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Boletim da Sociedade das

Ciências Antigas
Publicação da Sociedade das Ciências Antigas — Todos os Direitos Reservados

Volume 1I, edição XII Abril de 2011


Nesta edição:
Jacob Boehme - Seis Pontos Místicos
Jacob Boehme -
Primeiro Ponto: Do sangue e uma existência, mas, contudo, a alma
Seis Pontos 1
Místicos não é mais do que um fogo mágico,
da água da alma mas sua subsistência busca sua fonte
Depoimento em sua substância.
sobre o trabalho 9 1. Tudo o que tem substância e é
4. Assim como o fogo tem necessi-
da Via Interior tangível está neste mundo. Dado que
dade de substância
a alma não é nem
A Fé - Faculdade para arder, também
uma substância,
Espiritual o fogo mágico da
11 nem uma entidade
por Constant alma tem a carne, o
neste mundo; nem
Chevillon sangue, e a água.
seu sangue, nem
Não haveria sangue
sua água são subs-
O Mito de se a tintura do fogo
13 tâncias ou entidades
Narciso e da luz não fossem
neste mundo. de água. Esta tintura
Prática de é a entidade ou a
23
2. É certo que a
Relaxamento vida da sabedoria
alma, com seu san-
(que tem nela todas
gue e sua água, resi-
O Simbolismo as formas da Natu-
de no sangue e nas
27 reza) e é o outro
da Cruz Pátea águas exteriores,
mas sua substância fogo mágico.
Contos é mágica. Pois a al-
31 5. Ela dá, pois, to-
Espirituais ma é também um
das as cores e de
fogo mágico, e sua
sua forma emana a
imagem ou forma é
energia divina da
criada na luz (pela
natureza doce da
força de seu próprio fogo e de sua
luz (quer dizer: segundo a proprieda-
própria luz), emanadas do fogo mági-
de da luz que está nela), e segundo a
co e, portanto, ela é uma imagem
propriedade do fogo que está nela, é
verdadeira da carne e do sangue,
uma sutileza da transmutação. Ela
mas não em seu estado original. pode conduzir todas as coisas a seu
grau mais elevado, ainda que não seja
3. Como a Sabedoria de Deus, tem
um espírito vivo, mas a entidade su-
um ser e, portanto, existe, mas a Sa-
bedoria não é um ser. Assim tam- prema.
bém a alma, com sua imagem, possui
6. Assim, a tintura é a mesma entida-
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de na água e ela introduz nesta última as pro- tempo, nem no espaço. Cada distinção se
priedades do fogo e da luz, com todas as for- encerra nela-mesma, num ser. Sua qualifica-
ças da Natureza pelas quais transforma a ção está de acordo com sua propriedade, e
água em sangue. E o faz na água exterior e nesta qualificação reside também seu desejo,
também na água interior, o mesmo que ela como o centrum naturae (centro da nature-
faz no sangue exterior e no interior. za).

7. O sangue interior no estado de substância 3. E o desejo é sua criação, pois o desejo cria
divina é igualmente mágico, pois é a Magia o ser onde não havia nada, e com a essência
que a transforma em substância. É o sangue do desejo, segundo a propriedade do desejo.
espiritual que a natureza exterior não pode E o conjunto não é mais do que uma Magia,
alcançar (rügen), a não ser pela imaginação. A ou a fome pelo estado de ser.
imaginação interior introduz a vontade exte-
rior no sangue interior. Por esse processo, o 4. Cada forma cria um ser em seu desejo; e
sangue e a carne no estado de substância di- cada forma se enche do reflexo de sua pró-
vina se corromperam, e a nobre imagem da pria claridade, e tem sua visão em seu pró-
semelhança com Deus está eclipsada. prio espelho. Sua visão é uma treva para ou-
tro espelho, e sua forma está oculta para ou-
8. O sangue e a carne da alma vivem no mais tro olho; mas na sensação, há uma diferença.
alto mistério, pois eles são o estado da subs-
tância divina. E quando o sangue e a carne 5. Cada forma deriva sua sensação do estado
exteriores morrem, caem no mistério exteri- original das três formas da Natureza, a saber:
or, e o mistério exterior cai no mistério inte- o ácido, o amargo e a angústia e, portanto,
rior. nestas três formas não há nenhum sofrimen-
to em si, mas ali o fogo causa a dor que a luz
9. E cada fogo mágico tem seu resplendor e transforma de novo, em doçura.
sua obscuridade no si-mesmo; o que provoca
a necessidade de um dia final de separação: 6. A verdadeira vida está enraizada no fogo;
quando todos deverão passar através de um há um vínculo entre a luz e as trevas. Esta
fogo e serão provados, o que determinará os relação é o desejo com tudo o que se com-
que são aptos, e os que não o são. Então to- pleta é por isso que o desejo pertence ao
das as coisas retornarão à sua própria magia fogo, e sua luz brilha desse fogo. Esta luz é a
e será como era desde a eternidade. forma, para a visão desta vida e a substância
introduzida no desejo é a madeira a consu-
Segundo Ponto: Da escolha da mir no fogo ardente e como quer que ela
seja dura ou suave, é também o reino do Pa-
graça - Do bem e do mal raíso ou do Inferno.

7. A vida humana é o vínculo entre a luz e as


1. Só Deus, desde a eternidade é o Todo.
trevas e arderá naquela na qual se abandonar.
Sua essência se divide em três distinções
Se ela se abandona ao desejo da essência,
eternas: a primeira é o mundo-fogo, a segun-
da é o mundo das trevas, e a terceira é o arderá na angústia, no fogo das trevas.
mundo-luz. E, contudo, não há mais do que
8. Mas se ela se abandonar a um vazio (o na-
uma única essência; uma na outra, mas uma
da), então estará sem desejo e cairá no fogo
não é a outra. da luz e assim arderá sem dor, pois ela não
põe em seu fogo nenhum combustível que
2. As três distinções são igualmente eternas
poderia alimentar um fogo. Como não há
e sem limites, não estão limitadas nem no
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nenhuma dor nela mesma, como a vida não sua luz. Esta vida não teve escolha e nenhum
recebe sofrimento, pois ela (a vida) não con- juízo será conduzido sobre ela, pois tem sua
tém nada em si-mesma, a vida humana cairá própria condição primitiva, e leva seu juízo
na primeira Magia, que é Deus em sua Trin- em si-mesma. Ela se separa de toda outra
dade. fonte (Qual), pois ela não consome mais que
de sua própria fonte, de seu próprio fogo
9. Quando nasce, a vida possui os três mun- mágico.
dos em si. Ela estará contida no mundo ao
qual se unirá e é deste fogo que arderá. 16. A escolha está em relação ao que é intro-
duzido, que pode pertencer seja à luz ou às
10. Pois, quando a vida se inflama, é atraída trevas. Pois, de acordo com o que seja intro-
pelos três mundos e eles se movem na es- duzido pertença a uma propriedade ou a ou-
sência, como no primeiro fogo que se infla- tra, assim será também a vontade de sua vi-
ma. Qualquer que seja a essência que a vida da. Assim é como se pode saber se ela é de
em seu desejo escolha receber, deste fogo é uma natureza de violenta fúria, ou de uma
que arderá. essência de amor. Também por longo tempo
arderá de um único fogo e será abandonada
11. Se a primeira essência na qual a vida se pelo outro. A escolha do fogo no qual ela
inflama é boa, então o fogo é também agra- arderá se transmite à vida, por este mesmo
dável e bom. Mas se esta é má e escura, con- fogo por tanto tempo quanto ela permanecer
sistindo de uma propriedade de violenta fú- neste fogo.
ria, então o fogo será também um fogo-fúria,
e terá um desejo correspondente, que se 17. Mas, se a vontade deste fogo (como o
ajusta à propriedade deste fogo. punctum instável) se submerge em outro fogo
e ali se inflama, ela poderá iluminar deste fo-
12. Cada imaginação deseja somente uma go a vida inteira, e poderá permanecer neste
essência igual a ela-mesma e da natureza da fogo.
qual nasceu originalmente.
18. Então a vida renasce, seja para o mundo
13. Atualmente, a vida do homem é como das trevas seja para o da luz (segundo o mun-
uma roda e logo o ponto mais baixo se tor- do no qual a vontade se tenha inflamado), e
nará o ponto mais alto. Ela se inflama com então surge outra escolha. Eis aqui a razão
cada essência e se mancha com cada essên- pela qual Deus tolera que o homem ensine,
cia. Mas a vida se banha no movimento do assim como o diabo. Cada um dos desejos
coração de Deus, uma água de gentileza e, que a vida lança em seu próprio fogo se ilu-
nesse lugar, é capaz de introduzir um estado mina de si-mesma. E assim cada um desses
de substância em seu fogo-vida. A escolha de mysterium compreende o outro.
Deus não depende da primeira essência.
Terceiro Ponto: Do pecado
14. A primeira essência não é, pois, mais do
que o Mysterium para uma vida. E a primeira Do que é o pecado e
vida, assim como o fogo do qual se inflama,
pertence ao Mysterium que ela tomou da es- porquê é pecado
sência, de que esta essência é inteiramente
violenta, ou uma essência mista, ou uma es- 1. Algo que é Uno não tem nem mando, nem
sência de luz, de acordo com o mundo-luz. lei. Mas, se esse algo se mescla a outro algo,
resultam dois seres diferentes, existindo co-
15. A propriedade na qual a vida adquire a mo um só. Mas também há duas vontades,
ascensão é também aquela que consumirá
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uma operando contra a outra. Eis aqui a ori- qualidade e uma só vontade. Não deseja mais
gem da oposição ou da inimizade. do que o objeto de seu amor e nenhum ou-
tro, pois o bem é tão somente a Unidade e a
2. Consideremos a oposição a Deus. Deus é qualidade é múltipla. E a vontade humana,
Uno e Bom, sem nenhum sofrimento ou qua- que deseja múltiplas coisas, traz para si-
lidade limitada (Qual). E toda fonte ou quali- mesma e para o Único (onde reside Deus), o
dade (Qual) está n’Ele, mesmo que ainda não tormento da pluralidade.
esteja manifestada, pois o bem absorveu o
mal, ao contrário do si-mesmo, e o guarda 8. Pois o múltiplo é treva e obscurece a vida
encerrado no bem, como um prisioneiro, da luz, e o Único é a Luz, pois esta se ama a
pois o mal será uma das causas da vida e da si-mesma e não possui nenhum desejo pelo
luz, mas causa não manifestada. Portanto, o múltiplo.
bem morre no mal a fim de poder mover-se
no mal, sem sofrimento nem sensação em si- 9. A vontade da vida deve, então, ser dirigida
mesmo. para o Único (como fazia o Bem), e assim
permanecer numa qualidade única. Mas, se
3. O amor e a inimizade são uma única e imagina outra qualidade, ela mesma se torna
mesma coisa, mas cada uma reside em si- o recinto do que deseja.
mesma, o que as tornam duas coisas diferen-
tes. A morte é a linha de demarcação entre 10. E se esse algo não tiver um fundamento
elas e, portanto, a morte não existe exceto eterno terá uma raiz perecível e frágil. Então
que o bem morra no mal, como a luz morreu buscará uma raiz para assegurar sua preser-
na mordida do fogo e não sente mais o fogo. vação, a fim de subsistir, pois cada vida reside
num fogo mágico, e cada fogo deve ter uma
4. Nós devemos ainda explicar o pecado na substância para poder arder.
vida humana. Eis: a Vida é Una e Boa, mas se
existe outra qualidade no interior dela- 11. Este algo deve criar por si-mesmo uma
mesma, esta se transforma numa inimizade substância, segundo seu desejo, a fim de que
contra Deus, pois Deus reside na vida mais seu fogo tenha um combustível para nutrir-
elevada do homem. se. Nenhum fogo-fonte pode subsistir no fo-
go livre, pois este não pode alcançá-lo, não
5. No entanto, nenhuma existência incomen- sendo ele-mesmo mais do que uma coisa.
surável pode residir numa existência mensu-
rável. Já que enquanto a verdadeira vida des- 12. Tudo o que subsiste em Deus deve ser
perta a dor em si-mesma, não é mais idêntica liberado de sua própria vontade. Não pode
ao nada, no qual não há dor. É porque uma haver ali nenhum fogo individual queimando
se separa imediatamente da outra. no interior de si-mesmo, pois o fogo de
Deus deve ser o seu fogo. Sua vontade deve
6. Pois o bem - ou a luz - é como um nada, estar unida a Deus, a fim de que Deus e a
mas se alguma coisa o penetra, então se tor- vontade e o espírito do homem não sejam
na outra coisa além do nada, pois a coisa que mais do que uma única e mesma coisa.
o penetra reside em si-mesma, no tormento
(Qual), pois ali onde há alguma coisa, deve 13. Pois o que é Uno não pode estar em de-
também haver uma qualidade (Qual) que a sacordo ou em inimizade com si-mesmo,
crie e a mantenha. porque não possui mais do que uma vontade.
Onde quer que ele vá, o que quer que faça,
7. Consideremos agora o amor e a inimizade. permanece Uno consigo mesmo.
O amor não possui mais do que uma única
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14. Uma vontade única não pode ter mais do pois se age com um desejo exterior a Deus.
que uma imaginação única, e a imaginação E nós compreendemos também que o orgu-
não cria onde não se deseja o que se asseme- lho é pecado, pois este tenderá a voltar-se
lha a si-mesma. É desta maneira que nós de- para sua própria coisa, separando o si-
vemos compreender a vontade contrária. mesmo de Deus, assim como da Unidade.

