgetoum Uniwrsiy round table
SHERZER, Joel (974). "Namakke, Sunmakke, Kormakke: Three types of Cama on languages and /inguistics 1980: Current issues in bilingual education.
speech event". In: Richard Bauman e Joel Sherzer (orgs.). Explorations in the Washington, DC: Georgetown University Press, pp. 326-347.
ethnography of speaking. Cambridge, Inglaterra, e Nova York: Cambridge
University Press, pp. 263-282, 462-464, 489. Reeditado com a mesma TILLYARD, E.M.W. (958). 1be muse unchained: An intimate account of the
paginação: Institute of Latin American Studies, University of Texas at Austin, reuolution in Englisb studies at Cambridge. Londres: Bowes & Bowes.
Offprint Series, 174 (s.d.). TOELKEN, Barre (976). "The 'Pretty Languages' of Yellowman: Genre, mode, and
____ (981). "The interplay of strueture and function in Kuna narrative, or, how texture in Navaho Coyote narratives". In: Dan Ben-Amos (org.). Folklore
to grab a snake in the Darien". In: Deborah Tannen (org.). Georgetoum Genres. Austin, Texas e Londres: University of Texas Press, pp. 145-170.
university round tab/e on languages and /inguists 1981. Washington, DC: VISIBLELANGUAGE (former1y foumal of Typographic Research) Publishes many
Georgetown University Press, pp. 306-322. valuable articles about typography, its constitution and development, its
SIERTSEMA, B. (955). A study of glossematics: Critical sunry of itsfundamental psychological and cultural effeets etc.
concepts. The Hague: Martinus Nijhoff. WATT, Ian (967). The rise of the novel: Studies in Defoe, Richardson, and fw/ding.
Berkeley: University af Califomia Press. Rpt. 1957.
SOLT, Mary Ellen (org.) (970). Concretepoetry: A wor/d uiew. Bloomington: Indiana
University Press. WHITMAN, Cedric M. (1958). Homer and the Homeric tradition. Cambridge, Mass.:
Harvard University Press). Reimpressão Nova York: Norton, 1965. Discute a
SONNINO, Lee Ann (968). A bandbook for sixteenth-century rhetoric. Londres:
"estrutura geométrica da l/íadd', 249-284 (inclui um apêndice com diagra-
Routledge & Kegan Paul.
ma). Através da composição circular (que termina uma passagem com a
SPARKS, Edwin Erie (org.) (908). 1be Lincoln-Douglas debates of 1858. Collections fórmula que a iniciou), Homero (inconscientemente?) organiza a Ilíada
of the nJinois State Historical Library, vol. m, Lincoln Series, vol. I. Spring- segundo um padrão geométrico, como caixas dentro de caixas. A l/íada é
field, m.: nJinois State Historical Library. tecida a partir de um episódio sem importância; a Odisséia é mais complexa,
pp. 306 ss.
STEINBERG, S.H. (974). File bundred years of printing. 3' ed. revista por James
Moran. Harmondsworth, Inglaterra: Penguin Books. \VILKS, Ivor (1968). "The transmission of Islamic leaming in the westem Sudan". In:
Jack Goody (org.). Literacy in traditional societies. Cambridge, Inglaterra:
STEINER, George (967). Language and si/ence: Essays on language, /iterature and
Cambridge University Press, pp. 162-197.
the Inhuman. Nova York: Athenaeum.
WILSON, Edward O. (1975). Sociobiology: 1be new synthesis. Cambridge, Mass.:
BeIknap Press of HalVard University Press.
WOLFRAM, Wa1t (1972). "Sociolinguistic premises and the nature of nonstandard
dialeets". In: Arthur L. Smith Corg.). Language, communication, and rhetoric
in Black America. Nova York: Harper & Row, pp. 28-40.
YATES, Frances A. (1966). 1be art of memory. Chicago: University of Chicago Press.
ZWETIlER, Michael J. (1977). 1be oral tradition of classical Arabic poetry. Colum-
bus, Ohio: Ohio State University Press.
Qohe1eth (Eclesiastes) 25
Quintiliano (~Iarcus Fabius Quintilianus) 127 Tambiah, S.]. 109
Tannen, Deborah 36
Ramus, Peter (Pierre de Ia Ramée) 153, 188 Textor, loannes Revisius 143
Renou, Louis 79 Thackeray, William Makepeace 174
Richardson, Malcolm 124 Thomas de Muschamps 113
Richardson, Samue1 172 Tillyard, E.M.W. 182
Ricoeur, Paul 191 Todorov, Tzvetan 185, 187
Riffaterre, Michaell91 Toelken, Barre 70
Robbe-Grillet, Alain 166, 170 Tomás de Aquino 111
Rosenberg, Bruce 38
Rousseau, ]ean-]acques 91, 186
Updike, ]000 84
Rureke, Candi 57, 165, 180-181
Usener, Hermann 163
Rudedge, Eric 76-78