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Olhares sobre as Mulheres.

Homenagem a Zília Osório de Castro, coordenação de Irene Tomé, Maria Emília Stone e Maria Teresa
Santos, CESNOVA/ FCSH-UNL, Lisboa, 2011, pp 291-304

MULHERES GEÓGRAFAS NA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA MODERNA

Maria Júlia FERREIRA*

1. Introdução1

O tema “mulheres” tem merecido, desde há muito tempo, a atenção de especialistas de renome. Um principiante
ficará admirado com a bibliografia disponível. Não é, no entanto, difícil descobrir uma nova área, uma nova
abordagem, uma pioneira a que ainda não foi dado destaque, uma nova forma de explorar essa temática. A
profundidade desta reflexão será a que caracteriza as primeiras abordagens; não sendo especialista não quis
perder esta oportunidade para homenagear a mulher a quem é dedicado o livro. Este artigo é um pequeno
contributo pelo esforço que vem fazendo para dar mais visibilidade às mulheres.

As lendas e os livros sempre descreveram o heroísmo feminino, os dicionários de mulheres célebres apresentam,
há muito tempo, biografias interessantes mas, em todas as áreas, quando se comparam os dados segundo o
género, as mulheres são sempre referências minoritárias e pontuais; por isso, é tão fácil fixar aquelas que
emprestaram o nome para fixar marcos na história: Joana d’ Arc, Rosa de Luxemburgo, Marie Curie,..

O século XIX, sobretudo a segunda metade, é marcado pelo tema “feminino”, pela luta pelo reconhecimento das
mulheres e contra a exclusão social de que eram vítimas. No século XX, foram conquistando alguns lugares
cimeiros que, em número, não correspondem, de facto, à representatividade que têm nas diferentes áreas,
nomeadamente no ensino superior. Na segunda metade do século XX, passaram a assumir a presidência de
alguns países, ser juízes, chefes militares das diferentes armas, etc; contudo, é tornando obrigatória a paridade
entre sexos (ou cotas) que se pretende introduzir algum equilíbrio nos cargos políticos, ou seja, o processo de
afirmação parece ainda não ser natural e espontâneo.

O academismo centrado neste tema evoluiu bastante e são muitos os centros de investigação que se debruçam
sobre ele; vários departamentos de Geografia, Sociologia, História, etc., organizam congressos, encontros, cursos,
projectos, publicam livros e revistas sobre as mulheres 2 ; multiplicam-se associações de e sobre mulheres;
generaliza-se a preocupação de afirmar o papel destas na sociedade e as diferentes perspectivas quando é
considerado o género como variável explicativa. Os estudos mais modernos estão longe do feminismo de outrora
e assentam quase sempre em perguntas mais ou menos explícitas: Será que as sociedades de hoje seriam
diferentes se o peso das mulheres fosse maior nas estruturas de poder? As cidades seriam diferentes? As
prioridades nas políticas públicas, no governo das cidades, seriam as mesmas3? As lógicas, ou a sua falta, nas
migrações e nas guerras, seriam as mesmas? Actualmente fala-se em estratégias de actores e actrizes, de
geógrafos e geógrafas, como de coisas intrinsecamente diferentes, do domínio masculino quando se olha para as
posições de chefia, da visibilidade e invisibilidade de cada género e da sua expressão nas temáticas da Geografia.

2. Mulheres na História da Geografia: o contexto na 1ª metade do século XIX

O tema “Geógrafas na História da Geografia” remete-nos, como é óbvio, para a História desta Ciência e para a
individualização das várias disciplinas científicas que ocorreu principalmente no século XIX. Não pretendemos,
de forma alguma, analisar o papel da mulher ao longo da História do Pensamento Geográfico, nas diferentes
civilizações nem sequer o declínio acentuado do papel das mulheres nos séculos XIV a XVI, no âmbito de
algumas profissões (nomeadamente a medicina) e a exclusão social ou mesmo perseguição (denominadas bruxas
e feiticeiras) que, a partir de então, foi reforçada.

* e-GEO – Faculdade de Ciências Sociais e Humanas / UNL. Artigo apresentado para publicação em 2007.
1
Ao colega José Afonso Teixeira um obrigado pela leitura atenta e pelas oportunas sugestões que fez ao texto deste artigo.
2
Não podemos deixar de referir o trabalho de ROBIC, Marie-Claire; RÖSSLER, Mechtild, 1996, que estuda o papel da mulher na geografia
durante os últimos 130 anos, desde o primeiro Congresso Internacional de Geografia (Antuérpia, 1871) até ao 28º (Haia, 1996). Este remete
para uma obra mais vasta: Robic, Marie-Claire, Anne-Marie Briend and Mechtild Rössler (eds.) 1996: Géographes face au monde. L'Union
Géographique Internationale et les Congrès Internationaux de Géographie. Geographers and the World. The International Geographical
Union and the International Geographical Congresses. Paris: L'Harmattan (Coll. Histoire des Sciences Humaines), 464 p. (english/french
edition).
3
Ver, nomeadamente, UNGERSON- KEMBER (edits), 1985.
Maria Júlia Ferreira, 2011, Mulheres Geógrafas na história da Geografia Moderna

Nos séculos XVII a XIX valorizou-se a vida familiar, reconhecendo-se à mulher o papel de educadora como
intrínseco à sua condição feminina, por isso, o seu lugar era no seio da família (Rousseau e Kant assim o
afirmavam). As aristocratas, no entanto, conseguiam ter uma vida intelectual com grande visibilidade mas
apenas no contexto dos salões privados; a afirmação da mulher das letras e das ciências começa na segunda
metade do século XIX, desenvolvendo-se desde então com avanços e recuos4. É este o contexto desta reflexão.

A Geografia é, tal como as outras ciências, um artefacto intelectual que tem de ser entendido no contexto do
século XIX. A Geografia Antiga, enraizada nos manuais de Geografia Universal sobretudo na Geografia
Generallis, de Varenius (1621 ou 1622-1650), perdera sentido na viragem do século anterior, perante os avanços
nos diferentes domínios do saber, com destaque para a filosofia (Kant ensinara Geografia durante 40 anos), para
as Ciências da Terra (viagens de exploração que aumentaram o conhecimento da terra e possibilitaram a
aplicação de novos métodos de observação das paisagens geográficas e novos instrumentos de medição), para o
ensino e educação (na continuação da democratização e generalização do acesso ao ensino, a aceitação da
responsabilidade pública nesta matéria e os avanços dos métodos pedagógicos, sobretudo com Pestalozzi).
Restava um caminho: ou a Geografia se modernizava ou não passaria de uma área residual da qual se iam
separando áreas do saber que traziam respostas para as preocupações de então.

A História mais convencional da Geografia assenta no encontro do método e das preocupações do naturalista e
explorador A. von Humboldt (um investigador convicto) com os de K. Ritter, de formação mais ligada à História
e à Filosofia (um professor de Geografia). Os novos métodos de investigação que vinham das Ciências da Terra
associados aos novos métodos de ensino que vinham da escola de Pestalozzi deram à Geografia os pilares para
um novo ciclo, num contexto favorável ainda marcado pelas preocupações pela paisagem (manifestando-se nos
interesses de escritores, pintores e filósofos) mas, sobretudo, pelos novos conhecimentos trazidos pelos
exploradores que se manifestavam de grande utilidade no campo da política económica, nomeadamente
colonialista. Os manuais e os documentos de ensino, e geral, mostram-nos este contexto favorável à
institucionalização da Geografia Moderna como um mundo dominado por homens.

Qual o papel das mulheres na Moderna Geografia que se ia afirmando no século XIX? Tem de ser entendido no
contexto mais geral, o das mulheres nesse século, que é tratado em dicionários e livros vários5; nestes, domina
muitas vezes o “feminismo”, ou seja, a denúncia da opressão sobre a mulher, devido à falta de direitos quando
comparados com os do sexo oposto. No século XX, na maioria de países já têm direito de voto6 mas continuam a
ter mais visibilidade nos sectores menos procurados pelos homens, como a função pública e o ensino; não vão
além de 5% nos postos de direcção em Ciência na União Europeia e de 2% no comando das empresas francesas
com mais de 500 trabalhadores; no entanto, muitas profissões têm-se vindo a feminizar (direito, medicina,
jornalismo, forças militares e militarizadas, etc.). A afirmação da mulher que emergiu no século XX, designada
por Gilles Lipovetsky, em 1997, “A Terceira Mulher”, tem as suas raízes no século XIX. Assim, esta reflexão
tem obrigatoriamente de começar nesse período histórico.

3. Mulheres na Geografia do século XIX: pioneiras e difusoras da Geografia Moderna

Segundo Robic e Rössler (1996) podemos agrupar as mulheres, face à Geografia, em três conjuntos: as
excepcionais, as pioneiras e as profissionais. Não é o lugar para questionar a pertinência da classificação mas, no
contexto deste artigo, optámos por juntar os dois primeiros. No século XIX passou-se da ciência como um todo

4
Numa breve busca na internet é fácil encontrar uma lista das laureadas com o prémio Nobel (Marie Curie, Irère Joliot Curie, Dorothy
Crowfoot Hodgkin, Linda B. Buck, Gerty Theresa Cori, Selma Lagerlöf, Sigrid Undset, Pearl Buck, Elfriede Jelinek, Wangari Muta Maathai,
Baronne von Suttner, Shirin Ebadi, Rigoberta Menchu Tum, Aung San Suu Kyi; Madre Teresa de Calcutá, Emily Greene Balch), mulheres
célebres nas ciências e na política (Madeleine Albright - Marie-Hélène Aubert - Martine Aubry - Michèle Barzach - Ingrid Betancourt -
Marie-George Buffet - Helen Clark - Hillary Rodham Clinton - Édith Cresson - Hélène Flautre - Élisabeth Guigou - Anne Hidalgo - Marylise
Lebranchu - André Léo - Annick Lepetit - Rosa Luxemburg - Gertrude Mongella - Maasouma Moubarak - Gale Norton - Condoleezza Rice -
Eleanor Roosevelt - Ségolène Royal - Simone Veil), na chefia de Estados ou governos (Cory Aquino - Gloria Macapagal-Arroyo - Benazir
Bhutto - Cléopâtre VII - les Candaces de Méroé - Bülent Ecevit - Élisabeth Ire d'Angleterre - Indira Gandhi - Catherine de Russie - Victoria
du Royaume-Uni - Wilhelmine des Pays-Bas - Juliana des Pays-Bas - Beatrix des Pays-Bas - Élisabeth II du Royaume-Uni - Golda Meir -
Tarja Halonen - Hapchetsout - Ellen Johnson-Sirleaf - Angela Merkel - Jeanne Grey - Margaret Thatcher - Marie Tudor - Marie-Thérèse de
Habsbourg - Catherine II de Russie - Megawati Sukarnoputri - Wu Zetian) e outras (por exemplo, Simone de Beauvoir) nestas ou noutras
áreas.
5
Por exemplo: VAQUINHAS, Irene 2000, “Senhoras e mulheres” na Sociedade Portuguesa do século XIX, Colibri, Lisboa.
6
Teodora de Bizâncio, no século I (502-548), já defendera os direitos das mulheres; no século XVIII Olímpia de Gouges (1791) publicou a
declaração dos direitos da mulher e da cidadania que a levaria à guilhotina. A Nova Zelândia concedeu pela primeira vez no mundo o direito
de voto às mulheres, em 1893.Em França isso acontecia em 1944, o planeamento familiar em 1956, a despenalização do aborto adoptada em
1979, o princípio da paridade em 1999.

