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Mário A. Perini∗
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embora convenientes e úteis, não são perfeitas. A maioria dos animais se
coloca claramente em uma ou outra das diversas classes reconhecidas pelos
zoólogos; mas há alguns, como o ornitorrinco, que ficam mais ou menos no
meio.
Bem, eu não comecei este ensaio para falar de animais. Meu campo de
estudo é o da linguagem - mas este tem um ponto importante em comum
com a zoologia: depende muito de classificações. Em lingüı́stica, não falamos
de mamı́feros nem de répteis; falamos de adjetivos, verbos, preposições,
orações e sintagmas nominais: todos esses nomes designam classes de formas
lingüı́sticas. Ora, veremos que nem sempre os limites entre essas classes são
claros e bem definidos: a lingüı́stica também tem seus ornitorrincos.
Há muitos tipos de classes em gramática; aqui vou falar apenas de classes
de palavras — substantivos, adjetivos e verbos, velhos conhecidos nossos (e
às vezes inimigos) desde os tempos de escola.
Uma coisa que nos poderiam ter dito na escola (mas, em geral, não
disseram) é para quê a gente precisa separar as palavras em classes. Ora, a
razão é semelhante à que nos obriga a separar os animais em classes, ordens,
espécies etc.: classificamos as palavras para podermos tratar delas com um
mı́nimo de economia. Vamos supor que não se definisse a classe dos verbos,
por exemplo. Nesse caso, terı́amos de tratar na gramática das palavras que
variam em pessoa; como não haveria classes, seria necessário dar a lista
completa delas: começarı́amos por abanar e irı́amos até zumbir (uma lista
de umas boas dez mil palavras). Depois, seria preciso tratar das palavras
que têm tempos (presente, pretérito, futuro) - e aı́ terı́amos de dar a mesma
lista de dez mil palavras. É evidente que, desse modo, nossa gramática
seria um pouco difı́cil de manusear. E também é pouco provável que as
pessoas aprendam uma lı́ngua desse jeito, decorando listas imensas várias
vezes. O que as pessoas fazem é reconhecer uma palavra como pertencente
a determinada classe, e aı́ atribuir à classe as propriedades relevantes.
Assim, um falante aprende a reconhecer um verbo, e é só os verbos que
ele faz variar em pessoa e em tempo. Isso não é coisa que se aprende na
escola; faz parte do nosso conhecimento gramatical implı́cito (ver o ensaio
“Nossa sabedoria gramatical oculta”). Nenhum falante, mesmo analfabeto,
tenta conjugar a palavra computador, ou a palavra sempre, ou a palavra e.
Conjuga palavras como vender, ver e viver; andar, amar e amarrar; partir,
ir e punir. De um jeito ou de outro, os falantes reconhecem todas essas
palavras como verbos e sabem que podem dizer eu vendo, ele vende, eu
vendi, ele vendeu.
O caso dos verbos é bastante favorável, porque eles são muito diferentes
das outras palavras da lı́ngua. Isto é, a classe dos verbos é muito fácil de
definir: são as únicas palavras que variam em pessoa, as únicas que fazem
o plural com sufixos especiais como -mos, as únicas que têm tempos. São
como as vacas e as lagartixas, que têm várias caracterı́sticas que as colocam
claramente em determinado lugar na classificação geral.
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As coisas se tornam muito diferentes quando tratamos dos chamados
“adjetivos” e “substantivos”. Essas duas classes, embora tradicionalmente
separadas, são extremamente difı́ceis de distinguir. Na verdade, depois de
vários anos estudando o problema, acredito que são impossı́veis de distinguir
pelo menos em duas classes como fazem as gramáticas usuais. O que temos
aı́ é ou um grande número de classes ou, mais provavelmente, uma grande
classe composta de membros cujas propriedades são muito variadas.
É melhor começar a dar exemplos, para ilustrar o que estou querendo
dizer.
Para tratar de adjetivos e substantivos como classes, a primeira coisa a
fazer é definir essas classes. O que é que faz de uma palavra um adjetivo ou
um substantivo? Não podemos dar simplesmente a lista dos adjetivos e a
dos substantivos, porque, além de ser uma maneira anti econômica de fazer
as coisas, uma lista pode ser arbitrária, juntando alhos e bugalhos sob o
mesmo rótulo. Precisamos de definições, pois são a garantia de que estamos
falando de classes que realmente funcionam dentro da lı́ngua.
Tradicionalmente, diz-se que os substantivos são “nomes de coisas”, e
os adjetivos expressam “qualidades”. Ignorando por ora a vaguidão dessas
definições (já sofremos bastante com elas no primeiro grau), vamos fazer
de conta que sabemos o que são nomes de coisas e o que são qualidades; e
vamos tentar aplicar essas definições a algumas palavras.
Se as palavras forem João e paternal, a aplicação é razoavelmente fácil.
João é nome de uma coisa (uma pessoa) e paternal exprime apenas uma
qualidade; logo, João é substantivo e paternal é adjetivo.
Mas como classificar maternal? Essa palavra parece, à primeira vista,
ser idêntica a paternal com a única diferença de que se refere à mãe, não ao
pai. Assim, dizemos atitudes maternais do mesmo jeito que dizemos atitudes
paternais. Mas na verdade há uma diferença: maternal (mas não paternal)
é também o nome de uma coisa, ou seja, designa um tipo de escola infantil:
meu menino ainda está no maternal.
E agora? Maternal é adjetivo, porque expressa uma qualidade; e é subs-
tantivo, porque é o nome de uma coisa. Ou será um caso, com certeza
excepcionalı́ssimo, de palavra que está no limite das duas classes e tem as
propriedades de ambas?
Nem isso, porque o caso de maternal não é raro nem excepcional. Há
milhares de palavras que se comportam de maneira semelhante. Basta ver
os exemplos abaixo:
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(3) a. Um homem trabalhador (qualidade)
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classes. Eu tendo a acreditar que são uma grande classe, dentro da qual se
distinguem muitos tipos de comportamento gramatical. Acredito que as di-
ferenças de comportamento dentro dessa grande classe (que podemos chamar
a classe dos nominais) provêm principalmente de diferenças de significado.
No momento em que uma palavra começa a ser usada com um novo signifi-
cado (o que acontece com frequência), ela precisa mudar seu comportamento
gramatical de acordo com sua nova função.
Isso se harmoniza com a flexibilidade que se observa no uso dos nominais.
Por exemplo, a palavra cabeça era, até há pouco, das que só se usavam como
nomes de coisas. Um belo dia, alguém teve a idéia de usá-la para designar
uma pessoa ou coisa admirável de certo ponto de vista; a partir daı́, a palavra
cabeça não só passou a ter o significado de “qualidade”, mas também passou
a ser usada em estruturas tipicamente “adjetivais”, como: