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TEORIAS 00 DESEÍW81WIÜEÍT8
Conceitos fundamentais
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6461— NLI
Psicologia do Desenvolvimento
Clara Regina Rappaport
Wagner da Rocha Fiori
Cláudia Davis
TEORIAS DO DESENVOLVIMENTO
Conceitos fundamentais
Volume 1
Psicologia do
Desenvolvimento
Volume 1
Teorias do desenvolvimento
Conceitos fundamentais
CIP-Brasil. C atalogação-na-Fonte
Câmara Brasileira do Livro, SP
Bibliografia.
Conteúdo: v . I. Teorias do desenvolvim ento.
81-0141 C D D -155
Psicologia do
Desenvolvimento
Volume 1
Teorias do desenvolvimento
Conceitos fundamentais
C láudia D avis
Professora-Adjunta de Psicologia do D esenvolvim ento da Faculdade de Psicologia
das Faculdades M etropolitanas U nidas de São Paulo.
Mestre em Psicologia Experimental pelo Instituto de Psicologia da Universidade
de São Paulo.
7.a Reimpressão
Prefácio ................................................................................................. IX
VII
2 .7 .3 Fase fálica .. . 41
2 .7 .4 Período de latência .....44
2 .7 .5 Fase genital .... 45
2 .8 A formação de sin to m a s .....46
2 .8 .1 Os atos falhos ou parapraxias .....46
2 .8 .2 Os sonhos e o simbolismo .....47
2 .8 .3 Neurose e sin to m a s .... 49
2 .9 Leituras recomendadas .... 50
Capítulo 5 — C o n c lu sã o ... 91
VIII
Prefácio
IX
consiste não apenas em transmitir informações aos alunos, mas em
proporcionar-lhes um ponto de partida para a análise crítica do
comportamento da criança e para o entendimento do significado de
suas manifestações comportamentais, a partir de um campo coerente
de informações teóricas. Oferecer-lhes condições de entender por que
uma determinada criança atua de uma certa maneira, num dado
momento de sua vida. Pretendemos contribuir, portanto, para a
formação de um profissional competente que, a partir de um conjunto
de conhecimentos teóricos, possa entender a criança brasileira e
contribuir para que o seu desenvolvimento se realize de maneira
saudável. Certamente não será o psicólogo isolado quem irá solucio
nar os grandes problemas enfrentados pela população jovem de
nosso país. Mas, temos certeza, é com base numa formação sólida
e no trabalho em equipe com outros profissionais, de inúmeras
especialidades, que poderemos ter uma participação mais efetiva na
solução destes problemas. Propomos, portanto, que a função da
Psicologia do Desenvolvimento consista não apenas em fornecer
subsídios para o atendimento clínico da criança com distúrbios mais
ou menos graves, mas que ofereça um conjunto de conhecimentos
teóricos, de pesquisas científicas que realmente capacitem o profissio
nal a atuar nas famílias, nas escolas, nas instituições da comunidade,
informando, educando, mostrando quais as condições necessárias
para um desenvolvimento saudável. Quais as condições ambientais
adequadas para otimizar o rendimento da criança na escola, qual
o conteúdo programático que a criança tem condições de assimilar,
qual a estrutura e a dinâmica da inteligência e da afetividade da
criança em cada faixa etária? Todas estas questões poderão ser
respondidas pelo psicólogo escolar, evitando assim, muitas vezes,
o surgimento de distúrbios de comportamento ou de aprendizagem
pelo conteúdo ou metodologia de ensino inadequados.
Quais as condições que devem ser criadas na família, especial
mente nas famílias de populações carentes, para se evitar o abandono
e a delinqüência do menor? Qual a importância do relacionamento
social e da exposição aos meios de comunicação de massa para a
formação da personalidade da criança?
Acreditamos que, ao longo das últimas décadas, a Psicologia
do Desenvolvimento vem adquirindo maturidade para responder a
algumas destas questões. Esperamos, então, que os nossos estudantes
de Psicologia se compenetrem da extensão e da complexidade do
assunto em que estão se iniciando. E acreditamos realmente que
só a partir de um conhecimento profundo da bibliografia teórica
e de pesquisa, aliado à observação constante da criança, é que
poderão adquirir competência para um trabalho fecundo e produtivo.
X
Quanto a nós, pretendemos, modestamente, contribuir para este
processo de formação com a apresentação desta obra. que nada
mais é do que o resultado da nossa experiência.