Olhares sobre as Mulheres. Homenagem a Zília Osório de Castro, coordenação de Irene Tomé, Maria Emília Stone e Maria Teresa 2
Santos, CESNOVA/ FCSH-UNL, 2011, pp 291-304
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para a fragmentação do saber; na transição identificamos algumas figuras excepcionais que, pela visão que
tiveram e pelos trabalhos realizados, são consideradas pioneiras na ciência em geral (designadas muitas vezes
por “sábias”), ou nalgumas disciplinas científicas que se foram separando. Num segundo grupo, reunimos as
difusoras da Geografia Moderna e, por fim, num terceiro, as geógrafas profissionais, situadas num tempo mais
próximo da actualidade, em que se deu o reconhecimento das mulheres na prática profissional da Geografia. As
difusoras são também pioneiras por terem resistido num mundo dominado por homens mas não o são no sentido
de inovadoras na construção lógica que viriam a ser as disciplinas científicas, nomeadamente a Geografia.

Uma pesquisa rápida conduz-nos a muitos nomes de mulheres que poderíamos destacar por alguma razão: Mary
Sommerville (1780-1872) por ser considerada uma pioneira na ciência em geral e também em Geografia,
Isabelle Eberharad (1877-1904) e Gertrude Bell (1868-1926) pelas suas “teses” anti-colonialistas, numa época
marcada exactamente pelo colonialismo que tanto ajudou a traçar os contornos da Geografia Moderna; Gertrude
Emerson Sem (1893-1988), Marguerite Harrison (1879-1967), Blair Niles (1879-1967), e Gertrude Mathews
Shelby (1881-1937), por terem sido as fundadoras da Sociedade das Mulheres Geógrafas, SWG, em 1925, e
Ellen Semple (1863-1932) pelo papel que teve na redefinição teórica e na difusão da Geografia Moderna.
Isabelle Eberharad (1877-1904) e Gertrude Bell (1868-1926), atrás referidas, destacam-se pela forma como
faziam acompanhar as suas monografias com cartografia das áreas descritas e pela atitude crítica que
manifestavam na interpretação da informação, tentando a reconstrução de outras formas de ver. Podemos dizer
que elas, não estando fora do projecto colonial dos seus países, pois tinham acesso à informação por
acompanharem os maridos nas missões governamentais, tinham uma visão diferente que transpunham para a
interpretação que faziam da sociedade de então; iam para além da religião, da raça, da classe social ou da
nacionalidade. Podemos dizer que são o embrião da Geografia do Género, de uma visão diferente da geografia
do mundo de então, alternativa à dominante, feita por homens.

a) Pioneiras da Geografia Moderna: Mary Somerville (1780-1872)7

A primeira metade do século XIX marca o início do realismo, o culto do progresso, um mundo novo assente no
concreto, ao invés do romantismo que cede o passo progressivamente a uma nova forma de estar na ciência, na
política e na religião. Essa mudança passou a ser visível com a revolução de 1848, o movimento republicano na
Itália, Áustria e Alemanha e com os efeitos da revolução industrial nos modos de vida e no quotidiano das
pessoas (nos caminhos de ferro que iam conquistando espaços longínquos, telégrafo, correios, etc.). Estes
avanços eram o resultado de novos conhecimentos práticos e, ao mesmo tempo, apelavam para novas
descobertas, dando grande relevo ao trabalho de cientistas e investigadores.

A uma pequena elite de aristocratas opunha-se uma multidão de operários assalariados que substituíam os
tradicionais artífices e que, agora, atraídos às cidades em grande número, se concentravam nela sem as mínimas
condições de habitabilidade e de “protecção” no trabalho, fossem homens, mulheres ou crianças. As
organizações sindicais e outras estruturas associativas começaram a criar regras para patrões, empregados e para
a duração da jornada de trabalho (as Trade Unions foram autorizadas em 1925, na Inglaterra). As mulheres eram
duplamente exploradas porque ao trabalho na fábrica juntavam o de casa e não lhe era reconhecido sequer o
direito de votar. Das sufragistas destacaram-se algumas que rapidamente perceberam que a mudança passava,
obrigatoriamente, pelo empenhamento político; por isso, muitas foram presas, fizeram greve de fome, etc.

Mary Sommerville é contemporânea dos dois grandes percursores da Geografia Moderna, A Von Humboldt e K.
Ritter e de muitos outros cientistas que marcaram o panorama da civilização ocidental (Drawim, Engels e Marx,
por exemplo) e influenciaram a evolução da ciência. Viveu num período de mudanças profundas: os primeiros
efeitos da revolução industrial, o aparecimento das novas ideologias que apostavam na realidade, no socialismo,
no marxismo. Nasceu na Escócia, viveu a sua infância no campo, como era normal para grande parte dos
aristocratas de então, no seio dos quais se geraram os grandes exploradores de que as revistas da especialidade
faziam eco.

Aos treze anos conheceu o Dr. Sommerville, que mais tarde viria a ser seu sogro, que a desperta para as histórias
das mulheres sábias da antiguidade e a leva a aprender o latim e a ler nomeadamente Virgílio. No curso de
pintura e dança descobre reconhece “a perspectiva” e a geometria que havia aprendido nos “Elementos de
Euclides”. Desenvolve a aptidão para resolver problemas através da procura de soluções nos passatempos

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http://thales.cica.es/rd/Recursos/rd97/Biografias/55_56-1-b-MSOMERVILLE.html

Olhares sobre as Mulheres. Homenagem a Zília Osório de Castro, coordenação de Irene Tomé, Maria Emília Stone e Maria Teresa 3
Santos, CESNOVA/ FCSH-UNL, 2011, pp 291-304
Maria Júlia Ferreira, 2011, Mulheres Geógrafas na história da Geografia Moderna

matemáticos das revistas femininas. O tutor do seu irmão, vendo as qualidades que ela manifestava para as
matemáticas e a forma como resolvia as questões, comprou-lhe livros científicos e ajudou-a a lê-los; rapidamente
o ultrapassou nos conhecimentos que tinha, dominando não só os Elementos de Euclides como a Álgebra de
Bonnycastle; nada a demovia do seu interesse pelo estudo o que se tornava uma preocupação para a família que
não via com bons olhos esta curiosidade pela ciência e temia pela sua saúde.

