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Os salmos de Israel e o

louvor dos cristãos


O livro de Salmos é um dos livros mais queridos da Bíblia. Em momentos de
sofrimento e dificuldade, os cristãos tendem a buscar conforto e consolo não no
Novo Testamento, mas em Salmos. Mas o que torna Salmos assim tão especial?
Bem, em minha opinião existem várias razões. Hoje quero me deter em uma
delas: o Deus dos Salmos.
Para conhecermos melhor o Deus dos Salmos, precisamos saber algo sobre a
religião de Israel e de seus países vizinhos. Os antigos identificavam seus deuses
pelo nome. O deus dos moabitas chamava-se Camos; o dos amonitas, Milcom; e,
como todos devemos saber, o dos israelitas tinha o nome de Javé. E chegamos ao
que nos interessa: dos 150 salmos, 131 mencionam explicitamente Javé.Os
salmistas poderiam ter escrito “Deus” ao invés de “Javé”, maspreferiram o nome
próprio ao nome genérico, pois queriam deixar bem claro de quem é que estavam
falando. Não queriam que alguém pensasse que estavam falando de algum outro
deus. (Em hebraico não existem letras maiúsculas e minúsculas, então não seria
possível fazer a distinção entre “deus” e “Deus”.)

Mas o que dizer dos 19 salmos que não usam o nome Javé para se referir a Deus?
Na maioria destes, mesmo sem a palavra “Javé” aparecer, o texto deixa claro que
está falando do deus de Israel: osalmista chama Deus de “Altíssimo”, outro nome
usado pelos israelitas para designar Javé (Salmos 57; 77; 82), fala da saída do
Egito e daconquista de Canaã (Sl 44; 66; 77; 114), menciona Israel, Judá e Sião,
isto é, Jerusalém (Salmos 51; 53; 60; 65; 76). Apenas em oito salmos não é
óbvio, à primeira vista, se o autor bíblico está falando de Javé. Contudo, uma
análise cuidadosa mostra que cada um desses oito textos (Sl 42; 45; 49; 52; 61;
62; 63; 67) está falando do Deus de Israel.

O fato é que, quando o povo de Israel cantava os salmos, sabia exatamente que
estava cantando a respeito de Javé. E quem quer que ouvisse o povo cantar,
mesmo não sendo um israelita, sabia exatamente de que deus os salmos falavam.

Isso me faz pensar nas músicas que cantamos em nossas igrejas. Como vivemos
em uma sociedade em que prevalece a crença em um único Deus, estamos
acostumados a chamar o deus da Bíblia de simplesmente “Deus”,escrevendo a
palavra com a inicial maiúscula. Na maioria das letras de nossas músicas, usamos
apenas essa palavra, “Deus”. Não há problema nenhum aí. Algumas dessas letras
são belas, de um conteúdo riquíssimo.

O problema está em algumas outras letras que, de tão superficiais, não deixam
claro que estamos cantando do Deus e Pai de nosso senhor Jesus Cristo. São
músicas que até os não-cristãos cantariam sem dificuldade, cada um
interpretando a letra à sua maneira.

Não é só a Bíblia que ensina que devemos louvar; outras religiões também o
fazem. A diferença é que, enquanto as várias religiões dizem a seus fiéis para
louvarem cada uma o seu deus, a Bíblia fala para louvarmos o Deus triúno.

Pessoalmente, eu gostaria de ver nossas igrejas cantando mais músicas que não
apenas louvem a Deus, mas também apresentem a razão desse louvor. Uma coisa
é eu dizer: “Deus, eu te louvo.” Qualquer pessoa religiosa pode dizer isso. Outra é
declarar: “Deus, eu te louvo porque enviaste Jesus para morrer na cruz em meu
lugar!” Ah, isso só os cristãos podem dizer. Precisamos de letras tão ricas e belas
quanto as dos salmos. Em outras palavras, nós cristãos precisamos de letras que
declarem quem Deus é e também o que ele fez, faz e fará de tão especial; que
anunciem Jesus Cristo como único caminho para o homem chegar a Deus; que
apresentem a realidade de uma vida dirigida pelo Espírito Santo; que afirmem
nossa total incapacidade de chegarmos a Deus por nossos próprios esforços, etc.,
etc., etc. Emsuma, precisamos de letras que ensinem todo o conselho de Deus.

O conceito de gratidão nos


salmos
Luciano R. Peterlevitz
Os estudiosos classificam os salmos em vários gêneros literários, dentre os quais
estão os “salmos de ações de graças”. Curiosamente são poucos os salmos que
podem ser classificados nesse gênero. Isso porque nosso conceito de gratidão
talvez não condiga com a mentalidade dos autores bíblicos. Vejamos.
Salmo 100.4: Entrai por suas portas com ações de graças e nos seus átrios, com
hinos de louvor; rendei-lhe graças e bendizei-lhe o nome. (ARA). O verbo
traduzido por “render graça” é o hebraico yadah. Essa palavra significa
essencialmente um reconhecimento (confissão pública) dos atos de Deus na
história.

Segundo Claus Westermann, não existe nenhuma palavra no AT que expresse a


ideia contemporânea de “agradecer”. Quando se quer expressar gratidão, usa-se o
verbo yadah, “louvar”, ou berek, “abençoar” (o adorador reconhece Deus como
abençoador). Westermann afirma que “o AT não possui o nosso conceito
autônomo de agradecimento. A expressão de gratidão a Deus está incluída no
louvor, é um modo de louvor.” 1

Por isso, a melhor tradução do termo yadah seria “confissão”: o adorador confessa
os atributos e os atos de Deus na história.

A noção de „agradecimento‟, que seria a base da ação de graças, não é


habitual ao homem bíblico. Esse homem, quando beneficiário de um dom, não
„agradece‟, ele „louva‟ (veja exemplos dessa reação em Dt 9.10; 24.13; 2Sm
14.22; Jó 31.19s.; Ne 11.11). Por outro lado, o verbo que traduções recentes
traduziam por „dar graças‟ (forma causativa hodah) significa, na realidade,
louvar, apreciar, especialmente „reconhecer‟ (comparar justamente com
„reconhecimento‟‟), a saber: experimentar uma verdade abstrata já conhecida
e „reconhecer‟ toda a sua riqueza. Essa significação é demonstrada, e também
ilustrada, pelos verbos que os salmistas põem em paralelo com hodah, isto
é, sapper, „contar, enumerar, enuncia‟ (Sl 9.2; 78.3-6); haggid, „narrar‟
(30.10; 92.2s.), hallel, „louvar‟ (33.18; 44.9; 109.30; 111.1); zammer,
“cantar” (18.50; 30.5,13, etc.).2

Ou seja, na mentalidade hebraica, agradecimento se traduz em louvor. Assim,


agradecer é louvar a Deus. Você quer agradecer a Deus? Então, não vá a ele com
meras palavras do tipo “obrigado”, mas derrame-se diante dele em louvor e
adoração.

Ora, o que é gratidão senão o reconhecimento de que não existe nenhuma


possibilidade de retribuição por um benefício recebido? O que é gratidão senão o
surgimento da consciência de que não podemos retribuir um benefício? Daí vem a
indagação do salmista: “O que darei ao Senhor, por todos os seus benefícios?” (Sl
116.12).
Há uma estória judaica que ilustra muito bem esse conceito de gratidão. Conta-se
que Abraão recebia peregrinos e os alimentava. Depois Abraão impelia os
peregrinos a louvarem Adonai. Caso os peregrinos se recusassem a render graças
ao Deus de Abraão, então o patriarca dizia veementemente: “Então pagas o que
deves”.

Ou seja, caso você não consiga quitar sua dívida, e se a quitação da mesma lhe
for oferecida, então simplesmente agradeça. Mas se não quiser agradecer, então
pague. Se não puder pagar, então agradeça.