15. Deus reside em todas as coisas e nada o 21. Pois tudo o que reside em Deus deve
contém, exceto se tal cosa é Una com Ele. mover-se nEle, em Sua vontade. Então vemos
Mas, se esta sai da unidade, ela sai de Deus e que estamos todos em Deus, como uma uni-
entra em si-mesma e se torna, então, dife- dade dividida em numerosos membros. Não
rente de Deus, se separa por si-mesma. E é encontrará Deus aquele que se separa dos
aqui que se manifesta a Lei que quer que to- outros, fazendo de si-mesmo um senhor, co-
das as coisas voltem a sair de si-mesmas para mo o orgulho pode fazê-lo. O orgulho se fará
retornar à Unidade ou ficarem separadas da um senhor, e Deus é o único Senhor. Haverá
Unidade. então dois senhores, e um se separa do ou-
tro.
16. Eis como se pode saber o que é pecado e
porque é pecado. Quando um ser humano 22. É por isso que tudo o que se deseja pos-
quer separar-se por si-mesmo de Deus, em suir para si mesmo é pecado e uma vontade
sua própria existência, ele desperta seu pró- contrária, o mesmo quando se age assim ao
prio si e arde de seu próprio fogo, que não beber ou ao comer. Se a vontade se imagina
tem a capacidade do fogo divino. neste estado, ela se enche e se ilumina de
seu próprio fogo, e age então outro fogo ar-
17. Pois, toda coisa que a vontade penetre e dendo no primeiro e se torna uma vontade
tome posse, tornar-se-á estranha à vontade contrária e um erro.
Una de Deus. Pois tudo pertence a Deus e
nada pertence à vontade do homem. Mas, se 23. É porque nós devemos cultivar, fora da
a vontade reside em Deus, então também oposição, uma vontade nova, que se abando-
tudo lhe pertence. nará outra vez na Unidade simples, e a oposi-
ção deverá ser quebrada e abatida.
18. Assim, pois, nós reconhecemos que o
desejo é pecado, pois este é uma tentação da 24. Consideremos agora o Verbo de Deus
separação da Unidade em direção ao múlti- feito homem. Se o homem coloca ali seu de-
plo e a introdução do múltiplo na Unidade. sejo, sairá da dor (Qual) de seu próprio fogo
Deseja possuir e, portanto, deverá estar sem e será um recém-nascido no Verbo. E, assim,
vontade. É pelo desejo que se busca a subs- a vontade nascente residirá em Deus, mas a
tância, e é na substância que o desejo acende vontade primeira permanecerá com avareza,
um fogo. materialidade e pluralidade.

19. Cada fogo particular queima segundo o 25. Também a pluralidade do corpo deve ser
caráter de seu próprio ser, e eis como nasce quebrada, e esta deve desaparecer e separar-
a separação e a inimizade. Pois o Cristo dis- se da vontade nascente. Então a vontade nas-
se: "Aquele que não está comigo, está contra cente conhecerá um novo nascimento, pois
mim e aquele que não atesoura comigo, dissi- na Unidade, reabsorve tudo em si-mesmo,
pa no lugar de juntar." (Lucas XI, 23). Pois não com seu próprio desejo, mas com seu
aquele que atesoura sem Cristo e tudo o que próprio amor - um amor que está unido a
não está nEle, está fora de Deus. Deus -, a fim de que Deus esteja inteiramen-
te em tudo, e que Sua Vontade seja a vonta-
20. Vemos, então, que a avareza é pecado, de de todas as coisas, pois em Deus não
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existe mais que uma única vontade.


32. Mas se ela é guardada prisioneira do de-
26. Assim, nós descobriremos que o mal de- sejo terreno, será encerrada na morte e so-
ve estar subordinado à vida do bem, sempre frerá a agonia. Eis como compreender o pe-
que a vontade se retire de novo do mal, de si cado.
-mesmo, ao bem, pois o fogo da vida é cons-
tituído de ferocidade. Quarto Ponto: Como o Cristo
27. Mas a vida da vontade de vida deve ter devolverá o Reino a Seu Pai
voltado contra si-mesma, em conflito, pois
deve fugir de sua ferocidade e não mais dese-
1. Durante a criação do mundo e de todos
já-la. Ela não deve mais querer desejar e, no
os seres, o Pai se põe em movimento segun-
entanto, a vontade de seu fogo (quer dizer a
do sua propriedade, quer dizer pelo centro
vida de seu fogo) deseja e deve possuir o de-
da Natureza, pelo mundo tenebroso e o
sejo. Eis aqui, então, a coisa: renascer na von-
mundo-fogo. Eles continuarão seu movimen-
tade. to e sua dominação até o momento em que
o Pai se eleva, segundo seu coração (e o
28. Cada vontade-espírito que permanece no
mundo-luz), e Deus se torna homem. A se-
desejo do fogo de sua vida (como no ardor
guir, o amor reina, a luz venceu a proprieda-
da madeira para o fogo), ou que ali penetra e
de da violenta fúria do Pai e guia o Pai no Fi-
possui o terreno, fica separada de Deus en-
quanto possuir o que é diferente, quer dizer, lho, com amor.
o terreno. 2. Depois o Filho teve domínio sobre os que
se vincularam a Deus; o Espírito-Santo (que
29. Então nós reconhecemos como a superfi-
provém do Pai e do Filho) atrai os homens
cialidade de beber e de comer engendra o
para a luz do amor, através do Filho, para
pecado. Pois, a vontade pura que se separa
do fogo da vida, está mergulhada no desejo e Deus, o Pai.
aprisionada, e assim se encontra muito fraca
3. Mas, no final dos tempos, o Espírito-Santo
no combate. Pois a fonte do fogo (ou do de-
voltará ao Pai e também a propriedade do
sejo) a mantém cativa e a cumula do ardente
Filho e as duas propriedades se tornarão ati-
desejo, de tal maneira que esta mesma vonta-
vas nesse instante. O espírito do Pai se reve-
de dirige sua imaginação no desejo. lará no fogo e na luz, mas também na violen-
ta cólera do mundo das trevas. Então o reino
30. Assim também a vontade colocada no
retornará ao Pai. Pois o Espírito-Santo deve
desejo de beber e de comer é terrena e está
governar eternamente e ser um revelador
separada de Deus. Mas a vontade que escapa
eterno no mundo-luminoso como também
do fogo terrestre, arde no fogo interior e é
no mundo das trevas.
divina.
4. Pois os dois mundos permanecerão imó-
31. A vontade que não escapa do desejo ter-
veis e o Espírito-Santo, que provém do Pai e
reno não se eleva além do fogo terrestre.
do Filho tem o direito de reinar eternamente
Não, ela é a vontade do fogo da alma que foi
nos dois mundos, segundo a natureza e a
capturada e oculta pelo desejo terreno. Ela
não deseja permanecer no desejo terreno, propriedade de cada um destes mundos.
mas quer retornar à sua Unidade, em Deus,
5. Ele só será o revelador das maravilhas. E a
de onde ela encontrou originalmente sua
dominação eterna que Ele exercerá com o
fonte.
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Espírito, será devolvida ao Pai (que é tudo), pela morte ou a violência, na luz da Majesta-
pelo Filho. de.

Quinto Ponto: 8. Ela não é a Majestade, mas o desejo da


Majestade. Ela é o desejo do poder divino, e
Da magia. Do que é a magia não o poder em si-mesmo, mas ela é a fome
ou o desejo ardente do poder. Ela não é
Do que é o fundamento da magia Onipotência de Deus, mas o elemento dire-
tor da Potência e do Poder de Deus. O cora-
1. A magia é a mãe da eternidade, do Ser de ção de Deus é o poder, e o Espírito-Santo é
todos os Seres, pois ela se cria a si-mesma e a revelação do poder.
seu entendimento reside no desejo.
9. Sem embargo, ela não é somente o desejo
2. Ela não é ela-mesma mais do que como do poder, mas também do espírito condutor,
uma vontade e essa vontade é o grande mis- pois ela contém o Fiat em si-mesma. O que o
tério de todos os milagres e de todos os se- Espírito-Vontade revela nela, a manifesta co-
gredos, mas ela se manifesta pela imaginação mo um ser para a acidez que é o Fiat. Tudo
isso se cumpre segundo o modelo da vonta-
da fome do desejo de existir.
de. Como a vontade forma um modelo na
3. É o estado original da Natureza. Seu dese- Sabedoria, é assim que o desejo da Magia o
jo cria uma imagem (Einbildung). Essa imagem recebe, pois ela tem a imaginação em sua
ou figura é somente a vontade do desejo, propriedade como um ardente desejo.
mas o desejo cria na vontade um ser, seme-
10. A imaginação é doce e terna, assemelha-
lhante ao que contém a vontade.
se à água. Mas o desejo é duro e seco como
4. A magia verdadeira não é um ser, mas o a fome, ele endurece o que é brando e se
espírito do desejo deste ser. É uma matriz encontra em todas as coisas, pois é o maior
sem substância, mas que se manifesta num ser (Wesen) na Deidade. Ele guia o que não
tem fundamento para sua fundação e o que
ser de substância.
não é nada para alguma coisa.
5. A Magia é o espírito, e o ser é seu corpo
e, no entanto, os dois não fazem mais do que 11. É na magia que se encontram todas as
um, como a alma e o corpo não fazem mais formas do Ser de todos os seres. Ela é uma
mãe em cada um dos três mundos e cria ca-
do que uma só pessoa.
da coisa, segundo o modelo e a vontade des-
6. A Magia é o maior segredo, pois ela é su- ta coisa. Ela não é o entendimento, mas um
perior à natureza e cria a natureza segundo a elemento de criação segundo o entendimen-
forma de sua vontade. Ela é o mistério do to e ela se presta tanto ao bem quanto ao
Ternário, quer dizer que ela reside no dese- mal.
jo, na vontade de aspirar ao coração de
12. É tudo o que a vontade modela na sabe-
Deus.
doria, de modo que a vontade do entendi-
7. Ela é a potência formadora na Sabedoria mento a penetre também, é o que recebe
eterna, sendo um desejo no Ternário, no que seu ser da Magia. Ela serve àquilo que ama
a eterna maravilha do Ternário deseja mani- Deus em Seu Ser, pois ela cria a substância
festar-se em cooperação com a Natureza. É divina no entendimento e a toma da imagina-
o desejo que se introduz na Natureza tene- ção e também da doçura da luz.
brosa, e pela Natureza no fogo e pelo fogo,
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13. É a Magia que cria a carne divina e o en-


tendimento nasceu da sabedoria, pois este 20. É impossível medir a profundidade, pois
distingue as cores, os poderes e as virtudes. ela é desde a eternidade a base e o funda-
O entendimento conduz ao espírito verda- mento de todas as coisas. Ela é um mestre de
deiro e justo pelo domínio, pois o espírito filosofia, assim como é a mãe da filosofia.
foge e o entendimento é seu fogo.
21. Mas a Filosofia conduz à Magia, sua mãe,
14. O espírito não é rebelde, não deveria como lhe apraz. Como o divino poder, quer
opor-se ao entendimento mas deveria ser a dizer, o Verbo (ou o coração de Deus), con-
vontade do entendimento. Mas os sentidos duz o Pai severo para a doçura, assim a Filo-
do entendimento fogem e são rebeldes. sofia (ou o entendimento) conduz a sua mãe
para uma qualidade doce e divina.
15. Pois os sentidos são as centelhas do espí-
rito-fogo, eles trazem consigo, na luz, as cha- 22. A Magia é o livro de todos os sábios. Os
mas da Majestade; e nas trevas trazem consi- que querem aprender devem primeiro
go o raio do terror, semelhante a um feroz aprender a Magia, mesmo que sua própria
relâmpago de fogo. arte seja mais elevada ou mais baixa. Assim
como o agricultor deve ir à escola mágica se
16. Os sentidos são de um espírito tão sutil, quiser cultivar seu campo.
que eles entram em cada ser e absorvem ca-
da ser em si-mesmos. Mas o entendimento 23. A Magia é a melhor teologia, pois nela a
prova tudo em seu próprio fogo, rejeita o verdadeira fé tem seu fundamento e sua mo-
mal e não retém mais do que o bem. Então a rada. E aquele que a ridiculariza é um louco,
Magia, sua mãe, toma o bem e lhe dá o ser. pois ele não a conhece e blasfema contra
Deus e contra si-mesmo, e ele é mais um
17. A Magia é a mãe da qual provém a Natu- malabarista que um teólogo possuidor de
reza, e o entendimento é a mãe proveniente entendimento.
da Natureza. A Magia guia o fogo feroz, e o
entendimento abandona sua própria mãe: a 24. Ele é como alguém que se golpeia diante
Magia, do fogo feroz para seu próprio fogo. de um espelho e não conhece a causa da dis-
puta, pois leva um combate superficial. O
18. Pois o entendimento é o fogo do poder, teólogo injusto olha a Magia em seu reflexo e
e a Magia é o fogo ardente e, no entanto, não não compreende nada de seu poder, pois ela
é necessário compreender como um fogo, é semelhante a Deus e ele não é divino, mas
mas como o poder ou a mãe do fogo. O fogo é diabólico, segundo a propriedade de cada
é chamado princípio e a Magia é chamada princípio. Em resumo: a Magia é a Atividade
desejo. do Espírito-Vontade.