Aos 24 anos casou com Samuel Greig, capitão da marinha Russa, que não apreciava as mulheres sábias mas
deixava muito tempo a Mary para se poder dedicar ao que gostava, durante as suas ausências. Três anos depois
fica viúva e com dois filhos, mas com a independência económica que lhe permitia continuar a viver em Londres
e prosseguir os seus estudos, sempre muito ligados às Matemáticas. A medalha de prata que recebeu num
concurso ainda a estimulou mais. Casou com William Sommerville, médico com quem reparte o interesse pela
ciência; os amigos enviam-lhe livros e trabalhos científicos, convidam-na para conferências e partilham
experiências científicas e ideias na casa dos Sommerville. Ela desenvolve ensaios sobre os raios solares, os seus
efeitos e a sua transmissão em diferentes meios, trabalha naquilo que pode considerar-se um antecedente da
fotografia, nomeadamente a descoloração provocada pela exposição ao sol sobre papel banhado em cloreto de
prata; entretanto é convidada a traduzir a “Mecânica Celeste”, de Laplace (era tão difícil de ler que o mesmo
Laplace dissera que apenas duas mulheres foram capazes de o fazer, a senhora Greig e a senhora Sommerville,
desconhecendo que afinal eram a mesma pessoa). Continuou a interessar-se pelos fenómenos físicos (destaque
para a publicação Sobre a Conexão das Ciências Físicas) e pela astronomia (nomeada juntamente com Carolina
Herschel membro honorário da Real Sociedade de Astronomia, as primeiras mulheres que obtiveram tal
distinção.

Depois de uma estadia em Itália, publicou Physical Geography, manuscrito que quis queimar mas o seu marido e
John Herschel convenceram-na a não o fazer. O livro teve grande divulgação e sete edições. Depois da morte do
marido e de um dos filhos entrou em depressão mas animada pelas filhas inicia novo projecto; a viver em
Nápoles e com 85 anos escreveu o quarto livro On Molecular and Mycroscopic Science e fez a revisão do seu
livro On the Theory of differences; aos 89 anos escreveu a sua autobiografia e continuou a estudar matemáticas
até à morte, aos 92 anos. Pouco tempo antes dissera: “Tenho 92 anos… a minha memória para os
acontecimentos diários é débil mas não para as Matemáticas ou para as experiências científicas. Sou capaz de ler
livros de álgebra superior durante quatro ou cinco horas pela manhã e, inclusive, de resolver problemas”.

Recebeu distinções da Real Academia de Dublin, da British Philosophical Instituition, da Sociedade de Física e
História Natural de Genebra; a rainha Vitória, reconhecendo os seus méritos, deu-lhe uma pensão anual. Foi a
primeira a entrar para a Sociedade de Ciências de Londres, em 1835, mas apenas a título honorífico, por ser
mulher. Os seus trabalhos eram geralmente apresentados através do seu segundo marido por não ser autorizada a
participação de mulheres nas Academias Científicas.

Gozava de alto prestígio na comunidade científica em muitos países e quem a conhecia não duvidava em
chamar-lhe “a rainha das ciências do século XIX” 8. É o livro Physical Geography que a torna pioneira da
Geografia Moderna, embora seja mais conhecida pela sua importante obra na área da Matemática e da
Astronomia. Ela criou a primeira faculdade para mulheres na Universidade de Oxford, que, depois da sua morte,
passou a ter o seu nome.

Robic e Rössler (1996) referem, como mulheres excepcionais, Clémence Augustine Royer (1830-1902)
nomeadamente por ter participado no Congresso Internacional da Geografia, em 1875. Como pioneiras
consideram Ellen Semple, que vamos classificar como difusora, Martha Krug-Genthe (uma das primeiras a fazer
o doutoramento em Geografia, com Alfred Hettner, em 1901 (em Heidelberg) e por ter apresentado um paper no
Congresso Internacional de Washington, em 1904, na secção de Geografia e Educação) e Millicent Todd
Brigham (1880-1968), que apresentou um paper no Congresso Internacional de Geografia, em 1931. Estudou em
Berlim e na Universidade de Harvard, tendo completado a sua tese no Perú, em 1923. Marta Krug-Genthe e
Ellen Semple foram, durante quase 50 anos, as únicas mulheres, num colégio de 48 elementos, da Associação de
Geógrafos Americanos. Os mesmos autores referem Marguerite A. Lefèvre (1894-1967) como a geógrafa que
faz a transição das pioneiras para as geógrafas profissionais. Estudou na Bélgica e fez a sua tese sob orientação

8
http://thales.cica.es/rd/Recursos/rd97/Biografias/55_56-1-b-MSOMERVILLE.html

Olhares sobre as Mulheres. Homenagem a Zília Osório de Castro, coordenação de Irene Tomé, Maria Emília Stone e Maria Teresa 4
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Maria Júlia Ferreira, 2011, Mulheres Geógrafas na história da Geografia Moderna

de Albert Demangeon, na Universidade de Paris, em 1926. Destaca-se pela dedicação à União Geográfica
Internacional, entre 1928 e 1964, de que foi vice-presidente de 1949 a 19529.

b) Geógrafas difusoras da Geografia Moderna: Ellen Churchil Semple (1863-1932)10

Outra figura feminina de grande vulto, que faz parte de todos os manuais de ensino da Geografia Moderna, é
Ellen Churchil Semple. Americana, formou-se em História aos 19 anos (a mais nova das 39 graduadas em 1882).
Em 1887, de passeio em Londres, teve conhecimento do trabalho de Friedrich Ratzel e do seu livro,
Anthropogeographie. A leitura atenta desta obra levou-a à decisão de ir estudar Geografia para a universidade de
Leipzig, na Alemanha que, na altura, significava o que de mais moderno se fazia em Geografia; embora não
pudesse inscrever-se por ser mulher mas apenas assistir às aulas, foi uma aluna exemplar e brilhante.

