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O mundo ao nosso redor: desafios de direitos humanos no horizonte e o

futuro da Anistia Internacional


Kumi Naidoo, Secretário Geral - 1/março/2019

Introdução

Após seis meses no cargo de Secretário Geral e refletindo retrospectivamente sobre as muitas
conversas com as equipes do Secretariado Internacional e do nosso movimento global,
considero este momento importante para uma reflexão sobre a situação do mundo e a nossa
capacidade e prontidão para enfrentar os desafios ao nosso redor.

Começo reconhecendo a pura verdade, embora estejamos vencendo algumas batalhas, não
estamos ganhando a guerra pelos direitos humanos. Existem provas abundantes disso à nossa
volta, não apenas o fato de líderes que dão suas costas aos direitos humanos e que contam com
apoio massivo. Parece altamente improvável que algo como a Declaração Universal de Direitos
Humanos, que acaba de completar 70 anos, seja objeto de consenso nos dias de hoje - o que
nos lembra o seu precioso valor, mas serve também como um alerta sombrio sobre seu sucesso.
O que isso demonstra sobre a nossa eficácia como seus defensores?

Até hoje, a teoria de mudança da Anistia Internacional no seu nível macro concentra-se no
estabelecimento de normas, na medição da adesão a essas normas e na organização de
campanhas massivas (em geral dirigidas aos governos) destacando as deficiências e abusos que
identificamos. Isto é baseado em grande número de premissas, incluindo a ampla adoção dos
direitos humanos, o Estado como o principal centro de poder e a centralidade do direito
internacional, entre outros. Hoje, essas premissas estão todas sendo questionadas.

A pressão sobre os direitos humanos vem não apenas do grau em que são violados
impunemente, mas também de dúvidas legítimas sobre a utilidade desse marco dos direitos
humanos. A ascensão da China contraria a ideia de que o crescimento econômico
necessariamente produz maior liberdade política, ou que os direitos humanos são condição
essencial para uma vida material melhor. O crescimento econômico de muitos países
emergentes não passou a significar maior liberdade política ou igualdade - os direitos humanos
não encontraram o caminho para desafiar adequadamente essas realidades. Os avanços
tecnológicos impõem perguntas fundamentais sobre a natureza do ser humano e ainda podem
desafiar a ideia inerente de igualdade humana. Nossa compreensão ecológica em mudança traz
questões sobre o antropocentrismo dos direitos humanos. Sobretudo, os direitos humanos se
tornaram um tanto periféricos, na visão de muitas pessoas, para resolver os maiores desafios
do nosso tempo.

De nada adianta estarmos certos, se não formos efetivos. A tarefa urgente que temos à nossa
frente é simples, porém tem caráter existencial: reinventar a nossa relevância para as principais
lutas e desafios do mundo e a nossa capacidade de fazer a mudança acontecer.

O mundo ao nosso redor

A característica mais marcante do mundo em que vivemos é sua complexidade. Ninguém


consegue entender realmente a economia global, e tendências como a urbanização acelerada,
a hiperconectividade global, os padrões de migração, o desenvolvimento exponencial de
tecnologias, além de profundas mudanças na natureza do trabalho criam dinâmicas sociais e
políticas complexas que mal podem ser mapeadas, muito menos analisadas. No entanto,
algumas grandes tendências mundiais são fáceis de ver e estão fortemente interligadas.

• Mudança climática. A extrema urgência em se confrontar a mudança climática foi


claramente expressa no icônico relatório do Painel Intergovernamental das Nações
Unidas sobre Mudança Climática (IPCC), que alertou que temos apenas 12 anos para
implementar ações que limitem o aquecimento a 1,5°C e que depois disso a situação
será irreversível e causará danos catastróficos. A mudança climática é em grande
parte resultado do modelo econômico centrado no consumo e da visão política de
curto prazo. Seus efeitos já começam a ser sentidos mais fortemente pelas
populações mais marginalizadas. Mesmo que a mudança climática já impulsione
importantes desafios aos direitos humanos, o que vemos hoje é uma mera sombra
da provável calamidade que nos aguarda, a menos que consigamos agir com
urgência.
• Desigualdade. A desigualdade de renda cresceu em praticamente todas as regiões
do mundo nas últimas décadas, como consequência do modelo econômico
dominante no planeta. Desde 1980, apesar da diminuição no número de pessoas
abaixo da linha da pobreza, os 1% mais ricos enriqueceram o dobro dos 50% de
baixo1, e de acordo com a Oxfam, o número de bilionários dobrou desde a crise
financeira de 20082. A crescente desigualdade traz implicações, incluindo enormes
disparidades criadas no acesso a saúde, educação, água, saneamento e outros
serviços importantes, crescentes desequilíbrios de poder e outros - espera-se que
esse abismo cresça ainda mais, inclusive devido a medidas de austeridade,
corrupção e discriminação estrutural. Mas a desigualdade não é uma má notícia
tendenciosa: o consumismo elevado afeta a saúde mental, e quanto mais desigual
uma sociedade, maior o grau de infelicidade de todos os seus integrantes.
• Tecnologia. O rápido avanço tecnológico afeta profundamente o modo como os
humanos interagimos com o mundo, inclusive o modo como processamos a
informação e tomamos decisões, além da própria natureza do trabalho. As
mudanças provavelmente transformarão a nossa ideia do que é ser humano, com a
crescente sofisticação e acesso a tecnologias como a inteligência artificial e a
manipulação genética, ainda que só para os muito ricos, possivelmente
contribuindo para acentuar a desigualdade social. À medida que a economia do
compartilhamento começar a empregar um número cada vez maior dos
trabalhadores do mundo, precisaremos por à prova as nossas legislações
trabalhistas e conceitos de seguridade social - por mais que sejam implementados
de forma desigual - para ver se cumprem sua missão. O cálculo de 2017 foi de 1,4
bilhão de trabalhadores em empregos vulneráveis, e o número segue crescendo3. A
tecnologia também traz poderosos instrumentos de repressão e engenharia social
com potencial muito além de qualquer coisa que tenhamos visto até agora.

1
World Inequality Lab, World Inequality Report 2018, World Inequality Database, págs. 4-7, disponível
em: https://wir2018.wid.world/
2
Oxfam, Public Good or Private Wealth, p. 12, disponível em:
https://oxfamilibrary.openrepository.com/bitstream/handle/10546/620599/bp-public
3
ILO, World Employment and Social Outlook: Trends 2018, available at:
https://www.ilo.org/global/research/globalreports/weso/2018/WCMS_615594/lang--en/index.htm.
• Demonização. Muitos líderes e políticos mundiais têm explorado com êxito a
ansiedade latente de muitas populações, inclusive relacionada à desigualdade,
fragilidade e identidade, espalhando narrativas de temor e culpa, provocando ódio
e violência identitária, promovendo o ufanismo e rejeitando o internacionalismo.
Dos EUA à Hungria e às Filipinas, muitos são envolvidos pela retórica demonizante
de líderes políticos que descaradamente rejeitam ou minam os direitos humanos.
Suas narrativas simplórias do "nós contra eles" ecoam em todas as redes sociais, um
atrativo compreensível num mundo cuja complexidade é tão grande que a maioria
dos políticos parece totalmente impotente para enfrentá-la, e onde os cidadãos
comuns perderam a confiança na capacidade deles influenciarem e engendrarem
mudanças. Os seguidores dos líderes que usam essas táticas de demonização são
em geral pessoas que se sentem desamparadas num mundo cada vez mais desigual.

Nem é preciso lembrar que os eixos de poder do mundo estão se deslocando de forma
decisiva. Em particular, o movimento de direitos humanos como um todo falhou ao não
considerar com seriedade a ascensão econômica e política da China e todas as suas
implicações, e precisamos investir mais em entender e nos adaptar. A enorme influência
das corporações como fonte causadora dos abusos de direitos humanos não é
correspondida pela atenção que lhes é dada pelo movimento em defesa dos direitos
humanos. Não podemos esperar que os métodos do passado comprovem-se eficazes no
futuro.

Porém, há também os pontos positivos que não devemos esquecer. Não podemos
ignorar as rápidas mudanças de mentalidade de muitos países com relação às pessoas
LGBTI, e embora ainda haja muito a fazer, não deixa de ser uma esperança.
Surpreendentemente, a retomada global dos movimentos de direitos das mulheres,
tanto os transnacionais como o #MeToo, como as lutas específicas em países como
Argentina, Índia, Polônia, Arábia Saudita e EUA estão - esperamos - nos aproximando de
uma importante virada. Este é o momento certo para transformarmos até mesmo o que
se entende como poder, que tem oprimido mulheres e pessoas LGBTI em todos os
cantos do mundo.

