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tradução

Enid Abreu Dobránszky

ORALIDADE E CULTURA ESCRITA


A TECNOLOGlZAÇÃO DA PALAVRA


Título original em inglês: Orali/y & literacy:
The technologizing o( the word
© Methuen & Co. Ltd, 1982
reeditado pela Routledge, 1988

Tradução: Enid Abreu Dobránszky


Capa: Femando Comacchia
Copidesque: Mônica Saddy Marlins
Revisão: Liliane Moreira Santos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Ong, Walter J.
Oralidade e cultura escrita: A tecnologização da palavra I
Walter Ong ; tradução Enid Abreu Dobránszky. - Campinas,
SP : Papirus, 1998.

CDD-302.224
Indices para catálogo sistemático:

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DIREITOS RESERVADOS PARA A LíNGUA PORTUGUESA:


© M.R. Comacchia Livraria e Editora LIda. - Papirus Editora AGRADECIMENTOS
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Anthony C. Da/y e Claude Pavur foram amáveis o
Campinas - Filial- Fone: (011) 570-2877 - São Paulo - Brasil. bastante para ler e comentar os rascunhos deste
livro e por esse trabalho o autor lhes agradece.
INTRODUÇÃO 9
1. A ORALIDADE DA LINGUAGEM 13

2. A DESCOBERTA MODERNA DAS CULTURAS


ORAIS PRIMÁRIAs 25

3. SOBRE A PSICODINÂMICA DA ORALIDADE 41

4. A ESCRITA REESTRUTURA A CONSCIÊNCIA 93


5. IMPRESSÃO, ESPAÇO E FECHAMENTO 135

6. MEMÓRIA ORAL, ENREDO E CARACTERIZAÇÃO 157


7. ALGUNS TEOREMAS 175

BIBLIOGRAFIA 201

ÍNDICE ONOMÁSTICO 219


Nos últimos anos, têm-se descoberto certas diferenças básicas entre
as maneiras de lidar com o conhecimento e a verbalização em culturas
orais primárias (culturas que ignoram completamente a escrita) e em
culturas profundamente afetadas pelo uso da escrita. As implicações das
novas descobertas têm sido surpreendentes. Muitos dos aspectos do
pensamento e da expressão na literatura, na ftlosofia e na ciência - e até
mesmo do discurso oral entre pessoas pertencentes à cultura escrita -,
que eram dados como certos, não são inteiramente inerentes à existência
humana como tal, eles surgiram em virtude dos recursos que a tecnologia
da escrita proporciona à consciência humana. Tivemos de proceder a uma
revisão do nosso entendimento da identidade humana.

O tema deste livro são as diferenças entre oralidade e cultura


escrita. Ou, antes, uma vez que os leitores deste ou de qualquer livro, por
definição, estão intimamente familiarizados com a cultura escrita, o tema
é, em primeiro lugar, o pensamento e sua expressão verbal na cultura oral
- estranha e por vezes extravagante para nós - e, em segundo, o
pensamento e a expressão na cultura escrita no que diz respeito a seu
nascimento na oralidade e a sua relação com ela.
o tema deste livro não é nenhuma "escola" de interpretação. Não tentará superar um pouco nossos preconceitos e abrir novos caminhos
há "escola" de oralidade e cultura escrita, ou algo equivalente ao para a compreensão.
formalismo, à nova crítica, ao estruturalismo ou ao desconstrucionismo, Ele se concentra nas relações entre oralidade e escrita. Foi com esta
embora a consciência da relação entre oralidade e cultura escrita possa última que se iniciou a cultura escrita, mas, em um estágio posterior, é
afetar o que é feito tanto nestas quanto em muitas outras "escolas" ou claro, ela também envolve a impressão. Portanto, este livro cobre tanto a
"movimentos", em todas as ciências humanas e sociais. O conhecimento impressão quanto a escrita e contém igualmente algumas men?õ~s ao
dos contrastes e das relações entre oralidade e cultura escrita normalmen- processamento eletrônico da palavra e do pensamento, como o rad~o e a
te não gera lealdades fervorosas a teorias; em vez disso, estimula a televisão via satélite. Nossa compreensão das diferenças entre orahdade
reflexão sobre aspectos da condição humana que são numerosos demais e cultura escrita não pôde se desenvolver antes da era eletrônica. Os
para permitir algum dia um arrolamento completo. Este livro se ocupará contrastes entre a mídia eletrônica e a impressão aguçaram nossa percep-
de um número razoável desses aspectos. Um tratamento exaustivo ção do contraste anterior entre escrita e oralidade. A era eletrônica é
demandaria muitos volumes. também uma era de "oralidade secundária", a oralidade dos telefones, do
rádio e da televisão, cuja existência depende da escrita e da impressão.
É útil abordar a oralidade e a cultura escrita de modo sincrônico,
pela comparação entre culturas orais e culturas quirográficas (ou seja, A mudança da oralidade para a cultura escrita e, depois, para o
escritas) que coexistem num dado período. Mas é absolutamente essen- processamento eletrônico envolve estruturas sociais, econômicas, políti-
cial abordá-Ias também diacrônica ou historicamente, pela comparação cas, religiosas entre outras. Estas, contudo, apenas indiretamente dizem
entre períodos sucessivos. A sociedade humana primeiramente se formou respeito a este livro, que trata preferencialmente das diferenças de
com a ajuda do discurso oral, tornando-se letrada muito mais tarde em "mentalidade" entre culturas orais e escritas.
sua história, e inicialmente apenas em certos grupos. O Roma sapiens
Quase todo o trabalho de comparação entre culturas orais e
existe há cerca de 30.000-50.000 anos. O mais antigo registro escrito data
culturas quirográficas realizado até agora concentrou-se mais nas diferen-
de apenas 6.000 anos atrás. O estudo dia crônico da oralidade e da cultura
ças entre oralidade e escrita alfabética do que entre oralidade e outros
escrita e dos vários estágios na evolução de uma para outra estabelece
sistemas de escrita (cuneiforme, caracteres chineses, silabário japonês,
um quadro de referência no qual é possível entender melhor não apenas
registro maia e assim por diante) e ocupou-se do alfabeto tal como é
a primitiva cultura oral e a subseqüente cultura escrita, mas também a
usado no Ocidente (o alfabeto é também conhecido no Oriente, como na
cultura impressa, que leva a escrita a um novo patamar, e a cultura
Índia, no Sudeste Asiático ou na Coréia). Aqui a discussão seguirá as
eletrônica, que se apóia tanto na escrita como na impressão. Nesse quadro
principais linhas do conhecimento acadêmico existente, embora também
diacrônico, passado e presente, Homero e televisão podem se esclarecer
seja dada alguma atenção, em questões relevantes, a outros registros além
mutuamente.
do alfabeto e a outras culturas além da ocidental.
Porém, o esclarecimento não ocorre facilmente. Compreender as
relações entre oralidade e cultura escrita e as implicações dessas relações
não é uma questão de psico-história ou de fenomenologia presentes. Isso Wj.o.
requer conhecimento amplo - vasto mesmo -, reflexão árdua e afirmações Universidade de Saint Louis
cautelosas. As questões não são apenas profundas e complexas, elas
também envolvem nossos próprios preconceitos. Nós - leitores de livros
como este - estamos tão imersos na cultura escrita que encontramos muita
dificuldade em conceber um universo oral de comunicação ou de
pensamento, salvo como uma variante de um universo letrado. Este livro
1
A ORALIDADE DA LINGUAGEM

Há algumas décadas, surgiu entre os estudiosos uma nova perspec-


tiva acerca do caráter 2@1 da linguagem e de algumas implicações mais
profundas dos contrastes entre oralidade e escrita. Antropólogos, soció-
logos e psicólogos relataram trabalhos de campo em sociedades orais.
Historiadores culturais mergulharam cada vez mais na pré-história, isto é,
na existência humana antes que a escrita permitisse registros verbais.
Ferdinand de Saussure 0857-1913), o pai da lingüística moderna, chama-
ra a atenção para a primazia do discurso oral, que sustenta toda comuni-
cação verbal, assim como para a tendência predominante, até mesmo
entre estudiosos, a pensar na escrita como a forma básica da linguagem.
A escrita, observou, possui ao mesmo tempo "C ..) utilidade, C.,) defeitos
e perigos" 0975, p. 33). Ele ainda a considerava como uma espécie de
complemento do discurso oral, e não como transformadora da verbaliza-
ção (ibidem).

Desde Saussure, a lingüística desenvolveu estudos extremamente


complexos sobre fonêmica, o modo como a linguagem está enraizada no
som. Um contemporâneo de Saussure, o inglês Hemy Sweet 0845-1912), em estudos de campo, citam regularmente essas obras e outras relaciona-
enfatizara anteriormente que as palavras são feitas não de letras, mas de das a elas (Parry 1971; Lord 1960; Havelock 1963; McLuhan 1962;
unidades sonoras funcionais ou fonemas. Porém, não obstante toda a Okpewho 1979 etc.).
atenção dada aos sons da fala, as escolas de lingüística modernas até Antes de abordar pormenorizadamente as descobertas de Parry,
muito recentemente apenas de passagem, se tanto, abordaram os modos onvém estabelecer aqui o quadro da questão, perguntando por que os
como a oralidade primária, a oralidade de culturas não afetadas pela c d '
estudiosos adquiriram uma percepção nova acerca do problema o cara ter
cultura escrita, diferenciam-se da cultura escrita (Sampson 1980). Os oral da linguagem. Ver a linguagem como um fenômeno oral parece ser
estruturalistas analisaram detalhadamente a tradição oral, mas, na maioria inevitável e óbvio. Os seres humanos comunicam-se de inúmeras maneiras,
das vezes, sem contrastá-Ia explicitamente com textos escritos (Maranda fazendo uso de todos os seus sentidos: tato, paladar, olfato e especialmente
e Maranda 1971). Existe uma grande quantidade de obras acerca das visão, assim como audição (Ong 1967b, pp.1-9). Algumas comunicações
diferenças entre a linguagem escrita e a falada, que comparam a lingua- não-orais são extremamente ricas - a gestual, por exemplo). Contudo, num
gem escrita e a linguagem falada de pessoas que sabem ler e escrever sentido profundo, a linguagem, o som articulado, tem importância capital.
(Gumperz, Kaltmann e O'Connor 1982 ou 1983, bibliografia). Não são Não apenas a comunicação, mas o próprio pensamento estão relacionados
essas as diferenças de que o presente estudo se ocupa. A oralidade de forma absolutamente especial ao som. Todos nós ouvimos dizer que
abordada prioritariamente aqui é a oralidade primária, a das pessoas que uma imagem vale mil palavras. No entanto, se essa afirmação é verdadeira,
desconhecem inteiramente a escrita. por que ela é feita com palavras? Porque uma imagem vale mil palavras
Todavia, recentemente, a lingüística aplicada e a sacio lingüística apenas em certas condições especiais - que comumente incluem um
têm se ocupado cada vez mais da comparação entre a dinâmica da contexto de palavras em que está situada a imagem.
verbalização oral primária e a da verbalização escrita. O livro de Jack Onde quer que existam seres humanos, eles têm uma linguagem,
Goody, 7be domestication qf the savage mind [A domesticação da mente e sempre uma linguagem que existe basicamente por ser falada e ouvida,
selvagem] (977) - assim como a coletânea organizada anteriormente por no mundo sonoro (Siertsema 1955). Por mais rica que seja a linguagem
ele de estudos seus e de outros autores, Literacy in 'fraditional societies gestual, as linguagens de sinais sofisticadas constituem substitutos da fala
[Cultura escrita em sociedades tradicionais] (968) -, fornece preciosas e são dependentes de sistemas de discurso oral, até mesmo quando
descrições e análises de mudanças em estruturas mentais e sociais usadas por surdos de nascença (Kroeber 1972; Mallery 1972; Stokoe
características do uso da escrita. Chaytor, já muito antes (945), Ong 1972). Na realidade, a linguagem é tão esmagadoramente oral que, de
0958b, 1967b), McLuhan (962), Haugen (966), Chafe (982), Tannen todas as milhares de línguas - talvez dezenas de milhares - faladas no
0980a) e outros fornecem ainda outros dados e outras análises lingüísti- curso da história humana, somente cerca de 106 estiveram submetidas à
cas e culturais. O levantamento altamente especializado de Foley 0980b) escrita num grau suficiente para produzir literatura - e a maioria jamais
inclui uma bibliografia extensa. foi escrita. Das cerca de 3 mil línguas faladas hoje existentes, apenas
O maior alerta para o contraste entre modos orais e modos escritos aproximadamente 78 têm literatura (Edmonson 1971, pp. 323, 332). Não
de pensamento e expressão ocorreu não na lingüística, descritiva ou existem, por enquanto, meios de calcular quantas línguas desapareceram
cultural, mas nos estudos literários, iniciados inquestionavelmente com o ou se transformaram em outras antes que a escrita surgisse. Ainda hoje,
estudo de Milman Parry 0902-1935) sobre o texto da llíada e da Odisséia centenas de línguas ativas nunca são escritas: ninguém criou um modo
- concluído por Albert B. Lord depois da morte prematura de Parry - e eficaz de escrevê-Ias. A oralidade básica da linguagem é constante.
complementados pelo estudo posterior de Eric A. Havelock e outros. Não nos ocupamos aqui das chamadas "linguagens" de computa-
Publicações em lingüística aplicada e sociolingüística que tratam dos dor, que, em certos aspectos, assemelham-se às línguas humanas (inglês,
contrastes entre oralidade e cultura escrita, em seus aspectos teóricos ou
sânscrito, malaio, mandarim, mina, shoshone etc.), porém delas diferem de um modo tão ditatorial que as criações orais tenderam a ser conside-
total e irrevogavelmente pelo fato de que não se originam do inconscien- radas geralmente como variantes de produções escritas ou, quando muito,
te, mas diretamente da consciência. As regras da linguagem de computa- sob um rigoroso escrutínio acadêmico. Apenas recentemente fomos
dor ("gramática") são estabelecidas antes e usadas depois. As "regras" de tomados de impaciência diante de nossa insensibilidade nessa questão
gramática nas línguas humanas são usadas antes, e apenas com dificulda- (Finnegan 1977, pp. 1-7).
de e nunca de modo integral, podem ser abstraídas do uso e estabelecidas O estudo da linguagem, a não ser nas últimas décadas, concentrou-se
explicitamente em palavras.
mais nos textos escritos do que na oralidade por um motivo facilmente
A escrita, a espacialização da palavra, amplia quase ilimitadamente identificável: a relação do próprio estudo com a escrita. Todo pensamento,
a potencialidade da linguagem, reestrutura o pensamento e, nesse pro- inclusive nas culturas orais primárias, é de certo modo analítico: ele divide
cesso, converte determinados dialetos em "grafoletos" (Haugen 1966; seu material em vários componentes. Mas o exame abstratamente seqüen-
Hirsh 1977, pp. 43-48). Um grafoleto é uma língua transdialética formada cial, classificatório e explicativo dos fenômenos ou de verdades estabeleci-
por uma prática acentuada da escrita. Esta confere a um grafoleto um das é impossível sem a escrita e a leitura. Os seres humanos, nas culturas
poder muito maior do que o possuído por um dialeto puramente oral. O orais primárias, não afetadas por qualquer tipo de escrita, aprendem muito,
grafoleto conhecido como inglês padrão coloca à disposição do usuário possuem e praticam uma grande sabedoria, porém não "estudam".
um vocabulário registrado de pelo menos um milhão e meio de pala~''Tas,
Eles aprendem pela prática - caçando com caçadores experientes,
das quais se conhecem não apenas os significados presentes, mas também
por exemplo -, pelo tirocínio, que constitui um tipo de aprendizado;
centenas de milhares de significados passados. Um dialeto simplesmente
aprendem ouvindo, repetindo o que ouvem, dominando profundamente
oral terá comumente recursos de apenas alguns milhares de palavras, e
provérbios e modos de combiná-Ios e recombiná-Ios, assimilando outros
seus usuários não terão virtualmente nenhum conhecimento da história
materiais formulares, participando de um tipo de retrospecção coletiva -
semântica real de qualquer uma dessas palavras.
não pelo estudo no sentido restrito.
Porém, a despeito dos mundos maravilhosos que a escrita abre, a
Quando o estudo, no sentido estrito de análise seqüencial ampla,
palavra falada ainda subsiste e vive. Todos os textos escritos devem, de
se torna possível com a interiorização da escrita, uma das primeiras coisas
algum modo, estar direta ou indiretamente relacionados ao mundo
que os letrados freqüentemente estudam é a própria linguagem e seus
sonoro, hábitat natural da linguagem, para comunicar seus significados.
usos. A fala é inseparável da nossa consciência e tem fascinado os seres
"Ler" um texto significa convertê-Io em som, em voz alta ou na imagina-
humanos, além de trazer à tona reflexões importantes sobre si mesma,
ção, sílaba por sílaba na leitura lenta ou de modo superficial na leitura
desde os mais antigos estágios da consciência, muito tempo antes do
rápida, comum a culturas de alta tecnologia. A escrita nunca pode
surgimento da escrita. Nos quatro cantos do mundo, os provérbios são
prescindir da oralidade. Adaptando um termo usado com finalidades um
ricos de observações acerca desse espantoso fenômeno humano do
tanto diferentes por Jurij Lotman (1977, pp. 21, 48-61; ver também
discurso na sua forma original oral, acerca de seus poderes, sua beleza,
Champagne 1977-1978), podemos denominar a escrita um "sistema mo-
seus perigos. A mesma fascinação pelo discurso oral continua inalterada
delar secundário", dependente de um sistema primário anterior, a lingua-
séculos depois de a escrita ter sido posta em uso.
gem falada. A expressão oral pode existir - e na maioria das vezes existiu
- sem qualquer escrita; mas nunca a escrita sem a oralidade. No Ocidente, entre os antigos gregos, a fascinação apresentou-se
No entanto, apesar das raízes orais de toda verbalização, o estudo na formação da vasta e rigorosamente elaborada arte da retórica, o mais
científico e literário da linguagem e da literatura, durante séculos e até abrangente tema de estudos em toda a cultura ocidental por 2 mil anos.
épocas muito recentes, rejeitou a oralidade. Os textos exigiram atenção No grego original, a palavra techne rhetorike, "arte do discurso" (comu-
mente abreviada como rhetorike) referia-se fundamentalmente ao ato de
falar, muito embora, como "arte" ou ciência refletida, organizada - por vezes passaram a presumir, com freqüência irrefletidamente, que a
exemplo, na Arte retórica de Aristóteles -, a retórica fosse e devesse "ser verbalização oral era essencialmente idêntica à escrita com a qual normal-
um produto da escrita. Rhetorike~ ou retórica, significava basicamente ato mente lidavam, e que as formas artísticas orais eram, para todos os efeitos,
de falar em público" ou "oratória", o que durante séculos, até mesmo nas simplesmente textos, salvo o fato de não terem sido registradas por
culturas escritas e tipográficas, permaneceu, no fundo, praticamente escrito. Criou-se a impressão de que, distintas do discurso (governado por
como o paradigma de todo discurso, até mesmo o da escrita (Ong 1967b, regras retóricas escritas), as formas artísticas orais eram fundamentalmente
pp. 58-63; Ong 1971, pp. 27-28). Desse modo, a escrita, desde o início, desajeitadas e indignas de estudo sério.
não levou a oralidade a um encolhimento, mas consagrou-a, possibilitan- Nem todos, contudo, adotaram essas suposições. Desde a metade
do a organização dos "princípios" ou constituintes da oratória em uma do século XVI, adensou-se uma percepção das relações complexas entre
"arte" científica, um corpo seqüencialmente ordenado de explicações que escrita e fala (Cohen 1977). Porém, o domínio inabalável da textualidade
mostrava como e por que a oratória produzia seus vários efeitos especí- sobre o pensamento erudito evidencia-se no fato de que até hoje não se
ficos e poderia tornar-se capaz de fazê-Io. formularam conceitos que permitam uma compreensão satisfatória - para
Porém, os discursos - ou quaisquer outras apresentações orais - não dizer menos desfavorável - da arte oral como tal, sem referência,
que eram estudados como parte da retórica dificilmente poderiam ser consciente ou inconsciente, à escrita. Isso não obstante o fato de não
idênticos aos que eram apresentados oralmente. Proferido o discurso, não terem tido as formas artísticas orais desenvolvidas durante as dezenas de
permanecia nada sobre o que se pudesse trabalhar. O que se usava para milhares de anos antes da escrita absolutamente nenhuma relação com
"estudar" era necessariamente os textos dos discursos que haviam sido ela. Possuímos o termo "literatura", que essencialmente significa "escritos"
escritos - geralmente depois de proferidos e muitas vezes muito tempo (latim literatura, de litera, letra do alfabeto), para abranger um -dado
depois (na Antiguidade não era comum, a não ser no caso de oradores corpo de materiais escritos - literatura inglesa, literatura infantil -, mas
excepcionalmente incompetentes, discursar seguindo um texto integral nenhum termo ou conceito comparavelmente satisfatório, referente a uma
preparado antecipadamente - Ong 1967b, pp. 56-58). Desse modo, até herança puramente oral, como as histórias orais tradicionais, os provér-
mesmo os discursos compostos oralmente eram estudados não como bios, as preces, as expressões formulares (Chadwick 1932-1940, passim),
discursos, mas como textos escritos. ou outras produções orais, como por exemplo as dos lakota simlX na
América do Norte ou dos mandes na África Ocidental ou as dos gregos
Acresce que, além da transcrição de apresentações orais tais como homéricos.
os discursos, a escrita acabava produzindo composições somente escritas,
destinadas à recepção direta da superfície grafada. Essas composições Como observado anteriormente, designo como "oralidade primá-
escritas obrigavam a uma atenção ainda maior aos textos, pois as composi- ria" a ora lida de de uma cultura totalmente desprovida de qualquer
ções verdadeiramente escritas surgiram como textos apenas, embora muitas conhecimento da escrita ou da impressão. É "primária" por oposição à
delas fossem mais comumente ouvidas do que lidas silenciosamente, das "oralidade secundária" da atual cultura de alta tecnologia, na qual uma
histórias de Lívio à Divina comédia de Dante e muito depois disso (Nelson nova oralidade é alimentada pelo telefone, pelo rádio, pela televisão ou
1976-1977; Bauml1980; Goldin 1973; Cormier 1974; Ahern 1982). por outros dispositivos eletrônicos, cuja existência e funcionamento
dependem da escrita e da impressão. Atualmente, a cultura oral primária,
no sentido restrito, praticamente não existe, uma vez que todas as culturas
Cem conheClmento
. • escnta
da . e sofreram alguns de seus efeitos. Contudo,
em diferentes graus, muitas culturas e subculturas, até mesmo num meio
A concentração do saber em textos teve conseqüênCias ideológi- de alta tecnologia, preservam muito da estrutura mental da oralidade
primária.
cas. Em virtude de sua atenção dirigida aos textos, os estudiosos muitas
Não é fácil imaginar a tradição puramente oral ou a oralidade pertencente à cultura escrita, quando instada a pensar na palavra "contu-
primária de forma exata e significativa. A escrita faz com que as "palavras" do", normalmente (e tenho uma forte suspeita de que isso sempre ocorre),
pareçam semelhantes às coisas porque pensamos nas palavras como as terá alguma imagem, ao menos vaga, da palavra grafada e dificilmente
marcas visíveis que comunicam as palavras aos decodificadores: podemos seria capaz até mesmo de pensar na palavra "contudo" por, digamos, 60
ver e tocar tais "palavras" inscritas em textos e livros. As palavras escritas segundos, sem se reportar a alguma inscrição, mas tão somente ao som.
são resíduos. A tradição oral não tem tais resíduos ou depósitos. Quando Isso significa que essa pessoa não é capaz de recuperar inteiramente a
uma história oral contada e recontada não está sendo narrada, tudo que percepção do que seja a palavra para os povos exclusivamente orais. Em
dela subsiste é seu potencial de ser narrada por certos seres humanos. virtude dessa primazia da cultura escrita, parece não haver nenhuma
Estamos, quase todos nós (aqueles que lêem textos como este), tão possibilidade de usar o termo "literatura" para abranger a tradição e a
impregnados da cultura escrita que raramente nos sentimos à vontade apresentação orais, sem que estas sejam sutil mas irremediavelmente
numa situação em que a verbalização é tão pouco semelhante a alguma reduzidas a variantes da escrita.
coisa, como ocorre na tradição oral. Conseqüentemente - embora com Pensar na tradição oral ou numa herança de apresentações, gêne-
uma freqüência menor hoje -, a erudição produziu no passado conceitos ros e estilos orais como "literatura oral" é pensar em cavalos como
monstruosos como "literatura oral". Esse termo decididamente absurdo automóveis sem rodas. É claro que se pode tentar fazer isso. Imaginemos
permanece em circulação hoje, até mesmo entre estudiosos cada vez mais um tratado escrito sobre cavalos (para pessoas que nunca viram um
plenamente conscientes de quão constrangedora se mostra nossa inabili- cavalo) que inicie pelo conceito não de cavalo, mas de "automóvel",
dade para imaginar uma herança de materiais verbalmente organizados, apoiado na experiência direta que os leitores têm de automóveis. Ele
exceto como alguma variante da escrita, mesmo quando nada têm a ver discorrerá sobre cavalos, mas sempre se referindo a eles como "automó-
com ela. O título da grande Milman Parry Collection of Oral Literature veis sem rodas", explicando a leitores altamente motorizados, que nunca
[Coleção Milman Pany de Literatura Oral] da Universidade de Harvard viram um cavalo, todos os pontos em que diferem, tentando eliminar do
constitui antes um monumento do tipo de percepção de uma geração conceito "automóvel sem rodas" qualquer idéia de "automóvel", de modo
anterior de estudiosos do que a visão de seus cura dores atuais. a revestir o termo de um significado puramente eqüino. Em vez de rodas,
Poder-se-ia argumentar (como Finnegan 1977, p. 16) que o termo os automóveis sem rodas possuem grandes unhas chamadas cascos; em
"literatura", embora destinado originalmente a obras escritas, foi simples- vez de faróis ou talvez espelhos retrovisores, olhos; em vez de uma
mente ampliado para abranger fenômenos afins como a narrativa oral cobertura de tinta, algo chamado pêlo; em vez de gasolina como fonte de
tradicional em culturas desprovidas de contato com a escrita. Muitos energia, feno, e assim por diante. No fim, os cavalos serão apenas o que
termos originalmente específicos foram generalizados dessa forma. Po- não são. Por mais exata e completa que fosse essa descrição apofátiça, os
rém, os conceitos habitualmente carregam consigo suas etimologias. Os leitores motoristas que nunca viram um cavalo e que ouvem falar apenas
elementos com os quais um termo é originalmente construído comumente de "automóveis sem rodas" certamente acabariam com um estranho
- e provavelmente sempre - subsistem de algum modo nos significados conceito de cavalo. O mesmo vale para aqueles que falam em termos de
subseqüentes, talvez de forma obscura, mas sempre acentuada e até "literatura oral", isto é, "escrita oral". Não é possível, sem causar uma
mesmo irrevogável. A escrita, além disso - como veremos detalhada mente distorção desastrosa, descrever um fenômeno primário começando por
mais adiante - constitui uma atividade particularmente preponderante e um fenômeno subseqüente secundário e comparando as diferenças. Na
imperialista, que tende a absorver outras, mesmo sem qualquer concurso verdade, a começar assim, de trás para diante - pondo o carro na frente
das etimologias. dos bois -, nunca se pode ter uma idéia clara das diferenças reais.

Embora as palavras estejam fundadas na linguagem falada, a escrita Embora o termo "pré-cultura escrita" em si seja útil e por vezes
tiranicamente as encerra para sempre num campo visual. Uma pessoa necessário, quando usado inadvertidamente também causa problemas
iguais, ainda que não tão evidentes, aos provocados pelo termo "literatura Hoje, felizmente, o termo "literatura oral" está perdendo terreno,
oral". "Pré-cultura escrita" apresenta a oralidade - o "sistema modelar mas é bastante provável que eliminá-Io por completo seja uma batalha
primário" - como úm desvio anacrônico do "sistema modelar secundário" nunca inteiramente vencida. Para a maioria daqueles que pertencem a
uma cultura escrita, pensar nas palavras como totalmente desvinculadas
que o sucedeu.
da escrita é uma tarefa simplesmente árdua demais, até mesmo quando
Juntamente com os termos "literatura oral" e "pré-cultura escrita",
estudos lingüísticos ou antropológicos especializados possam exigi-Io. As
ouvimos também menções ao "texto" de uma enunciação oral. "Texto",
palavras continuam vindo à mente na sua forma escrita, por mais que se
cuja raiz significa "tecer", é, em termos absolutos, mais compa.tível
tente o contrário. Além disso, desvincular as palavras da escrita é
etimologicamente com a enunciação oral do que "literatura", que etlmo-
psicologicamente ameaçador, pois a sensação de controle sobre a lingua-
logicamente se refere a letras (literae) do alfabeto. O discurso oral tem
gem que se tem na cultura escrita está estreitamente ligada às transforma-
sido geralmente considerado, até mesmo em ambientes orais, como tecer
ções visuais da língua: sem dicionários, regras gramaticais escritas, pon-
ou alinhavar - rbapsoidein, "fazer rapsódias" significa basicamente em
tuação e todo o aparato restante que transforma as palavras em algo que
grego "alinhavar canções". Mas, na verdade, quando na cultura escrita se
se pode percorrer com os olhos, como se pode viver? Os usuários de um
usa hoje o termo "texto" para fazer referência à apresentação oral, está-se
grafoleto como o inglês padrão têm acesso a vocabulários centenas de
pensando em termos de uma analogia com a escrita. No vocabulário de
vezes maiores do que aqueles com que uma língua oral é capaz de lidar.
quem pertence à cultura escrita, o "texto" de uma narrativa apresentada
Em um mundo lingüístico desse tipo, os dicionários são fundamentais. É
por quem pertence a uma cultura oral primária representa um suporte
desconcertante lembrar que não existe dicionário na mente, que o aparato
anterior: o cavalo como um automóvel sem rodas, novamente.
lexicográfico constitui um acréscimo muito tardio às línguas, que todas
Admitida a enorme diferença entre fala e escrita, o que se pode fazer elas possuem gramáticas complexas e as desenvolveram sem nenhuma
para construir uma alternativa ao termo anacrônico e contraditório "liter~- ajuda da escrita e que, fora das culturas com tecnologia relativamente
tura oral"? Adaptando uma proposta feita por Northrop Frye para a poesia sofisticada, a maioria dos usuários das línguas sempre se arranjaram muito
épica em Ibe anatomy of criticism [Anatomia da crítica] 0957, pp. 248-250, bem sem quaisquer transformações visuais do som vocal.
293-303), poderíamos nos referir a toda arte puramente oral como epos, que Na realidade, as culturas orais produzem realizações verbais im-
tem a mesma raiz proto-indo-européia, wekw-, como a palavra latina vox e pressionantes e belas, de alto valor artístico e humano, que já não são
seu equivalente em português "voz", e portanto está firmemente apoiada sequer possíveis quando a escrita se apodera da psique. Contudo, sem a
no vocal, no oral. As apresentações orais seriam, assim, sentidas como escrita, a consciência humana não pode atingir o ápice de suas potencia-
"vocalizações", o que elas efetivamente são. Porém, o sentido mais comum lidades, não é capaz de outras criações belas e impressionantes. Nesse
do termo epos, poesia épica (oral) (ver Bynum 1967), iria de certa forma sentido, a oralidade precisa e está destinada a produzir a escrita. A cultura
interferir num significado genérico atribuído a todas as criações orais. escrita, como veremos, é imprescindível ao desenvolvimento não apenas
"Vocalizações" parece possuir muitas associações concorrentes, embora, da ciência, mas também da história, da filosofia, ao entendimento
caso alguém julgue o termo leve o bastante para ser lançado ao mar, eu analítico da literatura e de qualquer arte e, na verdade, à explicação da
certamente me esforçarei por mantê-Io à tona. Porém, ainda assim, carece- própria linguagem (incluindo a falada). Dificilmente haverá uma cultura
ríamos de um termo mais genérico que abrangesse tanto a arte puramente oral ou uma cultura predominantemente oral no mundo, hoje, que não
oral quanto a literatura. Neste livro, manterei um procedimento comum esteja ciente da enorme pletora de capacidades absolutamente inacessí-
entre pessoas informadas e recorrerei, quando necessário, a perífrases veis sem a cultura escrita. Essa consciência é angustiante para pessoas
explicativas - "formas artísticas puramente orais", "formas artísticas verbais" enraizadas na oralidade primária, que desejam ardentemente a cultura
(que incluiriam tanto as formas orais quanto as compostas por escrito, assim escrita, mas que estão igualmente conscientes de que entrar no mundo
como tudo o que se situa entre ambas) e outras expressões semelhantes.
cheio de atrativos da cultura escrita significa deixar atrás de si boa parte
do que é fascinante e profundamente amado no mundo oral anterior.
Devemos morrer para continuar a viver.
Felizmente, a cultura escrita - não obstante devore seus próprios
antecedentes orais e, a menos que seja cuidadosamente monitorada, até
mesmo destrua sua memória - é também infinitamente adaptável. Ela
pode também resgatar sua memória. Podemos usar a cultura escrita para
reconstruir a consciência humana primitiva que não possuía nenhuma
cultura escrita - pelo menos reconstruir essa consciência da melhor forma
possível, embora imperfeita (nunca podemos esquecer o presente que
nos é familiar demais para permitir que nossas mentes reconstituam
qualquer passado em sua total integridade). Essa reconstrução pode gerar
uma compreensão melhor do que significou a cultura escrita para a 2
conformação da consciência do homem em direção às culturas de alta A DESCOBERTAMODERNA DAS CULTURASORAIS PRIMÁRIAs
tecnologia e no interior delas. Essa compreensão tanto da oralidade
quanto da cultura escrita é o que este livro - forçosamente um estudo
letrado, e não uma apresentação oral- busca, até certo ponto, atingir.

A nova perspectiva dos últimos tempos acerca da oralidade da


linguagem teve antecedentes. Muitos séculos antes de Cristo, o autor
pseudônimo do livro do Velho Testamento, que aparece sob seu nom de
plume hebreu Qoheleth ("orador de assembléia"), ou seu equivalente
grego Eclesiastes, aponta claramente para a tradição oral da qual provém
seu escrito: "Além de ser sábio, Qoheleth transmitiu conhecimento a seu
povo e examinou cuidadosamente, verificou e combinou muitos provér-
bios. Qoheleth procurou encontrar ditos agradáveis e registrar por escrito
com exatidão os ditos verdadeiros" (Eclesiastes 12:9-10).

"Registrar por escrito ... ditos." Pessoas de cultura escrita, dos


compiladores de florilégios medievais a Erasmo 0466-1536) ou Vicesi-
mus Knox (1752-1821) e mesmo depois deles, continuaram a registrar
por escrito ditos da tradição oral, embora seja significativo que, no
mínimo, da Idade Média e da época de Erasmo em diante, na cultura
oCidental pelo menos, a maioria dos compiladores selecionasse os
"ditos" não diretamente de sua enunciação oral, mas de outros escritos.
O movimento romântico foi marcado pela preocupação com o passado nehhuma outra parte, os contrastes entre oralidade e cultura escrita ou os
distante e com a cultura popular. Desde então, centenas de coleciona- pontos cegos da mente inadvertidamente quirográfica ou tipográfica se
dores, a começar por James Mcpherson (1736-1796) na Escócia, Thomas mostram em um contexto tão rico.
Percy 0729-1811) na Inglaterra, os irmãos Grimm, Jacob 0785-1863) e A "questão homérica" como tal surgiu da crítica erudita de Homero
Wilhelm 0786-1859) na Alemanha, ou Francis James Child 0825-1896) no século XIX, que alcançara sua maturidade juntamente com a crítica
nos Estados Unidos, trabalharam com partes da tradição oral, ou quase erudita da Bíblia, mas suas raízes se encontram já na Antiguidade Clássica.
oral, ou semelhante à oral, de forma mais ou menos direta, dando-lhe (Ver Adam Parry 1971, do qual nos valemos para a maior parte das
nova dignidade. No início do nosso século agora já perto do fim, o páginas seguintes.) Os homens de letras, na Antiguidade Clássica ociden-
erudito escocês Andrew Lang (1844-1912) e outros já haviam desacre- tal, haviam manifestado vez por outra certa percepção de que a llíada e
ditado consideravelmente a visão de que o folclore oral seria simples- a Odisséia diferiam de outros poemas gregos e de que suas origens eram
mente escombros remanescentes de uma mitologia literária "mais ele- obscuras. Cícero sugeriu que o texto subsistente dos dois poemas
vada" - uma visão gerada muito naturalmente pelo viés quirográfico e homéricos era uma revisão feita por Pisístrato da obra de Homero (a qual,
tipográfico discutido no capítulo anterior. no entanto, Cícero considerava como sendo ela própria um texto), e
Lingüistas anteriores haviam resistido à idéia da distinção entre Josefo até mesmo insinuou que Homero não sabia escrever, mas o fez
linguagem falada e escrita. A despeito de suas novas concepções sobre a para argumentar que a cultura hebraica era superior à própria cultura
oralidade, ou talvez por causa delas, Saussure mantém a opinião de que grega antiga, porque conhecia a escrita, e não para tecer considerações
a escrita simplesmente representa a linguagem falada na forma visível sobre o estilo ou outros aspectos das obras homéricas.
0975, p. 34), como fazem Edward Sapir, C. Hockett e Leonard Bloornfield. Desde o início, inibições profundas interferiram no nosso modo de
O Círculo Lingüística de Praga - especialmente J. Vachek e Ernst Pulgram ver os poemas homéricos como aquilo que realmente são. A llíada e a
- notou certa diferença entre a linguagem escrita e a falada, embora, ao Odisséia têm sido geralmente consideradas, da Antiguidade até o presen-
se concentrar antes nos universais lingüísticas do que nos fatores de te, como os mais exemplares, as mais verdadeiros e os mais inspirados
desenvolvimento, tenha feito pouco uso dessa distinção (Goody 1977, p. poemas seculares da herança ocidental. Para explicar sua admitida
77). superioridade, cada época tendeu a interpretá-Ias como tendo realizado
melhor o que julgava estarem seus poetas fazendo ou aspirando a fazer.
Até mesmo quando o movimento romântico reinterpretou o "primitivo"
como um estágio de cultura satisfatório, e não lastimável, estudiosos e
leitores geralmente ainda se inclinavam a imputar à poesia primitiva
Admitida uma já antiga perspectiva acerca da tradição oral entre qualidades que sua própria época julgava fundamentalmente apropria-
pertencentes à cultura escrita, e a demonstração, feita por Lang e outros, das. Mais do que qualquer estudioso anterior, o classicista americano
de que culturas puramente orais podiam gerar formas artísticas verbais Milman Parry 0902-1935) conseguiu superar esse chauvinismo cultural
sofisticadas, o que haveria de novo no nosso entendimento acerca da de modo a penetrar na poesia homérica "primitiva" nos próprios termos
oralidade? dela, até mesmo quando eles contrariavam a visão estabelecida do que a
O novo entendimento desenvolveu-se por diferentes caminhos, poesia ou os poetas deveriam ser.
mas talvez possamos segui-Io melhor na história da "questão homérica". Estudos anteriores haviam esboçado vagamente os de Parry pelo
Durante mais de dois milênios, indivíduos pertencentes à cultura escrita fato de que a adulação geral dos poemas homéricos muitas vezes fora
dedicaram-se ao estudo de Homero, com diversas misturas de visões acompanhada de alguma inquietação. Freqüentemente, fazia-se presente
fecundas, desinformação e preconceito, consciente ou inconsciente. Em
uma sensação de que havia algo de estranho nos poemas. No século XVII, em leu Prolegomena, de 1795. Os analistas viam o texto da Ilíada e o da
François Hédelin, Abade de Aubignac e de Meimac (1604-1676), em um Odisséia como combinações de poemas ou fragmentos mais antigos e
sentido mais de polêmica retórica do que de verdadeiro conhecimento, puseram-se a determinar mediante análise o que os segmentos eram e
atacou a Ilíada e a Odisséia como deficientes quanto ao enredo, pobres como haviam sido reunidos. Porém, como observa Adam Parry 0971, pp.
quanto à caracterização e ética e teologicamente indignas, argumentando, xiv-xvii), os analistas pressupunham que os segmentos reunidos fossem
além disso, que nunca houvera um Homero e que os poemas épicos simplesmente textos, sem que nenhuma outra alternativa lhes ocorresse.
atribuídos a ele nada mais eram do que coleções ou rapsódias escritas por Eles foram seguidos, inevitavelmente, pelos unitaristas, muitas vezes
outros. O erudito clássico Richard Bentley 0662-1742), famoso por provar literatos bem-intencionados, devotos inseguros que lutavam com dificul-
que as chamadas Epístolas de Fálaris eram espúrias e por indiretamente dades, que sustentavam serem a Ilíada e a Odisséia tão bem estruturadas,
ocasionar a sátira antitipográfica de Swift, 1be battle ofthe books [A batalha tão coerentes em sua caracterização e em geral tão bem-sucedidas como
dos livros), julgava que existira realmente um homem chamado Homero, arte que não poderiam ser a obra de uma sucessão desorganizada de
mas que os vários cantos que ele "escrevera" não haviam sido reunidos redatores, mas necessariamente a criação de um só homem. Essa opinião
nos poemas épicos senão cerca de 500 anos depois, no tempo de era mais ou menos predominante quando Parry, ainda estudante, come-
Pisístrato. O filósofo da história italiano Giambattista Vico (1668-1744) çou a formar suas próprias opiniões.
acreditava que não houvera nenhum Homero, mas que os poemas épicos
homéricos constituíam, de certa forma, criações de todo um povo.
Robert Wood (c. 1717-1771), diplomata e arqueólogo inglês, que
cuidadosamente identificou alguns dos sítios mencionados na Ilíada e na
Odisséia, foi aparentemente o primeiro cujas conjecturas mais se aproxi- Como a maior parte dos trabalhos intelectuais inovadores, o de
maram daquilo que Parry finalmente demonstrou. Wood acreditava que Milman Parry nasceu de intuições tão profundas e seguras quanto difíceis
Homero não era letrado e que o que lhe permitiu criar sua poesia foi o de ser expressas. O filho de Parry, o falecido Adam Parry 0971, pp.
poder da memória. Surpreendentemente, Wood sugere que a memória ix-lxii) , esboçou de modo esplêndido o fascinante desenvolvimento do
exercia um papel muito diferente na cultura oral daquele que exercia na pensamento de seu pai, da dissertação de mestrado na Universidade da
cultura escrita. Embora Wood não pudesse explicar exatamente como a Califórnia em Berkeley, no início dos anos 20, até sua morte prematura
mnemônica de Homero funcionava, ele efetivamente sugere que o ethos em 1935.
do verso homérico era antes popular do que culto. Jean-Jacques Rousseau
Nem todos os elementos da visão total de Parry eram inteiramente
(1821, pp. 163-164), citando o padre Hardouin (Adam Parry não mencio-
novos. O axioma fundamental que dirige seu pensamento, dos anos 20
na nenhum dos dois), acreditava ser muito provável que Homero e seus
em diante, "a subordinação da escolha dos vocábulos e das formas
contemporâneos entre os gregos não possuíssem escrita. Rousseau,
vocabulares à forma do verso hexâmetro [oralmente composto)" nos
contudo, considera um problema a mensagem numa tábula que, no Livro
poemas homéricos (Adam Parry 1971, p. xix), fora antecipada na obra de
VI da Ilíada, Belerofonte leva para o rei da Lícia. Mas não há provas de
].E. Ellendt e H. Düntzer. Outros elementos na intuição originária de Parry
que os "sinais" da tábula que ordenavam a execução do próprio Belero-
também haviam tido precursores. Arnold van Gennep chamara a atenção
fonte fossem realmente um manuscrito (ver adiante, pp. 99-101). Com
para uma estruturação formular na poesia de culturas orais da época atual,
efeito, na narrativa homérica eles mais parecem uma espécie de ideogra-
e M. Murko reconhecera a ausência de memória exata, palavra por
mas toscos.
palavra, na poesia oral de tais culturas. Mais importante, Marcel Jousse,
O século XIX presenciou o desenvolvimento das teorias homéricas padre jesuíta e erudito, educado num meio camponês de resíduo oral na
dos chamados analistas, iniciadas por Friedrich August Wolf (1759-1824), França e que passara a maior parte de sua vida adulta no Oriente Médio
absorvendo sua cultura oral, estabelecera diferenças nítidas entre a sur# à medida que ele costurava sua história - diferentemente em cada
composição oral dessas culturas e toda composição escrita. As culturas narração, pois, como veremos, os poetas orais não trabalham normalmen-
orais e as estruturas específicas que elas produziam, Jousse (1925) te com base na memorização palavra por palavra de seu poema.
intitulara-as verbomotrices ("verbomotoras" - lamentavelmente, a obra de Ora, é óbvio que as necessidades métricas, de um modo ou de
Jousse ainda não foi traduzida para o inglês; ver Ong 1967b, pp. 30, outro, determinam a seleção de vocábulos por qualquer poeta que
147-148, 335-336). A visão de Milman Parry incluiu e fundiu todas essas componha segundo a métrica. Porém, o pressuposto geral fora que os
percepções e outras mais, a fim de estabelecer uma explicação provável termos métricos apropriados de alguma forma apresentavam-se esponta-
do que era a poesia homérica e de como as condições nas quais ela foi neamente à imaginação poética de modo fluido e grandemente imprevi-
produzida a tornaram aquilo que veio a ser. sível, relacionado apenas ao "gênio" (isto é, a uma habilidade essencial-
A visão de Parry, todavia, até mesmo no que fora antecipado por mente inexplicáveD. Os poetas, tal como são idealizados pelas culturas
esses estudiosos anteriores, era toda sua, pois quando ela inicialmente lhe quirográficas e mais ainda por culturas tipográficas, não deveriam usar
surgiu, no começo dos anos 20, ele aparentemente nem sequer tinha materiais pré-fabricados. Se um poeta ecoasse fragmentos de poemas
conhecimento da existência de qualquer dos estudiosos mencionados anteriores, deveria, pensava-s~, moldá-Ios a sua própria "natureza". Certas
(Adam Parry 1971, p. xxii). Indubitavelmente, sugestões que pairavam no práticas, é verdade, contrariavam esse pressuposto, particularmente o uso
ar nessa época, que haviam influenciado estudiosos anteriores, também de dicionários de expressões que forneciam modos padronizados de dizer
o estavam influenciando. coisas para os que escreviam poesia latina pós-clássica. Os dicionários de
expressões latinas atingiram seu apogeu principalmente depois que a
Em sua forma aperfeiçoada, apresentada em sua tese de doutorado
invenção da impressão tornou as compilações facilmente multiplicáveis,
em Paris (Milman Parry 1928), a descoberta de Parry poderia ser resumida
e continuaram a prosperar até o século XIX quando o Gradus ad
da seguinte maneira: virtualmente, todo traço distintivo da poesia homé-
Parnassum era muito utilizado por estudantes (Ong 1967b, pp. 85-86;
rica deve-se à economia imposta pelos métodos orais de composição.
1971, pp. 77, 261-263; 1977, pp. 166, 178). O Gradus fornecia frases
Estes podem ser reconstruídos por um estudo detalhado do próprio verso ~pitéticas, assim como outras, dos poetas latinos clássicos, juntamente
quando nos desvencilhamos dos pressupostos sobre os processos de
comâs sílabas longas e curtas, todas convenientemente marcadas para a
expressão e de pensamento arraigados na psique por gerações de cultura
adequação métrica, a fim de que o aspirante a poeta pudesse montar um
escrita. Essa descoberta era revolucionária nos círculos literários e teria
poema com base no Gradus assim como crianças podem montar uma
imensas repercussões em toda parte na história cultura e psíquica.
estrutura com blocos. A estrutura geral poderia ser sua, mas as peças já
Quais são algumas das implicações mais profundas dessa desco- existiam.
berta e particularmente do uso que faz Parry do axioma anteriormente
Esse tipo de procedimento, no entanto, era visto como tolerável
apontado, "a subordinação da escolha dos vocábulos e das formas
apenas em iniciantes. O poeta competente deveria gerar suas próprias
vocabulares à forma do verso hexâmetro"? Düntzer havia observado que
frases metricamente ajustadas. Lugares-comuns poderiam ser tolerados
os epítetos homéricos usados para "vinho" eram todos metricamente
quanto às idéias, mas não quanto às expressões. Em An essay on criticism
diferentes e que o uso de um dado epíteto era determinado não tanto por
[Um ensaio sobre a crítica] (1711), Alexander Pope exigia que o "enge-
seu significado preciso quanto pelas necessidades métricas da passagem
nho" do poeta garantisse que, quando tratasse do "que foi muitas vezes
na qual ele aparecia (Adam Parry 1971, p. xx). A adequação do epíteto
pensado", o poeta o fizesse de tal modo que os leitores achassem a idéia
homérico havia sido devota e flagrantemente exagerada. O poeta oral
"nunca tão bem expressa". O modo de exprimir a verdade aceita devia
possuía um repertório abundante de epítetos diversificados o bastante
ser original. Pouco depois de Pope, a era romântica exigia uma originali-
para fornecer um epíteto para qualquer exigência métrica que pudesse
dade ainda maior. Para o romântico radical, o poeta perfeito deveria ser
como o próprio Deus, criando ex nihilo: quanto melhor ele fosse, menos sõesiprontas que preservaram e/ou reelaboraram, em boa medida com
previsível era tudo o que houvesse no poema. Apenas iniciantes ou finalidades métricas. Após terem sido modelados e remodelados nos
poetas irremediavelmente medíocres utilizavam material pré-fabricado. séculos anteriores, os dois poemas épicos foram transpostos para o novo
Homero, segundo o consenso de séculos, não era um poeta alfabeto grego, por volta de 700-650 a.c., as primeiras composições
iniciante nem medíocre. Talvez fosse até mesmo um "gênio" nato, que longas a serem postas nesse alfabeto (Havelock 1963, p. 115). Sua
nunca fora inexperiente, que podia voar apenas saído da casca - como o linguagem não era um grego que jamais tivesse sido falado na vida
precoce Mwindo, poeta épico nyanga, o "Pequenino-Recém-Nascido- cotidiana, mas um grego especialmente construído pela prática, que os
Que-Andava". De qualquer modo, na llíada e na Odisséia, Homero foi .poetas transmitiam de um para outro, geração após geração. (Traços de
normalmente considerado perfeito, rematadamente hábil. No entanto, uma linguagem especial semelhante são reconhecíveis ainda hoje, por
agora começava a se revelar possível que ele tivesse um dicionário de exemplo, nas fórmulas características encontráveis no inglês usado nos
expressões em sua cabeça. Um estudo detalhado do tipo do que Milman contos de fadas.)
Pany estava fazendo mostrou que ele repetia fórmula após fórmula. O Como poderia qualquer poesia tão imperturbavelmente formular, em
significado do termo grego "recitar", rhapsoidein, "costurar cantos" sua maioria constituída de partes pré-fabricadas, ser ainda tão boa? Milman
(rhaptein, costurar; oide, canto), tornou-se ameaçador: Homero costurava Pany lidou com essa questão de modo direto e aberto. Era inútil negar o
partes pré-fabricadas. Em vez de um criador, tinha-se um operário de faio, agora conhecido, de que os poemas homéricos valorizaram e de algum
linha de montagem. modo tiraram proveito daquilo que os leitores posteriores haviam sido
treh-;.adosteoricamente para desvalorizar, a saber, a frase pronta, a fórmula,
Essa idéia era particularmente ameaçadora para letrados convictos.
o qualificativo previsível - ou, mais simplesmente, o clichê.
Pois os letrados são educados, em princípio, para nunca utilizar clichês.
Como conviver com o fato de que os poemas homéricos, cada vez mais, Algumas dessas implicações mais amplas tiveram de esperar pelo
pareciam ser feitos de clichês, ou elementos muito semelhantes a eles? t;'abalho bastante minucioso feito posteriormente por Eric Havelock
Sobretudo quando o trabalho de Parry progrediu e foi continuado por (1963). Os gregos homéricos valorizavam os clichês porque não apenas
estudiosos posteriores, tornou-se evidente que apenas uma fração mínima os poetas, mas o mundo no ético oral ou o mundo do pensamento
das palavras na llíada e na Odisséia não constituía parte de fórmulas e, apoiava-se na constituição formular do pensamento. Na cultura oral, o
até certo ponto, fórmulas devastadoramente predizíveis. conhecimento, uma vez adquirido, devia ser constantemente repetido ou
se perderia: padrões de pensamento fixos, formulares, eram essenciais à
Além disso, as fórmulas padronizadas eram agrupadas em torno de
sabedoria e à administração eficiente. Mas, por volta da época de Platão
temas igualmente padronizados, tais como a assembléia, a reunião do
(427?-347 a.c.), uma mudança se iniciara: os gregos finalmente haviam
exército, o desafio, a espoliação dos vencidos, o escudo do herói e assim
interiorizado a escrita - algo que levou muitos séculos após o desenvol-
por diante (Lord 1960, pp. 68-98). Um repertório de temas semelhantes é
vimento do alfabeto grego, por volta de 720-700 a.c. (Rhys Carpenter,
encontrado na narrativa oral e em outros discursos orais em todo o
mundo. (A narrativa escrita e outros discursos escritos também utilizam
apud Havelock 1963, p. 49). A nova maneira de estocar conhecimento
não estava em fórmulas mnemônicas, mas no texto escrito. Este libertava
temas, necessariamente, mas os temas são infinitamente mais variados e
menos impeditivos.) a mente para um pensamento mais original, mais abstrato. Havelock
mostra que Piatão excluiu os poetas de sua república ideal, fundamental-
A linguagem toda dos poemas homéricos, com sua curiosa mistura mente (se não de modo totalmente consciente) porque se encontrava
de peculiaridades eólias e jônicas antigas e tardias, foi mais bem explicada num novo mundo noético de feitio quirográfico, no qual a fórmula ou o
não como uma superposição de vários textos, mas como uma linguagem clichê, amados por todos os poetas tradicionais, eram obsoletos e contra-
gerada através dos anos por poetas épicos que utilizavam antigas expres- producentes.
Todas essas conclusões são perturbadoras para uma cultura oci- esu.hmente formulares (repetidas com exatidão)" (cf. Adam Parry 1971,
dental que se identificara estreitamente com Homero como parte de uma p. xxxiii, n. 1). Embora estas últimas caracterizem a poesia oral (Lord 1960,
Antiguidade grega idealizada. Elas mostram a Grécia homérica cultivando pp. 33-65), elas aparecem e reaparecem em grupos (em um dos exemplos
como virtude poética e noética aquilo que temos considerado um vício l de Bynum, altas ároores assistem à comoção de uma aproximação de um
e evidenciam que as relações entre a Grécia homérica e tudo o que ; guerreiro terrível - 1978, p. 18). Os grupos constituem os princípios
filosofia depois de Platão defendeu era, embora superficialmente amisto- organizadores das fórmulas, de modo que a "idéia fundamental" não é
so e ininterrupto, na verdade profundamente antagônico, ainda que, no passível de uma formulação clara, direta, mas, sim, uma espécie de
mais das vezes, no nível inconsciente e não no consciente. O conflito complexo ficcional reunido inteiramente no inconsciente.
corroeu o próprio inconsciente de Platão, pois ele exprime sérias reservas
O livro notável de Bynum concentra-se em grande parte na ficção
~o Pedra e em sua Sétima carta sobre a escrita, como um modo mecânico,
elementar que ele intitula "padrão duas árvores" e que identifica na
mumano de processar o conhecimento, indiferente a perguntas e destrui-
narrativa oral e na iconografia a ela associada em todo o mundo, da
dor da memória - embora, como agora sabemos, o pensamento filosófico
Antiguidade mesopotâmica e mediterrânea até a narrativa oral na moder-
propugnado por Platão dependesse inteiramente da escrita. Não admira
na Iugoslávia, na África Central e em outros lugares. Por toda parte, "as
que as implicações neste caso resistissem a vir à tona durante muito
noções de separação, gratuidade e perigo inesperado" agrupam-se em
tempo. A importância da antiga civilização grega para o mundo todo
torno de uma árvore (a árvore verdejante) e "as idéias de unificação,
estava começando a se mostrar sob uma luz inteiramente nova: ela
recompensa, reciprocidade" agrupam-se em torno de outra (a árvore seca,
assinalava o ponto, na história humana, em que a cultura escrita alfabé-
a madeira rachada - 1978, p. 145). A atenção de Bynum para essas e
tica, profundamente interiorizada, pela primeira se chocava diretamente
outras "ficções elementares" distintivamente orais ajuda-nos a estabelecer
com a oralidade. E, a despeito da inquietação de Platão, na época nem
distinções mais claras entre a organização da narrativa oral e a organiza-
ele nem qualquer outra pessoa estava ou poderia estar explicitamente
ção da narrativa quirotipográfica do que fora possível anteriormente.
consciente de que era isso que estava ocorrendo.
Tais distinções estarão presentes neste livro por motivos diferentes -
O conceito da fórmula, em Parry, resultou do estudo do verso
porém não distantes dos de Bynum. Foley (1980a) demonstrou que aquilo
hexâmetro grego. À medida que outros trataram do conceito e o desen-
que uma fórmula oral é, exatamente, e como ela funciona depende da
volveram, inevitavelmente surgiram várias discussões sobre como cercar
tradição na qual ela é usada, mas que existe uma ampla base comum em
expandir ou adaptar a definição (ver Adam Parry 1971, p. xxviii, n. 1). U~
todas as tradições que torna válido o conceito. A menos que indique
dos motivos para isso é que, no conceito de Parry, existe um estrato mais
claramente o contrário, tomarei "fórmula" e "formular" aqui como refe-
profundo de significado não imediatamente visível em sua definição da
rentes, de modo inteiramente genérico, a frases ou expressões (tais como
fórmula "um grupo de palavras que é regularmente empregado sob as
provérbios) prontas, repetidas de modo mais ou menos exato em verso
mesmas condições métricas para exprimir uma determinada idéia essen-
ou prosa, as quais, como veremos, realmente possuem uma função na
cial" (Adam Parry 1971, p. 272). Esse estrato foi explorado de forma mais
cultura oral mais crucial e difusa do que qualquer outra que ela possa ter
intensa por David E. Bynum, em 1be daemon in the wood [O demônio na
em uma cultura escrita, eletrônica ou de impressão. (Cf. Adam Parry 1971,
florestal (1978, pp. 11-18, e passim). Bynum observa que "as 'idéias
p. XXXiii,n. 1.)
fundamentais' de Parry muito raramente constituem as unidades que a
c~ncisão da definição de Parry, ou a brevidade usual das próprias O pensamento e a expressão formular orais percorrem as profun-
formulas, a convencionalidade do estilo épico, ou a banalidade da deza~ da consciência e do inconsciente e não desaparecem assim que
maioria das referências lexicais das fórmulas podem sugerir" (1978, p. 13). ~ alguem que a eles se habituou pega em uma caneta. Finnegan (1977, p.
Bynum faz uma distinção entre elementos "formulares" e "expressões 70) relata, aparentemente um tanto surpreso, a observação de Opland de
que, quando os poetas xhosas aprendem a escrever, sua poesia escrita é Stolti' e Shannon 1976), porém sua mensagem central sobre a oralidade
também caracterizada por um estilo formular. Na verdade, seria totalmen- e suas implicações para as estruturas poéticas e para a estética causaram
te surpreendente se eles pudessem fazer uso de qualquer outro estilo, uma revolução benéfica nos estudos homéricos e também em outros, da
especialmente porque o estilo formular caracteriza não apenas a poesia antropologia à história literária. Adam parry (1971, pp. xliv-lxxx) descr~-
como também mais ou menos todo pensamento e expressão na cultura veu alguns dos efeitos imediatos da revolução provocada por seu paI.
oral primária. A primeira poesia escrita, em toda parte, parece ser de Holoka (1973) e Haymes (1973) mencionaram muitas outras em s~as
início, necessariamente, uma mimetização em manuscrito da atuação oral. preciosas pesquisas bibliográficas. Embora o trabalho de Parry ..tenha s1d~
A mente não tem inicialmente recursos propriamente quirográficos. _ ,atacado e revisto quanto a alguns pormenores, as poucas reaçoes contra-
Rabiscam-se em uma superfície palavras que se imagina dizer em voz alta rias a ele foram, em sua grande maioria, atualmente postas de lado como
em uma situação oral imaginável. Apenas muito gradativamente a escrita produtos da mentalidade quirotipográfica inadvertida, .que inicialmente
torna-se composição escrita, um tipo de discurso - poético ou não - que bloqueou toda compreensão real do que Parry estava d1zendo e que sua
é construído sem uma sensação de que quem está escrevendo está própria obra tornou agora obsoletos.
realmente falando em voz alta (como os primeiros escritores podem bem Os estudiosos ainda estão elaborando e especificando as implica-
ter feito ao compor). Como se verá mais adiante, Clanchy relata como, ções mais amplas das descobertas e intúições de Parry. Whitman (1~58)
ainda no século XI, Eadmer de Canterbury parece pensar em compor por logo as complementou quando audaciosamente apresentou .a Ilta~a
escrito como "ditar a si próprio" (1979, p. 218). Os hábitos orais de como um poema estruturado pela tendência formular de repetlf no f1m
pensamento e de expressão, incluindo o uso predominante de elementos de um episódio elementos do seu início; o poema épico é construído
formulares, mantidos em uso em larga medida pelo ensino da velha como um quebra-cabeça chinês, caixas dentro de caixas, segundo a
retórica clássica, ainda caracterizavam o estilo de quase todos os gêneros análise de Whitman. Para entender a oralidade como oposta à cultura
de prosa na Inglaterra dos Tudor, cerca de 2 mil anos depois da campanha escrita contudo os mais significativos desenvolvimentos baseados em
de Platão contra os poetas orais (Ong 1971, pp. 23-47). Eles foram Parry ;êm sido p~oduZidos por Albert B. Lord e Eric A. Havelock. Em rbe
efetivamente eliminados do inglês, em sua grande maioria, somente com singeroftales [O cantor de histórias) (1960), Lord levou adiante e ampliou
o movimento romântico, dois séculos mais tarde. Muitas culturas moder- o trabalho de Parry com uma argúcia convincente, relatando extensos
nas que conheceram a escrita durante séculos, mas nunca a interiorizaram trabalhos de campo e uma grande quantidade de gravações de atuações
completamente, tais como a cultura árabe e algumas outras culturas orais por cantores épicos servo-croatas e de longas entrevistas com esses
mediterrâneas (por exemplo, o grego - Tannen 1980a), ainda se apóiam cantores. Anteriormente, Francis Magoun e os que estudaram com ele e
grandemente no pensamento e na expressão formulares. Kahlil Gibran com Lord em Harvard, principalmente Robert Creed e Jess Bessinger, já
tornou-se um profissional de êxito ao fornecer produtos formulares orais estavam aplicando as idéias de Parry ao estudo da antiga poesia inglesa
impressos a americanos de cultura escrita, que vêem como originais ditos (Foley 1980b, p. 490).
proverbiais que, segundo um de meus amigos libaneses, os habitantes de
Preface to Plato (1%3),· de Havelock, estendeu as descobertas de
Beirute consideram lugares-comuns.
Parry e Lord sobre a oralidade na narrativa épica oral a toda a cultura grega
antiga oral e demonstrou de modo convincente, como os inícios da fllosofia
grega esta~am estreitame~te ligados à reestruturação do pensamento produ-
zida pela escrita. Ao excluir os poetas de sua República, PIarão estava, na