Dedicou-se à Geografia: alternou períodos de ensino (Universidade de Oxford, Universidade de Chicago,


Universidade de Columbia, Universidade do Colorado, de Clark, Worcester, Massachusetts,etc.) com períodos
de escrita (destaque para American History and its Geographic Conditions, 1903, Influences of Geographic
Environment, 1911, The Geography of the Mediterranean Region, 1931). Visitou grande parte da Europa, Ásia
(Japão, China, Filipinas, Indonésia e Índia) e África, escrevendo e fotografando as áreas que visitava. No campo
da Geografia é mais conhecida pelo empenho na divulgação das teses defendidas por F. RATZEL, sobre o
determinismo geográfico, que têm a máxima expressão no seu livro, Influences of Geographic Environment,
1911. Recebeu várias medalhas de mérito (em 1914, a Cullum Medal e, em 1931, a da Sociedade de Geografia
de Chicago); foi membro fundador da Associação dos Geógrafos Americanos e, em 1921, foi eleita Presidente
desta prestigiada associação.

Destacou sempre o papel da Geografia Física (característica da Escola Americana) mas desenvolveu uma nova
forma de investigar os aspectos da Geografia Humana, ligando a Geografia, a História e a Antropologia (na
continuação da aprendizagem que fizera com o antropólogo F. Ratzel, da sua formação de base e da nova
disciplina científica que vinha ganhando terreno, a Geografia Moderna). Visitava as áreas a estudar, registava as
observações que fazia sobre os elementos físicos e humanos (habitação, alimentação, ofícios/artes e religião);
esta metodologia do trabalho de campo ainda não era usual na Geografia, muito acantonada à reprodução do
saber (esta importância do trabalho de campo e a forma de o fazer são habitualmente reportados a Humboldt).

Semple acreditava no determinismo ambiental, na continuação das teses de F. Ratzel e na forte ligação entre a
História e a Geografia; teses que levaram a importantes debates e conferências interdisciplinares. Apesar de mais
tarde ver as suas propostas rejeitadas acusando-as de simplistas (por exemplo: “o homem é um produto da
superfície da Terra (…) Ela entrou-lhe nos ossos e na carne, na mente e na alma. Nos vales (a Terra) amarrou o
homem ao solo fértil (…) limitando-lhe a visão; ao longo da costa ela deu ao homem um vigoroso
desenvolvimento do tórax e dos braços), ela não pode deixar de ser considerada pioneira no estudo da interacção
homem-ambiente, campo que ainda hoje suporta uma parte significativa das pesquisas em Geografia. Ela é assim
ao mesmo tempo uma pioneira e uma grande difusora da Geografia Moderna.

Há outras geógrafas difusoras da Geografia Moderna, por ventura menos conhecidas internacionalmente mas não
menos importantes. Se pesquisarmos a História da Geografia nos vários países descobrimos nomes de mulheres
que foram marcantes na evolução do papel da mulher na sociedade, na ciência, em geral, e na Geografia, em
particular. No Brasil, por exemplo, não podemos esquecer Berta Maria Júlia Lutz (1894-1976), de nacionalidade
inglesa mas nascida em São Paulo. Estudou em França, centrando-se nas Ciências Naturais, Botânica, Zoologia,
Embriologia, Química e Biologia. Foi defensora acérrima dos direitos das mulheres, membro da Sociedade
Internacional das Mulheres Geógrafas e de outras importantes organizações científicas; em 1975, com mais de
80 anos, integrou, como titular, a delegação brasileira à Conferência Mundial da Mulher, promovida no México
pela Organização das Nações Unidas.

Limitações de tempo não permitem aprofundar o contributo de tantas outras mulheres que difundiram a
Geografia Moderna, nos restantes países da Europa e da América do Norte, da América Latina, África, Ásia ou
Oceania; o acesso mais fácil à informação leva-nos a dar maior relevo às dos países anglo-saxónicos; a História é,
assim, também o resultado dos diferentes contextos, que leva a destacar algumas figuras e a esquecer outras, sem
que isso signifique, de forma directa, o peso dos contributos prestados.

9
A eleição de uma segunda geógrafa para vice-presidente ocorreria apenas em 1984; foi a mexicana Maria Teresa Gutierez de Mac Gregor.
10
http://www.womeninkentucky.com/images/women/semple/Semple_medal.jpg

Olhares sobre as Mulheres. Homenagem a Zília Osório de Castro, coordenação de Irene Tomé, Maria Emília Stone e Maria Teresa 5
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Maria Júlia Ferreira, 2011, Mulheres Geógrafas na história da Geografia Moderna

4. As Associações de mulheres geógrafas na afirmação do papel das mulheres na Geografia Moderna

Na Geografia, em sentido lato, é possível encontrarmos algumas mulheres aventureiras (Women of the four
Winds) como Annie Smith Peck (1850-1935), a montanhista mais famosa do seu tempo que escalou o pico mais
alto do Peru quando já estava na casa dos sessenta anos ou como Delia J. Akeley, a primeira mulher que
organizou e conduziu uma expedição e que viajou por toda a África, recolhendo espécies e vivendo em tribos de
pigmeus; ou ainda Marguerite Harrison ou Louise Arner Boyd (1887-1972) que conduziu e fez várias
explorações científicas aos icebergues da costa da Gronelândia. Algumas destas figuras remetem-nos para o
papel das associações de mulheres ligadas à ciência moderna, dentro das quais vamos destacar a das mulheres
geógrafas.