Mas se os movimentos de protesto comunitários, em rede, em especial os movimentos


de mulheres, contra a discriminação e de jovens, são a fonte da energia existente no
mundo de hoje para fazer campanhas, devemos também reconhecer a pouquíssima
confiança nas organizações da sociedade civil internacionais. Escândalos financeiros
deterioraram a confiança do público nos países em que as ONGs foram historicamente
fortes, e os líderes de muitos países fortaleceram seus ataques às organizações
internacionais e também às ONGs locais, como demonstra a própria experiência da
Anistia.

Direções Futuras

Com base na rápida análise dos desafios externos e na minha experiência de mais de
trinta anos como gerador de mudanças sociais, apresento os seguintes imperativos para
a Anistia. Elas serão as minhas prioridades, a fita métrica que usarei no meu trabalho
com a equipe de líderes sênior, a equipe de gestão global, o conselho internacional e os
líderes das seções. Sigo usando a estrutura de uma Anistia que seja "maior, mais ousada
e mais inclusiva". Gostaria, entretanto, de apresentar uma lista mais extensa, que se
relaciona de perto com os três títulos, mas que explica mais detalhadamente o que
quero expressar. Esta lista de imperativos reflete meu pensamento inicial. Elas devem
estar no início das conversas, e espero receber retorno, comentários, e que possamos
desenvolver compromissos em torno desses imperativos, que o nosso movimento
trabalhe no seu próximo plano estratégico.

1. Definição da nossa proposta


Estamos diante do desafio existencial de demonstrar nossa relevância no contexto e nos
problemas do mundo de hoje. Precisamos estar totalmente claros sobre o nosso
objetivo, precisamos definir nossa proposta para os nossos apoiadores em todo o
mundo, e entender a singularidade do nosso papel na área ampla e diversificada de
mudanças sociais, onde muitos já nos consideram ultrapassados.

2. Raízes dos problemas e transformação de sistemas


Precisamos ser mais eficazes no enfrentamento aos sistemas que abrem espaço para
injustiças e abusos. Precisamos ir além de fazer com que o sistema funcione e
começarmos a apresentar propostas arrojadas sobre como transformá-lo. Chegou a
hora de tratarmos do erro histórico de todo o nosso segmento, de que mantemos
distinções artificiais entre direitos humanos, clima, desenvolvimento e construção da
paz. Os problemas de que falamos têm a mesma raiz. Se começarmos a construir uma
cooperação lateral mais forte, baseada no entendimento compartilhado de como tratar
as verdadeiras fontes que causam os problemas que combatemos, a nossa força coletiva
será considerável. Precisamos entender as mais importantes crises da nossa época,
incluindo a mudança climática, o crescimento vertiginoso da desigualdade e as
mudanças tecnológicas exponenciais, todas facilitadoras de abusos de direitos
humanos. Isso vai exigir novas formas de pensar e trabalhar, além de novas formas de
parceria.

3. Capacidade de resposta
Enquanto uma modalidade do nosso trabalho deve se concentrar nas fontes que
causam/provocam os problemas, precisamos também melhorar a nossa capacidade de
resposta e senso de urgência. Penso nisso em termos de "intervenções nos direitos
humanos no presente" - enfrentar crises em tempo real e buscar modificar os rumos,
não simplesmente analisá-las retrospectivamente.

4. Expansão da nossa estrutura


A Anistia tem uma relação longa e comprometida com o direito internacional de direitos
humanos. Porém, à medida que murcha o comprometimento político com o direito
internacional, precisamos nos perguntar se buscar maior cumprimento é a melhor
forma de gastar nossas energias, ou se devemos ser mais flexíveis no uso de nossas
estruturas, chamando atenção, por exemplo, para o cumprimento dos Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável ou das constituições e valores nacionais. Precisamos
responder à realidade de que proteções jurídicas (internacionais e nacionais) são apenas
uma parte da solução, estão sendo corroídas e ignoradas e ficando obsoletas em face
de outros desafios como a mudança climática e a automação. Sem deixar de nos
concentrarmos nos direitos inalienáveis, devemos buscar abordagens inovadoras da
desigualdade que capacitem e empoderem os demandantes em iniciativas que venham
de baixo para cima.

5. Visão e coragem moral


Não vamos fazer face ao desafio do mundo ao nosso redor com a mentalidade atual. Se
quisermos enfrentar com eficácia as causas estruturais das injustiças do mundo,
precisamos estar preparados para desafiar as regras que servem ao status quo. O
profundo abismo entre governantes e governados não é novidade em muitos países do
mundo, mas a erosão da fé na nossa capacidade coletiva como cidadãos de
influenciarmos mudanças políticas que sejam significativas é uma crise muito grave.

