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adicções1
Marcelo Soares da Cruz2
Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo3
1
Trabalho apresentado no VII Encontro Brasileiro sobre o Pensamento de D.W.
Universidade de São Paulo, com apoio da CAPES, por Marcelo Soares da Cruz (2012), sob orientação da
Prof.ª Dr.ª Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo, intitulada: “Reflexões sobre a relação entre a
2
Psicanalista, mestre e doutorando em Psicologia Clínica pelo IPUSP, professor adjunto
marceloscruz@usp.br
Rua Capote Valente, 949 – Pinheiros – São Paulo – SP. Cep 05409-002
3
Livre-docente em psicopatologia pelo IPUSP, professora da graduação e pós-
Social – IPUSP.
O colapso da transicionalidade: aproximações entre a personalidade borderline e as
adicções
Resumo
Abstract
4
O termo agir é utilizado aqui, em consonância com Gurfinkel (2011), para designar
mais precisamente o conceito de acting out no campo das adicções.
perda ou de ser tomado pela presença excessiva do outro. Tal dificuldade pode ser
compreendida como origem do sofrimento borderline em se relacionar com o outro.
A perda do objeto primário, assim como a incapacidade de habitar o espaço
intermediário da experiência humana, leva essa pessoa a viver uma descontinuidade de
seu existir e resultar na incapacidade de estar só (WINNICOTT, 1958/1990). O vazio e
o medo do abandono podem gerar uma relação de dependência anaclítica, que sufoca e
afasta os objetos. Essa dependência, uma adicção ao outro que sempre escapa, condena
esse sujeito a uma relação desesperada de consumo, uma adesão maciça ao objeto e o
impede, em geral, de ter uma experiência completa (WINNICOTT, 1975).
Nessas duas condições do sofrimento humano, a busca pelo outro e pela droga
parecem ter a mesma função, porém a droga não é uma pessoa, não tem rosto, não
responde a apelo algum. É uma presença pela intensidade, porém não humana. Nessa
passagem, o paradoxo alívio / desesperança lança o sujeito em um labirinto, círculo
vicioso que o afasta ainda mais do objetivo / objeto inicial, a busca pelo outro – no caso
da droga, objeto que se coisifica (CRUZ, 2012). Essa procura por algo ou alguém
interna e externamente indisponível falha justamente pela ausência de um registro
intermediário da experiência e é acompanhada por um sofrimento no qual a adicção
torna-se clara.
No caso das adicções, o que se observa é a existência de um laço adictivo
precoce como expressão do colapso do objeto e dos fenômenos transicionais. De acordo
com Winnicott (1975), quando tudo corre bem, o uso de objetos como fralda, cobertor,
urso de pelúcia e chupeta permite que a criança suporte a separação gradual da mãe.
Quando algo falha com mais gravidade do que o bebê tem capacidade de suportar, não
há como conter intensidades afetivas extremas e excitantes. Com isso, não é atingida a
capacidade para estar só na presença de outro e, dessa forma, a presença física e
concreta da mãe é reiteradamente exigida. Como no caso dos pacientes borderline, há
uma impossibilidade de contar com um recurso intermediário que possibilite a
experiência da presença na ausência.
Se há uma mãe ou ambiente que falha ou é inconstante demais, o objeto
subjetivo não pode ganhar vitalidade e passar da relação de objeto ao uso deste.
Segundo Winnicott (1975, p. 24), o uso do objeto transicional só ocorre quando o objeto
subjetivo está vivo, é real, suficientemente bom e não muito persecutório. Tal objeto
“depende, quanto às suas qualidades, da existência, vitalidade e comportamento do
objeto externo”. A ausência dessas condições tem como consequência a transformação
do objeto transicional em objeto-fetiche e permanece como marca na vida erótica no
adulto (WINNICOTT, 1975, p. 24), podendo inclusive manifestar-se como adicção.