A Sociedade das Mulheres Geógrafas (SWG) foi fundada em 1925, em Nova York, por quatro exploradoras
reconhecidas (Marguerite Harrison, Blair Niles, Gertrude Shelby e Gertrude Emerson Sem), como forma de se
afirmarem numa área dominada por homens fazendo explorações geográficas e investigação nessas matérias.
Davam ao termo “geógrafas” um sentido lato, englobando antropólogas, geólogas, biólogas, arqueólogas,
oceanógrafas, geógrafas (em sentido restrito), economistas, diplomatas, exploradoras e ecologistas. Esta
associação difundiu-se para vários Estados (dos Estados Unidos), tendo membros correspondentes em muitas
partes do mundo (cerca de 500) e desenvolvendo muitos fóruns e conferências em que apresentavam os
resultados das suas pesquisas. Os membros activos da associação eram aquelas que desenvolviam investigação
importante e trabalho de campo, reconhecidas como autoridades nas respectivas disciplinas e com contributos de
relevo para o conhecimento do mundo através das suas publicações, filmes, fotografias, trabalhos artísticos.

Unidas pelo interesse comum pela Geografia mais de um milhar de mulheres tornaram-se membros da SWG;
umas já eram conhecidas como geógrafas (Edna Fay Campbell, Elina González Acha de Correa Morales, Elsie
May Grosvenor, Helen B. Smith, Helen M. Strong), outras pelos seus trabalhos em antropologia ou etnologia
(Mabel Cook Cole, Frances Densmore, Theodora Kroeber, Mary D. Leakey, Margaret Mead), outras como
exploradoras (Delia J. Akeley, Mary Hastings Bradley, Muriel Agnes Eleanora Talbot Brown, Sally Clark,
Hettie Dyhrenfurth, Marie Ahnighito Peary, Annie Peck), ambientalistas (Rachel Carson, Marjorie Stoneman
Douglas), aviadoras (Louise Arner Boyd, Amelia Earhart), artistas (Berta N. Briggs, Sally Clark, Lucille
Sinclair Douglass), arqueólogas (Margaret Alice Murray, Esther Boise Van Deman), novelistas (Bettina Peter
Lum Crowe, Alice Tisdale Hobart, Margaret Landon), jorrnalistas, fotógrafas (Ruby A. Black, Margaret Bourke-
White, Dickey Chapelle, May Craig, Laura Gilpin, Ella Fullmore Harllee, Rose Wilder Lane), especialistas em
medicina da saúde pública ou planeamento familiar (Marion Crary Ingersoll, Mary Lee Mills) e outras profissões
afins.

As preocupações da Sociedade de Mulheres Geógrafas centravam-se no intercâmbio de ideias entre os membros,


mais do que em actividades organizacionais, por isso nos ficheiros dominam os nomes das associadas que se
mostravam mais dinâmicas na procura desse intercâmbio com destaque para Harriet Chalmers Adams, Dorothy
M. Andrews, Mary Hastings Bradley, Berta N. Briggs, Edna Fay Campbell, Frances Carpenter, Mabel Cook
Cole, Florence Page Jaques, Muna Lee, Mary A. Nourse, Elizabeth Fagg Olds, Marie Ahnighito Peary, Isabelle
F. Story, e Helen M. Strong, assim como Elizabeth Derr Davisson, Nordis Adelheid Felland, Florence de L.
Lowther, Reba Forbes Morse, Ruth Crosby Noble, Helen Damrosch Tee-Van, Mildred G. Uhrbrock, Mary
Vander Pyl (New York), Mary McRae Colby e Alice Foster (Chicago). Existem muitos documentos,
nomeadamente fotográficos e filmes, resultantes desta troca de ideias e experiências em áreas da Geografia ou
afins.

Os arquivos da Associação de Geógrafos Americanos registam várias entrevistas feitas a geógrafas de destaque;
se seguirmos esse critério para a escolha de nomes femininos podemos referir: Alice T.M. Rechlin, Clarissa T.
Kimber, Mildred Berman, Susan Hanson, Barbara Borowiecki, Janice S. Monk e Alice Theodora Merten Rechlin
Perkins (1932 -2002); esta última é referida pelo seu carácter multifacetado, pelo empenho que mostrava pela
Geografia e pelo gosto de ser geógrafa; além de poetisa, tinha muito interesse, nomeadamente pela informação
geográfica e pela cartografia, geografia humana, ecologia cultural e política. Foi membro activo da Associação
dos Geógrafos Americanos, do National Council for Geographic Education, do American Congress on
Surveying and Mapping, Gamma Theta Upsilon (International Geographical Honor Society), da Society of
Woman Geographers e da Washington Map Society.

Esta listagem de mulheres, directa ou indirectamente ligadas à Geografia, quase faz esquecer que durante muito
tempo elas não puderam frequentar os congressos internacionais de Geografia a não ser com o título de
acompanhantes e com um programa em paralelo (programa para senhoras). Com pequenas excepções, as de

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algumas pioneiras anteriores a 1914, de que falamos antes, só na década de trinta do século XX se começaria,
muito lentamente, a mudar essa situação na União Geográfica Internacional e nos Congressos que promove; a
questão do género entrou na sua agenda de trabalho, embora os efeitos só se tenham tornado mais visíveis a
partir dos anos setenta do século XX. Até hoje, muito poucas mulheres chegaram à presidência de Comissões da
União Geográfica Internacional, UGI, foram eleitas para o seu Comité Executivo ou foram laureadas com o seu
prémio internacional.

5. A afirmação profissional a partir de meados do século XX: as geógrafas profissionais

Robic e Rössler (1996) consideram, tal como dissemos, Marguerite A. Lefèvre (1894-1967) como a geógrafa
que faz a transição das pioneiras para as profissionais e Jacqueline Beaujeu-Garnier (1917-1996) como a
primeira grande geógrafa profissional. Neste período pós Segunda Grande Guerra é difícil destacar nomes
femininos porque eles vão sendo cada vez em maior número, embora as que atingem as posições de chefia
continuem a ser, proporcionalmente, muito poucas.