Assim, mediante tudo aquilo que o Senhor fez por você, mediante a
impossibilidade de retribuição pela bênção recebida, não lhe resta mais nada,
senão se prostrar diante dele em adoração. Mas lembre-se: gratidão a Deus não é
um mero “obrigado”. É, antes, um coração rendido. É louvar. Por isso, atenda o
convite do salmista:

Cantem hinos a Deus, o SENHOR, todos os moradores da terra! Adorem o


SENHOR com alegria e venham cantando até a sua presença. (Sl 100.1-2 [NTLH]).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

WESTERMANN, Claus. The praise of God in the Psalms. Richmond, John Knox
Press, 1965.
MONHOUBOU, L. “Os Salmos” em Os Salmos e os outros escritos. São Paulo,
Paulo

O uso dos Salmos na


devoção cristã
Franklin Ferreira
Durante quase dois mil anos, os Salmos foram centrais para a devoção da igreja
cristã, ensinando os fiéis a orar, em resposta ao Deus que se revela, uma
confissão e glorificação ao Deus trino, criador, redentor e restaurador. Deste
modo, “quando abraçamos Salmos, juntamo-nos a um amplo grupo de pessoas
que por quase trinta séculos tem baseado seus louvores e orações nessas
palavras antigas. Reis e camponeses, profetas e sacerdotes, apóstolos e
mártires, monges e reformadores, executivos e donas de casa, professores e
cantores populares – para todos esses e para uma multidão de outros, Salmos
tem sido vida e respiração espiritual”.1 Como Eugene Peterson escreve, “não
existe outro lugar em que se possa enxergar de forma tão detalhada e profunda
a dimensão humana da história bíblica como nos Salmos. A pessoa em oração
reagia à totalidade da presença de Deus, partindo da condição humana,
concreta e detalhada”. Só que, por volta da primeira metade do século
dezenove, com o aparecimento dos métodos críticos de estudos bíblicos, os
salmos perderam sua centralidade na devoção cristã. Deixaram de ser a escola
de oração que dava forma à oração dos fiéis, em sua resposta ao Deus que se
revela. Passaram a ser vistos, na avaliação de Peterson, como a piedade
deteriorada de uma religião desgastada.2

1. Os Salmos e a oração
A escola que Israel e a Igreja recorreram para aprender a orar foram os
Salmos, que, junto com Isaías, foi o livro mais citado por Jesus e os apóstolos
no Novo Testamento, inclusive como apoio de doutrinas centrais da fé cristã.
Para os primeiros cristãos, a ordem era: “Enchei-vos do Espírito, falando entre
vós com salmos” (Ef 5.18-19). Logo, estes, “como seus antepassados judeus,
ouviram a palavra de Deus nesses hinos, queixas e instruções e fizeram deles o
fundamento da vida e do culto”.3

Os salmos eram declarações de relacionamento entre o povo e seu Senhor.


Pressupunham a aliança entre ambos e as implicações de provisão, proteção
e preservação dessa aliança. Seus cânticos de adoração, confissões de
pecado, protestos de inocência, queixas de sofrimento, pedidos de
livramento, garantias de ser ouvido, petições antes das batalhas e ações de
graças depois delas são, todas expressões do relacionamento ímpar que
tinham com o único Deus verdadeiro. Temor e intimidade combinavam-se no
entendimento que os israelitas tinham desse relacionamento. Eles temiam o
poder e a glória de Deus, sua majestade e soberania. Ao mesmo tempo
protestavam diante dele, discutindo suas decisões e pedindo sua
intervenção. Eles o reverenciavam como Senhor e o reconheciam como Pai.4

Na igreja primitiva e durante a reforma protestante, quando um pastor queria


ensinar sua congregação sobre a oração, pregava nos Salmos. Nos séculos IV e
V, Atanásio de Alexandria enfatizou que cada Salmo “está composto e é
proferido pelo Espírito”, sendo o “um espelho no qual se refletem as emoções”
de nossa alma, onde “podemos captar os movimentos da nossa alma e nos faz
dizer como provenientes de nós mesmos, como palavras nossas, para que,
trazendo à memória nossas emoções passadas, reformemos a nossa vida
espiritual”.5 Ambrósio de Milão, que introduziu o canto dos salmos no culto
público no Ocidente, chamou-os de “um tipo de ginásio para ser usado por
todas as almas, um estádio da virtude, onde diferentes exercícios são
praticados, dentre os quais se podem escolher os mais adequados treinamentos
para se alcançar a coroa”.6 Agostinho de Hipona, que pregou todo o livro dos
Salmos para sua congregação, chamou-os de “escola”, “espelho” e “remédio”,
“cantados no mundo inteiro”.7 Quando sua última doença o derrubou, ele pediu
aos seus irmãos que fixassem nas paredes de sua cela cópias em letras grandes
dos salmos penitenciais (Salmos 6, 32, 38, 51, 102, 130 e 143), para que ele os
lesse continuamente.

No século XVI, Martinho Lutero afirmou que o livro dos Salmos “não coloca
diante de nós somente a palavra dos santos, (…) mas também nos desvenda o
seu coração e o tesouro íntimo de suas almas”, onde aprendemos a “falar com
seriedade em meio a todos os tipos de vendavais”, e que o saltério “faz
promessa tão clara acerca da morte e ressurreição de Cristo e prefigura o seu
Reino, condição e essência de toda a cristandade – e isso de tal modo que bem
poderia ser chamado de uma „pequena Bíblia‟”. Ele também afirmou: “É muito
benéfico ter palavras prescritas pelo Espírito Santo, que homens piedosos
podem usar em suas aflições”.8 Em seu leito de morte, ele recitava
continuamente: “Nas tuas mãos, entrego o meu espírito; tu me remiste,
SENHOR, Deus da verdade” (Sl 31.5). Por seu lado, João Calvino, que comentou
todo o livro de Salmos, escreveu:

Tenho por costume denominar este livro – e creio não de forma incorreta –
de „Uma anatomia de todas as partes da alma‟, pois não há sequer uma
emoção da qual alguém porventura tenha participado que não esteja aí
representada como num espelho. Ou melhor, o Espírito Santo, aqui, extirpa
da vida todas as tristezas, as dores, os temores, as dúvidas, as
expectativas, as preocupações, as perplexidades, enfim, todas as emoções
perturbadas com que a mente humana se agita. (…) A genuína e fervorosa
oração provém, antes de tudo, de um real senso de nossa necessidade, e,
em seguida, da fé nas promessas de Deus. É através de uma atenta leitura
dessas composições inspiradas que os homens serão mais eficazmente
despertados para a consciência de suas enfermidades, e, ao mesmo tempo,
instruídos a buscar o antídoto para sua cura. Numa palavra, tudo quanto nos
serve de encorajamento, ao nos pormos a buscar a Deus em oração, nos é
ensinado neste livro.9
No século XVII, o puritano Lewis Bayly, ao recomendar o cântico dos salmos
pelas famílias cristãs, afirma: “Cantem para Deus com as próprias palavras de
Deus”. E o uso do saltério deveria ter este alvo: “E faça uso frequente deles,
para que as pessoas possam memorizá-los mais facilmente”. Então, ele oferece
a sugestão do uso dos seguintes salmos para promover a piedade em família,
nos momentos de oração e devoção:

De manhã, os Salmos 3, 5, 16, 22 e 144. De noite, os Salmos 4, 127 e 141.


Implorando misericórdia depois de ter cometido pecado, os Salmos 51 e
103. Na doença em períodos de dura provação, os Salmos 6, 13, 88, 90, 91,
137 e 146. Quando o crente for restaurado, os Salmos 30 e 32. No dia de
santo repouso semanal, os Salmos 19, 92 e 95. Em tempos de alegria, os
Salmos 80, 98, 107, 136 e 145. Antes do sermão, os Salmos 1, 12, 147 e a
primeira e a quinta partes do Salmo 119. Depois do sermão, qualquer Salmo
relacionado com o principal argumento do sermão. Na Ceia do Senhor, os
Salmos 22, 23, 103, 111 e 116. Para inspirar consolo e tranquilidade
espiritual, os Salmos 15, 19, 25, 46, 67, 112 e 116. Depois do mal praticado
e da vergonha recebida, os Salmos 42, 69, 70, 140 e 145.10

Desde o princípio, a Palavra de Deus sempre vem em primeiro lugar. Nós somos
chamados a responder a Palavra de Deus, com todo nosso ser. E a oração é
nossa resposta à revelação de Deus nas Escrituras. Sendo assim, os Salmos são
a escola onde os cristãos aprendem a orar, pois como Peterson diz, “é esta
fusão de Deus nos falar (Bíblia) e nós falarmos a ele (oração) que o Espírito
Santo usa para formar a vida de Cristo em nós”.11Ou, como Ambrósio escreveu,
“a Ele falamos, quando oramos, a Ele ouvimos, quando lemos os divinos
oráculos”.12 E Bonhoeffer completa: “Portanto, se a Bíblia também contém um
livro de orações, isso nos ensina que a Palavra de Deus não engloba apenas a
palavra que Deus dirige a nós. Inclui também a palavra que Deus quer ouvir de
nós… (…) Que graça imensurável: Deus nos diz como podemos falar e ter
comunhão com Ele! E nós podemos fazê-lo orando em nome de Jesus Cristo. Os
Salmos nos foram dados para aprendermos a orar em nome de Jesus Cristo”.13

Se insistirmos em aprender a orar sozinhos, sem depender dos Salmos, nossas


orações serão pobres, uma repetição de frases prontas: agradecemos as
refeições, arrependemo-nos de alguns pecados, suplicamos bênçãos para
nossas reuniões e até pedimos orientação. Por outro lado, toda nossa vida deve
estar envolvida na oração. Peterson exemplifica esse fato com o livro do profeta
Jonas, que gira inteiramente em torno das relações entre Deus e o
profeta.14 Essas relações se originaram por meio do chamado profético, do qual
Jonas procurou fugir. Mas este personagem não é entregue a si mesmo. Na
primeira parte da historia, Deus deixa que o profeta chegue ao extremo de
quase perder a própria vida, somente para em seguida restaurá-lo à posição
onde se encontrava antes dele tentar evitar o chamado do Senhor.

No centro da narrativa bíblica está a oração que Jonas proferiu após ser
engolido por um grande peixe. Sua primeira reação ao se encontrar no ventre
do peixe foi fazer uma oração (cf. Jonas 2.2-9), o que não é surpreendente,
pois geralmente oramos quando estamos em situações desesperadas. Mas
existe algo surpreendente na oração de Jonas. Como Peterson destaca, sua
oração não é original ou espontânea: “Jonas aprendeu a orar na escola, e orava
como aprendera. Sua escola eram os Salmos”. Como o mesmo autor
demonstra, frase após frase a oração de Jonas está repleta de citações dos
Salmos:

“Minha angústia” de Salmos 18.6 e 120.1.


“Profundo” de Salmo 18.4-5.
“As tuas ondas e as tuas vagas passaram por cima de mim” de Salmo 42.7.
“De diante dos teus olhos” de Salmo 139.7.
“Teu santo templo” de Salmo 5.7.
“As águas me cercaram até à alma” de Salmo 69.2.
“Da sepultura da minha vida” de Salmo 30.3.
“Dentro de mim, desfalecia a minha alma” de Salmo 142.3.
“No teu santo templo” de Salmo 18.6.
“Ao Senhor pertence a salvação” de Salmo 3.8.

Cada palavra é derivada do livro dos Salmos. Geralmente achamos que a


oração é genuína quando é espontânea, mas a oração de Jonas, numa condição
extremamente difícil, é uma oração aprendida, sem originalidade alguma.

Peterson prossegue: “Ter palavras prontas para a oração não é apenas uma
questão de vocabulário. Nos últimos cem anos, teólogos deram atenção
cuidadosa à forma particular que os salmos têm (crítica da forma) e os
dividiram em duas grandes categorias: lamentações e ações de graças. As
categorias correspondem às duas grandes condições em que nós nos
encontramos: angústia e bem-estar”. De acordo com as circunstâncias e em
como nos sentimos, lamentamos ou agradecemos.15 “Os salmos refletem muitas
e diversas reações à vida: alegria, tristeza, gratidão e tranquila meditação, para
nomear apenas algumas. O adorador israelita tinha uma oração pronta para
todas as vicissitudes da vida. (…) Os salmos são orações cantadas para Deus,
logo, eles chegam a nós como palavras da congregação dirigidas a Deus, em
vez de a Palavra de Deus dirigida ao povo de Israel”.16
Como Peterson enfatiza, “a forma mais comum da oração nos Salmos é o
lamento”. Isso não deveria nos surpreender, já que essa é nossa condição mais
comum. “Temos muitas dificuldades, então oramos muito em forma de lamento.
Um estudioso da escola de oração dos Salmos conheceria essa forma melhor
que todas, pelo simples fato da repetição”. Jonas se encontrava na pior situação
imaginável. Seria natural que ele lamentasse. Mas ocorre o contrário – ele
profere um salmo de louvor. Por isso Peterson escreve: “Uma lição importante
surge aqui: Jonas estudou para aprender a orar, e aprendeu bem suas lições,
mas ele não era um aluno que apenas decorava. Seus estudos não bloquearam
sua criatividade. Ele era capaz de distinguir entre as formas e decidiu orar numa
forma adequada às suas circunstâncias que ele enfrentava. As circunstâncias
exigiam lamentos. Mas a oração, apesar de influenciada pelas circunstâncias,
não é determinada por elas. Jonas usou a criatividade para orar e decidiu orar
na forma de louvor”.

Por isso, não é suficiente expressar nossos sentimentos na oração, como


resposta a Deus: “Precisamos de um longo aprendizado de oração”. Por isso, a
melhor escola para a oração é o livro dos Salmos. “Em sua oração”, Peterson
continua, “Jonas demonstra ter sido um aluno aplicado na escola dos Salmos.
Sua oração se origina de sua situação, mas não se reduz a ela. Sua oração o
levou a um mundo muito maior que sua situação imediata”. Ele orou de
maneira adequada à grandeza de Deus, que o chamara, nos oferecendo um
forte contraste com a atual prática de oração. Nossa cultura nos apresenta
formas de oração que são em grande parte centradas em nós mesmos. Mas a
oração que é resposta ao Deus que se revela nas Escrituras é dominada pela
percepção de Sua grandeza.

2. A regra da oração
Como Peterson enfatiza, o modelo básico de devoção é a oração diária baseada
nos Salmos, sequencialmente, uma vez por mês.17 Mas precisamos destacar que
a oração diária dos salmos não é uma ação isolada. Ela permanece entre outros
dois fundamentos: a adoração junto com a igreja no domingo e a oração diária,
que são recordações às vezes intencionais, outras vezes espontâneas, em
resposta a Deus. Esses três fundamentos formam o ambiente de oração que
estimulará a devoção. No diagrama sugerido por Peterson, esses fundamentos
aparecem assim:
A adoração na igreja firma nossa espiritualidade na Escritura e na vida em
comunidade. Os Salmos nos levam a reaprender a linguagem da oração. E a
oração recordada desdobra a oração para todos os pormenores da vida. O alvo
é tornar a oração recordada incessante por meio da adoração comunitária junto
com a oração dos salmos. Como Peterson escreve, “os Salmos, centrados entre
Adoração e Recordação, são o lugar determinado onde habitualmente revisamos
a base, o vocabulário e os ritmos da oração”. É esta dinâmica que desenvolverá
nossa vida de oração. Por isso, a regra (regula) da devoção é: “Adoração
Comunitária/Oração dos Salmos/Oração Recordada é a base de onde
começamos e para onde voltamos – sempre”.

3. Os cristãos e o uso dos Salmos


Como aprendemos no Novo Testamento, Jesus Cristo, ao mesmo tempo em que
orou os Salmos (Hb 2.12) é o principal tema dos Salmos. “O cristão encontra
nos Salmos não somente os santos, mas também a Jesus Cristo, „o cabeça dos
santos‟, com seu sofrimento e sua ressurreição. Portanto, nos Salmos, como o
Salmo 22 e 69, o próprio crucificado fala”.18 Portanto, é justamente aqui que é
estabelecida nossa confiança de que seremos atendidos na oração: “Se
permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis
o que quiserdes, e vos será feito” (Jo 15.7). Pois como Bonhoeffer escreveu:
“Ao repetir as próprias palavras de Deus, começamos a orar a Ele. Não oramos
com a linguagem errada e confusa de nosso coração; mas pela palavra clara e
pura que Deus falou a nós por meio de Jesus Cristo, devemos falar com Deus, e
Ele nos ouvirá”.19Jesus Cristo ensinou aos seus discípulos que os Salmos
proclamam seu nascimento, vida, morte e ressurreição (Lc 24.44). Por outro
lado, uma vez que o Filho é “Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de
Deus verdadeiro”, os Salmos são dirigidos a ele, assim como ao Pai e ao Espírito
Santo (Jd 20-21). Portanto, Jesus Cristo é o alvo da oração dos salmos. E ao
orarmos em nome e por meio da mediação de Jesus Cristo, nos unimos a ele,
que vive sempre para interceder por nós (Hb 7.25).

Portanto, Jesus Cristo é a chave que interpreta os Salmos e aquele que ora os
Salmos deve buscar a Cristo como revelado no saltério. Em vez de tratar as
promessas, súplicas, confissões e lamentos de forma analítica, na leitura dos
Salmos aquele que ora participa das promessas, súplicas, confissões e lamentos
do próprio Cristo. O foco de tal oração será, assim, alcançar uma maior
comunhão com Jesus Cristo. “Lutero não sabia nada de um conhecimento da
Bíblia puramente objetivo, desinteressado ou erudito. Tal conhecimento, mesmo
se possível, seria apenas a letra morta que mata. O Espírito vivifica! Devemos,
portanto, „sentir‟ as palavras das Escrituras „no coração‟. A experiência é
necessária para entender a Palavra. Não é meramente para ser repetida ou
conhecida, mas para ser vivida e sentida”.20 Num sermão sobre a expressão
“invoquei o Senhor” (Sl 118.5), Lutero disse para congregação:

Invocar é o que você precisa aprender. Você ouviu. Não fique aí apenas
sentado ou virado de lado, levantando a cabeça e balançando-a, e roendo as
suas unhas preocupado e buscando uma saída, com nada em sua mente a
não ser como você se sente mal, como você está ferido, que coitado você é.
Levante-se, seu tratante preguiçoso! Ajoelhe-se! Levante suas mãos e seus
olhos para o céu! Use um salmo ou o pai-nosso a fim de clamar sua angústia
ao Senhor.21

As Escrituras, dessa forma, não são apenas a perfeita revelação de Deus, mas
guia do cristão em suas lutas e vitórias – não apenas atos históricos passados e
distantes, mas eventos vivos, aqui e agora. Deste modo, há outro fator que
deve levar os cristãos a meditar e incluir os Salmos em sua oração:

O abismo que há entre o cristianismo moderno e a espiritualidade da Bíblia


pode ser visto (…) no nosso seletivo uso dos Salmos, que era o hinário do
povo de Israel e da Igreja do Novo Testamento. Os Salmos não apenas
refletem toda experiência humana (p. ex.: confusão, raiva, medo,
ansiedade, depressão, alegria incontida), mas também nos forçam a parar
de fingir que tudo esteja bem com o mundo. Os salmos de lamentação (por
exemplo, os salmos 10, 13, 35 e 86) são veementes queixas diante de Deus
em relação às contradições existentes entre suas promessas e a realidade
pela qual o povo passa. Esses salmos raramente são usados no culto cristão
hoje em dia. Contudo, esses salmos são atos de uma fé corajosa: corajosa,
porque eles insistem em que temos que enfrentar o mundo como ele é, e
que temos que abandonar toda ostentação infantil; mas também de fé,
porque eles partem da convicção de que não existe assunto proibido,
quando se trata de termos uma conversa com Deus. Reter daquela conversa
com Deus qualquer coisa da experiência humana, inclusive a escuridão de
uma oração não respondida e os aspectos negativos da vida, é negar a
soberania de Deus sobre toda a vida. Assim, paradoxalmente, são aqueles
que reprimem suas dúvidas com uma série de cânticos alegres que bem
podem estar sendo incrédulos: pela recusa de crer que Deus pode cuidar de
toda a raiva que eles têm. Assim, os salmos de protesto constituem uma
poderosa repreensão ao que passa por fé e louvor na maioria dos grupos
cristãos de hoje. O que é irônico é que a vida moderna talvez nos exponha a
mais confusão e dor do que qualquer coisa do mundo do salmista; e contudo
ignoramos exatamente aquelas orações que vêm de encontro a tal senso de
desorientação. Não é de admirar que muito do ensino atual quanto à fé não
seja diferente do „pensamento positivo‟ dos gurus modernos da
administração, conquanto vestido com uma roupagem pseudobíblica. A fé
bíblica, entretanto, é exatamente o contrário.22

Portanto, “os salmos continuam sendo um tesouro de auxílio espiritual para os


cristãos. (…) Seja qual for o nosso estado de espírito, seja qual for nossa
situação, as vozes antigas nos convidam a ouvi-las. Elas também já passaram
por alegria, tristeza, luto, pecado, ira, confissão, perdão e outras experiências
que tocam tão profundamente em nossas vidas. Elas nos chamam a aprender
delas enquanto o Espírito Santo usa essas palavras para nos trazer para mais
perto do Senhor”.23

4. Colocando em prática
Podemos nos beneficiar do que Dietrich Bonhoeffer escreveu sobre o uso dos
Salmos: “Em muitas igrejas, cantam-se ou leem-se Salmos a cada domingo ou
até diariamente. Essas igrejas preservaram uma riqueza imensurável, pois
somente pelo uso diário penetraremos nesse livro divino de oração. Para o leitor
ocasional, suas orações são pujantes demais em seus pensamentos e sua força,
de modo que voltamos a procurar alimento mais digerível. Quem, no entanto,
começou a orar o Saltério com seriedade e regularidade, logo dispensará as
próprias orações superficiais e piedosas dizendo: „Elas não têm o sabor, a força,
a paixão e o fogo que encontro no Saltério. São muito frias e rígidas‟
(Lutero)”.24Portanto, devemos incluir os Salmos em nossas orações diárias,
permitindo que a Palavra de Deus estimule e guie nossas petições. E como uma
ajuda para orar os Salmos diariamente em nossa meditação ou oração diária,
oferecemos o roteiro abaixo:25

Dia 1: Salmos 1a8


Dia 2: Salmos 9 a 14
Dia 3: Salmos 15 a 18
Dia 4: Salmos 19 a 23
Dia 5: Salmos 24 a 29
Dia 6: Salmos 30 a 34
Dia 7: Salmos 35 a 37
Dia 8: Salmos 38 a 43
Dia 9: Salmos 44 a 49
Dia 10: Salmos 50 a 55
Dia 11: Salmos 56 a 61
Dia 12: Salmos 62 a 67
Dia 13: Salmos 68 a 70
Dia 14: Salmos 71 a 74
Dia 15: Salmos 75 a 78
Dia 16: Salmos 79 a 85
Dia 17: Salmos 86 a 89
Dia 18: Salmos 90 a 94
Dia 19: Salmos 95 a 101
Dia 20: Salmos 102 a 104
Dia 21: Salmos 105 e 106
Dia 22: Salmos 107 a 109
Dia 23: Salmos 110 a 115
Dia 24: Salmos 116 a 119.32
Dia 25: Salmo 119.33 a 119.104
Dia 26: Salmo 119.105 a 119.176
Dia 27: Salmos 120 a 131
Dia 28: Salmos 132 a 138
Dia 29: Salmos 139 a 143
Dia 30: Salmos 144 a 150

Pode ser de ajuda citar extratos de um ensaio sobre meditações diárias escritas
por Eberhard Bethge em 1935, sob a supervisão de Bonhoeffer, para uso no
seminário de pregadores (Predigerseminar) de Finkenwalde. Este oferece
sugestões práticas que se aplicam ao uso dos Salmos em nossa oração e
meditação diária:

Nós recomendamos a meditação bíblica para moldar nossas orações e, ao


mesmo tempo, para disciplinar nossos pensamentos. Finalmente, nós
preferimos a meditação bíblica porque nos faz conscientes de nosso
companheirismo com outros [irmãos] que estão meditando no mesmo texto.
A Palavra da Escritura nunca deve parar de soar em nossos ouvidos, e [deve
continuamente] trabalhar em nós ao longo do dia, como as palavras de
alguém que você ama. E assim como você não analisa as palavras de
alguém que você ama, mas aceita o que ele lhe diz, aceite a Palavra da
Escritura e medita nela em seu coração, como Maria o fez. Isto é tudo. Isto
é meditação. Não olhe para novas reflexões e conexões no texto, como se
você estivesse preparando uma pregação. Não questione „como passar isto
para alguém?‟, mas „o que ele tem a dizer para mim?‟ Pondere na Palavra
longamente em seu coração e deixe que ela te dirija e te possua. Não é
importante consumir o texto integral proposto para cada dia. Nós ficaremos,
frequentemente, esperando um dia inteiro para ouvir o que ele tem a dizer.
Deixe passagens incompreensíveis sossegadamente de lado, e não se
apresse a ir à filologia. (…)
Se os seus pensamentos o distraírem ore pelas pessoas e situações que lhe
preocupam. Este é o lugar certo para intercessão. Neste caso, não ore em
termos gerais, mas ore de forma objetiva por aquilo que lhe preocupa. Deixe
a Palavra da Escritura o conduzir. Pode ser de ajuda você escrever
calmamente o nome das pessoas com quem conversamos e pensamos todos
os dias. A intercessão precisa de tempo se for levada a sério. Mas cuidado
ao fixar um tempo designado para intercessão, para que esta não se torne
uma fuga daquilo que é mais importante, a busca pela salvação de sua
própria alma.

Iniciamos a meditação com uma oração pelo Espírito Santo. Que ele clareie
o nosso coração e prepare a nossa mente para a meditação e de todos
aqueles que estarão meditando também. Então, nos voltamos ao texto. Ao
término da meditação nós estaremos em posição de proferir uma oração de
ação de graças com um coração satisfeito. (…)

O tempo para a meditação é de manhã, antes de começar as tarefas. Meia


hora é o mínimo de tempo necessário para a meditação. Observe que o pré-
requisito é quietude extrema e o objetivo é não ser distraído por nada, por
mais importante que seja.

Uma atividade da comunidade cristã, infelizmente praticada muito


raramente, mas bastante útil, é quando ocasionalmente duas ou mais
pessoas se dispõe a meditar juntas. Mas que não tomem parte em
discussões teológicas especulativas.26

Bethge anexou esse texto a uma carta circular enviada de Finkenwalde para os
pastores da Igreja Confessante (Bekennende Kirche), em 22 de maio de 1936.
O ensaio foi rapidamente compartilhado entre os colegas pastores presos pelo
governo nazista. Bethge contou depois em como a exigência de Bonhoeffer de
que os alunos do seminário de pregadores de Zingst deveriam dedicar meia
hora a cada manhã para meditação silenciosa de um texto bíblico lhes causou
grandes dificuldades. Eles não sabiam como usar este tempo. Alguns iam
dormir, outros preparavam sermões, outros nem sabiam o que fazer ou
reclamavam que o tempo dedicado à meditação era excessivamente longo.
Estas instruções tencionavam tornar claro aos seminaristas a importância da
meditação e a maneira pela qual esta deveria ser feita.27

Sandro Baggio, pastor-mentor do Projeto 242, preparou um roteiro para ajudar


sua comunidade a praticar a leitura orante (lectio divina).28 Sugerimos que esse
roteiro deve ser usado durante a meditação nos Salmos, na medida em que
estas orações inspiradas pelo Espírito Santo são incorporadas às orações do
povo de Deus:

Lectio divina é um método de leitura-orante da Bíblia. É ler a Bíblia não


tanto para acumular conhecimento, mas como uma forma de diálogo com
Deus. Basicamente, alectio divina consiste
em statio (preparação), lectio (leitura), meditatio (meditação), oratio(oração
), contemplatio (contemplação), discretio (discernimento), comunicatio(com
unicação) e actio (ação). É preciso prática para penetrar na riqueza que
a lectio divina pode trazer para sua vida espiritual. „Medita estas coisas e
nelas sê diligente‟ [1Tm 4.15].