Ficarmos apenas descrevendo os problemas não configura uma base para o ativismo
audacioso e corajoso que produz resultados. Precisamos desenhar as soluções nas quais
acreditamos, e assim estaremos prontos para lutar por elas. Não podemos continuar a
demonstrar que acreditamos em sistemas falidos. Precisamos desafiar a ruptura na
relação de prestação de contas entre governos e cidadãos e encontrar formas de
recalibrar o equilíbrio de poder em favor das pessoas comuns. Precisamos ser
propositivos e precisamos focar em soluções. Com frequência falamos no estado de
direito, mas precisamos considerar mais seriamente a avaliação radical de Howard Zinn,
de que o estado de direito é instrumento dos opressores e tirania dos oprimidos. Ao
confrontarmos a opressão estrutural, devemos estar preparados para a prática da
desobediência civil.

6. Parcerias e mobilização
Se pretendemos trazer verdadeiras mudanças através da mobilização das massas,
precisamos de números a nosso favor. Entretanto, estamos perdendo essa batalha de
ideias junto ao público. Dar ressonância e relevância aos direitos humanos deve ser o
foco da nossa missão. É uma tarefa incrivelmente urgente, e podemos começar
trazendo os líderes do amanhã e os empoderando como agentes de transformação.
Através deles, precisamos construir uma ampla base de apoio que reflita a composição
das sociedades que queremos transformar. Mas precisamos também transformar
radicalmente o modo como entendemos o desenvolvimento de coalizões e expandir
nossas parcerias e a colaboração com os defensores dos direitos humanos, as
comunidades e os grupos de base. Nosso verdadeiro poder consiste no ecossistema de
movimentos ao qual pertencemos. Precisamos atuar onde está toda a energia -
particularmente os movimentos de direitos das mulheres - e construir ligações com
aliados que pensam como nós, tanto nos espaços tradicionais como o movimento
sindical e as artes, como nas áreas não tradicionais como o setor privado e grupos
religiosos. Expandir a nossa presença de modo expressivo no hemisfério sul é essencial,
e as iniciativas para desenvolver parcerias sul-sul devem ter a mais alta prioridade.

7. Comunicação
Devemos criar e conduzir narrativas atraentes e positivas sobre os conceitos por trás
dos direitos - igualdade, não-discriminação, justiça, dignidade, universalidade - ligadas
à inseparável agenda em defesa do meio ambiente, da paz e do desenvolvimento
sustentável. O campo de batalha da comunicação é onde iremos conquistar ou perder
os corações e mentes das pessoas. Para acreditarem nos direitos humanos como
ferramenta com o poder de salvar o planeta, enfrentar a desigualdade e combater o
ódio, as pessoas comuns precisam ver e ouvir as soluções oferecidas por nós. A Anistia
precisa ser uma organização que preza a comunicação como essencial, que produz
mensagens fortes e retumbantes, e eu preciso estar à frente e liderar isso.

8. Inovação
Precisamos incubar e encorajar ideias, tanto sobre as questões sobre as quais nos
debruçamos, quanto sobre as formas como trabalhamos. Não temos escolha, a não ser
encorajar e incentivar o aprendizado, a adaptação e a inovação. Precisamos explorar
abordagens ousadas e meios de tornar a Anistia e nossos parceiros mais disruptivos.
Instrumentos e abordagens consolidados precisam ser renovados, novas abordagens
exploradas. Continuaremos na dianteira do pensar em como a tecnologia possibilita
avanços nos direitos humanos.

Por fim, estou convencido que muitas das estratégias transformadoras que assegurarão
a Anistia como uma força poderosa de transformação precisam ainda ser inventadas, e
que as pessoas que as inventarem provavelmente estão bem aqui à nossa frente. Quero
garantir que a organização encontre essas pessoas e as capacite, acredite nelas, lhes
forneça recursos e ajude a deslanchar grandes ideias. A Anistia já foi vista como uma
força arrojada, corajosa e dinâmica. Ainda o somos, em algumas áreas, mas podemos
fazer mais para celebrar ideias, buscar o novo e investir em rotas alternativas que
causem impacto. O desenvolvimento de uma nova estratégia global para a Anistia é uma
imensa oportunidade que não podemos deixar passar para nos posicionarmos na
direção certa. É por isso que estamos apelando para suas ideias mais ousadas e
renovadoras para ajudar a transformar o futuro da Anistia - e do mundo.

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