Muitas das conclusões e ênfases de Milman Parry evidentemente


foram um tanto modificadas por estudos subseqüentes (ver, por exemplo,
verdade, rejeitando o primitivo estilo de pensar oral agregativo e paratático Lévi~~trauSSpara o pensamento domesticado, podem ser explicadas de
perpetuado em Homero, em favor da análise incisiva ou dissecação do mundo maneira mais econômica e convincente como mudanças da oralidade para
e do próprio pensamento permitida pela interiorização do alfabeto na psique vários estádios de cultura escrita. Eu havia anteriormente sugerido (1967b,
grega. Numa obra mais recente, Origins of western literacy [Origens da cultura p. 189) que muitos dos contrastes freqüentemente feitos entre as visões
escrita ocidental] (976), Havelock atribui a ascendência do pensamento "ocidentais" e as outras parecem estar resumidos a contrastes entre cultura
analítico grego à introdução de vogais no alfabeto pelos gregos. O alfabeto escrita profundamente interiorizada e estados de consciência mais ou
original, inventado pelos povos semíticos, consistia somente em consoantes menos residualmente orais. Os bem conhecidos estudos de Marshall
e algumas semivogais. Ao introduzir vogais, os gregos atingiram um novo McLuhan 0962, 1964) enfatizaram bastante as oposições audição-visão,
patamar de codificação abstrata, analítica e visual do impalpável mundo dos oral-textual, chamando a atenção para a percepção precocemente aguda de
sons. Essa conquista prenunciou e implementou suas conquistas intelectuais James Joyce da polaridade audição-visão e relacionando a essa polaridade
abstratas posteriores. uma enorme quantidade de estudos acadêmicos - que, do contrário, seriam
A linha de estudos iniciada por Parry ainda está para ser associada a extremamente díspares - reunidos pela vasta e eclética erudição de McLu-
outros campos com os quais ela pode facilmente se ligar. Porém, umas han e suas impressionantes intuições. McLuhan atraiu a atenção não apenas
poucas conexões importantes já foram feitas. Por exemplo, em sua obra de estudiosos (Eisenstein 1979, pp. x-xi, xvü), mas também de pessoas que
magistral e judiciosa, lbe epic in Africa [O poema épico na África] (979), trabalhavam nos meios de comunicação de massa, de executivos e do
Isidore Okpewho utiliza as intuições e análises de Parry (seguindo as público informado de um modo geral, em boa parte por causa do fascínio
elaborações efetuadas pelos estudos de Lord) para estudar as formas exercido por suas numerosas afirmações gnômicas ou oraculares, demasia-
artísticas orais de culturas muito diferentes da européia, fazendo com que do loquazes para alguns leitores, mas que muitas vezes exibiam uma
os poemas épicos africanos e gregos se iluminem mutuamente. Joseph c. profunda perspicácia. A estas ele denominou "sondagens". Ele geralmente
Miller (1980) estuda a tradição e a história orais africanas. Eugene Eoyang se movia rapidamente de uma "sondagem" para outra, raramente - quando
(977) mostrou corno o fato de negligenciar a psicodinâmica da oralidade muito - fornecia qualquer explicação direta de tipo "linear" (isto é,
levou a concepções equivocadas sobre a narrativa chinesa primitiva, e analítico). Sua afirmação gnômica fundamental, "O meio é a mensagem",
outros autores coletados por Plaks (977) examinaram antecedentes formu- exprimiu sua consciência aguda da importância da mudança da oralidade,
lares da narrativa chinesa literária. Zwettler tratou da poesia árabe clássica por meio da cultura escrita e da impressão, para a mídia eletrônica. Poucos
(977). Bruce Rosenberg (970) estudou a sobrevivência da antiga oralidade provocaram um efeito tão estimulante quanto Marshall McLuhan sobre
nos pregadores populares americanos. Em uma edição comemorativa em tantas mentes diversas, incluindo aqueles que discordaram dele ou acredi-
homenagem a Lord, John Miles Foley (1981) compilou novos estudos sobre tavam fazê-Io.
a oralidade, dos Bá1cãs à Nigéria e ao Novo México, e da Antiguidade aos Todavia, se a atenção a oposições refinadas entre oralidade e
dias atuais. E outros estudos especializados estão agora surgindo. cultura escrita está crescendo em alguns círculos, ainda é relativamente
rara em muitos campos nos quais ela poderia ser útil. Por exemplo, os
Os antropólogos foram ao âmago da questão da oralidade de modo
estágios iniciais e tardios da consciência queJulianJaynes (977) descreve
mais direto. Recorrendo não somente a Parry, Lord e Havelock, mas também
e relaciona a mudanças neurofisiológicas na mente bicameral poderiam
a outros, incluindo um de meus estudos iniciais a respeito do efeito da
também se prestar em boa medida a uma descrição mais simples e mais
impressão sobre operações mentais no século XVI (Ong 1958b - citado por
comprovável da mudança da oralidade para a cultura escrita. Jaynes
Goodya partir de uma reedição de 1974), Jack Goody (977) mostrou, de
distingue um estágio primitivo de consciência no qual o cérebro era
modo convincente, de que maneira mudanças até então rotuladas como
fortemente "bicameral", com o hemisfério direito produzindo "vozes"
mudanças da magia para a ciência, ou do chamado estado de consciência
incontroláveis atribuídas aos deuses, vozes que o hemisfério esquerdo
"pré-Iógico" para um outro cada vez mais "racional", ou da mente "selvagem" de
processava em fala. Essas "vozes" começaram a perder sua eficácia entre
2000 e 1000 a.c. Esse período, como veremos, é dividido em duas partes
bem distintas, pela invenção do alfabeto por volta de 1500 a.c., e ]aynes,
com efeito, acredita que a escrita contribuiu para a eliminação da
bicameralidade original. A llíada oferece a ele exemplos de bicamerali-
dade em seus personagens desprovidos de autoconsciência. ]aynes data
a Odisséia de 100 anos depois da Ilíada e crê que o astuto Ulisses marca
um avanço na mente autoconsciente moderna, já não submetida ao
domínio das "vozes". Seja qual for a aplicação que se faça das teorias de
]aynes, não deixa de causar espanto a semelhança entre as características
da psique primitiva, ou "bicameral" como ]aynes a descreve - falta de
introspecção, de audácia analítica, de preocupação com a vontade como
tal, de uma percepção de diferença entre passado e futuro - e as 3
características da psique nas culturas orais não apenas do passado, mas SOBRE A PSICODINÂMICA DA ORALIDADE
até mesmo nos dias de hoje. Os efeitos dos estados de consciência orais
são bizarros para a mente letrada e podem sugerir explicações complexas
que possivelmente se revelarão inúteis. A bicameralidade pode significar
simplesmente oralidade. A questão da oralidade e da bicameralidade
talvez requeira maiores investigações.

Como resultado do estudo que acabamos de passar em revista, e


de outros que serão mencionados, é possível fazer algumas generali-
zações sobre a psicodinâmica das culturas orais primárias, isto é, das
culturas orais intocadas pela escrita. Para ser breve, quando o contexto
assegurar um significado inequívoco, referir-me-ei às culturas orais primá-
rias simplesmente como culturas orais.
As pessoas imersas na cultura escrita apenas com grande esforço
conseguem imaginar como é urna cultura oral primária, ou seja, urna cultura
sem qualquer conhecimento da escrita ou sequer da possibilidad~ dela.
Tente-se imaginar uma cultura na qual ninguém jamais "pr~curou" algo.
Em uma cultura oral primária, a expressão "procurar algo" é vazia: não

• No original, look up, literalmente "procurar com os olhos", o que certamente traz
implicações maiores para o leitor, como quer o autor, do que a tradução "procurar"
evidencia. (N.T.)
•• Look up something. (N.T.)
teria nenhum significado concebível. Sem a escrita, as palavras em si não 223-126), uma vez que a compreensão da psicodinâmica da oralidade era
possuem uma presença visual, mesmo que os objetos que elas representam virtualmente inexistente em 1923. Também não ca~sa surpresa que povos
sejam visuais. Elas são sons. Poder-se-ia "evocá-Ias" - "reevocá-Ias"*. Porém . mumente - e talvez universalmente - conSiderem que as palavras
oraiS co
não estão em lugar algum onde poderiam ser "procuradas"". Não têm sede, são dotadas de grande poder. O som sempre exerce u~ poder. Um
nem rastro (uma metáfora visual, que mostra a subordinação à escrita), nem caçador pode ver um búfalo, cheirar, sentir seu gosto e toca-Io quando o
mesmo uma trajetória. São ocorrências, eventos. búfalo está completamente inerte, até mesmo morto, mas, se ouve .um
Para saber o que é uma cultura oral primária e qual a natureza de 'f I é melhor tomar cuidado: algo está acontecendo. Nesse sentido,
b u ao, d
nosso problema em relação a uma cultura semelhante, convém refletir todo som - especialmente a enunciação oral, que vem de dentro os
sobre a natureza do próprio som como tal (Ong 1967b, pp. 111-138). Toda organismos vivos - é "dinâmico".
sensação ocorre no tempo, mas o som possui uma relação especial com O fato de os povos orais comumente - e muito provavelmente em
ele, diferente da que existe em outros campos registrados na sensação todo o mundo - julgarem as palavras dotadas de uma potencialidade
humana. O som existe apenas quando está deixando de existir. Ele não mágica está estreitamente ligado, pelo menos inconscien~emente, a sua
é apenas perecível, mas é essencialmente evanescente e percebido como percepção da palavra como necessariamente fala~a, pr~fenda e, portanto,
evanescente. Quando pronuncio a palavra "permanência", no momento dotada de um poder. Os povos profundamente tipograficos esquecem-se
em que chego a "-nência", "perma-" desapareceu e tem de desaparecer. de pensar nas palavras como primariamente orais, como eventos e, logo,
Não há como deter e possuir o som. Posso deter uma câmera necessariamente portadoras de poder: para eles, as palavras tendem antes
cinematográfica e fixar um quadro na tela. Se detiver o movimento do som, a ser assimiladas a coisas, "lá", em uma superfície plana. Essas "coisas"
não tenho nada - apenas silêncio, ausência absoluta de som. Toda sensação não são tão prontamente associadas à magia, pois não constituem aç~~s,
ocorre no tempo, mas nenhum outro campo sensorial resiste completamen- mas, num sentido radical, estão mortas, embora passíveis de ressurreiçao
te a uma imobilização, a uma estabilização idêntica à do som. A visão pode dinâmica (Ong 1977, pp. 230-271).
registrar o movimento, mas pode também registrar a imobilidade. Na Os povos orais comumente pensam que os nomes (um gênero. de
realidade, ela favorece a imobilidade, pois, para examinar algo atentamente palavras) são capazes de transmitir poder para outras coisas. As exphca-
por meio da visão, preferimos mantê-Io imóvel. Muitas vezes, reduzimos o ções sobre os nomes dados por Adão aos animais no Gênesis 2:20
movimento a uma série de instantâneos a fim de ver melhor o que é o geralmente atraem uma atenção condescendente para essa antiga crença
movimento. Não existe o equivalente de um instantâneo para o som. Um presumivelmente exótica. Essa crença é, na verdade, muito menos exótica
oscilograma é silencioso. Ele existe fora do mundo sonoro. do que parece à primeira vista às nações quirográficas e tipográficas.
A qualquer pessoa com uma noção do que sejam as palavras em Antes de mais nada os nomes realmente dão aos seres humanos um
uma cultura oral primária, ou uma cultura não muito distante da oralidade poder sobre aquilo ~ue nomeiam: sem aprender um vasto suprimento de
primária, não surpreende que o termo hebraico dabar signifique "pala- nomes, somos simplesmente incapazes de compreender, por exemplo, a
vra" e "evento". Malinowski 0923, pp. 451, 470-481) salientou que, entre química e pôr em prática a engenharia química. O mesmo ocorre com
os povos "primitivos" (orais), geralmente a linguagem é um modo de ação qualquer outro conhecimento intelectual. Em segundo lugar, as nações
e não simplesmente uma confirmação do pensamento, embora tenha tido quirográficas e tipográficas tendem a pensar nos nomes como rótulos,
dificuldade em explicar a que estava se referindo (Sampson 1980, pp. etiquetas escritas ou impressas coladas imaginariamente no objeto no-
meado. As nações orais não percebem um nome como uma etiqueta, pois
não fazem idéia de um nome como algo que possa ser visto. Repre-
* Cal! them back; recal! them. (N.T.) sentações escritas ou impressas de palavras podem ser rótulos; as palavras
** To lookfor them. (N.T.)
reais, faladas, não.
t se poderia trazer de novo à mente o que foi elaborado com
das. como , .
tanta dificuldade? A única resposta é: pensar p~nsamentos memoravelS.
Numa cultura oral primária, para resolver efetIvamente o pro~lema d~
Numa cultura oral, a redução das palavras a sons determina não
- e da recuperação do pensamento cuidadosamente artIculado, e
apenas os modos de expressão, mas também os processos mentais. retençao
preciso exercê-Io segundo padrões mnemônicos, moldados para uma
Sabemos o que podemos recordar. Quando dizemos que sabemos pronta repetição oral. O pensamento deve surgir em padrões. fortel~ente
geometria euclidiana, não queremos dizer que temos na mente, nesse rítmicos, equilibrados, em repetições ou antíteses, em altteraçoes e
momento, cada uma de suas proposições e provas, mas, sim, que assonâncias, em expressões epitéticas ou outras expressões formulares,
podemos rapidamente trazê-Ias à mente. Podemos recordá-Ias. O teorema em conjuntos temáticos padronizados (a assembléia, a re~ei~ão, o duel_o,
"sabemos o que podemos recordar" aplica-se também a uma cultura oral. o "ajudante" do herói e assim por diante), em p~overblos que sao
Mas como as pessoas recordam numa cultura oral? O conhecimento constantemente ouvidos por todos, de forma a VIr prontamente ao
organizado que os indivíduos pertencentes à cultura escrita atualmente espírito, e que são eles próprios modelados para a retenção e a :ápida
estudam, a fim de que "saibam", isto é, possam recordar, com muito recordação - ou em outra forma mnemônica. As reflexões e os ~etodo~
poucas exceções - quando muito -, foi reunido e colocado a sua de memorização estão entrelaçados. A mnemônica deve determmar ate
disposição pela escrita. Esse é o caso não apenas da geometria euclidiana, mesmo a sintaxe (Havelock 1963, pp. 87-96, 131-132,294-296).
mas também da história da Revolução Americana, ou até mesmo da média
O pensamento prolongado, quando fundado na oralidade, até
de pontos no beisebol ou das leis de trânsito.
mesmo nos casos em que não se apresente na forma de versos, tende
Uma cultura oral não possui textos. Como ela reúne o material ~ ser altamente rítmico, pois o ritmo auxilia na recordação, até mesmo
organizado para fins de recordação? É o mesmo que perguntar: "O que p;icologicamente. Jousse (978) demonstrou a íntima ligação entre
ela faz ou pode saber de uma forma organizada?" padrões rítmicos orais, processo de respiração, gesticulação e simetria
bilateral do corpo humano nos targums aramaicos e helênicos, e
Suponhamos que uma pessoa, em uma cultura oral, tentasse se
portanto também no hebraico antigo. Entre os antigos gregos, Hesíodo,
concentrar em um problema particularmente complexo e finalmente
que ocupou uma posição intermediária entre a Grécia homérica oral e
conseguisse articular uma solução que, por sua vez, fosse relativamente
a cultura escrita grega totalmente desenvolvida, exprimiu um material
complexa, consistindo, digamos, em umas poucas centenas de palavras.
semifilosófico nas formas poéticas formulares que o organizavam no
Como ela retém, para posterior recordação, a verbalização tão arduamen-
interior da cultura oral da qual ele emergiu (Havelock 1963, pp. 97-98,
te elaborada? Na ausência total de qualquer escrita, não há nada fora do
pensador, nenhum texto que lhe permita produzir a mesma linha de
294-301).
pensamento novamente ou até mesmo verificar se ele fez isso ou não. As fórmulas ajudam a implementar o discurso rítmico, assim
Aides-mémoire tais como varas marcadas ou uma série de objetos como funcionam, por si sós, como apoios mnemônicos, como expres-
cuidadosamente ordenados não irão, por si sós, recuperar uma complica- sões fixas que circulam pelas bocas e pelos ouvidos de todos. "Verme-
da série de asserções. Antes de mais nada, de que modo, realmente, lho pela manhã, o alerta do marinheiro; vermelha à noite, a delícia do
poderia uma solução longa, analítica, ser montada? É essencial que haja marinheiro." "Dividir para conquistar." "Errar é humano, perdoar é
um interlocutor virtual: é difícil falar consigo mesmo durante horas divino." "A tristeza é melhor do que o riso, porque quando o rosto está
consecutivas. O pensamento apoiado em uma cultura oral está preso....à triste o coração se torna mais sábio" (Eclesiastes 7:3). "A videira
comunicação. aderente." "O robusto carvalho." "Expulsai a natureza e ela voltará a
galope." Fixas, muitas vezes ritmicamente equilibradas, expressões
Mas até mesmo com um ouvinte que estimule o pensamento e dê
desse e de outros tipos podem ser ocasionalmente encontradas impres-
apoio, a miscelânea de idéias nào pode ser preservada em notas rabisca-
sas; na realidade, podem ser "procuradas"- em livros de adágios, mas sólido{ a memória tem uma importância tão grande quando tratam dos
nas culturas orais não são eventuais, são constantes. Elas formam a poderes do espírito.
substância do próprio pensamento. Sem elas, este é impossível em
Obviamente, toda expressão e todo pensamento são até certo
qualquer forma extensa, pois é nelas que consiste.
ponto formulares, no sentido de que cada palavra e cada conceito
Quanto mais complexo é o pensamento oralmente padronizado, expresso numa palavra constituem uma espécie de fórmula, um modo
maior é a probabilidade de que seja caracterizado por expressões fixas fixo de processar os dados da experiência, determinando o modo como
utilizadas com habilidade. Isso vale para as culturas orais em geral, da .a experiência e a reflexão são intelectualmente organizadas e atuando
Grécia homérica às existentes atualmente em toda parte do planeta. como dispositivo mnemônico de algum tipo. A verbalização da experiên-
Preface to Plato (1963), de Havelock, e obras de ficção como o romance cia (o que implica pelo menos alguma transformação - o que não
de Chinua Achebe, No longer at ease [Tranqüilidade perdida) (1961), equivale à falsificação) pode efetivar sua recordação. Contudo, as fórmu-
baseado diretamente na tradição oral ibo, na África Ocidental, fornecem las que caracterizam a oralidade são mais elaboradas do que as palavras
exemplos abundantes de padrões de pensamento de personagens educa- individualmente, embora algumas possam ser relativamente simples: o
dos oralmente que se movem mnemonicamente nesses sulcos instrumen- "caminho da baleia" do poeta do Beowulf é uma fórmula (metafórica)
talizados, orais, quando os falantes refletem, com grande inteligência e para o mar em um sentido diferente do termo "mar".
requinte, sobre as situações nas quais se acham envolvidos. Nas culturas
orais, a própria lei está encerrada em adágios formulares, provérbios, que
não constituem meros adornos jurídicos, mas são, em si mesmos, a lei.
Numa cultura orall, um juiz é muitas vezes chamado a articular conjuntos O conhecimento da base mnemônica do pensamento e da expres-
de provérbios relevantes dos quais ele pode obter decisões justas nos são em culturas orais primárias abre caminho para a compreensão de
processos de litígios formais que deve julgar (Ong 1978, p. 5). algumas outras características do pensamento e da expressão fundados
Numa cultura oral, refletir atentamente sobre algo em termos não- na oralidade, além de sua estilização formular. As características mencio-
formulares, não-padronizados, não-mnemônicos, ainda que isso fosse pos- nadas aqui são algumas das que tornam o pensamento e a expressão
sível, seria uma perda de tempo, pois esse pensamento, uma vez terminado, fundados no oral diferentes daqueles que são fundados no quirográfico
nunca poderia ser recuperado com alguma eficácia, tal como o seria com e no tipográfico - isto é, as características que devem parecer mais
o auxílio da escrita. Não seria um conhecimento confiável, mas simplesmen- surpreendentes àqueles que foram criados em culturas baseadas na escrita
te um pensamento momentâneo, embora complexo. As fórmulas fixas e na tipografia. Esse inventário de características não se apresenta como
altamente padronizadas e comunais das culturas orais cumprem algumas exclusivo ou conclusivo, mas ilustrativo, pois o aprofundamento da
das finalidades da escrita em culturas quirográficas. Porém, ao fazê-Io, compreensão do pensamento fundado na oralidade (e, conseqüentemen-
determinam evidentemente o tipo de pensamento que pode ser realizado, te, a compreensão do pensamento baseado no quirográfico, no tipográ-
o modo como a experiência é intelectualmente organizada. Em uma cultura fico e no eletrônico) requer mais estudos.
9~,~EP~!:!~tlcia é intelectualizada mnemonicamente. Esse é um dos Numa cultura oral primária, o pensamento e a expressão tendem
motivos por que, para um santo Agostinho de Hipona (354-430 d.e.), assim a ser dos seguintes tipos:
como para outros sábios que viviam numa cultura com algum conhecimen-
to da escrita, mas que ainda conservava um resíduo oral espantosamente

Um exemplo conhecido de estilo aditivo oral é a narrativa da


criação no Gênesis 1:1-5, que, na verdade, é um texto, porém preserva
uma visível padronização oral. A versão Douay (1610), produzida em uma existen~iais que circundam o discurso oral e ajudam a determinar o
cultura com um resíduo oral ainda forte, segue de perto, em muitos significado, de certa forma independentemente da gramática.
aspectos, o original hebraico aditivo Cintermediado pela versão latina com
Seria um erro pensar que a versão Douay está simplesmente "mais
base na qual Douay fez a sua):
próxima" do original hoje do que a New American. Ela está mais próxima
pelo fato de que traduz we ou wa sempre pela mesma palavra, mas choca
No começo, Deus criou o céu e a terra. E a terra era erma e vazia, a sensibilidade atual pela sua aparência remota, arcaica, e até mesmo
e as trevas cobriam a superfície das profundezas; e o espírito de exótica. Em culturas orais ou com um alto resíduo oral, incluindo a que
Deus se movia sobre as águas. E Deus disse: Faça-se a luz. E a luz produziu a Bíblia, as pessoas não sentem esse tipo de expressão como
se fez. E Deus viu que a luz era boa; e ele dividiu a luz das trevas. tão arcaico ou exótico. Ele lhes parece natural e normal, do mesmo modo
E ele chamou à Luz Dia, e às trevas, Noite; e houve noite e manhã que a versão New American nos parece natural e normal.
um dia.
Em todo o mundo, podemos encontrar na narrativa oral primária
exemplos de estrutura aditiva, dos quais possuímos um enorme estoque
Nove "e" introdutórios. Adaptada a sensibilidades mais moldadas de fitas gravadas (ver Foley, 1980b, para a relação de algumas fitas).
pela escrita e pela tipografia, a New American Bible (1970) faz a seguinte
tradução:

No início, quando Deus criou os céus e a terra, a terra era um vasto Essa característica está intimamente ligada às fórmulas como meio
deserto informe, e as trevas cobriam o abismo, enquanto um forte de aparelhar a memória. As bases do pensamento e da expressão
vento varria as águas. Então Deus disse: "Seja feita a luz", e houve fundados na oralidade tendem a ser não tanto meras totalidades, mas
luz. Deus viu como era boa a luz. Deus então separou a luz das agrupamentos de totalidades, tais como termos, frases ou orações parale-
trevas. Deus chamou à luz "dia" e às trevas ele chamou "noite". los, termos, frases ou orações antitéticos, epítetos. As nações orais
Assim chegou a noite, e a ela sucedeu a manhã - o primeiro dia.
preferem, especialmente no discurso formal, não o soldado, mas o
soldado valente; não a princesa, mas a bela princesa; não o carvalho, mas
o carvalho robusto. Assim, a expressão oral está carregada de uma
Dois "e" introdutórios, ambos mergulhados num período compos-
quantidade de epítetos e outras bagagens formulares que a cultura
to. A versão Douay traduz o hebraico we ou wa ("e") simplesmente por
altamente escrita rejeita como pesados e tediosamente redundantes em
"e". A New American o traduz por "e", "quando", "então", "assim" ou
virtude de seu peso agregativo (Ong 1977, pp. 188-212).
"enquanto", para proporcionar um fluxo narrativo com a subordinação
analítica e racional que caracteriza a escrita (Chafe 1982) e que parece Em muitas das culturas de baixa tecnologia, em desenvolvimento,
mais natural em textos do século XX. As estruturas orais muitas vezes os clichês nas acusações políticas - inimigo do povo, capitalistas fomen-
consideram a pragmática (a conveniência do falante - Sherzer 1974 relata tadores da guerra -, que chocam os pertencentes a uma cultura altamente
longas apresentações públicas orais entre os CImas, incompreensíveis escrita por serem imponderados, constituem fundamentos formulares
para os ouvintes). As estruturas quirográficas levam mais em conta a residuais dos processos orais de pensamento. Um dos muitos indícios de
sintaxe (organização do próprio discurso), como sugeriu Givón (1979). O um alto - ainda que em vias de desaparecimento - resíduo oral na cultura
discurso escrito desenvolve uma gramática mais elaborada e fixa do que da União Soviética é (ou era, uns anos atrás, quando a visitei) a insistência
o discurso oral, porque nele o significado depende mais da estrutura em falar da "Gloriosa Revolução de Outubro de 17" - essa fórmula
lingüística, uma vez que carece dos contextos normais inteiramente epitética constitui uma estabilização obrigatória, como eram as fórmulas
homéricas epitéticas "sábio Nestor" ou "esperto Ulisses", ou como costu- perto ~o foco de atenção muito daquilo com que já se deparou. A
mava ser "o glorioso Quatro de Julho" no resíduo oral comum até mesmo redundância, a repetição do já dito, mantém tanto o falante quanto o
nos Estados Unidos do início do século XX. A União Soviética ainda i ouvinte na pista certa.
apresenta todo ano os epítetos oficiais para vários toei classiei da história Uma vez que a redundância caracteriza o pensamento e a fala
soviética. orais, ela é em um sentido profundo mais natural ao pensamento e à fala
Uma cultura oral pode, com efeito, perguntar num enigma por que do que a linearidade parcimoniosa. O pensamento e a fala parcimonio-
os carvalhos são robustos, mas o faz para demonstrar que eles o são, para samente lineares ou analíticos constituem uma criação artificial, construí-
manter intacto o agregativo, e de modo algum para questionar o atributo da pela tecnologia da escrita. Eliminar a redundância numa escala
ou lançar dúvidas sobre ele. (Para exemplos extraídos diretamente da significativa requer uma tecnologia que sirva de obstáculo ao tempo,
cultura oral dos tubas, no Zaire, ver Faik-Nzuji 1970.) Nas culturas orais, requer a escrita, que impõe algum tipo de tensão à psique ao impedir que
as expressões tradicionais não devem ser desmontadas: foi trabalhoso a expressão recaia em seus padrões mais naturais. A psique pode
mantê-Ias juntas por gerações e não existe nenhum lugar fora da mente controlar a tensão, em parte porque a escrita à mão é, fisicamente, um
onde se possa armazená-Ias. Portanto, soldados são sempre valentes, processo muito lento - em média, cerca de um décimo da velocidade do
princesas são sempre belas e carvalhos são sempre robustos. Isso não discurso oral (Chafe 1982). Com a escrita, a mente é forçada a seguir um
significa que não possa haver outros epítetos para soldados, princesas ou padrão mais lento, que lhe dá a oportunidade de alterar e reorganizar seus
carvalhos, até mesmo epítetos opostos, mas também estes são padroniza- processos mais normais, redundantes.
dos: o soldado fanfarrão, a princesa infeliz podem também fazer parte do
A redundância é igualmente propiciada pelas condições físicas da
equipamento. O que prevalece para epítetos prevalece igualmente para
expressão oral diante de um público vasto, situação na qual ela é na
outras fórmulas. Uma expressão formular, uma vez cristalizada, deve
verdade mais marcada do que na maioria das conversas face a face. Nem
permanecer intacta. Sem um sistema de escrita, o pensamento fragmen-
todo mundo, dentre uma multidão ouvinte, compreende cada palavra que
tado - isto é, a análise - constitui um procedimento altamente arriscado.
um falante pronuncia, mesmo que em virtude de problemas acústicos.
Como sintetizou muito bem Lévi-Strauss, "a mente selvagem (isto é, oral]
Convém ao falante dizer a mesma coisa, ou algo equivalente, duas ou três
totaliza" (1966, p. 245).
vezes. Se deixarmos passar o "não apenas ...", podemos inferi-lo pelo "mas
também ..." Até que a amplificação eletrônica reduzisse os problemas
acústicos a um mínimo, os oradores públicos ainda à época de, por
exemplo, William Jennings Bryan 0860-1925), mantinham a velha redun-
O pensamento requer algum tipo de continuidade. A escrita dância em seus discursos e, por força do hábito, deixavam que ela
estabelece no texto uma "linha" de continuidade fora da mente. Se a semeasse seus escritos. Em alguns tipos de substitutos acústicos da
distração confunde ou oblitera da mente o contexto do qual emerge o comunicação verbal oral, a redundância atinge dimensões excepcionais,
material que estou lendo agora, o contexto pode ser recuperado passan- como na conversa de tambores africana. Requer-se em média por volta
do-se novamente os olhos pelo texto de modo seletivo. Retrocessos de oito vezes mais palavras para dizer algo pelos tambores do que na
podem ser inteiramente ocasionais, puramente ad boe. A mente concentra linguagem falada (Ong 1977, p. 101).
suas energias em avançar porque aquilo a que ela retrocede jaz imóvel A necessidade que sente o orador de prosseguir enquanto está
diante de si, sempre disponível em fragmentos inscritos na página. No repassando em sua mente o que dizer em seguida também favorece a
discurso oral, a situação é diferente. Não há nada para o que retroceder redundância. No estilo oral, embora a pausa possa ser benéfica, a
fora da mente, pois a manifestação oral desapareceu tão logo foi pronun- hesitação é sempre prejudicial. Por conseguinte, é preferível repetir algo,
ciada. Por conseguinte, a mente deve avançar mais lentamente, mantendo
se possível engenhosamente, a simplesmente parar de falar enquanto se mente,i. isto é, baseada na quantidade de memorização que os métodos
está à procura da idéia seguinte. As culturas orais estimulam a fluência, o educacionais da cultura exigem (Goody 1968a, pp. 13-14).
excesso, a loquacidade. Os retóricos chamariam a isso copia. Por uma As culturas orais, evidentemente, não carecem de originalidade
espécie de lapso, continuaram a fazê-lo depois de haver adaptado a própria. A originalidade narrativa reside não na construção de novas
retórica de uma arte de falar em público para uma arte de escrever. histórias, mas na administração de uma interação especial com sua
Durante a Idade Média e a Renascença, a "amplificação" incha muitas audiência, em sua época - a cada narração, deve-se dar à história, de uma
vezes os primeiros textos escritos, tornando-os tediosamente redundantes maneira única, uma situação singular, pois nas culturas orais o público
segundo os padrões modernos. Enquanto a cultura sanciona um grande deve ser levado a reagir, muitas vezes intensamente. Porém, os narradores
resíduo oral- o que ocorre até por volta da era romântica e mesmo depois -, também introduzem novos elementos em velhas histórias (Goody 1977,
permanece intensa na cultura ocidental uma preocupação com os copia. pp. 29-30). Na tradição oral, haverá tantas variantes menores de um mito
Thomas Babington Macaulay (1800-1859) é um dos muitos vitorianos quantas forem as repetições dele, e a quantidade de repetições pode
loquazes cujas composições escritas pleonásticas ainda soam como um aumentar indefinidamente. Poemas encomiásticos de líderes exigem um
discurso exuberante, oralmente composto, como também soam, muito espírito empreendedor, pois as velhas fórmulas e os velhos temas devem
freqüentemente, os escritos de Winston Churchill (1874-1965). interagir com novas e muitas vezes complexas situações políticas. Porém,
as fórmulas e os temas são antes remodelados do que suplantados por
novo material.

As práticas religiosas - e, com elas, cosmologias e crenças profun-


Uma vez que numa cultura oral o conhecimento conceitual que damente enraizadas - também mudam nas culturas orais. Líderes fortes -
não é reproduzido em voz alta logo desaparece, é preciso despender uma os "intelectuais" da sociedade oral, como Goody os intitula 0977, p. 30)
grande energia em dizer repetidas vezes o que foi aprendido arduamente -, desapontados com os resultados práticos do culto em um dado
através dos tempos. Essa necessidade estabelece uma conformação men- santuário, quando as curas são raras, inventam novos santuários e, com
tal altamente tradicionalista ou conservadora, que, compreensivelmente, estes, novos universos conceituais. Todavia, esses novos universos e as
inibe o experimento intelectual. O conhecimento exige um grande outras mudanças que mostram uma certa originalidade surgem numa
esforço e é valioso, e a sociedade tem em alta conta aqueles anciãos e economia noética essencialmente formular e temática. Eles raramente -
anciãs sábios que se especializam em conservá-Io, que conhecem e se tanto - são propagandeados de forma explícita por sua novidade; são,
podem contar as histórias dos tempos remotos. Pelo fato de armazenar o sim, apresentados como conformes às tradições dos ancestrais.
conhecimento fora da mente, a escrita - e mais ainda a impressão
tipográfica - deprecia as figuras do sábio ancião, repetidor do passado,
em favor de descobridores mais jovens de algo novo.