A prática da lectio divina requer que você separe um tempo para estar a
sós, num local tranquilo, sem distrações. Selecione o texto que deseja ler
(de preferência, não muito longo).

Os elementos centrais da lectio divina são:

Ler: Atentamente, com prazer e com fome, saboreando as palavras como


alimento espiritual. Leia o texto várias vezes, dando especial atenção aos
versos ou palavras que lhe chamam atenção. Escute o que o texto fala com
você.

Pensar: O que esse texto significa para você? Que versos ou palavras falam
mais à sua situação hoje? Como você tem vivido em relação a ele?

Orar: Orar é responder ao chamado no profundo de seu coração para falar


com Deus. Além de suas palavras, essa resposta pode ser também escrita
em um diário espiritual, com gestos (ajoelhar-se) e cânticos.

Viver: Você pode ler, pensar e orar o dia todo, mas a menos que você
pratique a Palavra de Deus, não terá valido nada. É preciso colocar em
prática o que Deus falou com você durante esse tempo de leitura e reflexão.
Sua vida será o maior testemunho que você poderá dar.

Nos dois textos citados acima é sugerida a meditação a sós. Mas queremos
enfaticamente recomendar que o tempo de oração ao Deus Trino seja feita em
comunidade – quando dois ou mais irmãos se reúnem para juntos buscar a
Cristo em oração por meio da leitura dos Salmos. Pois não é natural que o
cristão esteja só – a igreja, o ajuntamento dos fieis, é o corpo de Cristo, o
templo de Deus, o santuário e habitação do Espírito Santo (1Co 3.16-17; 6.19;
10.16; 12.27; Ef 4.12) – e é em comunidade que o cristão irá não só aprender
a orar, mas permanecerá em oração: “Regozijai-vos sempre. Orai sem cessar”
(1Ts 5.16-17). 29

Prossigamos com Bonhoffer: “Se em nossas igrejas já não oramos os Salmos,


então devemos incluí-los com mais afinco em nossas meditações matutinas e
vespertinas. Devemos ler vários Salmos diariamente e, de preferência, em
conjunto, a fim de lermos este livro diversas vezes ao ano, penetrando nele
com mais profundidade. Não deveríamos selecionar arbitrariamente alguns
Salmos. Ao fazer isto, estamos desonrando o livro de orações da Bíblia,
julgando saber melhor do que o próprio Deus o que devemos orar. Na igreja
antiga não era incomum saber „o Davi todo‟ de cor. Nas igrejas orientais isto era
condição para o exercício eclesiástico. Jerônimo, um dos pais da igreja, conta
que na sua época ouvia-se o cântico de Salmos nas lavouras e nos quintais. O
Saltério marcava a vida da jovem cristandade. Mais importante do que isto, no
entanto, é que Jesus Cristo morreu na cruz com a palavra dos Salmos em seus
lábios. Ao esquecer-se do Saltério, a cristandade perde um tesouro inigualável.
Ao recuperá-lo, será presenteada com forças jamais imaginadas”.30 Portanto,
voltemos à beleza, riqueza, profundidade e amplitude dos Salmos como nosso
guia da oração.

Conclusão
Durante sua longa trajetória, a igreja usou os Salmos para guiar a oração e a
devoção. Então, por que tantas pessoas não se dedicam à oração? Porque,
como nota Peterson, o poço é fundo e não temos nada para pegar a água.
“Precisamos de um vaso para colocar a água. (…) Os salmos são esse vaso. Não
são a oração em si, mas o vaso mais adequado (…) para a oração que já foi
criado. Recusar-se a usar esse vaso de Salmos, depois de compreender sua
função, é errar de propósito. Não é possível fazer um vaso de outro formato que
o substitua”. Certamente já houve várias tentativas para substituir os Salmos
como nosso guia da oração. Mas por que nos contentarmos com tão pouco,
quando temos esse vaso maravilhoso à nossa disposição? Deste modo, que
usemos os Salmos como o livro de orações da aliança. As palavras de Martinho
Lutero são apropriadas como conclusão: “O nosso amado Senhor, que nos
ensinou a orar o Saltério e o Pai Nosso e presenteou-nos com eles, conceda-
nos, também, o Espírito da oração e da graça, para que oremos sem cessar,
com disposição e seriedade de fé. Nós precisamos disso. Ele o ordenou e,
portanto, o requer de nós. A ele sejam dados louvor, honra e gratidão. Amém”.
____________
1
William S. LaSor, David A. Hubbard e Frederic W. Bush, Introdução ao Antigo
Testamento(São Paulo: Vida Nova, 2009), p. 465.
2
Para um resumo desse processo, cf. Eugene Peterson, em Um pastor segundo
o coração de Deus (Rio de Janeiro: Textus, 2001), p. 21-40.
3
William S. LaSor, David A. Hubbard e Frederic W. Bush, Introdução ao Antigo
Testamento, p. 484. Para uma introdução ao estudo dos Salmos, cf. Carl J.
Bosma, “Discernindo as vozes nos Salmos: uma discussão de dois problemas na
interpretação do Saltério”, Fides Reformata IX, Nº 2 (2004), p. 75-118 e N. H.
Ridderbos and P. C. Craigie, “Psalms”, em G. W. Bromiley (ed.), The
International Standard Bible Encyclopedia, v. 3 (Grand Rapids, MI: Eerdman,
1986), p. 1030-1038.
4
William S. LaSor, David A. Hubbard e Frederic W. Bush, Introdução ao Antigo
Testamento, p. 483.
5
Cf. Carta a Marcelino sobre a Interpretação dos Salmos.
6
cf. Ambrose, Explanatio Psalmorum XII.
7
cf. Santo Agostinho, Comentário aos Salmos, 3 v. (São Paulo: Paulus, 1997).
8
cf. “Prefácio ao Livro dos Salmos 1545”, “Sumários sobre os Salmos e razões
da tradução”, “Trabalhos do Frei Martinho Lutero nos Salmos apresentados aos
estudantes de teologia de Wittenberg” e “Os sete Salmos de
Penitência”, Martinho Lutero – Obras selecionadas, v. 8: interpretação bíblica,
princípios (São Leopoldo: Sinodal & Porto Alegre: Concórdia, 2003), p. 33-37,
224-233, 331-492, 493-548.
9
João Calvino, O livro dos Salmos, v. 1 (São José dos Campos: Fiel, 2009), p.
26-27.
10
Lewis Bayly, A prática da piedade (São Paulo: PES, 2010), p. 225-226.
11
Eugene Peterson, Uma longa obediência na mesma direção (São Paulo: Cultura
Cristã, 2005), p. 150.
12
Ambrósio, De officiis ministrorum I, 20, 88: PL 16, 50, em Constituição
Dogmática Dei Verbum sobre a Revelação Divina.
13
Dietrich Bonhoeffer, Orando com os Salmos (Curitiba: Encontrão, 1995), p.
14-15.
14
Para toda essa seção, cf. Eugene Peterson, A vocação espiritual do pastor (São
Paulo: Mundo Cristão, 2006), p. 75-110.
15
Para mais informações sobre o método de estudos bíblicos conhecido como
crítica da forma (Formgeschichte), e em como ela foi aplicada aos estudos dos
salmos, cf. William S. LaSor, David A. Hubbard e Frederic W. Bush,
Introdução ao Antigo Testamento, p. 467-478 e Derek Kidner, Salmos:
introdução e comentário, v. 1 (São Paulo: Vida Nova, 1992), p. 18-29.
16
Raymond B. Dillard & Tremper Longman III, Introdução ao Antigo
Testamento (São Paulo: Vida Nova, 2005), p. 207, 217.
17
Para esta seção e o gráfico empregado, cf. Eugene Peterson, A vocação
espiritual do pastor, p. 96-109.
18
Paul Althaus, A teologia de Martinho Lutero (Canoas: Ulbra, 2008), p. 116.
19
Dietrich Bonhoeffer, Orando com os Salmos, p. 12.
20
Timothy George, Teologia dos reformadores (São Paulo: Vida Nova, 1993), p.
86.
21
WA 31, p. 1, em Timothy George, Teologia dos reformadores, p. 87.
Vinoth Ramachandra, A falência dos deuses: a idolatria moderna e a missão
22

cristã (São Paulo: ABU, 2000), p. 60-61.


23
Bill Arnold e Bryan E. Beyer, Descobrindo o Antigo Testamento: uma
perspectiva cristã(São Paulo: Cultura Cristã, 2001), p. 312.
24
Dietrich Bonhoeffer, Orando com os Salmos, p. 23.
25
“Salmos litúrgicos”, em Livro de Oração Comum: forma abreviada e atualizada
com Salmos litúrgicos (Porto Alegre: Igreja Episcopal do Brasil, 1999), p. 215-
406.
26
“Instructions in Daily Meditation”, em Dietrich Bonhoeffer, Meditating on the
Word(Lanham, MD: Rowman & Littlefield, 2000), p. 21-32.
27
cf. Eberhard Bethge, Dietrich Bonhoeffer: a biography (Minneapolis: Augsburg
Fortress, 2000), p. 462-465.
28
cf. Eugene Peterson, Maravilhosa Bíblia (São Paulo: Mundo Cristão, 2008), p.
17-27, 97-133.
29
Para um desenvolvimento da importância da comunidade cristã, cf.
especialmente Dietrich Bonhoeffer, Vida em comunhão (São Leopoldo: Sinodal,
1997).
30
Dietrich Bonhoeffer, Orando com os Salmos, p. 23-24.

Cantemos as Canções que


Jesus Cantou
Os cânticos contemporâneos são fortemente baseados em frases dos Salmos: “Great is
the Lord and most worthy of praise” [Grande é o Senhor e mui digno de louvor], Salmo
96.4, “Bless the LORD, oh my soul” [Bendize, ó minha alma, ao Senhor], Salmo 103 e
“Cornerstone” [Pedra Angular], Salmo 118.22 estiveram entre as 20 canções de
adoração mais tocadas no período em que este texto foi escrito.
Recentemente, porém, uma leva de álbuns deu um passo adiante, gravando salmos
inteiros.

Em abril de 2015, a cantora e compositora Sandra McCracken lançou um álbum


intitulado simplesmente Psalms [Salmos]. Já em 2001, o grupo Shane & Shane, do
Texas, lançou Psalms [Salmos], e sua sequência, Psalms Vol. 2 [Salmos Vol. 2], em
2015. A Banda The Robbie Seay tem dois LPs sobre os Salmos, lançados em 2013 e
2015. E a Sons of Korah, banda de louvor australiana que começou a gravar no ano
2000, canta apenas salmos.

As canções destes álbuns tentam capturar o sentido, e em alguns casos, as palavras,


do capítulo inteiro.

“Está se tornando meio que uma tendência”, disse Shane Heilman, que iniciou o The
Psalms Project [Projeto Salmos]. Heilman é também diretor de um colégio e presidente
da Way Deeper Ministries, que capacita pessoas a praticar as disciplinas espirituais,
como meditação, oração e jejum.

Segundo Heilman, a coleção de três volumes de sua banda, The Psalms Project, foi
transmitida pela internet, baixada e comprada mais de 1 milhão de vezes desde que foi
lançada, pela a primeira vez, em 2011. A coleção, que inclui 30 salmos até agora,
aparece como primeira opção nos resultados do Google quando se busca por “psalms” e
“music” [“salmos” e “música”].

“Um pouco disso se deve à insatisfação com a superficialidade das letras de louvor
contemporâneo”, diz ele. “Estes salmos têm algo a dizer, se formos corajosos e
malucos o suficiente para transformá-los em canções modernas.”

Transformando Todos os 150 Salmos em Música

Heilman quer transformar todos os 150 Salmos (na sua integralidade) em música.

“Cerca de 10 anos atrás, quando estava em uma viagem missionária, tive um impulso
de musicar o Salmo 1”, ele conta. Ele gostou da melodia, de como as palavras eram
pura Escritura, e também porque era diferente da típica música contemporânea de
adoração.

“Daí veio a idéia delirante de tentar fazer isso com todos”, disse Heilman. Mas ele
desistiu quase que imediatamente, desnorteado pelo emaranhado de expressões
idiomáticas hebraicas e métricas irregulares.

Anos mais tarde, enquanto memorizava o Salmo 2, ele não parava de pensar, “isso
daria uma música muito legal, porque é uma mensagem tão poderosa, uma mensagem
política”.

Assim ele o fez, e no dia seguinte começou a trabalhar no Salmo 3.

“Comecei a pegar o jeito de transformar aqueles poemas hebraicos estranhos em


música. Depois que fiz cinco, pensei: Por que não chegar a 150?”

Onde Foram Parar os Salmos?

Canções contemporâneas de adoração costumam arrancar frases de louvor dos Salmos,


deixando de fora as queixas, as discussões, e a linguagem imprecatória incômoda,
disse Michael LeFebvre, pastor da Christ Church Reformed Presbyterian [Igreja
Presbiteriana de Cristo Reformada] em Brownsburg, Indiana. Muitos salmos incluem
tudo isso, e às vezes, vão de uma emoção extrema à outra.
“Fazer isso dificulta muito para o compositor, porque é preciso combinar a emoção e a
teologia do salmo na música”, disse Heilman.

Esta combinação é, por vezes, difícil, especialmente porque ele não quis usar o
andamento dos hinos, mas algo mais moderno “que pudesse ser tocado nas rádios”.

“O ponto que realmente me intrigava era: Se este foi o hinário do povo de Deus por
centenas, milhares de anos, por que há tão pouco dele em nossa adoração hoje?”

Por Que Eles Saíram?

O uso dos Salmos começou a diminuir quando Isaac Watts e outros começaram a
compor hinos na Inglaterra, no início dos anos 1700.

“Ele começou a escrever novas músicas, porque as pessoas estavam cansadas de


cantar salmos”, segundo LeFebvre. “Ele estava tentando torná-los mais fáceis e
acessíveis”.

Segundo Stephen Marini, em seu livro Sacred Song in America [A Música Sacra nos
Estados Unidos, sem edição em português], Watts também estava tentando ajustar a
teologia destas pessoas.

Apesar de admitir que Davi era, sem dúvida, um instrumento escolhido de Deus, Watts
afirmava que a compreensão religiosa de Davi poderia não ter assimilado plenamente
as verdades reveladas, mais tarde, por Jesus Cristo. Os Salmos deveriam, portanto, ser
“renovados”, como se Davi fosse um cristão, ou como Watts coloca no título do seu
Saltério, em 1719, eles deveriam ser “representados na linguagem do Novo
Testamento”.

Larry Eskridge escreveu para a revista Christian History que, ao longo dos últimos 40
anos, as igrejas mudaram novamente, desta vez se afastando dos hinos e se
aproximando dos cânticos. Começando com o movimento Jesus People [Povo de Jesus],
na década de 1970, cristãos munidos de violões começaram a escrever suas próprias
canções de adoração. E apesar do movimento Jesus People ter desaparecido, sua
influência no louvor congregacional permaneceu, provocando as já em declínio “guerras
de adoração”.

Agora que os cristãos se acostumaram a músicas que apenas louvam a Deus (talvez
como parte de nossa tendência a aparentar só o nosso melhor) canções de queixas ou
que clamam pela vingança de Deus nos fazem sentir desconfortáveis, diz LeFebvre. Ele
é o autor do livro Singing the Songs of Jesus [Cantando as Canções de Jesus, sem
edição em português], que explica como os Salmos eram originalmente usados na
adoração.

“O modelo para a adoração é o Rei, que é o solista, cantando para Deus”, ele explica.
“Nós somos o coral de apoio”.

Dentre os milhares de salmos cantados durante o louvor no templo, os israelitas


reuniram esses 150 ao longo dos anos que passaram entre os Testamentos, esperando
o seu Messias.

“Eles foram reunidos quando não havia nenhum rei no trono, na expectativa pelo
solista que irá nos conduzir”, explica LeFebvre. “De certo modo, este não é o hinário do
Antigo Testamento. É o hinário que o Antigo Testamento está entregando ao Novo
Testamento. Estes hinos foram dados ao povo de Deus disperso, à espera do Filho de
Davi, que irá nos conduzir em adoração novamente”.

Cantando Com Jesus, o Rei


Jesus é este Rei, e nós estamos cantando estas músicas com Ele, diz LeFebvre. Embora
a linguagem possa incomodar, podemos ter certeza de que é correta e inspirada por
Deus.

A linguagem ocasionalmente sombria do Saltério, apesar de não direcionar louvor a


Deus, é a avenida que podemos usar para chegar lá, diz ele.

“Lutar com nossa frustração, nossa miséria e a falta de sentido no mundo nos conduz
ao louvor”, diz ele. “Não são declarações de louvor propriamente, mas nos ajudam a
levantar e louvar”.

E apesar de algumas situações específicas parecerem estranhas aos cristãos modernos


(habitar nas tendas de Quedar, pelejar em batalhas físicas, ou oferecer oferta
queimada), elas podem nos lembrar da universalidade da Igreja. Estas mesmas
palavras foram cantadas pelos antigos israelitas no templo, pelos discípulos em
Jerusalém, por Calvino em Genebra e pelos Puritanos na Nova Inglaterra. E hoje os
cristãos na Síria, em Pequim e na Nigéria estão cantando as mesmas palavras.

“Quando cantamos os Salmos, estamos cantando em solidariedade à igreja sofredora


por todo o mundo”, diz ele.

Nem Sempre é Fácil

Dito isto, cantar os Salmos no culto congregacional nem sempre será fácil. A linguagem
não é tão fácil como a nossa repetição moderna de estrofes rimadas, e as emoções não
são sempre tão inspiradoras.

Para aqueles ansiosos em ensinar sua congregação sobre a importância de cantar os


salmos, LeFebvre sugere que o que ajuda é explicarmos a teologia dos salmos, e
ensinarmos as pessoas a procurar por imagens que rimam ao invés de palavras que
rimam.