19. Tudo é cumprido pela Magia, o bom as- Sexto Ponto: Do Mistério
sim como o mau. Sua própria obra é necro-
mancia, mas ela está distribuída através de O que é o Mistério
todas as propriedades. No que é bom, ela é
boa, e no que é mau, ela é má. Ela é útil às
1. O mistério não é outra coisa além da von-
crianças do Reino de Deus, e aos bruxos do
tade mágica que ainda está aprisionada no
reino do diabo, pois o entendimento pode
desejo. Ele pode modelar-se à vontade no
fazer o que lhe apraz. Ela não possui o enten-
espelho da sabedoria. E da maneira que se
dimento e, no entanto, ela compreende tudo,
modela na tintura, será fixado e formado na
pois ela é a compreensão de todas as coisas.
Volume 1I, edição XII Página 9

Magia e por fim trazido num ser. a sombra, segundo a compreensão e a in-
compreensão, segundo o amor e a ira, ou
2. Pois o Mysterium Magnum não é nada além segundo o fogo e a luz, como foi demonstra-
da faculdade que tem a Deidade de ocultar- do.
se, em companhia do Ser de todos os seres.
Desse mistério procedem outros, e cada 4. O Mago tem o poder, neste Mistério, de
mistério é o reflexo e o modelo do seguinte. agir segundo sua vontade, e ele pode fazer o
E eis aqui a grande maravilha da eternidade, que lhe apraz.
na qual tudo está incluído, e que desde toda
eternidade foi vista no espelho ou na sabedo- 5. Mas ele deve estar armado com esse mes-
ria. E nada passa que não tenha sido, por to- mo elemento, com o qual ele poderia criar;
da a eternidade, conhecido no espelho da se não ele for rejeitado como um estranho e
Sabedoria. liberado ao poder dos espíritos deste ele-
mento, que poderiam tratá-lo como bem lhes
3. Mas deves compreendê-lo segundo as pro- parecesse. Nada mais pode ser dito deste
priedades do espelho, segundo todas as for- tema, por causa da turba.
mas da Natureza, quer dizer, segundo a luz e

Depoimento sobre o trabalho da Via Interior

A cho que todos os seres humanos sen-


tem que são mais do que o reflexo no
espelho, ou seja, sabem que por trás daquele
necessidades são diversos e há um abismo
que nos separa. Esse ser ao qual me refiro é
minha alma, a parcela que me mantém unida
rosto conhecido de todos os dias, existe um a Deus, e que acumula não só as experiên-
outro ser, que algumas vezes surpreende cias, mas também as dores, os medos e os
aparecendo em momentos críticos para de- traumas. Nela ficam profundamente gravados
saparecer em seguida, sem que saibamos co- todos os fatos, palavras, pensamentos, dese-
mo encontrá-lo. jos que sobreviverão ao meu corpo e à mi-
nha mente. Ela que, sufocada pelos tempera-
Durante muito tempo, dei voltas ao redor de mentos e pelos corpos exteriores, não en-
mim mesma, sabendo que havia “alguém” que contra espaço nem força para fazer-se ouvir,
estava ali, mas sem saber exatamente onde para expressar suas necessidades e desejos e
ou como procurar. Sentia essa “presença” que, em raros momentos, quando “baixo a
em alguns momentos, sabia que algumas ve- guarda” do cárcere no qual a mantenho pre-
zes era a voz que me aconselhava, que me sa, surge para não me deixar esquecer que
consolava, que debilmente me pedia coisas e ela precisa VIVER. São tantos os barulhos,
tentava comunicar-se, mas não podia, consci- tantas as exigências que o ego faz para pren-
entemente, encontrá-la quando queria. der a atenção da minha consciência, que a
“pobre” alma quase nada pode fazer e, por
Quando comecei a fazer os primeiros traba- fim, se cala e definha, impotente para lutar
lhos da Via Interior, me ressenti profunda- sozinha.
mente ao perceber que esse ser desconheci-
do que habita meu interior está além do meu Abrir um caminho no meio de todo
alcance imediato, porque entre eu e ele há “entulho” interior, para que a alma possa ma-
um mundo de coisas que acumulei no decor- nifestar-se é um trabalho que devo primeira-
rer das minhas vidas, que nos separam e im- mente desejar, depois aprender e por fim
pedem o contato, nossos ideais, interesses e realizar. Desejar me levou a buscar explica-
Página 10 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

ções para meus sofrimentos, para meus me- Sinto, de forma ainda sutil e até um pouco
dos, para minhas dificuldades em muitas confusa, que algo se rompeu, ou melhor, se
áreas da vida, me levou a tentar entender o abriu em mim e outro um nível de conheci-
sentido de estar aqui, de ser como sou, de mento, de consciência, de experiências co-
pensar como penso, de fazer o que faço. Foi meça a aflorar, sem que eu saiba como ou de
o primeiro passo, dado no escuro e em soli- onde surge. É como se o céu, todas as coisas
dão absoluta. Dado esse passo, naturalmente e todas as pessoas adquirissem um brilho no-
surgiu o meio de aprendizado e daí surgiu a vo, uma cor nova, um novo significado e uma
possibilidade da concretização desse aprendi- profundidade que eu antes ignorava. Entrei
zado. numa outra dimensão de mim mesma, por-
que o mundo ainda é o mesmo, mas as coisas
No começo dos trabalhos percebi que teria não permanecem iguais. Aspirei um perfume
que empenhar-me muito para realizar esse que não é deste mundo e o encantamento
“resgate”, de modo a que minha alma pudes- que ele despertou em minha alma me impele
se respirar, falar e agir. Primeiramente, meus a ir adiante, porque, embora os véus estejam
temperamentos entraram em rebelião, por- ainda nublando minha visão, sei que o cami-
que sentiram que seu reinado estava ameaça- nho me reserva outras maravilhas inenarrá-
do, depois os outros corpos uniram-se nesse veis.
motim e por uns tempos, minha vida virou
um pequeno “inferno”. Meu corpo mental e Um passo foi o que a vida me pediu. A cora-
o corpo emocional encarregaram-se de cau- gem de dar apenas um passo, que depois se
sar todos os tipos de problemas para desviar transformou em outro e outro mais e, assim
minha atenção do trabalho, porém fui incen- vou fazendo o caminho, onde antes não havia
tivada a continuar, a não desanimar e prosse- nada. O preço é pequeno demais, pelo tama-
gui, mas a cada nova etapa o mundo desabava nho da recompensa e por perceber que adi-
sobre mim e tudo voltava. Mas a vida não fica ante existem coisas que agora nem posso
passiva diante de nossos esforços sinceros de imaginar...
progresso e encarregou-se de colocar-me
diante das situações e das pessoas adequadas, Meu coração e minha alma, tão endurecidos
para que eu pudesse cair em mim e enxergar por não poderem compreender os revezes
-me como de fato estava naquele momento. da vida, por não poderem suportar as rejei-
ções e por não poderem sublimar suas ne-
Foram muitas as lágrimas e muita a raiva, as- cessidades e aspirações, foram banhados por
sim como uma sensação íntima de revolta uma doçura impossível de descrever. Tanto
que me ameaçava, a cada momento, de pôr tempo permaneceram trancados, obcecados
todo o trabalho a perder. Mas, apesar das por idéias e sentimentos cristalizados, revol-
lágrimas e da raiva, a Vontade conseguiu fa- tosos e tristes, que já não podiam sentir ver-
zer valer um desejo de minha alma, que esta- dadeiramente o milagre e a alegria da vida,
va muito além daquilo que meus tempera- estavam a um passo da própria morte. E teri-
mentos e corpos exteriores queriam. am morrido, se esse único passo não tivesse
sido dado, teriam deixado morrer sufocada a
Então, comecei uma viagem que não tem vida aprisionada pelos medos, melindres, de-
tempo para acabar e que não foi iniciada com sejos equivocados.
o objetivo único de chegar ao destino, por-
que eu não sei ainda aonde vou. Essa viagem Aparentemente, tudo aconteceu de repente,
me importa pelo caminho em si, e o que mas na verdade esse é um processo que vem
aprenderei nele. acontecendo lentamente, sem que eu mesma
tivesse percebido. Todo estudo, todo traba-
Volume 1I, edição XII Página 11

lho, toda oração, toda meditação e toda re- minha realidade pessoal. De nada adianta tra-
flexão foram fazendo o trabalho que lhes ca- balhar as minhas máscaras, de nada adianta
bia, silenciosa e lentamente, um campo de passar por todas as dores inevitáveis da vida
sementes estava sendo plantado sem que eu se não fizer como a Virgem e não permitir
mesma tivesse consciência da extensão e da que essas coisas sejam “meditadas em meu
profundidade desse trabalho. coração”.

Tudo aquilo que posso enxergar em mim, Sei que quanto mais me aprofundar nessa
seja belo ou não, seja bom ou não, está ali viagem interior, mais sutis serão meus defei-
por alguma razão e deve ser conhecido em tos, mas ainda estarão lá, ainda tentarão me
profundidade. Existem jardins belos e perfu- fazer desistir, mudando suas táticas de ata-
mados e também existem pântanos assusta- que, sofisticando suas armas e seus métodos.
dores. E, da mesma forma que caminho pelo Orar e Vigiar, disso nunca posso prescindir
jardim e aspiro as flores, devo entrar no pân- nesta jornada. Que nunca durma a sentinela
tano e, como Hércules no seu 8° trabalho, sobre a cidadela, porque inimigos me esprei-
trazer a hidra à superfície para que a luz e o tam na escuridão.
ar puros façam o seu trabalho. Quero dizer
que só posso transmutar e vencer aquilo que A perfeição é um objetivo muito elevado, do
conheço e tenho que encontrar a coragem qual estou a uma distância incalculável. Mas,
de dizer SIM, eu preciso ser limpa e purifica- como disse, penso que o caminho é feito de
da, preciso encarar a hidra medonha que pequenos e constantes passos e, acima de
existe em mim e preciso vencê-la. Isso é tão tudo, sei que quando dou um passo em dire-
doloroso e... para quê? Para eterizar, suavizar ção à Luz, a Luz dá dois passos em direção a
e clarear aquilo que é espesso, duro e escuro mim. A força de atração é irresistível e sinto
a fim de que Aquele que espero, digne-se que, se meu desejo de encontrar Deus é
fazer em mim Sua morada. grande, Seu desejo de encontrar-me é Infini-
to e por causa desse Amor que um dia me
Não há como crescer sem passar pelo sofri- unirá a Ele para sempre, eu tenho o tempo
mento, pois a maturidade espiritual, a com- que precisar para empreender a minha via-
preensão e a sabedoria que almejo são frutos gem.
de um trabalho honesto e profundo sobre Uma irmã em Cristo