Obviamente, a escrita é conservadora a seu próprio modo. Logo Na ausência de categorias analíticas aperfeiçoadas, que dependem
depois de seu surgimento, ela servia para imobilizar os códigos jurídicos da escrita para organizar o conhecimento distante da experiência vivida, as
na antiga Suméria (Oppenheim 1964, p. 232). Porém, pelo fato de tomar culturas orais conceituam e verbalizam todo o seu conhecimento com uma
para si funções conservadoras, o texto liberta a mente de tarefas conser- referência mais ou menos próxima ao cotidiano da vida humana, assimilan-
vadoras, isto é, de seu esforço de memorização e, desse modo, permite- do o mundo estranho, objetivo, à interação imediata, conhecida, de seres
lhe que se volte para novas especulações (Havelock 1963, pp. 254-305). humanos. Uma cultura quirográfica (escrita) e sobretudo uma cultura
De fato, a oralidade residual de uma dada cultura quirográfica pode, de tipográfica (impressa) pode distanciar e, de um certo modo, desnaturar até
I certo modo, ser calculada com base na carga mnemônica que impõe à mesmo o humano, discriminando coisas como os nomes de líderes e as
divisões políticas em uma lista abstrata, neutra, inteiramente desprovida de
um contexto de ação humana. Uma cultura oral não possui um veículo tão
neutro como uma lista. Na última metade do segundo livro, a llíada Muitas das culturas orais ou residualmente orais - senão todas -
apresenta o famoso catálogo dos navios - mais de 400 versos - que colige impressionam as pessoas pertencentes a uma cultura escrita pelo tom
os nomes dos líderes gregos e as regiões que governavam, mas num extraordinariamente agonístico de seu desempenho verbal e certamente
contexto global de ação humana: os nomes de pessoas e lugares aparecem por seu estilo de vida. A escrita alimenta abstrações que afastam o
envolvidos em feitos (Havelock 1963, pp. 176-180). O lugar normal e muito conhecimento da arena onde seres humanos lutam entre si. 'Ela separa
provavelmente o único na Grécia homérica no qual esse tipo de informação aquele que conhece daquilo que é conhecido. Ao manter o conhecimento
política podia ser encontrado numa forma verbalizada era numa narrativa imerso na vida cotidiana, a oralidade o situa dentro de um contexto de
ou numa genealogia, que não constitui uma lista neutra, mas um relato que luta. Provérbios e enigmas não são usados simplesmente para armazenar
descreve as relações pessoais (cf. Goody e Watt 1968, p. 32). As culturas conhecimento, mas para envolver as pessoas em um combate verbal e
orais conhecem poucas estatísticas ou poucos fatos divorciados da atividade intelectual: dizer um provérbio ou um enigma desafia os ouvintes a
humana ou quase humana. superá-Io com um outro mais adequado ou oposto (Abrahams 1968;
Uma cultura oral, do mesmo modo, não possui nada que corres- 1972). Na narrativa, é comum depararmos, nos embates entre persona-
ponda aos manuais de regras práticas para o comércio (esses manuais, na gens, com passagens em que eles alardeiam suas próprias façanha§ e/ou
verdade, são extremamente raros e sempre toscos, até mesmo em culturas investem verbalmente contra um oponente: na llíada, no Beowulf, em
quirográficas, e passaram a existir realmente apenas depois que a impres- todos os contos medievais europeus, no The Mwíndo Epic e em inúmeras
são foi consideravelmente interiorizada - Ong 1967b, pp. 28-29, 234, 258). outras histórias africanas (Okpewho 1979; Obiechina 1975), na Bíblia,
O comércio era aprendido empiricamente (assim como ainda o é, em como entre Davi e Golias (l Samuel 17:43-47). Característicos das socie-
grande medida, até mesmo em culturas de alta tecnologia), isto é, com dades orais em todo o mundo, apelativos recíprocos se encaixam numa
base na observação e na prática, com apenas um mínimo de explicação designação específica em lingüística: jlyting (ou fliting). Criados numa
verbal. A maior articulação verbal de coisas como procedimentos de cultura predominantemente oral, certos jovens negros nos Estados Uni-
navegação, que eram cruciais na cultura homérica, seria encontrada não dos, no Caribe e em outros lugares participam do que é conhecido como
em qualquer descrição abstrata do tipo manual de instruções, mas em dozens, joning, sounding ou outros nomes, em que um oponente tenta
formas como as encontradas na seguinte passagem da llíada i.141-144, sobrepujar o outro caluniando a mãe deste. O dozens não é uma briga
em que a descrição abstrata está encaixada numa narrativa que apresenta real, mas uma forma de arte, como as outras invectivas verbais estilizadas
em outras culturas.
direções específicas para a ação humana ou relatos de atos específicos:
Não somente no uso que se faz do conhecimento, mas também na
Ora, convém a nau ligeira nas ondas divinas lançarmos. celebração do comportamento físico, as culturas orais revelam-se agonis-
Os remadores, sem perda de tempo, reunamos, e as uítimas ticamente programadas. A narrativa oral é muitas vezes caracterizada por
Logoponhamos a bordo e a donzela graciosa de Crise, uma descrição entusiástica da violência física. Na llíada, por exemplo, os
De belas faces. Comande o nauio um dos chefes do exército. livros VIII e X rivalizariam, no mínimo, com o que mostram a televisão e
o cinema mais sensacionalistas atuais em matéria de violência explícita e
os ultrapassam em muito em pormenores requintadamente sangrentos -
o que pode ser menos repulsivo quando descrito verbalmente do que
A cultura oral primária preocupa-se pouco em preservar o conhe- quando apresentado visualmente. Representações de violência físita crua,
cimento de habilidades como um corpus abstrato, independente. fundamental em muitos poemas épicos orais e outros gêneros orais, e que
subsistem em muitos dos primeiros produtos da cultura escrita, diminuem A flinâmica agonística dos processos de pensamento e expressão
gradativamente ou se tornam marginais na literatura narrativa posterior. orais foi fundamental para o desenvolvimento da cultura ocidental, em
Elas sobrevivem nas baladas medievais, mas já estão sendo ridicularizadas que ela foi institucionalizada pela "arte" da retórica e pela dialética de
por Thomas Nashe em 7be unf0111tnate traveler [O viajante desafortuna- Sócrates e de Piatão a ela associadas, que forneceu à verbalização
doI (1594). A narrativa literária, à medida que se aproxima do romance agonística oral uma base científica produzida com o auxílio da escrita.
sério, finalmente traz o foco da ação cada vez mais para as crises Voltaremos a essa questão posteriormente.
\ interiores, distanciando-se das meramente exteriores.
Os sofrimentos físicos comuns e constantes da vida em muitas
sociedades primitivas explicam em parte, obviamente, as mostras de Mais empáticos e participativos do que
violência nas primitivas formas artísticas verbais. Ignorância das causas objetivamente distanciados
físicas de doenças ou desgraças também pode alimentar tensões indivi-
duais. Uma vez que a doença ou a desgraça são causadas por alguma
Para uma cultura oral, aprender ou saber significa atingir uma
coisa, em vez de causas físicas, pode-se presumir que sejam o resultado
identificação íntima, empática, comunal com o conhecido (Havelock
da maldade individual de um outro ser humano - um mago, uma feiticeira
1963, pp. 145-146), "deixar-se levar por ele". A escrita separa o conhe-
- e, portanto, aumentam as hostilidades. Porém, a violência nas formas
cedor do conhecido e, desse modo, estabelece condições para a
artísticas orais também está ligada à própria estrutura da oralidade.
"objetividade", no sentido de um desprendimento ou distanciamento
Quando toda comunicação verbal deve ser feita diretamente pela voz,
individual. A "objetividade" que Homero e outros declamadores decidi-
envolvida na dinâmica de troca sonora, as relações interpessoais são
damente possuem é aquela imposta pela expressão formular: a reação
mantidas em tons extremos - tanto as atrações quanto, e sobretudo, os
do indivíduo não é expressa como simplesmente individual ou "subje-
antagonismos.
tiva", mas, antes, como uma reação encerrada na reação comunal, na
O outro lado das invectivas verbais ou dos vitupérios agonísticos "alma" comunal. Sob a influência da escrita, a despeito dos ataques
nas culturas orais ou residualmente orais é a expressão exagerada de feitos a ela, Platão excluíra os poetas de sua República, pois estudá-Ios
louvor que se encontra sempre associada à oralidade. Ela é bastante era essencialmente aprender a reagir com "alma", sentir-se identificado
conhecida nos poemas orais de louvor na África atual, já muito estudados com Aquiles ou Ulisses (Havelock 1963, pp. 197-233). Lidando com um
(Finnegan 1970; Opland 1975), assim como em toda a tradição retórica outro cenário oral primário, mais de 2 mil anos depois, os editores de
ocidental residualmente oral, da Antiguidade Clássica até fins do século 7be Mwindo Epic (1971, p. 37) chamam a atenção para uma identifica-
XVIII. "Aqui estou para enterrar César, não para falar em seu louvor", ção forte e semelhante de Candi Rureke, o declamador do poema épico,
exclama Marco Antônio em sua oração fúnebre no Júlio César de e, por intermédio dele, de seus ouvintes, com o herói Mwindo, uma
Shakespeare (v.ii.79), e então passa a fazer o elogio de César segundo os identificação que na realidade influi na gramática da narração, de modo
padrões retóricos do encômio, nos quais eram adestrados todos os que, eventualmente, o narrado r desliza para a primeira pessoa quando
escolares da Renascença e que Erasmo usou com tanta espirituosidade descreve as ações do herói. A ligação entre narrador, público e perso~
em seu Elogio da loucura. O elogio exagerado na antiga tradição retórica, nagem é tão íntima que Rureke faz com que o próprio personagem
residualmente oral, causa aos que pertencem a uma cultura altamente épico Mwindo se dirija aos escribas que tomam nota de sua declamação:
letrada uma impressão de falsidade, de presunção e de afetação ridícula. "Vamos, escriba!" ou "ó escriba, veja que eu já estou prosseguindo". Na
Porém, o elogio está de acordo com o mundo altamente polarizado, sensibilidade do narrado r e de seu público, o herói da apresentação oral
agonístico oral, do bem e do mal, da virtude e do vício, dos vilões e dos absorve no mundo oral até mesmo aqueles que, transcrevendo-o, estão
heróis. des-oralizando-o num texto.
QV'ando passam as gerações e o objeto ou a instituição a que se
refere o mundo arcaico já não fazem parte da experiência presente,
vivida, embora a palavra tenha sido conservada, seu significado é
Ao contrário das sociedades de cultura escrita, as sociedades orais geralmente alterado ou simplesmente desaparece. Os tambores africanos,
podem ser caracterizadas como homeostáticas (Goody e Watt 1968, pp. tal como usados, por exemplo, entre os lokele no leste do Zaire, expres-
31-34), isto é, elas vivem preponderantemente num presente que se sam-se em formas elaboradas que preservam certas palavras arcaicas que
mantém em equilíbrio ou homeostase, descartando-se de memórias que os executantes podem vocalizar, mas cujo significado já não conhecem
já não são relevantes para esse presente. (Carrington 1974, pp. 41-42; Ong 1977, pp. 94-95). Fossem quais fossem
As forças que governam a homeostase podem ser percebidas as coisas a que essas palavras se referissem, desapareceram da experiên-
quando se reflete sobre a situação das palavras num cenário oral primário. cia diária lokele, e o termo que permanece ficou vazio. Os versos ritmados
e os jogos transmitidos oralmente de geração a geração de crianças, até
As culturas tipográficas inventaram dicionários nos quais os vários signi-
mesmo em culturas de alta tecnologia, possuem palavras semelhantes que
ficados de uma palavra, tal como ela ocorre em textos datáveis, podem
ser registrados em definições formais. Assim, sabe-se que as palavras perderam seus significados referenciais originais e constituem pratica-
possuem camadas de significado, muitas das quais bastante irrelevantes mente sílabas sem sentido. Muitos exemplos dessa sobrevivência de
em relação aos significados comuns atuais. Os dicionários chamam a termos vazios podem ser encontrados em Opie e Opie (1952), que, como
atenção para discrepâncias semânticas. literatos, conseguem recuperar e comunicar os significados originais dos
termos perdidos a seus usuários orais atuais.
As culturas orais obviamente não possuem dicionários e têm
Goody e Watt (1968, pp. 31-33) citam exemplos impressionantes
poucas discrepâncias semânticas. O significado de cada palavra é contro-
da homeostase de culturas orais na transmissão de genealogias fornecidos
lado por aquilo que Goody e Watt (1968, p. 29) chamam de "ratificação
por Laura Bohannan, Emrys Peters e Godfrey e Monica Wilson. Nos
semântica direta", isto é, pelas situações da vida real em que a palavra é
últimos anos, descobriu-se que, entre o povo tiv da Nigéria, as genealo-
usada aqui e agora. A mente oral não está interessada em definições (Luria
gias de fato usadas oralmente na solução de disputas jurídicas divergem
1976, pp. 48-99). As palavras adquirem significados somente de seu
bastante das genealogias cuidadosamente registradas por escrito pelos
hábitat real sempre constante, que não consiste meramente, como num
ingleses 40 anos antes (em virtude de sua importância, nessa época
dicionário, em outras palavras, mas inclui também gestos, inflexões
também, em disputas jurídicas). Os tiv posteriores afirmaram que estavam
vocais, expressão facial e todo o cenário humano e existencial, em que a
usando as mesmas genealogias de 40 anos antes e que os registros
palavra real, falada, sempre ocorre. Os significados da palavra nascem
anteriormente escritos estavam errados. O que ocorreu foi que as genea-
continuamente do presente, embora os significados passados obviamente
logias posteriores haviam sido adaptadas às relações sociais que haviam
tenham moldado o significado presente em muitos e diferentes aspectos,
sofrido mudanças entre os tiv: eram as mesmas no sentido de que
já não reconhecidos.
funcionavam do mesmo modo para regulamentar o mundo real. A
É verdade que as formas artísticas orais, tais como o poema épico, integridade do passado estava subordinada à integridade do presente.
conservam algumas palavras, também, mediante o uso corrente, não o
Goody e Watt (1968, p. 33) relatam um caso ainda mais notavelmente
uso corrente de discursos cotidianos de aldeães, mas o uso corrente dos
específico de "amnésia estrutural" entre os gonja, em Gana. Registros
poetas épicos comuns, que preservam as formas arcaicas em seu vocabu-
escritos feitos pelos ingleses na virada do século XX mostram que a tradição
lário especial. Essas apresentações fazem parte da vida social cotidiana e,
oral gOnja de então apresentava Ndewura ]akpa, o fundador do estado de
portanto, as formas arcaicas são correntes, embora limitadas à atividade
Gonja, como pai de sete filhos, cada um dos quais governava uma das sete
poética. A memória do antigo significado de antigos termos, desse modo,
divisões territoriais do estado. Sessenta anos depois, à época em que os
tem uma certa durabilidade, que não é, no entanto, ilimitada.
I
mitos de estado foram novamente registrados, duas das sete divisões haviam de uma realidade individual, sensível; ele se refere a um conceito que não
desaparecido, uma por anexação a uma outra divisão, e a outra em virtude é desta ou daquela árvore, mas pode ser aplicado a qualquer árvore. Cada
de uma mudança de fronteira. Nestes últimos mitos, Ndewura Jakpa tinha objeto específico que intitulamos "árvore" é verdadeiramente "concreto",
cinco Hlhos e não se mencionava nenhuma das outras duas divisões simplesmente ele próprio, de modo algum "abstrato", mas o termo que
extintas. Os gonja ainda estavam em contato com seu passado, faziam aplicamos ao objeto individual é em si mesmo abstrato. Todavia, se todo
questão desse contato em seus mitos, mas a parte do passado sem nenhuma pensamento conceitual é assim, até certo ponto abstrato, alguns usos de
relevância visível para o presente havia simplesmente caído no esquecimen- conceitos são mais abstratos do que outros.
to. O presente impunha sua própria economia às lembranças passadas.
As culturas orais tendem a usar conceitos dentro de quadros de
Packard (1980, p. 157) chamou a atenção para o fato de que, na opinião de
referência situacionais, operacionais, que possuem um mínimo de abstra-
Claude Lévi-Strauss, T.O. Beidelman, Edmund Leach e outros, as tradições
ção, que permanecem próximos ao mundo cotidiano da vida humana.
orais refletem antes valores culturais presentes do que uma curiosidade
Existe uma vasta literatura sobre esse fenômeno. Havelock (1978a)
inútil sobre o passado. A seu ver, isso se aplica aos bashu, assim como
mostrou que os gregos pré-socráticos pensavam na justiça de modos antes
Harms (1980, p. 178) acha que se aplica aos bobangi.
operacionais do que formalmente conceituais, e a falecida Anne Amory
Devemos atentar aqui para as implicações desse fato em relação às Parry (1973) afirmou o mesmo sobre o epíteto amymon, aplicado por
genealogias orais. Um griot da África Oriental ou outro genealogista oral Homero a Egisto: o epíteto significa não "irrepreensível", uma abstração
recitará aquelas genealogias que seus ouvintes entendem. Se ele conhece considerável com a qual os literatos traduziram o termo, mas "belo-como-
genealogias que já não são pedidas, elas são descartadas de seu repertório um-guerreiro-pronto-para -a-Iuta-é-belo" .
e com o tempo desaparecem. As genealogias dos vencedores políticos
Nenhum estudo sobre o pensamento operacional é mais fecundo
têm evidentemente mais possibilidade de sobreviver do que as dos
para nossos objetivos presentes do que Cognitive development: lts cultural
vencidos. Henige (1980, p. 255), ao fazer um relato sobre as listas de reis
de Ganda e de Myoro, observa que o "modo oral... permite que partes
and socialfoundations [O desenvolvimento cognitivo: Seus fundamentos
culturais e sociais] (1976), de A.R. Luria. Seguindo indicações do psicólogo
inconvenientes do passado sejam esquecidas" em virtude das "exigências
soviético Lev Vygotsky, Luria realizou um vasto estudo de campo com
de continuidade do presente". Além disso, os narradores orais hábeis
indivíduos analfabetos (isto é, orais) e indivíduos com algum conheci-
deliberadamente variam suas narrativas tradicionais, porque faz parte de
mento da escrita nas regiões mais remotas do Usbequistão (a terra natal
sua habilidade a capacidade de adaptação a novos públicos e a novas
de Avicena) e Quirguízia, na União Soviética, durante 1931 e 1932. O livro
situações ou simplesmente de agradar. Um griot da África Ocidental
de Luria foi publicado na sua edição original russa apenas em 1974,
contratado por uma família real (Okpewho 1979, pp. 25-26, 247, n. 33; p.
quarenta e dois anos após o término de sua pesquisa, e traduzido para o
248, n. 36) adaptará sua declamação ao elogio de seus empregadores. As
inglês dois anos mais tarde.
culturas orais estimulam o triunfalismo, que, nos tempos modernos,
tendeu normalmente a desaparecer, à medida que as sociedades outrora O estudo de Luria proporciona uma compreensão mais adequada
orais se tornaram cada vez mais letradas. do funcionamento do pensamento fundado no oral do que as teorias de
Lucien Lévy-BruW (1923), que concluíra ser o pensamento "primitivo" (na
verdade, fundado no oral) "pré-Iógico" e mágico, no sentido de que se
baseava antes em sistemas de crença do que na realidade prática, ou do
que as teorias propostas pelos oponentes de Lévy-Bruhl, como Franz
Todo pensamento conceitual é até certo ponto abstrato. Um termo
Boas (não George Boas, como cita erroneamente Luria 1976, p. 8), que
tão "concreto" como "árvore" não se refere simplesmente a uma árvore
"concreta" específica, mas constitui uma abstração, extraída e distanciada
,círculos ou quadrados abstratos, mas, sim, com objetos concre-
afirmava que os povos primitivos pensavam como nós, mas usavam um
tos. Alunos de cursos para professores, por outro lado, com
conjunto diferente de categorias.
certo grau de cultura escrita, identificavam figuras geométricas
Dentro de um quadro rigoroso de referência teórica marxista, Luria por nomes categoricamente geométricos: círculos, quadrados,
ocupa-se até certo ponto de outras questões que não a das conseqüências triângulos e assim por diante 0976, pp. 32-39). Haviam sido
imediatas da cultura escrita, como "a economia individualista não regula- treinados para dar respostas escolares, não respostas tiradas da
mentada centrada na agricultura" e "o início da coletivização" 0976, p. 14), vida real.
e não codifica suas descobertas especificamente em termos de diferenças
2) Apresentaram-se aos sujeitos desenhos de quatro objetos, três
oralidade-cultura escrita. Mas, a despeito da ancoragem rigorosamente
pertencentes a uma categoria e o quarto a uma outra, e lhes
marxista, o relato de Luria gira claramente, na verdade, em torno das
pediram que agrupassem aqueles que eram semelhantes ou
diferenças entre oralidade e cultura escrita. Ele classifica os indivíduos
poderiam ser colocados num grupo ou designados por uma
entrevistados segundo uma escala que vai do analfabetismo a vários níveis
palavra. Uma série consistia em desenhos dos objetos martelo,
de cultura escrita moderada, e seus dados se encaixam claramente nas
serra, tora, machadinha. Os sujeitos analfabetos sempre pen-
classes dos processos noéticos fundados no oral, em oposição aos fundados
savam no grupo não em termos categoriais (três ferramentas;
no quirográfico. Os contrastes revelados entre os analfabetos (a grande
a tara não é uma ferramenta), mas em termos de situações
maioria dos seus sujeitos) e os alfabetizados são visíveis e certamente
práticas - "pensamento situacional" -, sem atentar absoluta-
significativos (muitas vezes, Luria chama explicitamente a atenção para esse
mente para o fato de que a classificação "ferramenta" se
fato) e mostram aquilo que o estudo mencionado e citado por Carothers
aplicava a todos os objetos, à exceção da tora. Quando se
(1959) também revela: um grau minimamente moderado de cultura escrita
trabalha com ferramentas e se vê uma tara, pensa-se em aplicar
faz uma enorme diferença nos processos mentais.
a ferramenta a ela, e não em manter a ferramenta longe daquilo
Luria e seus colegas reuniram dados durante longas conversas com para que foi feita - um jogo intelectual estranho. Um camponês
sujeitos no ambiente informal de uma casa de chá, apresentando as analfabeto de 25 anos: "São todos iguais. A serra irá serrar a
perguntas para a pesquisa em si de modo informal, como enigmas com tora e a machadinha irá cortá-Ia em pedacinhos. Se tiver de tirar
os quais os sujeitos estavam familiarizados. Desse modo, todos os um deles, jogo fora a machadinha. Ela não é tão boa para
esforços tiveram como objetivo adaptar as perguntas aos sujeitos em seu trabalhar quanto uma serra" 0976, p. 56). Quando lhe dizem
próprio meio. Estes não eram líderes em suas sociedades, mas temos que o martelo, a serra e a machadinha são todos ferramentas,
todos os motivos para crer que possuíam um nível normal de compreen- ele despreza a classe categorial e persiste no pensamento
são e eram bastante representativos da cultura. Entre as descobertas de situacional: "Sim, mas mesmo se tivermos ferramentas ainda
Luria, as seguintes podem ser apontadas como de especial interesse aqui: assim precisamos da madeira; do contrário, não podemos
construir nada" Cibid.). Quando lhe perguntam por que uma
outra pessoa rejeitara um item numa outra série de quatro que
1) Sujeitos analfabetos identificavam figuras geométricas atribuin- ele julgara pertencerem a uma mesma classe, respondeu:
do-Ihes os nomes de objetos, nunca abstratamente como "Provavelmente esse tipo de pensamento está em seu sangue."
círculos, quadrados etc. Um círculo seria chamado de prato,
Por outro lado, um jovem de 18 anos que estudara numa escola
peneira, balde, relógio ou lua; um quadrado seria chamado de
de aldeia durante apenas dois anos, não apenas classificou
espelho, porta, casa, plataforma de secagem de damasco. O
uma série análoga em termos categoriais, mas insistiu na
sujeitos de Luria identificavam os desenhos como repre-
correção da classificação quando foi contestado 0976, p. 74).
sentações das coisas reais que conheciam. Nunca lidavam com
Um trabalhador de 56 anos, num estágio apenas inicial de Metais preciosos não enferrnjam. O ouro é um metal precioso. Ele
alfabetização, misturou agrupamentos situacionais e catego- enfemJja ou não? Respostas típicas a essa indagação incluíram:
riais, embora com a predominância do último. Apresentada a "Metais preciosos enferrujam ou não? O ouro enferruja ou não?"
série machado, machadinha, foice, que deveria completar a (camponês, 18 anos); "Metal precioso enferruja. O ouro precioso
série serra, espiga, tora, ele completou a série com a serra - enferruja" (camponês analfabeto, 34 anos) (1976, p. 104). No
"São todas ferramentas de agricultura" -, mas depois reconsi- extremo norte, onde há neve, todos os ursos são brancos. Novaya
derou e acrescentou, a respeito da espiga, "Você pode segá-Ia Zemhla está no extremo norte e sempre há neve lá. De que cor são
com a foice" (1976, p. 72). A classificação abstrata não era os ursos?Eis uma resposta típica: "Não sei. Vi um urso negro. Nunca
inteiramente satisfatória. vi outros ... Cada localidade tem seus próprios animais" (1976, pp.
108-1(9). Você descobre de que cor são os ursos olhando para
Em determinados momentos de suas discussões, Luria tentou eles. Quem alguma vez ouviu falar de raciocinar, na vida prática,
ensinar a sujeitos analfabetos alguns princípios de classificação abstrata. sobre a cor de um urso polar? Além disso, como posso ter certeza
Porém, eles nunca os compreendiam completamente e, quando voltavam de que você está certo quando diz que todos os ursos são brancos
efetivamente a refletir sobre um problema por si mesmos, retomavam ao numa região coberta de neve? Quando o silogismo lhe é apresen-
situacional e não ao categorial (1976, p. 67). Estavam convencidos de que tado uma segunda vez, um dirigente de uma fazenda coletiva, de
o pensamento diferente do situacional, a saber, o categorial, não era 45 anos, no estágio apenas inicial de alfabetização, sai-se da
importante, não tinha interesse, era fútil (1976, pp. 54-55). O que nos seguinte forma: "A crer no que você diz, eles deveriam ser todos
lembra do relato de Malinowski (1923, p. 502) sobre como os "primitivos" brancos" (1976, p. 114). "A crer no que você diz" parece indicar a
(povos orais) possuem nomes para a fauna e a flora que são úteis em suas percepção das estruturas formais intelectuais. Algumas tinturas de
vidas, mas tratam as outras coisas da floresta como um fundo geral sem cultura escrita levam longe. Por outro lado, a cultura escrita
importância: "Isso é apenas 'mato'." "Somente um animal voador." limitada do dirigente deixa-o mais à vontade no mundo da vida
cotidiana interpessoal do que num mundo de puras abstrações: "A
crer no que você diz ..." É sua responsabilidade, não minha, se a
3) Sabemos que a lógica formal foi inventada pela cultura grega
resposta surge dessa forma.
depois de ter interiorizado a tecnologia da escrita alfabética, e
portanto fez de uma parte permanente de seus recursos noéticos
o tipo de pensamento que a escrita alfabética tornou possível. À Referindo-se ao estudo de Michael Cole e Sylvia Scribner na Libéria
luz desse conhecimento, os experimentos de Luria com as reações (1973), James Fernandez (1980) observou que um silogismo é auto-suficiente:
dos analfabetos ao raciocínio formalmente silogístico e inferencial suas conclusões derivam apenas de suas premissas. Ele aponta para o fato de
são particularmente esclarecedores. Em suma, seus sujeitos anal- que os indivíduos sem educação acadêmica não estão familiarizados com essa
fabetos pareciam não operar absolutamente com procedimentos regra básica especial, mas tendem, antes, em sua interpretação de dadas
dedutivos formais - o que não significa que não soubessem pensar afirmações, num silogismo, assim como em outras formas, a ir além das
ou que seu pensamento não fosse governado pela lógica, mas afirmações em si, como se faz normalmente nas situações da vida real ou nos
apenas que eles não adaptariam seu pensamento a formas pura- enigmas (comuns em todas as culturas orais). Eu acrescentaria a observação
mente lógicas, que parecem ter julgado desinteressantes. E por que de que o silogismo é, desse modo, como um texto, fixo, encerrado, isolado.
seriam interessantes? O silogismo está relacionado ao pensamento, Esse fato revela a base quirográfica da lógica. O enigma pertence ao mundo
mas em questões práticas ninguém trabalha em termos de silogis- oral. Para resolvê-Io, é preciso esperteza: usa-se o conhecimento, muitas vezes
mos formalmente expressos. profundamente inconsciente, para além das próprias palavras do enigma.
4) No trabalho de campo realizado por Luria, os pedidos de • retiradado centro para longe de qualquer situação o suficiente
definições dos objetos, até mesmo os mais concretos, encon- para permitir que o centro, o eu, seja examinado e descrito.
traram resistência. "Tente me explicar o que é uma álVore." Luria fez suas perguntas somente depois de uma longa conver-
"Por que eu deveria fazê-Io? Todo mundo sabe o que é uma sa sobre as características das pessoas e suas diferenças indivi-
álVore, não precisam que eu lhes explique", respondeu um duais 0976, p. 148). Perguntou-se a um homem de 38 anos,
camponês analfabeto, de 22 anos 0976, p. 86). Por que definir analfabeto, oriundo de uma região de pastagens nas monta-
se um cenário da vida real é infinitamente mais satisfatório do nhas (1976, p. 150): "Que tipo de pessoa é você, como é seu
que uma definição? Basicamente o camponês tinha razão. Não caráter, quais são suas boas qualidades e suas deficiências?
há como refutar o mundo da oralidade primária. Tudo o que Como você se descreveria?" "Eu cheguei aqui de Uch-Kurgan,
se pode fazer é afastar-se dele em direção à cultura escrita. era muito pobre e agora estou casado e tenho filhos." "Você
"Como você definiria uma álVore em duas palavras?" "Em duas está contente consigo mesmo ou gostaria de ser diferente?"
palavras? Macieira, olmo, álamo." "Suponhamos que você vá a "Seria bom se eu possuísse mais terra e pudesse plantar um
um lugar onde não haja carros. O que você diria às pessoas pouco de trigo." As circunstâncias exteriores dominam a aten-
[que um carro él?" "Se eu for, eu lhes direi que ônibus têm ção. "E quais são os seus defeitos?" "Este ano eu plantei um
quatro pernas, cadeiras em frente para as pessoas se sentarem, pood de trigo e estamos aos poucos corrigindo as deficiências."
um teto para sombra e uma máquina. Mas para ir direto ao Mais situações exteriores. "Bem, as pessoas são diferentes -
assunto, eu diria: 'Se você entrar num carro para dar uma volta, calmas, de gênio forte, ou às vezes sua memória não é boa. O
vai descobrir.''' O respondente enumera algumas característi- que você pensa de si mesmo?" "Nós nos comportamos bem -
cas, mas no fim retoma à experiência individual, situacional se fôssemos pessoas más, ninguém nos respeitaria" (1976, p.
0976, p. 87). 15). A auto-avaliação se ajustava à avaliação do grupo ("nós")
e era então tratada em termos das expectativas dos outros. Um
Por outro lado, um trabalhador alfabetizado de uma fazenda outro homem, um camponês de 36 anos, a quem se perguntou
coletiva, de 30 anos, diz: "É feito numa fábrica. Numa viagem, que tipo de pessoa ele era, respondeu com uma franqueza
pode percorrer a distância que um cavalo levaria dez dias para tocante e cordial: "O que posso dizer sobre meu próprio
cobrir - é muito veloz. Usa fogo e vapor. Primeiro temos de coração? Como posso falar sobre meu caráter? Pergunte aos
acender o fogo para que a água vire um vapor quente - o vapor outros; eles podem lhe dizer algo a meu respeito. Eu mesmo
dá potência à máquina ... Não sei se há água num carro, deve não posso dizer nada." O julgamento sobre um indivíduo vem
haver. Mas a água não é suficiente, também precisa de fogo" de fora, não de dentro.
0976, p. 90). Embora ele não estivesse bem informado, fez
uma tentativa de definir um carro. Sua definição, todavia, não
Estes são apenas alguns dos muitos exemplos fornecidos por Luria,
está centrada na descrição da aparência visual - esse tipo de
mas são típicos. Poderíamos argumentar que as respostas não eram mais
descrição está além da capacidade da mente oral-, mas é uma
favoráveis porque os entrevistados não estavam acostumados a se ver
definição em termos de suas operações.
diante desse tipo de perguntas, não importa o quão inteligentemente Luria
5) Os analfabetos de Luria têm dificuldade em articular uma os levasse a cenários semelhantes a enigmas. Mas a falta de familiaridade
auto-análise. A auto-análise requer um certo desmantelamento
do pensamento situacional. Exige isolamento do eu, em torno
do qual gira todo o mundo vivido para cada indivíduo, uma
é exatamente o ponto principal: uma cultura oral simplesmente não lida Os promotores dos testes de inteligência devem convir que as
com questões como figuras geométricas, categorização abstrata, proces- perguntas de nossos testes comuns de inteligência são talhadas para um
sos de raciocínio formalmente lógico, definições ou até mesmo descrições tipo especial de consciência, uma "consciência moderna", profundamente
abrangentes, ou auto-análise articulada, nenhum dos quais deriva sim- condicionada pela cultura escrita e pela impressão (Berger, 1978). De um
plesmente do próprio pensamento, mas do pensamento formado pelo indivíduo altamente inteligente de uma cultura oral ou residualmente oral
texto. As perguntas de Luria são perguntas de sala de aula, associadas ao deveríamos esperar normalmente que reagisse ao tipo de pergunta de
uso de textos e, na verdade, são semelhantes ou idênticas às perguntas Luria, como muitos de seus respondentes claramente fizeram, não respon-
de testes padronizados de inteligência, construídas por indivíduos perten- dendo à própria pergunta aparentemente insensata, mas tentando avaliar
centes à cultura escrita. Elas são legítimas, mas provêm de um mundo do o contexto enigmático como um todo (a mente oral totaliza): Para que ele
qual o respondente oral não faz parte. está me fazendo essa pergunta tola? O que ele está tentando fazer? (Ver
também Ong 1978, p. 4). "O que é uma árvore?" Ele está realmente
As reações dos sujeitos indicam que talvez seja impossível montar
esperando que eu responda a isso, quando ele e qualquer pessoa viu
um teste escrito ou mesmo um teste oral construído num cenário de
milhares de árvores? Posso lidar com enigmas. Mas isso não é um enigma.
cultura escrita que tivesse acesso, de modo rigoroso, às habilidades
Será um jogo? É claro que é um jogo, mas o indivíduo oral não conhece
intelectuais naturais de indivíduos de uma cultura fortemente oral. Glad-
as regras. As pessoas que fazem essas perguntas têm vivido com uma
win 0970, p. 219) observa que os habitantes da Ilha de Pulawat, no
sucessão ininterrupta de tais questões desde a infância e não estão
Pacífico Sul, respeitam seus navegadores, que precisam ser muito inteli-
conscientes de que estão usando regras especiais.
gentes em virtude de sua arte complexa e rigorosa, não porque os
considerem "inteligentes", mas tão somente porque são bons navegado- Numa sociedade com algum grau de cultura escrita, tal como a dos
res. Um habitante da África Central, a quem se perguntou o que pensava sujeitos de Luria, os analfabetos podem ter tido - e muitas vezes tiveram
do novo diretor da escola da aldeia, respondeu a Carrington 0974, p. 61); -, é claro, uma experiência direta do pensamento organizado segundo a
"Vamos observar um pouco como ele dança." As nações orais avaliam a cultura escrita da parte de outros. Terão ouvido, por exemplo, alguém ler
inteligência não sob o aspecto presumido de testes maquinados em composições escritas ou diálogos como os que somente pessoas perten-
manuais, mas dentro de contextos operacionais. centes à cultura escrita podem manter. Um mérito do estudo de Luria é
O assédio a estudantes ou a qualquer outro indivíduo com ques- mostrar que tais contatos ligeiros com a organização do conhecimento
tões analíticas desse tipo surge num estágio bastante tardio de textualida- própria da cultura escrita, pelo menos no que diz respeito a esse caso,
de. Essas perguntas estão ausentes, na verdade, não apenas das culturas podem não ter um efeito perceptível sobre os analfabetos. A escrita deve
orais, mas também das escritas. As questões em exames escritos passaram ser individualmente interiorizada para que possa influenciar os processos
de pensamento.
a ter um uso geral (no Ocidente) apenas muito depois que a impressão
produzisse seus efeitos sobre a consciência, milhares de anos após a Indivíduos que interiorizaram a escrita não apenas escrevem, mas
invenção da escrita. O latim clássico não possui uma palavra para "exame" também falam segundo os padrões da cultura escrita, isto é, organizam,
como o que "fazemos" hoje e no qual tentamos "passar" na escola. Até em diferentes graus, até mesmo sua expressão oral em padrões de
poucas gerações atrás, no Ocidente, e talvez ainda na maior parte do pensamento e padrões verbais que não conheceriam, a menos que
mundo atualmente, a prática acadêmica exigiu que os estudantes "recitas- soubessem escrever. Uma vez que a organização oral do pensamento não
sem" em classe, isto é, retomassem oralmente às afirmações do professor segue esses padrões, os pertencentes à cultura escrita julgaram ingênua
(fórmulas - a herança oral) que haviam memorizado nas exposições em essa organização. O pensamento oral, contudo, pode ser bastante sofisti-
classe ou nos manuais (Ong 1967b, pp. 53-76). cado e, a seu próprio modo, reflexivo. Narradores navajos de histórias
folclÓricas de animais podem dar explicações minuciosas das várias

implicações das histórias para uma compreensão de questões complexas que se conhecessem gravações sonoras não estava claro, uma vez que,
da vida humana, do fisiológico ao psicológico e ao ético, e estão na ausência da escrita, a única maneira de testar a repetição literal de
perfeitamente conscientes de coisas como incongruências físicas (por passagens longas seria a recitação simultânea das passagens por duas ou
exemplo, coiotes com bolas de âmbar como olhos) e da necessidade de mais pessoas juntas. Recitações sucessivas não podiam ser confrontadas
interpretar simbolicamente elementos das histórias (Toelken 1976, p. entre si. Porém, raramente se procuravam exemplos de recitação simul-
156). Afirmar que os povos orais são fundamentalmente não inteligentes, tânea em culturas orais. As pessoas pertencentes à cultura escrita conten-
que seus processos mentais são "toscos", é o tipo de julgamento que tavam-se simplesmente em admitir que a prodigiosa memória oral funcio-
durante séculos fez com que estudiosos afirmassem falsamente que, em nava, de algum modo, segundo seu próprio modelo textual literal.
virtude de os poemas homéricos mostrarem tanta habilidade, deveriam Ao avaliar de modo mais realista a natureza da memória verbal nas
ser essencialmente composições escritas. culturas orais primárias, os estudos de Milman Parry e Albert Lord
Também não devemos imaginar que o pensamento fundado no provaram novamente ser revolucionários. O estudo de Parry sobre os
oral seja "pré-lógico" ou "ilógico", em qualquer sentido simplista - tal poemas homéricos concentrou-se na questão. Parry demonstrou que a
como, por exemplo, no sentido de que os povos orais não compreendem llíada e a Odisséía eram essencialmente criações orais, fossem quais
relações causais. Eles sabem muito bem que, se empurrarmos com força fossem as circunstâncias que determinaram seu registro pela escrita. À
um objeto móbil, o empurrão fará com que ele se mova. A verdade é que primeira vista, essa descoberta pareceria confirmar a hipótese de memo-
eles não podem organizar concatenações complicadas de causas do tipo rização literal. A llíada e a Odisséia eram rigorosamente métricas. Como
analítico de seqüências lineares, as quais somente podem ser construídas poderia um cantor apresentar prontamente uma narrativa que consistisse
com o amemo de textos. As seqüências longas que eles produzem, tais de milhares de versos hexâmetros dactílicos, a menos que os tivesse
como as genealogias, não são analíticas, mas agregativas. Porém, as memorizado palavra por palavra? Aqueles que pertencem à cultura escrita
culturas orais podem produzir organizações de pensamento e de expe- e são capazes de recitar obras métricas extensas prontamente, memoriza-
riência incrivelmente complexas, inteligentes e belas. Para compreender ram-nas literalmente com base em textos. Parry 0928, in Pany 1971), no
como elas o fazem, será necessário discutir algumas das operações da entanto, lançou os alicerces de uma nova abordagem que podia explicar
memória oral. tal execução, com êxito, sem memorização literal. Como vimos no
capítulo 2, ele mostrou que os hexâmetros não eram simplesmente
compostos de unidades vocabulares, mas de fórmulas, grupos de palavras
para lidar com material tradicional, ajustando cada fórmula a um verso
hexâmetro. O poeta possuía um enorme vocabulário de frases postas em
hexâmetros. Com esse vocabulário hexâmetro, ele podia fabricar versos
A memória verbal é, compreensivelmente, um trunfo valorizado
metrificados exatos em quantidade infinita, à condição de que lidasse com
nas culturas orais. Mas o modo como a memória verbal funciona em
material tradicional.
formas artísticas orais é muito diferente daquele que os indivíduos
pertencentes à cultura escrita do passado comumente imaginaram. Numa Desse modo, nos poemas homéricos, para Ulisses, Heitor, Atena
cultura letrada, a memorização literal é geralmente feita com base em um ou ApoIo, assim como para os outros personagens, o poeta possuía
texto ao qual o memorizador retoma tantas vezes quanto necessário para epítetos e verbos que os adaptariam ao metro de forma exata quando,
aperfeiçoar e testar o domínio daquela memorização. No passado, os por exemplo, qualquer um deles devia ser apresentado dizendo algo.
pertencentes à cultura escrita geralmente assumiam que a memorização Metepbe polymetis Odysseus (falou o astuto Ulisses) ou prosepbe polymetis
oral numa cultura oral normalmente atingia o mesmo objetivo de repeti- Odysseus (falou o astuto Ulisses) ocorrem 72 vezes nos poemas (Milman
ção perfeitamente literal. Como tal repetição poderia ser verificada antes Parry 1971, p. 51). Ulisses é polymetís (astuto) não apenas porque tenha
,
essa natureza, mas também porque sem o epíteto polymetis ele não podia cantadas duas vezes do mesmo modo. Na sua essência, as mesmas
ser prontamente metrificado. Como se observou anteriormente, a adequa- fórmulas e os mesmos temas se repetiam, mas eram costurados ou
ção desses e de outros epítetos homéricos foi ingenuamente exagerada. "rapsodiados" diferentemente em cada reprodução, até pelo mesmo
O poeta possuía milhares de outras fórmulas métricas de funcionamento poeta, dependendo da reação do público, do estado de espírito do poeta
análogo, que podiam se adaptar a suas diversas necessidades métricas ou da ocasião, assim como de outros fatores sociais e psicológicos.
praticamente qualquer situação, indivíduo, coisa ou ação. Na verdade, a
As gravações das apresentações dos bardos do século XX foram
maioria das palavras na llíada e na Odisséia ocorrem como partes de
complementadas com gravações de entrevistas com eles. Com base nessas
fórmulas identificáveis.
entrevistas e na observação direta, sabemos como os bardos aprendem:
O estudo de Parry mostrou que fórmulas metricamente talhadas ouvindo, durante meses e anos, outros bardos que nunca cantam uma
controlavam a composição do antigo épico grego e que as fórmulas podiam narrativa do mesmo modo duas vezes, mas que usam repetidas vezes as
ser deslocadas muito facilmente, sem que interferissem na linha narrativa fórmulas-padrão relativas aos temas-padrão. As fórmulas sofrem alguma
ou no estilo do poema épico. Os cantores orais realmente deslocavam as variação, é claro, assim como os temas, e a "rapsodização" do poeta, ou o
fórmulas, de modo que cada uma das versões metricamente regulares da "alinhavamento" de narrativas, diferirá visivelmente de um para outro.
mesma história diferisse quanto ao fraseado? Ou a história era dominada Certos torneios de frases serão idiossincráticos. Basicamente, porém, o
literalmente, de modo a ser reproduzida exatamente em cada apresentação? material, os temas e as fórmulas, assim como sua utilização, pertencem a
Uma vez que todos os poetas homéricos pré-textuais haviam morrido havia uma tradição claramente identificável. A originalidade não consiste em
mais de 2 mil anos, não podiam ser gravados para uma prova conclusiva. introduzir novo material, mas em adaptar o material tradicional de modo
Porém, uma prova decisiva estava disponível nos poetas narrativos vivos na eficaz a cada situação específica, única, e/ou ao público.
Iugoslávia moderna, país adjacente à antiga Grécia e que em parte sobre-
As façanhas mnemônicas desses bardos orais são notáveis, mas
punha-se a ela. Parry encontrou esses poetas compondo narrativas épicas
diferem daquelas associadas à memorização de textos. Os pertencentes à
orais para as quais não havia texto. Seus poemas narrativos, como os de
cultura escrita ficam comumente surpresos ao saber que o planejamento
Homero, eram métricos e formulares, embora seu verso métrico fosse
do bardo para repetir a história que ouviu apenas uma vez deve muitas
diferente do antigo hexâmetro dactílico grego. Lord continuou e ampliou o
vezes esperar um dia ou dois após ele tê-Ia ouvido. Na memorização de
trabalho de Parry, construindo a enorme coleção de gravações orais dos
um texto escrito, adiar sua recitação geralmente enfraquece sua lembran-
poetas narrativos iugoslavos de nossa época, agora na Parry Collection da
ça. Um poeta oral não está trabalhando com textos ou numa moldura
Universidade de Harvard.
textual. Ele precisa de tempo para deixar que a história mergulhe em seu
A maioria desses poetas narrativos eslavos do sul ainda vivos - e, próprio estoque de temas e fórmulas, tempo para "se emprenhar" da
na verdade, os melhores - é analfabeta. Aprender a ler e escrever história. Quando recorda e reconta a história, em nenhum sentido literal
incapacita o poeta oral, como Lord descobriu: introduz em sua mente o da palavra ele "memorizou" a reprodução métrica da versão do outro
conceito de um texto como controlador da narrativa e por isso interfere cantor - uma versão que há muito tempo desapareceu no momento em
nos processos de composição oral, que nada têm a ver com textos, mas que o novo cantor está meditando sobre a história para sua nova
são "a recordação de canções cantadas" (Peabody 1975, p. 216). reprodução (Lord 1960, pp. 20-29). O material fixo na memória do bardo
A memória de canções dos poetas orais é ágil: "Não era raro" é um veículo de temas e fórmulas com os quais todas as histórias são
deparar com um bardo iugoslavo cantando "versos de 10 a 20 sílabas por construídas de diferentes modos.
minuto" (Lord 1960, p. 17). Uma comparação entre as canções gravadas, Uma das descobertas mais reveladoras no estudo de Lord foi a de
no entanto, revela que, embora metricamente regulares, elas nunca eram que, embora os cantores estejam conscientes de que dois diferentes
J
cantores nunca cantam a mesma canção de modo idêntico, um cantor exemplo, Goody 0977, pp. 118-119) relata como, entr~ os lodagaa do
replicará que pode fazer sua própria versão de uma canção, verso por norte de Gana, onde a Invocação ao Bagre, como o pal-Noss.o entre _os
verso e palavra por palavra, quando quiser e "exatamente igual daqui a cristãos, é "algo que todo mundo 'sabe"', as reproduções da mvocaçao,
20 anos" (Lord 1960, p. 27). Todavia, quando suas supostas reproduções no entanto, não são absolutamente estáveis. A invocação consiste a?enas
literais são gravadas e comparadas, verifica-se que são sempre diferentes, de "mais ou menos uma dúzia de versos" e, quando se conhece a hngua,
embora as canções sejam versões reconhecíveis da mesma história. como Goody, e pronuncia-se a frase inicial da invocação, o ouvinte toma
"Palavra por palavra e verso por verso", como interpreta Lord 0960, p. o refrão, corrigindo todos os erros que julga que se esteja cometendo.
28), é simplesmente um modo enfático de dizer "semelhante". "Verso" é Todavia, a gravação mostra que a elocução da invocação pode variar
obviamente um conceito textual e até mesmo o conceito de "palavra" co nsideravelmente de uma recitação para outra, até mesmo no caso ..de
como uma entidade discreta, separada do fluxo discursivo, parece ser recitações pelo mesmo indivíduo, ou por indivíduos que irão cornglr
algo textual. Goody (1977, p. 115) chamou a atenção para a possibilidade quem recita quando a versão não corresponde a sua versão (corrente).
de uma linguagem inteiramente oral que possui um termo para discurso As descobertas de Goody, assim como as de outros (Opland 1975;
em geral, ou para uma unidade rítmica de uma canção, ou para uma 1976), evidenciam que os povos orais às vezes tentam a repetição literal
elocução, ou para um tema, não possuir um termo pronto para "palavra" de poemas ou de outras formas artísticas orais. O que conseguem? ~a
como um item isolado, um "pedaço" de discurso, como em "Esta última maioria das vezes, o mínimo, segundo os padrões de uma cultura escnta.
frase consiste de 26 palavras". Ou não? Talvez sejam 28. Se não se pode Opland 0976, p. 114) registra esforços reais, na África do Sul, de repetição
escrever, "pára-raios" constitui uma palavra ou duas? A percepção de literal e seus resultados: "Qualquer poeta na comunidade repetirá do
palavras individuais como itens significativamente discretos é alimentada poema que consta de meu teste limitado, pelo menos 60% em relação às
pela escrita, que, aqui como em qualquer outra parte, é dierética, outras versões." Êxito e ambição dificilmente se igualam aqui. Sessenta
separativa. (Os antigos manuscritos tendem não a separar as palavras por cento de exatidão na memorização ganhariam uma nota muito baixa
claramente umas das outras, mas a juntá-Ias.) na aula de recitação de um texto ou na reprodução do texto de uma peça
Significativamente, cantores analfabetos na cultura altamente letra- teatral por um ator.
da da moderna Iugoslávia desenvolvem e manifestam posições em Muitos casos de "memorização" de poesia oral citados como provas
relação à escrita (Lord 1960, p. 28). Admiram a cultura escrita e acreditam de "composição prévia" pelo poeta, tal como nos exemplos em Finnegan
que uma pessoa alfabetizada pode fazer ainda melhor o que eles fazem, 0977, pp. 76-82), não parecem ter uma exatidão literal maior. Na verdade,
isto é, recriar uma canção longa depois de ouvi-Ia apenas uma vez. Isso Finnegan afirma apenas "estreita semelhança em trechos que atingem
é exatamente o que os alfabetizados não são capazes de fazer, ou fazem uma repetição palavra por palavra" 0977, p. 76) e "um número muito
somente com dificuldade. Assim como os pertencentes à cultura escrita maior de repetição verbal e verso por verso do que se poderia esperar da
atribuem tipos de realizações letradas aos executores orais, também os analogia iugoslava" 0977, p. 78; sobre a validade dessas comparações e
executores orais atribuem tipos de realizações orais a alfabetizados. o sentido discutível da "poesia oral" em Finnegan, ver Foley 1979).
Há muito tempo (960), Lord mostrou a aplicabilidade da análise Todavia estudos recentes trouxeram à luz alguns exemplos de
oral-formular ao inglês arcaico (Beowulj), e outros mostraram diferentes memorização I~teralmais exata entre povos orais. Um é o da verbalização
modos pelos quais os métodos oral-formulares ajudam a explicar a ritual entre os canas, na costa panamenha, relatado por Joel Sherzer
composição oral ou residualmente oral da Idade Média européia, em (1982). Em 1970, Sherzer gravara uma fórmula longa e mágica de um rito
.~ alemão, francês, português e outras línguas (ver Foley 1980b). Em todo o da puberdade sendo ensinada por um homem, que era especialista em
, mundo, trabalhos de campo corroboraram e ampliaram o estudo feito por ritos de puberdade de meninas, a outros especialistas como ele. Sherzer
Parry e, de modo muito mais detalhado, por Lord na Iugoslávia. Por
í
retomou em 1979 com uma transcrição que havia feito da fórmula e seus aprendizes na recitação literal do cântico por meio de uma disciplina
descobriu que o mesmo homem podia repeti-Ia literalmente, fonema por rigorosa durante vários anos e conseguem resultados notáveis, embora
fonema. Embora esse autor não estabeleça o âmbito ou a duração da eles próprios façam, nas suas próprias recitações, mudanças das quais não
fórmula literal exata em questão, dentro de qualquer grupo determinado se dão conta. Certos movimentos na narrativa são mais propensos a erros
de especialistas em fórmulas, por um dado período de tempo, o exemplo do que outros. Em certas partes, a música estabiliza inteiramente o texto,
apresentado por ele é o de uma reprodução literal claramente bem-suce- mas em outras gera erros dos mesmos tipos encontrados nas cópias de
dida. (Os exemplos citados por Sherzer 1982, n. 3, com base em Finnegan manuscritos, como os feitos pelo h01110ioteleuton - um copista (ou
1977, como já indicamos, parecem todos discutíveis ~ na melhor das executor oral) pula da ocorrência de uma frase final para uma outra
hipóteses - e, portanto, não equivalentes a seu próprio exemplo.) ocorrência da mesma frase final, omitindo o material intermediário.
Dois outros exemplos comparáveis ao de Sherzer mostram a Novamente, aperfeiçoou-se aqui a reprodução literal de um tipo - não
reprodução literal de material oral alimentada não por uma moldura ritual, totalmente invariável, porém notável.
mas por restrições lingüísticas ou musicais especiais. Um é da poesia Embora em todos esses exemplos a produção de poesia oral ou
clássica somali, que tem um padrão de escansão aparentemente mais outra verbalização oral por uma memória conscientemente desenvolvida
complexo e rígido do que o do antigo poema épico grego, de modo que não seja idêntica à prática oral-formular da Grécia homérica ou da
a linguagem não pode variar tão prontamente. John william Johnson moderna Iugoslávia ou de inúmeras outras tradições, a memorização
observa que os poetas orais somalis "aprendem as regras da prosódia de literal aparentemente não liberta inteiramente os processos noéticos orais
uma maneira muito semelhante, senão idêntica, à que aprendem a própria da dependência de fórmulas, se é que não a aumenta. No caso da poesia
gramática" 0979b, p. 118; ver também Johnson 1979a). Eles não conseguem oral somali, Francesco Antinucci mostrou que essa poesia possui não
estabelecer quais são as regras métricas, assim como não conseguem estabe- apenas restrições fonológicas, métricas, mas também sintáticas. Isto é,
lecer as regras da gramática somali. Os poetas somalis não compõem e apenas certas estruturas sintáticas específicas ocorrem nos versos dos
se apresentam normalmente ao mesmo tempo, mas constróem uma poemas: em exemplos apresentados por Antinucci, apenas dois tipos de
composição em particular, palavra por palavra, que depois recitam eles estruturas sintáticas em centenas de outros possíveis 0979, p. 148).
próprios em público ou encarregam outro de fazê-lo. Novamente, esse Indubitavelmente, trata-se de composição formular, pois as fórmulas nada
caso constitui mais um exemplo claro de memorização literal oral. mais são do que "restrições" e aqui estamos lidando com fórmulas
Evidentemente, qual seria o grau de estabilidade da verbalização por um sintáticas (que são também encontradas na economia dos poemas com
período de tempo qualquer (vários anos, uma década ou mais) ainda está que Pany e Lord trabalharam). Rutledge (981) chama a atenção para o
por ser investigado. caráter formular do material presente nos cânticos Heike, que, na verda-
de, são formulares a ponto de conter muitas palavras arcaicas, cujos
O segundo exemplo mostra como a música pode atuar como uma
significados os mestres nem mesmo conhecem. Sherzer (982) também
restrição para fixar uma narrativa literal oral. Com base em seu próprio
chama particularmente a atenção para o fato de que as enunciações nas
trabalho de campo minucioso no Japão, Eric Rutledge (981) dá informa-
quais pôde verificar uma recitação literal são construídas com elementos
ções sobre uma tradição japonesa, ainda existente porém em declínio, na
formulares análogos aos das apresentações orais do tipo comum, rapsó-
qual uma narrativa oral, 1be tale of the Heike [O conto do Heikel, é
dico, não literal. Ele propõe que se pense num continuu111 entre o uso
entoada com música, com algumas poucas partes em "voz pura", desa-
"fixo" e o "flexível" de elementos formulares. Às vezes, os elementos
companhadas de instrumentos, e alguns interlúdios puramente instru-
formulares são arranjados de forma a tentar estabelecer uma uniformida-
mentais. A narrativa e o acompanhamento musical são memorizados por
de literal, às vezes funcionam para efetuar uma certa adaptabilidade ou
aprendizes, que começam ainda muito novos, trabalhando com um
variação (embora os usuários dos elementos formulares, como mostrou
mestre oral. Os mestres (não há nenhum vivo) encarregam-se de treinar
Lord, possam geralmente julgar "fixo" um uso que, na verdade, é "flexível" rização literal dos Vedas datam de 1906 ou 1927 (Kiparsky 1976, pp.
ou variável). A proposta de Sherzer é sem dúvida judiciosa. 99-100), antes que Parry completasse qualquer dos seus estudos, ou de
1954 (Bright 1981), antes dos de Lord (1960) e de Havelock (1963). Em
A memorização oral merece um estudo mais extenso e mais detalha-
do, especialmente em rituais. Os exemplos literais de Sherzer são rituais, e Tbe destiny of the Veda in India [O destino do Veda na Índia] (1965), o
Rutledge sugere em seu trabalho - e afirma explicitamente numa carta célebre indólogo francês e tradutor do Rig-Veda, Louis Renou, nem
dirigida a mim (22 de janeiro de 1982) - que os cânticos Heike têm uma mesmo se dá conta dos tipos de indagações levantadas pela obra de Parry.
moldura ritualística. Chafe (982), tratando especificamente da língua Não há dúvida de que a transmissão oral foi importante na história
sêneca, sugere que a linguagem ritual, comparada à coloquial, é semelhante dos Vedas (Renou 1965, pp. 25-26 - #26 - e notas, pp. 83-84). Os
à escrita pelo fato de que "possui uma estabilidade que a linguagem professores brâmanes, ou gurus, e seus discípulos dedicam ~ntensos
coloquial não possui. O mesmo ritual oral é apresentado repetidas vezes: esforços à memorização literal, cruzando as palavras em diferentes
não literalmente, com certeza, mas com um conteúdo, um estilo e uma padrões para garantir o domínio oral de suas posições umas em relação
estrutura formular que permanecem constantes de execução para execu- às outras (Basham 1963, p. 164), embora chegar a uma conclusão sobre
ção." Em suma, tudo indica que, nas culturas orais em geral, decididamente a questão de ter este último padrão sido habitualmente usado antes que
a grande maioria da recitação oral tende para a finalidade adaptável do um texto houvesse sido desenvolvido pareça ser um problema insolúvel.
continuum, até mesmo no ritual. Mesmo em culturas que conhecem a Na esteira dos estudos recentes sobre memória oral, no entanto, surgem
escrita e dela dependem, mas conservam um contato vivo com a oralidade indagações quanto aos modos como a memória dos Vedas realmente
primitiva - isto é, conservam um alto grau de resíduo oral - a própria funcionava num cenário puramente oral - se é que houve um tal cenário
enunciação ritual muitas vezes não é tipicamente literal. "Fazei-o em minha para os Vedas inteiramente independente de textos. Sem um texto, como
memória", disse Jesus na Última Ceia (Lucas 22:19). Os cristãos celebram a poderia um determinado hino - para não falar da totalidade dos hinos
Eucaristia como seu ato fundamental de culto em virtude das instruções de das coleções - ser estabilizado palavra por palavra, e isso através de
Jesus. Porém, as palavras cruciais que os cristãos repetem como sendo as muitas gerações? Afirmações, feitas de boa fé por indivíduos pertencentes
palavras de Jesus, ao cumprir sua instrução (isto é, as palavras "Este é o meu a culturas orais, de que as reproduções são idênticas, palavra por palavra,
corpo ...; este é o cálice de meu sangue ..."), não aparecem exatamente da como vimos, podem ser totalmente contrárias aos fatos. Meras declarações,
mesma maneira nas duas vezes em que são citadas no Novo Testamento. freqüentemente feitas por indivíduos pertencentes às culturas escritas, de
A antiga Igreja cristã lembrava de forma pré-textual, oral, até mesmo em que tais textos longos foram conservados literalmente através de gerações
seus rituais textualizados, inclusive naquelas exatas passagens de que numa sociedade inteiramente oral já não podem ser admitidas sem
deveria lembrar com maior freqüência. verificação. O que foi conservado? A primeira recitação de um poema por
aquele que lhe deu origem? Como poderia ele repeti-Io palavra por
Muitas vezes se menciona a memorização oral literal dos hinos
palavra uma segunda vez e ter certeza de que o fizera? Uma versão
vedas na Índia, provavelmente em completa independência de quaisquer
produzida por um professor extremamente poderoso? Isso parece possí-
textos. Tais afirmações, tanto quanto sei, nunca foram avaliadas com
vel. Porém, a produção de sua própria versão mostra uma variabilidade
referência às descobertas de Parry e de Lord, assim como outras relativas
na tradição e sugere que, na boca de um outro professor igualmente
à "memorização" oral. Os Vedas são coleções extensas e antigas, prova-
capaz, poderiam surgir outras tantas variações, deliberadas ou não.
velmente compostas entre 1500 e 900 ou 500 a.c. - a variação que deve
ser permitida nas datas possíveis mostra como são vagos os contatos de De fato, os textos védicos - nos quais baseamos nosso conheci-
nossa época com os cenários originais nos quais se desenvolveram os mento dos Vedas atualmente - têm uma história complexa e muitas
hinos, as orações e as fórmulas litúrgicas que compõem essas coleções. variantes, fatos que parecem sugerir que dificilmente se originaram de
As referências típicas ainda citadas atualmente para comprovar a memo- uma tradição oral absolutamente literal. Com efeito, a estrutura formular
f
e temática dos Vedas, visível até mesmo em traduções, relaciona-os a descrições de bardos incluem instrumentos de corda ou tambores". (Ver
outras execuções orais conhecidas por nós e indica que exigem outros também Lord 1960; Havelock 1978a, pp. 220-222; Biebuyck e Mateene 1971,
estudos relacionados ao que se descobriu recentemente sobre elementos frontispício.) A esses casos, podemos acrescentar outros exemplos de
formulares, elementos temáticos e mnemânica oral. O trabalho de Peabo- atividade manual, tais como a gesticulação, muitas vezes elaborada e
dy (975) já encoraja claramente tal estudo em sua análise das relações estilizada (Scheub 1977), e outras atividades corporais tais balançar para a
entre a tradição indo-européia mais antiga e a versificação grega. Por frente ou para trás, ou dançar. O Talmude, não obstante seja um texto, ainda
exemplo, a alta incidência de redundância ou sua ausência nos Vedas é vocalizado por judeus ortodoxos altamente orais em Israel com um
poderia, por si só, indicar até que ponto sua proveniência é mais ou balançar do dorso para a frente e para trás, como eu mesmo testemunhei.
menos oral (ver Peabody 1975, p. 173). A palavra oral, como já observamos, nunca existe num contexto
Em todos os casos, literal ou não, a memorização oral está sujeita puramente verbal, como ocorre com a palavra escrita. As palavras
à variação proveniente de pressões sociais diretas. Os narradores narram proferidas são sempre modificações de uma circunstância total, existencial,
o que o público deseja ou permite. Quando o mercado para um livro que sempre envolve o corpo. A atividade corporal que acompanha a mera
impresso decresce, as prensas param de rolar, mas milhares de cópias vocalização não é eventual ou arquitetada na comunicação oral, mas
podem permanecer. Quando o mercado para uma genealogia oral desa- natural e até mesmo inevitável. Na verbalização oral, particularmente a
parece, também o faz a própria genealogia, completamente. Como se pública, a imobilidade absoluta é em si um gesto que impressiôna.
observou (p. 60), as genealogias dos vencedores tendem a sobreviver (a
se aperfeiçoar); as dos vencidos tendem a desaparecer (ou a se reformu-
lar). A interação com o público vivo pode interferir ativamente na
estabilidade verbal: as expectativas do público podem contribuir para a
fixação dos temas e das fórmulas. Tais expectativas me foram impostas
Boa parte da explicação anterior da oralidade pode ser usada para
há alguns anos por uma de minhas sobrinhas, uma menininha ainda
identificar o que pode ser chamado de culturas "verbomotoras", isto é,
pequena o bastante para preservar uma mentalidade claramente oral
culturas nas quais, ao contrário do que ocorre nas culturas de alta
(embora infiltrada pela cultura escrita a sua volta). Eu estava lhe contando
tecnologia, desenvolvimentos de ação e atitudes em relação a questões
a história dos "Três porquinhos": "Ele soprou e bufou e soprou e bufou
dependem significativamente mais do uso efetivo de palavras, e portanto
e soprou e bufou". Cathy empertigou-se diante da fórmula que usei. Ela
da interação humana, e significativamente menos do contato não-verbal,
conhecia a história, e minha fórmula não era a que esperava. "Ele soprou
muitas vezes predominantemente visual do mundo "objetivo" das coisas.
e bufou e bufou e soprou e soprou e soprou e bufou", disse ela, fazendo
Jousse (925) usava seu termo verbomoteur para se referir principalmente
um beicinho. Reformulei a narrativa, cedendo à exigência do público por
às culturas antigas hebraica e aramaica e outras adjacentes, que tinham
aquilo que havia sido dito antes, como outros narradores orais devem ter
algum conhecimento da escrita, mas permaneciam basicamente mais
feito muitas vezes.
orais e orientadas pela palavra do que orientadas pelo objeto quanto a
Finalmente, é preciso observar que a memória oral difere significati- seu estilo de vida. Estamos expandindo seu uso aqui para incluir todas as
vamente da memória textual pelo fato de a memória oral possuir um culturas que conservam resíduo oral suficiente para permanecer signifi-
componente altamente somático. Peabody 0975, p. 197) apontou que "em cativamente atentas mais à palavra, num contexto caracterizado por uma
todas as partes do mundo e em todas as épocas (. ..) a composição interação entre indivíduos (o tipo oral de contexto), do que ao objeto. É
tradicional foi associada à atividade manual. Os aborígines da Austrália e de preciso fazer a ressalva, no entanto, de que palavras e objetos nunca estão
outras regiões muitas vezes fazem figuras de cordão juntamente com suas totalmente separados: as palavras representam objetos, e a percepção
canções. Outros povos manipulam contas em cordões. A maioria das destes é em parte condicionada pelo estoque de palavras nos quais se
determinada passagem, a unidade do grupo desaparecerá assim que cada
aninham as percepções. A natureza não estabelece "fatos"; eles somente
indivíduo entrar em seu mundo privado. Um exemplo do contraste entre
surgem no interior de afirmações construí das por seres humanos para se
oralidade e cultura escrita, nesse aspecto, encontra-se no relatório de #
referir à teia descosida da realidade a sua volta.
Carother (959) sobre a prova de que os povos orais comumente exteriori- ;; .
As culturas que estamos aqui denominando verbomotoras prova- zam o comportamento esquizóide, ao passo que os letrados o interiorizam.
velmente causam ao homem tecnológico a impressão de supervalorizar o Os letrados muitas vezes manifestam tendências (perda de contato com o
próprio discurso, superestimar e certamente fazer um uso excessivo da meio ambiente) por um recolhimento em seu mundo de sonhos (sistema-
retórica. Nas culturas orais primárias, nem mesmo os negócios são tização onírica esquizofrênica); os povos orais comumente manifestam suas
meramente negócios: são fundamentalmente retórica. Comprar algo em tendências esquizóides por uma confusão exterior extrema, que muitas
um souk ou bazar do Oriente Médio não é uma simples transação vezes os leva a um ato violento, até mesmo à mutilação de si mesmos ou
econômica, como seria no Woolworth's e como uma cultura de alta de outros. Esse comportamento é freqüente o bastante para ter dado origem
tecnologia imaginaria que fosse na natureza das coisas. Ao contrário, é a termos especiais para designá-Io: o antigo guerreiro escandinavo fica
uma série de manobras verbais (e somáticas), um duelo polido, uma berserk; o indivíduo do sudeste da Ásia, amok.*
disputa de talentos, uma operação de agonística oral.
Em culturas orais, um pedido de informação é comumente interpre-
tado interativamente (Malinowski 1923, pp. 451, 470-481), como agonístico
e, ao contrário de obter realmente uma resposta, é freqüentemente desvia-
do. Uma história esclarecedora é contada por um visitante ao condado de A tradição heróica da cultura oral primária e da cultura escrita
Cork, na Irlanda, uma região particularmente oral em um país em que todas primitiva, com seu enorme resíduo oral, está relacionada ao estilo de vida
as regiões conservam alto grau de oralidade residual. O visitante viu um agonístico, mas é construída segundo as necessidades dos processos
habitante de Cork encostado no edifício do correio. Dirigiu-se a ele, bateu noéticos orais. A memória oral trabalha eficientemente com personagens
com a mão na parede do edifício, perto do ombro do homem e perguntou: "fortes", indivíduos cujas façanhas são notáveis, memoráveis e geralmente
"É aqui o correio?" O homem não se deixou enganar. Olhou para seu notórias. Desse modo, a economia noética própria a ela gera figuras de
inquiridor calmamente e com grande preocupação: "Você por acaso não tamanho descomunal, isto é, figuras heróicas não por motivos românticos
estaria procurando um selo, não é?" Ele tratou a pergunta não como um ou deliberadamente didáticos, mas por motivos muito mais fundamentais:
pedido de informação, mas como algo que o perguntador estava lhe organizar a experiência numa forma permanentemente memorável. Per-
fazendo. Assim, ele fez algo, por sua vez, àquele que lhe fazia uma pergunta sonalidades apagadas não podem sobreviver na mnemônica oral. Para
para ver o que aconteceria. Qualquer nativo de Cork, segundo a mitologia, garantir peso e memorabilidade, as figuras heróicas tendem a constituir
lida com todas as perguntas desse modo. Sempre responde a uma pergunta figuras-tipo: o sábio Nestor, o furioso Aquiles, o astuto Ulisses, o compe-
fazendo outra. Nunca baixe sua guarda oral. tentíssimo Mwindo ("Pequenino-Recém-Nascido-Que-Andava", Kábútwa-
A oralidade primária alimenta as estruturas de personalidade que de kénda, seu epíteto usual). A mesma economia mnemônica ou noética
certo modo são comunais e exteriorizadas, e menos introspectivas do que impõe-se ainda nos lugares em que as molduras orais persistem em
as comuns entre os pertencentes à cultura escrita. A comunicação oral culturas escritas, como na narrativa de contos de fadas para crianças: a
agrupa as pessoas. Escrever e ler constituem atividades solitárias que atraem extraordinariamente inocente Chapeuzinho Vermelho, o imensamente
a psique para dentro de si mesma. Um professor que fala a sua classe, que perverso lobo, o caule incrivelmente longo do pé de feijão que João tem
ele percebe - e que percebe a si própria - como um grupo intimamente
ligado, descobre que, se pedir a ela para pegar seus manuais e ler uma
de escalar - pois figuras não-humanas adquirem dimensões heróicas resumidamente podemos tratar dessa questão aqui. Ela foi abordada por
também. Aqui, figuras bizarras acrescentam um outro auxílio mnemônico: mim com maiores detalhes e maior profundidade em rbe presence of the
é mais fácil lembrar os CicIopes do que um monstro de dois olhos, ou word [A presença da palavra], obra à qual remeto o leitor interessado
Cérbero do que um cão com uma só cabeça (ver Yates 1966, pp. 9-11, (1967b, Índice).
65-67). Agrupamentos numéricos formulares são também mnemonica- Para testar o interior físico de um objeto como interior, nenhum
mente úteis: os Sete Contra Tebas, as Três Graças, as Três Parcas e assim sentido funciona de modo tão eficaz quanto o som. O sentido humano
por diante. Não se pretende negar que outras forças, além da mera da visão é mais adaptado à luz refletida difusamente pelas superfícies. (A
utilidade mnemônica, produzam figuras heróicas e agrupamentos. A reflexão difusa, de uma página impressa ou uma paisagem, contrasta com
teoria psicanalítica pode explicar boa parte dessas forças. Numa economia a reflexão especular, de um espelho.) Uma fonte de luz, tal como um
noética oral, no entanto, a utilidade mnemônica constitui uma condição fogo, pode ser interessante, mas é opticamente desconcertante: a vista
sine qua non, e sejam quais forem as outras forças, sem o molde não pode se "concentrar" em nada dentro do fogo. De modo análogo, um
mnemônico adequado de verbalização, as figuras não sobreviverão. objeto translúcido, como um alabast!o, é interessante, porque, embora
À medida que a escrita e, por fim, a impressão gradativamente não seja uma fonte de luz, a vista também não pode se "concentrar" nele.
alteram as velhas estruturas noéticas orais, a narrativa se constrói cada vez A profundidade pode ser percebida pela vista, porém de forma muitíssi-
menos sobre figuras "fortes" até que, após cerca de três séculos de mo agradável como uma série de superfícies: os troncos de árvores em
impressão, ela possa se mover confortavelmente no mundo da vida um bosque, por exemplo, ou cadeiras em um auditório. A vista não
humana comum, típico do romance. Aqui, no lugar do herói, encontra- percebe um interior estritamente como um interior: dentro de um apo-
mos finalmente até mesmo o anti-herói, que, em vez de enfrentar o sento, as paredes que ela percebe são ainda superfícies, exteriores.
inimigo, constantemente recua e foge, como o protagonista de Rabbit rnn
O paladar e o olfato não contribuem muito para registrar a
[O coelho fogel, de John Updike. O heróico e o maravilhoso haviam interioridade ou a exterioridade. O tato, sim. Porém, ele destrói parcial-
servido a uma função específica de organizar o conhecimento em um
mente a interioridade no próprio processo da percepção. Se eu desejasse
mundo oral. Com o controle da informação e da memória originado pela
descobrir pelo tato se uma caixa está vazia ou cheia, teria de fazer um
escrita e, mais profundamente, pela impressão, não necessitamos de um
buraco para inserir uma mão ou um dedo: isso significa que a caixa está,
herói no velho sentido para mobilizar o conhecimento na forma de
nesse sentido, aberta, e assim é menos um interior.
histórias. A situação nada tem a ver com uma suposta "perda de ideais".
A audição pode registrar a interioridade sem violá-Ia. Posso bater
numa caixa para descobrir se está vazia ou cheia, ou numa parede para
saber se é oca ou sólida. Ou posso fazer uma moeda tinir para saber se
é de prata ou de chumbo.