Na actividade científica, ainda que com algumas excepções, às mulheres não era permitido um estatuto de pleno
direito, eram “cidadãs” de segunda. Estavam impedidas do acesso às Academias Científicas: a Real Sociedade de
Londres terá aceite mulheres em 1913 mas, sócias femininas de pleno direito, só a partir de 1945; o clube de
exploradores de Nova Iorque só as admitiu depois de 1981; a Academia de Ciências de Madrid só permitiu o
primeiro ingresso feminino em 1988, a de Barcelona apenas 1989 (efectivado apenas em 1993) e a da Galiza,
ainda recentemente não tinha nenhuma mulher. A Academia de Ciências de Lisboa é uma das mais antigas da
Europa, foi fundada em 24 de Dezembro de 1779 e os seus actuais estatutos prevêem 30 sócios efectivos, 60
correspondentes nacionais e até 60 correspondentes estrangeiros. Em Junho de 2006, dos 56 sócios efectivos
listados, apenas quatro eram mulheres; duas na classe das Ciências (Maria Manuel Chaves, Maria Salomé Soares
Pais) e duas na classe das Letras (Agustina Bessa-Luis e Maria Helena Rocha Pereira). Na Secção de História e
Geografia, dos 4 efectivos actuais apenas um era geógrafo, Ilídio do Amaral. A data mais antiga de admissão das
sócias femininas efectivas actuais é 1989 (Agustina Bessa-Luis), seguindo-se 1991 (Mª Helena Rocha Pereira),
2001 (Maria Manuel Chaves) e 2005 (Mª Salomé Soares Pais); tinham sido admitidas como sócias
correspondentes em 1979, 1975, 1994 e 1999 respectivamente. Assim, nesta Academia das Ciências a
representatividade das mulheres é muito baixa, muito recente e não há nenhuma geógrafa (apenas um geógrafo).

O vazio que as estruturas da civilização ocidental criaram no lugar do papel das mulheres foi uma das causas da
fundação da Sociedade de Mulheres Geógrafas, em 1925, como dissemos. Na União Geográfica Internacional foi
necessário esperar até 1992 para ser criada a Comissão “Género e Geografia”; tem sido uma das comissões mais
activas, organizando múltiplos eventos, nomeadamente e quase de imediato à sua criação, os simpósios na África
do Sul (1995), Gana (1995) e Cuba (1995).

A participação nos congressos internacionais promovidos pela União Geográfica Internacional estava-lhes
também vedada, podendo fazê-lo apenas na condição de acompanhante. Assim, nos eventos que conferem maior
visibilidade as geógrafas estavam excluídas. Se revermos os nomes de todos os que a história repete como
ligados às várias escolas nacionais de Geografia, com muito raras excepções, a mulher está ausente, exactamente
porque não lhe era dada essa possibilidade. Nos anos 70 do século XX, começam a tomar corpo as grandes
transformações nos papeis masculino/feminino, apostando-se, pelo menos do ponto de vista teórico, na
aproximação dos géneros. A civilização ocidental não é paradigmática de todas as outras civilizações mas os
resultados a que chegou, não sendo os ideais, já chocam com a situação no contexto de outras culturas.

Esta problemática do papel feminino na ciência manifesta-se de igual forma na Geografia. Só nos anos 70/80 do
século XX é que as mudanças começam a ser mais sensíveis. Na literatura geográfica recente é ainda habitual
não se destacar o contributo das mulheres para a Geografia; por exemplo, Josefina Gómez Mendoza, Júlio
Munõz Jiménez e Nicolás Ortega Cantero, em El Pensamiento Geográfico, publicado em 1982, incluem textos
de 38 geógrafos, que consideram fundamentais para a compreensão das várias correntes de pensamento e escolas
da Geografia Moderna, não havendo nenhum de geógrafas. Mesmo nos anos noventa a obra de Paul Claval,
Histoire de la Géographie 1995, no período entre o nascimento da Geografia Moderna até à Nova Geografia
destaca 72 geógrafos, dos quais apenas um nome é feminino, precisamente Ellen Churchil Semple.

Já em Human Geography, editado por John Agnew et all, em 1996, de 41 capítulos que compõem o livro, 5 são
de mulheres (uma é historiadora): Anne Buttimer, Donna Haraway, Ellen Semple, Doreen Massey e Linda
McDowell. Podemos deduzir daqui que o mundo anglo-saxónico é, no contexto da civilização ocidental, mais
sensível ao papel das mulheres nas ciências e, neste caso concreto, na Geografia? Mary Sommerville e Ellen

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Semple eram desse contexto cultural; a sua visibilidade resulta já dessa maior sensibilidade ou pelo contrário,
aquela é a causa que levou a que figuras femininas conseguissem ultrapassar a barreira masculina nestas áreas
ligadas às Ciências, nomeadamente às Ciências Físicas e da Terra? Os clubes ingleses onde se discutiam
questões ligadas às explorações que se iam fazendo, às descobertas que marcavam os vários domínios da
sociedade, porque não eram fechados à presença feminina, estarão na base desta maior abertura ao feminino?

No livro de Agnew et all (1996), o artigo de Ellen Semple é sobre as “influências do ambiente geográfico”,
enquanto o de Anne Butimer marca bem a sua perspectiva humanística propondo metáforas-base para dar forma
à investigação e ao ensino da Geografia. Donna Haraway, professora de História, vê a Geografia a partir de fora;
faz o ponto da situação sobre o privilégio de uma perspectiva parcial, a feminista, sobre a Ciência, dando
abertura para uma historiografia feminista da Geografia. Doreen Massey fala do problema regional, encontrando
a explicação para as diferenças regionais na divisão espacial do trabalho, inspirando o desenvolvimento de
estudos à escala local. Linda McDowell, em conjunto com Doreen Massey, situam o retomar do interesse pelas
questões do género nos anos 80 do século XX, fala das diferenças na experiência dos lugares, baseadas na lógica
das relações de produção ao nível local, ou seja centravam a preocupação no “impacto sobre os lugares da
divisão do trabalho segundo o género, da divisão social do trabalho”, falam assim no lugar da mulher. No
conjunto, estas quatro geógrafas e a historiadora são destacadas por textos que manifestam uma profunda
preocupação pela questão social. Terão as mulheres, e em especial as geógrafas, uma visão mais social, mais
humanista?11