A Fé - Faculdade Espiritual por Constant Chevillon

A Fé não é apenas uma virtude teológica,


uma certeza intelectual e moral de or-
dem especulativa. É também uma Luz viva
viar seu curso para introduzir no ciclo nor-
mal da criação visível as leis superiores do
mundo invisível. Ela pode curar as doenças,
que se incorpora, de certa maneira, à vonta- iluminar as inteligências, fortalecer as vonta-
de e torna-se um poder espiritual, um dina- des, aniquilar os obstáculos, realizar milagres.
mismo efetivo, cujas potencialidades se atua- Mas esta é a faceta menor de seu poder rea-
lizam e repercutem em todos os nossos atos. lizador.
Ela é uma realização contínua da experiência
humana. Ela está na própria origem da nossa consciên-
cia; ela nos dá a certeza absoluta de nossa
Essa fé dinâmica é a alavanca das Escrituras e realidade, é a raiz e o princípio do “Cogito”
o ponto de apoio de Arquimedes. Aplicada de Descartes. Ela nos confirma, portanto,
ao eixo das leis naturais, ela pode desencadeá numa segurança moral, intelectual e física,
-las bruscamente, reforçar sua ação, ou des- das quais nossas cogitações e nossos atos
Página 12 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

subseqüentes são a prova e a conseqüência eixo do Universo e é ainda um fim. Se o as-


imediata. pecto divino desaparece de nossas faculda-
des, não há mais suporte nem fim adequados
As bases do julgamento — pelo qual nossa à nossa essência íntima.
personalidade assume seu valor, suas respon-
sabilidades, eleva-se ou desce a certo nível — Nenhum raciocínio, nenhum pensamento,
são função de seu dinamismo próprio. A fé nenhum gesto poderão colocar-nos diante de
pode tornar-se, em cada homem, um “Fiat” um porvir que satisfaça as nossas aspirações.
criador, suscetível de projetá-lo rumo ao pla- Ficaremos num vai e vem entre uma margem
no divino e de torná-lo coparticipante dos e a outra do rio vital, prontos a afundar no
atributos de Deus. Porque, não satisfeita com abismo das contingências.
uma autocriação interna da consciência, ela é
o suporte e o aguilhão da liberdade, da qual a Ora, a fé não nasce na dispersão anímica e
vontade é o órgão; ela assegura seu desen- intelectual, ela repousa na unicidade espiritu-
volvimento e uso no quadro do nosso ser, al. Um homem, um povo dividido contra si
mas levando sempre mais adiante o limite de mesmo, refratário à unidade, perecerá na
suas possibilidades. desagregação de seus elementos. Tornado,
ao contrário, coesi-
Mônada essencial- vo pela unificação
mente expansiva, de suas partes cons-
ela de fato irradia- titutivas, viverá no
se no nada para ne- tempo e no espaço,
le suscitar uma cria- pois ele está confir-
ção análoga à que mado na segurança
realiza em nós; ela interna, contra a
é o Mesmo em ges- qual as discórdias
tação do Outro. externas são impo-
tentes.
Assim, a fé não é
uma crença tímida, Coloquem dois ho-
incessantemente mens em confronto
abalada pelos acon- na luta pela vida. O
tecimentos exterio- triunfo pertencerá
res, sempre em busca de uma consolidação ao detentor da fé mais enérgica e mais atuali-
problemática. É uma consciência absoluta das zada. Ele é, de fato, o melhor adaptado ao
possibilidades interiores de nosso ser e de fim real da raça humana, porque essa adapta-
suas reações vitoriosas. É uma possessão an- ção resulta da fé, parte integrante e centro
tecipada do futuro, a bigorna sobre a qual de seu ser.
forjamos duramente nosso porvir, porque o
homem, malgrado as contingências individuais A fé verdadeira é pouco comum; os homens
ou coletivas, é o artesão de seu próprio des- afastam-se dela, preferem a facilidade das
tino; ele o faz grande, mesquinho ou miserá- vontades vacilantes, a dúvida, à certeza, e a
vel, ao ritmo da fé que o anima. influência passional à pureza do coração.

Em sua unicidade substancial, a fé assume um


aspecto triplo: fé em Deus, fé em si mesmo, Esta matéria foi publicada pela primeira vez na
fé no destino. Se perdermos a primeira, per- Revista L’Initiation no N° 4 de 1983.
demos também as outras, porque Deus é o
Volume 1I, edição XII Página 13

O Mito de Narciso

perdição.
"Se não quisermos ser feitos de tolos pelas
nossas ilusões devemos, pela análise cuidadosa
de cada fascínio, extrair deles uma parte de Havia uma bela ninfa, Eco, amante dos bos-
nossa personalidade como uma quinta ques e dos montes, companheira favorita de
essência, e reconhecer lentamente que nos Diana em suas caçadas. Mas Eco tinha um
encontramos conosco mesmos repetidas vezes, grande defeito: falava demais, e tinha o costu-
em mil disfarces, no caminho da vida." me de dar sempre a última palavra em qual-
C. G. Jung quer conversa da qual participava. Um dia
Hera, desconfiada com razão, que seu mari-
do estava divertindo-se com as ninfas, saiu à

N arciso nasceu possuidor de uma beleza


excepcional. Na cultura grega, assim
como em tantas outras, tudo o que excede,
sua procura. Eco usou sua conversa para en-
treter a deusa enquanto suas amigas ninfas se
escondiam. Hera, percebendo a artimanha da
isto é, passa dos limites da média (somente ninfa, condenou-a a não mais poder falar uma
aos Imortais era permitido o exagero, a ul- só palavra por sua iniciativa, a não ser repetir
trapassagem do métron, "medida"), acaba se sempre as últimas palavras ditas pelos outros.
tornando assustador, porque
pode arrastar o indivíduo para a
"hýbris", que para os gregos é o Um dia, a ninfa passeava por um
descomedimento, muito distan- bosque quando viu Narciso que
te do "métron", equilíbrio, por- perseguia a caça pela montanha.
tanto, tamanha beleza não era Como era belo o jovem, e co-
bem vista, já que desafiava a su- mo era forte a paixão que a as-
premacia dos deuses. saltou! Seguiu-lhe os passos e
quis dirigir-lhe a palavra, falar o
quanto ela o queria, mas não
Narciso, em grego Nárkissos era possível. Era preciso espe-
(nárkes, "torpor", de onde pro- rar que ele falasse primeiro pa-
vém a palavra narcótico), era ra então responder-lhe. Distraí-
filho da náiade Liríope e do rio da pelos seus pensamentos, não
Cefiso. Sua mãe, ela própria assustada com a percebeu que o jovem dela se aproximara.
extrema beleza do filho, foi à procura de Ti- Tentou se esconder rapidamente, mas Narci-
résias , um cego adivinho que possuía a arte so ouviu o barulho e caminhou em sua dire-
da "mantéia", ou seja, a capacidade de ver o ção:
futuro. Ela perguntou se Narciso viveria até
ficar velho, ao que o sábio respondeu: "Se ele
não se vir...". - Há alguém aqui?
- Aqui! - respondeu Eco.
Narciso, a despeito da cobiça que despertava - Narciso olhou em volta e não viu ninguém.
nas ninfas e donzelas, preferia viver só, pois Queria saber quem estava se escondendo
não havia encontrado ninguém que julgasse dele, e quem era a dona daquela voz tão bo-
merecedora do seu amor. E foi justamente nita.
esse desprezo que devotava às jovens a sua
- Vem - gritou.
Página 14 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

- Vem! - respondeu Eco. bruçou-se sobre a fonte para banhar-se e viu,


surpreso, uma bela figura que o olhava de
- Por que foges de mim? dentro da água. "Com certeza é algum espíri-
- Por que foges de mim? to das águas que habita esta fonte. E como é
belo!", disse, admirando os olhos brilhantes,
- Eu não fujo! Vem, vamos nos juntar! os cabelos anelados como os de Apolo, o
- Juntar! - a donzela não podia conter sua rosto oval e o pescoço de marfim do ser.
felicidade ao correr em direção do amado Apaixonou-se pelo aspecto saudável e pela
que fizera tal convite. beleza daquele ser que, de dentro da fonte,
retribuía o seu olhar. Não podia mais se con-
- Narciso, vendo a ninfa que corria em sua
ter. Baixou o rosto para beijar o ser, e enfiou
direção, gritou: os braços na fonte para abraçá-lo. Porém, ao
- Afasta-te! Prefiro morrer do que te deixar contato de seus braços com a água, o ser
me possuir! sumiu para voltar depois de alguns instantes,
tão belo quanto antes.
- Me possuir... - disse Eco.
“Porque me desprezas, bela criatura? E por
Foi terrível o que se passou. Narciso fugiu, e que foges ao meu contato? Meu rosto não
a ninfa, envergonhada, correu para se escon- deve causar-te repulsa, pois as ninfas me
der no recesso dos bosques. Daquele dia em amam, e tu mesmo não me olhas com indife-
diante, passou a viver nas cavernas e entre os rença. Quando sorrio, também tu sorris, e
rochedos das montanhas. Evitava o contato responde com acenos aos meus acenos. Mas
com os outros seres, e não se alimentava quando estendo os braços, fazes o mesmo
mais. Devido ao seu intenso sofrimento, seu para então sumires ao meu contato”. Suas
corpo foi definhando, até que suas carnes lágrimas caíram na água, turvando a imagem.
desapareceram completamente. Seus ossos E, ao vê-la partir, Narciso exclamou: “Fica,
se transformaram em rocha. Nada restou peço-te, fica! Se não posso tocar-te, deixe-
além da sua voz. Eco, porém, continua a res- me pelo menos admirar-te.”
ponder a todos que a chamem, e conserva
seu costume de dizer sempre a última pala- Assim Narciso ficou por dias a admirar sua
vra. Então, houve uma revolta das ninfas, que própria imagem na fonte, esquecido de ali-
foram procurar Nêmesis, a deusa da Justiça. mento e de água, seu corpo definhando. As
Esta, depois de ouvir suas queixas achou que cores e o vigor deixaram seu corpo, e quan-
Narciso merecia o castigo de ter um amor do ele gritava "Ai, ai", Eco respondia com as
impossível. mesmas palavras. Assim o jovem morreu. As
ninfas choraram seu triste destino. Prepara-
Havia, não muito longe dali, uma fonte clara, ram uma pira funerária e teriam cremado seu
de águas como prata. Os pastores não leva- corpo se o tivessem encontrado. Porém, no
vam para lá seu rebanho, nem cabras ou lugar de seu corpo sem vida, nasceu uma de-
qualquer outro animal a freqüentava. Não licada flor amarela. E, em memória do jovem
era tampouco enfeada por folhas ou por ga- Narciso, aquela flor passou a ser conhecida
lhos caídos de árvores. Era linda, cercada de pelo seu nome.
uma relva viçosa, e abrigada do sol por ro-
chedos que a cercavam. A essa flor são creditadas propriedades en-
torpecentes, amolecimento do corpo, devido
Ali chegou um dia Narciso, fatigado da caça, à substâncias químicas. Alguns povos ainda
e sentindo muito calor e muita sede. Ele de- hoje não admitem que se deixe a imagem
Volume 1I, edição XII Página 15

refletida em algo, seja água, espelho ou foto- conseguem uma pequena quota de novo em
grafia: a alma poderia ficar inteira retida no suas vidas. Estas são seres excepcionais, por
reflexo exterior, permanecendo disponível às isso permanecem e representam verdades
forças do Mal. Dizem ainda, que quando a profundas. O novo não se define. Esconde-se
sombra de Narciso atravessou o rio Estige, a cada revelação (re-velar = velar de novo).
em direção ao Hades, ela debruçou-se sobre Não é a novidade, não é o impermanente. O
suas águas para contemplar sua figura. novo está além da prisão e da liberdade e
independe de ambos. É a percepção da inevi-
O Eco tável transformação.

Narciso e o Amor

O Mito de Narciso introduz o tema profun-


do da transitoriedade da beleza e dos laços
que unem o narcisismo, a inveja e a morte.
Tirésias responde enigmaticamente: Narciso
pode viver muito tempo, a menos que apren-
da a conhecer-se a si próprio. O terrível dilema
do narcisismo é assim resumido: o sujeito
narcisista está condenado ou a permanecer
O presente é sempre diferente e a única ins- prisioneiro do mundo de sombras do seu
tância na qual a vida se processa. O futuro amor por si próprio ou a libertar-se da servi-
não existe e o passado é repetição, é eco. O dão do autodesconhecimento e da incapaci-
presente é a medida do novo. Trazer o eco dade de conhecer os outros, mas ao preço
para o presente é fazê-lo velho, ainda que da morte. Da morte simbólica do ego, para
apareça novo e diferente. Essa idéia do que possa nascer para a nova vida do “Eu”
“novo” não é conceitual, é vivencial. Não há superior e profundo, do Sagrado que está
como expô-la com clareza porque ela não é oculto nele.
clara. Ou se percebe, num milagre o que é o
novo e dá-se a iluminação, ou jamais se per- Embora o narcisista pense apenas em si pró-
ceberá a vida. prio, nunca poderá realmente conhecer-se,
se não tomar uma posição exterior a si e ver
O mito da ninfa Eco é uma das grandes ex- -se como realmente é. Se se revelasse capaz
pressões da tendência humana à repetição de aceitar o murchar da beleza, então o seu
das situações e idéias já conhecidas sempre e encanto seria digno de celebração; mas, atra-
eternamente hostis ao novo. Eco entrou para vés da sua denegação auto-enaltecedora da
a mitologia porque se apaixonou por Narci- realidade, da perda e da mudança, essa beleza
so, sendo obrigada por Hera a repetir e a transforma-se em monstruosidade.
repetir. Eco vai perdendo força, fica impedida
de viver, de amar. Refugia-se então nas ca- Narciso cresce e torna-se um belo jovem. É
vernas e nas grutas das montanhas, de onde causa de muitos amores. Eco o vê e apaixona
vem, então, a moderna acepção da palavra -se instantaneamente por ele. Outrora fala-
eco, repetição dos sons gritados, fenômeno dora, Eco punida por falar demais, tudo o
auditivo explicado pela física, porém com sig- que podia fazer agora era repetir as palavras
nificado psicológico muito profundo. que acabasse de ouvir. Como declararia a
Narciso o seu amor? Este perde-se um dia
A mente tende a repetir. Há pessoas que nos bosques e chama pelos seus amigos: Vin-
passam a vida inteira a repetir. Pouquíssimas de a mim. Eco mostra-se então: “A mim, a
Página 16 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

mim”, chama ela, por seu turno. Narciso vol- força por se abraçar a si próprio, por beijar
ta-se e foge porque “preferiria morrer a dei- os lábios que pareciam subir à tona para o
xar que me tocasses”. Eco, humilhada, morre beijar, mais cresce a frustração e o seu mal
lentamente do seu amor perdido, e tudo o de amor. Amaldiçoa o seu destino. Separado
que resta dela é a sua voz. para sempre do seu objeto de amor, faz pela
primeira vez a experiência da perda e da dor.
Narciso despedaça corações. Não é capaz de Ei-lo chegado, enfim, ao conhecimento de si
ver o efeito que as suas ações têm sobre os próprio:
outros. Atraem aduladores e admiradores,
que põem as suas esperanças na possibilidade Tu és eu. Vejo-o agora...
de uma glória por reflexo. Eco transforma-se Mas é tarde demais
no espelho do negligente Narciso. Ele é into- É por mim que estou apaixonado...
cável; ela alimenta eternamente o desejo de Estranha prece nova, a do amante
estar nos seus braços. Ele só pensa em si Que deseja a separação do ser amado.
próprio e é de um egoísmo implacável; ela só
é capaz de pensar nele, e a sua autoestima Narciso compreende que tem de morrer:
permanece frágil até à morte. Ele não é capaz
de se identificar com os outros e assim trans- Sou uma flor cortada, que a
forma as suas vozes na sua própria voz, tor- morte venha depressa.
nando desse modo mais extensa a sua perso-
nalidade; ela não tem voz própria, e está con- Sente, enfim, compaixão por outrem:
denada à palidez da imitação. Em termos de
apego, a angústia é a marca de ambos: ela Aquele que amei deveria viver.
agarra-se ansiosamente ao seu objeto, ele Deveria continuar a viver depois
mantém-se para sempre à distância. de mim, inocentemente.

