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O documento descreve a evolução dos sistemas de ignição em armas de fogo, começando com o uso de mechas e evoluindo para o sistema de rodete. O sistema de mecha, desenvolvido por volta de 1400, usava um cordão inflamável preso a um gatilho. Por volta de 1500, Leonardo da Vinci projetou um sistema baseado em uma pedra de pirita presa em uma pinça, conhecido como sistema de rodete. Este sistema eliminou muitas das desvantagens da mecha, mas ainda apresentava problemas com a umidade e su
O documento descreve a evolução dos sistemas de ignição em armas de fogo, começando com o uso de mechas e evoluindo para o sistema de rodete. O sistema de mecha, desenvolvido por volta de 1400, usava um cordão inflamável preso a um gatilho. Por volta de 1500, Leonardo da Vinci projetou um sistema baseado em uma pedra de pirita presa em uma pinça, conhecido como sistema de rodete. Este sistema eliminou muitas das desvantagens da mecha, mas ainda apresentava problemas com a umidade e su
O documento descreve a evolução dos sistemas de ignição em armas de fogo, começando com o uso de mechas e evoluindo para o sistema de rodete. O sistema de mecha, desenvolvido por volta de 1400, usava um cordão inflamável preso a um gatilho. Por volta de 1500, Leonardo da Vinci projetou um sistema baseado em uma pedra de pirita presa em uma pinça, conhecido como sistema de rodete. Este sistema eliminou muitas das desvantagens da mecha, mas ainda apresentava problemas com a umidade e su
Sistemas de Ignição em Normalmente usava-se um tipo de pa-
Armas de Fogo vio, algo semelhante a um barbante de
combustão lenta, aceso em uma extremi- dade, cuja brasa o atirador introduzia no orifício que causava a ignição da pólvora existente no canal e que depois se alastra- va à toda a carga contida no interior da câmara. Qualquer coisa semelhante fun- cionaria bem além do pavio, tal como um graveto ou um palito de madeira em bra- sa. Esse sistema começou a ser utilizado por volta de 1350-1380, sendo que data de 1339 a primeira referência da existên- cia de um canhão de mão portátil. Desde os primórdios das armas de fo- Obviamente a engenhosidade dos in- go, pouco tempo após a invenção da ventores não iria parar tão cedo, se con- pólvora, achar uma maneira prática de fa- tentando com algo tão incômodo. Para zê-la entrar em combustão sempre foi o melhorar um pouco as coisas, alguém te- maior desafio dos inventores de armas. ve a ideia de fixar o cordão de mexa em Haviam vários pontos a serem levados um suporte móvel, de forma que ao ser em conta no projeto de uma arma de fo- manuseado, atingisse diretamente o orifí- go, tais como a proteção contra a água e cio. Com isso, o atirador ficaria com um sujeira e não menos importante, a prote- pouco mais de liberdade para se dedicar ção de quem a manuseava. Nos antigos ao alvo. Surgiu então, por volta do ano canhões de mão, que na verdade não pas- de 1400, o sistema de mecha, universal- savam de simples canos fundidos em fer- mente denominado de "match-lock". ro ou bronze, com uma extremidade fe- Abriremos aqui um parêntese sobre es- chada e outra aberta, introduzia-se a sa nomenclatura e significado. Indubita- pólvora pela boca do cano, socava-a para velmente a língua inglesa, no âmbito da compactá-la, em seguida uma bucha (de literatura mundial sobre o assunto, é a papel, estopa, etc.) e por último o projé- mais utilizada em publicações, sejam em til, normalmente um balote esférico de livros ou revistas. Essa popularização le- chumbo. va os autores que não são de origem an- glo-saxônica a empregar também os ter- A parte posterior do cano, que era a ex- mos na língua inglesa, evitando traduzir tremidade