Heilman diz que existem inúmeras vantagens em retomar o uso dos Salmos no culto
congregacional, tanto no nível pessoal como para a igreja em geral. Ao menos, a
prática conecta os cristãos (individualmente) e suas igrejas locais específicas mais
intimamente com a Palavra revelada de Deus.

“Percebi o quão diferente e específica é a mensagem de cada salmo do que eu pensava


inicialmente… Todos eles têm algo importante e único para oferecer. A maior surpresa
foi ver o quanto existe ali que eu não havia percebido antes”.

Traduzido por Claudio L. Chagas

Ore com as
Escrituras
“A Bíblia habilita homens e mulheres de Deus para toda boa obra. Orar é uma boa
obra. Vamos orar o Livro”

Rev. Thabiti Anyabwile


Oração é um meio de graça pelo qual nos relacionamos com Deus. É um exercício de
conversa com o Senhor, pelo qual falamos com Ele e também O ouvimos. Quando
oramos com as Escrituras, damos fluência ao diálogo com nosso Criador e tornamos
esse relacionamento mais íntimo. Vejamos, então, mais cinco razões pelas quais é tão
bom e importante ter a Bíblia como nossa companheira de oração.

As Escrituras nos Ensinam Sobre com Quem Estamos


Conversando
Em primeiro lugar, a Bíblia nos ensina quem é Deus. Ao orar, é sempre preciso ter em
mente a quem estamos nos dirigindo. A Palavra nos ensina que Deus é Trino, Criador,
Rei soberano sobre todas as coisas, amoroso e justo. Por exemplo, Salmo 47.2 declara
que „”o SENHOR Altíssimo é tremendo, é o grande rei de toda a terra”; Salmo 7.11
afirma que “Deus é justo juiz” ; e I João 4.8 ensina que “Deus é amor”.

Ao sermos lembrados desses e outros atributos de Deus através de sua Palavra,


podemos declarar na oração as maravilhas de Seu ser, adorando-O por seu poder,
soberania, amor e justiça. É mais fácil descansar de nossas ansiedades quando
adentramos na presença do Senhor lembrando-nos de Sua grandeza antes de expor
nossos problemas e preocupações. Ao orar com as Escrituras, nossas mentes fixam-se
nas verdades sobre a Santíssima Trindade, e nossos corações são inundados primeiro
pela paz da realidade de quem Deus é.

Não à toa, quando Jesus ensina a orar, ele inicia declarando os atributos da soberania e
da santidade de Deus, e logo em seguida passa a clamar pela vinda do Seu reino e
execução da Sua vontade: “Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome.
Venha a nós o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como nos
céus”. Apenas depois disso, seguem petições por sustento material, perdão de pecados,
segurança contra a tentação e o mal; encerrando, mais uma vez, com uma afirmação
de que a Deus pertencem “o reino, o poder e a glória para sempre”.

As Escrituras nos Ensinam Sobre Quem Nós Somos e a


Necessidade que Temos de Sermos Auxiliados na Oração
Em segundo lugar, a Palavra de Deus nos ensina a desconfiarmos de nós mesmos.
Tiago 4.3 alerta que “nada tendes, porque não pedis; pedis e não recebeis, porque
pedis mal”. Por causa do pecado, perdemos a habilidade de pedir corretamente e de
nos dirigirmos a Deus da maneira adequada. Na mesma linha, Paulo também diz em
Romanos 8 que “não sabemos o que havemos de pedir como convém”. Ora, toda a
criação “ficou sujeita à vaidade”, e isso nos atinge diretamente. Desse modo, nossos
vãos desejos e nossas vontades egoístas nos cegam para aquilo que é prioridade no
Reino de Deus. Mas quando oramos a partir das Escrituras, não temos como pedir mal,
pois passamos a desejar o que Deus deseja. Partindo da Palavra, é mais fácil orar tal
qual Agostinho orou: “Concede o que tu ordenaste, e ordena o que tu desejas”.[ii]

Um ponto importante a ser trazido aqui é que podemos colocar como meta pessoal
desenvolver uma rígida disciplina de oração, sem, contudo, progredir em intimidade
com Deus, justamente porque estamos a falar com Ele sobre coisas vãs e
inconvenientes, uma vez que nossas prioridades estão erradas. Prioridade de oração
por si só não é suficiente para colocar em ordem as corretas prioridades na oração. A
Bíblia, no entanto, nos ajuda a ordenar as coisas, a fim de fazer frutífero o nosso tempo
de conversa com o Senhor.

Prioridade de oração por si só não é suficiente


para colocar em ordem as corretas prioridades na
oração.
Dietrich Bonhoeffer escreveu a respeito da importância de orar com os Salmos a fim de
nos curar da confusão do coração e tornar mais puras as nossas preces:

“Ao repetir as próprias palavras de Deus, começamos a orar a Ele. Não oramos com a
linguagem errada e confusa de nosso coração; mas pela palavra clara e pura que Deus
falou a nós por meio de Jesus Cristo, devemos falar com Deus, e Ele nos ouvirá.”[iii]

Paulo ensina, em Romanos 8, que o “Espírito intercede por nós sobremaneira, com
gemidos inexprimíveis”. Isso é um encorajamento e tanto! Mesmo quando precisamos
lutar contra a vaidade e inconveniência de nossas orações, ainda assim, em sua infinita
Graça e misericórdia, o Espírito Santo está disposto a interceder por nós de uma
maneira que nós jamais teríamos capacidade de fazer.

Destarte, ao demonstrar quem somos, a Bíblia coloca à nossa disposição esse duplo
filtro: ela nos aponta a necessidade de não deixar que os desejos errados se
transformem em petições; e, se ainda não sabemos orar como convém, o Espírito
Santo nos assiste em nossas fraquezas e intercede por nós. Purificamos, assim, nossas
orações com a Palavra de Deus através do auxílio do Espírito Santo.

Homens e Mulheres Santos Oraram com a Palavra de Deus


Em terceiro lugar, a Bíblia tem vários exemplos de santos que oraram as Escrituras. A
oração de Jonas no ventre do peixe são citações reunidas de vários versos do Livro de
Salmos, tais como: 42.7; 31.22; 69.1; 31.6; 50.14; dentre outros, encerrando com “Ao
Senhor pertence a salvação”, de Salmo 3.8.

O cântico de Maria, uma oração entoada ao receber do anjo a notícia que estava
grávida do Espírito Santo, apresenta um tom inspirado pela Palavra de Deus. A Bíblia
de Estudo Nova Almeida Atualizada comenta;

“O hino de louvor de Maria (o “Magnificat”) segue a forma dos Salmos de ação de


graças, que começam agradecendo a Deus e, então, explicam o motivo da gratidão. O
“Magnificat” traz ecos do conteúdo e forma de Sl 103.1.”[iv]

Na cruz, o próprio Filho Jesus usou as Escrituras para falar com o Pai: Sl 22.1 – “Meu
Deus, meu Deus, Por que me abandonaste”; e Sl 31.5 – “Em tuas mãos eu entrego
meu Espírito”.Em Atos dos Apóstolos temos também o exemplo de Pedro e João que,
após contarem aos demais discípulos sobre os acontecimentos do interrogatório
perante o Sinédrio, oraram com a igreja em Jerusalém a partir do Salmo 2.

Essa oração dos discípulos, narrada em Atos 4.23-30, é um bom modelo para
seguirmos. Leia abaixo a passagem citada e observe o seguinte: (1) Deus é exaltado
por ser o Criador; (2) os apóstolos declaram sua fé no Espírito Santo que inspirou as
Escrituras; (3) os versículos 1 e 2 de Salmo 2 são declamados; (4) os fatos ocorridos
em Jerusalém naqueles dias são, então, trazidos e interpretados de acordo com
a Palavra de Deus; (5) a partir da interpretação dos acontecimentos conforme as
Escrituras, a petição é apresentada diante de Deus.

(1) Senhor tu que fizeste o céu e a terra, o mar e tudo que neles há; (2) que, pelo
Espírito Santo, disseste pela boca de nosso pai Davi, teu servo: (3) „Por que os
gentios se enfurecem, e os povos imaginaram coisas vãs? Os reis da terra
levantaram-se, e as autoridades aliaram-se contra o Senhor e contra o seu
ungido‟. (4) Pois, nesta cidade, eles de fato se aliaram contra o teu santo Servo Jesus,
a quem ungiste; não só Herodes, mas também Pôncio Pilatos com os gentios e os
povos de Israel; para fazer tudo o que a tua mão e a tua vontade predeterminaram que
se fizesse. (5) Agora, pois, ó Senhor, olha para as ameaças e concede aos teus servos
que falem a tua palavra com toda coragem, enquanto estendes a mão para curar e
para realizar sinais e feitos extraordinários pelo nome de teu santo Servo Jesus.
As Escrituras são um Termômetro da Fé Depositada em Nossa
Oração
Em quarto lugar, orar com as Escrituras serve como um termômetro de nossa fé. O
Reverendo Thabiti Anyabwile, ao pregar sobre o trecho citado acima de Atos 4, cita J.I.
Packer, o qual em seu livro “Knowing God”, ensina “que o conteúdo de nossa oração é
a medida do quanto cremos na Palavra de Deus”. Thabiti chama a atenção para o fato
de que “crer na inspiração das Escrituras nos leva a orar”. Há aí, então, um ciclo
virtuoso entre fé na Palavra de Deus e oração, uma alimentando a outra. Diz o
pregador norte-americano:

“Se Deus inspirou uma Palavra, essa Palavra deve inspirar a nossa oração. Se Deus
soprou uma Palavra viva através de seus instrumentos humanos, e essa Palavra é
infalível, inspirada, inerrante e suficiente, essa Palavra deve dar o sabor, formar e, de
fato, preencher a nossa vida de oração. Aqui está uma maneira prática pela qual você
pode dizer se acredita ou não na inspiração das Escrituras: é se você a ora ou não.
Nossa vida de oração deveria ser um reflexo de nossa vida de doutrina.”

Há aí, então, um ciclo virtuoso entre fé na


Palavra de Deus e oração, uma alimentando a
outra.
As Escrituras Oram por Nós em Tempos de Dificuldade
Quinto e último, as Escrituras nos ajudam a orar quando não conseguimos achar forças
em nós mesmos para falar com Deus. Muitas vezes, nossa vida espiritual pode ser uma
montanha-russa. Temos picos de grande poder, em que sentimos que nosso tempo de
oração, leitura da Palavra e comunhão com a família e a igreja estão simplesmente
fluindo da melhor maneira possível. Há tempos, porém, em que a nossa falta de
vontade de orar torna-se uma grande luta. São períodos em que não queremos estar
desfrutando da companhia de nossos irmãos e irmãs na fé, não desejamos abrir a Bíblia
e não temos o mínimo desejo de falar com Deus. São nesses momentos que o tempo
em que passamos orando imersos nas Escrituras irá fazer a diferença, pois o Espírito
Santo vai martelar a nossa mente com a Palavra inspirada de Deus.

Em seu livro “A Praying Life: Connecting with God in a Distracting World”, Paul E. Miller
relata a importância que orar com as Escrituras teve em sua vida durante uma época
de tribulações e frieza espiritual:

Anos atrás eu passei por um tempo em que minha vida tornou-se tão difícil que eu
fiquei incapacitado para orar. Eu não conseguia me concentrar. Então eu parei de tentar
ter um tempo coerente de oração, e por semanas durante meu tempo matinal de
oração, eu não fiz nada além de orar o Salmo 23. Eu estava lutando pela minha vida.
Eu não percebi naquele instante, mas eu estava seguindo o hábito de leitura divina
chamada de lectio divina, que foi desenvolvida pela igreja primitiva. Ao orar
vagarosamente através de uma porção das Escrituras, eu estava permitindo que as
Escrituras dessem forma às minhas orações.[v]

Rev. Thabiti Anyabwile também fala sobre como as Escrituras podem nos ajudar em
tempos de dificuldades que tendem a nos afastar da oração:

“Quando estamos machucados, nós temos a tendência de projetar nossa dor em Deus.
Nós tomamos o que as nossas dores sugerem e as tratamos como fatos, tornando-as
em acusações contra Deus. Nós dizemos coisas como: “Se Deus é bom, por que levou
meu filho?”, “Por que Deus me negou uma esposa e família – é um bom desejo, não é?,
“Deus está me punindo?”. Não surpreendentemente, pessoas que permitem sua
experiências de dor e sofrimento abalar seu entendimento de Deus, acabam
encontrando dificuldade para orar. É aí, então, que orar as Escrituras como a Palavra de
Deus inspirada e suficiente realmente nos ajuda quando estamos tão machucados ao
ponto de não sabermos como orar. Porque quando nós oramos as Escrituras, nós, na
verdade, permitimos que as Escrituras definam e interpretem nossa experiência, ao
invés do contrário.”

Quando oramos com a Bíblia, diz Thabiti, “somos informados pela Palavra, e não pelo
mundo” (no jogo de palavras em inglês: informed by the Word, not by the world).
Desse modo, a partir da Bíblia, é a agenda de Deus, seus propósitos e motivações que
guiam a oração, a qual deixa de ser pautada por nossas preocupações, ansiedades,
desejos frustrados, ou falta de vontade de orar.

Assim, as Escrituras não somente nos dão as palavras que nos faltam em nossas lutas
mentais e espirituais, mas também nos ajudam a fazer uma leitura correta do que está
ocorrendo em nossas vidas, impulsionando-nos, inclusive, quando nos encontramos
desmotivados. É difícil imaginar como Pedro e João teriam orado se não
compreendessem sua prisão pelas lentes da continua oposição das nações contra o
Ungido do Senhor apresentada em Salmos 2. O que eles fizeram foi interpretar o que
haviam sofrido a partir do texto bíblico: “Pois, nesta cidade, eles de fato se aliaram
contra o teu santo Servo Jesus, a quem ungiste”. E nisso eles estruturaram a prece
apresentada, encontraram palavras para orar, e souberam pedir corretamente: “Agora,
pois, ó Senhor, olha para as ameaças e concede aos teus servos que falem a tua
palavra com toda coragem…”. E foi exatamente o que aconteceu, pois, ficaram cheios
do Espírito Santo e, parafraseando Rev. Thabiti, passaram a pregar com intrepidez a
Palavra após terem orado a Palavra – conforme está descrito em Atos 4:31: “Tendo
eles orado, tremeu o lugar onde estavam reunidos; todos ficaram cheios do Espírito
Santo e, com intrepidez, anunciavam a palavra de Deus”.

Conclusão: Cultive o Costume de Orar com as Escrituras


Ao abrirmos a Bíblia, antes de iniciar a leitura, é um hábito importante pedir que o
Espírito Santo nos ilumine e nos dê o entendimento correto do texto. Todavia, querido
irmão e querida irmã, se você ainda não tem o costume de continuar conversando com
Deus enquanto lê as Escrituras, experimente orar citando as palavras e os
ensinamentos que você encontrar na passagem bíblica que está a ler. Ore os Salmos, e
não apenas leia-os. Afinal, eles são orações escritas inspiradas pelo Espírito Santo.
Calvino disse que o livro de Salmos é “uma anatomia de todas as partes da alma”[vi].
Use-os, então, para expor toda sua alma, emoções, lutas internas e sentimentos diante
de Deus. Os Salmos também são canções de louvor e adoração que falam
constantemente dos atributos divinos. Aproveite, então, para orar louvando ao Senhor
enquanto os lê.

Durante a leitura de uma das tantas histórias encontradas na Bíblia, peça para Deus
não permitir que você venha um dia a cair no pecado da personagem que está naquele
texto, e se houver qualquer bom exemplo a ser seguido, peça a Deus para lhe ajudar a
fazer o mesmo. Reflita em como o trecho sendo lido aponta para Cristo, e expresse em
oração o quanto você quer ser mais parecido com Jesus.

Orar com as Escrituras, no entanto, não significa que perderemos espontaneidade em


nossas orações. Franklin Ferreira afirma que, justamente, quando oramos sem a
Palavra de Deus é que nos tornamos repetitivos: “Se insistirmos em aprender a orar
sozinhos, sem depender dos Salmos, nossas orações serão pobres, uma repetição de
frases prontas”.[vii]

É claro que necessitamos de palavras próprias para orar, afinal é preciso falar com
Deus sobre as coisas que estão acontecendo em nossas vidas e das outras pessoas por
quem estamos orando, bem como Deus quer nos ouvir externando nossos sentimentos,
nossos pensamentos e nossas dificuldades pessoais. Também necessitamos pedir
perdão por pecados específicos, verbalizar o que estamos ansiando, expressar o que
sentimos e agradecer por coisas boas que nos acontecem. Porém, deixe que a Bíblia dê
o tom de suas orações. Busque louvar ao Senhor da maneira que Ele é louvado nas
Escrituras, exalte-O por Seus atributos revelados em Sua Palavra, peça de acordo com
o que ela ensina a pedir, agradeça com ações de graças de louvores bíblicos, e clame
sempre pela ajuda do Espírito Santo. Como diz Paul E. Miller: “Quando eu saturo minha
vida com a Palavra, eu dou ao Espírito o vocabulário para tornar a Palavra pessoal para
mim”[viii].

Você pode também, por exemplo, usar cada frase da oração que Jesus ensinou aos
discípulos para introduzir pontos de sua própria oração.[ix] Decore trechos que você
poderá usar para orar publicamente em comunidade, ou em momentos a sós quando
você não tem uma Bíblia consigo. Suas orações sempre ganharão não apenas em
beleza e profundidade, mas também em pureza, tornando-as aroma mais agradável ao
Senhor.

Para encerrar, vale citar mais uma vez mais o Rev. Thabiti Anyabwile sobre o uso da
Palavra inspirada por Deus em nossas orações: “quando comparamos com a Bíblia, nós
percebemos quão fraca e sem inspiração é a nossa oração”. Por isso, precisamos orar
com a Palavra de Deus, seja com nossos olhos fixos nela, ou com ela fixa em nossas
mentes. Ao orar com as Escrituras, temos força e direção, bem como recebemos o
auxílio do Espírito Santo que as inspirou, fazendo, assim, crescer a intimidade de nosso
relacionamento com o nosso Criador.

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