Porém, seu castigo já havia sido decretado Mas sabe que é impossível. Quando morre,
por Nêmesis: morrem ele e o si-próprio e até mesmo ao
atravessar o Letes não resiste a espreitar-se
Que Narciso ame e sofra de relance nas águas. Mas, no momento da
Como nos fez sofrer a nós morte, Narciso transforma-se, é metamorfo-
Que ame e saiba, como nós, seado, numa bela flor. Até hoje, o narciso,
que não há esperança... com as suas pétalas delicadas e a sua fragrân-
cia sedutora, continua a prestar homenagem
Um dia, ao regressar da caça cheio de sede, à presciência de Tirésias.
Narciso descobriu uma fonte de água esplên-
dida e ao debruçar-se para beber: Tirésias, sabia que para sobrevivermos, te-
mos de superar o nosso narcisismo. Se for-
Uma estranha outra sede, uma ânsia, mos capazes de aceitar que somos transitó-
desconhecida, rios e mortais, seremos capazes de nos
Penetrou o seu corpo com a água, transformar, a nossa auto-estima será segura
E penetrou os seus olhos e seremos contemplados com uma beleza
Com a imagem refletida no espelho... interior. Caso contrário, estaremos condena-
E como o gosto da água o transbordou dos à morte em vida ou à morte pura e sim-
Assim o fez o amor. ples, talvez pelas nossas próprias mãos, à me-
dida que o nosso narcisismo for se tornando
Narciso está profundamente apaixonado pela cada vez mais exigente e insistente.
sua própria imagem. Mas quanto mais se es-
Volume 1I, edição XII Página 17

nem um caminho, nem uma cordilheira,


Narciso morre porque só olha para si mes- nem muro com suas portas fechadas.
mo; o mito nos fala do perigo que representa Um pouco de água é o obstáculo!
confundir a Imagem pela Alma ou o Self pela Se rio, tu ris; se choro, vejo lágrimas
Persona, dedicando toda vida a satisfazer ne- em teus olhos; teus sinais de cabeça
cessidades que não atendem ao verdadeiro correspondem aos meus, e,
anseio humano de se fazer realizar segundo pelo que posso conjeturar do
raízes internas e profundas. Eco morre por- movimento de tua formosa boca,
que só olha Narciso; o mito nos adverte no me respondes palavras que não
perigo de não reconhecer em nós o Sagrado, chegam aos meus ouvidos.
projetando no outro nossa razão de viver. Esse sou eu! Me dei conta e já não
me engana minha imagem;
No mito, em algum momento um encontro me consumo em amor em mim mesmo,
acontece. Após a morte, Narciso renasce na e provoco e padeço as chamas.
flor que Perséfone vai colher e, através deste Que farei? (...) Ai, Oxalá pudesse
ato, cumprir seu destino de rainha do mundo separa-me de meu corpo!"
subterrâneo, lugar das sombras onde jaz a
memória da humanidade; e princesa da pri- Narciso, os Reflexos e o Espelho
mavera na superfície da Terra, onde a ener-
gia das sombras se coagula em atos criativos,
em flores e frutos. Esta é uma história triste, e até pareceria in-
fantil , dessas que se conta às crianças, com o
Narciso simboliza a capacidade criativa de se intuito de dizer a elas que não sejam egoístas,
olhar a si mesmo. Eco simboliza a capacidade que não pensem que só elas existem no
criativa de olhar o outro. O olhar penetrante mundo, que não sejam tão presunçosas, que
a si mesmo encontra o outro, tanto quanto o não façam pouco das pessoas, etc; se não
olhar penetrante ao outro encontra o eu. encerrasse uma verdade tão profunda e sem-
Essa troca é inevitável em qualquer movi- pre atual. Os mitos não são bobagens e, por
mento autêntico, para dentro ou para fora, mais que tentemos passar ao largo e dizer
nas igualdades e nas diferenças. Não existe que já estamos cansados de saber a moral
solidão, só dissociação. Narciso não pode dessa história, não é bem assim. Temos mui-
subtrair-se desse lugar de ideal, ele era a tas coisas a pensar e rever neste mito de um
própria encarnação de um ideal, e assim não Narciso que está vivo e atuante em cada um
foi capaz de amar, sendo consumido pelo de nós.
amor a si mesmo. Diz Narciso:
Parte da palavra Nárkissos que é o nome de
"Alguém, oh selvas, amou mais cruelmente? Narciso em grego, vem de "nárke" que signi-
Porque vós o sabeis e fostes para muitos fica entorpecimento, torpor. É desta raiz que
oportuno refúgio. se origina, também, a palavra narcótico
Ao longo de um tempo tão prolongado, (entorpecente). Nárke como fonte de narco-
quando tantos séculos se, sono produzido por meio de narcótico,
de vossa vida transcorreram, recordais ajuda a compreender a relação da flor narci-
alguém que se tenha consumido assim? so com as divindades e com as cerimônias de
Agrada-me e o vejo, mas o que vejo iniciação. Narcisos plantados sobre os túmu-
e me agrada não o consigo; los, o que era um hábito, simbolizavam a
tão grande é a ilusão que morte, mas uma morte que era apenas um
se apodera do que ama. sono. Uma vez que o narciso floresce na pri-
E, para aumentar minha dor, mavera, em lugares úmidos, ele se prende à
não nos separa o imenso mar, simbologia das águas e do ritmo das estações
Página 18 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

e, por conseguinte, da fecundidade, o que impulso novos. O que o jovem ama é sua
caracteriza sua ambivalência morte-(sono)- “reflexão” que é sua “umbra”, sua alma-
renascimento. sombra. Sob esta influência, ama-se o que se
auto-reflete e, reflete-se o que se ama. O
Mas, afinal qual é a simbologia deste mito? perigo que oferece o aprofundar-se em de-
Quem é Narciso? É alguém que se apaixona masia na linha narcisista de alma e amor-
pela própria imagem. E nós, quem somos? reflexão está não somente na autocontenção,
Para esclarecer essa questão, devemos pri- mas também no suicídio. De modo explícito,
meiro entender as semelhanças entre os re- ao se recusar comer, Narciso se suicidou.
flexos e as sombras. O desenlace trágico de
Narciso, é a conscientização dele de que está Agora que entendemos o conceito dos refle-
perdidamente apaixonado por sua própria xos, devemos "refletir" a respeito do que
imagem; de que sua paixão é um auto-amor, têm em comum os reflexos e as sombras.
um amor do “self” e não um amor pelo Ambos nos espelham de alguma maneira.
“outro”. Tal descoberta leva-o ao desespero Ambos acompanham nossos movimentos,
e à morte, por uma reflexão patológica. definem nossos contornos e nossos limites.
Ambos para se apresentarem dependem da
“Reflectere”, de “re” (novamente), e luz. Só que os reflexos nos dão uma aparên-
“flectere” (curvar-se), significa etimologica- cia mais nítida, por isso, talvez gostemos mais
mente, voltar para trás, onde deles. Além do que, em todas as culturas,
“reflexus” (reflexo, retorno, e “reflexio”), desde os tempos mais remotos, existem vá-
inclinação para trás. O termo reflexão não rias associações não muito agradáveis no que
deve ser entendido como simples ato de diz respeito à sombra.
pensar, mas como uma atitude. Como bem
indica a palavra reflexio, isto é, inclinação pa- A sombra representa tudo aquilo que não
ra trás, um deter-se, procurar lembrar-se do conhecemos de nós, mas que podemos ainda
que foi visto, colocar-se em relação a um vir a conhecer, tais como potencialidades das
confronto com aquilo que acaba de ser pre- quais ainda não tivemos consciência ou, se
senciado. A reflexão, por conseguinte deve tivemos pode não ter havido oportunidade
ser entendida como uma tomada de consci- para desenvolvê-las e, desta forma, elas ainda
ência. Mas a reflexão, como a de Narciso, se encontram lá, na obscuridade da nossa
pode representar sério perigo porque sua sombra. Fazem parte de nossa sombra tam-
história fala de um desenvolvimento extre- bém, tudo aquilo que mais detestamos em
mado, exatamente isto se chama de “Instinto nós e que conhecemos, mas desejaríamos
de reflexão”. Trata-se de um instinto estrita- não ter conhecido jamais e, procuramos es-
mente humano e, sem ele, a cultura e a inte- quecer e reprimir da maneira mais eficiente
rioridade psíquica seriam inconcebíveis. Mas, possível. Então, para negar que aquilo nos
cada instinto tem um potencial de expressão pertence o projetamos no outro.
patológica. A patologia é indicada, geralmen-
te, quando um dos cinco instintos começa a Assim, ao refletirmos no Narciso que vive
dominar o resto e a restringir sua progressão em nós, nos confrontamos com uma situação
para a satisfação. um tanto sombria. A busca do reflexo e o
medo da sombra, do diferente, do desconhe-
Narciso indicaria este desenvolvimento pato- cido, do que nos incomoda e não queremos
lógico no instinto de reflexão: a atividade da ver nem mesmo no "outro". Quando esta-
reflexão (voltar-se para si mesmo) domina e mos no aconchego de família, em que todos
exclui a necessidade de alimentação, da ativi- falam a nossa língua, é tão reconfortante.
dade da entrada de qualquer pensamento ou Sentimo-nos compreendidos e amados, até
Volume 1I, edição XII Página 19

mesmo admirados, reconhecidos pelo que um de nós, mas podemos vivenciá-lo sem a
somos, pelo que estamos nos tornando, pe- patologia da "hýbris". Poderemos trazer à luz
los projetos que temos. E, precisamos desta da consciência mais um bocado da nossa
"revalidação", deste "reconhecimento" de sombra, tentando lidar com as diferenças e
que valemos alguma coisa, de que somos im- nossos conflitos e ambivalências em relação a
portantes para alguém. E nos sentimos muito ela.
orgulhosos com a sensação de "pertencer",
de fazer parte de algo que prezamos tanto. O reflexo das imagens sempre foi algo que
intrigou o espírito humano, desde tempos
Assim, continuamos como Narcisos procu- imemoriais. Qual não deve ter sido o espan-
rando e nos apaixonando por nossos refle- to do homem primitivo ao descobrir que o
xos, por nossos "semelhantes", por nossos espectro refletido nas águas dos rios e lagos
iguais, e assim nos encontramos em pleno era na verdade, sua própria imagem. E, du-
século XXI, no novo milênio, apedrejando, rante todos esse tempo, a reprodução das
escorraçando e matando aqueles que não imagens tem sido objeto do fascínio humano.
tem a nossa cor, os nossos costumes, a nos- Graças aos espelhos, o que era a imagem ex-
sa raça, que não possuem nosso sangue ou, terior, que somente os outros podiam en-
quem sabe, nosso nível cultural ou ainda, xergar, passou a ser visível para nós e uma
nosso poder econômico e principalmente, implacável lembrança da efemeridade do
nossas convicções políticas e religiosas, isto tempo. Daí a grande importância dos espe-
é, nossos valores. lhos: eles nos dão a possibilidade nos vermos
como os outros nos vêem, como eles enxer-
Indo atrás de nossos "reflexos", tais como gam o nosso exterior.
Narciso, ampliamos cada vez mais a nossa
sombra. Entorpecemos nossos sentidos e Quando olhamos para o espelho nós o ve-
perpetuamos a "hamartía" de Narciso (erro mos do ponto de vista do observador e não
fatal que leva à tragédia, sempre por ignorân- do ponto de vista da imagem refletida. Se
cia). Mas, será que é mesmo um pecado tão fosse assim, o relógio que usamos no pulso
grande querer estar em comunhão com nos- esquerdo nos pareceria estar no pulso direi-
sos pares, nossos iguais? Não, quando o to. A reciprocidade das perspectivas nos pro-
olhar não se enrijece, quando há uma abertu- tege disso. Como no espelho, ao interagir-
ra dos sentidos que se amplia no espaço, mos como o outro nós nos colocamos no
quando há lugar na minha casa, na minha al- lugar dele, mas não perdemos nossa referên-
ma e no mundo para o diferente, o oposto, o cia.
não-eu .
E o que fascina Narciso? É a sua própria ima-
Mas nem tudo está perdido porque Narciso gem irreal; a imagem idealizada que fez de si
era proveniente das águas e estas simbolizam mesmo. Assim como Narciso esqueceu de si
a fecundidade, a morte simbólica do sono mesmo e do mundo que o rodeava, a pessoa
que sonha com um "renascimento". A simbo- fascinada parece estar num transe. Eco é o
logia das águas falam do Eterno Retorno Cí- outro para Narciso, mas este não reconhece
clico. Então, através da evolução em espirais, nem estabelece relação com o outro. Desta
onde o retorno pode ser em uma oitava aci- maneira, a construção da identidade fica limi-
ma, podemos renascer para a evolução. tada a sua própria imagem; uma imagem irre-
al.
Mas para haver evolução é preciso que haja
reflexão, tomada de consciência no plano Narciso não interage com Eco; fica impossibi-
individual. Narciso sempre viverá em cada litado de se encantar pelo outro, de se frag-
Página 20 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