Doreen Massey foi galardoada, em 1998, com o prémio máximo da Geografia, Vautrin Lud, atribuído pela
União Geográfica Internacional, a única geógrafa a merecer tal honra desde 199112, ano em que o prémio foi
instituído. Professora de Geografia na Universidade Aberta do Reino Unido, distinguiu-se nas áreas da Geografia
Humana ligadas com a divisão espacial e social do trabalho, na análise das componentes e dos efeitos da
globalização e das relações espaço-lugar-género. A par de muitas outras contemporâneas com produção
científica de elevado valor e desempenho de cargos de destaque, cumpre perguntar o que fez nela a diferença:
terá pesado o facto de ser do Reino Unido com as vantagens indiscutíveis na difusão das suas obras a que se
junta o facto de ser professora numa instituição com amplo prestígio e difusão mundial? Robic e Rössler (1996)
defenderam a tese de que o acesso privilegiado aos Congressos Internacionais de Geografia dependia de três
factores: (i) formação geográfica, (ii) aposta na Geografia Humana em detrimento da Geografia Física e (iii)
proveniência de um país latino e/ou católico; esta tese justificaria que as geógrafas anglo-saxónicas não tivessem
papel de destaque até aos finais da Segunda Grande Guerra. A escolha de Doreen seria uma forma de negar os
pressupostos dessa tese?

A História é feita destes contextos, destacando uns casos e encobrindo outros; poderemos encontrar algumas
razões, outras ficarão como parte de um contexto social, económico, geográfico, institucional, … que se
manifestou favorável, sem que isto tire algo da grandeza da obra dos destacados em cada momento histórico.
Hoje seria muito difícil escolher nomes de geógrafas para constituirmos uma lista de excelência, pois são em
número elevado embora num mundo que continua dominado pelo género masculino. Há mais nas estruturas da
União Geográfica, nos seus comités executivos, a apresentarem comunicações nos congressos nacionais e
internacionais, nas posições de tomada de decisão, na fundação de novos departamentos de geografia ou na sua
coordenação mas proporcionalmente estão em desvantagem mesmo nas situações em que dominam na formação
de base. Gostaria de apresentar nomes mas sem critérios objectivos dominariam as relações de conhecimento e
proximidade que podem não se sobrepor às redes de maior excelência. Muito recentemente houve uma
auscultação internacional para a indicação de nomes femininos para uma atribuição do prémio Vautrin Lud; os
resultados seriam da máxima importância no contexto desta reflexão.

CONCLUSÃO

As listas de nomes que atrás apresentámos levam a formular algumas perguntas: porque é que tantos nomes se
reduzem a tão poucas referências femininas no interior da Geografia? Continua a ser um mundo de
colonizadores auto excludentes do género feminino quando se trata de constituir marcos para a história da
disciplina? Serão elas as sereias 13 da História da Geografia e não apenas dos Congressos Internacionais de
Geografia? As mudanças sociais operadas na civilização ocidental espelham-se nas questões do género, em

11
Ver, nomeadamente, as inúmeras publicações da “red mujer y hábitat”.
12
1991 – Peter Haggett; 1992 –Torsten Hägerstrand; 1993 – Peter Gould; 1994 – Milton Santos; 1995 – David Harvey; 1996 – Paul Claval e
Roger Brunet; 1997 – Jean Bernard Racine; 1998 – Doreen Massey; 1999 – Ron Johnston; 2000 – Yves Lacoste ; 2001 – Peter Hall; 2005 –
Brian J.L.Berry.
13
Remetendo para Robic e Rössler, 1996.

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Geografia? O equilíbrio entre géneros é a igualdade de oportunidades ou apenas a igualdade de números nas
posições de chefia? Qual é o ideal nestas questões de género?

A democratização é hoje maior e elas já aparecem mais frequentemente em muitos projectos de investigação
internacionais e na docência nas universidades (o elenco de professores do Departamento de Geografia e
Planeamento Regional da Universidade Nova de Lisboa, em 2006, é constituído por 22, sendo 8 mulheres, ou
seja 36%; no da Faculdade de Letras de Lisboa, em 2005, elas representavam 41% dos docentes mas desciam de
71%, no grupo dos Catedráticos e Associados, para 29%, no dos Professores Auxiliares e Assistentes)14. No
entanto, com poucas excepções, estão muito longe de conseguirem a paridade que se vai aconselhando noutros
campos, a lembrar que a sociedade é constituída por homens e mulheres, por geógrafos e por geógrafas, como
duas visões não antagónicas mas complementares sobre o mundo em que vivemos.

Acredita-se que a sensibilidade feminina poderia trazer propostas de intervenção diferentes mais humanistas,
mais adequadas à condição humana, mais respeitadoras do ambiente, menos esbanjadoras dos recursos. Até onde
vão os limites desta esperança? Será que a experiência nos destinos de determinados territórios prova essa tese?
Mary Sommerville destacou-se na Geografia Física pelo pioneirismo que caracterizava a sua obra, Ellen Semple
em teorias geográficas que ligavam o homem e o ambiente de uma forma tão intrínseca que as características
daquele dependiam das condições oferecidas por este. Isso prova que é nas áreas mais ligadas à compreensão do
ambiente e das relações do homem com aquele que elas encontram um campo mais permeável? Ou é a
continuação da tese que defende que estão mais adequadas às tarefas sociais e, por isso, o seu lugar é sobretudo
na educação e nas práticas profissionais mais ligadas à questão social? Fica a pergunta como pista para outras
pesquisas.

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14
Cursos tradicionalmente femininos mas a sua masculinização levou a grandes alterações na composição das estruturas.

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