O conteúdo será apresentado numa série de quatro livros. O
primeiro dará ao leitor uma idéia geral de três modelos de desenvol
vimento, que são: o modelo psicanalítico, o modelo piagetiano e o
modelo de aprendizagem social. Os demais representarão um apro
fundamento e uma ampliação destes conceitos iniciais em cada
fase da infância.
Assim o segundo volume tratará da Psicologia da Gravidez,
realçando a importância do estado emocional da mãe durante a
gestação e o parto como determinante do tipo de vínculo que irá
estabelecer com seu filho, fator sem dúvida fundamental para a
vida da criança. Dará ainda uma visão do desenvolvimento na
fase inicial da vida, mais especificamente na idade de zero a dois
anos. Para tanto, apresentará a organização afetiva, cognitiva e
social do bebê, isoladamente; m ostrará depois como esses diferentes
aspectos do desenvolvimento se integram no que poderíamos denomi
nar “organização inicial da personalidade” .
Já o terceiro enfocará a denominada idade pré-escolar com
todo o seu encanto e riqueza. Veremos o modelo psicanalítico
realçando a importância do relacionamento da criança com seus
pais como determinante de um futuro ajustamento de personalidade.
Piaget mostrará as limitações do pensamento egocêntrico que deter
mina uma visão distorcida da realidade. E, finalmente, do ponto
de vista social, veremos a criança dando seus primeiros passos fora
da família, em direção à sociedade mais ampla.
O quarto e último tentará süprir uma lacuna na bibliografia
da Psicologia do Desenvolvimento, qual seja, a de apresentar uma
integração dos conhecimentos sobre a idade escolar, que será marcada
principalmente pela freqüência à escola primária e pelas aquisições
intelectuais devido ao incremento do pensamento lógico.
Incluirá ainda o estudo da adolescência, focalizando a impor
tância deste período na busca da individualidade e da autonomia,
com todos os conflitos que lhe são característicos. Mostrará o
adolescente às voltas com modificações corporais, emocionais, sociais,
intelectuais que rompem não apenas o seu estado de equilíbrio emocio
nal, mas o de toda a família, requerendo uma reestruturação de
sua dinâmica.
Clara R. Rappaport
XI
Capítulo 1
Introdução
1
Mas despertou a consciência da humanidade para uma reflexão
acerca do assunto, e grandes filósofos dos séculos XVII e XVIII
passaram a discutir aspectos da natureza humana, baseados nas suas
próprias concepções a respeito da criança.
Já no século XIX e mesmo no início do século XX observamos
uma preocupação mais ampla e mais sistemática com o estudo da
criança e com a necessidade de educação formal. Apesar disso, a
disciplina era exercida, tanto nas famílias como nas escolas, de
forma violenta e agressiva. Várias formas de castigo — como
palmatória, ajoelhar no milho, espancamentos violentos e quartos
escuros — foram abolidas das escolas ainda recentemente, embora,
infelizmente, algumas dessas práticas continuem sendo utilizadas em
nosso meio, especialmente nas populações de baixo nível sócio-eco-
nômico-educacional.
Estas atitudes começaram a modificar-se a partir do estudo
científico da criança, que se iniciou efetivamente neste século. Pode
mos ver, portanto, que dentro de uma perspectiva histórica de
milhares de anos, em que predominou o total desconhecimento da
criança, a nossa área de estudos encontrou no seu início uma série
de dificuldades para se impor como área realmente séria, científica
e útil, do ponto de vista social.
Iniciamos nossa história como ciência do comportamento infantil
com uma tendência para descrever os comportamentos típicos de
cada faixa etária e organizar extensas escalas de desenvolvimento.
Como exemplo podemos citar o trabalho de Gesell, nos Estados
Unidos, ou de Binet, na França (este último mais preocupado
com medidas da inteligência). A partir da elaboração destas escalas,
de uma certa forma, o desenvolvimento de cada criança poderia ser
medido e comparado com o que se esperava para a sua faixa de
idade ou com o comportamento considerado “normal”. Por outro
lado, através de um procedimento muito diferente, qual seja a
psicanálise de pacientes adultos com vários tipos de perturbações,
Freud chocava a humanidade no início do século XX com suas
descobertas a respeito do desenvolvimento da personalidade da
criança e com a constatação de que certos acontecimentos vivenciados
na infância eram os determinantes principais de distúrbios de persona
lidade na idade adulta. Freud causou um impacto decisivo ao
mostrar a importância dos primeiros anos de vida na estruturação
da personalidade, determinando o curso do seu desenvolvimento
futuro no sentido da saúde mental e da adaptação social adequada
ou da patologia. A idéia e a metodologia de trabalho de Freud,
que serão expostas no próximo capítulo deste livro, tiveram também
o mérito de mostrar a presença de processos inconscientes em
todas as fases da vida (derrubando o mito do homem racional)
e da sexualidade infantil.