mentar e de se (re)-unir mais forte. Narciso dizer quando se fala no reflexo. Ele jamais
se fascina por sua própria imagem e assim pode abandonar as águas paradas da fonte.
morre; o espelho d’água não é uma superfície Narciso morre porque ao recusar-se a aban-
de reflexão para Narciso e sim uma superfí- donar a fonte, deixa de comer (receber). É
cie de absorção. De fato, Narciso é que é o um suicídio motivado pela desilusão: a ima-
espelho que nos faz perceber o movimento gem querida e amada que surge no reflexo
das ações humanas: através do seu reflexo não possui equivalência no mundo real e ob-
no mundo e do reflexo do mundo nele, o jetivo. Assim são os narcisistas: pessoas per-
homem cria a reflexão. didas em si mesmas. Não se trata de se acha-
rem lindos apenas, há muito mais que isso.
Não obstante ter sido profetizado por Tiré-
sias que Narciso morreria ao ver sua imagem O narcisista recria o mundo a partir de si
refletida, o que perpassa é que de fato Narci- próprio. Crê que pode bastar-se sozinho e
so foi ativo na escolha que realizou. Ou seja, assim, não precisa de ninguém, não ouve nin-
ele efetivamente decidiu ficar ali à beira do guém e, tudo o que pensa e diz é o que con-
lago e transformar-se numa flor. Não poderí- ta. O narcisista é o único e todo poderoso. É
amos compreender de uma independente e autônomo
forma utilitária a opção de sempre que sua vontade o
Narciso. Esta é a simbologia exigir, mas de quem os de-
presente na construção do mais dependem absoluta-
mito: “O homem é um ser des- mente. Como ele é único,
tinado ao conhecimento. Este é pode encher os demais de
o seu destino e este foi o desti- favores e concessões. Como
no de Narciso. Tirésias, o adivi- no mito de Narciso, é insu-
nho, previu que Narciso morre- portável a idéia de que o
ria no dia em que se visse. E mundo real não tenha equi-
tudo foi feito para que este des- valência com o mundo inter-
tino não se cumprisse. Mas o destino do homem no que ele idealiza. Tudo fora é imperfeito,
deve se cumprir. Narciso morreu para a inconsci- agressivo, feio e absurdo.
ência paradisíaca e para a ignorância protetora
e soube de sua morte. Mas Narciso nasceu para Então, nada de fora é aceito, sequer conside-
o conhecimento e teve consciência disto. O desti- rado. O narcisista é aquele a quem se dá
no se cumpriu. O herói venceu a batalha e se amor de forma irrestrita, mas ele nunca se
torna digno de seu destino de filho de Deus”. sacia e acaba sempre por dar a impressão de
que o outro não tem amor para dar ou não
O Narcisismo sabe dar amor. Em outros aspectos da vida,
eles se comportam de forma semelhante. Tu-
do o que se faz está mal feito e eles sempre
Muito se fala em narcisismo e narcisistas, en- podem fazer melhor.
tretanto, muito raramente o termo é aplica-
do corretamente. Ser cuidadoso consigo O “calcanhar de Aquiles” do Narcisista é o
mesmo, gostar de estar apresentável não é corpo. Este vai trazê-lo sempre de volta à
narcisismo, mas uma necessidade. Então, e o realidade e consequentemente destruir as
narcisismo? O que é? fantasias de “divindade”. O narcisista tem
temor ao corpo, o corpo é a sina do animal.
Tirésias, o cego que profetizava disse que Ele nos remete à nossa humanidade na medi-
Narciso: “Viverá enquanto não se deparar da em que nos oferece experiências de pra-
com sua própria imagem”. O que o jovem zer e dor. O prazer nos faz dependentes
Narciso ama é sua alma. É isso que se deseja
Volume 1I, edição XII Página 21

porque nos conta que precisamos do outro rer a fim de salvar seu povo da opressão es-
para obtê-lo. O narcisista recusa-se a tudo, trangeira.
inclusive ao amor. Só quer ser idolatrado e
admirado. Num mundo saturado com o culto do narci-
sismo, a história de Sansão ensina que nada
Em algum momento de sua vida, o narcisista resta na vida quando se perde o senso de
criou na sua mente um mundo idealizado, missão. A narrativa bíblica consistentemente
onde tudo é belo, colorido e perfeito (estado realça que o significado da vida pode ser
de entorpecimento, torpor). É um bebê num achado em Deus e n’Ele somente — longe
corpo adulto. E como tal quer parecer-se do eu e ancorado em fé, esperança e amor.
com os pais idealizados ou seja, aqueles pais
maravilhosos que não têm dificuldades, sen- O drama de Narciso, a ausência de sentimen-
sações, ou problemas (ele ama um amor im- to e transcendência, inexoravelmente conde-
possível). Como o Narciso do mito, não se na a pessoa à solidão e destruição própria. O
alimenta. Isso significa que não pode receber mito é implacável e fatal. Parece não haver
nada que venha de fora. Está trancado numa solução possível. A esperança, todavia, se
carapaça rígida e forte. abre, não no egocentrismo e ausência de
sentido, mas na eterna Palavra de Deus. O
Narciso era o deus do amor-próprio, inte- tema da Bíblia é o oposto do narcisismo. Exi-
ressado apenas em satisfazer seu prazer, ge a renúncia do eu e o abraçar o outro. O
completamente indiferente para com Deus e amor a Deus e ao próximo domina o retrato
as necessidades de outros. Simboliza orgulho, bíblico da vida, ela nos mostra a tragédia do
vaidade, convencimento e hedonismo. Muito egocentrismo e o triunfo do desprendimen-
de nossa cultura reflete os valores falsos do to.
narcisismo. A sociedade contemporânea pro-
cura congelar a adolescência, exorcizar a ve- A Lição do Mito
lhice, idolatrar o prazer e viver no espírito
do encanto e da sedução. Mas o mito leva à
tragédia e destruição própria. A história de Narciso pode servir de metáfo-
ra para a vida de muitos de nós. Quando não
Em contraste com este mito fatal, a história conseguimos olhar-nos com imparcialidade, o
bíblica de Sansão oferece uma alternativa de trabalho interior passa a ser um meio de
fé e esperança. De modo surpreendente, mas projetar a vaidade humana e uma cantiga do
apropriado, Paulo coloca Sansão na galeria "eu" sozinho: eu faço, eu fiz, eu sou, eu pos-
dos heróis da fé (Hebreus 11:32). Por quê? so.
O que era heróico na vida desse indivíduo?
Não eram nem suas proezas em combater os Na verdade, o autoconhecimento deve ser
filisteus, nem a força de seu governo, mas o uma prática que estimule o verdadeiro com-
ato corajoso de entregar a vida para a salva- partilhamento, formando espíritos capazes de
ção de seu povo. organizar os conhecimentos individuais, pos-
sibilitando a colocação do saber particular a
Diferente de Narciso, que sucumbiu ao en- serviço da comunidade, do mundo. Assim,
canto de contemplar a própria imagem, San- trabalhar pelo aprimoramento da personali-
são foi obrigado a deixar de contemplar a si dade e do caráter, não é acumulação de sa-
mesmo a fim de responder ao chamado para beres para o engrandecimento de um único
o sacrifício. As horas escuras da crise destru- indivíduo como o "dono da verdade", mas
íram-lhe o orgulho e fizeram-no cumprir o uma ação que estimule não o saber pessoal,
alvo de sua vida, assumindo seu destino co- mas despertando no Iniciado o interesse e a
mo libertador num gesto final. Preferiu mor- vontade de compartilhar o que sabe. Ela deve
Página 22 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

estar focada nos seguintes pilares: disposto a compartilhar o que sabe, eliminan-
do vaidades que o impede de aproveitar ta-
- Na formação de espíritos capazes de identi- lentos, somá-los com o dos demais e escre-
ficar e organizar seus próprios pensamentos, ver uma história de vida que reflita os valores
favorecendo a aptidão natural do ser humano éticos, morais e espirituais que calam fundo
de situar-se espacial e temporariamente, re- no ser. Fora disso, o Conhecimento mal di-
lacionando o que aprende com o mundo, in- recionado só alimentará o individualismo e a
terpretando-o e dando-lhe um significado necessidade da "ribalta" de alguns.
que motive a si mesmo e o movimente em
direção aos valores que acredita e a uma éti- O Mito de Narciso na Astrologia
ca planetária.

- No despertar da condição do ser humano: “Deitou-se e tentando matar a sede,


ajudando as pessoas, através da caridade e da Outra mais forte achou. Enquanto bebia,
solidariedade. Conhecimento, é identificar e Viu-se na água e ficou embevecido
reconhecer os talentos pessoais, valorizando com a própria imagem.
os resultados que apresentam e estimulando Julga corpo, o que é sombra, e
o florescimento das qualidades da alma. a sombra adora.
Extasiado diante de si mesmo,
- No trabalho que dá sentido à vida, porque sem mover-se do lugar,
todos nós temos um propósito, temos obje- O rosto fixo, Narciso parece uma
tivos pelos quais lutamos, e desafios que pre- estátua de mármore de Paros.
tendemos vencer. Precisamos nos preparar Deitado, contempla dois astros:
para os desafios e as incertezas da existência seus olhos e seus cabelos,
humana, concedendo-lhes um significado que Dignos de Baco, dignos também de Apolo;
representem nossos verdadeiros anseios. O Suas faces ainda imberbes,
caminho deve ser trilhado pelos indivíduos e seu pescoço de marfim,
compartilhadas as experiências adquiridas. A boca encantadora, o leve rubor
que lhe colore a nívea pele.
- No entender o significado da coletividade Admira tudo quanto admiram nele.
humana. Entender os valores éticos, morais e Em sua ingenuidade deseja a si mesmo.
espirituais que devem guiar o nosso destino. A si próprio exalta e louva. Inspira
ele mesmo os ardores que sente.”
- No fazer as pessoas entenderam e passa- (Transformações – Ovídio, III, 414-428)
rem a exercitar a responsabilidade de cada
uma e de todos na construção do mundo Sendo um signo solar, o Leão vive em função
que se deseja. Não há tutela, não há tutela- da própria luz e beleza. Sua preocupação é
dos mas pessoas capazes, responsáveis pelo com o presente. Precisam desenvolver uma
próprio destino e sem medo de assumir ris- visão mais ampla da vida e das necessidades
cos. objetivas do futuro. Muito confiantes, acredi-
tam que tudo sempre vai dar certo para eles
Narciso morreu inebriado pela própria bele- e se esquecem de medir as conseqüências de
za e encantamento. Os deuses, comovidos seus atos. Às vezes, pagam um alto preço
pela visão de tão belo cadáver, transforma- por isto.
ram-no numa flor que leva seu nome. Na vi-
da, a lição a ser extraída desse mito é que o
Encerrado em sua própria beleza, Narciso
Conhecimento só vingará se houver o co-
recusa-se ao envolvimento com o outro. Este
nhecimento de si mesmo, de suas capacida-
mito ilustra com perfeição o lado negativo
des, potencialidades ou limitações e se está
Volume 1I, edição XII Página 23

dos leoninos. Todos eles possuem uma grande torna-se refém de sua auto-imagem. Magneti-
dose de egocentrismo, que facilmente se torna zado por ela, passa a usar sua grande luz de
egoísmo, onde o tamanho de seu ego não abre forma mesquinha. Preso nessa miragem, des-
espaço para o outro. Nesses casos, a outra conectado de sua fonte interna, perde a capa-
pessoa torna-se apenas sua imagem refletida, cidade de irradiar sua luminosidade, troca o
que repete as mesmas atitudes e jamais cria eterno pelo efêmero e deixa de caminhar com
oposição. Assim, dentro de um relacionamen- sabedoria pela vida. Afastando-se d essência,
to narcisista, se uma das pessoas envolvidas entusiasma-se pelo aplauso, pelo palco e pelo
quiser crescer e amadurecer, terá que se sepa- falso elogio. Somente a dura lição do tempo
rar ou forçar o crescimento de seu compa- mostra-lhe a verdade, às vezes, tardia.
nheiro.
O Leão, signo expoente da criação, sabe que
Este mito representa um dos estágios primá- deve mostrar ao mundo sua obra. A Arte é
rios do desenvolvimento humano: a descober- expressa para que o caráter e a vontade do
ta de si mesmo e a autoestima. No chamado indivíduo possa ser “impresso” sobre tudo o
narcisismo primário, o bebê ama a si mesmo e que é impressionável no coletivo.
à mãe como uma extensão sua. Na fase do
narcisismo secundário, percebe o outro, e po- Assim, a potencialidade do Leão é, nesse senti-
de amá-lo, na medida que conduz sua libido do, a de projetar suas próprias imagens sobre
para um objeto que não é ele mesmo. Se esta o meio coletivo; isto é o que chamamos de
conexão não foi feita, a criança se fixa na pró- “criatividade”. Essa interação das imagens do
pria imagem e “morre” assim. Quando levado seu inconsciente com aquelas do inconsciente
pela excessiva vaidade e orgulho, o leonino coletivo fazem a grandiosidade de sua obra.