fechada, possuía um orifício, para a sua língua nativa, mesmo porque, saída de um canal que interligava a câ- em alguns casos, essas traduções não mara de combustão com o exterior. conseguem expressar exatamente a ideia do significado correto. Neste artigo, den- tro do possível, tentarei também utilizar os termos que são mais utilizados nas pu- blicações do gênero, em nossa língua. De qualquer forma, o termo "lock", utilizado para discriminar quase todos esses siste- mas, significa a grosso modo, fecho, ou mecanismo. (Foto: um rudimentar "canhão de mão") Voltando então ao "match-lock", pode- Colocava-se pólvora nesta caçoleta, lo- mos chamá-lo de sistema de mecha. Sur- go após a carga habitual da arma. Alguns giram dezenas de ideias e variações so- exemplares usavam uma pequena tampa bre o mesmo tema. O mais comum, en- articulada que cobria a caçoleta, ajudan- tretanto, possuía um suporte em forma de do a manter a pólvora no lugar e prote- gancho, uma peça análoga ao atual "cão" gendo-a, até que fosse aberta para o dis- de uma arma, em cuja extremidade fixa- paro. Os últimos exemplares de pistolas va-se a ponta do cordão (pavio) para de- de mecha já usavam um gatilho, nos mol- pois, acendê-lo. des atuais, que permitiam que o "cão" baixasse sobre a caçoleta, não sendo mais necessário que se usasse outra mão. Lembramos aqui que esses sistemas que vamos demonstrar eram utilizados tanto em armas longas, como os bacamartes, mosquetes e fuzis, como também em ar- mas curtas, como as pistolas, pratica- mente com o mesmo tipo de mecanismo. Na medida que a mecha ia se consumi- Quase que sem exceção, todos esses sis- do, o atirador fazia o avanço manual do temas que obtiveram maior aceitação fo- pavio para que sua ponta sempre ficasse ram desenvolvidos em países da Europa com o mesmo comprimento. No caso do Central, principalmente na Espanha, desenho logo acima, vemos que o supor- França, Itália, Inglaterra, Alemanha e te da mecha é uma peça de metal que se Áustria. articula em um eixo. Com o auxílio de Porém, logo se percebeu como eram uma mola de aço em forma de V, o cão numerosas as desvantagens do sistema podia ser mantido fixo tanto na posição de mecha. O cordão tinha que ser cons- armado como desarmado. A assim cha- tantemente ajustado na sua posição; a mada caçoleta é uma pequena bandeja la- mecha se apagava por vários motivos, teral, de cujo interior sai um duto que principalmente na chuva ou com umida- atravessa a parede do cano e atinge a par- de excessiva. Por causa disso, geral- te interna. mente o pavio era aceso nas duas extre- midades, por garantia. O tempo de dispa- ro, desde o ato de puxar o gatilho até o ti- ro propriamente dito, era longo demais. As falhas também eram constantes por excesso de sujeira e entupimentos. Te- mos que levar em conta que nesta época a pólvora existente ainda era muito rudi- mentar, com produção de muita fumaça e resíduos. Alguma coisa deveria ser feita para que esses problemas diminuíssem ou deixassem de existir. Por volta de 1500, atribui-se ao grande artista e inventor Leonardo da Vinci os esboços dos primeiros projetos de uma arma tipo "wheel-lock", ou seja, o siste- ma de rodete. A engenhosidade e pratici- dade deste mecanismo é surpreendente. Com isto, eliminava-se as inconveniên- cias do sistema de mecha, porém, alguns problemas permaneciam e continuariam a atormentar os atiradores por longas dé- cadas a fio: o retardo na ignição e a vul- nerabilidade à umidade e sujeira. Além disso, a pirita também necessitava de ajustes constantes, devido ao seu desgas- te. A pistola de rodete mais antiga de que se tem notícia data de 1526, mas devem ter existido exemplares de fabricação ex- perimental um pouco antes disso.
Ao invés de mecha, fixada ao cão, usa-
va-se um tipo de pedra, a pirita, envolta em um pedaço de tecido ou couro, para melhor fixação, presa em uma pinça de duas garras, fixadas através de um para- fuso de aperto. O sistema de disparo, que já era feito por um gatilho, baseava-se em uma roda de ferro, serrilhada em toda a sua borda. Magnífico exemplo de pistola de rodete O eixo desta roda possuía uma mola de de fabricação alemã, data desconhecida. tensão, espiral ou de lâmina e permitia que a roda girasse. Porém, pela primeira vez tinha-se uma Usando-se uma chave similar a utiliza- arma que poderia ser carregada e trans- da para dar corda em um relógio antigo, portada sem nenhum problema e por um girava-se a roda numa volta completa até longo tempo, sendo possível usá-la ime- ser travada pelo gatilho. Carregava-se a diatamente. A pistola de rodete nunca foi arma como de costume, colocando-se de- muito popular, principalmente em uso pois um pouco de pólvora na caçoleta. O militar. Era de fabricação muito cara e cão com a pirita montada era então posi- necessitava algumas operações que re- cionado sobre a roda. Em alguns mode- queriam certo índice de precisão. Não é à los, o cão podia ser baixado pelo gatilho. toa que muitas delas foram feitas por re- Ao se puxar esse gatilho a roda era libe- lojoeiros. Acabou assim se tornando uma rada e girava rapidamente pela ação da arma de elite, de pessoas abastadas e de mola. A pirita, pressionada sobre a late- oficiais graduados. Por esse motivo, as ral serrilhada da roda, causava uma gran- armas de mecha continuaram seus dias de chuva de faíscas que detonavam a sendo ainda muito usadas, mesmo depois pólvora da caçoleta; algo que nos remete do aparecimento das primeiras armas de ao simples e popular sistema utilizado rodete. nos atuais e pequenos isqueiros a gás, com sua roldana serrilhada, girada pelo polegar, e uma pedra que pressiona a rol- dana, impulsionada por uma mola espi- ral. Por volta de 1560, tem-se notícia do A caçoleta continuou a existir, com um aparecimento de um novo sistema de ig- orifício que se ligava, através de um du- nição que trazia alguns benefícios sobre to, ao interior do cano. Só que ao invés o sistema de rodete. Na verdade, esse sis- de uma roda giratória, usava-se uma peça tema chamado de "flintlock" deve ser ex- de aço com um anteparo ranhurado, arti- plicado separadamente nas suas três ver- culada e fixada sob ação de uma mola; sões principais: o sistema snaphaunce, o essa peça servia como o elemento gera- sistema miquelet e o sistema flintlock, dor das faíscas. Com a queda do cão, o propriamente dito. As armas que utilizam sílex, golpeando essa superfície ranhura- qualquer um desses sistemas são denomi- da e rugosa com violência, gerava grande nadas armas de pederneira. Chega a ser quantidade de faíscas ao mesmo tempo difícil de entender como esse sistema, que arremessava a peça para trás. Uma tão elementar e simples, pudesse ter sur- pequena tampa também se deslocava gido após o complicado mecanismo das com este movimento, expondo a cassole- pistolas de rodete. Alguns autores acredi- ta cheia de pólvora. Era um sistema de tam que isso tem a ver com o fato que, desenho limpo e elegante, com grande nesta época, a evolução dos relógios de parte das peças ocultas para a face interi- corda estava a pleno vapor. Talvez isso or da arma. tenha influenciado os armeiros de uma forma ou de outra.
O sistema snaphaunce foi o primeiro a (Foto: Um belíssimo exemplar de fecho
utilizar um cão, bem similar ao que co- snaphaunce, arma fabricada na Alema- nhecemos hoje, contando também com nha em 1685) uma pinça ajustável em sua extremidade. A variação miquelet teve sua origem Nesta pinça, e envolta em um pedaço de na Espanha, na região mediterrânea. Seu couro, montava-se a pedra, agora usan- nome parece ter sido originário do termo do-se sílex ao invés da pirita. Embora se- "migueletes", que era uma espécie de tro- ja uma controvérsia há mais de 300 anos, pa militar que utilizava essas armas nos acredita-se que o termo snaphaunce se Pirineus. A semelhança com o siste- deriva do holandês schnapp-hahn, que li- ma snaphaunce era grande mas a maior teralmente significa galo que bica. Usa- diferença era na posição das molas, ge- va-se também outras formas para a mes- ralmente posicionadas pelo lado de fora ma palavra, tais como chenapan (Itália e do fecho. A maior novidade foi uma alte- Espanha) ou schnauphance, dependendo ração do sistema para que a própria peça da sua região. ranhurada também servisse de tampa pa- ra a caçoleta, o que eliminou e simplifi- cou o desenho. O sistema flint-lock puro, por assim di- zer, era uma mistura de projetos e dese- nhos oriundos dos outros dois sistemas. O aperfeiçoamento era mais notado no formato da chapa ranhurada, de menor proporção, e com um perfil que fechava com muito mais eficiência o acesso à ca- çoleta. Isso evitava que um soldado, em corrida a cavalo ou a pé, perdesse uma certa quantidade de pólvora que caísse fora da arma. Um dos maiores problemas das pistolas de pederneira, em qualquer um dos sistemas, era o clarão e o excesso de fumaça criado no momento do dispa- As pistolas com o sistema miquelet co- ro, tanto oriundo da boca do cano como meçaram a surgir no sul da Europa em do fecho. meados de 1580. A partir desta época, a Os atiradores eram constantemente grande maioria das forças militares de di- atingidos por labaredas e fagulhas no ros- versos países já adotavam e usavam pis- to e nos braços, principalmente os que tolas como essas, regularmente. A enge- utilizavam armas longas, devido à proxi- nhosidade e criatividade de diversos ar- midade do rosto com o fecho da arma. meiros europeus foram responsáveis pelo Além disso, além da fumaça deixar a vi- surgimento de centenas de variações su- sada do atirador completamente obstruí- tis do mecanismo básico. Cada um deles da por vários segundos, a ponto de que tinha suas particularidades, inclusive eles não sabiam imediatamente se ha- uma pistola e um mosquete de pederneira viam acertado o alvo ou não, se torna- com um sistema de retrocarga, ou seja, vam alvo fácil ao inimigo pois sua pre- utilizavam uma espécie de alavanca dota- sença era facilmente detectada pela fu- da de uma rosca, na parte traseira do ca- maça. A maioria dos atiradores fechava no, que podia ser aberta para que, por ali, os olhos no momento do disparo, com re- se colocasse a carga de pólvora e o projé- ceio de que fagulhas atingissem os olhos, til. Essa arma foi desenvolvida por volta o que comprometia a precisão do tiro. de 1650 por Marin le Bourgeois e por Em dias de pouco vento ou temperatura alguns outros armeiros da época. baixa, a dissipação da fumaça era muito Até cerca de 1700 o sistema pederneira lenta, o que deixava quase toda uma era quase que 100% adotado por qual- guarnição de soldados sem visibilidade quer potência militar e seu uso se disse- adequada. minou pelo mundo. Em 1723 já era mui- to comum mosquetes de retrocarga, mais rápidos de carregar e que foram adotados pelos exércitos da Áustria e da França. Em 1776 o inglês Patrick Ferguson idea- lizou um fuzil de retrocarga largamente utilizado por unidades do Exército Britâ- nico. No período que antecedeu o século XIX, inúmeros fabricantes de armas, a maioria fornecedores dos exércitos de vá- rios países, se apegaram a um novo e ren- tável nicho de mercado: as armas artesa- nais. É impressionante ainda hoje, ao se examinar uma peça ricamente adornada, a que ponto chegava a arte da gravação e da incrustação de pedras preciosas, de ouro e de prata. Membros de altos esca- lões dos governos, reis e príncipes, mer- cadores e abastados senhores feudais, to- dos eles tinham prazer em possuir uma Um exemplo de "estado da arte" num be- arma adornada feita sob encomenda, um líssimo fecho flintlock fabricado pelo bri- exemplar único, ímpar. tânico Patrick Ferguson, modelo de re- trocarga - o guarda-mato podia ser rota- cionado no sentido anti-horário para que a culatra ficasse exposta para a in- serção do projétil e carga de pólvora.
O sistema de pederneira ficou em ser-
viço por cerca de 200 anos, tanto em uso militar como em armas de defesa e de ca- ça. Mas então chega o século XIX. Nas terras altas da Escócia, em meados de Um dos mais famosos exemplos de flint- 1805, o Reverendo Alexander John For- lock do mundo - o fecho do mosquete syth, natural de Belhelvie, região de "Brown Bess", utilizado pelo Exército Aberdeenshire (1768-1843), mal sabia Britânico por quase 200 anos - modelo que as suas caçadas iriam revolucionar o de fabricação Grice de 1762 - note as mundo das armas de fogo. Químico de iniciais GR (George Rex) coroadas, indi- formação e apaixonado por caçadas, ti- cando que se trata de uma arma perten- nha muito a reclamar das caças perdidas cente ao Império Britânico. devido à ignição retardada de suas armas e o excesso de clarão e fumaça, que as afugentava antes até que fossem atingi- das. Dedicou-se então a desenvolver um sistema de ignição que fosse, de certa forma, enclausurado e mais protegido. Em 1800 tomou conhecimento que o Desta maneira, Forsyth conseguiu solu- inglês Edward Charles Howard (1774- cionar de uma só vez alguns dos proble- 1816) havia descoberto as propriedades mas mais inconvenientes de então: a ex- dos fulminatos, que são sais obtidos por posição à umidade da pólvora na caçole- meio da dissolução de metais em ácidos. ta (que não mais existia), entupimento do O fulminato de mercúrio, por exemplo, duto por excesso de resíduos, a ignição tinha a interessante propriedade de entrar espalhafatosa com excesso de fagulhas, em combustão