Ao tratar de alguns aspectos da psicodinâmica da oralidade, Todos os sons registram as estruturas interiores do que quer que
ocupamo-nos até agora principalmente de uma característica do som em os produza. Um violino cheio de concreto não soará como um violino
normal. Um saxofone soa diferentemente de uma flauta: sua estrutura
si, sua evanescência, sua relação com o tempo. O som existe somente
interna é diferente. E, acima de tudo, a voz humana vem do interior do
quando está desaparecendo. Outras características do som também deter-
minam ou influenciam a psicodinâmica oral. A principal dessas outras organismo humano, que fornece as ressonâncias vocais.
características é relação singular do som com a interioridade em compa- A vista isola; o som incorpora. A visão situa o observador fora do
ração com os demais sentidos. Essa relação é importante em virtude da que ele vê, a uma distância, ao passo que o som invade o ouvinte. A visão
interioridade da consciência e da própria comunicação humanas. Apenas disseca, como observou Merleau-Ponty (1961). A visão chega a um ser
humano de uma direção por vez: para olhar para um aposento ou uma mesmo vale para "exterior". Quando falamos de "interior" e "exterior"
paisagem, preciso girar meus olhos de um lado para outro. Quando ouço, mesmo no caso de objetos físicos, estamos nos referindo a nossa própri~
no entanto, reúno o som ao mesmo tempo de qualquer direção, imedia- percepção de nós mesmos: estou dentro daqui e tudo o mais está fora.
tamente: estou no centro do meu mundo auditivo, que me envolve, Com "interior" e "exterior", apontamos para nossa própria experiência de
estabelecendo-me em uma espécie de âmago da sensação e da existência. corporalidade (Ong 1967b, pp. 117-122, 176-179, 228, 231) e analisamos
Esse efeito de centramento do som é o que a reprodução sonora de outros objetos com referência a essa experiência.
alta-fidelidade explora com profunda sofisticação. Podemos mergulhar no
Numa cultura oral primária, na qual a palavra existe apenas no
ouvir, no som. Na visão, não há uma maneira análoga de mergulhar em
som, sem qualquer referência a um texto visualmente perceptível e a uma
si mesmo.
consciência, nem mesmo à possibilidade de um tal texto, a fenomenolo-
Ao contrário da visão - o sentido da dissecação - o som é, desse gia do som penetra profundamente no sentimento de existência dos seres
modo, um sentido unificador. A propósito, um ideal visual típico é a humanos, na qualidade de palavra falada. Pois o modo como a palavra é
clareza e a distinção. (A campanha de Descartes pela clareza e pela vivenciada é sempre importante na vida psíquica. A ação centralizadora
distinção registrou uma intensificação da visão no sensório humano - Ong do som (o campo sonoro não está espalhado diante de mim, mas a toda
1967b, pp. 63, 221). O auditório ideal, por outro lado, é harmonia, é um a minha volta) afeta o sentido humano do cosmos. Para as culturas orais ,
colocar junto. o cosmos é um evento contínuo, com o homem em seu centro. O homem
A interioridade e a harmonia são características da consciência é o umbilicus mundi, o umbigo do mundo (Eliade 1958, pp. 231-235 etc.).
humana. A consciência de cada indivíduo humano é totalmente inte- Somente após a escrita e a ampla convivência com mapas, implementada
riorizada, conhecida do indivíduo a partir de dentro e é inacessível a pela impressão, os seres humanos iriam, ao pensar sobre o cosmos ou o
qualquer outro diretamente do interior. Quem diz "eu", com isso quer universo ou o "mundo", pensar essencialmente em algo que jaz fora de
dizer algo diferente daquilo que o outro quer dizer. O que é "eu" para nossos olhos, como num atlas impresso moderno, uma vasta superfície
mim é apenas "você" para você. E esse "eu" incorpora a experiência em ou reunião de superfícies (a visão apresenta superfícies) prontas para ser
si "reunindo-a". O conhecimento é, fundamentalmente, não um fenôme- "exploradas". O antigo mundo oral conheceu poucos "exploradores",
no fragmentador, mas unificador, uma luta pela harmonia. Sem harmonia, embora conhecesse certamente muitos itinerantes, viajantes, aventureiros
e peregrinos.
um estado interior, a psique não é sadia.
Devemos observar que os conceitos "interior" e "exterior" são Veremos que a maioria das características do pensamento e da
conceitos não-matemáticos e não podem ser diferenciados matematica- ~x~ressão fundados no oral e discutida anteriormente neste capítulo está
mente. São conceitos fundados na existência, baseados na experiência mtunamente relacionada à economia unificadora centralizadora inte-
que cada um tem de seu corpo, que está tanto dentro de mim (não lhe riorizadora do som tal como é percebido pelos 'seres humanos: Uma
peço para parar de cutucar meu corpo, mas para parar de me cutucar) economia verbal dominada pelo som é mais conforme às tendências
quanto fora de mim (sinto a mim mesmo como, de certa forma, dentro agregativas (harmonizadoras) do que às analíticas, dissecadoras (que viriam
de meu corpo). O corpo é uma fronteira entre mim mesmo e tudo o mais. ~om a palavra inscrita, visualizada: a visão é um sentido dissecador). É
O que quero dizer com "interior" e "exterior" pode ser comunicado l~almente mais conforme ao holismo conservador (o presente homeostá-
somente com referência à experiência da corporalidade. As tentativas de tico que deve ser mantido intacto, as expressões formulares que devem ser
definição de "interior" e de "exterior" são inevitavelmente tautológicas: mantidas intactas), ao pensamento situacional do que ao pensamento
"interior" é definido por "in", que é definido por "entre", que é definido abstrato, mais conforme a uma certa organização humanística do conheci-
por "dentro de", e assim por diante, girando no círculo tautológico. O ~ento, que envolve as ações dos seres humanos e antropomórficos
lfidivíduos mtenonza
. '. d os, d o que a que envolve coisas impessoais. '
Os denominadores usados aqui para descrever o mundo oral alta em cerimõnias litúrgicas. Pois sempre se pensa em Deus "falando" a
primário serão úteis novamente mais adiante para descrever o que seres humanos, não escrevendo para eles. A mentalidade oral do texto
aconteceu à consciência humana quando a escrita e a impressão reduzi- bíblico, até mesmo em suas partes epistolares, é espantosa (Ong 1967b,
ram o mundo oral-auricular a um mundo de páginas visualizadas. pp. 176-191). O hebraico dabar, que significa "palavra", significa também
"acontecimento" e, desse modo, refere-se diretamente à palavra falada. A
palavra falada é sempre um acontecimento, um movimento no tempo,
completamente desprovido do repouso coisificante da palavra escrita ou
impressa. Na teologia trinitária, a Segunda Pessoa da Divindade é a
Palavra, e o análogo humano para a Palavra aqui não é a palavra humana
Em virtude de sua constituição física como som, a palavra falada
escrita, mas a falada. Deus Pai "fala" seu Filho: ele não o registra. Jesus,
origina-se do interior humano e revela seres humanos a outros seres
a Palavra de Deus, nada deixou por escrito, embora soubesse ler e
humanos como interiores conscientes, como indivíduos; a palavra falada
escrever (Lucas 4:16). "A fé vem pelos ouvidos", lemos na Carta aos
agrupa os seres humanos de forma coesa. Quando um orador se dirige a
Romanos 00:17). "A letra mata, o espírito [sopro no qual se move a
um público, os ouvintes normalmente formam uma unidade, consigo
palavra falada] dá vida" (2 Coríntios 3:6).
mesmos e com o orador. Se este pede ao público para ler um folheto que
Ihes foi fornecido, assim que cada leitor penetra em seu próprio mundo
privado da leitura, a unidade do público é desfeita, restabelecendo-se
somente quando o discurso oral recomeça. A escrita e a impressão isolam.
Não há um nome ou um conceito coletivos para leitores que corresponda
a "público". O coletivo readership' - esta revista tem um readership de 2 Jacques Derrida afirmou que "não existe signo lingüístico antes da
milhões - é uma abstração excessiva. Para pensar em leitores como um escrita" 0976, p. 14). Mas também não existe um "signo" lingüístico
grupo unido, precisamos voltar a chamá-Ios pelo nome de "público", depois da escrita, se com isso estivermos aludindo à referência oral do
como se fossem realmente ouvintes. A palavra falada forma unidades em texto escrito. Embora ela libere potenciais da palavra nunca vistos, uma
grande escala também: países nos quais se falam duas ou mais línguas representação textual, visual de uma palavra não é uma palavra real, mas
diferentes muito provavelmente têm uma dificuldade maior em estabele- um "sistema modelar secundário" (cf. Lotman 1977). O pensamento
cer ou manter a unidade nacional, como atualmente no Canadá ou na aninha-se na fala, não em textos, cujos significados, todos, são adquiridos
Bélgica ou em muitos países em desenvolvimento. pela referência do símbolo visível ao mundo do som. O que o leitor está
A força interiorizadora do mundo oral tem uma ligação especial vendo nesta página não são palavras reais, mas símbolos codificados
com o sagrado, com as preocupações fundamentais da existência. Na pelos quais um ser humano adequadamente informado pode evocar na
maioria das religiões, a palavra falada exerce uma função fundamental na sua consciência palavras reais, num som real ou imaginado. É impossível
vida cerimonial e devota. Eventualmente, nas religiões mundiais mais à escrita ser mais do que marcas em uma superfície, a menos que seja
abrangentes, produzem-se textos sagrados nos quais o sentido do sagrado usada por um ser humano consciente como uma pista para palavras
soadas, reais ou imaginadas, direta ou indiretamente.
está igualmente ligado à palavra escrita. No entanto, uma tradição
religiosa apoiada em textos pode continuar a legitimar a primazia do oral Os povos quirográficos e tipográficos julgam convincente pensar
de muitas maneiras. Na cristandade, por exemplo, a Bíblia é lida em voz na palavra, fundamentalmente um som, como um "signo", porque "signo"
se refere primordialmente a algo visualmente percebido. Signum, que nos
• Significativamente, o português não tem equivalente para readershíp, que precisa ser traduzido
deu a palavra "signo", significava o estandarte que uma unidade do
por uma perífrase: "número de leitores de uma publicação" (Webster, Record). (N.T.) exército romano portava para identificação visual - etimologicamente, o
"objeto que se segue" (raiz proto-indo-européia, sekw-, seguir). Embora oscilográficos e a onBas de certos "comprimentos", com os quais pode
os romanos conhecessem o alfabeto, esse signum não era uma palavra lidar um indivíduo surdo, que pode não ter nenhum conhecimento do
soletrada, mas uma espécie de desenho ou imagem pictórica, como uma que seja a experiência do som. Ou reduzimos o som ao registro escrito e
águia, por exemplo. ao mais radical de todos eles: o alfabeto.

A percepção de nomes soletrados como rótulos ou etiquetas firmou- Não é provável que o homem oral pense nas palavras como
se muito lentamente, pois a oralidade primária subsistia residualmente, "signos", fenômenos visuais imóveis. Homero refere-se a elas com o
séculos após a invenção da escrita e até mesmo da impressão. Ainda na epíteto~padrão "palavras aladas" - que sugere evanescência, poder e
Renascença européia, alquimistas letrados, quando usavam rótulos para liberdade: as palavras estão constantemente se movimentando, mas pelo
seus frascos e suas caixas, tendiam a registrar neles não um nome escrito, vôo, que constitui uma forma impressionante de movimento e que liberta
mas signos iconográficos como diferentes signos do zodíaco, e os comer- o voador, elevando-o acima do mundo comum, grosseiro, pesado,
ciantes identificavam suas lojas não com palavras escritas, mas com símbo- "objetivo" .
los iconográficos como a hera para uma taverna, o mastro do barbeiro, as Ao objetar a Jean-Jacques Rousseau, Derrida está obviamente
três esferas do agiota. (Sobre os rótulos iconográficos, ver Yates 1966.) Essas correto em rejeitar a convicção de que a escrita não é mais do que
etiquetas ou rótulos absolutamente não nomeiam aquilo a que se referem: acidental com relação à palavra falada (Derrida 1976, p. 7). Mas tentar
a palavra "hera" não é a palavra "taverna", a palavra "mastro" não é a palavra construir uma lógica da escrita sem investigar em profundidade a oralida-
"barbeiro". Os nomes ainda são palavras que se movimentaram através do de, da qual emergiu a escrita e na qual a escrita está permanente e
tempo: esses símbolos imóveis, mudos, eram, repito, algo mais. Eram inevitavelmente enraizada, é limitar nossa compreensão - embora real-
"signos", num sentido em que as palavras não o são. mente produza, ao mesmo tempo, efeitos que são brilhantemente fasci-
Nossa complacência ao pensar nas palavras como signos se deve nantes, mas também por vezes psicodélicos, isto é, causados por distor-
à tendência - talvez incipiente em culturas orais, mas claramente acen- ções sensoriais. Libertar do preconceito quirográfico e tipográfico nossa
tuada nas culturas quirográficas - a reduzir toda sensação e, na verdade, compreensão da linguagem é provavelmente mais difícil do que qualquer
toda a experiência humana, a análogos visuais. O som é um evento no um de nós possa imaginar, muito mais difícil, parece, do que a "descons-
tempo, e "o tempo caminha", inexoravelmente, sem nenhuma parada ou trução" da literatura, pois essa "desconstrução" permanece uma atividade
divisão. O tempo é aparentemente domado quando o tratamos espacial- literária. Voltaremos a esse problema no próximo capítulo, ao tratar da
mente num calendário ou no mostrador de um relógio, onde podemos internalização da tecnologia.
fazê-Io aparecer dividido em unidades separadas, uma ao lado da outra.
Mas isso também falsifica o tempo. O tempo real absolutamente não tem
divisões, é ininterruptamente contínuo: à meia-noite, o ontem não estalou
para o hoje. Ninguém pode encontrar o exato ponto da meia-noite, e se
ele não é exato, como pode ser meia-noite? E não possuímos nenhuma
vivência do hoje como sendo o dia seguinte a ontem, como é repre-
sentado num calendário. Reduzido ao espaço, o tempo parece estar sob
um controle maior - mas somente parece, pois o tempo real, indivisível,
leva-nos para a morte real. (Não estou aqui negando que o reducionismo
espacial seja imensamente útil e tecnologicamente necessário; quero com
isso somente dizer que suas realizações são intelectualmente limitadas e
podem ser ilusórias.) De modo análogo, reduzimos o som a padrões
4
A ESCRITA REESTRUTURA A CONSCIÊNCIA

Um conhecimento mais profundo da oralidade primitiva ou primá-


ria permite-nos compreender melhor o novo mundo da escrita, o que ele
verdadeiramente é e o que os seres humanos funcionalmente letrados
realmente são: seres cujos processos de pensamento não nascem de
capacidades meramente naturais, mas da estruturação dessas capacida-
des, direta ou indiretamente, pela tecnologia da escrita. Sem a escrita, a
mente letrada não pensaria e não poderia pensar como pensa, não apenas
quando se ocupa da escrita, mas normalmente, até mesmo quando está
compondo seus pensamentos de forma oral. Mais do que qualquer outra
invenção individual, a escrita transformou a consciência humana.

A escrita estabelece o que tem sido chamado de linguagem "livre


do contexto" (Hirsch 1977, pp. 21-23, 26) ou discurso "autônomo" (Olson
1980a), discurso que não pode ser diretamente questionado ou con-
testado, como o oral, porque foi separado de seu autor.
em vaticínios ou protecias, para os quais o próprio enunciador é consi-
derado apenas o canal, não a fonte. O oráculo délfico não era responsável orais, o Sócrates de Platão também defende contra a escrita que a palavra
pelas enunciações oraculares, pois julgava-se ser ele a voz do deus. A escrita não pode se defender como a palavra natural falada: o discurso e
escrita, e mais ainda a impressão, possui algo dessa qualidade vática. o pensamento reais sempre existem fundamentalmente em um contexto
Como o oráculo ou o profeta, o livro substitui a enunciação de uma fonte, de toma-Iá-dá-cá entre indivíduos reais. Fora dele, a escrita é passiva, fora
quem realmente "disse" ou escreveu o livro. O autor poderia ser questio- de contexto, em um mundo irreal, artificial. Como os computadores.
nado somente se se tivesse acesso a ele. Não existe um meio de refutar A joniori, a impressão está sujeita a essas mesmas acusações.
diretamente um texto. Depois de uma refutação absolutamente total e Aqueles que se perturbam com as apreensões de Platão quanto à escrita
devastadora, ele diz exatamente a mesma coisa que antes. Esse é um dos se sentirão ainda mais inquietos ao descobrir que a impressão criou
motivos pelos quais "diz o livro" é o equivalente popular de "é verdade". receios semelhantes quando foi introduzi da pela primeira vez. Hieronimo
É também um dos motivos pelos quais se têm queimado livros. Um texto Squarciafico, que na verdade promoveu a impressão dos clássicos latinos,
que afirma que tudo que o mundo todo conhece é falso afirmará para também argumentou em 1477 que a "abundância de livros torna os
sempre a falsidade, enquanto o livro existir. Os textos são inerentemente homens menos atentos" (citado em Lowry 1979, pp. 29-31): ela destrói a
contumazes. memória e enfraquece a mente ao aliviá-Ia do trabalho árduo (novamente
a queixa contra o computador de bolso), rebaixando o sábio em favor do
compêndio de bolso. Obviamente, outros viram a impressão como um
nivelador bem-vindo: todos se tornam sábios (Lowry 1979, pp. 31-32).
Um ponto fraco da opinião de Platão é que, para tornar mais
convincentes essas objeções, ele as pôs por escrito, exatamente como um
A maioria das pessoas fica surpresa, e muitas ficam angustiadas, ao
ponto fraco das opiniões contrárias à impressão está no fato de que seus
saber que, fundamentalmente, as mesmas objeções feitas em geral aos
proponentes, para tornar mais convincentes suas objeções, fazem-nas por
computadores hoje foram feitas por Platão no Fedra (274-277) e na Sétima
meio da impressão. A mesma fraqueza das posições contrárias ao com-
Cana em relação à escrita. A escrita, diz Platão através de Sócrates, no
putador está em que, para torná-Ias mais convincentes, seus proponentes
Fedra, é inumana, pois pretende estabelecer fora da mente o que na
as articulam em artigos ou livros impressos a partir de fitas compostas em
realidade só pode estar na mente. É uma coisa, um produto manufatura-
terminais de computador. A escrita, a impressão e o computador são todos
do. O mesmo, é claro, é dito dos computadores. Em segundo lugar, objeta
meios de tecnologizar a palavra. Tecnologizada a palavra, não há um
o Sócrates de Platão, a escrita destrói a memória. Aqueles que usam a
meio convincente de criticar o que a tecnologia fez com ela sem o auxílio
escrita se tornarão desmemoriados e se apoiarão apenas em um recurso
da mais alta tecnologia disponível. Além disso, a nova tecnologia não é
externo para aquilo de que carecem internamente. A escrita enfraquece
meramente usada para veicular a crítica: na verdade, ela criou a crítica. O
a mente. Atualmente, os pais, assim como outras pessoas, temem que as
pensamento filosoficamente analítico de Platão, como se viu (Havelock
calculadoras de bolso forneçam um recurso externo para o que deveria
1963), incluindo sua crítica à escrita, só se tornou possível em virtude dos
ser o recurso interno de tabuadas memorizadas. As calculadoras enfra-
efeitos que a escrita estava começando a ter sobre os processos mentais.
quecem a mente, aliviam-na do trabalho que a mantém forte. Em terceiro
lugar, um texto escrito é basicamente inerte. Se pedirmos a um indivíduo Na verdade, como mostrou brilhantemente Havelock (1963), toda
para explicar esta ou aquela afirmação, podemos obter uma explicação; a epistemologia de Platão era inconscientemente uma rejeição programa-
se o fizermos a um texto, não obteremos nada, exceto as mesmas, muitas
da do mundo da velha vida cotidiana oral, móvel, calorosa, individual-
mente interativa (representada pelos poetas, a quem ele expulsara de sua
República). O termo idea, "forma", está fundado no visual e procede da PIatão estava pensando na escrita como uma tecnologia externa,
mesma raiz que o latim video, "ver", assim como os derivados em língua hostil, como muitas pessoas atualmente fazem em relação ao computador.
portuguesa "visão", "visível" ou "vídeo". A forma platônica foi concebida Em virtude de termos hoje interiorizado a escrita, absorvendo-a tão
por analogia à forma visível. As idéias platônicas são mudas, imóveis, completamente em nós mesmos, de uma forma que a era de Platão ainda
desprovidas de todo calor, não são interativas, mas isoladas, não são não fizera (Havelock 1963), julgamos difícil considerá-Ia uma tecnologia
absolutamente partes do mundo cotidiano humano, estão inteiramente tal como aceitamos fazer com o computador. No entanto, a escrita (e
acima e além dela. Platão, é claro, não se tinha dado totalmente conta das especialmente a alfabética) é uma tecnologia, exige o uso de ferramentas
forças inconscientes que atuavam em sua psique para produzir essa e outros equipamentos: estiletes, pincéis ou canetas, superfícies cuidado-
reação, ou reação exagerada, do indivíduo letrado à oralidade subsistente, samente preparadas, peles de animais, tiras de madeira, assim como
tardia. tintas, e muito mais. Em seu capítulo "A tecnologia da escrita", Clanchy
Essas considerações alertam para os paradoxos que cercam as (1979, pp. 88-115) discute detalhadamente a questão no contexto medie-
relações entre a palavra falada original e todas as suas transformações val ocidental. A escrita é, de certo modo, a mais drástica das três
tecnológicas. O motivo para as complexidades torturantes aqui é obvia- tecnologias. Ela iniciou o que a impressão e os computadores apenas
mente que a inteligência é inexoravelmente reflexiva, de modo que até continuam, a redução do som dinâmico a um espaço mudo, o afastamen-
mesmo as ferramentas externas que ela usa para implementar seus to da palavra em relação ao presente vivo, único lugar em que as palavras
procedimentos se tornam "internalizadas", isto é, parte de seu próprio faladas podem existir.

processo reflexivo. Ao contrário da linguagem natural, oral, a escrita é inteiramente


artificial. Não há como escrever "naturalmente". A linguagem oral é
Um dos mais notáveis paradoxos inerentes à escrita é sua associa-
completamente natural aos seres humanos no sentido de que todo ser
ção íntima com a morte. Essa associação é insinuada na acusação de
humano que não seja fisiológica ou psicologicamente deficiente aprende
Platão de que a escrita é inumana, coisificada, e de que ela destrói a
a falar, em qualquer cultura. A fala completa a vida consciente, porém
memória. É também muito evidente em inúmeras referências à escrita
chega à consciência emanando das profundezas inconscientes, embora,
(e/ou à impressão), encontrável em dicionários impressos de citações, de
é claro, com a cooperação tanto consciente quanto inconsciente da
2 Coríntios 3:6 - "A letra mata, mas o espírito dá vida" - e da referência
sociedade. As regras gramaticais vivem no inconsciente no sentido de que
de Horácio a seus três livros de Odes como um "monumento" (Odes
podemos saber como usá-Ias e até mesmo como construir outras novas
iii.30.I) - em que pressagia a própria morte - até a afirmação de Henry
sem ser capazes de definir o que elas são.
Vaughan a sirThomas Bodley, e além dela, de que na Biblioteca Bodleian,
em Oxford, "cada livro é teu epitáfio". Em pippapasses, Robert Browning A escrita, ou registro escrito, como tal, difere da fala pelo fato de
chama a atenção para a prática ainda difundida de pressionar flores vivas que não brota inevitavelmente do inconsciente. O processo de registrar a
até a morte entre as páginas de livros impressos, "faded yellow b/os- linguagem falada é governado por regras conscientemente planejadas e
soms/twíxt page and page'. A flor morta, outrora viva, é o equivalente inter-relacionadas: por exemplo, um certo pictograma significará uma
psíquico do texto verbal. O paradoxo está no fato de que a mortalidade certa palavra específica, ou a representará um certo fonema, b um outro
do texto, seu afastamento do mundo da vida cotidiana, sua rígida fixidez e assim por diante. (Não estou negando que a situação escritor-leitor
visual, garante sua durabilidade e seu potencial para ser ressuscitado em criada pela escrita afete profundamente os processos inconscientes envol-
contextos vivos ilimitados por um número potencialmente infinito de vidos na composição na escrita, uma vez que já se tenham aprendido as
leitores vivos (Ong 1977, pp. 230-271). regras explícitas, conscientes. Voltaremos a essa questão posteriormente.)
Dizer que a escrita é artificial não é condená-Ia, mas elogiá-Ia. espírito humano, intJnsificar sua vida interior. A escrita é uma tecnologia
Como outras criações artificiais e, na verdade, mais do que qualquer ainda mais profundamente interiorizada do que a execução de um
outra, ela é inestimável e de fato fundamental para a realização de instrumento musical. Mas, para compreender o que ela é - o que significa
potenciais humanos mais elevados, interiores. As tecnologias não consti- compreendê-ia em relação a seu passado, à oralidade -, o fato de que ela
tuem meros auxílios exteriores, mas, sim, transformações interiores da é uma tecnologia deve ser encarado com honestidade.
consciência, e mais ainda quando afetas à palavra. Tais transformações
podem ser enaltecedoras. A escrita aumenta a consciência. A alienação
de um meio natural pode ser boa para nós e, na verdade, é em muitos
aspectos fundamental para a vida humana plena. Para viver e compreen-
der plenamente, necessitamos não apenas da proximidade, mas também A escrita, no sentido estrito da palavra, a tecnologia que moldou e
da distância. Essa escrita alimenta a consciência como nenhuma outra capacitou a atividade intelectual do homem moderno, foi um desenvol-
ferramenta. vimento muito tardio na história humana. O Homo sapiens está no planeta
As tecnologias são artificiais, mas - novamente um paradoxo - a talvez há cerca de 50 mil anos (Leakey e Lewin 1979, pp. 141 e 168). O
artificialidade é natural aos seres humanos. A tecnologia, adequadamente primeiro registro escrito, ou verdadeira escrita, que conhecemos, foi
interiorizada, não rebaixa a vida humana, pelo contrário, acentua-a. A desenvolvido entre os sumérios na Mesopotâmia apenas por volta do ano
orquestra moderna, por exemplo, é resultado de alta tecnologia. Um 3500 a.c. (Diringer 1953; Gelb 1963).
violino é um instrumento, isto é, uma ferramenta. Um órgão é uma Os seres humanos haviam desenhado durante incontáveis milênios
máquina enorme, com recursos de força - bombas, foles, geradores antes disso. E vários dispositivos de registro, ou aides-mémoire, haviam
elétricos - inteiramente exteriores a seu operador. A partitura de Beetho- sido usados por várias sociedades: uma vara entalhada, fileiras de seixos,
ven para sua Quinta Sinfonia consiste em instruções muito precisas a outros dispositivos de controle como o quipu dos incas (uma vara com
técnicos altamente treinados, que especificam exatamente como usar as cordas suspensas nas quais outras cordas eram atadas), os calendários de
ferramentas. Legato: não tire seus dedos de uma tecla até que tenha "contagem do inverno" dos índios nativos das planícies norte-americanas
tocado a seguinte. Staccato: toque a tecla e tire seu dedo imediatamente. e assim por diante. Porém, um registro escrito é mais do que um auxílio
E assim por diante. Os musicólogos sabem muito bem que é inútil fazer mnemônico. Até mesmo quando é pictográfico, um registro escrito é mais
objeção a composições eletrônicas como 1be wild bull, de Morton do que desenhos. Os desenhos representam objetos. O desenho de um
Subotnik, sob a alegação de que os sons provêm de um dispositivo homem, uma casa e uma árvore por si mesmo nada diz. (Se um código
mecânico. De onde se julga virem os sons de um órgão? Ou os sons de apropriado ou um conjunto de convenções são acrescentados, poderia
um violino ou até mesmo de um apito? O fato é que, usando um dizer; mas um código não é desenhável, salvo se auxiliado por um outro
dispositivo mecânico, um violinista ou um organista podem exprimir algo código não desenhável. Os códigos, em última análise, precisam ser
pungentemente humano que não pode ser expresso sem aquele disposi- explicados por algo mais do que desenhos, isto é, ou em palavras ou em
tivo. Para conseguir tal expressão, obviamente, o violinista ou o organista um contexto inteiramente humano, humanamente compreensível.) Um
precisam ter interiorizado a tecnologia, feito da ferramenta ou da máquina registro escrito, no sentido de uma escrita genuína, tal como entendido
uma segunda natureza, uma parte psicológica de si mesmos. Isso exige aqui, não consiste em meros desenhos, em representações de coisas, é a
anos de "prática", de aprendizado de como obrigar a ferramenta a fazer representação de uma elocução, de palavras que alguém diz ou se
o que ela pode fazer. Essa adaptação de uma ferramenta a si próprio, o imagina que diz.
aprendizado de uma habilidade tecnológica, é altamente desumanizante.
O uso de uma tecnologia pode enriquecer a psique humana, ampliar o Obviamente, é possível considerar como "escrita" qualquer marca
semiótica, isto é, qualquer marca visível ou perceptível que um indivíduo
faz e à qual atribui um sentido. Assim, um simples arranhão em uma rocha red), indicando que ()~documento foi inteiramente lido, ou poderia ser
ou um entalhe em uma vara, interpretável apenas por aquele que os faz, um imperativo (pronunciado para rimar com reed), indicando que deve
seria "escrita". Se isso é o que se entende por escrita, sua antiguidade ser lido até o fim. Até mesmo com o alfabeto, o contexto extratextual às
talvez seja comparável à da fala. Contudo, as investigações sobre a escrita vezes é necessário, mas somente em casos excepcionais - o quanto
que a tomam como qualquer marca visível ou perceptível com um sentido dependerá do grau de adaptação do alfabeto a uma dada língua.
atribuído funde a escrita com o puro comportamento biológico. Quando
uma pegada ou um depósito de fezes ou urina (usado por muitas espécies
de animais para comunicação - Wilson 1975, pp. 228-229) se torna
"escrita"? Usar o termo "escrita" nesse sentido ampliado, de forma a incluir
Muitos registros escritos em todo o mundo foram desenvolvidos
qualquer marcação semiótica, banaliza seu significado. A entrada crítica
independentemente uns dos outros (Diringer 1953; Diringer 1960; Gelb
e singular em novos mundos do conhecimento foi realizada dentro da
1963): o cuneiforme mesopotâmico, 3500 a.c. (datas aproximadas segun-
consciência humana, não quando a mera marcação semiótica foi imagi-
do Diringer 1962); os hieroglíficos egípcios, 3000 a.c. (talvez sob alguma
nada, mas quando um sistema codificado de marcas visíveis foi inventadÇl,
influência do cuneiforme); o "Linear B" minóico ou micênico, 1200 a.c.;
sistema por meio do qual um escritor pôde determinar as exatas palavra:
o registro do vale do Indo, 3000-2400 a.c.; o chinês, 1500 a.c.; o maia, 50
que o leitor iria gerar a partir do texto. É isso que comumente entendemo~
d.C.; o asteca, 1400 d.C.
hoje por escrita no seu sentido claramente definido.
Os registros escritos têm antecedentes complexos. A maioria, se
Com a escrita ou registro escrito tomados nesse sentido amplo, as
não a totalidade, dos registros remonta direta ou indiretamente a alguma
marcações codificadas visíveis envolvem palavras na íntegra, de modo
espécie de escrita pictórica, ou às vezes, talvez, em um nível ainda mais
que estruturas e referências notavelmente complexas evoluídas em som
elementar, ao uso de sinais. Sugeriu-se que o registro cuneiforme dos
podem ser registradas visualmente, podem implementar a produção de
sumérios, o primeiro de todos os registros conhecidos (c. 3500 a.c.),
estruturas e referências ainda mais notáveis, ultrapassando em muito as
originou-se, pelo menos em parte, de um sistema de registro de transa-
potencialidades da enunciação oral. A escrita, em seu sentido comum, foi
ções econômicas, usando-se sinais de barro encerrados em recipientes ou
e é a mais importante de todas as invenções humanas. Não é um mero
bulas semelhantes a vagens, pequenos, ocos, mas totalmente fechados,
apêndice da fala. Em virtude de mover a fala do mundo oral-auricular
com identificações no lado de fora representando os sinais de dentro
para um novo mundo sensorial, o da visão, ela transforma tanto a fala
(Schmandt-Besserat 1978). Desse modo, os símbolos do lado de fora da
quanto o pensamento. Entalhes em varas e outros aides-mémoire levam
bula - digamos, sete entalhes - indicavam, dentro da bula, o que
à escrita, mas não reestruturam o mundo da vida cotidiana humana como
representavam - digamos, sete pequenos artefatos de barro inconfundi-
o faz a escrita genuína.
velmente moldados para representar vacas, ovelhas ou outras coisas ainda
Os verdadeiros sistemas de escrita podem se desenvolver e geral- não decifráveis - como se as palavras fossem sempre proferidas em
mente se desenvolvem, gradativamente, de um uso mais tosco de auxt1ios conexào com seus significados concretos. A moldura econômica desse
mnemônicos. Existem estágios intermediários. Em alguns sistemas codifi- uso pré-quirográfico de sinais poderia ajudar a associá-Ios à escrita, pois
cados, o escritor pode prever apenas aproximadamente o que o leitor irá o primeiro registro cuneiforme, da mesma regiào que as bulas, quaisquer
ler, como no sistema desenvolvido pelos vai, na Libéria (Scribner e Cole que tenham sido seus antecedentes exatos, serviam a objetivos econômi-
1978) ou até mesmo nos antigos hieróglifos egípcios. O controle mais cos e administrativos práticos nas sociedades urbanas. A urbanização
estrito de todos é o realizado pelo alfabeto, embora até mesmo ele nunca forneceu o incentivo para desenvolver a manutenção de registros. Usar a
seja inteiramente perfeito em todos os casos. Se anoto em um documento: escrita para criações imaginativas, como as palavras falaqas têm sido
read, isso poderia ser um particípio passado (pronunciado para rimar com usadas em contos ou na lírica, isto é, .usar a escrita para produzir literatura
no sentido mais específico desse termo, ocorreu bem mais tarde na Uma outra esp~cie de pictograma é a escrita rébus (o desenho da
história do registro. sola - inglês sole - de um pé poderia representar em inglês também o
peixe chamado sole [solha], sole no sentido de "apenas", ou soul [almal
Os desenhos podem servir simplesmente como aides-mémoire, ou
associada a "corpo"; desenhos de um moinho [mil/l, um caminho [walkl
podem ser equipados com um código que Ihes permita representar
e uma chave [kryl, nessa ordem, poderiam representar a palavra "Mi/-
palavras mais ou menos exatamente específicas em diferentes relações
waukee"). Uma vez que aqui o símbolo representa fundamentalmente um
gramaticais entre si. A escrita de caracteres chineses é ainda hoje basica-
som, um rébus é uma espécie de fonograma (som-símbolo), mas apenas
mente composta de desenhos, mas desenhos estilizados e codificados por
de modo mediato: o som é designado não por um signo codificado
meios complexos, que os tornam certamente o mais complexo sistema de
abstrato, como uma letra do alfabeto, mas por um desenho de uma das
escrita que o mundo jamais conheceu. A comunicação pictográfica, como
várias coisas que o próprio som significa.
a encontrada entre os índios americanos e muitos outros (Mackay 1978,
p. 32) não se desenvolveu em verdadeiro registro porque o código Todos os sistemas pictográficos, até mesmo no caso dos ideogra-
permaneceu demasiado vago. As representações pictográficas de vários mas e dos rébus, requerem uma espantosa quantidade de símbolos. O
objetos serviam como uma espécie de memorando alegórico para grupos chinês é o maior, mais complexo e mais rico deles: o dicionário K'anghsi
que estavam lidando com certos assuntos restritos, memorando que de chinês, em 1716 da nossa era, arrola 40.545 caracteres. Nenhum chinês
ajudava a determinar previamente como esses desenhos específicos se ou sinólogo conhece, ou já conheceu, todos eles. Poucos chineses que
relacionavam. Mas, freqüentemente, até mesmo naquela época, o signifi- escrevem sabem escrever todas as palavras chinesas faladas que podem
cado pretendido não fica inteiramente claro. compreender. Tornar-se suficientemente versado no sistema de escrita
Dos pictogramas (o desenho de uma árvore representa a palavra para chinês leva normalmente cerca de 20 anos. Um tal registro exige tempo
árvore), os registros desenvolvem outras espécies de símbolos. Uma espécie e é fundamentalmente elitista. Indubitavelmente, os caracteres serão
é o ideograma, no qual o significado é um conceito não diretamente substituídos pelo alfabeto romano logo que o povo da República Popular
representado pelo desenho, mas estabelecido por código: por exemplo, no da China domine a mesma língua chinesa ("dialeto"), o mandarim, que
pictograma chinês, um desenho estilizado de duas árvores não representa agora está sendo ensinado em toda parte. A perda para a literatura será
as palavras "duas árvores", mas a palavra "floresta"; desenhos estilizados de colossal, mas não tanto quanto o número de caracteres (mais de 40 mil)
uma mulher e uma criança lado a lado representam a palavra "bom" e assim que um datilógrafo chinês teria de dominar.
por diante. A palavra falada para "mulher" é [nJ-l, para "criança" [dzal, para
Uma vantagem do sistema basicamente pictográfico é que os indiví-
"bom" [haul: a etimologia pictográfica, como aparece aqui, não precisa ter
duos que falam diferentes "dialetos" chineses (línguas chinesas realmente
nenhuma relação com a etimologia fonológica. Escritores de chinês relacio-
diferentes, mutuamente incompreensíveis, embora basicamente possuido-
nam-se com sua língua de modo muito diferente dos falantes de chinês que
ras da mesma estrutura), incapazes de compreender o que os outros dizem,
não sabem escrever. Em um sentido especial, numerais como 1, 2, 3 são
podem compreender a escrita. Lêem diferentes sons pelo mesmo caractere
ideogramas interlingüísticos (embora não sejam pictogramas): representam
(desenho), algo como um francês, um luba, um vietnamita e um inglês
o mesmo conceito, mas não o mesmo som em línguas que possuem
saberem o que cada um quer dizer com os numerais arábicos 1, 2, 3 e assim
palavras inteiramente diferentes para 1, 2, 3. E até mesmo dentro do léxico
por diante, mas não reconhecerem o numeral se pronunciado por um dos
de uma dada língua os signos 1, 2, 3 e assim por diante estão, de certo
outros. (Todavia, os caracteres chineses são fundamentalmente desenhos,
modo, antes ligados diretamente ao conceito do que à palavra: as palavras
embora primorosamente estilizados, o que 1, 2, 3 não são.)
para 1 ("um") e 2 ("dois") relacionam-se aos conceitos "1Q" e "2Q", mas não
às palavras "primeiro" e "segundo". Algumas línguas são escritas em silabários, nos quais cada signo
representa uma consoante e um som vocálico seguinte. Desse modo, o
silabário japonês katakana tem cinco símbolos separados, respectiva- desenvolvimento senútifo original, embora, como nos registros u~arítico
mente, para ka, ke, ki, ko, ku, cinco outros para ma, me, mi, mo, mu e e coreano, o desenho físico das letras nem sempre possa ser relaciOnado
assim por diante. Ocorre que a língua japonesa é constituída de tal modo ao desenho senútico.
que pode utilizar um registro silabário: suas palavras são compostas de O hebraico, assim como outras línguas semíticas, como o árabe,
partes que consistem sempre de um som consonantal seguido de um som até hoje não possuem letras para vogais. Um jornal ou livro hebraico
vocálico (n funciona como uma semi-sílaba), sem grupos consonantais ainda hoje imprimem apenas consoantes (e as chamadas semivogais [j] e
(como em "perspicácia", "claustro"). Com suas muitas espécies de sílabas [w], que são na verdade formas de [i] e lu]: se tivéssemos de seguir o
e seus freqüentes grupos consonantais, o inglês [assim como o português] costume hebraico em português, escreveríamos e imprimiríamos "cnsnts"
não poderia ser eficazmente arranjado em um silabário. Alguns silabários em vez de "consoantes". A letra aleph, adaptada pelos antigos gregos para
são menos desenvolvidos do que o japonês. No do vai, na Libéria, por indicar a vogal "alfa", que se tornou nosso "a" romano, não é uma vogal,
exemplo, não existe uma correspondência plena entre os símbolos visuais mas uma consoante no hebraico e em outroS alfabetos semíticos, que
e as unidades de som. A escrita fornece apenas uma espécie de mapa representa uma oclusiva glotal (o som entre dois sons vocálicos no
para a elocução que registra, e é muito difícil de ler, até mesmo para um português "ãh-ãh", que significa "não"). Posteriormente, na história do
escriba hábil (Scribner e Cole 1978, p. 456). alfabeto hebraico, "pontos" vocálicos, pontinhos e hífens abaixo ou acima
Muitos sistemas de escrita são na verdade sistemas lubridos, das letras para indicar a vogal adequada, foram acrescentados a muitos
mesclando dois ou mais princípios. O sistema japonês é híbrido (além do textos, freqüentemente para crianças muito pequenas em fase de alfabe-
silabário, ele usa caracteres chineses, pronunciados a sua própria maneira tização - até o terceiro ano, mais ou menos. As línguas organizam-se de
não-chinesa); o sistema coreano é híbrido (além do hangul, um alfabeto diferentes maneiras, e as senúticas são constituídas de tal modo que
genuíno, talvez o mais eficiente de todos os alfabetos, ele usa caracteres facilitam a leitura quando as palavras são escritas apenas com consoantes.
chineses, pronunciados a sua própria maneira); o antigo sistema hieroglí- Esse modo de escrever apenas com consoantes e semiconsoantes
fico egípcio era híbrido (alguns símbolos eram pictogramas, alguns (y como em you; w) levou alguns lingüistas (Gelb 1963; Havelock 1963,
ideogramas, outros rébus); a própria escrita de caracteres chineses é p. 129) a chamar de silabário ou talvez um silabário não vocalizado ou
híbrida (pictogramas mesclados, ideogramas, rébus e várias combinações, "reduzido" o que outros lingüistas chamam de alfabeto hebraico.
muitas vezes extremamente complexas, culturalmente ricas e poeticamen- Todavia, parece um tanto inadequado pensar na letra hebraica beth (b)
te belas). Na verdade, em virtude da tendência que têm os registros como uma sílaba quando, na verdade, ela simplesmente representa o
escritos em começar com pictogramas e se desenvolver para ideogramas fonema [b], ao qual o leitor deve acrescentar qualquer som vocálico
e rébus, talvez a maioria dos sistemas de escrita que não o alfabeto seja exigido pela palavra ou pelo contexto. Além disso, quando os pontos
até certo ponto lubrida. E até mesmo a escrita alfabética se torna híbrida vocálicos são usados, eles são acrescentados às letras (acima ou abaixo
quando escreve 1 em vez de um. da linha), exatamente como as vogais são acrescentadas às nossas
O fato mais notável sobre o alfabeto é, sem dúvida, o de que foi consoantes. E israelenses e árabes modernos, discordantes em quase
inventado apenas uma vez. Ele foi criado por um povo semítico ou por tudo o mais, geralmente concordam que ambas são letras escritas em
povos semíticos por volta de 1500 a.c., na mesma área geográfica onde um alfabeto. Para uma compreensão do desenvolvimento da escrita a
surgiu o primeiro de todos os registros escritos, o cuneiforme, mas 2 mil partir da oralidade, parece no mínimo indiscutível pensar no registro
anos depois dele. (Diringer 1962, pp. 121-122, discute as duas variantes escrito semítico simplesmente como um alfabeto de consoantes (e
do alfabeto original, o semítico do norte e o semítico do sul.) Todos os semivogais) que os leitores, à medida que lêem, simples e facilmente
alfabetos do mundo - hebraico, ugarítico, grego, romano, cirílico, arábico, complementam com as vogais adequadas.
tâmil, malabarense, coreano - derivam, de uma forma ou de outra, do
Após tudo o que se disse sobre o alfabeto semítico, no entanto, fica O som, como já explicamos anteriormente, existe somente quando
muito claro que os gregos fizeram algo de grande importância psicológica está desaparecendo. N:lb posso ter presente uma palavra inteira ao mesmo
quando desenvolveram o primeiro alfabeto completo, com vogais. Have- tempo: ao dizer "desaparecendo", quando chego ao "-cendo", o "desapare-"
lock (1976) acredita que essa transformação crucial, quase total, da palavra, já acabou. O alfabeto implica que as questões são diferentes, que uma
de sonora para visual deu à antiga cultura grega sua ascendência intelectual palavra é uma coisa, não um evento, que ela está presente imediatamente
sobre outras culturas antigas. O leitor da escrita semítica precisava lançar e que pode ser cortada em pedacinhos que podem até mesmo ser escritos
mão de dados tanto textuais quanto não textuais: precisava conhecer a para a frente e pronunciados para trás: "amora" pode ser pronunciada
r língua que estava lendo para saber que vogais colocar entre as consoantes. "aroma". Se gravarmos em uma fita a palavra "anl0ra" e a tocarmos para
A escrita semítica estava ainda muito imersa no mundo da vida cotidiana trás, não obteremos "aroma", mas um som completamente diferente, nem
não textual. O alfabeto vocálico grego estava mais distante daquele mundo "amora" nem "aroma". Um desenho, digamos, de um pássaro, não reduz o
(como as idéias de Platão iriam estar). Ele analisava o som de modo mais som ao espaço, pois representa um objeto, não uma palavra. Será o
abstrato, em componentes puramente espaciais. Podia ser usado para equivalente de qualquer quantidade de palavras, dependendo da língua
escrever ou ler palavras até mesmo em línguas que não se conhecia (salvo usada para interpretá-Io: oiseau, uccello, pãjaro, Vogel, sae, tori, "pássaro".
por algumas imprecisões devidas a diferenças fonológicas entre línguas).
Todo registro escrito representa as palavras como se, de algum
Uma criança poderia aprender o alfabeto grego ainda muito pequena e com
modo, elas fossem coisas, objetos mudos, marcas imóveis para a assimi-
vocabulário limitado. (Observou-se há pouco que, para os escolares israe-
lação pela visão. Rébus ou fonogramas, que ocorrem irregularmente em
lenses, até o terceiro ano, os "pontos" vocálicos precisam ser acrescentados
algumas escritas pictográficas, representam o som de uma palavra pelo
ao registro hebraico tradicional.) O alfabeto grego foi democratizante no
desenho de uma outra (a sole [sola, em português] de um pé repre-
sentido de que era fácil para qualquer um aprender. Era também "interna-
sentando soul [alma] em referência ao corpo, como no exemplo fictício
cionalizante", pelo fato de que fornecia um meio de lidar até mesmo com
usado acima). Mas o rébus (fonograma), embora possa representar várias
línguas estrangeiras. Essa realização grega de analisar abstratamente o
coisas, ainda é um desenho de uma das coisas que ele representa. O
indefinível mundo do som em equivalentes visuais (não de modo perfeito,
alfabeto, não obstante derivar provavelmente de pictogramas, perdeu
com certeza, mas na verdade pleno) tanto pressagiou quanto implementou
toda a ligação com as coisas como coisas. Ele representa o som em si
suas outras explorações analíticas.
como uma coisa, transformando o mundo evanescente do som no mundo
Parece que a estrutura da língua grega, o fato de que não estava espacial mudo, semi-permanente.
baseada em um sistema como o semítico, que admitia a omissão de vogais
O alfabeto fonético inventado pelos antigos semitas e aperfeiçoado
na escrita, acabou sendo talvez uma vantagem intelectual acidental,
pelos antigos gregos é, sem dúvida, o mais adaptável de todos os sistemas
porém crucial. Kerckhove (1981) sugeriu que, mais do que quaisquer
de escrita, por converter o som a uma forma visível. É talvez, igualmente,
outros sistemas de escrita, o alfabeto inteiramente fonético estimula a
o menos estético de todos os principais sistemas de escrita: pode ser posto
atividade do hemisfério esquerdo do cérebro e, desse modo, sobre bases
em bela caligrafia, mas nunca tão refinada quanto os caracteres chineses.
neurofisiológicas, favorece o pensamento analítico, abstrato.
Constitui um registro democratizante, facilmente aprendido por qualquer
A razão de o alfabeto ter sido inventado tão tarde e apenas uma pessoa. A escrita de caracteres chineses, como muitos outros sistemas de
vez pode ser entendida se refletirmos sobre a natureza do som, pois o escrita, é intrinsecamente elitista: dominá-Ia completamente exige um ócio
alfabeto opera mais diretamente sobre o som como som do que os outros prolongado. A qualidade democratizante do alfabeto pode ser percebida na
registros escritos, reduzindo o som diretamente a equivalentes espaciais Coréia do Sul. Nos livros e jornais coreanos, o texto é uma mescla de
e a unidades menores, mais analíticas, mais manipuláveis do que um palavras soletradas alfabeticamente e de centenas de diferentes caracteres
silabário: em vez de um símbolo para o som ba, temos dois, b mais a. chineses. Porém, todos os sinais públicos são sempre escritos apenas no
alfabeto, que todos podem virtualmente ler, uma vez que é dominado nos sociedade específica, ele o faz necessariamente, no lruCIO, em setores
primeiros anos da escola fundamental, ao passo que os 1.800 ban, ou restritos e com diferentes resultados e implicações. A escrita é muitas
caracteres chineses, que são o mínimo exigido - além do alfabeto - para vezes considerada, inici(l1mente, como um instrumento de poder secreto
ler a maior parte da literatura em coreano, não são comumente dominados e mágico (Goody 1968b, p. 236). Traços dessa atitude inicial em relação
na sua totalidade antes do fim da escola secundária. à escrita ainda podem ser vistos na etimologia: a grammarye ou gramática
do inglês médio, referente ao aprendizado livresco, acabou por significar
Talvez a realização isolada mais notável da história do alfabeto tenha
conhecimento oculto ou mágico e, por meio de uma forma dialética
ocorrido na Coréia, onde, em 1443 d.e., o rei Sejong da dinastia Yi decretou
escocesa, emergiu no nosso atual vocabulário inglês como glamor (poder
que um alfabeto deveria ser inventado para o coreano. Até aquela época,
de encantamento). Clamor girls são, na realidade, garotas de gramática.
o coreano havia sido escrito apenas em caracteres chineses, primorosamen-
O futbark, ou alfabeto TÚnico da Europa Setentrional medieval, foi
te trabalhados para se adequar ao vocabulário do coreano (e interagir com
ele), uma língua não inteiramente relacionada ao chinês (embora possua comumente associado à magia. Fragmentos de escrita são usados como
muitas palavras de empréstimo do chinês, a maioria é tão coreanizada que amuletos mágicos (Goody 1968b, pp. 201-203), mas podem também ser
apreciados simplesmente em virtude da maravilhosa durabilidade que
se torna incompreensível para qualquer chinês). Milhares e milhares de
conferem às palavras. O romancista nigeriano Chinua Achebe descreve
coreanos - todos coreanos que sabiam escrever - haviam passado ou
como em uma aldeia ibo o único homem que sabia escrever acumulou
estavam passando a melhor parte de suas vidas aprendendo a dominar a
em sua casa todo pedaço de material impresso que encontrava em seu
complicada quirografia sino-coreana. Seria pouco provável que saudassem
caminho - jornais, caixas de papelão, recibos (Achebe 1961, pp. 120-121).
um novo sistema de escrita que tornaria obsoletas suas habilidades ardua-
Tudo lhe parecia extraordinário demais para ser jogado fora.
mente adquiridas. Porém, a dinastia Yi era poderosa e o decreto de Sejong,
diante da prevista resistência maciça, sugere que ele possuía estruturas de Algumas sociedades de cultura escrita limitada consideram a escrita
ego igualmente poderosas. A acomodação do alfabeto a uma dada língua perigosa para o leitor desavisado, exigem uma figura semelhante a um guru
geralmente demanda muitos anos ou muitas gerações. A comissão de sábios para servir de mediador entre o leitor e o texto (Goody e Watt 1968, p. 13).
de Sejong terminara o alfabeto coreano em três anos, uma realização A cultura escrita pode estar restrita a grupos especiais como o clero
magistral, virtualmente perfeita na sua adaptação à fonologia coreana e (Tambiah 1968, pp. 113-114). Os textos podem dar a impressão de possuir
esteticamente destinada a produzir um registro alfabético com algo da valor religioso intrínseco: os iletrados tiram proveito do ato de esfregar o
aparência de um texto em caracteres chineses. Porém, a recepção dessa livro em suas frontes, ou de fazer girar rodas de orações que sustentam
façanha notável era previsível. O alfabeto foi usado apenas para objetivos textos que não podem ler (Goody 1968a, pp. 15-16). Os monges tibetanos
não acadêmicos, práticos, vulgares. Os escritores "sérios" continuaram a costumavam sentar-se nas margens de riachos "imprimindo páginas de
usar a escrita de caracteres chineses que haviam treinado tão arduamente. encantamento e de fórmulas na superfície da água com blocos de madeira"
A literatura séria era elitista e desejava ser conhecida como elitista. Apenas (Goody 1968a, p. 16, citando R.B. Eckvall). Os ainda florescentes "cultos de
no século XX, com a democratização maior da Coréia, o alfabeto realmente carregamento" em algumas ilhas do Pacífico Sul são bem conhecidos:
alcançou sua atual (ainda não total) ascendência. iletrados ou semiletrados julgam que os documentos comerciais - encomen-
das, conhecimentos de embarque, recibos etc. - que sabem que existem
em operações de embarque são instrumentos mágicos para fazer com que
navios e carregamentos cheguem pelo mar, e criam vários rituais pela
manipulação de textos escritos, na esperança de que aquele carregamento
apareça para dele tomarem posse e fazerem uso (Meggitt 1968, pp.
Quando um registro plenamente formado de qualquer tipo, alfa-
300-309). Na cultura da antiga Grécia, Havelock descobre um padrão geral
bético ou outro, abre caminho pela primeira vez na direção de uma
de cultura escrita restrita aplicável a muitas outras culturas: logo após a ou vários outros instrumentos para riscar superfícies ou espalhar tintas.
introdução da escrita, desenvolve-se um "ofício de escrita" (Havelock 1963; Tintas fluidas eram misturadas de várias maneiras e preparadas para uso
cf. Havelock e Herschell 1978). Nesse estágio, a escrita é um comércio em chifres ocos de bois (tintefros de chifre) ou em outros recipientes
praticado por profissionais que são contratados para escrever uma carta ou sólidos, ou, comumente na Ásia Oriental, pincéis eram molhados e
um documento, do mesmo modo que se contrata um pedreiro para esfregados em blocos cobertos de tinta seca, como na aquarela.
construir uma casa, ou um construtor naval para fazer um barco. Era esse Exigiam-se habilidades mecânicas para trabalhar com esse material
o estado de coisas nos reinados da África Ocidental, como o Mali, da Idade
de escrita, e nem todos os "escritores" as tinham no grau adequado para
Média até o século XX (Wilks 1968; Goody 1968b). Nesse estágio de uma composição demorada. O papel tornou a escrita fisicamente mais
profissionalização da escrita, não há mais necessidade de que um indivíduo fácil. Mas, manufaturado na China, provavelmente por volta do século II
saiba ler e escrever do que de dominar outra atividade comercial qualquer. a.c., e difundido pelos árabes no Oriente Médio por volta do século VIII
Apenas por volta da época de Platão na Grécia antiga, mais de três séculos d.C., o papel foi produzido pela primeira vez na Europa apenas no século
depois da introdução do alfabeto grego, esse estágio foi superado, quando XII.
a escrita foi finalmente difundida entre a população grega e interiorizada o
suficiente para afetar os processos mentais de um modo geral (Havelock Hábitos mentais há muito existentes de pensar em voz alta favorecem
1963). o ditado, mas o estado da tecnologia da escrita também o faz. No ato físico
de escrever, diz o inglês medieval Orderic Vitalis, "o corpo todo trabalha"
As propriedades físicas do material escrito inicial estimularam a
(Clanchy 1979, p. 90). Durante a Idade Média, na Europa, os autores muito
permanência da cultura tribal (ver Clanchy 1979, pp. 88-115, sobre "A
freqüentemente empregavam escribas. Compor à medida que se escreve,
tecnologia da escrita"). Em vez do papel de superfície uniforme fabricado
produzir um pensamento com a pena na mão, particularmente em compo-
em máquinas e das canetas esferográficas relativamente duráveis, o
sições breves, era, evidentemente, algo praticado até certo ponto desde a
escritor antigo possuía um equipamento tecnológico mais rebelde. Como
Antiguidade, mas isso se tornou mais comum em relação à composição
superfícies para a escrita, ele possuía blocos de barro molhado, peles de
literária ou outras composições mais longas em diferentes épocas nas
animais (pergaminho, velino) desbastadas de gordura e pêlos, muitas
diversas culturas. Ainda era raro na Inglaterra do século XI e, quando
vezes amaciadas com pedra-pomes e branqueadas com giz, freqüente-
ocorria, até mesmo então, podia ser feito em uma moldura psicológica tão
mente reprocessadas pela raspagem de um texto anterior (palimpsestos).
oral que nos é difícil imaginá-lo. Eadmer de Saint Albans, na Inglaterra do
Ou então cascas de árvores, papiros (melhor do que a maioria das
século XI, quando compunha por escrito, sentia que estava ditando a si
superfícies, mas ainda áspero para os padrões de alta tecnologia), folhas
mesmo (Clanchy 1979, p. 218). São Tomás de Aquino, que escreveu seus
secas ou outros vegetais, cera derramada sobre mesas de madeira muitas
próprios manuscritos, organiza sua Summa theologiae em um formato
vezes dobradas para formar um díptico usado em um cint~ (essas
quase oral: cada seção ou "questão" começa com uma recitação de objeções
tabuletas de cera eram usadas para notas e a cera era polida repetidas
contra a posição que assumirá Aquino; então, ele declara sua posição e
vezes para reutilização), bastões de madeira (Clanchy 1979, p. 95) e outras
finalmente responde às objeções, pela ordem. De modo semelhante, um
superfícies de madeira e de pedra de vários tipos. Não havia papelarias
antigo poeta escreveria um poema imaginando-se declamando-o para um
de esquina vendendo blocos de papel. Não existia papel. Como ferramen-
público. Poucos romancistas hoje escrevem um romance imaginando-se
tas para escrever, os escribas possuíam vários tipos de estilete, penas de
declamando-o em voz alta - se é que algum o faz -, embora possam ser
g~nso que tinham de ser corta~as e apontadas repetidas vezes com o que
excepcionalmente conscientes dos efeitos sonoros das palavras. O alto grau
amda chamamos de pen knife, pincéis (particularmente na Ásia Oriental)
de cultura escrita alimenta a composição verdadeiramente escrita, na qual
o autor compõe um texto que é exatamente um texto, junta suas palavras
no papel. Isso confere ao pensamento contornos diferentes daqueles do
pensamento baseado na oralidade. Voltaremos a falar (isto é, escrever) mais tentam construir mecanismos de autenticação por documentos escritos,
adiante sobre os efeitos da cultura escrita nos processos mentais. mas os métodos notariais se desenvolvem tarde nas culturas letradas, e
muito mais tarde na Inglaterra do que na Itália (Clanchy 1979, pp.
235-236). Os próprios documentos escritos eram muitas vezes autentica-
dos não por escrito, mas por objetos simbólicos (como uma faca, presa
ao documento por uma correia de pergaminho - Clanchy 1979, p. 24).
Muito tempo depois de uma cultura ter começado a usar a escrita, De fato, os objetos simbólicos por si sós podiam servir como instrumentos
ela pode ainda não lhe dar muito valor. Um letrado de hoje geralmente de transferência de propriedade. Por volta de 1130, Thomas de Mus-
dá como certo que os registros escritos têm mais força do que as palavras champs transferiu sua propriedade de Hetherslaw aos monges de Durham
faladas como prova de um estado de coisas há muito existente, especial- oferecendo sua espada sobre um altar (Clanchy 1979, p. 25). Até mesmo
mente em um tribunal. As culturas mais antigas, que conheciam a escrita, depois do Domesday Book (1085-1086) e o resultante aumento de
mas não a haviam interiorizado o suficiente, muitas vezes davam como documentação escrita, a história do conde Warrenne mostra como o
certo exatamente o oposto. O grau de crédito atribuído a registros escritos estado mental oral ainda persistia: diante dos juízes encarregados dos
indubitavelmente variou de cultura para cultura, porém a história cuida- procedimentos determinados pelo estatuto Quo Warranto, no reinado de
dosa, elaborada por Clanchy, de exemplos do uso da escrita para Eduardo I (entre 1272 e 1306), o Conde Warrenne exibiu não uma carta,
objetivos administrativos práticos na Inglaterra dos séculos XI e XII (979) mas "uma espada antiga e enferrujada", argumentando que seus ances-
fornece uma amostra instrutiva de quanto a oralidade podia se prolongar trais haviam chegado com Guilherme, o Conquistador, para tomar a
na presença da escrita, até mesmo em um meio administrativo. Inglaterra pela espada e que ele defenderia suas terras com a espada.
Clanchy chama a atenção 0979, pp. 21-22) para ~ fato de que a história
No período estudado, Clanchy descobre que "os documentos não
é um tanto discutível em virtude de algumas incoerências, mas observa
inspiram confiança imediatamente" (Clanchy 1979, p. 230). As pessoas
também que sua persistência testemunha um estado mental mais antigo,
precisavam ser convencidas de que a escrita aperfeiçoava os métodos
conhecedor do valor testemunhal de prendas simbólicas.
orais o bastante para compensar todos os custos e as técnicas difíceis
que ela envolvia. Antes do uso de documentos, o testemunho oral As antigas escrituras de transferência de terra na Inglaterra não eram
coletivo era comumente usado para estabelecer, por exemplo, a idade originalmente nem mesmo datadas 0979, pp. 231, 236-241), provavelmente
de herdeiros feudais. Em 1127, para resolver uma disputa relativa à por diversos motivos. Clanchy sugere que o mais profundo deles era
destinação dos impostos devidos no porto de Sandwich (se deveriam ir provavelmente que "a datação exigia que o escriba expressasse sua opinião
para a Abadia de Santo Agostinho em Canterbury ou para Christ sobre seu lugar no tempo" 0979, p. 238), o que requeria que escolhesse
Church), selecionou-se um júri de doze homens de Dover e doze de um ponto de referência. Que ponto? Ele deveria localizar esse documento
Sandwich, "pessoas de idade, sábias e maduras, de bom testemunho". por referência à criação do mundo? À Crucificação? Ao nascimento de
Cada jurado jurou que, como "recebi de meus ancestrais e vi e ouvi em Cristo? Os papas datavam assim os seus documentos, do nascimento de
minha juventude", as taxas pertenciam a Christ Church (Clanchy 1979, Cristo, mas não seria uma presunção datar um documento secular como os
pp. 232-233). Eles estavam lembrando publicamente o que outros antes papas datavam os seus? Nas culturas de alta tecnologia, atualmente, todos
deles haviam lembrado. vivemos, todos os dias, em uma moldura de tempo computado abstrata-
mente, imposto por milhares de calendários impressos, relógios de parede
À primeira vista, as testemunhas eram mais confiáveis do que os
e relógios de pulso. Na Inglaterra do século XII, não havia relógios de
textos, porque podiam ser questionadas e defender suas afirmações, ao
parede ou relógios de pulso ou calendários de mesa.
passo que os textos, não (isso, devemos lembrar, era exatamente uma das
objeções de Platão à escrita). Métodos notariais de autenticar documentos
Antes que a escrita fosse profundamente interiorizada pela impres- lembrar que, nas culturas funcionalmente orais, o passado não é perce-
são, as pessoas não se sentiam situadas, a cada momento de suas vidas, bido como um terreno especificado em itens, salpicado de "fatos" ou
em qualquer tipo de tempo computado abstratamente. Parece improvável informações verificáveis e discutidas. É o domínio dos ancestrais, uma
que a maioria das pessoas na Europa Ocidental medieval ou até mesmo fonte ressonante de consciência renovadora da existência presente, que
renascentista estivessem comumente conscientes do número do ano em si mesma não é um terreno especificado em itens. A oralidade não
calendário corrente - contado a partir do nascimento de Cristo ou de conhece listas, tabelas ou números.
qualquer outro ponto no passado. Por que estariam? A indecisão quanto Goody (1977, pp. 52-111) examinou detalhadamente a importân-
a partir de que ponto computar o tempo atestava as trivialidades da cia noética de tabelas e registros, dos quais o calendário é um dos
questão. Em uma cultura sem jornais ou outro tipo de material corrente- exemplos. A escrita torna possível tais aparatos. De fato, a escrita foi,
mente datado para ser impingido à consciência, qual a utilidade, para a em certo sentido, inventada em boa medida para fazer coisas como
maioria das pessoas, de saber o ano calendário corrente? O número do registros: a grande maioria dos escritos mais antigos que conhecemos,
calendário abstrato não estaria relacionado a nada na vida real. A maioria os de escrita cuneiforme dos sumérios, que começam por volta de 3500
das pessoas não sabia nem mesmo tentava descobrir em que ano havia a.c., são registros de cálculos. As culturas orais primárias comumente
nascido. situam seus equivalentes de registros em narrativas, como no catálogo
Além disso, as escrituras eram indubitavelmente associadas de dos barcos e dos chefes na llíada Cii.461-879) - não um registro de
algum modo a prendas simbólicas, como facas ou espadas. Elas eram contas objetivo, mas uma exposição operacional em uma história sobre
identificáveis por sua aparência. E, de fato, as escrituras eram com muita uma guerra. No texto da Torá, que registrou por escrito formas de
freqüência forjadas para se assemelhar ao que um tribunal (embora pensamento ainda basicamente orais, o equivalente da geografia (esta-
equivocadamente) achava que devia parecer (Clanchy 1979, p. 249, belecendo a relação de um lugar com outro) é posto em uma narrativa
citando P.H. Sawyer). "Os falsificadores", sublinha Clanchy, não consti- de ação formular (Números 33: 16 ss.): "Partindo do deserto do Sinai,
tuíam "desvios ocasionais nas periferias da prática legal", mas eram eles acamparam em Quibrote-Ataavá. Partindo de Quibrote-Ataavá,
"peritos entrincheirados no centro da cultura literária e intelectual do acamparam em Hazerote. Partindo de Hazerote, acamparam em Rit-
século XI!." Das 164 escrituras ainda existentes de Eduardo, o Confessor, má ..." e assim por muitos versos mais. Até mesmo as genealogias dessa
44 são certamente falsificadas, apenas 64 com certeza genuínas e o resto tradição de moldura oral são na verdade comumente narrativas. Em vez
não se sabe em qual dos casos se encontra. de uma recitação de nomes, encontramos uma seqüência de "gerou",
de afirmações do que alguém fez: "Irade gerou Meujael, Meujael gerou
Os erros verificáveis resultantes dos procedimentos econômicos e
Metusael, Metusael gerou Lameque" (Gênesis 4:18). Esse tipo de acu-
jurídicos ainda radicalmente orais que Clanchy cita eram mínimos, porque
mulação deriva parcialmente da tendência oral para explorar o equilí-
o passado mais remoto era, em sua maior parte, inacessível à consciência.
brio (a recorrência de sujeito-predicado-objeto cria um ritmo que auxilia
"A verdade lembrada era ... flexível e recente" (Clanchy 1979, p. 233).
na recordação, um ritmo de que careceria uma mera seqüência de
Como vimos em exemplos de Gana e da Nigéria modernas (Goody e Watt
nomes), em parte da tendência oral para a redundância (cada indivíduo
1968, pp. 31-34), em uma economia de pensamento oral, questões do
é mencionado duas vezes, como gerador e como gerado), e parcialmen-
passado sem qualquer relevância presente comumente caíam no esque-
te da tendência oral para antes narrar do que simplesmente justapor (os
cimento. A lei consuetudinária, desbastada de material não mais em uso,
indivíduos não são imobilizados, como em um alinhamento militar, mas
era automaticamente sempre atualizada e, portanto, jovem - um fato que,
estão fazendo algo, isto é, "gerando").
paradoxalmente, faz com que a lei consuetudinária pareça inevitável e,
portanto, muito velha (cf. Clanchy 1979, p. 233). As pessoas cuja visão de Essas passagens bíblicas obviamente são registros escritos, mas
mundo foi formada por uma cultura escrita elevada têm a necessidade de provêm de uma sensibilidade e de uma tradição oralmente constituídas.
Não são percebidas como uma coisa, mas como reconstituições de constitui um mundo de ordem, totalmente diferente de tudo o que existe
eventos no tempo. Seqüências oralmente apresentadas são sempre ocor- na sensibilidade oral, que não tem como operar com "cabeçalhos" ou com
rências no tempo, impossíveis de "examinar", porque não são apresenta- linearidade verbal. Em qualquer lugar do mundo, o alfabeto, o implaca-
das visualmente, são antes enunciados que são ouvidos. Em uma cultura velmente eficiente redutor do som ao espaço, é posto a serviço imediato
oral primária ou em uma cultura com forte resíduo oral, nem mesmo as do estabelecimento das novas seqüências definidas espacialmente: os
genealogias são "registros" de dados, são antes "memória de canções itens são marcados com a, b, c e assim por diante, para indicar a
cantadas". Os textos são coisas, imobilizados no espaço visual, sujeitos ao seqüência, e até mesmo os poemas, nos primeiros tempos da cultura
que Goody chama de "esquadrinhamento retrospectivo" (1977, pp. 49- escrita, eram compostos com a primeira letra da primeira palavra de
50). Goody mostra em detalhes como, quando os antropólogos expõem versos sucessivos seguindo a ordem do alfabeto. O alfabeto como uma
em uma superfície escrita ou impressa registros de vários itens encontra- simples seqüência de letras constitui uma ponte importante entre a
dos em mitos orais (clãs, regiões do planeta, tipos de ventos e assim por mnemônica oral e a mnemônica letrada: geralmente a seqüência das letras
diante), eles na verdade deformam o mundo mental no qual os mitos têm do alfabeto é memorizada oralmente, e depois usada para a recuperação
sua própria existência. A satisfação proporcionada pelos mitos é essen- visual do material, como nos índices.
cialmente não "coerente" numa forma tabular. As tabelas, que ordenam elementos de pensamento não simples-
Registros do tipo discutido por Goody são obviamente úteis mente em uma linha de categoria, mas simultaneamente em ordens
quando estamos conscientes da distorção que eles inevitavelmente criam. horizontais e entrecruzadas, representam uma moldura de pensamento
A apresentação visual do material verbalizado no espaço possui sua ainda mais distante do que os registros em relação aos processos noéticos
própria economia, suas próprias leis de movimento e de estrutura. Os que devem representar. O uso extensivo de registros e particularmente de
textos, em vários registros em todo o mundo, são lidos diferentemente da tabelas, tão comum em nossas culturas de alta tecnologia, é resultado não
esquerda para a direita, ou da direita para a esquerda, ou de cima para apenas da escrita, mas da profunda interiorização da impressão (Ong
baixo, ou todos esses modos ao mesmo tempo, como em uma escrita 1958b, pp. 307-318 e passim), que implementa o uso de tabelas diagra-
bustrofédon, mas nunca em lugar algum, pelo que se sabe, de baixo para máticas fixas de palavras e outros usos informativos do espaço neutro
cima ..Os textos assimilam a enunciação ao ~rpo humano. Eles introdu- muito além de qualquer coisa factível em qualquer cultura escrita.
zem um gosto por "cabeçalhos" em acumulação de conhecimento:
"capítulo" deriva do latim caput, que significa "cabeça" (como a do corpo
humano). As páginas não possuem apenas "cabeças", mas também "pés",
para notas de roda pé. Fazem-se referências ao que está "acima" e "abaixo"
em um texto, quando o que se quer dizer são várias páginas atrás ou
A situação das palavras em um texto é muito diferente da sua
adiante. A importância do vertical e do horizontal em textos merece um
situação na linguagem falada. Embora se refiram a sons e não tenham
estudo sério. Kerckhove 0981, pp. 10-11) sugere que o desenvolvimento
sentido até que possam ser relacionadas - externamente ou na imagina-
do hemisfério esquerdo do cérebro governou a tendência, na escrita
ção - aos sons ou, mais precisamente, aos fonemas que codificam, as
grega antiga, para o movimento da direita para a esquerda, para o
palavras escritas estão isoladas do contexto pleno no qual as palavras
movimento bustrofédon (padrão "arado de boi", uma linha indo para a
faladas nascem. A palavras, em seu hábitat natural, oral, são parte de um
direita, depois uma volta na ponta para a outra linha, que vai da direita
presente real, existencial. A enunciação oral é dirigida por um indivíduo
para a esquerda, sendo as letras invertidas segundo a direção da linha),
real, vivo, a outro indivíduo real, vivo, ou indivíduos reais, vivos, em um
para o estilo stoichedon (linhas verticais) e, finalmente, para o movimento
tempo específico em um cenário real que inclui sempre muito mais do
definitivo da esquerda para a direita, em uma linha horizontal. Tudo isso
que meras palavras. As palavras faladas constituem sempre modificações
de uma situação que é mais do que verbal. Elas nunca ocorrem sozinhas, A maioria dos livros existentes hoje foi escrita por pessoas que estão agora
em um contexto simplesmente de palavras. mortas. A enunciação falada vem apenas dos vivos.