Prática de Relaxamento

O lhe por alguns instantes para essa paisa-


gem e observe como só pelo fato de
olhar para ela já se produz um estado de re-
laxamento.

Pensamento x corpo

Enquanto estamos pensando, as conexões


entre o cérebro e o corpo permanecem ati-
vas e todo o complexo orgânico fica em esta-
do de alerta, ou atenção, como que dinami-
zado pelo pensamento. E esse estado de
atenção, junto com outros fatores ligados
principalmente à emoção, pode desarmonizar
nosso ritmo interno, ou acelerá-lo em dema-
sia.

Isto é muito fácil de ser observado. Para tan-


to, basta relaxar, fechar os olhos e deixar o
pensamento parado, silencioso, inativo, fican-
do apenas atento para observar, sem pensar,
Página 24 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

como está essa movimentação interior. Ela como seu corpo relaxou e seu ritmo interno
pode ser percebida como uma sucessão de harmonizou-se.
imagens mentais desconexas, como sensa-
ções desarmonizadas, desagradáveis, agressi- Talvez lhe advenha vontade de espreguiçar,
vas, como um turbilhão interior cuja intensi- bocejar, ou mesmo suspirar. Faça-o, porque
dade pode até assustar ou, então, na feição o relaxamento é um formidável antídoto para
de serena tranqüilidade e bem-estar. o estresse e também ajuda na liberação do
sistema energético, quando bloqueado.
É claro que esse contexto também inclui a
qualidade das energias psíquicas, ou É muito útil fazer este exercício vez por ou-
“psicoenergia” que estão compondo nosso tra, não só para relaxar, mas também para
campo naquele momento, porque tudo den- colocar a mente em condições de otimizar
tro de nós interage, assim como o complexo os mecanismos internos, ou para receber
de mecanismos dentro de uma máquina. inspiração superior.

Nossa mente pode ser comparada a um É por isso que nos exercícios respiratórios a
computador, com muitos softwares e muitos orientação é para não pensar; ficar apenas
arquivos, trabalhando em ritmo acelerado e prestando atenção à própria respiração, ou
contínuo, que precisa, vez por outra, parar e seja, em estado de contemplação, sem ativi-
executar “desfragmentação”, “scandisk”, lim- dade do pensamento.
peza de disco, passar um antivírus, enfim, cui-
dar de si mesmo.

No caso da mente, ela realiza em nós os pro-


cedimentos necessários para nossa otimiza-
ção interior quando relaxamos, paramos a
máquina do pensamento, permanecendo num
estado meditativo, de serenidade e paz.

Também é nesses momentos que a nossa luz


interior pode expandir-se e sintonizar com
faixas mais elevadas, haurindo energias supe-
riores, assim como, também, receber orien-
tações e inspiração.

Há várias maneiras de relaxar e harmonizar Exercício de relaxamento


os ritmos internos, mas vamos sugerir uma
bem fácil e rápida.
1 - Respire calma e profundamente algumas
Feche os olhos e pense em algo que irradie vezes, procurando relaxar.
uma impressão de tranquilidade e contenta-
mento, como por exemplo, as serenas águas 2 - Solte todos os músculos do rosto, do
pescoço, das omoplatas, dos braços... Solte
de um lago à hora do crepúsculo.
os músculos do tórax, do abdômen, das per-
Respire fundo algumas vezes, procurando nas e dos pés... Sinta-se completamente rela-
relaxar. Não pense. Fique apenas olhando xado. Não pense... Apenas sinta um estado
mentalmente para essa imagem, em estado de calma, de profunda paz e contentamento.
de pura contemplação, sem deixar o pensa-
mento fluir. Após alguns minutos observe 3 - Olhe por alguns instantes para essa ima-
Volume 1I, edição XII Página 25

gem, memorizando-a bem. gem relaxante como, por exemplo, um re-


canto da natureza. Procurar sentir-se naquele
4 - Observe as montanhas distantes, o campo ambiente de paz e harmonia, deixando que
verdejante e feche os olhos por instantes, esses valores inundem todo o ser: corpo,
procurando sentir esse ambiente... o cheiro mente, emoção...
do capim... o toque da brisa em seu rosto...
em seu corpo, e diga com alegria: Bom dia Esse é um modelo de relaxamento induzido
natureza! por si mesmo. É prático e é muito bom.

Lembre-se: Você faz parte da natureza. Mas se tiver acesso a um relaxamento con-
duzido por outrem, seria bem melhor, por-
que poderá ficar com a mente livre, sem ne-
Relaxamento cessidade de raciocinar para elaborar cada
etapa dos procedimentos.
O relaxamento é uma prática extremamente
importante, principalmente no mundo mo- Assim, com o pensamento em repouso, dei-
derno. É um remédio eficaz contra o estres- xando-se conduzir, poderá atuar com muito
se e um dos pro- mais eficácia em
cedimentos bási- seu "mundo ínti-
cos para exercí- mo".
cios de educação
da mente, de vi- Quando nos
sualizações, de acostumamos a
relaxar, conse-
energização, etc. guimos fazê-lo
Nos exercícios em qualquer lu-
de relaxamento gar e a qualquer
mais simples bas- momento, bas-
tam algumas res- tando algumas
pirações profun- respirações pro-
das e compassa- fundas e uma
das para harmo- rápida visualiza-
nizar os ritmos internos, dando a si mesmo ção de todo o corpo, enviando-lhe um co-
uma ordem para relaxar. mando de relaxamento.

Em seguida observar o próprio corpo, envi- O organismo acostuma-se a obedecer nossas


ordens mentais, quando nos habituamos a
ando-lhe a mesma indução.
essa prática.
Sentir os pés, relaxando-os; as pernas, rela-
xando-as; as coxas, relaxando-as e assim por Ela é muito importante, principalmente à
diante até abranger todo o organismo, inclu- noite, antes de dormir, para que o sono
sive os órgãos internos. possa ser melhor aproveitado.

Sentir-se inteiramente relaxado, como se O mesmo pela manhã, ao acordar, prepa-


fosse uma toalha molhada, totalmente largada rando-se para o novo dia.
sobre o espaço em que estiver. Observação importante: Para qualquer
Concentrar o pensamento em alguma ima- exercício respiratório, é fundamental fazê-lo
Página 26 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

com uma postura adequada. Ao inspirar essa atmosfera luminosa, leve


também esses valores para seu mundo inter-
Se você inspira o ar sentindo-se depressivo, no.
vai contaminá-lo com esse valor negativo.
Tenha sempre em mente que o ar que res-
Se inspirá-lo sentindo-se doente, vai adicio- piramos impregna-se com a qualidade dos
nar a ele valores enfermiços. nossos pensamentos e emoções.

Por isso, ao fazer exercícios respiratórios, Quando começamos a tomar consciência da


se estiver mal ou mesmo péssimo, pense nossa mente, dos seus poderes latentes,
numa cachoeira de águas leves e azuladas, percebemos que também somos capazes de
como a da imagem abaixo. comandá-la, de forma a criar e manter os
estados de espírito que desejamos, apesar
das circunstâncias e dos circunstantes.

Comece a observar sua mente, como o pen-


samento se forma e como interage com as
emoções.

Faça experiências usando sua vontade para


mudar-lhes o rumo e terá uma ideia, embo-
ra pálida, do que será um dia capaz de reali-
zar em si mesmo.

Leia lentamente, refletindo sobre o significa-


do destas ideias:

Fale a sua verdade mansa e claramente, e ouça


a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignoran-
tes, pois eles também têm a sua própria história.

Evite as pessoas agressivas e transtornadas. Elas


afligem o nosso espírito.

Trecho de "Desiderata", poema de Max


Sinta-se envolvido nessa energia pura e lumi- Ehrmann – 1927
nosa que as águas lhe oferecem, e inspire
esse ar carregado de energia, vitalidade e
alegria.

Visualize essa onda de força luminosa pene-


trando em seu corpo, espalhando-se por
ele, energizando-o e tornando-o forte e sau-
dável.

Se você estiver bem, visualize-se por inteiro


envolvido em atmosfera luminosa, carregada
de vitalidade e alegria...
Volume 1I, edição XII Página 27

O Simbolismo da Cruz Pátea

Ponto
A Divina Proporção está presente na sua ela-
boração.

O Criador procura a harmonia na expansão


das energias contidas no Ponto, utilizando o

O Ponto representa o centro, a origem,


o estado primário do caos ordenado.
Estamos perante a Força Criadora, a síntese
de todos os possíveis, o princípio da Emana-
ção Divina. Será a partir da unidade – perso- Compasso na manifestação da sua Obra Divi-
nificada pelo Ponto – que a pluralidade será na. Desta forma a Cruz Pátea lembra-nos
possível. Será a essa mesma unidade que a que qualquer Obra Manifestada deve ter em
pluralidade regressará. conta os princípios do Rigor, Proporção,
Harmonia e Exatidão.
A partir da harmonia do Ponto, onde a duali-
dade não se manifesta, começará a ser traça-
da a Cruz Pátea. Não poderemos esquecer O Círculo
que a Manifestação Divina será a expansão
do ponto segundo as direções do espaço. A Cruz Pátea é antes de tudo uma Cruz ins-
crita no Círculo.
O Caos já se encontra ordenado, sem essa
ordem não seria possível a utilização do A manifestação do Ponto personifica o Cír-
Compasso, símbolo de precisão por excelên- culo. Estamos perante os efeitos criados, as
cia. Emanações Divinas. O mundo já se distingue
do seu Criador, embora não seja totalmente
O Compasso traça o Círculo, a cruz Pátea autônomo. Ainda não existe o princípio nem
inscreve-se nesse mesmo Círculo. o fim, apenas o espaço, o infinito, a possibili-
dade. O seu movimento circular ainda não
O Compasso tem um propósito definido. O que for criado
neste espaço vazio, ficará sujeito aos movi-
mentos cíclicos, ao Eterno Retorno. A Cruz
O Compasso simboliza o rigor matemático, a Pátea encerra na sua construção esta verda-
exatidão, a precisão do traço criador. Serve de, – a expressão cíclica da vida e o seu re-
para medir e traçar o Círculo. Através dele gresso à Fonte Criadora.
serão traçados os limites da Cruz Pátea.
Página 28 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

A Roda da Fortuna O Número Dez

O número Dez simboliza o Todo; ele serve


de medida a tudo o que existe, resultando da
junção do Princípio Criador e da Obra Cria-
da, desta forma encontra-se associado ao
simbolismo do Círculo. O Iniciado ao con-
templar a Cruz Pátea deve compreender que
nada do que existe foi obra do acaso. O
mundo manifestado tem um propósito defini-
do. Muito embora se encontre "encarcerado"
em um corpo físico mortal, ele deve enten-
der que comporta em si a Centelha Divina, a
essência da Matriz Criadora.
A Roda da Fortuna simboliza a Roda da Vida,
a Roda das Reencarnações – o Samsara. O O propósito da sua vida consiste na tentativa
Círculo transmite-nos esta idéia, a encarna- de libertar-se da "turbulência" do mundo ma-
ção do espírito na matéria e a libertação do nifestado, procurando alcançar a unidade do
espírito da matéria. seu ser. A chave da libertação da Roda dos
Renascimentos encontra-se simbolicamente
Transmite-nos a idéia de que a vida é feita de representada pelo número Dez.
altos e baixos, bons e maus momentos. Esta-
mos sujeitos, enquanto seres encarnados, a O Número Doze
este jogo imprevisível, sujeitos às fatalidades.
O Iniciado ao contemplar a Cruz Pátea nunca
O Círculo pode ser dividido em doze partes
deverá esquecer esta condição, pois será ela
sem perder a sua harmonia. O Doze simboli-
que reforçará a sua humildade perante o Cri-
za o Ideal Divino manifestado na matéria. O
ador e perante os seus semelhantes. Ele sabe
número Doze personifica a Jerusalém Celes-
que o sucesso é efêmero, tal como as realiza-
ções mundanas e a totalidade do mundo ma- te.
nifestado. Tudo terá um princípio e um fim. Os Doze Arquétipos Humanos, simbolizados
pelos Doze Signos do Zodíaco. Os Doze me-
ses do Ano.