Apesar de ter estudado pouco a criança em si, pois ele propôs
a sua teoria de desenvolvimento, com base principalmente na análise
de pacientes adultos, Freud prestou contribuição inestimável à nossa
ciência. Muitas de suas idéias continuam sendo plenamente aceitas,
em nossos dias, ao passo que outras foram revistas pelos seus
seguidores ortodoxos ou dissidentes. De qualquer forma, apesar das
críticas que hoje em dia possam ser feitas à obra de Freud, seu
nome continua presente entre os autores que mais auxiliam a
compreensão do desenvolvimento psicológico da criança.
A psicologia infantil, podemos atualmente conceituá-la de maneira
bem ampla, bem como a ciência, ou aspecto da ciência, que pretende
descrever e explicar os eventos ocorridos no decorrer do tempo
que levam a determinados comportamentos emergentes durante a
infância, adolescência ou idade adulta. Pretende, pois, explicar
como é que, a partir de um equipamento inicial (inato), o sujeito
vai sofrendo uma série de transformações decorrentes de sua própria
maturação (fisiológica, neurológica e psicológica) que, em contato
com as exigências e respostas do meio (físico e social), levam à
emergência desses comportamentos. Portanto, a nossa ciência
pretende:
a) Observar e descrever os fenômenos (exemplo: choro, agressão,
linguagem, solução de problemas, etc.).
b) Explicar os fenômenos. Explicar quais os processos subjacentes,
quais os mecanismos psicológicos, internos, que atuam para
possibilitar o aparecimento destes fenômenos comportamentais.
Por conseguinte, a Psicologia Infantil pretende descrever e
explicar o processo de desenvolvimento da personalidade em termos
de como e por que aparecem certos comportamentos. Tenciona,
portanto, conhecer os processos internos que direcionam o compor
tamento infantil.
Para tanto, valemo-nos de pesquisas cuja principal finalidade
é a obtenção da descrição precisa dos comportamentos das crianças
quer em situações naturais (lar, escola, parque) quer em situações
de laboratório; e de teorias que propõem conceitos explicativos
desses comportamentos.
Exemplificando: ao estudar a interação mãe-criança, aspecto
fundamental para a compreensão da criança e da família, iniciamos
pela observação de nossos sujeitos. Selecionamos amostras de pares
mãe-criança representativas de vários segmentos da população, das
várias faixas etárias, etc.
3
Recorremos então a um método de observação e registro de
comportamento: observação no meio natural e registro gráfico ou
em filmes, aplicação de questionários e entrevistas, testes de desen
volvimento, etc. A partir deste procedimento, denominado coleta
de dados, temos uma visão dos comportamentos emitidos pelos
nossos sujeitos. Sabemos então como se comportam mãe e filho,
uma em relação ao outro, dentro de determinadas situações delimi
tadas pelo nosso procedimento experimental.
Trata-se de um passo fundamental, sem dúvida, porém insufi
ciente. Não basta saber que a mãe, ou as mães, tomam certas
atitudes em relação a seus filhos. É necessário explicar quais os
fatores que determinam essas atitudes. Seriam características de
personalidade da própria mãe? Quais? Seriam as características da
criança? Seriam fatores circunstanciais, momentâneos? Seriam fatores
externos à dinâmica da própria dupla (econômicos, por exemplo)?
Quais as repercussões que essas atitudes maternas terão no desenvol
vimento da personalidade da criança? E na própria seqüência da
interação?
No momento então em que estas dúvidas são lançadas, torna-se
necessário recorrer à teoria, ou às teorias do desenvolvimento. Uma
teoria do desenvolvimento se constitui num conjunto de conheci
mentos teóricos que oferecem subsídios para a explicação dos com
portamentos observados.
Fica claro então que o psicólogo do desenvolvimento, através
da pesquisa (descrição precisa dos fenômenos comportamentais indivi
duais ou em situação de interação social) e da teorização (tentativa
de explicar e integrar os dados das pesquisas num todo coerente
e unitário), oferece subsídios para a compreensão:
a) do processo normal de desenvolvimento numa determinada cultura.