Essa compreensão do desenvolvimento emocional evidencia que o fenômeno da adicção
não se define pelo objeto droga ou qualquer outro nesse lugar, mas por uma constituição
inicial de precariedade e falta de algo que não se formou suficientemente bem. Essa
constituição, no encontro com o objeto de adicção, leva a uma relação adictiva pela
busca inicialmente esperançosa por algo que deveria ter acontecido e não ocorreu. Uma
busca de cura que pode ser pervertida e nunca completada, constituindo uma patologia.
Uma possível discriminação dessas falhas na transicionalidade entre os pacientes
borderline e adictos consiste justamente na negação da perda do objeto, no caso da
adicção. Um uso extremado do objeto tende a surgir como defesa contra a ameaça de
perda e de vazio. Há assim um distanciamento entre o objeto e sua finalidade na adicção,
o bebê ou o adulto adicto já não sabe mais o que lhe falta. A droga, comida, sexo, jogo
ou outro objeto pode perpetuar uma busca e aplacar provisoriamente uma falta, mas
condena o sujeito a não preencher esse espaço intermediário vazio.
O paciente borderline possivelmente não vive uma negação tão extrema da falta
do outro. Nesse caso, permanece em contato com a dor e a busca é relativamente mais
próxima do objeto que falhou, porém não se trata só de uma falta do objeto. Trata-se da
falta e da falha de um registro de experiência intermediária em que o outro possa ser
abrigado, retido, criado e encontrado. Outro que é tanto realidade externa quanto objeto
subjetivo, conciliação que permite o uso, a presença criativa, a vivência de compartilhar
e estar em comunidade (SAFRA, 2004). De qualquer maneira, na busca pelo objeto, o
outro pode ser tomado como coisa, objeto de consumo, em um movimento que pouco
considera a alteridade e a dimensão intersubjetiva do encontro. Conforme mencionado,
isso leva o borderline a uma procura frenética por um outro, mas que não é alteridade
buscada por suas características próprias e subjetivas. Pode ser mais um objeto
transitório tomado para aplacar um desespero de perda e desestruturação, ou podem ser
vários objetos, sucessivamente substituídos pelo não cumprimento da necessidade
original.
Nesse ponto, apesar das diferenças apontadas, essas duas condições
psicopatológicas podem ter ponto comum no traço adictivo da relação com os objetos
(CRUZ, 2012). Mesmo no caso borderline, que busca uma pessoa e não
necessariamente uma coisa inanimada, o paciente pode tomar pessoas como coisas. Por
caminhos diferentes, tanto o paciente borderline quanto o adicto parecem estabelecer
relações adictivas (MCDOUGALL, 1992; GURFINKEL, 2011) como tentativa de
restituir uma falha dolorosa.
É pertinente destacar o conceito de adicção, definido pelo uso que se faz do
objeto e não pelo objeto que se usa (GURFINKEL, 2011). Assim sendo, uma
toxicomania ou a organização borderline de personalidade podem constituir formas
adictivas decorrentes desse colapso, nas quais o objeto varia de uma pessoa até uma
pedra, porém seu uso parece ser muito próximo em ambos os casos. É interessante
observar que, nas adicções, a variação se dá em um gradiente que vai do mais
humanizado (pessoas de fato) para o mais coisificado (como a pedra de crack).
A partir do panorama exposto, tornam-se claros alguns aspectos centrais da
dinâmica psíquica própria das adicções e do paciente borderline, que expõe o
componente adictivo presente na busca por um outro, quando a possibilidade de luto,
introjeção e identificação estão comprometidas. Impasses na constituição do objeto
transicional e do registro intermediário podem impedir a aquisição do recurso de
simbolização e da experiência de presença do outro em sua ausência. A falência dessa
mediação simbólica e transicional leva o borderline-adicto (CRUZ, 2012) a um agir
compulsivo e o torna dependente do externo, de objetos sempre necessários como
recurso vital e precariamente tranquilizador. A perspectiva ora apresentada (CRUZ,
2012) propõe uma possível leitura da organização borderline de personalidade como
uma modalidade de adicção, cujo objeto é uma pessoa, mesmo que coisificada.
Referências