No entanto, as palavras estão sozinhas em um texto. Além disso, Até mesmo em um diário pessoal dirigido a mim mesmo preciso
ao compor um texto, ao "escrever" algo, aquele que produz a enunciação construir uma ficção de destinatário. De fato, o diário requer, de certo
escrita está igualmente sozinho. Escrever é uma operação solipsística. modo, o máximo de ficcionalização do enunciador e do destinatário. A
Estou escrevendo um livro que, espero, será lido por centenas de milhares escrita é sempre uma espécie de imitação de conversa, e em um diário,
de pessoas; portanto, devo estar isolado de todos. Enquanto escrevo o portanto, finjo estar falando comigo mesmo. Mas eu nunca falo realmente
presente livro, deixo um aviso de que estou "fora" durante horas e dias - comigo mesmo desse modo. Nem poderia, sem a escrita e, na verdade,
para que ninguém, incluindo indivíduos que irão presumivelmente ler o sem a impressão. O diário pessoal constitui uma forma literária muito
livro, possa interromper minha solidão. tardia, na verdade desconhecida até o século XVII (Boerner 1969). O tipo
de devaneios solipsísticos verbalizados que ele implica são um produto
Em um texto, até mesmo as palavras carecem de suas qualidades __
da consciência moldada pela cultura impressa. E para qual "eu" estou eu
plenamente fonéticas. Na linguagem falada, uma palavra deve ter esta ou
escrevendo? Eu mesmo hoje? Para o eu que penso que serei daqui a dez
aquela entoação ou tom de voz - animado, excitado, calmo, irado,
anos? Como espero ser então? Para mim mesmo como me imagino ou
resignado ou qualquer que seja. É impossível pronunciar uma palavra
espero que os outros me imaginem? Perguntas como essas podem encher
oralmente sem qualquer entoação. Em um texto, a pontuação pode
- e realmente enchem - escritores de diários de angústias; e muitas vezes
sinalizar um tom de forma mínima: um ponto de interrogação ou uma
levam à interrupção dos diários. O memorialista já não pode conviver com
vírgula, por exemplo, geralmente requerem que a voz se eleve um pouco.
sua ficção.
A tradição letrada, adotada e adaptada por críticos habilidosos, pode
também prover algumas pistas extratextuais para as entoações, mas elas Os modos como os leitores são imaginados constituem o lado
não serão completas. O atores gastam horas decidindo como realmente inferior da história literária, cujo cume é a história dos gêneros e o
pronunciar as palavras do texto que está diante deles. Uma determinada tratamento do personagem e do enredo. Os escritos antigos fornecem ao
passagem poderia ser pronunciada por um ator em um brado; por outro, leitor auxílios visíveis para que se situe imaginativamente. Eles apresen-
em um sussurro. tam um material filosófico em diálogos, como os do Sócrates de Platão,
O contexto extratextual está ausente não apenas para os leitores, mas os quais o leitor pode imaginar estar ouvindo por acaso. Ou os episódios
também para o escritor. A falta de um contexto verificável é o que torna a devem ser imaginados como episódios contados a um público ao vivo
escrita normalmente uma atividade tão mais angustiante do que a apresen- em dias sucessivos. Mais tarde, na Idade Média, os escritos apresentarão
tação oral para um público real. "O público do escritor é sempre uma ficção" textos filosóficos e teológicos na forma objeção-e-resposta, para que o
(Ong 1977, pp. 53-81). O escritor precisa construir um papel ao qual leitores leitor possa imaginar um debate oral. Boccaccio e Chaucer fornecerão ao
ausentes e muitas vezes desconhecidos possam se moldar. Até mesmo ao leitor grupos fictícios de homens e mulheres contando histórias uns para
escrever a um amigo íntimo preciso construir uma ficção de estado de os outros, isto é, uma "moldura histórica", para que o leitor possa fingir
espírito para ele, ao qual ele deve se moldar. O leitor precisa também ser um dos membros do grupo ouvinte. Mas quem está falando com quem
construir uma ficção para o escritor. Quando meu amigo ler minha carta, em Orgulho epreconceito ou em O vermelho e o negro, ou em Adam Bedé?
posso estar em um estado de espírito totalmente diferente do momento em Os romancistas do século XIX salmodiam conscientemente "caro leitor"
que a escrevi. De fato, posso muito bem estar morto. Para que um texto repetidas vezes para lembrar que não estão contando uma história, mas
comunique sua mensagem, não importa que o autor esteja vivo ou morto. escrevendo-a, de modo que tanto o autor quanto o leitor estão tendo
dificuldades em se situar. A psicodinâmica da escrita amadureceu muito
lentamente na narrativa.
existencial. A necessidade desse cuidado excepcional transforma a escrita
E como o leitor deve se imaginar diante de Finnegan 's Wak&.
no trabalho angustiante que geralmente é.
Apenas um leitor. Porém, de um tipo ficcional. A maioria dos leitores de
inglês não poderá ou não desejará se tornar o tipo especial de leitor O que Goody 0977, p. 128) chama de "esquadrinhamento retros-
exigido por ]oyce. Alguns fazem cursos em universidades para aprender pectivo" torna possível, na escrita, eliminar incoerências (Goody 1977, pp.
como se imaginar à /a ]oyce. Embora o texto de ]oyce seja muito oral, no 49-50), escolher palavras com uma seletividade refletida que investe o
sentido de que se lê bem em voz alta, a voz e seus ouvintes não cabem pensamento e as palavras de novos poderes discriminatórios. Em uma
em qualquer cenário de vida real imaginável, mas apenas no cenário cultura oral, o fluxo de palavras, o correspondente fluxo de pensamento,
imaginativo de Finnegan 's Wake, que é imaginável apenas em virtude da os copia defendidos na Europa pelos retóricos da Antiguidade Clássica
escrita e da impressão que o precederam. Finnegan 's Wake foi composto até a Renascença, tendem a lidar com as discrepâncias mediante glosas
em escrita, mas para a impressão: com sua ortografia e seus usos abundantes - a etimologia aqui é reveladora: g/ossa, língua, "linguando-
idiossincráticos, seria virtualmente impossível multiplicá-Io de modo as" de ponta a ponta. Com a escrita, as palavras, uma vez "proferidas",
exato em cópias manuscritas. Não há mimese, aqui, no sentido aristotéli- exteriorizadas, postas na superfície, podem ser eliminadas, apagadas,
co, salvo ironicamente. A escrita é de fato a sementeira da ironia, e quanto mudadas. Não existe um equivalente para isso em uma apresentação oral,
mais durar a tradição escrita (e impressa), mais forte será o desenvolvi- nenhum meio de apagar uma palavra falada: as correções não removem
mento irônico (Ong 1971, pp. 272-302). uma frase infeliz ou um erro, elas meramente complementam-nos com
negativa e remendo. O brico/age ou o remendo que Lévi-Strauss (1966,
1970) julga característicos dos padrões mentais "primitivos" ou "selva-
gens" podem ser vistos aqui como conseqüência da situação noética oral.
As correções em apresentações orais tendem a ser contraproducentes, a
o distanciamento que a escrita realiza desenvolve um novo tipo de tornar o falante muito pouco convincente. Portanto, nós as reduzimos a
exatidão na verbalização, tirando-a do contexto existencialmente rico, mas um mínimo, ou então as evitamos totalmente. Na escrita, as correções
caótico, de muitas das enunciações orais. As apresentações orais podem ser podem ser tremendamente produtivas, pois como poderá o leitor saber
se foram feitas?
impressionantes em sua grandiloqüência e sua sabedoria comunal, quer
sejam longas, como na narrativa formal, quer sejam breves e apotegmática~, _ Evidentemente, uma vez interiorizada a busca quirográfica inicial
como nos provérbios. Todavia, a sabedoria tem a ver com um contexto de precisão e exatidão analítica, ela pode retroagir na fala, e o faz. Embora
social total e relativamente infrangível. A linguagem e o pensamento o pensamento de Platão seja expresso na forma de diálogo, sua excep-
tratados oralmente não são conhecidos por sua exatidão analítica. cional precisão se deve aos efeitos da escrita sobre os processos noéticos,
pois os diálogos são, na verdade, textos escritos. Por meio de um texto
Evidentemente, toda linguagem e todo pensamento são até certo
ponto analíticos: eles decompõem o denso continuum da experiência, a tratado quirograficamente, expresso na forma de diálogo, eles se movem
"grande, maldita, murmurante confusão" de William ]ames, em partes dialeticamente em direção ao esclarecimento analítico de questões que
mais ou menos separadas, segmentos significativos. Porém, as palavras Sócrates e PIatão haviam herdado na forma mais "totalizada", não-analí-
tica, narrativa, oral.
escritas refinam a análise, pois se exige mais das palavras individualmen-
te. Para nos fazermos entender sem gestos, sem expressão facial, sem Em Tbe greek concept of justice: From its shadow in Homer to its
entoação, sem um ouvinte real, temos de prever cuidadosamente todos os substance in P/ato [O conceito grego de justiça: De sua obscuridade em
significados possíveis que uma afirmação possa ter para qualquer leitor possível, Homero a sua solidez em Platão] (1978a), Havelock tratou do movimento
em qualquer situação possível, e temos de fazer com que nossa linguagem que PIatão levou ao ponto crítico. A objetividade analítica com que PIatão
funcione de modo a se tornar dara apenas por si, sem nenhum contexto
tratou do conceito abstrato de justiça não pode ser encontrada em restrito evidentemente são em grande parte orais e, como o pensamento
nenhuma das culturas puramente orais conhecidas. Analogamente, a e a expressão orais em geral, operam funcionalmente, próximos ao
objetividade letal nas questões e nas fraquezas dos adversários, presente mundo da vida humana cotidiana: o grupo que Bernstein encontrou
nas orações de Cícero, é obra de uma mente letrada, embora saibamos usando esse código era composto de meninos mensageiros sem nenhuma
que Cícero não compôs seus discursos por escrito antes de proferi-los, escolaridade. Sua expressão possui um ar de fórmula e encadeia pensa-
escreVeU-OSposteriormente, tais como os conhecemos (Ong 1967b, pp., mentos não em uma subordinação cuidadosa, mas "como contas em uma
56-57). Os debates orais refinadamente analíticos nas universidades caixa" (1974, p. 134) - reconhecidamente o modo formular e acumulativo
medievais e na tradição escolástica posterior até o século atual (Ong 1981, da cultura oral. O código elaborado é formado com o auxílio obrigatório
pp. 137-138) foram obra de mentes afiadas por textos escritos e pela da escrita e, para uma elaboração plena, da impressão. O grupo encon-
leitura e comentário de textos, oralmente e por escrito. trado por Bernstein usando esse código pertencia às seis principais
escolas públicas que fornecem a mais intensiva educação em leitura e
Ao separar o conhecedor do conhecido (Havelock 1963), a escrita
escrita na Grã-Bretanha 0974, p. 83). Os códigos lingüísticos "restrito" e
permite uma articulação crescente da introspecção, abrindo a psique
"elaborado" de Bernstein poderiam ser reintitulados "de base oral" e "de
como nunca antes ao mundo objetivo externo, muito diferente dela
base textual", respectivamente. Olson (977) mostrou como a oralidade
própria, mas também do eu interior com o qual o mundo objetivo é
relega o significado em grande parte ao contexto, ao passo que a escrita
comparado. A escrita torna possíveis as grandes religiões introspectivas
concentra o significado na própria linguagem.
como o budismo, o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Todas elas
possuem textos sagrados. Os antigos gregos e romanos conheciam a A escrita e a impressão criam tipos especiais de dialetos. A
escrita e a usavam, particularmente os gregos, para construir o conheci- maioria das línguas nunca foi posta em escrita, como se viu (p. 15).
mento filosófico e científico. Porém, não criaram textos sagrados compa- Porém certas línguas, ou mais propriamente dialetos, investiram enor-
ráveis aos Vedas, à Bíblia ou ao Corão, e sua religião deixou de se memente na escrita. Muitas vezes, como na Inglaterra, na Alemanha ou
estabelecer nos recessos da psique que a escrita lhes abrira. Ela se tornou na Itália, onde se encontra uma grande quantidade de dialetos, um
apenas um recurso literário elegante e arcaico para escritores como dialeto regional desenvolveu-se quirograficamente mais do que os
Ovídio e uma moldura para práticas exteriores, carentes de significado outros, por motivos econômicos, políticos, religiosos ou outros, e
pessoal premente. finalmente se tornou uma língua nacional. Na Inglaterra, isso aconteceu
com o dialeto da classe alta londrina; na Alemanha, com o alto alemão
A escrita desenvolve códigos em uma linguagem diferente dos
(o alemão das regiões montanhosas do sul); na Itália, com o toscano.
códigos orais na mesma língua. Basil Bernstein 0974, pp. 134-135, 176,
Conquanto seja verdade que eles eram todos, em sua essência, dialetos
181, 197-198) distingue o "código lingüístico restrito" ou a "linguagem
regionais e/ou de classe, seu status como línguas nacionais quirografi-
pública" dos dialetos ingleses das classes baixas na Grã-Bretanha e o
camente controladas tornou-os espécies de dialetos ou línguas diferen-
"código lingüístico elaborado" ou a "linguagem privada" dos dialetos das
tes daqueles que não são escritos em larga escala. Como ressaltou
classes média e alta. Walt Wolfram (972) havia apontado anteriormente
Guxman 0970, pp. 773-776), uma língua escrita nacional teve de ser
distinções como as de Bernstein entre o inglês dos negros norte-america-
isolada da base dialetal original, descartou certas formas dialetais,
nos e o inglês norte-americano padrão. O código lingüístico restrito pode
desenvolveu várias camadas de vocabulário com base em fontes abso-
ser pelo menos tão expressivo e exato quanto o código elaborado em
lutamente não-dialetais, além de certas peculiaridades sintáticas. A esse
contextos que são familiares e compartilhados pelo falante e pelo ouvinte.
tipo de linguagem estabelecida escrita Haugen 0966, pp. 50-71) cha-
Para lidar com o não familiar de modo expressivo e exato, no entanto, o
mou, com propriedade, "grafoleto".
código lingüístico restrito não funcionará; é absolutamente necessário um
código lingüístico elaborado. A origem e o uso do código lingüístico
Um grafoleto moderno como o "inglês", para usar o termo que é Onde existem grafoletos, a gramática e o uso "corretos" são
comumente usado para referir a esse grafoleto, foi trabalhado durante popularmente interpretados como a gramática e o uso do próprio
séculos, primeiro e mais intensamente, ao que parece, pela chancelaria grafoleto, à exclusão da gramática e do uso de outros dialetos. As bases
de Henrique V (Richardson 1980), depois pelos teóricos normativistas, sensoriais do próprio conceito de ordem são em boa parte visuais (Ong
gramáticos, lexicógrafos e outros. Foi registrado maciçamente em escri- 1967b, pp. 108, 136-137), e o fato de que o grafoleto seja escrito ou, a
ta e impressão e agora em computadores, de forma que os que possuem fortíorí, impresso, favorece a idéia de lhe atribuir um poder normativo
competência no grafoleto atualmente podem estabelecer facilmente especial para manter a língua em ordem. Porém, quando outros dialetos
contato não apenas com milhares de outras pessoas, mas também com de uma dada língua - além do grafoleto - diferem da gramática do
o pensamento do passado de séculos atrás, pois os outros dialetos do grafoleto, eles não são não agramaticais: estão simplesmente usando uma
inglês, assim como milhares de línguas estrangeiras, são interpretados gramática diferente, pois a língua é uma estrutura e é impossível usar a
no grafoleto. Nesse sentido, o grafoleto inclui todos os outros dialetos: língua sem uma gramática. À luz desse fato, os lingüistas hoje comumente
ele os explica de uma maneira que eles mesmos não poderiam fazer. O insistem em que todos os dialetos são iguais no sentido de que nenhum
grafoleto traz as marcas de milhares de mentes que o usaram para possui uma gramática intrinsecamente mais "correta" do que a dos outros.
compartilhar entre si sua consciência. Nele foi forjado um vasto voca- Mas Hirsch 0977, pp. 43-50) vai mais além e diz que, em um sentido
bulário de uma ordem de magnitude impossível para uma língua oral. profundo, nenhum outro dialeto, por exemplo em inglês, alemão ou
O Webster's Thírd New International Díctionary (971) afirma em seu italiano, possui algo remotamente semelhante aos recursos do grafoleto.
Prefácio que poderia ter "multiplicado muitas vezes" as 450 mil palavras É má pedagogia insistir nisso, porque não há nada "errado" com os outros
que realmente inclui. Admitindo-se que "multiplicado muitas vezes" dialetos, não faz nenhuma diferença se os falantes de um outro dialeto
deva significar pelo menos três vezes, e arrendondando os números, aprendem ou não o grafoleto, que possui recursos de uma ordem de
podemos entender que os editores têm em mãos um registro de cerca magnitude inteiramente diferente.
de um milhão e meio de palavras usadas em impressão em inglês. As
línguas e os dialetos orais podem se arranjar com uma pequena fração
desse número.
A riqueza léxica dos grafoletos começa com a escrita, porém sua
plenitude se deve à impressão, pois os recursos de um grafoleto moderno Dois grandes desenvolvimentos especiais no Ocidente derivam da
estão disponíveis em grande parte por meio dos dicionários. Há registros interação da escrita e da oralidade - e a afetam. São a retórica acadêmica
limitados de palavras de vários tipos desde muito cedo na história da e o latim culto.
escrita (Goody 1977, pp. 74-111), mas enquanto a impressão não esteve
Em seu terceiro volume da Oxford hístory of Englísh líterature, C.S.
bem estabelecida não houve dicionários que tentassem computar de
Lewis observou que "a retórica constitui o maior obstáculo entre nós e
forma generalizada e abrangente as palavras em uso em qualquer língua.
nossos antepassados" 0954, p. 60). Lewis honra a magnitude da questão
É fácil entender por que é assim se pensarmos no que significaria fazer
ao se recusar a tratar dela, apesar de sua extraordinária relevância para a
até mesmo umas poucas dúzias de cópias relativamente precisas do
cultura em todas as épocas, pelo menos até a era romântica (Ong 1971,
Webster's Thírd ou mesmo do Webster's New Collegíate Díctionary, que é
pp. 1-22, 255-283). O estudo da retórica dominante em todas as culturas
muito menor. Dicionários como esses estão a anos-luz do mundo das
ocidentais até aquela época havia começado como o núcleo da educação
culturas orais. Nada ilustra de modo mais impressionante como a escrita
e da cultura gregas antigas. Na Grécia Antiga, o estudo da "filosofia",
e a impressão alteram os estados de consciência.
representada por Sócrates, Platão e Aristóteles, a despeito de toda a
fecundidade subseqüente, constituía um elemento menor na cultura
grega, nunca competindo com a retórica, quer no número de seus em latim - antinomasia ou pronominatio, paradiastote ou distinetio,
praticantes, quer em seus efeitos sociais imediatos (Marrou 1956, pp. anti-categoria ou aceusatio eoneertativa etc., etc. (Lanham 1968; Sonnino
194-205), como sugere o infeliz destino de Sócrates. 1968) - provavelmente reagirão com um "Que perda de tempo!". Mas, para
seus primeiros descobridores ou inventores, os sofistas da Grécia do século
A retórica estava na raiz da arte de falar em público, da comunica-
V, a retórica era algo maravilhoso. Ela fornecia uma lógica racional para o
ção oral para a persuasão (retórica forense e deliberativa) ou para a
que lhes era mais caro, a apresentação oral eficaz e muitas vezes pomposa,
exposição. O rhetor grego provém da mesma raiz que o latim orator e
algo que havia sido uma parte distintivamente humana da existência
significa falante público. Nas perspectivas desenvolvidas por Havelock
humana durante séculos, mas que, antes da escrita, nunca se poderia ter
(963), pareceria óbvio que, em um sentido muito profundo, a tradição
sido preparada ou explicada de modo tão refletido.
retórica representasse o velho mundo oral, e a tradição filosófica, as novas
estruturas quirográficas de pensamento. Como Platão, C.S. Lewis estava, A retórica reteve muito da velha tendência oral para o pensamento
inconscientemente na verdade, voltando as costas ao mundo oral. Duran- e a expressão basicamente agonísticos e formulares. Isso se mostra
te séculos, até a era romântica (quando o ímpeto retórico foi desviado, claramente no ensino retórico dos "lugares" (Ong 1967b, pp. 56-87; 1971,
definitiva senão totalmente, da apresentação oral para a escrita), um pp. 147-187; Howell1956, Índice). Com sua herança agonística, o ensino
comprometimento explícito ou até mesmo implícito com o estudo e a retórico assumia que o objetivo de praticamente todo discurso era
prática formais da retórica constituem um indício do montante de orali- demonstrar ou refutar uma questão contra alguma oposição. O desenvol-
dade primária residual em uma dada cultura (Ong 1971, pp. 23-103). vimento de um tema era visto como um processo de "invenção", isto é,
de encontrar no estoque de argumentos que outros sempre haviam
Os gregos homéricos e pré-homéricos, como em geral os povos
explorado os que eram aplicáveis ao caso. Esses argumentos eram
orais, praticavam o falar em público com grande habilidade muito depois
considerados alojados ou "assentados" (termo de Quintiliano) nos "luga-
que suas habilidades foram reduzidas a uma "arte", isto é, a um corpo dé
res" Ctopoi em grego, toei em latim) e eram muitas vezes chamados toei
princípios seqüencialmente organizado, científico, que explicava e sus-
eommunes ou lugares-comuns quando se julgava que fornecessem argu-
tentava a persuasão verbal. Essa "arte" é apresentada na Arte retórica
mentos comuns a todo e qualquer assunto.
(teehne rhetorike) de Aristóteles. As culturas orais, como vimos, não
comportam "artes" dessa espécie organizada. Ninguém podia ou pode Desde pelo menos a época de Quintiliano, os toei eommunes
simplesmente recitar de improviso um tratado como a Arte retórica de foram tomado em dois sentidos diferentes. No primeiro, referiam-se aos
Aristóteles, como alguém em uma cultura oral deveria fazer se esse tipo "assentos" de argumentos, considerados como "cabeçalhos" abstratos
de entendimento devesse ser implementado. As produções orais longas no debate atual, tais como definição, causa, efeito, contrastes, seme-
seguem padrões mais acumulativos, menos analíticos. A "arte" da retórica, lhanças e assim por diante (a claSSificação variava em tamanho de um
embora dissesse respeito à linguagem falada, foi, como as outras "artes", autor para outro). Quando se desejasse desenvolver uma "prova" -
produto da escrita. deveríamos dizer simplesmente desenvolver uma linha de pensamento
- sobre qualquer assunto, tal como a lealdade, o mal, a culpa de um
As pessoas de uma cultura de alta tecnologia que se tornam
acusado de crime, a amizade, a guerra etc., dever-se-ia sempre encon-
conscientes da vasta literatura do passado que trata da retórica - da
trar algo para dizer definindo, procurando causas, efeitos, contrastes e
Antiguidade Clássica, passando pela Idade Média e pela Renascença, à Era
tudo o mais. Esses cabeçalhos podem ser intitulados "lugares-comuns
das Luzes (por exemplo, Kennedy 1980; Murphy 1974; Howell1956, 1971)
analíticos". No segundo sentido, os toei eommunes ou lugares-comuns
-, do interesse universal e obsessivo pelo assunto durante as eras e da
referiam-se a coleções de ditos (na verdade, fórmulas) sobre vários
quantidade de tempo despendido em estudá-Io, da vasta e complicada
tópicos - tais como lealdade, decadência, amizade etc. -, que poderiam
terminologia para classificar centenas de figuras de linguagem em grego e
caber na composição do próprio discurso oral ou escrito. Nesse sentido,
os toei eommunes podem ser intitulados "lugares-comuns cumulativos". mais novas, vernaculares. Estas possuíam uma orientação prática para o
Tanto os lugares-comuns analíticos quanto os cumulativos, está claro, comércio e outras ocupações, ao passo que as escolas mais antigas, com
mantinham viva a velha tendência oral para o pensamento e a expres- instrução baseada no latim, eram para aqueles que aspiravam a ser
são feitos essencialmente de material formular ou eram fixos de outra clérigos, advogados, médicos, diplomatas e outros servidores públicos. As
maneira, herdados do passado. Dizer isso não é explicar toda a doutrina mulheres escritoras eram sem dúvida alguma influenciadas por obras que
complexa, que em si mesma era parte integrante da enorme arte da haviam lido e que provinham da tradição de fundamento latino, acadê-
retórica. mica, retórica, mas elas próprias se exprimiam normalmente em um tom
diferente, muito menos oratório, que tinha muito a ver com a ascensão
A retórica, é claro, é essencialmente antitética (Durand 1960, pp. do romance.
451, 453-459), pois o orador fala diante de adversários pelo menos
implícitos. A oratória tem raízes profundamente agonísticas (Ong 19~7_b,
pp. 192-222; 1981, pp. 119-148). O desenvolvimento da vasta tradlçao
retórica foi característico do Ocidente e estava relacionado, como causa,
como efeito ou ambos, à tendência entre os gregos e seus epígonos
culturais a maximizar as oposições, tanto no mundo mental quanto no O segundo grande desenvolvimento no Ocidente que afetou a
extramental, ao contrário dos indianos e dos chineses, que programatica- interação entre escrita e oralidade foi o latim culto. O latim culto foi um
mente os minimizam (Lloyd 1966; Oliver 1971). resultado direto da escrita. Entre cerca de 550 e 700 d.C., o latim falado
Da Antiguidade grega em diante, a predominância da retórica no como vernáculo em várias regiões da Europa se desenvolveu em várias
conhecimento acadêmico criou em todo o mundo letrado uma impressão, formas antigas de italiano, espanhol, catalão, francês e outras línguas
real embora muitas vezes vaga, de que a oratória constituía o paradigma românicas. Por volta de 700 d.C., os falantes desses rebentos do latim já
de toda expressão verbal e manteve o tom agonístico do discurso não conseguiam entender o velho latim escrito, inteligível talvez para
extremamente alto pelos padrões atuais. A própria poesia foi freqüente- alguns de seus bisavós. Sua língua falada se afastara demasiadamente de
mente absorvida pela oratória epidêitica e considerada intimamente suas origens. Porém, a escolaridade e, com ela, a maior parte do discurso
relacionada basicamente ao encômio ou à censura (como muito da poesia oficial da Igreja ou do Estado, continuou em latim. Não havia realmente
oral e até mesmo escrita é ainda hoje). outra alternativa. A Europa era um pântano de centenas de línguas e
dialetos, a maioria deles nunca escrita até hoje. As tribos falantes de
No século XIX, a maior parte do estilo literário em todo o Ocidente
inúmeros dialetos germânicos e eslavos e outros ainda mais exóticos,
foi formada pela retórica acadêmica, de um modo ou de outro, com uma
línguas que não pertenciam ao grupo indo-europeu como o magiar, o
notável exceção: o estilo literário de mulheres autoras. Das mulheres que
finlandês e o turco, estavam se introduzindo na Europa Ocidental. Não
se tornaram escritoras publicadas, como tantas desde 1600, praticamente
havia como traduzir as obras literárias, científicas, filosóficas, médicas ou
nenhuma teve tal treinamento. Da época medieval em diante, a educação
teológicas ensinadas em escolas e universidades para a multidão de
de meninas foi muitas vezes intensa e produziu administradoras de
vernáculos orais, que muitas vezes possuíam formas diferentes, mutua-
negócios domésticos eficientes, às vezes compostos de 50 a 80 pessoas
mente ininteligíveis, entre populações talvez a apenas 50 milhas umas das
que exerciam atividades de tamanho considerável (Markham 1675, título),
outras. Até que um ou outro dialeto, por motivos econômicos ou outros,
mas essa educação não era adquirida em instituições acadêmicas, que
tornou-se dominante o bastante para ganhar adeptos até mesmo de outras
ensinavam retórica e todos os outros assuntos em latim. Quando come-
regiões dialetais (como o dialeto do leste das Midlands, na Inglaterra, ou
çaram a freqüentar escolas em certa quantidade durante o século XVII, as
o hochdeutseh, na Alemanha), a única política prática era ensinar latim à
meninas não entraram em escolas de latim de primeira linha, mas nas
quantidade limitada de meninos que iam à escola. O latim, outrora uma
língua materna, tornou-se assim uma língua escolar apenas, falado não
somente nas salas de aula, mas também, em princípio - ainda que nem desse isolamento. A escrita, como vimos anteriormente, serve para
sempre de fato -, em todas as demais dependências escolares. Por ordem separar e distanciar o conhecedor do conhecido e, assim, estabelecer a
dos estatutos escolares, o latim tornou-se o latim culto, uma língua objetividade. Sugeriu-se (Ong 1977, pp. 24-29) que o latim culto causa
inteiramente controlada pela escrita, ao passo que os novos vernáculos uma objetividade ainda maior pelo fato de fixar o conhecimento em um
românicos haviam se desenvolvido do latim como as línguas sempre meio isolado das profundezas carregadas de emoção de uma língua
haviam feito, oralmente. O latim havia sofrido um corte som-visão. materna, reduzindo assim a interferência do mundo da vida humana
cotidiana e permitindo o mundo refinadamente abstrato da escolástica
Em virtude de sua base na academia, que era totalmente masculina
medieval e da nova ciência matemática moderna que se seguiu à
- com exceções raras o bastante para ser descartadas -, o latim culto teve
experiência escolástica. Sem o latim culto, parece que a ciência moderna
uma outra característica em comum com a retórica, além de sua proveniên-
teria aberto caminho com uma dificuldade muito maior, se é que o teria
cia clássica. Durante mil anos, estava vinculado ao sexo, uma língua escrita
feito. A ciência moderna nasceu do solo latino, pois os filósofos e
e falada apenas por pessoas do sexo masculino, aprendida fora do lar, em
cientistas até a época de Newton, comumente tanto escreviam quanto
um cenário tribal que era, na verdade, um cenário de rito de puberdade
elaboravam seu pensamento abstrato em latim.
masculino, parte do castigo físico e de outros tipos de opressão deliberada-
mente impostos (Ong 1971, pp. 113-141; 1981, pp. 119-48). Ele não tinha A interação entre essa língua controlada quirograficamente, como
nenhuma vinculação direta com o inconsciente de qualquer pessoa do tipo o latim culto, e os vários vernáculos (línguas maternas) está ainda longe
que as línguas maternas, aprendidas na infância, sempre têm. de ser inteiramente entendida. Não há como simplesmente "traduzir" uma
língua como o latim culto em línguas como as vernáculas. A tradução era
Não obstante, de modo paradoxal, o latim culto estava relacionado
transformação. A interação criou todos os tipos de resultados. Baurnl
com a oralidade e com a cultura escrita. Por um lado, como acabamos de
0980, p. 264) chamou a atenção, por exemplo, para alguns dos efeitos
observar, era uma língua quirograficamente controlada. Dos milhares que
quando as metáforas de um latim conscientemente metafórico eram
a falaram durante os 1400 anos seguintes, todos sabiam também escrevê-
transferi das para línguas maternas menos metaforizadas.
Ia. Não havia usuários puramente orais. Mas o controle quirográfico do
latim culto não impediu sua aliança com a oralidade. Paradoxalmente, a Durante esse período, outras línguas controladas quirograficamente,
textualidade que mantinha o latim enraizado na Antiguidade Clássica vinculada ao sexo, desenvolveram-se na Europa e na Ásia, onde populações
justamente o mantinha também enraizado na oralidade, pois o ideal letradas de tamanho considerável desejavam compartilhar de uma herança
clássico de educação havia sido produzir não o escritor competente, mas intelectual comum. Decididamente contemporâneos do latim culto eram o
o rhetor, o orator, o orador público. A gramática do latim culto provinha hebraico rabínico, o árabe clássico, o sânscrito e o chinês clássicos,
desse mundo oral. Assim também seu vocabulário básico - embora, como juntamente com o grego bizantino, uma sexta língua culta de modo muito
todas as línguas realmente em uso, incorporasse milhares de novas menos definido, pois o grego vernacular mantinha um contato estreito com
palavras ao correr dos séculos. ela (Ong 1977, pp. 28-34). Todas essas línguas cultas já não estavam em uso
Despido de balbucios, isolado da mais tenra infância, na qual a como línguas maternas (isto é, no sentido restrito, não usado pelas mães ao
língua tem suas raízes mais profundamente psíquicas, nunca uma primei- criar os filhos). Elas nunca constituíam primeiras línguas para nenhum
ra língua para nenhum de seus usuários, pronunciado em toda a Europa indivíduo, eram controladas exclusivamente pela escrita, faladas apenas por
de modos muitas vezes mutuamente ininteligíveis, mas sempre escrito da pessoas do sexo masculino (com poucas exceções, embora talvez maiores
mesma maneira, o latim culto constituiu um exemplo impressionante do no caso do chinês clássico do que nos demais) e eram faladas apenas por
poder da escrita para isolar o discurso e da produtividade sem paralelo aqueles que sabiam escrevê-Ias e que, de fato, haviam-nas aprendido
inicialmente pelo uso da escrita. Essas línguas' já não existem e é difícil hoje
perceber seu antigo poder. Todas as línguas usadas para o discurso culto
atualmente são também línguas maternas (ou, no caso do árabe, estão cada Estados Unidos cerca de 120 milhões de cópias entre 1836 e 1920, tinha
vez mais absorvendo línguas maternas). Nada mostra de modo mais como objetivo a terapêutica de leitura para aperfeiçoar não a leitura com
convincente do que esse desaparecimento da língua controlada quirografi- vistas à compreensão que idealizamos hoje, mas a leitura oral, declama-
camente como a escrita está perdendo seu antigo monopólio de poder tória. O McGuJfey's especializava-se em passagens tiradas da literatura
(embora não sua importância) no mundo atual. "centradas no som", relacionadas com grandes heróis (personagens orais
"fortes"). Elas forneciam inúmeros exercícios de pronúncia oral e de
respiração (Lynn 1973, pp. 16, 20).
A própria retórica emigrou, gradativa mas inevitavelmente, do
mundo oral para o quirográfico. Desde a Antiguidade Clássica, as habili-
Como sugerem as relações paradoxais da oralidade e da cultura dades verbais aprendidas na retórica foram praticadas não apenas na
escrita na retórica e no latim culto, a transição da oralidade para a cultura oratória, mas também na escrita. Por volta do século XVI, das cinco partes
escrita foi lenta (Ong 1967b, pp. 53-87; 1971, pp. 23-48). A Idade Média tradicionais da retórica (invenção, disposição, estilo, memória e elocu-
usava os textos muito mais do que a Grécia e a Roma antigas, os professores ção), os manuais de retórica estavam comumente omitindo a quarta -
faziam preleções sobre textos nas universidades e, no entanto, nunca memória -, que não era aplicável à escrita. Elas estavam também
testavam o conhecimento ou a perícia intelectual pela escrita, mas sempre reduzindo a última, elocução (Howell 1956, pp. 146-172, 270 etc.). Em
pelo debate oral - uma prática que continuou de modo decrescente até o larga medida, fizeram essas mudanças com explicações especiosas ou
século XIX e que hoje ainda sobrevive residualmente na defesa de teses de nenhuma explicação. Atualmente, quando os currículos registram a
doutorado nos lugares cada vez mais raros onde essa prática ainda subsiste. retórica como uma matéria, isso significa meramente o estudo de como
Embora o humanismo renascentista tenha inventado a erudição textual escrever com competência. Porém, ninguém conscientemente lançou um
moderna e presidido ao desenvolvimento da impressão tipográfica, ele programa para dar essa nova orientação à retórica: a "arte" simplesmente
também retornou à Antiguidade e, por esse motivo, deu nova vida à seguiu a tendência da consciência de uma economia oral para uma
oralidade. O estilo inglês no período Tudor (Ong 1971, pp. 23-47), e mesmo economia escrita. A tendência foi concluída antes que se desse conta
muito depois, carregou um forte resíduo oral em seu uso de epítetos, ritmo, disso. Uma vez concluída, a retórica já não era a matéria predominante
antíteses, estruturas formulares e lugares-comuns. Assim também os estilos que fora outrora: a educação já não podia ser descrita como fundamen-
literários da Europa Ocidental em geral. talmente retórica como no passado. Os três Rs - reading, 'riting e
'rithmetics· -, que representavam uma educação essencialmente não-re-
Na Antiguidade Clássica ocidental, admitia-se pacificamente que
tórica, livresca, comercial e doméstica, gradativamente se sobrepuseram
um texto escrito de qualquer valor devia e merecia ser lido em voz alta,
à educação tradicionalmente fundada na oralidade, heróica, agonística,
e a prática da leitura de texto em voz alta continuou, comumente com
que havia geralmente preparado os jovens no passado para o ensino e o
muitas variações, durante o século XIX (Balogh 1926). Essa prática
serviço público profissional, eclesiástico ou político. Durante o processo,
influenciou fortemente o estilo literário, da Antiguidade até épocas muito
à medida que o latim foi expulso, as mulheres entraram cada vez em
recentes (Balogh 1926; Crosby 1936; Nelson 1976-1977; Ahern 1982).
maior número na academia, que também passou a ter uma orientação
Ainda aspirando à velha oralidade, o século XIX desenvolveu disputas de
cada vez mais comercial (Ong 1967b, pp. 241-255).
"elocução", que tentavam dar a textos impressos um ar primitivo, usando
uma cuidadosa habilidade para memorizar os textos literalmente e recitá-
los de modo que soassem como produções orais de improviso (Howell
1971, pp. 144-256). Dickens lia excertos de seus romances no palanque • Literalmente: "leitura", "escrita" e "aritmética", numa forma popular, estudantil, jocosa.
de orador. O célebre McGuJfey's readers, de que foram publicadas nos (N.T.)
Embora este livro se ocupe principalmente da cultura oral e das
mudanças no pensamento e na expressão introduzi das pela escrita, ele
deve fazer breves considerações sobre a impressão, pois esta tanto reforça
quanto transforma os efeitos da escrita sobre o pensamento e a expressão.
Uma vez que o desvio da fala para a escrita constitui essencialmente um
desvio do universo sonoro para o espaço visual, aqui os efeitos da
impressão no uso do espaço visual podem constituir o foco de atenção
central, embora não o único. Esse foco revela não apenas a relação entre
a impressão e a escrita, mas também a relação da impressão com a
oralidade ainda residual na escrita e na cultura tipográfica inicial. Além
disso, embora todos os efeitos da impressão não se reduzam a seus efeitos
sobre o uso do espaço visual, muitos dos outros efeitos decididamente se
relacionam a esse uso de várias maneiras.
Em um trabalho deste alcance, não há nem mesmo como enumerar
todos os efeitos da impressão. Até mesmo uma leitura superficial dos dois
volumes de Elizabeth Eisenstein, Ibe printing press as an agent of change
[A prensa tipográfica como agente de mudança] (1979), torna extrema-
mente evidente como os efeitos específicos da impressão têm sido impressão de caracteres tipográficos alfabéticos, na qual cada letra era
diversificados e imensos. Eisenstein explica em detalhes como a impres- gravada em uma peça separada de metal, assinalou uma ruptura psicoló-
são fez da Renascença italiana uma Renascença européia permanente, gica de primeira ordem. Ela embutiu profundamente a própria palavra no
como ela implementou a Reforma protestante e reorientou a prática processo de manufatura e transformou-a em uma espécie de produto. A
religiosa católica, como afetou o desenvolvimento do capitalismo moder- primeira linha de montagem, uma técnica de manufatura que, em uma
no, implementou a exploração européia do planeta, mudou a vida em série de etapas fixas, produz objetos complexos idênticos compostos de
fanúlia e a política, difundiu o conhecimento como nunca antes, tornou partes substituíveis, não era do tipo que produz fogões, sapatos ou armas,
a cultura escrita universal um objetivo sério, permitiu a ascensão das mas de um tipo que produzia o livro impresso. Em fins de 1700, a
ciências modernas e, por outro lado, alterou a vida social e intelectual. revolução industrial aplicou à outra manufatura as técnicas de substituição
Em 1be Gutenberg galaxy [A galáxia de Gutenberg] (962) e Under- de partes com que os impressores haviam trabalhado durante 300 anos.
standing media [Entendendo a mídia] (964), Marshall MCLuhan chamou Apesar das afirmações de muitos semiólogos estruturalistas, foi a impres-
a atenção para muitos dos modos mais sutis pelos quais a impressão são, e não a escrita, que realmente reificou a palavra e, com ela, a
afetou a consciência, como George Steiner também fez em Language and atividade noética (Ong 1958b, pp. 306-318).
silence [Linguagem e silêncio] (1967) e como tentei fazer em outros A audição, mais do que a visão, dominara o antigo mundo
trabalhos (Ong 1958b; 1967b; 1971; 1977). Esses efeitos mais sutis da noético de maneira significativa, até mesmo muito depois que a escrita
impressão sobre a consciência, mais do que os efeitos sociais imediata-
estivesse profundamente interiorizada. A cultura manuscrita no Ociden-
mente observáveis, são nossa preocupação aqui.
te permaneceu sempre marginalmente oral. Ambrósio de Milão captou
Durante milhares de anos, os seres humanos vêm imprimindo o espírito anterior em seu Comentário sobre Lucas (iv. 5); "A visão é
desenhos em superfícies gravadas de diferentes maneiras, e desde o muitas vezes enganadora, a audição serve como garantia." No Ocidente,
século VII ou VIII, chineses, coreanos e japoneses imprimem textos durante a Renascença, a oração foi a mais ensinada de todas as
verbais, inicialmente em blocos de madeira gravados em relevo (Carter produções verbais e permaneceu implicitamente o paradigma básico de
1955). Porém, o desenvolvimento crucial na história global da impressão todo discurso, tanto escrito quanto oral. O material escrito era subsidiá-
foi a invenção da impressão de caracteres alfabéticos tipográficos na rio da audição de maneiras que nos parecem hoje estranhas. A escrita
Europa do século XV. A escrita alfabética fragmentara a palavra em servia em geral para reciclar o conhecimento, embebendo-o novamente
equivalentes espaciais de unidades fonológicas (em princípio, embora as no mundo oral, como nos debates universitários medievais, na leitura
letras nunca resultassem em indicadores totalmente fonológicos). Mas as de textos literários e de outros textos para grupos (Crosby 1936; Ahern
letras usadas na escrita não existem anteriormente ao texto em que 1981; Nelson 1976-1977) e na leitura em voz alta até mesmo quando se
OCorrem. Com o caractere tipográfico não é assim. As palavras são estava lendo para si próprio. Pelo menos até o século XII na Inglaterra,
compostas de unidades (tipos) que preexistem, como unidades, às a verificação de cálculos financeiros escritos ainda era feita auricular-
palavras que irão constituir. A impressão sugere que as palavras são mente, fazendo-se com que fossem lidos em voz alta. Clanchy 0979,
coisas, muito mais do que a escrita jamais fizera.
pp. 215, 183) descreve a prática e chama a atenção para o fato de que
Como o alfabeto, a impressão de caracteres tipográficos alfabéticos ela ainda está inscrita em nosso vocabulário: ainda hoje falamos de
foi inventada uma só vez (Ong 1967b, e referências lá citadas). Os "auditoria", isto é, de "ouvir" livros de contabilidade, embora o que um
chineses tinham tipos móveis, mas não o alfabeto, apenas caracteres contador realmente faça atualmente seja um exame visual. Anteriormen-
basicamente pictográficos. Antes de meados de 1400, os coreanos e os te, os povos residualmente orais podiam entender melhor até mesmo
turcos uigur tinham tanto o alfabeto quanto o tipo móvel, porém os tipos os números ouvindo, e não olhando.
móveis não portavam caracteres separados, e, sim, palavras inteiras. A
As culturas manuscritas permaneceram em geral oral-auriculares
até mesmo na recuperação de material preservado em textos. Os manus-
critos não eram fáceis de ler segundo padrões tipográficos posteriores, e
o que os leitores encontravam em manuscritos tendiam a confiar pelo
menos de certo modo à memória. Localizar novamente um material em
um manuscrito nem sempre era fácil. A memorização era encorajada e
facilitada também pelo fato de que, em culturas manuscritas altamente
orais, a verbalização que se encontrava até mesmo em textos escritos
conservava a padronização mnemânica que levava à recordação imediata.
Além disso, os leitores comumente vocalizavam, liam lentamente em voz
alta ou solto voce mesmo quando sozinhos, e isso também auxiliava a fixar
o material na memória.

Muito depois do desenvolvimento da impressão, o processamento


auditivo continuou durante algum tempo a dominar o texto visível,
impresso, embora ele fosse finalmente desgastado pela impressão. A
predominância da audição pode ser vista de modo notável em coisas
como as primeiras páginas de rosto impressas, que muitas vezes nos
parecem extremamente erráticas em sua desatenção às unidades visuais.
As páginas de rosto do século XVI, em sua grande maioria, comumente
dividem até mesmo palavras capitais, incluindo o nome do autor, com
hífens, apresentando a primeira parte de uma palavra em uma linha em
tipo grande e a última parte em tipo menor, como na edição de 7be boke que a época inicial da impressão ainda a sentia como um processo
named the gouernour [O livro chamado o Governadon, de sir Thomas acústico, meramente posto em movimento pela visão. Se nos percebês-
Elyot, publicado em Londres por Thomas Berthelet em 1534 (figura 1; ver semos como leitores que ouvem palavras, que diferença faria se o texto
Steinberg 1974, p. 154). Palavras sem importância podem ser vistas em visível permanecesse em sua condição visualmente estética? Devemos
caracteres enormes: na página de rosto mostrada aqui, o "the" inicial é,
lembrar que os manuscritos anteriores à impressão comumente grafavam
de longe, a palavra mais proeminente. O resultado é muitas vezes
as palavras juntas ou mantinham espaços mínimos entre elas.
esteticamente agradável como objeto visual, mas destrói nosso sentido
atual de textualidade. No entanto, essa prática, e não a nossa, constitui a Finalmente, contudo, a impressão substituiu a prolongada predo-
original, da qual a presente se desviou. Nossas atitudes é que mudaram, minância da audição no mundo do pensamento e da expressão pelo
e de uma forma que deve ser explicada. Por que o procedimento original, predomínio da visão, que se iniciara com a escrita, mas não podia se
presumivelmente mais "natural", parece errado? Porque sentimos as desenvolver apenas com o apoio da escrita. A impressão situa as palavras
palavras impressas diante de nós como unidades visuais (não obstante as no espaço de maneira muito mais inexorável do que a escrita jamais
vocalizemos pelo menos na imaginação quando lemos). Evidentemente, fizera. A escrita move as palavras do mundo do som para um mundo do
ao processar o texto em busca de sentido, o século XVI estava se espaço visual, mas a impressão encerra as palavras em uma posição nesse
concentrando menos na visão da palavra e mais em seu som, diferente- espaço. O controle da posição é tudo na impressão. "Compor" o caractere
mente do que fazemos. Todo texto envolve a visão e o som. Mas sentimos manualmente (a forma original de composição tipográfica consiste em
a leitura como uma atividade visual que fornece pistas sonoras, ao passo
posicionar manualmente caracteres tipográficos pré-formados, que, de- destinada à impressão muitas vezes requer revisões exaustivas pelo autor,
pois de usados, são cuidadosamente reposicionados, redistribuídos para de uma magnitude virtualmente desconhecida em uma cultura manuscri-
utilização futura em seus próprios compartimentos (letras maiúsculas ou ta. Poucas obras longas em prosa das culturas manuscritas podiam passar
"caixa alta" nos compartimentos superiores e letras minúsculas ou "caixa por um escrutínio editorial como as obras originais hoje passam: elas não
baixa" nos compartimentos inferiores). A composição no linotipo consiste estão organizadas para uma rápida assimilação com base na página
em usar uma máquina para posicionar as matrizes separadas em linhas impressa. A cultura manuscrita é orientada para o produtor, uma vez que
individuais de modo que uma linha de tipo pode ser moldada com base cada cópia individual de uma obra representa um grande dispêndio de
nas matrizes adequadamente posicionadas. A composição em um termi- tempo por parte de um copista individualmente. Os manuscritos medie-
nal de computador ou processador de textos posiciona os padrões vais estão cheios de abreviações, que beneficiam o copista, embora sejam
eletrônicos (letras) previamente programados no computador. A impres- incômodas para o leitor. A impressão é orientada para o consumidor, uma
são com caractere "a quente" (isto é, com caractere gravado - o mais vez que as cópias individuais de uma obra representam um investimento
antigo dos processos, ainda amplamente usado) requer o encerramento muito menor de tempo: umas poucas horas gastas na produção de um
do tipo em uma posição absolutamente rígida na caixa, encerrando a texto mais legível imediatamente aperfeiçoará milhares e milhares de
caixa firmemente em uma prensa, afixando e apertando a forma na prensa cópias. Os efeitos da impressão sobre o pensamento e o estilo ainda estão
e pressionando a forma do tipo fortemente na superfície do papel em por ser detalhadamente examinados. A revista Visible Language (inicial-
contato com a mesa de prensa. mente chamada journal ofTypographic Research) publica muitos artigos
A maioria dos leitores obviamente não está consciente de toda essa que contribuem para esse exame.
locomoção que produziu o texto impresso. Não obstante, da aparência
do texto impresso, os leitores captam uma sensação da palavra-no-espaço
muito diferente daquela comunicada pela escrita. Os textos impressos
parecem feitos à máquina, como de fato são. O controle quirográfico do
espaço tende a ser ornamental, enfeitado, como na caligrafia. O controle A escrita reconstituíra a palavra originalmente oral, falada, no
tipográfico, caracteristicamente, impressiona mais por sua nitidez e inevi- espaço visual. A impressão encerrou a palavra no espaço de modo mais
tabilidade: as linhas perfeitamente regulares, todas alinhadas à direita, definitivo. Podemos ver isso em desenvolvimentos como as listas, espe-
cada coisa surgindo de modo visualmente uniforme e sem a ajuda de cialmente os índices alfabéticos, no uso das palavras (em vez de signos
linhas-mestras ou bordas traçadas à régua, como muitas vezes ocorre em iconográficos) para rótulos, no uso de desenhos impressos de todos os
manuscritos. Esse é um mundo que insiste em fatos frios, não humanos. tipos para veicular informações e no uso de espaço tipográfico abstrato
"É assim que as coisas são" - a vinheta televisiva de Walter Cronkite para interagir geometricamente com palavras impressas, em uma linha de
provém do mundo da impressão, que subjaz à oralidade secundária da desenvolvimento que vai desde o ramismo até a poesia concreta e a
televisão (Ong 1971, pp. 284-303). logomaquia do texto (caracteristicamente impresso, e não simplesmente
De um modo geral, os textos impressos são muito mais fáceis de escrito) de Derrida.
ler do que os manuscritos. Os efeitos da maior legibilidade da impressão
são enormes. A maior legibilidade, em última análise, favorece a leitura
rápida, silenciosa. Essa leitura, por sua vez, favorece uma relação diferen-
te entre o leitor e a voz autoral do texto e requer diferentes estilos de As listas começam com a escrita. Goody 0977, pp. 74-111) discutiu
escrita. A impressão envolve muitas pessoas além do autor na produção o uso de listas no registro ugarítico por volta de 1300 a.c. e em outros
de uma obra - editores, agentes literários, leitores de editoras, revisores registros antigos. Ele observa 0977, pp. 87-88) que a informação das listas
e outros. Tanto antes como depois do escrutínio de tais pessoas, a escrita está abstraída da situação social na qual estivera encerrada ("garotos
gordos", "ovelhas apascentadas" etc., sem quaisquer outras especifica-
ções) e também do contexto lingüístico (normalmente, na enunciação um texto manuscrito, os signos pictóricos eram muitas vezes preferidos aos
oral, os nomes não existem "flutuando" livremente como em listas, mas índices alfabéticos. Um signo favorito era o "parágrafo", que originalmente
são encaixados em sentenças: raramente se ouve uma recitação oral de significava a marca 9[, e não uma unidade do discurso. Os índices alfabéticos
uma mera cadeia de nomes - a menos que estejam sendo lidos a partir ocorriam, mas eram raros, muitas vezes toscos e comumente não entendi-
de uma lista escrita ou impressa). Nesse sentido, as listas como tais "não dos, mesmo na Europa do século XIII, quando por vezes um índice feito
possuem equivalente oral" 0977, pp. 86-87), embora obviamente as para um manuscrito era anexado, sem nenhuma mudança de página, a
palavras escritas individualmente soem ao ouvido interior para comunicar outro manuscrito com uma paginação diferente (Clanchy 1979, p. 144). Os
seus sentidos. Goody também chama a atenção para o modo ad boe índices parecem ter sido apreciados às vezes mais por sua beleza e por seu
inicialmente desajeitado, como o espaço era utilizado ao se fazer essa~ mistério do que por sua utilidade. Em 1286, um compilador genovês podia
listas, com divisores· de palavras para separar itens de números, pautas, se admirar com o catálogo alfabético que concebera, em virtude não de sua
linhas cuneiformes e linhas alongadas. Além de listas administrativas ele própria façanha, mas da "graça de Deus operando em mim" (Daly 1967, p.
discute igualmente listas de eventos, listas lexicais (as palavras' são 73). A indexação foi durante muito tempo apenas pela letra inicial - ou,
arroladas em diversas ordens, muitas vezes hierarquicamente pelo signi- antes, pelo primeiro som: por exemplo, em uma obra latina publicada em
ficado - deuses, depois famílias de deuses, em seguida servos dos deuses) 1506 em Roma, "Halyzones" é arrolada sob a letra a, uma vez que em
e onomásticas egípcias ou listas de nomes, que eram freqüentem ente italiano e em latim, na forma como essas línguas são faladas pelos italianos,
memorizadas para recitação oral. A cultura manuscrita ainda altamente a letra b não é pronunciada (discutido em Ong 1977, pp. 169-172). Aqui,
oral sentia que o ato de escrever séries de coisas preparadas para até mesmo a recuperação visual funciona auditivamente. O Specimen
recordação oral aperfeiçoava, por si mesmo, o intelecto. (Os educadores epitbetontm de Ioannes Ravisius Textor (Paris, 1518) coloca "Apoio" antes
no Ocidente, até muito recentemente, tinham a mesma sensação, assim de todas as outras entradas sob a, porque Textor considera apropriado que,
como ainda hoje a maioria dos educadores em todo o mundo.) A escrita em uma obra ligada à poesia, o deus da poesia deveria vir no alto da lista.
está aqui, novamente, a serviço da oralidade. Obviamente, até mesmo em um índice alfabético impresso, a recuperação
visual não foi prioritária. O mundo personalizado oral ainda podia rejeitar
Os exemplos de Goody mostram o processamento relativamente
o tratamento das palavras como coisas.
sofisticado do material verbalizado em culturas quirográficas, de modo a
tornar o material mais imediatamente recuperável por meio de sua organi- O índice alfabético é, na verdade, um cruzamento entre culturas
zação espacial. As listas ordenam nomes de itens relacionados no mesmo auditivas e visuais. "Índice" é uma forma abreviada do original index
espaço físico, visual. A impressão desenvolve um uso muito mais sofisticado loeorum ou index loeonnn eommunium, "índice de lugares" ou "índice
do espaço para a organização visual e para uma recuperação eficiente. de lugares-comuns". A retórica fornecera os vários loei ou "lugares" -
cabeçalhos, como os intitularíamos - sob os quais diferentes "argumen-
Os índices constituem o auge do desenvolvimento nesse aspecto. Os
tos" podiam ser encontrados, tais como causa, efeito, coisas relacionadas,
índices alfabéticos mostram de modo impressionante o desprendimento das
coisas dessemelhantes e assim por diante. Acompanhando esse equipa-
palavras do discurso e seu encerramento no espaço tipográfico. Os manus-
mento textual formular, baseado na oralidade, o indexador de 400 anos
critos podem ser alfabeticamente indexados. Raramente o são (Daly 1967,
atrás simplesmente anotou em que páginas do texto este ou aquele loeus
pp. 81-90; Clanchy 1979, pp. 28-29, 85). Uma vez que dois manuscritos de
era explorado, lá arrolando o loeus e as páginas correspondentes no
uma dada obra, ainda que copiados do mesmo ditado, quase nunca
index loeorum. Os loei havia sido originalmente considerados vagamente
correspondem página por página, cada manuscrito de uma dada obra
como "lugares" da mente onde as idéias eram armazenadas. No livro
normalmente requereria um índice separado. A indexação não valia o
impresso, esses indefinidos "lugares" psíquicos se tornaram localizados
esforço. A recordação auditiva por meio da memorização era mais econô-
de modo bastante físico e visível. Um novo mundo noético estava se
mica, embora não fosse perfeita. Para a localização visual do material em
moldando, espacialmente organizado.
Nesse novo mundo, o livro assemelhava-se menos a uma elocução páginas de rosto estampadas altamente emblemáticas que persistiram até
e mais a uma coisa. A cultura manuscrita conservara um sentimento do 1660, cheias de figuras alegóricas e outros desenhos não-verbais.
livro mais como uma espécie de elocução, uma ocorrência no curso da
conversação, do que como um objeto. Sem páginas de rosto e muitas
vezes sem título, um livro de uma cultura pré-impressão, manuscrita, é
normalmente catalogado por seu incipit (uma forma verbal latina que Ivins 0953, p. 31) chamou a atenção para o fato de que, embora a
significa "começa"), ou as primeiras palavras de seu texto (referir-se à arte de imprimir desenhos em diferentes superfícies entalhadas fosse
Oração do Senhor como "pai-nosso" é referir-se a ela por seu incipit e conhecida há séculos, apenas depois do desenvolvimento dos caracteres
prova uma certa oralidade residual). Com a impressão, como vimos, tipográficos móveis em meados de 1400 usaram-se sistematicamente as
chegam as páginas de rosto. As páginas de rosto são rótulos. Elas atestam impressões para veicular informações. Desenhos técnicos feitos à mão,
o sentimento do livro como uma espécie de coisa ou objeto. Muitas vezes, como mostrou Ivins 0953, pp. 14-16, 40-45), logo degeneraram em
nos manuscritos medievais ocidentais, em vez de uma página de rosto, o manuscritos, porque até mesmo os artistas habilidosos não entendiam a
texto podia ser introduzido por uma observação dirigida ao leitor, ilustração que estavam copiando, a menos que fossem supervisionados por
exatamente como uma conversação podia começar com uma observação um perito no campo a que as ilustrações se referiam. Do contrário, um ramo
de uma pessoa a outra: "Hic habes, carissime lector, librum quem scripset de trevo branco copiado por uma sucessão de artistas que desconheciam o
quidam de ..." (Aqui está, caríssimo leitor, um livro que fulano escreveu trevo branco real poderia terminar parecendo um aspargo. As impressões
sobre ...). A herança oral está operando aqui, pois, embora as culturas poderiam ter solucionado o problema em uma cultura manuscrita, uma vez
orais obviamente possuam meios de se referir a histórias ou outras que a impressão fora praticada durante séculos para finalidades decorativas.
recitações tradicionais (as histórias das Guerras de Tróia, as histórias de Entalhar um bloco de impressão de treva branco exato teria sido facilmente
Mwindo e assim por diante), títulos semelhantes a rótulos como esses não exeqüível muito antes da invenção da impressão com caracteres tipográfi-
funcionam muito bem em culturas orais: Homero dificilmente teria cos e teria fornecido exatamente o necessário, uma "afirmação visual
começado uma recitação de episódios da llíada anunciando "A Ilíadd'. reproduzível com precisão". Porém, a produção manuscrita não era natural
a essa manufatura. Os manuscritos eram produzidos caligraficamente, e não
com partes preexistentes. O texto verbal era reproduzido com partes
preexistentes, assim como a impressão. Uma prensa podia imprimir uma
"afirmação visual reproduzível com precisão" com tanta facilidade quanto
uma forma construída com tipo.
Uma vez bem interiorizada a impressão, o livro era percebido mais
como uma espécie de objeto que "continha" informação científica, ficcional Uma conseqüência da nova afirmação visual reproduzível foi a
ou outra do que como, anteriormente, uma elocução registrada (Ong 1958b, ciência moderna. A observação exata não começa com a ciência moderna.
p. 313). Cada livro individual em uma edição impressa era fisicamente Durante séculos, ela foi fundamental para a sobrevivência entre, por
semelhante a outro, um objeto idêntico, diferentemente dos livros manus- exemplo, caçadores e artesãos de muitos tipos. O que é distintivo da ciência
critos, mesmo quando estes apresentavam o mesmo texto. Agora, com a moderna é a conjunção de observação exata e expressão exata: descrições
impressão, duas cópias de uma dada obra não apenas diziam a mesma expressas com precisão de objetos e processos complexos cuidadosamente
coisa, eram duplicatas umas das outras, como objetos. Essa situação observados. A disponibilidade de impressões cuidadosamente realizadas,
favoreceu o uso de rótulos, e o livro impresso, sendo um objeto marcado técnicas (inicialmente, xilogravuras e, depois, gravuras em metal detalhadas
com letras, naturalmente tomou um rótulo marcado da mesma forma, a de modo ainda mais preciso), implementou essas descrições expressas com
página de rosto (nova com a impressão - Steinberg 1974, pp. 145-148). Ao precisão. As impressões técnicas e a verbalização técnica reforçaram-se e
mesmo tempo, a tendência iconográfica ainda era forte, como se vê nas aperfeiçoaram-se mutuamente. O mundo noético hipervisualizado resultan-
tabelas extremamente complexas surgem no ensino de assuntos acadêmi-
te era absolutamente novo. Os escritores antigos e medievais são simples- cos (Ong 1958b, pp. 80, 81, 202 etc.).
mente incapazes de produzir descrições expressas com precisão de objetos O espaço tipográfico age não só sobre a imaginação científica e
complexos, próximas às descrições que surgem após a impressão e, na filosófica, mas também sobre a imaginação literária, que mostra alguns dos
verdade, alcançam a maturidade principalmente na era romântica, isto é, a modos complexos pelos quais o espaço tipográfico está presente na psique.
era da Revolução Industrial. A verbalização oral e residualmente oral George Herbert explora o espaço tipográfico com vistas ao significado em
dirigem sua atenção para a ação, não para o aspecto visual de objetos, cenas seus poemas "Easter wings" e "The altar", nos quais os versos, de vários
ou pessoas (Fritschi 1981, pp. 65-66; d. Havelock 1963, pp. 61-96). O tratado comprimentos, dão aos poemas uma forma visualizada, sugerindo asas e um
de Vitrúvio sobre arquitetura é reconhecidamente vago. Os tipos de altar, respectivamente. Em manuscritos, esse tipo de estrutura visual seria
exatidão a que a longa tradição retórica visava não eram de um tipo apenas marginalmente viável. Em Tristam Shandy 0760-1767), Laurence
visual-vocal. Eisenstein 0979, p. 64) sugere como é difícil hoje imaginar Sterne usa o espaço tipográfico com extravagância calculada, incluindo em
culturas mais antigas nas quais poucas pessoas tivessem visto algum dia seu livro páginas em branco para indicar sua má vontade em tratar de um
uma imagem fisicamente exata de qualquer coisa. assunto e convidar o leitor a preenchê-Ia. O espaço aqui é o equivalente do
O novo mundo noético aberto pela afirmação visual reproduzível silêncio. Muito mais tarde, e com maior sofisticação, Stéphane MalIarmé
com precisão e a correspondente descrição verbal exata de uma realidade ordena que seu poema "Un coup de dés" seja composto com diferentes fontes
física afetaram não somente a ciência, mas também a literatura. Nenhuma e tamanhos de tipos com os versos espalhados de forma calculada nas páginas
prosa pré-romântica fornece a descrição minuciosa de paisagem enco~- em uma espécie de queda livre tipográfica, sugerindo o acaso que governa
trada nos cadernos de Gerard Manley Hopkins (937) e nenhuma poeSIa um lance de dados (o poema é reproduzido e discutido em Bruns 1974, pp.
pré-romântica procede com a atenção rigorosa, meticulosa, clínica,. e_m 115-138). O objetivo declarado de Mal1armé é "evitar a narrativa" e "espaçar"
relação aos fenômenos naturais encontrados, por exemplo, na descnçao a leitura do poema de modo que a página, com seus espaços tipográficos, e
feita por Hopkins de um riacho precipitando-se em Inversnaid. Tanto não o verso, seja a unidade do poema. O poema sem título de E.E. Cummings,
quanto a biologia evolucionista de Darwin ou a física de Michelson, essa Nº 276 0%8), sobre o gafanhoto, desintegra as palavras do texto e as espalha
espécie de poesia origina-se do mundo da impressão. irregularmente sobre a página, até que as últimas letras se juntem na palavra
final "gafanhoto" - tudo isso para sugerir o vôo errático e opticamente
vertiginoso de um gafanhoto até que ele finalmente se recomponha direta-
mente na folI1a de relva diante de nós. O espaço em branco é tão essencial
ao poema de Cummings que é totalmente impossível lê-lo em voz alta. Os
sons intuídos pelas letras devem estar presentes na imaginação, mas sua
Em virtude do fato de que a superfície visual se tornara carregada de
presença não é meramente auditiva: eles interagem com o espaço visual e
significado imposto e de que a impressão controlara não apenas quais
cinesteticamente percebido que os circunda.
palavras seriam escritas para formar um texto, mas também a posição exata
das palavras na página e a relação espacial de umas com as outras, o próprio De certo modo, a poesia concreta (Solt 1970) leva a um clímax a
espaço em uma folha impressa - "espaço em branco", como é chamado- interação entre palavras sonoras e espaço tipográfico. Ela apresenta
adquiriu um significado importante, que leva diretamente ao mundo disposições visuais de letras e/ou palavras requintadamente complicadas
moderno e pós-moderno. As listas e as tabelas manuscritas, discutidas por ou requintadamente descomplicadas - palavras e letras das quais algumas
Goody 0977, p. 74-111), podem situar as palavras em relações mutuamente podem ser vistas, mas não lidas em voz alta, mas das quais nenhuma pode
específicas, mas, se as relações espaciais forem extremamente complicadas, ser apropriada sem alguma consciência do som verbal. Até mesmo
as complicações não sobreviverão aos caprichos de copistas sucessivos. A quando a poesia concreta não pode ser lida, ela ainda não consiste em
impressão pode reproduzir com total exatidão e em qualquer quantidade mera imagem. A poesia concreta é um gênero menor, muitas vezes mera
listas e tabelas infinitamente complexas. Já no início da era da impressão,
curiosidade - um fato que, por isso mesmo, torna necessário explicar a A impressão estabeleceu o clima em que nasceram os dicionários.
Desde suas origens no século XVIII até poucas décadas atrás, os dicioná-
tendência a produzi-Ia.
rios de inglês tomaram como norma para a língua apenas o uso de
Hartman (1981, p. 35) propôs uma conexão entre a poesia concreta
escritores que produziram textos para impressão (e não exatamente
e a contínua logomaquia do texto, de Jacques Derrida. A ligação é
to~os). ~ uso de todos os outros, se ele se desvia desse uso tipográfico,
certamente real e merece uma atenção maior. A poesia concreta joga com
fOI consIderado "corrompido". O Webster's 1bird New International
a dialética da palavra encerrada no espaço por oposição à palavra sonora,
n.í~tiOnary (961) foi a primeira grande obra lexicográfica a romper
oral, que nunca pode ser encerrada no espaço (todo texto é pretexto),
mtldamente com essa velha convenção tipográfica e citar como fontes
isto é, ela joga com as limitações absolutas da textualidade que, parado-
para o uso pessoas que não escreveram para imprimir - e, obviamente,
xalmente, revelam as limitações construídas da palavra falada também. É
muitas pessoas, formadas na velha ideologia, imediatamente expressaram
esse o território de Derrida, embora ele se mova nele a sua própria
por escrito ser essa impressionante realização lexicográfica (Dykema
maneira. A poesia concreta não é produto da escrita, mas da impressão,
1963) uma traição à língua "verdadeira" ou "pura".
como se viu. A desconstrução está antes atada à tipografia do que, como
ela muitas vezes parece afirmar, meramente à escrita. A impressão constitui também um fator importante da percepção da
privacidade pessoal que marca a sociedade moderna. Ela produziu livros
menores e mais portáteis do que os que eram comuns na cultura manuscrita
preparando psicologicamente o cenário para a leitura solitária em um cant~
tranqüilo e eventualmente para uma leitura completamente silenciosa. Na
cultura manuscrita e, portanto, na cultura inicial da impressão, a leitura
tendera a ser uma atividade social, uma pessoa lendo para outras em um
Podemos arrolar indefinidamente efeitos adicionais, mais ou me- grupo. Como sugeriu Steiner 0967, p. 383), a leitura privada requer um lar
nos diretos, que a impressão teve sobre a economia noética ou sobre a espaçoso o bastante para proporcionar um isolamento individual e tranqüi-
"mentalidade" do Ocidente. A impressão finalmente tirou a antiga arte da lo. (Os professores de crianças de áreas pobres, hoje, possuem uma
retórica (fundada na oralidade) do centro da educação acadêmica. Ela consciência aguda de que, muitas vezes, o maior motivo para um desem-
estimulou e tornou possível em grande escala a quantificação do conhe- penho medíocre é que não há nenhum lugar em uma casa cheia de gente
cimento, tanto pelo uso da análise matemática quanto pelo uso de onde um menino ou uma menina possam estudar com proveito.)
diagramas e tabelas. A impressão diminuiu, por fim, o atrativo da
A impressão criou uma nova percepção da propriedade privada
iconografia no tratamento do conhecimento, a despeito do fato de que as das palavras. As pessoas em uma cultura oral primária podem nutrir
épocas iniciais da impressão tenham posto em circulação ilustrações
algum senso de direito de propriedade sobre um poema, mas essa
iconográficas de um modo nunca visto antes. As imagens iconográficas
percepção é rara e geralmente enfraquecida pela partilha comum de
são afins aos personagens "fortes" ou típiCOSdo discurso oral e estão
conhecimento, fórmulas e temas dos quais todos se servem. Com a escrita
associadas à retórica e às artes da memória de que o tratamento oral do
o ressentimento contra o plágio começa a se desenvolver. O antigo poet~
conhecimento necessita (Yates 1966). latino Marcial (i.53.9) usa a palavra plagíarius, "torturador", "saqueador",
A impressão produziu dicionários exaustivos e alimentou o desejo "opressor", para alguém que se apropria do escrito de um outro. Porém,
de legislar sobre a "correção" da linguagem. Esse desejo em grande parte não existe nenhuma palavra latina especial com o Significado exclusivo
nasceu de uma percepção da linguagem baseada no estudo do latim de "plagiador" ou "plágio". A tradição oral do lugar-comum ainda era
culto. As línguas cultas textualizam a idéia de linguagem, fazendo-a forte. Exatamente na época inicial da impressão, contudo, freqüentemen-
parecer estar radicada em algo escrito. O texto impresso, não o escrito, é te se obtinha um decreto real ou prívílegíum, que proibia a reimpressão
o texto em sua forma mais plena, paradigmática. de um livro por outros que não o editor original. Richard Pynson firmou
um tal privilegium em 1518, obtido de Henrique VIII. Em 1557, foi
formada em Londres a Stationer's Company, para vigiar os direitos de aspecto visual e a mesma consistência física. A correspondência verbal de
autores e editores tipográficos, e, por volta do século XVIII, as modernas cópias da mesma impressão pode ser verifica da sem nenhum recurso ao
leis de direitos autorais estavam tomando forma por toda a Europa som, mas simplesmente pela visão: um verificador Hinman irá sobrepor
Ocidental. A tipografia tornou a palavra um bem material. O velho mundo páginas correspondentes de duas cópias de um texto e assinalar variações
comunal oral fragmentara-se em propriedades livres privadamente reivin- para o examinador com uma luz intermitente.
dicadas. O impulso da consciência humana para um maior individualismo
O texto impresso deve representar as palavras de um autor de forma
foi bem servido pela impressão. Evidentemente, as palavras não eram
definitiva ou "final", pois a impressão é satisfatória somente com uma
exatamente propriedades privadas. Elas ainda constituíam propriedade
conclusão. Uma vez fechada, lacrada, uma forma de caracteres tipográficos,
compartilhadas até certo ponto. Os livros impressos repetiram uns os
ou feita uma chapa litográfica e a folha impressa, o texto não comporta
outros, de bom ou mau grado. No começo da era eletrônica, Joyce
mudanças (rasuras, inserções) tão prontamente quanto os textos escritos.
enfrentou as angústias da influência de modo direto e em Ulisses e
Ao contrário, os manuscritos, com seus escólios ou comentários marginais
Finnegan 's wake tentou repetir todo mundo de propósito.
(que muitas vezes foram introduzidos no texto em cópias subseqüentes),
A impressão, ao retirar as palavras do mundo do som no qual haviam dialogavam com o mundo exterior a suas próprias fronteiras. Permaneciam
primeiramente se originado num intercâmbio humano ativo e ao bani-Ias mais próximos do toma-Iá-dá-cá da expressão oral. Os leitores de manus-
definitivamente para a superfície visual, e, por outro lado, ao explorar o critos estão menos fechados ao autor, menos ausentes, do que os leitores
espaço visual para o tratamento do conhecimento, encorajou os seres dos escritos destinados à impressão. A sensação de fechamento ou de
humanos a julgar seus próprios recursos interiores, conscientes ou incons- completude imposta pela impressão é por vezes flagrantemente física. As
cientes, como cada vez mais semelhantes a coisas, impessoais e religiosa- páginas de um jornal são normalmente cheias - certos tipos de material
mente neutros. A impressão encorajou a mente a entender que seus bens impresso são chamados de "tapa-buracos" -, exatamente como suas linhas
estavam confinados em alguma espécie de espaço mental inerte. são normalmente todas justificadas Cisto é, todas exatamente da mesma
largura). A impressão é singularmente intolerante em relação à incompletu-
de física. Ela pode dar a impressão, sem que o queira e sutilmente, mas de
um modo muito real, de que o material do qual o texto trata é analogamente
completo ou coerente em si mesmo.
A impressão favorece uma sensação de fechamento, uma sensação
de que o que se encontra em um texto foi finalizado, atingiu um estado A impressão contribui para formas artísticas verbais mais estreita-
de completude. Esse sentimento afeta as criações literárias, assim como a mente fechadas, especialmente na narrativa. Até a impressão, o único fio
obra analítico-filosófica ou científica. de história longa linearmente traçado era o do drama, que, desde a
Antiguidade, fora controlado pela escrita. As tragédias de Eurípedes eram
Antes da impressão, a própria escrita favorecia uma sensação de
textos compostos por escrito e então memorizados palavra por palavra
fechamento noético. Ao isolar o pensamento em uma superfície escrita,
para ser apresentados oralmente. Com a impressão, o enredo cerrado é
separada de qualquer interlocutor, produzindo uma enunciação, nesse
transportado para a narrativa longa, no romance a partir da época de Jane
sentido, autônomo e indiferente a ataques, a escrita apresenta a enuncia-
Austen, e alcança seu auge nas histórias de detetive. Essas formas serão
ção e o pensamento como livres de tudo o mais, de algum modo discutidas no próximo capítulo.
auto-encerrados, completos. A impressão, do mesmo modo, situa a
enunciação e o pensamento livres de tudo o mais, porém vai ainda mais Na teoria literária, a impressão dá origem, finalmente, ao Formalis-
longe na sugestão de auto-encerramento. A impressão encerra o pensa- mo e à Nova Crítica, com sua profunda convicção de que cada obra de
mento em milhares de cópias de uma obra com exatamente o mesmo arte verbal está encerrada em um mundo próprio, um "ícone verbal".
Significativamente, um ícone é algo visto - não ouvido. A cultura manus-
um determinado tema acadêmico. Os catecismos e os manuais apresen-
crita sentia que as obras de arte verbais estavam em contato mais estreito
tavam "fatos" ou seus equivalentes: afirmações categóricas, memorizáveis
com o mundo oral e nunca fazia uma distinção muito convincente entre
que diziam sem maiores rodeios e de modo abrangente como se ordena~
poesia e retórica. Falaremos mais sobre o Formalismo e a Nova Crítica
vam a~ ,ma~érias em um dado campo. Ao contrário, as afirmações
também no próximo capítulo.
memonzavels das culturas orais e das culturas manuscritas residualmente
A impressão igualmente dá origem à moderna questão da intertex- orais tendiam a ser de tipo proverbial, apresentando não tanto "fatos"
tualidade, que é um conceito tão fundamental nos círculos fenomenológi- quanto reflexões, muitas vezes de um tipo gnômico, convidando a outras
cos e críticos atualmente (Hawkes 1977, p. 144). A intertextualidade reflexões em virtude dos paradoxos envolvidos.
refere-se a um lugar-comum literário e psicológico: um texto não pode ser
Peter Ramus 0515-1572) criou os paradigmas do gênero manual:
criado com base na experiência vivida. Um romancista escreve um romance
ma~~al para ~irtualmente todos os assuntos de arte (dialética ou lógica,
porque esse tipo de organização textual da experiência lhe é familiar.
r~tonca, gramatica, aritmética etc.), que adotavam definições e divisões
A cultura manuscrita tomou como certa a textualidade. Ainda atada fnas que ~e~avam a outras tantas definições e mais divisões, até que cada
à tradição comum do mundo oral, ela deliberadamente criou textos de uma das ultimas partes do assunto tivesse sido disseca da e ordenada. Um
outros textos, tomando-os emprestado, adaptando-os, partilhando as manual ramista sobre um determinado tema não reconhecia nenhuma
fórmulas e os temas comuns, originalmente orais, não obstante os c?nexão ~om qu~l~uer coisa que lhe fosse exterior. Nem mesmo apare-
elaborasse em formas literárias novas, impossíveis antes da escrita. A Clam quaisquer difIculdades ou "adversários". Uma matéria curricular ou
cultura impressa, por sua vez, possui um arcabouço mental diferente. Ela "arte", quando apresentada adequadamente, segundo o método ramista
tende a perceber uma obra como "fechada", separada das outras obras, não envolvia quaisquer dificuldades (assim sustentavam os ramistas): s~
uma unidade em si mesma. A cultura impressa deu origem às noções se definisse e dividisse da maneira apropriada, tudo na arte ficava claro
românticas de "originalidade" e "criatividade", que separaram mais ainda e. ~ própria arte estava completa e independente. Ramus relegara as
uma obra individual das outras obras, vendo suas origens e seus signifi- dIfIculdades e as refutações de adversários a "conferências" (scholae)
cados como independentes da influência exterior, ao menos de um ponto separadas sobre dialética, retórica, gramática, aritmética e tudo o mais.
de vista ideal. Quando, nas últimas décadas, surgiram doutrinas da Essas conferências ficavam fora da "arte" encerrada em si. Além disso, em
intertextualidade para se contrapor à estética isolacionista de uma cultura cada um dos manuais ramistas, o material podia ser apresentado em
romântica impressa, elas se tornaram uma espécie de choque. Eram ainda esquemas ou mapas dicotomizados e impressos que mostravam exata-
mais perturbadoras pelo fato de que os escritores modernos, angustian- mente como o material era organizado espacialmente, em si mesmo e na
temente conscientes da história literária e da intertextualidade defacto de mente. Cada arte era, em si mesma, inteiramente separada de qualquer
suas próprias obras, preocupam-se com o fato de que possam não estar outra, como casas com espaços abertos intercalados são separadas umas
produzindo nada de realmente novo ou diferente, que possam estar das outras, embora as artes estivessem misturadas quando em "uso" - isto
inteiramente sob a "influência" de textos alheios. A obra de Harold Bloom, é, ao compor uma determinada passagem do discurso, usava-se simulta-
Ibe anxiety of influence [A angústia da influência] (973), trata dessa neamente lógica, gramática, retórica e talvez outras artes também (Ong
angústia do escritor moderno. Nas culturas manuscritas, poucas dessas 1958b, pp.30-31, 225-269, 280).
angústias acerca da influência - se é que existiam - atormentavam os . ~m correlato para a sensação de fechamento alimentada pela
escritores, e nas culturas orais não havia praticamente nenhuma. Impressao era o ponto de vista fixo, que, como apontou Marshall
MCLuhan 0962, pp. 126-127, 135-136), surgiu com a impressão. Com o
A impressão cria uma sensação de fechamento não apenas nas
ponto de vista fixo, era possível manter um tom fixo através de toda uma
obras literárias, mas também nas obras filosóficas e científicas. Com a
composição longa em prosa. O ponto de vista fixo e o tom fixo
impressão, surgiram o catecismo e o "manual", menos discursivos e
mostraram, em um aspecto, uma maior distância entre o escritor e o leitor
menos argumentativos do que a maioria das apresentações anteriores de
e, em outro, um maior entendimento tácito. O escritor podia seguir seu
caminho sem maiores preocupações (maior distância, ausência de preo-
cupação). Não havia necessidade de fazer de tudo uma sátira menipéia,
T da palavra ao espaço e ao movimento (eletrônico) local e otimiza a
seqüencialidade analítica ao torná-Ia virtualmente instantânea.
uma mistura de diferentes pontos de vista e inflexões para diferentes Ao mesmo tempo, com o telefone, o rádio, a televisão e diferentes
sensibilidades. O escritor podia confiar que o leitor iria se ajustar (maior tipos de registro sonoro, a tecnologia eletrônica levou-nos à era da
entendimento). Nesse momento, nasceu o "público leitor" - uma clientela "oralidade secundária". Essa nova oralidade tem semelhanças notáveis
considerável de leitores desconhecidos pessoalmente do autor, mas com a antiga em sua mística participatória, em seu favorecimento de um
capazes de lidar com certos pontos de vista mais ou menos estabelecidos. sentido comunal, em sua concentração no momento presente e até
mesmo em seu uso de fórmulas (Ong 1971, pp. 284-303; 1977, pp. 16-49,
305-341). Mas ela constitui fundamentalmente uma oralidade mais delibe-
rada e autoconsciente, baseada permanentemente no uso da escrita e da
impressão, que :São essenciais para a manufatura e a operação do
equipamento, assim como para seu uso.
A transformação eletrônica da expressão verbal tanto aprofundou
A oralidade secundária é extraordinariamente semelhante à primá-
a espacialização da palavra iniciada pela escrita e intensificada pela
ria, e ao mesmo tempo notavelmente diferente dela. Como a oralidade
impressão quanto trouxe a consciência a uma nova era de oralidade
primária, a secundária gerou um forte sentimento de grupo, pois ouvir as
secundária. Embora a relação integral entre a palavra eletronicamente
palavras faladas transforma os ouvintes em um grupo, um verdadeiro
processada e a polaridade oralidade-cultura escrita, da qual se ocupa este
público, exatamente como a leitura de textos escritos ou impressos os
livro, seja um assunto vasto demais para ser tratado de maneira completa
transforma indivíduos, faz com que eles se voltem para dentro de si.
aqui, alguns pontos precisam ser esclarecidos.
Porém, a oralidade secundária dá sentido a grupos incomensuravelmente
Não obstante o que algumas vezes se diz, os dispositivos eletrôni- mais amplos do que os da cultura oral primária - a "aldeia global" de
cos não estão eliminando os livros impressos, mas, na verdade, produzin- McLuhan. Além disso, antes da escrita, os povos orais tinham um espírito
do-os cada vez mais. As entrevistas gravadas eletronicamente produzem de grupo, porque nenhuma alternativa viável se apresentara. Em nossa
livros e artigos "falados" aos milhares, livros e artigos que nunca foram época de oralidade secundária, temos um espírito de grupo de modo
impressos antes que a gravação se tornasse possível. Assim, o novo meio autoconsciente e programático. O indivíduo sente que ele, como indiví-
reforça o velho, mas evidentemente o transforma, porque alimenta um duo, deve ser socialmente perceptivo. À diferença dos membros de uma
estilo novo, conscientemente informal, uma vez que os povos tipográficos cultura oral primária, voltados para o exteripr porque são poucas as
crêem que o intercâmbio o~al deve ser informal (os povos orais acreditam oportunidades para que se voltem para dentro de si, somos voltados para
que ele deve normalmente ser formal- Ong 1971, pp. 82-91). Além disso, o exterior porque nos voltamos para nosso interior. De modo semelhante,
como se observou anteriormente, a composição em terminais de compu- onde a oralidade primária promove a espontaneidade porque a reflexão
tador está substituindo as formas mais antigas de composição tipográfica, analítica efetuada pela escrita não está disponível, a oralidade secundária
de modo que logo virtualmente toda impressão será feita de um modo promove a espontaneidade porque, mediante a reflexão analítica, decidi-
ou de outro com a ajuda de equipamento eletrônico. E, é claro, informa- mos que a espontaneidade é benéfica. Planejamos cuidadosamente
ções de todo tipo, obtidas e/ou processadas eletronicamente, abrem nossos acontecimentos para estarmos seguros de que sejam inteiramente
caminho na impressão para a expansão do produto tipográfico. Finalmen- espontâneos.
te, o processamento e a espacialização subseqüentes da palavra, iniciados
O contraste entre a oratória no passado e no mundo de hoje
pela escrita e levados a uma nova ordem de intensidade pela impressão,
ilumina consideravelmente o que existe entre a oralidade primária e a
são ainda mais intensificados pelo computador, que aumenta a entrega
secundária. O rádio e a televisão produziram personalidades políticas
importantes na qualidade de oradores de um público mais vasto do que
jamais fora possível antes dos produtos da eletrônica moderna. Assim, de
certo modo, a oralidade conquistou seu direito mais do que até então.
T
Porém, não era essa a antiga oralidade. A oratória no velho estilo, nascida
da oralidade primária, desapareceu para sempre. Nos debates Lincoln-
Douglas de 1858, os guerreiros - pois isso é o que eles eram, clara e
verdadeiramente - defrontaram-se muitas vezes ao ar livre, durante o
verão escaldante de Illinois, diante de um público extremamente partici-
pativo de até 12 ou 15 mil pessoas (em Ottawa e Freeport, Illinois,
respectivamente - Sparks 1908, pp. 137-138, 189-190), cada um deles
falando por uma hora e meia. O primeiro orador dispôs de uma hora, o
segundo, de uma hora e meia, e o primeiro novamente de meia hora de
réplica - e tudo isso sem equipamento de amplificação. A oralidade
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primária se fez sentir no estilo agregativo, redundante, cuidadosamente
MEMÓRIA ORAL, ENREDO E CARACTERIZAÇÃO
ritmado, altamente agonístico e no intenso intercâmbio entre orador e
público. Os debatedores estavam roucos e fisicamente exaustos ao
término de cada peleja. Os debates presidenciais na televisão atualmente
estão completamente fora desse mundo oral mais antigo. O público está
ausente, invisível, inaudível. Os candidatos estão ocultos em pequenas
cabines, fazem apresentações breves e se envolvem em diálogos incisivos
uns com os outros, nos quais qualquer aresta é deliberadamente aparada.
A rnídia eletrônica não tolera uma exibição de antagonismo aberto. Não
obstante sua aparência civilizada de espontaneidade, essa rnídia é total- A mudança da oralidade para a cultura escrita inscreve-se em
mente dominada por um sentimento de fechamento que é herdeiro da muitos gêneros da arte verbal - lírica, narrativa, discurso descritivo,
impressão: uma exibição de hostilidade poderia romper o fechamento, o oratória (puramente oral, desde a oratória quirograficamente organizada
controle rigoroso. Os candidatos se conformam à psicologia da rnídia. A até a apresentação pública no estilo da televisão), teatro, obras filosóficas
mansidão elegante e letr4da é excessiva. Apenas pessoas muito mais e científicas, historiografia e biografia, para citar apenas alguns. Desses,
velhas atualmente podem se lembrar de como a oratória era quando ainda o gênero mais estudado na mudança oralidade-cultura escrita foi a
mantinha um contato vivo com suas raízes orais primárias. As outras narrativa. Será conveniente aqui examinar alguns estudos feitos sobre a
talvez ouçam mais oratória, ou pelo menos mais discursos, de personali- narrativa para propor alguns insights mais recentes proporcionados pelos
dades públicas importantes do que as pessoas ouviram comumente um estudos oralidade-cultura escrita. Ã narrativa podemos, para os objetivos
século atrás. Porém, o que elas ouvem lhes dará uma idéia muito pálida presentes, incorporar o teatro, que, embora apresente a ação sem lingua-
da velha oratória, que recua da era pré-eletrônica até dois milênios atrás gem narrativa, mesmo assim possui um enredo.
e muito mais além, ou do estilo de vida oral e das estruturas de
Obviamente, outros acontecimentos na sociedade, além da mudan-
pensamento orais de que nasceu essa oratória.
ça oralidade-cultura escrita, ajudam a determinar o desenvolvimento da
narrativa através dos tempos - mudanças na organização política, acon-
tecimentos religiosos, intercâmbios culturais e muitos outros, incluindo
acontecimentos nos outros gêneros verbais. Esse tratamento da narrativa
em outras cultura caribenhas com alguma herança africana, as histórias
não pretende reduzir toda causalidade à mudança oralidade-cultura sunjatas do antigo Mali, as histórias de Mwindo entre os niangas e assim
escrita, mas tão-somente mostrar alguns dos efeitos que essa mudança por diante. Em virtude de seu tamanho e de sua complexidade de
produz. cenários e ações, as narrativas desse tipo são muitas vezes os repositórios
A narrativa, em toda parte, constitui um gênero capital da arte mais amplos do saber de uma cultura oral.
verbal sempre presente, desde as culturas orais primárias até a alta cultura Em segundo lugar, a narrativa é particularmente importante em
escrita e o processamento eletrônico da informação. Em um certo sentido, culturas orais primárias porque pode abrigar uma grande parte do saber
a narrativa é a mais importante de todas as formas artísticas verbais, em em formas sólidas, extensas, que são razoavelmente duradouras - o que,
virtude do modo como subjaz a tantas outras formas artísticas, muitas em uma cultura oral, significa formas passíveis de repetição. Máximas,
vezes até as mais abstratas. Até mesmo por trás das abstrações da ciência enigmas, provérbios e assemelhados são evidentemente também dura-
está a narrativa das observações com base nas quais essas abstrações douros, mas, no geral, são breves. As fórmulas rituais, que podem ser
foram formuladas. Em um laboratório científico, os estudantes precisam extensas, possuem na maioria das vezes um conteúdo especializado. As
"registrar" os experimentos, isto é, precisam narrar o que fizeram e o que genealogias, que podem ser relativamente extensas, apresentam apenas
aconteceu quando o fizeram. Com base na narração, podem ser formula- informações altamente especializadas. Outra apresentação verbal extensa
das certas generalizações ou conclusões abstratas. Por trás de provérbios, em uma cultura oral primária tende a ser tópica, uma ocorrência ad hoc.
aforismos, especulações filosóficas e rituais religiosos, jaz a memória da Assim, um discurso poderia ser tão sólido e extenso quanto uma narrativa
experiência humana disposta no tempo e submetida ao tratamento importante, ou parte de uma narrativa que seria apresentada em uma
narrativo. A poesia lírica implica uma série de eventos nos quais a sessão, porém um discurso não é duradouro: não é normalmente repeti-
expressão da lírica está embutida ou à qual está relacionada. Tudo isso do. Ele se aplica a uma situação específica e, na total ausência da escrita,
para dizer que o conhecimento e o discurso nascem da experiência desaparece do cenário humano para sempre com a própria situação. A
humana e que o modo básico de processar verbalmente essa experiência lírica tende a ser breve, tópica, ou ambas. O mesmo ocorre com as outras
é explicar mais ou menos como ela nasce e existe, encaixada no fluxo formas.
temporal. Desenvolver um enredo é um modo de lidar com esse fluxo.
Em uma cultura escrita ou impressa, o texto une fisicamente tudo
o que contém e permite recuperar qualquer tipo de organização de
pensamento. Nas culturas orais primárias, nas quais não existe texto, a
narrativa serve para unir o pensamento de modo mais compacto e
permanente do que os outros gêneros.
Embora seja encontrada em todas as culturas, a narrativa é, em
certos aspectos, mais amplamente funcional nas culturas orais primárias
do que nas outras. Em primeiro lugar, em uma cultura oral primária, como
sublinhou Havelock C1978a; cf. 1963), não é possível submeter o conhe-
cimento a categorias complexas, mais ou menos cientificamente abstratas. A própria narrativa tem uma história. Scholes e Kellogg (966)
As culturas orais não podem gerar tais categorias e, assim, usam histórias estudaram e esquematizaram alguns dos modos pelos quais a narrativa
da ação humana para armazenar, orga~izar e comunicar boa parte do que ocidental evoluiu de algumas de suas origens orais até o presente, com
sabem. A grande maioria das culturas orais - senão todas - gera narrativas um atenção especial a complexos fatores sociais, psicológicos e estéticos
ou séries de narrativas notáveis, tais como as histórias das guerras troianas e outros mais. Levando em conta as complexidades de toda a história da
entre os antigos gregos, as histórias de coiotes entre diferentes populações narrativa, a presente exposição chamará a atenção apenas para algumas
nativas norte-americanas, as histórias (de aranhas) anansis em Belize e
diferenças notáveis que separam a narrativa em um cenano cultural causa primeira" da queda de Adão, "o Poema dirige-se rapidamente ao
totalmente oral da narrativa escrita, especialmente quanto ao funciona- centro das coisas".
mento da memória.
As palavras de Milton mostram que ele, desde o começo, tinha um
A retenção e a recordação do conhecimento na cultura oral controle do tema e das causas que moviam sua ação de um modo que
primária, descritas no capítulo 3, requerem estruturas e procedimentos nenhum poeta oral poderia dominar. Milton tinha em mente um enredo
noéticos de um tipo que nos é bastante estranho e muito freqüentemente altamente organizado, com começo, meio e fim (Aristóteles, Poética
desdenhado. Um dos lugares em que as estruturas e os procedimentos 1450b), em uma seqüência correspondente temporalmente à dos aconte-
mnemônicos se manifestam de modo mais extraordinário é seu efeito cimentos que estava narrando. Esse enredo, ele deliberadamente o
sobre o enredo narrativo, que, em uma cultura oral, não é exatamente o desmembrou a fim de reunir novamente suas partes em um padrão
que supomos ser caracteristicamente o enredo. As pessoas das culturas anacrônico conscientemente planejado.
escritas e tipográficas atuais geralmente julgam a narrativa conscientemen-
te inventada algo tipicamente planejado em um enredo linear progressivo, A exegese do poema épico oral por letrados, no passado, comu-
muitas vezes diagrama do como a "pirâmide de Freytag" Cistoé, um aclive mente julgou que os poetas épicos orais fizessem o mesmo, imputando-
seguido por um declive): uma ação ascendente constrói a tensão, eleva-a lhes um desvio consciente de uma organização que, na verdade, não
estava disponível sem a escrita. Essa exegese cheira ao mesmo viés
a um clímax, que consiste muitas vezes em um reconhecimento ou outro
incidente que cria uma peripeteia ou reverso da ação, e é seguida por um quirográfico evidente no termo "literatura oral". Como se julga uma
final ou desenlace - pois esse padrão de enredo linear progressivo tem apresentação oral uma variante da escrita, assim também o enredo do
sido comparado ao atar e desatar de um nó. Esse é o tipo de enredo que poema épico oral é julgado uma variante do enredo construído na escrita
Aristóteles encontra no teatro (Poética 1451b-1452b) - uma localização do teatro. Aristóteles já estava pensando assim na sua Poética 0447-
significativa para tal enredo, uma vez que o teatro grego, embora 1448a, 1451a e alhures), o que, por motivos óbvios, mostra uma melhor
apresentado oralmente, foi composto como um texto escrito e foi o compreensão do teatro, escrito e representado em sua própria cultura
primeiro gênero verbal do Ocidente - e, durante séculos, o único gênero quirográfica, do que do poema épico, produto de uma cultura oral há
muito tempo extinta.
verbal a ser inteiramente controlado pela escrita.
A antiga narrativa grega oral, o poema épico, não foi construído Na verdade, uma cultura oral não conhece um enredo linear
desse modo. Em sua Arte poética, Horácio escreve que o poeta épico progressivo extenso, do tamanho de um poema épico ou de um romance.
"acelera a ação e joga o ouvinte no meio das coisas" (vv. 148-149). Ela não pode organizar nem mesmo narrativas mais curtas da maneira
Horácio tinha em mente principalmente o descaso do poeta épico com a cuidadosa, incessantemente progressiva com que os leitores de literatura
seqüência temporal. O poeta irá relatar uma situação e apenas muito mais há 200 anos, aprenderam cada vez mais a contar - e, nas últimas décadas:
tarde explicar, muitas vezes detalhadamente, como ela surgiu. Ele prova- foram constrangidos a depreciar. Descrever a composição oral como
velmente tinha em mente também a concisão e o vigor de Homero (Brink variante de uma organização que ela não conhece e não pode conceber,
dificilmente leva a sua justa avaliação. As "coisas" em meio às quais a ação
1971, pp. 221-222): Homero quer chegar imediatamente aonde "está a
ação". Não obstante possa ser esse o caso, os poetas letrados eventual- deve iniciar nunca - salvo em trechos curtos - foram ordenadas cronolo-
mente interpretavam o in media res de Horácio como algo que tornava gicamente para construir um "enredo". A res de Horácio é um construto
o hysteron proteron obrigatório no poema épico. Assim, John Milton da cultura escrita. Não encontramos enredos lineares progressivos já
explica no "Argumento" do Livro I de Paraíso perdido que, após ter prontos nas vidas das pessoas, embora as vidas reais possam fornecer
proposto "resumidamente o tema todo" do poema e ter-se referido "à material com o qual tal enredo possa ser construído mediante a elimina-
ção brutal de tudo o que não seja uns poucos incidentes cuidadosamente
salientados. A história completa de todos os acontecimentos na vida
inteira de Otelo seria totalmente enfadonha. manobra conscientemente planejada, mas o procedimento original, natu-
ral, inevitável para um poeta oral abordar uma narrativa longa (explica-
Os poetas orais sentem uma dificuldade característica em pôr sua ções muito breves são talvez uma outra coisa). Se tomarmos o enredo
canção em movimento: a Teogonia de Hesíodo, na fronteira entre a
linear progressivo como o paradigma do enredo, o poema épico não
apresentação oral e a composição escrita, faz três tentativas para prosse-
possui enredo. O enredo estrito para a narrativa longa surge com a escrita.
guir com o mesmo material (Peabody 1975, pp. 432-433). Os poetas orais
geralmente mergulhavam o leitor in media res não em virtude de Por que razão esse enredo long.o progressivo surge apenas com
qualquer objetivo grandioso, mas porque eram forçados a isso. Não a escrita, primeiramente no teatro, no qual não existe narrador, e não
tinham nenhuma escolha, nenhuma alternativa. Tendo ouvido talvez se introduz na narrativa longa até mais de 2 mil anos mais tarde com
dezenas de cantores cantando centenas de canções de diferentes tama- os romances da época de Jane Austen? Anteriormente, os cha~ados
nhos sobre a guerra de Tróia, Homero possuía um imenso repertório de "romances" eram todos mais ou menos episódicos, embora La Princesse
episódios para alinhavar, mas sem a escrita, sem nenhum meio de de eleves de Madame de La Fayette (1678) e alguns outros o sejam
organizá-Ios em uma ordem cronológica rigorosa. Não havia uma lista dos menos do que a maioria. O enredo linear progressivo atinge uma forma
episódios nem, na ausência da escrita, absolutamente nenhuma possibi- plena na história de detetive - tensão sempre crescente, descoberta e
lidade de imaginar tal lista. Se o poeta oral tentasse prosseguir em ordem reversão requintadamente metódica, final perfeitamente esclarecido.
cronológica rigorosa, ele poderia estar certo de que, em uma dada Considera-se comumente que a história de detetive começou em 1841,
circunstância, iria abandonar este ou aquele episódio no ponto em que com Os crimes da rua Morgue de Edgar Allan Poe. Por que toda
se encaixaria cronologicamente e teria de adiá-Io. Na oportunidade narrativa longa, antes do início do século XIX, era mais ou menos
seguinte, se se lembrasse de inserir o episódio na ordem cronológica episódica - pelo que sabemos, em todo o mundo (até mesmo o The tale
correta, certamente deixaria de fora outros episódios ou os colocaria na of Genji de lady Murasaki Shikibu, em outros aspectos precoce)? Por
ordem cronológica errada. que ninguém escrevera uma metódica história de detetive antes de
1841? Algumas respostas a essas perguntas - embora, é claro, não todas
Além disso, o material em um poema épico não é o tipo de coisa
- podem ser encontradas em uma compreensão mais profunda da
que por si mesmo se preste facilmente a um enredo linear progressivo.
dinâmica da mudança oralidade-cultura escrita.
Se os episódios da llíada ou da Odisséia são reordenados em uma ordem
cronológica estrita, o todo possui uma progressão, mas não a estrutura Berkley Peabody proporcionou novas perspectivas quanto à rela-
progressiva cerrada do teatro típico. O mapa da organização da llíada ção entre memória e enredo em sua recente e extensa obra The winged
feito por Whitman (1965) propõe caixas dentro de caixas criadas pelas word: A study in the technique of ancient greek oral composition as seen
recorrências temáticas, e não a pirâmide de Freytag. principally through Hesiod's Works and Days [A palavra alada: Um estudo
sobre a técnica da antiga composição grega oral, vista principalmente
O que fazia um bom poeta épico não era o domínio de um enredo
através de Os trabalhos e os dias de Hesíodol (1975). Peabody apóia-se
linear progressivo que ele desconstruía por meio de um truque sofisticado
não somente nas obras de Parry, Lord e Havelock e outras a elas
chamado mergulhar seu ouvinte in media res. Sua excelência estava, entre
relacionadas, mas também em obras de europeus anteriores como Antoi-
outras coisas evidentemente, em primeiro lugar, na aceitação tácita do fato
ne Meillet, Theodor Bergk, Hermann Usener e Ulrich von Wilamowitz-
de que a estrutura episódica era o único modo - e o mais natural - de
Moellendorff, assim como em parte da literatura cibernética e estrutura-
imaginar uma narrativa extensa e de lidar com ela, e, em segundo, na
lista. Ele situa a psicodinâmica do epos grego na tradição indo-européia,
posse de uma enorme habilidade para lidar com flashbacks e outras
revelando conexôes estreitas entre a métrica grega e as mé~ricas védicas
técnicas episódicas. Começar no "meio das coisas" não constitui uma
avéstica e indiana e outras métricas sânscritas, e ligaçôes entre a evolução
do verso hexâmetro e os processos noéticos. O ambiente mais amplo no
qual Peabody situa suas conclusões sugere horizontes ainda mais vastos. provocando assim renovadas solicitações até que, finalmente, tenha
Muito provavelmente, o que ele tem a dizer sobre o lugar do enredo e estabelecido um relacionamento viável com seu público: "Está bem. Já
sobre questões correia tas na antiga canção narrativa grega se revelará que insistem ...") A canção oral (ou outra narrativa) é resultado da
aplicável, em diferentes aspectos, à narrativa oral em culturas de todo o interação entre o cantor, o público presente e as recordações que tem o
mundo. E de fato, em suas numerosas notas, Peabody refere-se vez por cantor de canções cantadas. Ao trabalhar com essa interação, o bardo é
outra a tradições e práticas norte-americanas nativas e outras não indo- original e criativo sobre bases muito diferentes daquelas do escritor.
européias. Uma vez que ninguém jamais cantou as canções das guerras
Em parte explicitamente e em parte implicitamente, Peabody traz troianas, por exemplo, em uma seqüência cronológica perfeita, nenhum
à luz uma certa incompatibilidade entre o enredo linear (a pirâmide de Homero poderia jamais pensar em cantá-Ias daquela maneira. Os objeti-
Freytag) e a memória oral que os estudos anteriores não foram capazes vos dos bardos não estão moldados em termos de um enredo global
de explicar. Ele evidencia que o verdadeiro "pensamento" ou conteúdo rigoroso. No moderno Zaire (então República Democrática do Congo),
do antigo epos oral grego reside antes nos padrões formulares e estróficos Candi Rureke, quando solicitado a narrar todas as histórias do herói
tradicionais lembrados, do que nas intenções conscientes do cantor em nianga Mwindo, ficou atõnito (Biebuyck e Mateene 1971, p. 14): nunca,
organizar ou dar um "enredo" à narrativa de uma certa maneira recordada protestou ele, alguém havia apresentado todos os episódios de Mwindo
(1975, pp. 172-179). "Um cantor executa não uma transmissão de suas em seqüência. Sabemos como essa apresentação foi obtida de Rureke.
próprias intenções, mas uma percepção do pensamento tradicional para Como resultado de prévias negociações com Biebuyck e Mateene, ele
seus ouvintes, e até mesmo para si próprio" (1975, p. 176). O cantor não narrou todas as histórias de Mwindo, ora em prosa, ora em verso, com
está comunicando uma "informação" no nosso sentido comum de "uma um ou outro acompanhamento coral, diante de um público (um tanto
transmissão" de dados do cantor para os ouvintes. Fundamentalmente, o variável) durante 12 dias, enquanto três escribas, dois niangas e um
cantor está recordando de um modo curiosamente público - recordando belga, registravam suas palavras. Isso não se assemelha muito a escrever
não um texto memorizado, pois não existe tal coisa, nem tampouco um romance ou um poema. A apresentação diária fatigou Rureke tanto
qualquer sucessão literal de palavras, mas os temas e as fórmulas que ele psicológica quanto fisicamente, e depois de 12 dias ele estava totalmente
ouviu outros cantores cantar. Ele os recorda sempre de um modo exausto.
diferente, recitados ou alinhavados à sua própria maneira nessa ocasião O tratamento profundo dado por Peabody à memória situa sob
específica, para esse público específico. "A canção é a recordação de uma nova luz muitas das características do pensamento e da expressão
canções cantadas" (1975, p. 216). fundados na oralidade anteriormente discutidos aqui (no capítulo 3),
O poema épico oral (e, por extensão hipotética, outras formas de particularmente em seu caráter aditivo, agregativo, em seu conservadoris-
narrativa em culturas orais) nada tem a ver com a imaginação criativa no mo, sua redundância ou copia e sua economia participativa.
sentido moderno desse termo, conforme ele é aplicado à composição Evidentemente, a narrativa trata da seqüência temporal de eventos
escrita. "Nosso próprio prazer em deliberadamente formar novos concei- e, assim, em toda narrativa existe algum tipo de enredo. Como resultado
tos, novas abstrações e novos padrões imaginativos não deve ser atribuído de uma seqüência de eventos, a situação no fim é subseqüente ao que
ao cantor tradicional" (1975, p. 216). Quando um bardo acrescenta novo era no início. Não obstante, a memória, na medida em que guia o poeta
material, ele o processa da maneira tradicional. O bardo está sempre oral, muitas vezes tem pouco a ver com a apresentação linear estrita de
envolvido em uma situação sobre a qual não possui um controle total: acontecimentos em seqüência temporal. O po,eta se deterá na descrição
essas pessoas, nessa ocasião, desejam que ele cante (1975, p. 174). do escudo do herói e perderá completamente o fio da narrativa. Na nossa
(Sabemos, pela experiência atual, como um artista, inesperadamente cultura tipográfica e eletrônica, ficamos totalmente encantados com a
pressionado por um grupo a atuar, irá normalmente de início hesitar,
escritor é estimulado a julgar sua obra como uma unidade auto-suficiente
correspondência exata entre a ordem linear de elementos no discurso e e distinta, definida pelo fechamento.
a ordem referencial, a ordem cronológica no mundo ao qual se refere o
discurso. Agrada-nos que a seqüência em relatos verbais seja exatamente Em virtude de um controle consciente crescente, o enredo desen-
paralela ao que vivenciamos ou planejamos vivenciar. Hoje, quando a volve estruturas progressivas cada vez mais compactas, em vez do velho
enredo episódico oral. O teatro grego antigo, como já se observou, foi a
narrativa abandona ou distorce esse paralelismo, como em O ano passado
em Marienbad de Robbe-Grillet ou em O jogo de amarelinha de Julio primeira arte verbal ocidental a ser totalmente controlada pela escrita. Foi
Cortázar, o efeito é claramente constrangedor: damo-nos conta da ausên- o primeiro gênero - e durante séculos o único - a possuir caracteristica-
cia do paralelismo normalmente esperado. mente uma estrutura compacta do tipo da pirâmide de Freytag. Parado-
xalmente, embora o teatro fosse apresentado oralmente, ele foi composto
A narrativa oral não está muito preocupada com o paralelismo antes da apresentação como texto escrito. É significativo que a apresen-
seqüencial exato entre a seqüência na narrativa e a seqüência em tação dramática careça de uma voz narrativa. O narra dor ocultou-se
referentes extranarrativos. Esse paralelismo se torna um objetivo central inteiramente no texto, desapareceu sob as vozes de seus personagens.
apenas quando a mente interioriza a cultura letrada. Peabody chama a Como vimos, em uma cultura oral, um narrador normal e naturalmente
atenção para o fato de que ele foi precocemente explorado por Safo e dá trabalhava em um molde episódico, e a eliminação da voz narrativa
a seus poemas sua modernidade singular, em virtude de relatar uma parece ter sido fundamental, de início, para livrar o enredo desse molde.
experiência pessoal temporalmente vivida 0975, p. 221). Evidentemente, Não devemos esquecer que a estrutura episódica constituía o modo
à época de Safo (c. 600 a.c.), a escrita já estava estruturando a psique natural de dizer um enredo longo, uma vez que a experiência da vida real
grega. é mais semelhante a um encadeamento de episódios do que a uma
pirâmide de Freytag. Uma seletividade cuidadosa produz o enredo
piramidal compacto, e essa seletividade é produzida como nunca antes o
fora pela distância que a escrita estabelece entre expressão e vida real.
Fora do teatro, na narrativa como tal, a voz original do narrador
Os efeitos da cultura escrita e, mais tarde, da impressão sobre o oral empregou diversas formas novas quando se tornou a voz silenciosa
delineamento da narrativa são grandes demais para ser tratados detalha- do escritor, à medida que o distanciamento realizado pela escrita solicitou
damente aqui. Porém, alguns dos efeitos mais gerais são esclarecidos diversas ficcionalizações do leitor e do escritor descontextualizados (Ong
quando consideramos a passagem da oralidade para a cultura escrita. 1977, pp. 53-81). Porém, até que a impressão surgisse e finalmente
Assim como a experiência em trabalhar com textos como textos traz uma produzisse seus efeitos totais, a subordinação da voz ao episódio conti-
maturidade, aquele que faz o texto, agora propriamente um "autor", nuou forte.
adquire uma sensibilidade para a expressão e para a organização excep-
A impressão, como vimos, tanto mecânica quanto psicologicamen-
cionalmente diferente daquela do artista oral diante de um público
te encerrou as palavras no espaço e conseqüentemente estabeleceu um
presente. O "autor" pode ler as histórias de outros na solidão, pode
sentimento mais forte de fechamento do que a escrita poderia fazer. O
trabalhar com base em notas, pode até mesmo esboçar uma história antes
mundo da impressão gerou o romance, que depois operou a ruptura
de escrevê-Ia. Não obstante a inspiração continue a derivar de fontes
definitiva com a estrutura episódica, embora o romance possa não ter sido
inconscientes, o escritor pode submeter a inspiração inconsciente a um
sempre organizado de modo tão compacto em uma forma progressiva
controle consciente muito maior do que o narrador oral. As palavras
quanto muitas peças de teatro. O romancista ocupava-se mais especifica-
escritas estão disponíveis para reconsideração, revisão e outros tipos de
mente de um texto e menos de ouvintes, imaginados ou reais (pois as
manipulação, até que estejam finalmente prontas para ser publicadas. Sob
o olhar do autor, o texto exibe o início, o meio e o fim, de modo que o
narrativas de aventuras em prosa eram muitas vezes escritas para ser lidas com a velha narrativa oral. O protagonista do narrador oral, caracterizado
em voz alta). Mas sua posição ainda continuava um tanto incerta. O fato por suas explorações exteriores, foi substituído pela consciência interior
de os romancistas do século XIX repetirem o "caro leitor" revela o do protagonista tipográfico.
problema de adaptação: o autor ainda tende a sentir uma audiência,
Não raro, a história de detetive mostra certa ligação direta entre
ouvintes, em algum lugar, e deve constantemente lembrar-se de que a
enredo e textualidade. Em O escaravelho de ouro (1843), Edgar Allan Poe
história não é para ouvintes, mas para leitores, cada um isolado em seu
não apenas situa a chave para a ação dentro da mente de Legrand, mas
próprio mundo. O apego de Dickens e de outros romancistas do século
também apresenta como seu equivalente externo um texto, o código
XIX à leitura declamatória de excertos de seus romances também revela
escrito que interpreta o mapa que localiza o tesouro escondido. O
a inclinação remanescente para o antigo mundo do narrador oral. Um
problema imediato que Legrand soluciona de pronto não é existencial
fantasma particularmente persistente desse mundo foi o herói itinerante,
(Onde está o tesouro?), mas textual (Como este escrito deve ser interpre-
cujas viagens serviam para reunir episódios e que sobreviveu dos roman-
tado?). Uma vez solucionado o problema textual, tudo o mais se ajusta.
ces de aventura medievais, passando por Dom Quixote de Cervantes -
E, como Thomas J. Farrell ressaltou uma vez para mim, embora o texto
que, de outro modo, seria inacreditavelmente precoce -, e chegando até
seja manuscrito, o código é em boa parte tipográfico, composto não
Defoe (Robinson Crusoé era um itinerante fracassado), o Tom fones de
somente de letras do alfabeto, mas também de sinais de pontuação, que
Fielding, as narrativas episódicas de Smollett e mesmo algumas de
são mínimos ou inexistentes em manuscritos, porém abundantes em
Dickens, como as Aventuras de Pickwick.
material impresso. Essas marcas estão ainda mais distantes do mundo oral
A narrativa estruturada piramidalmente, como se viu, alcança seu do que as letras do alfabeto: não obstante serem parte de um texto, são
auge na história de detetive, começando com Os crimes da rua Morgue impronunciáveis, não-fonológicas. A influência da impressão na maximi-
de Poe, publicado em 1841. Na história de detetive ideal, a ação zação da sensação de isolamento e fechamento é evidente. O que está
ascendente constrói inflexivelmente uma tensão quase intolerável, o dentro do texto e da mente constitui uma unidade completa, auto-sufi-
reconhecimento progressivo e a reversão liberam a tensão com uma ciente em sua lógica interna silenciosa. Posteriormente, variando esse
rapidez explosiva, e o final desfaz totalmente o emaranhado - cada mesmo tema em um tipo de história semelhante à de detetive, Henry
detalhe da história revela-se crucial e, até o clímax e o final, realmente James cria em 1be Aspern papers (1888) um misterioso personagem
enganador. As "histórias de detetive" chinesas, que começaram no século central cuja identidade completa está encerrada em um esconderijo de
XVII e alcançaram maturidade nos séculos XVIII e XIX, têm algo em suas cartas não publicadas, as quais, no fim da história, são incineradas,
comum com a narrativa de Poe, mas nunca atingiram sua concisão não lidas pelo homem que dedicara sua vida a procurá-Ias para descobrir
progressiva, misturando seus textos com "poemas longos, digressões que tipo de pessoa era Jeffrey Aspern realmente. Com os documentos, o
filosóficas e tudo o mais" (Gulik 1949, p. iii). mistério da pessoa de Aspern, na mente de seu seguidor, se esfuma. A
Os enredos das histórias de detetive são profundamente internos, textualidade se encarna nessa história de uma busca obsessiva. "A letra
na medida em que um fechamento total é geralmente realizado, em mata; o espírito vivifica" (2 Coríntios 3:6).
primeiro lugar, na mente de um dos personagens e, depois, estendido A própria reflexividade da escrita - reforçada pela lentidão do
para o leitor e os outros personagens fictícios. Sherlock Holmes já processo de escrita em comparação com a apresentação oral, assim como
imaginara tudo, integralmente, antes de qualquer outro, especialmente o pelo isolamento do escritor em comparação com o executante oral -
leitor. Isso é característico da história de detetive em comparação com a favorece o desenvolvimento da consciência com base no inconsciente.
simples história de "mistério", que não possui uma organização fechada Um escritor de história de detetive é, de um modo requintado, mais
tão meticulosa. A "inflexão interior da narrativa", na expressão de Kahler reflexivamente consciente do que os narradores épicos de Peabody, como
(1973), é exemplificada aqui com notável clareza, quando comparada evidencia a própria teoria de Edgar Allan Poe.
À medida que o discurso avança da oralidade primária para um
A escrita, como vimos, é fundamentalmente uma atividade que
controle quirográfico e tipográfico cada vez maior, o personagem plano,
aguça a consciência. A história compactamente organizada, classicamente
"forte" ou típico cede lugar a outros que se tornam cada vez mais
urdida, resulta tanto da consciência intensificada quanto a favorece, e esse
"redondos", isto é, que agem de modos à primeira vista inesperados, mas,
fato é expresso simbolicamente quando, com a chegada do enredo
no fim, coerentes em termos da estrutura e da motivação complexas de
perfeitamente piramidal na história de detetive, a ação se vê concentrada
que está dotado o personagem redondo. A complexidade de motivação
na consciência do protagonista - o detetive. Nas últimas décadas, à
e o desenvolvimento psicológico interno, com a passagem do tempo,
medida que a cultura tipográfica se transmutou na eletrônica, a história
tornam o personagem redondo semelhante a uma "pessoa real". O
de enredo compacto foi desdenhada como muito "fácil" Cistoé, demasia-
surgimento do personagem redondo, originário do romance, dependeu
do controlada pela consciência) pelo autor e pelo leitor. A literatura de
de um grande número de evoluções. Scholes e Kellogg 0966, pp.
vanguarda agora é obrigada a desfazer o enredo de suas narrativas ou a
165-177) sugerem influências como a tendência interiorizante no Velho
obscurecê-Io. Mas as histórias sem enredo da era eletrônica não consti-
Testamento e sua intensificação no Cristianismo, a tradição teatral grega,
tuem narrativas episódicas. São variações impressionísticas e agonísticas
as tradições ovidianas e agostinianas de introspecção e a interiorização
das histórias com enredo que as precederam. O enredo narrativo agora
alimentada pelos contos medievais celtas e pela tradição do amor cortês.
traz a marca permanente da escrita e da tipografia. Quando se estrutura
Mas os autores também sublinham que a ramificação dos traços de caráter
em memórias e ecos, que sugerem as primeiras narrativas orais primárias,
individuais não foi aperfeiçoada antes que surgisse o romance, com a sua
com sua forte sustentação no inconsciente (Peabody 1975), ele o faz
percepção do tempo não simplesmente como um molde, mas como um
inevitavelmente de maneira autoconsciente , caracteristicamente letrada ,
constituinte da ação humana.
como em O ciúme de Alain Robe-Grillet ou em Ulisses de ]ames ]oyce.
Todos esses desenvolvimentos são inconcebíveis em culturas orais
primárias e, na verdade, surgem em um mundo dominado pela escrita,
com sua tendência para a introspecção cuidadosamente pormenorizada
e as análises cuidadosamente construídas de estados de alma interiores e
de suas relações seqüenciais internamente estruturadas. Uma explicação
mais detalhada do surgimento do personagem "redondo" deve incluir o
À sua maneira, o leitor moderno entendeu a "caracterização" conhecimento do que a escrita e, posteriormente, a impressão fizeram
convincente na narrativa ou no drama como a produção do personagem com a velha economia noética. As primeiras aproximações que possuímos
"redondo" - para empregar o termo de E.M. Forster 0974, pp. 46-54) _, do personagem redondo estão nas tragédias gregas, o primeiro gênero
aquele que "está cercado pela imprevisibilidade da vida". Oposto ao verbal inteiramente controlado pela escrita. Elas ainda tratam fundamen-
"redondo" é o "plano", o tipo de personagem que nunca surpreende o talmente mais de líderes públicos do que de personagens comuns,
leitor; ao contrário, lhe dá o prazer de sempre cumprir suas expectativas. domésticos, que podem desabrochar no romance, mas o Édipo de
Sabemos agora que o personagem de tipo "forte" (ou "plano") deriva Sófocles e mais ainda Penteu, Agave, Ifigênia e Orestes nas tragédias de
originalmente da narrativa oral primária, que não pode oferecer persona- Eurípedes são incomparavelmente mais complexos e interiormente an-
gens de qualquer outro tipo. O personagem típico serve tanto para gustiados do que qualquer um dos personagens de Homero. Nas pers-
organizar o próprio enredo quanto para lidar com os elementos não-nar- pectivas da oralidade e da cultura escrita, aquilo com que estamos lidando
rativos que ocorrem na narrativa. Em torno de Ulisses (ou, em outras é a crescente interiorização do mundo aberto pela escrita. Watt 0967, p.
culturas, Brer Rabbit ou a aranha anansi), é possível referir-se ao 75) chama a atenção para a "internalização da consciência" e para os
conhecimento relativo à esperteza; em torno de Nestor, ao conhecimento hábitos introspectivos que produziram a tendência para o caráter humano
relativo à sabedoria e assim por diante.
já encontrado em Defoe, e os atribui à formação calvinista de Defoe. cistas do primeiro momento (Watt 1967, pp.19-2l), e até mesmo por vezes
Existe algo de claramente calvinista no modo como os personagens Jane Austen, dão aos personagens nomes que os caracterizam: Lovelace,
introspectivos de Defoe se relacionam com o mundo secular. Porém, a Heartfree, Allworthy ou Square.· As culturas posteriores, de alta tecnologia,
introspecção e a internalização cada vez maior da consciência marcam eletrônicas, ainda produzem personagens-tipos em gêneros regressivos
toda a história do ascetismo cristão, em que sua intensificação está como nos faroestes ou em contextos de franca comicidade (no sentido
claramente ligada à escrita, das Confissões de santo Agostinho à Autobio- moderno desse termo). O Jol~yGreen Giant funciona muito bem nos textos
grafia de santa Teresa de Lisieux 0873-1897). Miller e Johnson 0938, p. publicitários porque o epíteto anti-heróico jolly" adverte os adultos de que
461), citados por Watt, observam que "praticamente todo puritano letrado não devem levar a sério esse deus tardio da fertilidade. A história dos
mantinha algum tipo de diário". O advento da escrita intensificou a personagens-tipos - assim como seu complexo relacionamento com a
interioridade alimentada pelo registro. A era da impressão foi imediata- tradição oral - ainda não foi contada.
mente marcada nos círculos puritanos pela defesa da interpretação Exatamente como a história sem enredo da era da impressão
privada e individual da Bíblia, e, nos católicos, pelo surgimento da avançada ou eletrônica nasce do enredo clássico e produz seu efeito em
confissão privada freqüente dos pecados, concomitantemente a uma virtude de uma percepção de que o enredo está oculto ou ausente, assim
ênfase no exame de consciência. A influência da escrita e da impressão também, na mesma época, os personagens estranhamente vazios que
no ascetismo cristão clama por estudos. representam os estágios extremos da consciência, como em Kafka,
A escrita e a impressão, como vimos, são atividades solitárias Samuel Beckett ou Thomas Pynchon, produzem seus efeitos em virtude
(embora a leitura inicialmente, na maioria das vezes, fosse uma atividade do contraste percebido em relação a seus antecedentes, os personagens
partilhada). Elas absorvem a psique no pensamento concentrado, inte- "redondos" do romance clássico. Esses personagens da era eletrônica
riorizado, de um tipo inacessível ao povos orais. Dos mundos privados seriam inconcebíveis, não tivesse a narrativa passado por um estágio de
por elas gerados, nasceu a sensibilidade para o personagem humano personagem "redondo".
"redondo" - de motivação profundamente interiorizada, movido misterio- O desenvolvimento do personagem redondo atesta mudanças na
sa porém invariavelmente por forças interiores. Surgido primeiramente no consciência que vão além do mundo da literatura. Desde Freud, o
antigo teatro grego quirograficamente controlado, o personagem "redon- entendimento psicológico, e principalmente o psicanalítico, de toda a
do" evolui na época de Shakespeare, após a chegada da impressão, e estrutura da personalidade tomou como modelo algo semelhante ao
atinge seu auge no romance, quando, após o advento da era romântica, personagem "redondo" da ficção. Freud vê os seres humanos reais como
a impressão é mais plenamente interiorizada (Ong 1971). psicologicamente estruturados como o personagem dramático Édipo, não
como Aquiles; na verdade, como um Édipo interpretado segundo o
A escrita e a impressão não eliminam inteiramente o personagem
mundo dos romances do século XIX, mais "redondo" do que poderia ser
plano. De acordo com o princípio de que uma nova tecnologia da palavra
na antiga literatura grega. É provável que o desenvolvimento da penetra-
reforça a antiga, enquanto simultaneamente a transforma, as culturas
escritas podem na verdade gerar, em certos aspectos, a síntese de persona- ção psicológica moderna siga paralelamente ao desenvolvimento do
personagem no teatro e no romance, ambos dependentes da inflexão
gens-tipos, isto é, personagens abstratos. Estes ocorrem nas moralidades de
fms da Idade Média, que se servem de virtudes e vícios abstratos - persona- para o interior da psique, provocada pela escrita e intensificada pela
gens-tipos intensificados de um modo que somente a escrita pode fazer -, e impressão. De fato, exatamente quando a penetração psicológica procura
algum significado oculto mais profundo, obscuro, porém altamente
nas peças cômicas do século XVII, que, como no Every man in his humor
[Cada homem tem seu temperamento] ou no Volpone de Ben Jonson,
apresentam virtudes e vícios superficialmente cobertos como personagens • Respectiva e literalmente: "libertino", "livre de ligações amorosas", "nobre", "antiquado". (N.TJ
•• "Pândega". (N.T.)
em enredos mais complexos. Defoe, Richardson, Fielding e outros roman-
significativo, também romancistas, de J ane Austen a Thackeray e Flaubert,
incitam o leitor a perceber um significado mais verdadeiro sob a superfície
imperfeita ou enganadora que descrevem. A compreensão da psicologia
"profunda" era impossível anteriormente pelos mesmos motivos pelos
quais o personagem completamente "redondo" do romance do século
XIX não era possível antes de sua época. Em ambos os casos, exigia-se a
organização textual da consciência, embora evidentemente outras forças
estivessem em ação - o afastamento em relação à terapia holista da
"velha" medicina (pré-Pasteur) e a necessidade de um novo holismo· a
democratização e privatização da cultura (elas próprias resultados da
escrita e, posteriormente, da impressão); a ascensão da chamada fanulia
"nuclear" ou "família afetiva" em lugar da família extensa, organizada para
preservar a "linha" de descendência; a tecnologia avançada, que liga mais
intimamente entre si grupos maiores de pessoas, e assim por diante. 7
Mas, sejam quais forem essas outras forças que atuam por trás do ALGUNS TEOREMAS
desenvolvimento da psicologia de profundidade, uma das mais influentes
foi a nova percepção do mundo da vida humana cotidiana e da pessoa
humana provocada pela escrita e pela impressão. Personagens delineados
por epítetos não se prestam muito à crítica psicanalítica, como tampouco
os personagens delineados em uma psicologia eficiente de "virtudes" e
"vícios" concorrentes. Na medida em que a psicologia moderna e o Grande parte do estudo acerca do contraste entre oralidade e
personagem "redondo" da ficção representam para a consciência atual cultura escrita ainda está por ser feito. O que se aprendeu recentemente
como é a existência humana, a percepção desta foi desenvolvida pela sobre esse contraste continua a ampliar o entendimento não apenas do
escrita e pela impressão. Isso não implica absolutamente uma crítica da passado oral, mas também do presente, libertando nossas mentes do
percepção atual da existência humana. Muito pelo contrário. A percepção texto e colocando sob novas perspectivas boa parte daquilo com que
fenomenológica da existência em nossa época é mais rica em sua reflexão há muito tempo estamos familiarizados. Proporei aqui algumas novas
consciente e articulada do que qualquer outra que a precedeu. Porém, é perspectivas e novos modos de compreensão aparentemente mais
salutar reconhecer que essa percepção depende das tecnologias da escrita interessantes - mas somente alguns, pois é impossível abrangê-Ios
e da impressão profundamente interiorizadas e que se tornaram parte de integralmente. Apresentarei a questão na forma de teoremas, de afirma-
nossos próprios recursos psíquicos. A enorme quantidade de conheci- ções mais ou menos hipotéticas, ligadas de diversos modos ao que já
mentos históricos, psicológicos e outros mais, que podem se introduzir foi explicado neste livro sobre a ora lida de e a mudança da oralidade
na narrativa e na caracterização sofisticada atualmente, apenas poderia para a cultura escrita. Se os capítulos anteriores foram bem-sucedidos,
ser acumulada mediante o uso da escrita e da impressão (e agora da mesmo razoavelmente, o leitor deverá ser capaz de estender ainda mais
eletrônica). Porém, essas tecnologias da palavra não produzem uma mera os teoremas, assim como gerar outros e complementá-los com novas
armazenagem do que sabemos. O que sabemos delas recebe uma idéias.
natureza moldada de forma absolutamente inacessível e , na verdade , Alguns desses teoremas focalizarão principalmente os modos como
impensável em uma cultura oral. algumas das escolas atuais de interpretação literária e/ou filosóficas estão
relacionadas à mudança da oralidade para a cultura escrita. Hawkes
(1977) estudou a maioria delas. Para comodidade do leitor, sempre que antigos gregos e romanos não tiveram textos sagrados, e suas religiões
possível, serão feitas referências diretas a Hawkes, em cujo trabalho eram virtualmente desprovidas de teologia forma!), mas também pela
podem ser encontradas diversas fontes primárias. nova e estranha mistura de oralidade (debates) e textualidade (comentá-
rios sobre obras escritas) na academia medieval (HajnaI1954). É provável
que, em toda a Europa, a maioria dos escritores medievais mantivesse a
prática clássica de escrever suas obras literárias para ser lidas em voz alta
(Crosby 1936; Nelson 1976-1977; Ahern 1981). Isso contribuiu para
A história literária começou - mas apenas começou - a explorar as reforçar o estilo sempre retórico, assim como a natureza do enredo e da
possibilidades que os estudos sobre oralidade-cultura escrita lhe abrem. composição dos personagens.
Estudos importantes relataram uma grande variedade de tradições espe- A mesma prática persistiu de forma notável durante toda a Renas-
cíficas, abordando quer suas apresentações orais primárias, quer os cença. William Nelson (1976-1977, pp. 119-120) chama a atenção para a
elementos orais em seus textos literários. Foley (1980b) cita obras sobre correção feita por Alamanni em seu Giron Cortese para torná-lo mais
o mito sumério, os salmos bíblicos, as diversas produções orais da África episódico e, assim, mais apropriado à leitura em grupo, como fora o
Ocidental e Central, a literatura medieval inglesa, francesa e alemã (ver bem-sucedido Orlando de Ariosto. Nelson avança uma hipótese de que
Curschmann 1967), a bilina russa e a pregação popular americana. As o mesmo motivo obrigou sir Philip Sidney a revisar a Velha Arcádia para
listas de Haymes (1973) acrescentam estudos sobre as tradições ainu, adaptá-Ia à apresentação oral. Ele também observa (1976-1977, p. 117)
turca e ainda outras. Porém, a história literária ainda continua a pratica- que, durante a Renascença, a prática da leitura oral leva os autores a se
mente ignorar - por vezes inteiramente - os contrastes entre oralidade e exprimir "como se pessoas reais ... os estivessem ouvindo" - não como as
cultura escrita, não obstante a importância dessas oposições no desenvol- "hipóteses" a quem os autores atuais normalmente se dirigem. Daí o estilo
vimento dos gêneros, do enredo, da caracterização, das relações entre de Rabelais e de Thomas Nashe. Dos estudos de Nelson, esse é o que
escritor e leitor (ver Iser 1978) e da ligação entre a literatura e as estruturas melhor sublinha os mecanismos da oralidade e da cultura escrita na
sociais, intelectuais e psíquicas. literatura inglesa da Idade Média até o século XIX e dá a entender o
Os textos podem representar todo tipo de diferentes acomodações quanto ainda está por fazer nos estudos sobre as oposições entre
aos contrastes entre oralidade e cultura escrita. No Ocidente, a cultura oralidade e cultura escrita. Quem já avaliou o Euphues de Lyly como uma
manuscrita esteve sempre na fronteira com o oral e, até mesmo depois da obra que deve ser lida em voz alta?
impressão, a textualidade apenas gradativamente atingiu a posição que tem O movimento romântico marca o início do fim da velha retórica
hoje em culturas nas quais a leitura é predominantemente silenciosa. Ainda fundada na oralidade (Ong 1971) e, no entanto, a oralidade ressoa, ora
não admitimos inteiramente o fato de que, desde a Antiguidade até o século obstinada, ora desajeitadamente, no estilo dos primeiros escritores ame-
XVIII, muitos textos literários, mesmo quando compostos por escrito, ricanos como Hawthorne (Bayer 1980) - sem falar nos Pais Fundadores
destinavam-se comumente à recitação pública, inicialmente pelo próprio dos Estados Unidos da América - e ecoa nitidamente da historiografia, de
autor (Hadas 1954, p. 40; Nelson 1976-1977, p. 77). Ler em voz alta para a Thomas Babington Macaulay a Winston Churchill. Nesses escritores, a
familia e para outros grupos pequenos ainda era comum no início do século conceituação teatral e o estilo semi-oratório atestam a oralidade em vigor
XX, até que a cultura eletrônica reunisse as pessoas em volta do rádio e dos nas escolas britânicas. A história literária ainda está por examinar todas as
aparelhos de televisão e não de um membro real do grupo. implicações disso.
A relação da literatura medieval com a oralidade é particularmente Durante séculos, a mudança da ora lida de, passando pela escrita e
interessante, porque as pressões maiores da cultura escrita sobre a psique pela impressão, para o processamento eletrônico da palavra, afetou
medieval foram geradas não apenas pela centralidade do texto bíblico (os
artísticas verbais do passado, mas também sobre as do presente e,
profundamente e, na realidade, determinou de um modo geral a evolução
provavelmente, até mesmo sobre as do futuro.
dos gêneros artísticos verbais e, ao mesmo tempo, é claro, os sucessivos
modos de composição dos personagens e de construção do enredo. No Uma grande lacuna na nossa compreensão da influência das
Ocidente, por exemplo, o poema épico é básica e inevitavelmente uma mulheres sobre o gênero e o estilo literários poderia ser transposta ou
forma oral. Os poemas épicos escritos e impressos, os chamados poemas eliminada mediante o exame da mudança oralidade-cultura escrita-im-
épicos "artísticos", constituem imitações conscientes e arcaizantes de pressão. Em um de nossos capítulos anteriores, observamos que as
procedimentos exigidos pela psicodinâmica do modo oral de contar primeiras romancistas e escritoras de outros gêneros geralmente trabalha-
histórias - por exemplo, mergulhando já de início in media res, descrições vam fora da tradição oral, simplesmente pelo fato de que as meninas não
formulares minuciosas de armaduras e de comportamento agonístico, eram submetidas ao treinamento retórico fundado na oralidade, como o
outro desenvolvimento formular de outros temas orais. À medida que a eram os meninos. O estilo das escritoras era nitidamente menos formal-
oralidade decresce com a escrita e a impressão, o poema épico inevita- mente oral do que o dos escritores; todavia, nenhum dos estudos
velmente muda de forma, não obstante as melhores intenções e os importantes, que eu saiba, examinou as conseqüências desse fato, que
esforços do autor. O narrador da llíada e da Odisséia desaparece em meio devem certamente ser enormes. Não há dúvida de que os estilos não
às comunidades orais: ele nunca aparece como "eu". O escritor Virgílio retóricos característicos das escritoras contribuíram para tornar o romance
inicia sua Eneida com "Arma, virumque cano", "Eu canto as armas e o o que ele é: mais semelhante a uma conversação do que a uma
varão". A carta de Spenser a sir Walter Raleigh apresentando Ibe faerie apresentação de tribuna. Steiner 0967, pp. 387-389) chamou a atenção
queene mostra que ele realmente julgava estar compondo uma obra como para as origens do romance na vida ligada ao comércio. O caráter dessa
a de Homero; porém, a escrita e a impressão haviam decidido que não atividade era fundamentalmente escrito, mas sua cultura escrita era
poderia fazê-Io. Com o tempo, o poema épico perde até mesmo a vernacular, não enraizada na retórica latina. As escolas dos dissidentes,
credibilidade imaginária: suas raízes na economia noética da cultura oral que treinavam para a vida mercantil, foram as primeiras a admitir meninas
secam. O único modo de o século XVIII poder estabelecer uma relação em suas salas de aula.
séria com o poema épico é zombando dele na épica satírica, que prolifera. Diversos tipos de oralidade residual, assim como a "oralidade
Depois disso, o poema épico na verdade está morto. A continuação da escrita" da cultura oral secundária, gerados pelo rádio e pela televisão,
Odisséia por Kazantzakis constitui uma forma literária independente. estão à espera de um estudo aprofundado (Ong 1971, pp. 284-303; 1977,
Os romances de cavalaria medievais são produto da cultura quiro- pp. 53-81). Alguns dos trabalhos mais interessantes sobre os contrastes
gráfica, criações de um novo gênero escrito fortemente apoiado nos entre oralidade e cultura escrita atualmente estão sendo feitos em estudos
modos de pensamento e de expressão orais, mas que não imita conscien- sobre a literatura da África Ocidental de língua inglesa dos dias de hoje
temente formas orais mais antigas como fez a "arte" épica. As baladas (Fritschi 1981).
populares, como as baladas da Fronteira entre ingleses e escoceses Em um nível mais prático, nossa melhor compreensão da psicodi-
desenvolvem-se à margem da oralidade. O romance constitui claramente nâmica da oralidade em relação à psicodinâmica da escrita está aperfei-
um gênero da impressão, profundamente interiorizado e de forte tendên- çoando o ensino de habilidades na escrita, particularmente em culturas
cia à ironia. As atuais formas narrativas sem enredo fazem parte da era que atualmente se movem rapidamente de uma oralidade virtualmente
eletrônica, tortuosamente estruturadas em códigos enigmáticos (como total para a cultura escrita, como ocorre em muitas culturas africanas
computadores). E assim por diante. São esses alguns dos padrões globais. (Essien 1978) e em subculturas residualmente orais em sociedades nas
Qual a especificidade desses padrões, ninguém sabe ainda. Porém, seu quais predomina uma cultura totalmente escrita (Farrel1 1978a; 1978b),
estudo e sua compreensão lançarão luz não apenas sobre as formas como nas subculturas urbanas negras ou latinas nos Estados Unidos.
J-----------

Dificilmente se poderia dizer que se trata de um ícone. No fim do poema


épico, Rureke resume as mensagens da vida real que ele sente terem sido
A mudança da oralidade para a cultura escrita elucida o significado comunicadas pela história (1971, p. 144). A busca romântica da "poesia
da Nova Crítica (Hawkes 1977, pp. 151-156) como um exemplo privile- pura", alijada das preocupações da vida real, deriva da inclinação para a
giado do pensamento preso ao texto. A Nova Crítica afirmou categorica- enunciação autônoma criada pela escrita e, sobretudo, pela tendência
mente a autonomia da produção individual na arte verbal escrita. A para o enclausuramento criado pela impressão. Nada revela de modo
escrita, devemos lembrar, foi denominada "discurso autônomo" em opo- mais impressionante a ligação estreita, na maioria das vezes inconsciente,
sição à apresentação oral, que nunca é autônoma, mas sempre enraizada entre o movimento romântico e a tecnologia.
na existência não-verbal. Os Novos Críticos assimilaram a obra artística O formalismo russo, um pouco anterior (Hawkes 1977, pp. 59-73),
verbal ao mundo material visual dos textos e não ao mundo de aconteci- adotou praticamente a mesma posição que a Nova Crítica, embora as duas
mentos oral-auricular. Eles afirmaram insistentemente que o poema ou escolas tenham se desenvolvido independentemente uma da outra. Os
outras formas literárias devem ser vistos como objeto, como "ícone formalistas deram muita importância à poesia como uma linguagem "de
verbal". primeiro plano", uma linguagem que atrai a atenção para as próprias
É difícil imaginar como esse modelo visual e tátil de um poema ou palavras, em suas relações mútuas dentro da clausura que é o poema, que
de outra criação verbal se aplicaria de modo convincente a uma apresen- possui seu próprio ser, autônomo, inerente. Os formalistas minimizam ou
tação oral, que, presume-se, poderia ser um poema genuíno. O som eliminam da crítica qualquer preocupação com a "mensagem", as "fon-
resiste à redução a um "objeto" ou a um "ícone" - ele constitui um tes", a "história" do poema, ou sua relação com a biografia de seu autor.
acontecimento que se desenrola sempre no presente, como já vimos. Sem sombra de dúvida, eles estão igualmente limitados ao texto, concen-
Além disso, o divórcio entre o poema e o contexto seria difícil de imaginar tram-se exclusivamente (e na maioria das vezes irrefletidamente) nos
numa cultura oral, na qual a originalidade da obra poética consiste no poemas compostos por escrito.
modo como este cantor ou narrador se relacionam com esta audiência Dizer que os Novos Críticos e os formalistas russos foram limitados
neste momento. Embora ele seja de certa forma um acontecimento pelo texto não significa menosprezá-Ios, uma vez que estavam, de fato,
especial, distinto de outros tipos de acontecimentos, num cenário espe- lidando com poemas que eram criações escritas. Além disso, dado o
cial, seu objetivo e/ou resultado pouquíssimas vezes - quando muito - estado anterior da crítica, que se dedicara em grande parte à biografia e
são meramente estéticos: a apresentação de um poema épico oral, por à psicologia do autor, em detrimento do texto, era justificável sua ênfase
exemplo, pode igualmente funcionar ao mesmo tempo como um ato de no texto. A crítica anterior surgira de uma tradição residualmente oral,
celebração, uma paideia ou educação dos jovens, um fator de fortaleci- retórica, e na verdade era inábil no tratamento do discurso autônomo,
mento da identidade do grupo, um meio de manter vivos todos os tipos propriamente textual. Vista das perspectivas sugeri das pelos contrastes
de saber - histórico, biológico, zoológico, sociológico, venatório, náutico, entre oralidade e cultura escrita, a mudança da crítica anterior para o
religioso - e muitas coisas mais. Além disso, o narrador identifica-se formalismo e a Nova Crítica revela-se uma mudança de uma mentalidade
caracteristicamente com os personagens com os quais lida e interage residualmente oral (retórica, contextual) para outra textual-escrita (não-
livremente com sua audiência real, que, a seu turno, por suas reações, contextual). Porém, a mentalidade textual-escrita era relativamente irre-
contribui para determinar o que ele diz - a extensão e o estilo de sua fletida, pois, não obstante os textos fossem autônomos, por oposição à
narrativa. Na sua apresentação de Ibe Mwindo epic, Candi Rureke não expressão oral, basicamente nenhum texto pode se manter inde-
apenas se dirige ele próprio à audiência, mas até mesmo o herói, Mwindo, pendentemente do mundo extratextual. Todo texto se constrói sobre um
dirige-se aos escribas que estão registrando por escrito a apresentação de pretexto.
Rureke, dizendo-Ihes que se apressem (Biebuyck e Mateene 1971).
T
!