quando sofresse um im- labaredas e fumaça oriundas do fecho, pacto ou um esmagamento. A princípio, problemas com a perfeita fixação de pe- achava-se que essas fórmulas poderiam dras e seus constantes ajustes por desgas- substituir a pólvora como propelentes, te. mas eram excessivamente explosivas e De quebra, devido à rapidez da com- muito corrosivas. Porém, em 1807, o bustão do fulminato e a mais curta dis- Rev. Forsyth deslumbrou aí o gigantesco tância do duto condutor do fogo, o tiro passo que ele daria em prol do desenvol- saía mais rápido, que é o evento chama- vimento de armas de fogo. do tecnicamente de "lag-time". Ele indi- Projetou um tipo de fecho, que possuía ca, na prática, o tempo que transcorre uma peça semelhante a uma pequena gar- desde o ato em que se puxa o gatilho até rafa de metal, que articulando através de o disparo da arma propriamente dito, o um parafuso, podia ser girada para cima que nos dias de hoje, convenhamos, é al- e para baixo. Dentro dela, carregava-se go instantâneo. uma quantidade de fulminato de mercú- Convém deixar claro de que não foi rio, suficiente para uns cinco disparos. Forsyth o inventor da espoleta em forma Quando se girava a garrafinha, uma por- de cápsula, tal como veio a ser inventada ção determinada de fulminato, suficiente posteriormente. Existem vários candida- para um disparo, ficava disponível sob tos ao posto de inventor da cápsula de uma espécie de percussor. O cão, gol- fulminato, a conhecida espoleta, usada peando a cabeça protuberante deste per- até mesmo nos dias de hoje. cussor, causava a ignição do fulminato. Um duto levava a chama para o interior da câmara, causando a explosão da carga de pólvora. O imigrante inglês Joshua Shaw é, tal- vez, o mais plausível deles, seguido de Peter Hawker, James Purdey e Joseph Manton, dentre outros. Por volta de 1820, algum deles havia colocado uma pequena porção de fulminato de mercú- rio, clorato de potássio e enxofre, devida- mente acondicionada em uma camada no fundo de uma pequena cápsula, e que po- dia ser detonada por esmagamento contra uma bigorna perfurada, o popularmente chamado "ouvido". Par de pistolas de percussão inglêsas, O sistema passou por inúmeros aperfei- feitas pelo armeiro John Harman, de çoamentos, inclusive o desenho de um Londres, em 1729 - este par foi encomen- cão com um recesso em sua parte frontal, dado pessoalmente por Frederico, o de forma a envolver totalmente a cápsula Grande. Os entalhes são em prata e ou- de fulminato, evitando mais ainda a pre- ro. sença de faíscas e o lançamento de pe- quenas rebarbas de metal oriundas desta pequena explosão. A partir de 1830, esta invenção já ha- via revolucionado a fabricação de armas, tanto longas como curtas. Era um siste- ma barato de fabricar, eficiente, e permi- tia o desenvolvimento de armas até então quase impossíveis ou impraticáveis, co- mo um rifle ou um revólver de repetição. O sistema também proporcionou a facili- Caixa com par de pistolas de pederneira, dade de se converter armas de pederneira fabricação inglesa de 1780, com todos para este novo sistema, com pequenas e os acessórios. não muito dispendiosas mudanças no mecanismo. Iniciava-se assim uma nova O sistema de percussão, pela sua sim- e próspera era para os fabricantes de ar- plicidade e poucas peças, permitia proje- mas. tos ousados, embora alguns tenham sido mirabolantes (saiba mais nesse artigo "Curiosidades dos Tempos da Percus- são"). Isso propiciou a criação de uma das mais importantes armas da história: o revólver de percussão modelo Paterson, de Samuel Colt. O revólver era de ação simples, um sis- tema que a Colt usou por décadas, até o século XX e que foi, sem dúvida alguma, a primeira arma curta realmente eficaz e segura. O gatilho era escamoteável, uma pequena lingueta que só surgia sob a par- te inferior da arma quando o cão era en- gatilhado. Além disso, diversas armas foram de- (Foto: revólver de percussão Colt mode- senvolvidas para vários fins, tanto curtas lo Navy, de 1851) como longas. Entretanto, a era do cartu- cho metálico estava se aproximando. Apesar de já terem existido antes algu- Nesta oportunidade, diversas armas de mas pistolas utilizando um tambor rotati- percussão já usavam cartuchos de pape- vo, usando o sistema de percussão, como lão ou pequenos papelotes de pólvora o caso das "pepperboxes", foi o Colt mo- que facilitavam a recarga. Surgiram tam- delo Paterson que revolucionou tudo o bém diversos projetos de armas longas que surgiu depois dele, o que se chama com carregamento pela culatra. hoje de revólver. Ele foi o pai de todos os demais modelos e cópias que vieram ao mundo posteriormente àquele ano de 1836. Esta famosíssima arma usava um tambor composto de seis orifícios, fecha- dos na sua parte posterior e cada um de- les dotado de um ouvido rosqueado.
Em 1829, Johann Nicholas Dreyse lan-
çou um revolucionário sistema de percus- são utilizando um longa agulha que dis- parava uma espoleta localizada na parte dianteira de um cartucho de papel. Foi o famoso fuzil apelidado de "needle-gun", ou fuzil de agulha. O fuzil de Dreyse iria, Cada orifício era carregado utilizando- por sua vez, influenciar as armas longas se uma alavanca que se encaixava na ar- militares que surgiriam daí para a frente. ma e servia como alavanca. Colocava-se Já em 1828, na França, e antes mesmo então a pólvora, uma pequena bucha e o da introdução do Colt Paterson em 1836, projétil de chumbo, tudo isso pressiona- Casimir Lefaucheux inventou um cartu- do pela alavanca. Finalmente, encaixava- cho parte metálico e parte papelão, com- se uma espoleta em cada ouvido. O tam- posto de um projétil, carga de pólvora e bor também podia ser retirado e carrega- uma espoleta totalmente embutida. do fora da arma. A pequena cápsula se situava na parte Outra solução interessante, mas pouco traseira do cartucho e era detonada por utilizada pelos frequentes problemas de um pino cuja extremidade era exposta. A falha foi o cartucho utilizado nas pistolas detonação ocorria quando o cão da arma, Volcanic, fabricadas nos Estados Unidos agindo pela parte superior da mesma, a partir de 1855, cartucho este denomina- atingia o pino pressionando-o para den- do de "rocket ball", ou algo como "bala tro. Com esse impacto, o pino esmagava foguete". O cartucho, desenvolvido na a mistura fulminante, a qual detonava e época pela Smith & Wesson e baseado na assim, iniciava a queima da pólvora. A invenção de Walter Hunt, era na verdade desvantagem deste sistema consistia no um projétil auto-propulsado, com uma fato de que os cartuchos, quando inseri- espoleta na parte posterior. Ao ser deto- dos na arma, tinham que tomar uma posi- nada por um percussor, a espoleta incen- ção fixa, que era determinada pelo pino. diava a pólvora contida dentro do projé- Os cartuchos não tinham aro "rimless" e til, e a peça toda saía pelo cano. Na ver- eram os pinos que serviam de apoio para dade, não havia um cartucho mas sim, só eles no interior das câmaras. Além disso, um projétil. como o pino era muito protuberante, um Esse sistema possuía vários problemas impacto acidental poderia detonar o car- de falha no disparo e a sua potência, de- tucho ao ar livre. Outro problema desse vido à pouca quantidade de pólvora no cartucho era a má vedação, pois água po- projétil, era muito fraca comparada à ou- deria penetrar em seu interior através da tras armas da época. Entretanto, indepen- pequena folga existente no furo do pino. dente do fato do cartucho ter falhas, foi Mesmo assim, armas do sistema "pin- por causa desta arma e de seu engenhoso fire" foram largamente utilizadas em con- sistema de repetição por ação de alavan- flitos na Europa e foram também muito ca e carregador tubular que, mais tarde, disseminadas nos Estados Unidos, duran- viríamos a conhecer uma das mais im- te a Guerra Civil. portantes armas da história dos Estados Uma quantidade enorme de revólveres Unidos da América: os famosos rifles e pistoletes usando a munição de Lefau- Winchester. cheux foi fabricada, apesar de suas des- Um sistema muito pouco difundido vantagens quanto à segurança. Entretan- mas que tinha seu mérito era o chamado to, era inegável ser um sistema de carre- "tape-primer". Um revólver a tambor in- gamento muito mais rápido e fácil do ventado por um dentista de Washington, que uma arma de percussão, principal- Edward Maynard, em 1845, utilizava um mente se contasse com capacidade de vá- sistema muito similar ao de percussão rios disparos. tradicional mas, ao invés de utilizar uma espoleta de metal que teria que ser colo- cada uma a uma em cada ouvido, usava uma fita de papel com fulminato deposi- tado em forma de grandes gotas. A tira de papel era enrolada e colocada O sistema denominado de "rim-fire" numa cavidade dentro da armação do surgiu em meados de 1845, baseado nu- revólver. Na medida que se disparava a ma patente oriunda de 1831. Ao invés de arma, a fita era empurrada para fora e po- se utilizar uma espoleta como um ele- sicionava uma nova "espoleta" sobre o mento em separado, o anel ou o aro pos- ouvido, disparando a carga. Todos se terior do cartucho, que também serve, em lembram daqueles revólveres de espoleta alguns casos, como retém para que o car- de fita de papel, com os quais brincáva- tucho não trespasse o orifício da câmara, mos de "cowboys" na infância; pelo me- era recheado de fulminato. Quando o per- nos os leitores com mais de 50 anos cer- cussor ou o cão da arma atingia essa bor- tamente se recordarão deles. da, ela era esmagada contra si mesma, detonando assim o fulminato. Não havia, pois, a necessidade de se usar um antepa- ro qualquer como a bigorna que se utiliza até hoje nos cartuchos de fogo-central modernos. Com o tempo, apesar de te- rem sido usados em calibres altos como o .44 Winchester, usado no rifle modelo 1866, hoje em dia o sistema ficou relega- do ao calibre .22, popularíssimo e de muito baixo custo, mas não possibilitan- do a recarga, tal como é possível nos car- tuchos de fogo-central. O sistema de cartucho de fogo-central, em uso até os dias de hoje, surgiu nos Es- tados Unidos. Em 1866, o norte-america- (Foto: no Hiram Berdan patenteou um cartucho uma pistola militar de percussão norte- de metal com uma espoleta embutida em americana Springfield, de 1855, utilizan- sua parte posterior, originando assim os do o interessante sistema de tape-primer) cartuchos de fogo-central da atualidade. Algum tempo depois, o oficial britânico Edward Boxer (1823-1898) desenvolveu um cartucho de metal com espoleta em- butida, similar ao de Berdan mas com a diferença de que o de Boxer utilizava uma bigorna separada, enquanto que no sistema de Berdan a bigorna fazia parte integrante do cartucho. Praticamente podemos afirmar que, desta época até os nossos dias, o cartu- cho em si não se alterou, pelo menos em sua concepção básica. Evidentemente, houve a importante evolução da pólvora negra para a pólvora sem fumaça, algo que ocorreu nos anos finais do século XIX e a fabricação de espoletas não cor- rosivas a partir das décadas de 30-40. No início do século XX, o uso de pólvora ne- gra, pelo menos militarmente, foi quase A chamada bigorna é a peça contra a que totalmente eliminado. Os cartuchos qual ocorre o esmagamento do fulminato de caça ainda mantiveram o uso desta quando a espoleta é atingida pelo percus- pólvora por algum tempo até que por vol- sor. As idéias de Berdan e de Boxer dita- ta das décadas de 20 a 30, pelo menos ram até os dias atuais toda a base em que nos países desenvolvidos, seu uso acabou se apoiam os cartuchos metálicos, exceto de vez. Ficou relegada a segundo plano, para os de calibre .22, como já dito aci- para uso em armas obsoletas, armas anti- ma. gas que não suportariam o aumento da Em 1873, surgiu nos Estados Unidos pressão das novas pólvoras, espingardas uma de suas armas curtas mais importan- antigas de antecarga e pistoletes de dois tes: o revólver Colt Single Action que canos (como as famosas garruchas, mui- utilizava um potente cartucho de metal to comuns por aqui). Com a pólvora sem de fogo-central, em calibre .45. É desne- fumaça surgiram centenas de formula- cessário falar da importância histórica ções o que alavancou a indústria de car- desta arma, apesar de que os revólveres tuchos e a criação de novos calibres, ca- Colt já faziam história naquele país des- da vez mais potentes sem comprometer a de o modelo Paterson de 1836. portabilidade da arma. Os projéteis também sofreram várias transformações, sendo produzidos tanto para uso militar como para uso civil em diversas modalidades, específicas para a utilidade a que eram destinados.