4 x 3 = 12 – Os Quatro Pontos Cardeais


multiplicados pelos Três Planos do Mundo.
Desta forma o Doze representa a evolução
cíclica tendo em conta o tempo e o espaço.

O número Doze representa o Universo e a


sua complexidade.

O Doze também poderá expressar o núme-


ro de Tormentos que o homem se depara ao
longo da sua existência terrena segundo Her-
mes Trismegisto:
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1 ‑ Desconhecimento da existência dos Os Quatro Braços Internos


Tormentos
2 ‑ A Tristeza
3 ‑ A Incontinência
4 ‑ A Luxúria
5 ‑ A Injustiça
6 ‑ A Avareza
7 ‑ A Mentira
8 ‑ A Inveja
9 ‑ A Fraude Observando com atenção a Cruz Pátea, re-
10 ‑ A Cólera paramos que o espaço deixado pela forma-
11 ‑ A Precipitação ção dos Quatro Braços Externos dá lugar à
12 ‑ A Maldade formação de uma outra Cruz, também ela
composta por Quatro Braços, não materiais,
Desta forma, Hermes relembra-nos que de-
aos quais darei o nome de Braços Internos.
veremos procurar com todas as nossas for-
Estes são formados por espaço "invisível" e
ças purificarmos-nos contra os tormentos
de trajeto contrário aos Braços Externos.
irracionais da matéria.
Os Braços Internos simbolizam o Mundo In-
Os Quatro Braços Externos visível, as manifestações não visíveis. Relem-
bram ao Iniciado que o que imprime movi-
Os Quatro Braços Externos da Cruz Pátea mento ao mundo Criado é a Força e a Von-
representam o Mundo Material, a Obra Ma- tade do mundo não manifestado, pois é atra-
nifestada, simbolizada pelos Quatro Elemen- vés do espaço representado pelos Braços
tos: Fogo, Ar, Terra e Água. Por outro lado, Internos que os Braços Externos adquirem a
advertem o Iniciado para a importância das capacidade de se movimentarem. Será a For-
Quatro Virtudes Cardeais: Força, Justiça, ça Interior do Iniciado que terá de se mani-
Temperança e Prudência no contato que es- festar no exterior e não o contrário. O de-
senvolvimento interno conduz posteriormen-
tabelece com o mundo exterior.
te a uma manifestação externa.
Os Quatro verbos Mágicos: Saber, Ousar,
Querer e Calar também estão explícitos na Os Quatro Braços Internos, ao contrário
formação dos Braços Externos desta Cruz. dos externos, apontam, como setas, para o
Será através deles – dos Verbos Mágicos – centro, representado pelo Ponto. Eles lem-
que o Iniciado poderá transformar as suas bram ao Iniciado as Três Virtudes Teológicas:
Fé, Esperança e Caridade. Será através destas
idéias em manifestações materializadas.
Virtudes que o Iniciado estabelecerá contato
Os Quatro Braços Externos são emanados com o mundo não manifestado. O contato
do Centro, ou seja, do Ponto. Foi através com a Matriz Criadora só poderá ser estabe-
destes princípios – as Quatro Virtudes e os lecido desta forma.
Quatro Verbos Mágicos que o Criador deu
O fato de existirem Quatro Braços Internos
forma à Obra Manifestada.
e apenas correspondência simbólica para três
Assim sendo, ao desenvolver estas Virtudes a deles não ocorre por mero acaso. Esta omis-
par com os Verbos Mágicos o Iniciado pode- são serve o propósito de advertir o Iniciado
rá expressar na materialidade a Vontade Di- para a existência de um elo perdido com a
Matriz Criadora, e que o contato não poderá
vina.
ser totalmente estabelecido sem a "Chave"
Página 30 Boletim da Sociedade das Ciências Antigas

mais importante. A Cruz Pátea não a revela, Regenerar-se. O objetivo final é esse: passar
apenas aponta a sua existência. Cabe ao Inici- de um estado humano, instintivo, desordena-
ado procurar, com toda a sua vontade, o Ar- do, unicamente material a um estado de su-
cano não revelado. pra consciência, ordenado e espiritual. A sua
simbologia tem por propósito guiar todos
O Número Oito aqueles que desejem seguir a Via da Regene-
ração, para que possam entregar-se ao servi-
ço no mundo manifestado. A simbologia da
A soma dos Quatro Braços Externos Cruz Pátea tem uma forte ligação com o ide-
(Mundo Externo) com os Quatro Braços In- al de Cavalaria Espiritual. Não será por acaso
ternos (Mundo Interno) conduz-nos ao Nú- que a Ordem do Templo, especialmente os
mero Oito. Templários Portugueses a usaram como sím-
bolo principal. Quando encontramos esta
O Oito personifica a Unidade indispensável Cruz esculpida à entrada de alguns Templos
ao início de um novo ciclo. Compreendendo medievais, sabemos que naquele local – den-
e aplicando no seu desenvolvimento pessoal tro daquele Templo, encontraremos as men-
os Arcanos revelados pela Cruz Pátea, o Ini- sagens necessárias ao fortalecimento do nos-
ciado sente a necessidade de procurar o seu so Eu Superior. Cada um destes Templos
Centro, a sua Matriz. Tendo como ponto de possui uma considerável carga energética. Tal
partida este Centro, ele dará inicio a uma se deve ao fato de terem sido erigidos no
nova vida, a um novo ciclo. cruzamento de Linhas Telúricas com linhas
estelares. "O Ponto" onde foram edificados
O Oito simboliza a encarnação do Espírito na estes monumentos, resulta do cruzamento
Matéria. A idéia de Morte e Transformação de uma linha terrestre com uma linha estelar.
encontra-se presente. Trata-se de uma Mor- Estas forças energéticas são simbolizadas pela
te Mística, na qual o Iniciado morre para a Cruz – O Traço horizontal personifica a linha
sua velha natureza renascendo como um No- terrestre, a Força Telúrica; o traço vertical
vo Homem pronto a cumprir o seu Ministé- personifica a Linha Estelar, ou seja a influên-
rio. De uma existência inconsciente e regida cia que os Astros exercem sobre o nosso
por sua natureza inferior, o Iniciado passa a planeta. Desta forma temos presente a fusão
uma existência consciente regida pelo seu Eu de duas forças opostas que se harmonizam e
Superior. O Novo Homem passa a ser sim- se complementam num único ponto, – o lo-
bolizado pelo Ponto. O Caos está ordenado, cal onde se encontram erigidos os referidos
– o Ponto representa isso mesmo – a Ordem Templos. A Cruz Pátea – não raras vezes –
no Caos. A partir desse momento o Iniciado indica esses locais sagrados.
poderá dar início à construção da sua própria
Cruz Pátea. Partindo do Ponto, utilizando o
compasso para traçar o Círculo.

O Número Oito simboliza a síntese dos ensi-


namentos da Cruz Pátea.

Conclusão

A Cruz Pátea expressa na sua constituição


simbólica uma definida Via Iniciática. A Inicia-
ção é aqui entendida como um processo de A Cruz Pátea não exprime unicamente o
Regeneração, ou seja, – Iniciar-se significa processo de Regeneração, – pois essa rege-
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neração contempla um propósito: O Serviço. dência. Essa expressão externa já se encontra


A libertação individual não representa o últi- harmonizada com a vontade interna, simboli-
mo estágio. Ela representa o Ponto, o novo zada pelos Quatro Braços Internos, personi-
início. A Obra começa a ser construída a ficando as Três Virtudes Teológicas: Fé, Es-
partir do Ponto. ORDO AB CHAO – A Or- perança e Caridade. O Elo perdido, simboli-
dem saída do Caos. O Ponto simboliza este zado pelo Braço Interno sem correspondên-
primeiro estágio – A Paz e o Equilíbrio inter- cia, já terá sido revelado ao Iniciado nesta
no alcançados pelo Iniciado. Muitas Vias Inici- etapa da sua jornada espiritual.
áticas terminam neste Ponto. A Via simboli-
zada pela Cruz Pátea, pelo contrário, tem o A atuação externa do Iniciado é conduzida
seu sublime início na segunda expressão do pela Inspiração Divina.
ponto: O Sacrifício do Iniciado, a sua entrega
ao mundo manifestado. Depois de Purificado O trabalho que o Iniciado realizou em si pró-
e Regenerado, ele decide regressar ao mun- prio deve ser projetado no mundo manifesta-
do. Quem segue a Via Iniciática simbolizada do: o seu Serviço consiste em trazer a Or-
pela Cruz Pátea, não deverá esquecer que dem ao Caos.
"quanto mais alto subir mais baixo terá que
descer". Purifica-te alcançando o Ponto.
Pede traçando o Círculo.
Ao alcançar o Primeiro Ponto, o Iniciado terá Recebe cultivando em teu interior os
de morrer para a sua antiga natureza, a fim Braços Internos e descobrindo o Elo Perdi-
de renascer, – expressão de Segundo Ponto do.
– e constatar que o Mundo não mudou, se- Age manifestando a Cruz Pátea em
não a sua perspectiva do Mundo é que mu- todo o seu esplendor.
dou radicalmente.

Depois de alcançada a Iluminação, é chegada


a altura de atuar sobre o mundo manifesta-
do. A Cruz Pátea simboliza essa atuação atra-
vés dos Quatro Braços Externos. Eles repre-
sentam os Quatro verbos Mágicos: Saber,
Ousar, Querer e Calar, e as Quatro Virtudes
Cardeais: Força, Justiça, Temperança e Pru-

Contos Espirituais

O Ferreiro Uma bela tarde, um amigo que o visitara - e


que se compadecia de sua situação difícil -
comentou: "'É realmente estranho que, justa-

E ra uma vez um ferreiro que, após uma


juventude cheia de excessos, resolveu
entregar sua alma a Deus. Durante muitos
mente depois que você resolveu se tornar
um homem temente a Deus, sua vida come-
çou a piorar. Eu não desejo enfraquecer sua
anos trabalhou com afinidade, praticou a cari- fé, mas apesar de toda a sua crença no mun-
dade, mas, apesar de toda sua dedicação, na- do espiritual, nada tem melhorado".
da parecia dar certo na sua vida. Muito pelo
contrário: seus problemas e dívidas acumula- O ferreiro não respondeu imediatamente.
vam-se cada vez mais. Ele já havia pensado nisso muitas vezes, sem
entender o que acontecia em sua vida.
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Entretanto, como não queria deixar o amigo ser, mas jamais me coloque no monte de fer-
sem resposta, começou a falar e terminou ro-velho das almas”.
encontrando a explicação que procurava. Eis
o que disse o ferreiro: "Eu recebo nesta ofici- O Vendedor de Balões
na o aço ainda não trabalhado e preciso
transformá-lo em espadas. Você sabe como
isto é feito? Primeiro aqueço a chapa de aço Era uma vez um velho homem que vendia
num calor infernal, até que fique vermelha. balões numa quermesse. Evidentemente, o
Em seguida, sem qualquer piedade, eu pego o homem era um bom vendedor, pois deixou
martelo mais pesado e aplico golpes até que um balão vermelho soltar-se e elevar-se nos
a peça adquira a forma desejada. Logo, ela é ares, atraindo, desse modo, uma multidão de
mergulhada num balde de água fria e a oficina jovens compradores de balões.
inteira se enche com o barulho do vapor,
enquanto a peça estala e gri- Havia ali perto um menino negro. Estava ob-
ta por causa da súbita mu- servando o vendedor e, é
dança de temperatura. Te- claro, apreciando os balões.
nho que repetir esse proces-
so até conseguir a espada Depois de ter soltado o ba-
perfeita: uma vez apenas, não lão vermelho, o homem sol-
é suficiente". tou um azul, depois um ama-
relo e finalmente um branco.
O ferreiro deu uma longa
pausa e continuou: "As ve- Todos foram subindo até
zes, o aço que chega até mi- sumirem de vista. O menino,
nhas mãos não consegue de olhar atento, seguia a cada
agüentar esse tratamento. O um. Ficava imaginando mil
calor, as marteladas e a água coisas...
fria terminam por enchê-lo
de rachaduras. E eu sei que jamais se trans- Uma coisa o aborrecia, o ho-
formará numa boa lâmina de espada. Então, mem não soltava o balão preto. Então apro-
eu simplesmente o coloco no monte de ferro ximou-se do vendedor e lhe perguntou:
-velho que você viu na entrada de minha fer-
raria." - Moço, se o senhor soltasse o balão preto,
ele subiria tanto quanto os outros?
Mais uma pausa e o ferreiro concluiu: "Sei
que Deus está me colocando no fogo das O vendedor de balões sorriu compreensiva-
aflições. Tenho aceito as marteladas que a mente para o menino, arrebentou a linha que
vida me dá, e às vezes sinto-me tão frio e prendia o balão preto e enquanto ele se ele-
insensível como a água que faz sofrer o aço. vava nos ares disse:
Mas a única coisa que peço é: Meu Deus, não
desista, até que eu consiga tomar a forma - Não é a cor, filho, é o que está dentro dele
que o Senhor espera de mim. Tente da ma- que o faz subir!...
neira que achar melhor, pelo tempo que qui-

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