Todos os textos possuem suportes extratextuais. Roland Barthes


houvera uma "velha crítica" do inglês na academia. A crítica anterior de
(Hawkes 1977, pp. 154-155) observou que qualquer interpretação de um
obras vernáculas, embora perspicaz, era extra-acadêmica, ocasional e
texto deve mover-se para fora do texto, a fim de remetê-lo ao leitor: o
muitas vezes amadorística, pois o estudo acadêmico profissional de
texto não possui significado até que alguém o leia e, para ter sentido deve
literatura estivera anteriormente restrito ao latim e a algumas obras gregas,
ser interpretado, isto é, reportado ao mundo do leitor - o que não significa
e fundado no estudo da retórica.
ler caprichosamente ou sem nenhuma referência ao mundo do escritor.
Poderíamos descrever a situação da seguinte maneira: uma vez que um O latim, como vimos, durante mais de mil anos foi uma língua
dado tempo sempre está situado no tempo como um todo, um texto, quirograficamente controlada, e não mais uma língua materna. Não
colocado por seu autor em um determinado tempo, está ipso facto obstante estivesse ligado a uma mentalidade residualmente oral, não
relacionado a todos os tempos, o que traz implicações que somente fornecia um acesso direto ao inconsciente do tipo proporcionado por uma
podem ser reveladas com a passagem do tempo, inacessíveis à consciên- língua materna. Nessas condições, um texto literário em latim, ainda que
cia do autor ou de seus contemporâneos - embora não necessariamente complexo e eruditamente compreendido, tendia a ser opaco em compa-
ausente de seu subconsciente. A crítica marxista (da qual deriva em parte ração com um texto em língua materna, escrito com base em uma mistura
Barthes - Hawkes 1977, pp. 267-271) afirma que a auto-referência dos mais rica de elementos conscientes e inconscientes. Dada a opacidade
Novos Críticos provém do pensamento característico de uma classe social relativamente intrínseca dos textos latinos, não surpreende que o comen-
e é parasitária: ela identifica o significado "objetivo" do texto com algo tário sobre o texto devesse se desviar em certa medida do texto em si.para
que está na verdade fora dele, a saber, as interpretações que ela imagina o autor, sua psicologia, o pano de fundo histórico e todos os aspectos
serem comprovadas pela sofisticação, pela engenhosidade, pelo senso de exteriores que tanto aborreciam os defensores da Nova Crítica.
tradição e equilíbrio do que é essencialmente uma aristocracia decadente
A própria Nova Crítica, desde o início, tomou como alvo textos em
(Hawkes 1977, p. 155). A Nova Crítica, dessa perspectiva, comprovada-
língua inglesa e o fez principalmente num cenário acadêmico no qual as
mente foi mais bem-sucedida entre as classes médias parasitárias, que
discussões podiam se desenvolver numa escala mais ampla, mais cons-
aspiram a esse meio aristocrático.
tante e mais organizada do que a da crítica ocasional anterior das obras
A Nova Crítica nasceu igualmente de um outro realinhamento vernáculas. Nunca, até então, os textos haviam sofrido um escrutínio tão
importante de influências da oralidade e da cultura escrita, que ocorreu completo, em parte porque, nos anos 30 e 40, as partes recônditas da
à medida que a academia se movia de uma base de latim culto quirogra- consciência haviam sido abertas pela psicologia profunda e a psique se
ficamente controlada para uma outra, vernacular, mais livremente oral. voltara reflexivamente para si mesma como jamais fizera anteriormente,
Embora tenha havido uns poucos cursos esparsos sobre literatura inglesa mas também porque um texto no vernáculo se relacionava de maneira
nas faculdades e universidades por volta de 1850, o assunto apenas tomou diferente com o antigo mundo oral da infância da de um texto numa
um porte acadêmico considerável no início do século XX e no nível de língua que, durante mais de um milênio, nunca fora falada por alguém
graduação apenas após a Primeira Guerra Mundial (Parker 1967). Nas que não soubesse também escrevê-Ia. Os estudos de textos, que eu saiba,
universidades de Oxford e Cambridge, o estudo do inglês na graduação nunca exploraram as implicações disso (Ong 1977, pp. 22-34). As impli-
começou timidamente apenas em fins do século XIX e se tornou um cações são enormes. O estruturalismo semiótico e o desconstrucionismo,
assunto autônomo também apenas depois da Primeira Guerra Mundial de um modo geral absolutamente não tomam conhecimento de todos os
(Pouer 1937; Tillyard 1958). Nos anos 30, a Nova Crítica estava em diversos modos como os textos podem se relacionar com seu substrato
gestação - um produto secundário do novo estudo acadêmico do inglês, oral. Eles se especializam em textos marcados pelo ponto de vista
a primeira crítica vernacular importante da literatura em língua inglesa a tipográfico posterior, desenvolvido na era romântica, às vésperas da era
se desenvolver num meio acadêmico (Ong 1962, pp. 177-205). Não eletrônica (1844 marcou a demonstração bem-sucedida do telégrafo por
Morse).
T um beco sem saída, do qual apenas o narrador habilidoso pode se livrar.
Não é raro Homero ver-se em tais situações difíceis - "Homero se distrai".
A habilidade para corrigir enganos de modo elegante e fazer com que
A análise estruturalista, tal como desenvolvida por Claude Lévi-
Strauss (1970; Hawkes 1977, pp. 32-58) concentrou-se em boa parte na pareçam não ser enganos é uma das coisas que separa os cantores
narrativa oral e alcançou uma certa liberdade em relação aos preconceitos experientes dos que põem tudo a perder (Peabody 1975, pp. 235,
457-464; Lord 1960, p. 109). Os métodos de organização e de desorgani-
quirográficos e tipográficos ao subdividir a narrativa oral em termos
zação aqui não parecem ser uma questão de mero brico/age (obra do
binários abstratos, e não em termos do tipo de enredo desenvolvido na
faz-tudo, improvisação ad hoc), um termo muito apreciado na semiótica
narrativa escrita. A analogia fundamental de Lévi-Strauss para a narrativa
estruturalista, originário de Totemismo (963) e A mente se/vagem (966),
é a língua em si, com seu sistema de elementos contrastantes: fonema,
de Lévi-Strauss. Brico/age é o termo da cultura escrita para aquilo de que
morfema etc. Ele e seus numerosos seguidores geralmente deram pouca
ela própria seria acusada se produzisse um poema no estilo oral. Porém,
ou nenhuma atenção à psicodinâmica específica da expressão oral
revelada por Parry, Lord e particularmente Havelock e Peabody. Uma a organização oral não é uma organização própria à cultura escrita
formada de uma maneira improvisada. Pode haver conexões sutis, por
atenção a esses estudos teria acrescentado uma outra dimensão à análise
exemplo, na antiga narrativa grega de proveniência oral, entre a estrutura
estruturalista, que muitas vezes é acusada de ser patentemente abstrata e
do verso hexâmetro e as próprias formas do pensamento.
tendenciosa - todas as estruturas discernidas revelam-se binárias (vive-
mos na era do computador), e o binarismo é obtido pela omissão de
outros elementos, muitas vezes cruciais, que não se adaptam ao padrão
binário. Além disso, as estruturas binárias, por interessantes que sejam os
padrões abstratos formados por elas, não parecem explicar a pressão
psicológica de uma narrativa - não conseguem, assim, explicar por que
O conhecimento crescente da psicodinâmica da oralidade e da
uma história é uma história.
cultura escrita também permeia o trabalho do grupo que podemos aqui
Estudos sobre a oralidade, como esses, revelaram que a narrativa denominar "textualista", principalmente AJ. Greimas, Tzvetan Todorov,
oral nem sempre é composta de forma a admitir uma análise binária Roland Barthes, Philippe Sol1ers e ]acques Derrida, assim como Michel
estruturalista pronta, ou mesmo a análise temática rígida que Propp (968) Foucault e ]acques Lacan (Hawkes 1977). Esses críticos-filósofos, que
aplica aos contos populares. A estrutura da narrativa oral de vez em derivam em grande parte da tradição husserliana, especializam-se em
quando malogra, embora esse fato não cause embaraços a um bom textos e, na verdade, em textos escritos e principalmente nos textos
narrador, treinado em técnicas de digressão e de flashback. O "fio" tardios da era romântica - uma especialização significativa, quando se tem
narrativo direto, como evidenciou Peabody 0975, pp. 179, 235 e passim), em mente que essa era constitui reconhecidamente um marco no novo
é muito menos funcional na apresentação oral primária do que na estado de consciência associado à interiorização nítida da impressão e à
composição escrita (ou na apresentação oral por pessoas influenciadas atrofia da antiga tradição retórica (Ong 1971 e 1977). A maioria dos
pela composição escrita). A composição oral trabalha com "núcleos textualistas revela pouca preocupação com continuidades históricas (que
informativos", nos quais as fórmulas "não revelam o grau de organização constituem igualmente continuidades psicológicas). Cohen 0977, p. xxii)
que comumente associamos ao pensamento", embora os temas o façam, chamou a atenção para o fato de que a "arqueologia" de Foucault está
de certo modo (Peabody 1975, p. 179). interessada principalmente em corrigir as visões modernas, e não em
Os declamadores, particularmente - porém não exclusivamente - explicar o passado em seus próprios termos. De modo análogo, a
os declamadores de poesia, são perseguidos por distrações. Uma palavra semiótica e a teoria literária marxistas relacionadas ao estruturalismo e ao
pode provocar uma cadeia de associações que o declamador segue até textualismo, como, por exemplo, em Pierre Macherey (978), apóiam-se
S-
i'

em exemplos específicos, todos provenientes do romance do século XIX,


como observa o tradutor de Macherey (1978, p. Ix).
Um dos principais pontos de partida dos textualistas foi Jean-Jac-
T No entanto, isso não quer dizer que, porque A não é B, A não seja
nada. Culler 0975, pp. 241-254) discute a obra de muitos textualistas,
como os denominei aqui, ou estruturalistas, como ele os chama, e mostra
ques Rousseau. Jacques Derrida (1976, pp. 164-268 e passim) manteve um que, apesar de negarem que a literatura seja representacional ou referencial,
longo diálogo com Rousseau. Derrida afirma categoricamente que a os estruturalistas (ou textualistas) que formaram o grupo Tel Quel em Paris
escrita "não constitui um complemento à palavra falada", mas uma (Barthes, Todorov, Sollers, Julia Kristeva e outros), na verdade - e
realização totalmente diferente. Em virtude dessa insistência, ele e outros inevitavelmente -, usam a linguagem de forma representacional, pois
prestaram um grande serviço ao minar os preconceitos quirográficos e "não desejavam afirmar que suas análises não fossem melhores do que
tipográficos, também objetos deste livro. Em sua forma mais extrema, qualquer outra" 0975, p. 252).
segundo os textualistas, essa tendência pode assumir o seguinte aspecto:
admite-se haver apenas uma correspondência exata entre as palavras Poucos duvidarão, por outro lado, de que hoje muitas pessoas
faladas e as escritas (o que parece incluir a impressão; os textualistas realmente se apóiam num modelo logocêntrico quando pensam sobre os
geralmente identificam a escrita à impressão e raramente - quando muito processos noéticos e de comunicação. Ao romper com o que ele chama
- ousam mencionar a comunicação eletrônica). Apoiado nessa suposição fonocentrismo e logocentrismo, Derrida está prestando um serviço bem-
de correspondência exata, o leitor ingênuo pressupõe a presença anterior vindo no mesmo campo varrido por Marshall McLuhan com sua famosa
de um referente extramental, que a palavra supostamente capta e trans- frase "O meio é a mensagem".
mite através de uma espécie de tubo condutor à psique. Contudo, o estudo recente sobre os contrastes entre oralidade e
Numa variante do tema kantiano númeno-fenômeno (ele próprio cultura escrita mencionado neste livro traz à luz complexidades maiores
relacionado à predominância da visão produzida pela escrita e confirma- quanto às raízes do fonocentrismo e do logocentrismo, tal como as colocam
da pela impressão - Ong 1967b, p. 74), Derrida denuncia essa metafísica os textualistas, especialmente no caso de PIarão. A relação de PIarão com a
da presença. Ele intitula o modelo do tubo condutor de "logocentrismo" oralidade era inteiramente ambígua. Por um lado, no Pedra e na Sétima
e o diagnostica como derivado do "fonocentrismo", isto é, como conse- Cana, ele rebaixa a escrita em favor da linguagem falada e, assim, é
qüência do fato de tomar o lagos ou a palavra sonora como primários e, fonocêntrico. Por outro, quando, na República, expulsa oS poetas, ele o faz,
portanto, rebaixar a escrita em comparação com a linguagem falada. A como mostra Havelock, porque representam o antigo mundo oral, mnemô-
escrita anula o modelo do tubo condutor porque é possível provar que nico, da imitação, agregativo, redundante, verboso, tradicionalista, caloro-
ela possui uma economia própria e, portanto, que não pode simplesmen- samente humano, participativo - um mundo antipático ao mundo analítico,
te transmitir sem alteração o que recebe da fala. Além disso, olhando disperso, exato, abstrato, visualista, imóvel das "idéias" que PIarão estava
retrospectivamente para a ruptura realizada pela escrita, pode-se ver que anunciando. Não via sua antipatia aos poetas como uma antipatia à antiga
o tubo condutor foi anulado já anteriormente pelas palavras faladas, que, economia noética oral, mas era isso que ocorria, como agora podemos
elas próprias, não transmitem um mundo extramental de presença como perceber. PIarão sentia essa antipatia porque vivia na época em que o
através de um vidro transparente. A linguagem é uma estrutura, e sua alfabeto, pela primeira vez, tornara-se interiorizado o bastante para afetar o
estrutura não é a do mundo extramental. O resultado final, para Derrida, pensamento grego, incluindo o seu próprio - momento em que os
é que a literatura - e, na verdade, a própria linguagem - não constitui processos mentais, pacientemente analíticos, prolongadamente seqüenciais,
absolutamente uma "representação" ou "expressão" de algo exterior a si surgiram pela primeira vez em virtude dos meios pelos quais a cultura
mesma. Uma vez que não se refere a algo, à maneira de um tubo escrita possibilitava à mente o processamento de dados.
condutor, ela não se refere a nada - ou não significa nada.
Paradoxalmente, Platão podia formular seu fonocentrismo, sua
preferência pela oralidade em detrimento da escrita, de modo claro e
.#----------~
f'

eficiente apenas porque sabia escrever. O fonocentrismo de Platão é


textualmente planejado e textualmente defendido. Que esse fonocentris-
mo se traduza em logocentrismo e numa metafísica da "presença" é, no
T compreender o fundamento ... Os textos são um fundo falso." Ou, diria
(escreveria) eu, o texto é fundamentalmente pretexto - embora isso não
signifique que o texto possa ser reduzido à oralidade.
rIÚnimo, discutível. A doutrina platônica das "idéias" sugere não ser esse
A "desconstrução" de textos literários surgiu da obra de textualistas
o caso, uma vez que nessa doutrina a psique lida apenas com sombras como os mencionados aqui. Os desconstrucionistas gostam de sublinhar
ou sombras de sombras, e não com as presenças de "idéias" reais. As
que "as línguas, pelo menos as nossas línguas ocidentais, afirmam a lógica
"idéias" de Platão foram talvez a primeira "gramatologia".
e ao mesmo tempo levam-na às últimas conseqüências" (Miller 1979, p.
Ligar o logocentrismo ao fonocentrismo implica que o logocentris- 32). Essa tese reside em mostrar que, se todas as implicações num poema
mo, uma espécie de realismo grosseiro, é alimentado principalmente pela forem examinadas, veremos que o poema não é inteiramente coerente
consideração da primazia do som. Porém, o logocentrismo é encorajado em si mesmo.
pela textualidade e se torna mais acentuado assim que a textualidade
Mas por que deveriam todas as implicações sugeridas pela lingua-
quirográfica é reforçada pela impressão, atingindo seu auge na noética de
gem ser coerentes? O que leva alguém a crer que a linguagem pode ser
Peter Ramus, filósofo e reformador do ensino francês, no século XVI (Ong
estruturada de tal forma que seja perfeitamente coerente consigo mesma,
1958b). Na sua dialética ou lógica, Ramus fornece um exemplo de
de modo a formar um sistema fechado? Não existem e nunca existiram
logocentrismo virtualmente insuperável. Em Ramus, method, and the
sistemas fechados. A ilusão de que a lógica seja um sistema fechado foi
decay o/ dialogue [Ramus, método e o declínio do diálogo) (1958b, pp.
encorajada pela escrita e ainda mais pela impressão. As culturas orais
203-204), chamei sua atitude não de logocentrismo, mas de "epistemolo-
dificilmente tinham esse tipo de ilusão. Elas não sentiam a linguagem
gia corpuscular", uma correspondência literal grosseira entre conceito,
como "estrutura". Não a concebiam por analogia a um edifício ou
palavra e referente, que nunca chegava realmente à palavra falada, mas
qualquer outro objeto no espaço. Linguagem e pensamento, para os
tomava o texto impresso, e não o enunciado oral, como ponto de partida
antigos gregos, nasciam da memória. Mnemosine, e não Hefaístos, é a
e modelo para o pensamento.
mãe das Musas. A arquitetura não tinha a ver com a linguagem e o
Os textualistas, que eu saiba, não forneceram nenhuma descrição pensamento. Mas é o que ocorre com o "estruturalismo", mediante uma
das origens históricas específicas do que denominam logocentrismo. Em implicação inevitável.
seu Saving the text: Literature/Derridalphilosophy [Salvando o texto:
A atração da obra dos desconstrucionistas e de outros textualistas
Literatura/Derrida/filosofia) (1981, p. 35), Geoffrey H. Hartman chamou a
mencionados anteriormente deriva em parte de uma cultura escrita
atenção para a ausência, em qualquer das exposições de Derrida, da
historicamente irrefletida, acrítica. O que há de verdadeiro nessa obra
passagem do mundo da "imitação" (fundado na oralidade) para o mundo
pode muitas vezes ser representado de modo mais direto e mais convin-
posterior da "disseminação" (fundado na impressão). A ausência dessa
cente por um textualismo mais plenamente cognoscível - não podemos
explicação leva a crer que a crítica textualista da textualidade, por
descartar os textos, que moldam nossos processos mentais, mas podemos
brilhante e de certo modo útil que seja, ainda está estranhamente limitada
compreender suas deficiências. L'écriture e a oralidade são ambos "privi-
ao texto. Na verdade, de todas as ideologias, esta é a mais limitada ao
legiados", cada um à sua própria maneira. Sem o textualismo, a oralidade
texto, uma vez que joga com os paradoxos da textualidade apenas,
não pode sequer ser identificada; sem a oralidade, o textualismo é um
historicamente isolada, como se o texto fosse um sistema fechado. A única
tanto opaco e jogar com ele· pode ser uma forma de ocultismo, de
maneira de eliminar essa limitação seria por meio de uma compreensão
ofuscação refinada - que pode ser extremamente excitante, até mesmo
histórica do que era a oralidade primária, pois esta constitui a única fonte
naqueles momentos em que não traz informações relevantes.
da qual a textualidade poderia surgir. Como propõe Hartman (1981, p.
66), "Se o pensamento é para nós, hoje, textual, então deveríamos
Uma outra abordagem da literatura, particularmente atraente para os
contrastes entre oralidade e cultura escrita, é a crítica feita pela teoria da
recepção de Wolfgang Iser, Norman Holland, Stanley Fish, David Bleich,
Duas outras abordagens especializadas da literatura convidam à Michel Riffaterre e outros, incluindo Jacques Derrida e Paul Ricoeur. A crítica
reconsideração com respeito aos contrastes entre oralidade e cultura feita pela teoria da recepção está perfeitamente consciente de que a escrita
escrita. Uma delas nasceu da teoria dos atos da fala elaborada por ].L. e a leitura diferem da comunicação oral, em termos de ausência: o leitor
Austin, John R. Searle e H.P. Grice, utilizada por Mary Louise Pratt (1977) está normalmente ausente quando o escritor escreve, e o escritor está
numa tentativa de formular uma definição do discurso literário como tal. normalmente ausente quando o leitor lê, ao passo que, na comunicação
A teoria dos atos da fala distingue o ato "locutório" (o ato de produzir um oral, falante e ouvinte estão presentes, um diante do outro. Eles também se
enunciado, de produzir uma estrutura de palavras), o "ilocutório" (que opõem vigorosamente contra a glorificação que faz a Nova Crítica do texto
exprime um ambiente interativo entre enunciador e receptor - por material. "A objetividade do texto é uma ilusão" (Fish 1972, p. 400).
exemplo, promessa, cumprimento, afirmação, jactância e assim por dian- Contudo, até agora pouco se fez para compreender a teoria da recepção
te) e o "perlocutório" (o que produz efeitos pretendidos no ouvinte, tais em termos do que agora se conhece acerca da evolução dos processos
como medo, convencimento ou encorajamento). A teoria inclui o "prin- noéticos, da oralidade primária, passando pela oralidade residual, até a
cípio de cooperação" de Grice, que implicitamente governa o discurso ao cultura escrita de alto grau. Os leitores cujas normas e expectativas em
prescrever que a contribuição de uma pessoa para uma conversação deve relação ao discurso formal são dominadas por uma conformação mental
seguir a direção aceita da troca de discurso em que está envolvida; além residualmente oral se relacionam com o texto de um modo inteiramente
de incluir seu conceito de "implicatura", que se refere a diversos tipos de diferente daquele próprio a leitores cuja percepção de estilo é radicalmente
cálculos que usamos para dar sentido ao que ouvimos. É evidente que na textual. As apóstrofes nervosas dos romancistas do século XIX ao "caro
comunicação oral o princípio de cooperação e a implicatura terão leitor", como já se observou, sugerem que o escritor sentia o leitor típico
orientações inteiramente diferentes daquelas mencionadas por eles. Até como mais próximo do ouvinte do velho estilo do que sente comumente
onde sei, essas diferentes orientações nunca foram explicadas com ser a maioria dos leitores de hoje. Até mesmo atualmente, no entanto, nos
detalhes. Se fossem, poderiam revelar que prometer, responder, cumpri- Estados Unidos (e sem dúvida em outras sociedades de cultura escrita de
mentar, asseverar, ameaçar, ordenar, protestar, assim como outros atos algo grau em todo o planeta), dentro de certas subculturas, os leitores ainda
ilocutórios não significam, numa cultura oral, a mesma coisa que numa agem numa moldura basicamente oral e tendem antes ao desempenho do
cultura escrita. Muitos daqueles que pertencem a uma cultura escrita com que à informação (Ong 1978). As oportunidades para estudos mais extensos
alto índice de resíduos orais sentem que isso não acontece: julgam que são aqui irrestritas e atraentes e possuem implicações práticas para o ensino
os povos orais, por exemplo, são falsos e não cumprem promessas ou tanto das habilidades de leitura quanto de escrita, assim como importantes
nào são sinceros em suas respostas a perguntas. implicações teóricas.
Esse é apenas um indício do esclarecimento que os contrastes entre Parece óbvio que as teorias dos atos da fala e da recepção
oralidade e cultura escrita poderiam proporcionar nos campos estudados poderiam ser ampliadas e adaptadas a fim de lançar uma luz sobre o uso
pela teoria dos atos da fala. A teoria dos atos da fala poderia ser ampliada do rádio e da televisão (assim como do telefone). Essas tecnologias
de forma a dar uma atenção maior à comunicação oral, mas também de pertencem à era da oralidade secundária (uma oralidade não anterior à
modo a abordar de forma mais crítica a comunicação textual especifica- escrita e à impressão, como a oralidade primária, mas resultante e
mente como tal. Winifred B. Horner (1979) iniciou uma reflexão nessa dependente da escrita e da impressão). Para se adaptarem a elas, as
linha ao sugerir que escrever uma "composição" como exercício acadê- teorias dos atos de fala e da recepção devem ser antes relacionadas à
mico constitui um tipo especial de ato que ela denomina "atos de texto". oralidade primária.
platônica se desenvolve sob a influência da escrita com base nas explica-
ções avaliativas arcaicas dos atos humanos ("pensamento situacional"
Outros campos abertos aos estudos sobre oralidade e cultura oraD, destituídas do conceito de "justiça" como tal. Estudos comparativos
escrita podem ser apenas mencionados aqui. A antropologia e a lingüís- mais detalhados acerca da oralidade e da cultura escrita trariam novas
tica, como vimos, já sentiram seus efeitos e contribuíram muito para nosso luzes à filosofia.
conhecimento acerca da oralidade do ponto de vista de seus contrastes
É muito provável que um estudo, do ponto de vista do par
em relação à cultura escrita. A sociologia, até o momento, sentiu esses
oralidade-cultura escrita, acerca do aparato conceitual da filosofia medie-
efeitos de forma menos forte. A historiografia ainda está por senti-Ios:
val revelaria que ela está menos fundada na oralidade do que a antiga
Como interpretar os antigos historiadores, como Lívio, que escreveram
filosofia grega e muito mais fundada na oralidade do que o pensamento
para ser lidos em voz alta? Qual é a relação da historiografia renascentista
hegeliano ou fenomenológico posterior. Mas de que modo estão as
e da oralidade embebida da retórica? A escrita criou a história. Que efeito
virtudes e os vícios que intrigam os pensadores antigos e medievais
teve a impressão sobre aquilo que a escrita criou? A resposta completa
ligados aos personagens-tipos "fortes" da narrativa oral quando compara-
não pode ser meramente quantitativa, em termos de fatos "aumentados".
dos à psicologização abstrata, nuançada de forma mais complexa, no
O que o sentimento de clausura alimentado pela impressão tem a ver com
pensamento hegeliano ou no pensamento fenomenológico posterior?
o delineamento do relato histórico escrito, a seleção dos tipos de tema
Indagações desse tipo podem ser respondidas apenas por estudos com-
que os historiadores usam para penetrar na teia descosida de aconteci-
parativos detalhados, que certamente lançariam uma luz sobre a natureza
mentos a sua volta de modo que a história possa ser contada? Para
dos problemas filosóficos em diferentes épocas.
acompanhar as estruturas agonísticas das antigas culturas orais, a história,
em seu início, embora escrita, foi em grande parte a história das guerras Em suma, se a filosofia faz uma reflexão sobre sua própria
e dos enfrentamentos políticos. Atualmente, passamos para a história da natureza, que uso se faz do fato de que o pensamento filosófico não pode
consciência. Essa mudança de foco está obviamente relacionada à ten- ser levado adiante pela mente humana desassistida, mas somente pela
dência à interiorização da mentalidade quirográfica. Por que meios? mente que se habituou à tecnologia da escrita e a interiorizou profunda-
mente? O que essa necessidade intelectual específica tem a dizer acerca
Tanto quanto sei, a filosofia - e com ela a história intelectual -
da relação da consciência com o universo exterior? E o que tem ela a dizer
pouco uso fez dos estudos sobre a oralidade. A existência da filosofia,
acerca das teorias marxistas, que se concentram em tecnologias como
assim como de todas as ciências e as "artes" (estudos analíticos de normas,
meios de produção e de alienação? A filosofia hegeliana e suas continua-
como a Arte retórica de Aristóteles), depende da escrita, no sentido de
ções estão abarrotadas de problemas ligados ao par oralidade-cultura
que a mente as produz por si mesma, desassistida, mas com a ajuda de
escrita. A descoberta crítica do eu, na qual tanto se apóiam a fenomeno-
uma tecnologia que foi profundamente interiorizada, incorporada aos
logia de Hegel, assim como a de outros, é resultado não apenas da escrita,
próprios processos mentais. A mente interage com o mundo material que
mas também da impressão: sem essas tecnologias, a moderna privatização
a circunda de modo mais profundo e criativo do que até agora se pensava.
do eu e a moderna autoconsciência, aguda e duplamente crítica, seriam
A filosofia, ao que parece, deveria dar-se conta, criticamente, de sua
impossíveis.
condição de produto tecnológico - isto é, um tipo especial de produto
essencialmente humano. A própria lógica surge da tecnologia da escrita. Os teoremas postos pela oralidade e pela cultura escrita desafiam
os estudos bíblicos talvez mais do que qualquer outro campo do conhe-
O pensamento analítico explicativo nasceu da sabedoria oral
cimento, pois, através dos séculos, o estudo da Bíblia gerou o que talvez
apenas gradativamente e talvez ainda esteja se despojando do resíduo
constitua o maior corpo de comentário textual do mundo. Desde a crítica
oral, à medida que adequamos nossas conceituações à era do computa-
da forma de Hermann Gunkel (1862-1932), os estudos bíblicos tornaram-
dor. Havelock C1978a) mostrou como um conceito como o da justiça
se cada vez mais conscientes de especificidades como os elementos
Na atenção atualmente dada aos contrastes entre oralidade e
oral-formulares do texto (Cul1ey 1967). Mas, como notou Werner Kelber
cultura escrita, uma compreensão mais positiva dos estados de consciên-
0980, 1983), os estudos bíblicos, como outros estudos textuais, tendem
cia anteriores tomou o lugar, ou está tomando, dessas abordagens
desavisadamente a moldar a noética e a economia verbal das culturas
bem-intencionadas, porém essencialmente limitadoras. Numa série de
orais à cultura escrita, projetando a memória oral como uma variante da
conferências feitas no rádio, publicadas posteriormente, o próprio Lévi-
memória literal da cultura escrita e considerando o que foi preservado da
Strauss defendeu os "povos que geral e erradamente chamamos de
tradição oral como um tipo de texto que está apenas à espera de um
'primitivos'" contra a acusação comum de que suas mentes são de
registro escrito. A principal obra de Kelber, Tbe oral and the written gospel,
"qualidade mais grosseira" ou "fundamentalmente diferente" 0979, pp.
aborda de forma direta e de frente, pela primeira vez, à luz dos estudos
15-16). Ele propõe que o termo "primitivo" seja substituído por "sem
recentes sobre oralidade e cultura escrita, a questão do que era verdadei-
escrita". "Sem escrita", contudo, constitui ainda um atributo negativo,
ramente a tradição oral antes do surgimento dos textos escritos Sinópticos.
sugerindo um viés quirográfico. O tratamento atual sugeriria o uso do
É possível saber que os textos possuem fundamentos orais sem estar
plenamente consciente do que é realmente a oralidade. O'Connor (980) termo "oral", menos ofensivo e mais positivo. A afirmação - muito citada
rompeu com a tendência dominante nessa questão ao reavaliar a estrutura - de Lévi-Strauss (1966, p. 245) de que "a mente selvagem totaliza" seria
do poema hebraico em termos de uma psicodinâmica genuinamente oral. substituída por "a mente oral totaliza".
Parece que uma avaliação em profundidade dos processos noéticos e de A oralidade não é um ideal, e nunca foi. Abordá-Ia positivamente
comunicação da oralidade primária poderia revelar aos estudos bíblicos não é defendê-Ia como um estado permanente para qualquer cultura. A
aspectos mais complexos da compreensão textual e doutrinária. cultura escrita abre possibilidades à palavra e à existência humana de uma
forma inimaginável sem a escrita. As culturas orais atualmente valorizam
suas tradições orais e se angustiam diante da perda dessas tradições, mas
nunca encontrei ou ouvi falar de uma cultura oral que não queira atingir
a cultura escrita tão logo quanto possível. (Alguns indivíduos, é claro,
resistem à cultura escrita, mas são em número cada vez menor.) No
Os povos "civilizados" há muito tempo estabeleceram contrastes entanto, a oralidade não deve ser menosprezada. Ela é capaz de produzir
entre si e os povos "primitivos" ou "selvagens", não apenas em conversas criações que estão fora do alcance dos que pertencem à cultura escrita,
informais ou de salão, mas também em estudos históricos e antropológi- por exemplo, a Odisséia. Tampouco a oralidade pode ser completamente
cos sofisticados. Uma das obras-chave no campo da antropologia das erradicada: ler um texto o oraliza. Tanto a oralidade quanto o desenvol-
últimas décadas, citada repetidas vezes neste livro, é a Mente selvagem de vimento da cultura escrita baseado nela são necessários à evolução da
Claude Lévi-Strauss 0966 - primeira edição francesa, Ia pensée sauvage, consciência.
1962). Estamos também pensando nos estudos anteriores de Lucien
Lévy-BruW, Lesfonctions mentales dans les sociétés inférieures (1910) e Dizer que inúmeras mudanças na psique e na cultura estão ligadas
das Conferências Lowell de Franz Boas, Tbe mind ofprimitive man (922). à passagem da oralidade para a escrita não é fazer desta (e/ou de sua
Os termos "primitivo" e "selvagem", para não falar de "inferior", são continuação, a impressão) a causa única de todas as mudanças. A ligação
pesados. Ninguém deseja ser chamado de primitivo ou selvagem, e é não é uma questão de reducionismo, mas de correlação. A mudança da
confortador aplicar esses termos de forma contrastante a outros povos, oralidade para a escrita está intimamente entrelaçada com outros desen-
para mostrar que não o somos. Os termos são de certo modo semelhantes volvimentos psíquicos e sociais além dos que já apontamos. Evoluções
ao termo "analfabeto": eles identificam um estado de coisas anterior de na produção de alimentos, no comércio, na organização política, nas
forma negativa, apontando uma ausência ou uma deficiência. instituições sociais, nas habilidades tecnológicas, nas práticas educativas,
nos meios de transporte, na organização familiar, e em outras áreas da
vida humana, todas elas exercem seus papéis específicos e diferenciados. fingir que se é duas pessoas. Isso porque o que digo depende da
Porém, essas evoluções, em sua grande maioria - e, na verdade, muito realidade ou da fantasia com a qual sinto estar falando, isto é, das
provavelmente todas - foram elas próprias afetadas, muitas vezes de possíveis respostas que eu poderia prever. Por isso, evito enviar exata-
forma muito profunda, pela mudança da oralidade para a cultura escrita mente a mesma mensagem a um adulto e a uma criança pequena. Para
e para seus estados posteriores, assim como muitas delas, por seu turno, falar, preciso já estar de alguma forma em comunicação com a mente à
afetaram essa mudança. qual devo me dirigir antes de começar a falar. Posso estabelecer um
contato talvez por meio de relacionamentos passados, por uma troca de
olhares, por um acordo com uma terceira pessoa que uniu a mim e ao
meu interlocutor, ou de outras inúmeras formas. (As palavras são modifi-
cações de uma situação que é mais do que verbal.) Tenho de perceber
Ao tratar da "tecnologização" da palavra, na maior parte deste livro, algo na mente do outro, com o que meu discurso possa se relacionar. A
evitou-se o termo "mídia". O motivo para isso é que o termo pode dar comunicação humana nunca possui mão única. Durante todo o tempo,
uma falsa impressão da natureza da comunicação verbal, assim como das ela não apenas exige uma resposta, mas tem sua própria forma e seu
outras formas de comunicação humana. Pensar num "meio" de comuni- próprio conteúdo moldados pela resposta prevista.
cação ou nos "meios" de comunicação sugere que a comunicação seja um Isso não significa que eu esteja certo quando ao modo como o
tubo condutor que transfere unidades de um material chamado "informa- outro irá responder ao que digo. Porém, devo ser capaz de fazer
ção", de um lugar para outro. Minha mente é uma caixa. Retiro dela uma conjecturas sobre uma gama possível de respostas, pelo menos de
unidade de "informação", codifico a unidade (isto é, ajusto-a ao tamanho maneira vaga. Preciso estar de certa forma dentro da mente do outro
e à forma do tubo condutor pelo qual ela irá transitar) e a coloco numa antecipadamente, a fim de iniciar minha mensagem, e ele precisa estar
ponta do tubo (o meio, algo entre duas outras coisas). De uma ponta do dentro de minha mente. Para formular o que quer que seja, devo ter outra
tubo, a "informação" passa para a outra, na qual alguém a decodifica pessoa - ou outras pessoas - já "em mente". É esse o paradoxo da
(restabelece seu tamanho e forma naturais) e a coloca em seu próprio comunicação humana. A comunicação é intersubjetiva. O modelo "mídia"
recipiente, chamado "mente". Esse modelo obviamente tem certa seme- não é. Não existe um modelo adequado no universo físico para essa
lhança com a comunicação humana, porém, um exame mais atento operação da consciência, que é especificamente humana e que marca a
mostra que essa semelhança é muito pequena e deforma o ato de capacidade que possuem os seres humanos para formar verdadeiras
comunicação, tornando-o irreconhecível. Por isso, o título desvirtuado do comunidades, nas quais as pessoas estabelecem entre si um sentimento
livro de McLuhan, lbe medium is lhe massage [O meio é a massagem] de partilha, íntimo, intersubjetivo.
(não exatamente a "mensagem").
A disposição para viver com o modelo "mídia" de comunicação
A comunicação humana, verbal ou não, difere do modelo do
revela um condicionamento quirográfico. Em primeiro lugar, as culturas
"meio" de uma forma mais essencial pelo fato de requerer uma resposta
quirográficas vêem a fala como mais especificamente informal do que as
prevista, a fim de que possa ocorrer. No modelo do meio, a mensagem é
culturas orais, nas quais a fala está mais orientada para a atuação, para
transportada da posição do remetente para a do receptor. Na comunica-
uma maneira de fazer algo para alguém. Em segundo lugar, o texto escrito
ção humana real, o remetente deve estar não apenas na posição de
parece, à primeira vista, ser uma rua de informação de mão única, pois
remetente, mas também na do receptor antes que ele possa enviar algo.
nenhum receptor (leitor, ouvinte) está presente quando os textos nascem.
Para falar, devemos nos dirigir a uma outra pessoa - ou a outras Mas quando se fala, assim como quando se escreve, algum receptor deve
pessoas. Pessoas lúcidas não vagueiam pelas florestas apenas falando a estar presente, do contrário não se produzirá um texto: portanto, isolado
esmo, para ninguém. Até mesmo para falar consigo próprio é preciso de pessoas reais, o escritor invoca uma pessoa fictícia - ou várias. "O
público do escritor é sempre uma ficção" (Ong 1977, pp. 54-81). Para um revelam um crescimento semelhante na preocupação filosófica explícita
escritor, qualquer receptor real está normalmente ausente - do contrário , com o eu, que se torna visível em Kant, central em Fichte, imperiosa em
por que escrever?) A "ficcionalização" de leitores é o que torna tão difícil Kierkegaard e penetrante nos existencialistas e personalistas do século
a escrita. O processo é complexo e repleto de incertezas. Devo conhecer
xx. Em Tbe inward turn of narrative [Ainflexão da narrativa] (1973), Erich
a tradição - a intertextualidade, se assim quiserem - na qual estou Kahler descreve detalhadamente como a narrativa ocidental voltou-se
trabalhando para que possa criar para leitores reais papéis fictícios que cada vez mais para as crises íntimas, pessoais, exprimindo-as de forma
elaborada. Os estágios da consciência descritos segundo uma moldura
eles sejam capazes de representar, e é preciso que eles estejam dispostos
a fazê-Io. Não é fácil se introduzir nas mentes de pessoas ausentes, a junguiana por Erich Neumann em Tbe origins and history of consciousness
(1954) dirigem-se para uma interioridade autoconsciente, elaboradamente
maioria das quais jamais se conhecerá. Mas não é impossível quando eu
expressa, profundamente pessoal.
e os leitores estamos familiarizados com a tradição literária em que eles
operam. Tenho esperanças de que meu domínio da tradição seja suficien- Os estágios de consciência altamente interiorizados nos quais o
te para entrar nas mentes dos leitores deste livro. indivíduo está tão imerso inconscientemente nas estruturas de grupo são
estágios que, segundo parece, a consciência nunca alcançaria sem a
escrita. A interação entre a oralidade na qual todos os seres humanos
nascem e a tecnologia da escrita, na qual ninguém nasce, atinge as
profundezas da psique. Onto e filogeneticamente, é a palavra falada que
pr~meiramente ilumina a consciência com a linguagem articulada, a
Desde pelo menos a época de Hegel, a percepção de que a
pnmeira que divide o sujeito e o predicado e depois os relaciona entre
consciência evolui tem sido cada vez maior. Não obstante ser humano
si, e que estabelece laços entre os seres humanos na sociedade. A escrita
signifique ser uma pessoa e, por conseguinte, ser único e não duplicável,
introduz divisão e alienação, mas também uma unidade maior. Ela
o desenvolvimento do conhecimento histórico tornou óbvio que o modo
intensifica a percepção do eu e alimenta uma interação mais consciente
como uma pessoa se percebe no cosmos desenvolveu-se de uma maneira
entre as pessoas. A escrita eleva a consciência.
padronizada no correr dos séculos. Os estudos modernos acerca da
mudança da oralidade para a cultura escrita e as conseqüências desta, da A interação entre oralidade e cultura escrita penetra nas preocupa-
impressão e do processamento eletrônico da verbalização revelam com ções e nas aspirações fundamentais do ser humano. Todas as tradições
uma crescente clareza algumas das formas nas quais essa evolução foi religiosas da humanidade têm origem remota no passado oral e é evidente
tributária da escrita. que todas elas dão uma enorme importância à palavra falada. Contudo,
as principais religiões do mundo também foram interiorizadas pela
A evolução da consciência através da história humana é marcada
expansão de textos sagrados: os Vedas, a Bíblia, o Corão. No ensinamento
pelo desenvolvimento de uma observação sistematizada do interior do
cristão, as oposições entre oralidade e cultura escrita são particularmente
indivíduo sob o aspecto de seu distanciamento - embora não necessaria-
acentuadas, provavelmente mais do que em qualquer outra tradição
mente de sua separação - das estruturas de grupo nas quais cada pessoa
religiosa, até mesmo a hebraica, pois, no ensinamento cristão, a Segunda
está inevitavelmente inserida. A autoconsciência é inseparável da huma-
Pessoa da Santíssima Trindade, que redimiu do pecado a humanidade, é
nidade: quem quer que diga "eu" possui uma percepção aguda de si
conhecida não somente como o Filho, mas também como a Palavra de
mesmo. Porém, a reflexão e a observação ordenada do eu desenvolvem-
Deus. Nesse ensinamento, o Deus Pai profere ou diz Sua Palavra, seu
se lentamente. Desenvolvimentos bruscos revelam seu crescimento: as
Filho. Ele não o escreve. A própria Pessoa do Filho é constituída como a
crises nas peças de Eurípedes têm um caráter menor de expectativas
Palavra do Pai. No entanto, o ensinamento cristão também apresenta em
sociais e maior de consciência interior do que as que se apresentam nas
seu núcleo a palavra escrita de Deus, a Bíblia, na qual, desde seus autores'
peças do tragediógrafo anterior, Ésquilo. Desenvolvimentos mais longos
humanos, Deus é um autor, mais do que em qualquer outro escrito. De
que modo os dois sentidos da "palavra" de Deus estão relacionados um
com o outro e com os seres humanos na história? Essa questão atrai as
atenções hoje mais do que nunca.
O mesmo ocorre com inúmeras outras questões envolvidas no que
agora conhecemos acerca da oralidade e da cultura escrita. A dinâmica
oralidade-cultura escrita penetra integralmente na moderna evolução da
consciência em direção tanto a uma maior interiorização quanto a uma
maior compreensão.

Além das obras citadas no texto, esta bibliografia arrola também


algumas outras que o leitor poderá julgar particularmente úteis.
Tal bibliografia não tem intenção de abranger toda a literatura em
todos os campos nos quais a oralidade e a cultura escrita são objetos de
interesse (por exemplo, as culturas africanas), mas tão somente arrolar
algumas obras importantes que podem servir como introdução a campos
de estudo principais. Muitas das obras citadas aqui contêm bibliografias que
levam a informações mais detalhadas sobre várias questões.
A maioria das principais obras sobre os contrastes entre oralidade e
cultura escrita foi escrita em inglês, muitas obras pioneiras, por estudiosos
dos Estados Unidos e Canadá. Esta bibliografia está concentrada nas obras
de língua inglesa, mas inclui algumas em outras línguas.
A fim de evitar um número excessivo de indicações, não fornecemos
referência sobre questões deste livro que possam ser facilmente comprova-
das por fontes de referência comuns, como enciclopédias.
Nos casos em que, por algum motivo, julgou-se necessário, acrescen-
tamos comentários.
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eu subscreveria a afirmação de que as características amplamente reconhe-
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entanto, a existência de um número muito grande de semelhanças justifica dee: An old chinese detectiue nouel. Tóquio: Toppan Printing Co. O original
que se continue a usar o termo fórmula oral. é uma obra anônima chinesa do século XVIII. O Dee Goong Ao histórico,
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Abrahams, Roger 55 Berthelet, Thomas 138


Achebe, Chinua 46, 109 Bessinger ]r., ]ess B. 37
Agostinho de Hipona, Santo 46 Biebuyck, Daniel 81, 165, 180
Ahem, ]ohn 18, 132, 137, 177 Bleich, David 191
Ambrósio de Milão 137 Bloam, Harold 152
Antinucci, Francesco 77 Bloarnfield, Leonard 26
Ariosto 177 Boas, Franz 61, 194
Aristóteles 18, 125-126, 160-161, 192 Boas, George 61
Austen, ]ane 151, 163, 173-174 Boccaccio, Giovanni 119
Austin, ].L. 190 Bodley, sirThomas 96
Boemer, Peter 119
Balogh, ]osef 132 Bohannan, Laura 59
Barthes, Roland 182, 185, 187 Bright, William 79
Basham, A.L. 79 Browning, Robert 96
Bàuml, Franz H. 18, 131 Bruns, Gerald L. 147
Bayer, ]ohn G. 177 Bryan, William]ennings 51
Becken, Samuel 173 Bynum, David E. 22, 34-35
Beethoven, Ludwig 98
Beidelman, T.a. 60 Carothers, ].c. 83
Bendey, Richard 28 Carrington, ]ohn F. 59, 68
Berger, Brigine 69 Carter, Thomas Francis 136
Bergk, Theodor 163 Cervantes Saavedra, Miguel de 168
Bernstein, Basil 122-123 Chadwick, Heetor l\lunro 19
Chadwick, Nora Kershaw 19 Faik-Nzuji, Clémentine 50 Leakey, Richard E. 99
Herbert, George 147
Chafe, Wallace L. 14,48, 51, 78, 94 Farrell, ThomasJ. 169, 179 Hesíodo 162 Lévi-Strauss, Claude 39, 50, 60, 121, 184-185,
Champagne, Roland A. 16 Femandez, James 65 194-195
Hirsch, E.D. 16, 93, 125
Chaucer, Geoffrey 119 Fichte, Johann Gottlieb 199 Lévy-Bruhl, Lucien 61, 194
Hockett, C. 26
Chaytor, Henry John 14 Fielding, Henry 168, 172 Lewis, C.S. 125-126
Holland, Norman 191
Child, Francis James 26 Finnegan, Ruth 17, 20,35,56,75-76 Lincoln, Abraham 156
Holoka, James P. 37
Churchill, Winston 52, 177 Fish, Stanley 191 Homero (poemas homéricos, épico grego) Lívio (Tito Lívio) 192
Cícero, Marco Túlio 27, 122 Flaubert, Gustave 174 10, 26-28, 34, 144, 160, 162, 165, 171, L1oyd, G.E.R. 128
Clanchy, M.T. 36, 97, 110-114, 137, 143 Foley, John Miles 14, 35, 38, 176 178, 185 Lord, Albert B. 14, 32, 35, 37-38, 71-74, 163,
Cohen, Murray 19, 185 Forster, E.M. 170 Hopkins, Gerard Manley 146 184-185
Cole, Michael 65, 100, 104 Foucault, !vlichel 185 Horácio (Quintus Horatius Flaccus) 96, 160- Lotman, Jurij 16, 89
Corão 122, 199 Freud, Sigmund 173 161 Lowry, Martin 95
Cormier, Raymond J. 18 Fritschi, Gerhard 146, 179 Horner, Winifred Bryan 190 Luria, Alexander Romanovich 58, 61-62, 69
Cortázar, Júlio 166 Frye, Northrop 22 Howell, wilbur SamueI126-127, 132-133 Lyly, John 177
Creed, Robert P. 37 Husserl, Edmund 185
Cronkite, Walter 140 Gelb, Ignace 99, 101, 105 Macaulay, Thomas Babington 52, 177
Crosby, Ruth 132, 137, 177 Gibran, Kahlil 36 Iser, Wolfgang 176, 191 Macherey, Pierre 185-186
Culler, Jonathan 187 Givón, Talmi 48 Ivins Jr., William M. 145 Mackay, Ian 102
Culley, Robert C. 194 Goldin, Frederick 18 Magoun, Francis P. 37
Cummings, E.E. 147 Goody, Jack (john Rankine) 14, 26, 38, 53- Jakpa, Ndewura 59-60 Malinowski, Bronislaw 42, 64, 82
Curschmann, Michael 176 54, 58-59, 74-75, 109-110, 114-116, 121, James, Henry 169 Mallarmé, Stéphane 147
124, 141-142, 146 James, William 120 Mallery, Garrick 15
Daly, L10yd s. 143 Greimas, AJ. 185 Jaynes, Julian 39-40 lVIaranda, Elli Kbngãs 14
Defoe, Daniell68, 172 Grice, H.P. 190 Johnson, John William 76 Maranda, Pierre 14
Derrida, Jacques 89, 91, 141, 148, 185-188, Grimm, Jacob 26 Johnson, Thomas H. 76, 172 Marcial (Marcus Valerius Martialis) 149
191 Grimm, Wilhelm 26 Jonson, Ben 172 Mateene, Kahombo C. 81, 165, 180
Descartes, René 86 Gulik, Robert Hans van 168 Jousse, Marcel 29-30, 45, 81 McLuhan, Marshall 14-15, 39, 136, 153, 155,
Dickens, Charles 132, 168 Gumperz, John H. 14 Joyce, James 39,120,150, 170 187, 196
Diringer, David 99, 101, 104 Gunkel, Hermann 193 McPherson, James 26
Douglas, Stephen A. 156 Guxman, M.M. 123 Kafka, Franz 173 Meggitt, Mervyn 109
Düntzer, H. 29 Kahler, Erich 168, 199 Meillet, Antoine 163
Durand, Gilbert 128 Hadas, Moses 176 Kaltmann, Hannah 14 Merleau-Ponty, !'vIaurice 85
Dykema, Karl 149 Hajnal, István 177 Kant, Immanuel 199 Miller, Joseph c. 38, 189
Hardouin, padre Jean 28 Kazantzakis, Nikos 178 Miller, Perry 172
Eadmer de Canterbury 36 Harms, Robert W. 60 Kelber, Werner 194 Milton, John 160-161
Eckvall, R.B. 109 Hartman, Geoffrey 148, 188 Kellogg, Robert 159, 171 Murasaki Shikibu, lady 163
Edmonson, Munro E. 15 Haugen, Einar 14, 16, 123 Kennedy, George A. 126 Murphy, James J 126
Eduardo I da Inglaterra 113 Havelock, Eric A. 14-15, 33, 37-38, 45-46, 52, Kierkegaard, Soren 199 Mwindo, épico 32, 83, 165
Eisenstein, Elizabeth 135, 136, 146 54, 57, 79, 95, 97, 105-106, 109-110, Kiparsky, Paul 79
Eliade, Mircea 87 121-122, 146, 158, 163, 184, 187, 192 Knox, Vicesimus 25 Nashe, Thomas 56, 177
Ellendt, JE. 29 Hawkes, Terence 152, 175-176, 180-182, Kristeva, Julia 187 Nelson, William 18, 137, 176-177
Elyot, sir Thomas 138 184-185 Kroeber, A.L. 15 Neumann, Erich 199
Eoyang, Eugene 38 Hawthorne, Nathaniel 177 Newton, sirIsaac 131
Erasmo, Desidério 25, 56 Haymes, Edward R. 37, 176 La Fayette, Madame de 163
Ésquilo 198 Hédelin, François 28 Lacan, Jacques 185 O'Connor, Catherine 14
Essien, Patrick 179 Hegel, Georg Wilhelm Friedrich 193, 198 Lang, Andrew 26 O'Connor, Michael Patrick 14, 194
Eurípedes 151, 171, 198 Henige, David 60 Lanham, Richard A. 127 Obiechina, Emmanuel 55
Henrique VIII da Inglaterra 150 Leach, Edmund 60 Okpewho, Isidore 15, 38, 55, 60
Vachek, J. 26 Wilks, lvor 110
Safo 166 Vaughan, Henry 96 Wilson, Edward 0.100
Olson, David R. 93-94, 123
Vico, Giambattista 28 Wilson, Godfrey 59
Ong, Waiter J. 14-15, 18, 30-31, 36, 42-43, 46, Sampson, Geoffrey 14, 42
Virgílio (Publius Virgilius Maro) 178 Wilson, Monica 59
49, 51, 54, 59, 68-69, 87, 96, 117-118, Sapir, Edward 26
Vitrúvio (Marcus Vitruvius Pollio) 146 Wolf, Friedrich August 28
120, 122, 126-128, 130-133, 136-137, Saussure, Ferdinand de 13
Vygotsky, Lev 61 Wood, Robert 28
140, 143, 147, 153-155, 167, 172, 177, Sawyer, P.H. 114
179,182-183, 185-186,188,191,198 Scheub, Harold 81
Schmandt-Besserat, Denise 101 Watt, lan 54,58-59,109,114, 171-172
Opie, lona Archibald 59
Scholes, Robert 159, 171 Whitman, Cedric M. 37, 162
Opie, Peter 59
Scribner, Sylvia 65, 100, 104 Wilamowitz-Moellendorff, Ulrich von 163
Opland, ]effrey 56, 75
Oppenheim, A. Leo 52 Searle, ]ohn R. 190
Orderic Vitalis 111 Sejong, Rei 108
Ovídio (Publius Ovidius Naso) 122 Shakespeare, William 172
Shannon, Richard S. 37
Parker, William Riley 182 Sherzer, ]oel 75-78
Parry, Adam 15, 27-30, 34-35, 163, 184 Shikibu, Murasaki, lady 163
Parry, Anne Amory 61, 163 Sidney, sir Philip 177
Parry, Milman 14, 20, 27, 29-30, 32-33, 36, Siertsema, B. 15
38,71 Smollett, Tobias George 168
Peabody, Berkley 72,80, 162-166, 169-170, Sócrates 94-95, 119, 121, 125-126
184-185 Sófocles 171
Percy, Thomas 26 Sol1ers, Phillippe 185, 187
Peters, Emrys 59 Solt, Mary Ellen 147
Pisístrato 27 Soooino, Lee Ann 127
Plaks, Andrew H ~Sl Sparks, Edwin Erle 156
Platão; 33-34, 36, 94-97, 106, 110, 112, 119, Spenser, Edmund 178
121, 125-126, 187-188 Squarciafico, Hieronimo 95
Poe, Edgar AlIan 163, 168-169 Steinberg, S.H. 138, 144
Potter, Stephen 182 Steiner, George 136, 149, 179
Pratt, Mary Louise 190 Steme, Laurence 147
Propp, VIadimir lakovlevich 184 Stokoe ]r., William C. 15
Pulgram, Emst 26 Stoltz, Benjamim A. 37
Pynchon, Thomas 173 Subotnik, Morton 98
Pyson, Richard 149 Sweet, Henry 14

Qohe1eth (Eclesiastes) 25
Quintiliano (~Iarcus Fabius Quintilianus) 127 Tambiah, S.]. 109
Tannen, Deborah 36
Ramus, Peter (Pierre de Ia Ramée) 153, 188 Textor, loannes Revisius 143
Renou, Louis 79 Thackeray, William Makepeace 174
Richardson, Malcolm 124 Thomas de Muschamps 113
Richardson, Samue1 172 Tillyard, E.M.W. 182
Ricoeur, Paul 191 Todorov, Tzvetan 185, 187
Riffaterre, Michaell91 Toelken, Barre 70
Robbe-Grillet, Alain 166, 170 Tomás de Aquino 111
Rosenberg, Bruce 38
Rousseau, ]ean-]acques 91, 186
Updike, ]000 84
Rureke, Candi 57, 165, 180-181
Usener, Hermann 163
Rudedge, Eric 76-78

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