Isto é, conhecimento das capacidades, potencialidades, limitações,
ansiedades, angústias mais ou menos típicas de cada faixa etária.
b) dos possíveis desvios, desajustes e distúrbios que ocorrem durante
o processo e podem resultar em problemas emocionais (neuroses,
psicoses), sociais (delinqüência, vícios, etc.), escolares (repetência,
evasão, distúrbios de aprendizagem) ou profissionais.
Assim, a Psicologia do Desenvolvimento é uma disciplina básica
dentro da Psicologia, pois nos permite conhecer e trabalhar tanto
com as crianças como com os adolescentes e adultos. Oferecemos
inúmeras opções de aplicação prática de nossa ciência tanto no
trabalho profissional como psicólogos (clínicos ou escolares) ou
ainda orientando profissionais de áreas afins. Podemos auxiliar o
educador, mostrando quais as habilidades, capacidades e limitações
4
de cada faixa etária nos vários aspectos da personalidade (motores,
emocionais, intelectuais, etc.), e assim ajudá-lo a estabelecer progra
mas escolares e metodologias de ensino adequadas, bem como
programas esportivos e recreativos.
Podemos auxiliar o assistente social, ensinando-lhe como orientar
as famílias no sentido de proporcionar um desenvolvimento saudável;
o médico, mostrando-lhe os componentes emocionais dos distúrbios
físicos, etc.
Enfim, a nossa ciência é muito abrangente e pode ter uma
série de aplicações práticas.
O psicólogo do desenvolvimento pode optar por um trabalho
mais ligado à pesquisa do comportamento infantil, portanto um
trabalho mais acadêmico, ou à aplicação prática. Neste último
caso, pode ainda atuar no sentido profilático ou remediativo, clínico.
Profilaticamente, podemos atuar junto às instituições da comu
nidade (família, escola, etc.), procurando criar condições para que
as crianças possam ter um desenvolvimento saudável, clinicamente,
auxiliando aqueles que, pelas mais diversas razões, estejam apresen
tando distúrbios de conduta ou de personalidade.
Não há dúvida de que se torna necessário, no momento atual
da sociedade brasileira (onde o problema do menor vem assumindo
proporções cada vez mais graves), uma intervenção do psicólogo
infantil ao lado de outros profissionais. A divulgação de nossas
idéias junto às famílias e às instituições educacionais pode contribuir
para que as crianças carentes recebam um tratamento mais adequado.
Se os pais forem apoiados e educados no sentido de proporcionar
mais afeto e mais estimulação para o desenvolvimento intelectual,
e receberem eles próprios este afeto e esta estimulação, poderemos
então minimizar um pouco o sofrimento de nossas crianças e
diminuir o grau de abandono em que se encontram. Se as escolas
forem instrumentadas para elaborar programas educacionais mais
adequados a estas crianças, menor será o índice de evasão escolar
e de desajuste social e profissional conseqüente.
Enfim, é muito amplo o campo de trabalho tanto no sentido
de conhecer a nossa criança (pesquisa) quanto de aplicações práticas.
Muito há para fazer. Mas, é sem dúvida necessária uma grande
disposição para o trabalho e para a sua avaliação crítica constante.
Por um lado, temos um grande conjunto de conhecimentos
científicos e, por outro, inumeráveis oportunidades de aplicações
práticas. Por que atuamos tão pouco então? Ou por que falhamos
tantas e tantas vezes?
Pelo menos em parte, a resposta está na jovialidade da nossa
ciência. Pois, apesar da maturidade crescente que a Psicologia do
5
Desenvolvimento vem ganhando como ciência, notamos ainda muitos
pontos falhos. E um dos principais pontos em que falhamos é
o dos métodos de pesquisa que temos.1
Antes de iniciarmos o estudo do desenvolvimento humano
propriamente dito, focalizaremos rapidamente as dificuldades meto
dológicas inerentes às pesquisas neste campo, pois se verifica que,
acompanhando as investigações empíricas e clínicas a respeito dos
fatores mais importantes e da forma como atuam no desenvolvimento
da personalidade infantil, tem ocorrido, em paralelo, uma discussão
sobre a adequação dos métodos de investigação, que, em última
análise, determinam a- validade e a credibilidade dos dados.
Tão grande seria esta preocupação, que várias análises críticas
foram feitas. Apenas na área da interação mãe-criança podemos
contar dez publicações.2
As pesquisas iniciais sobre o desenvolvimento da personalidade
infantil receberam influência teórica da psicanálise e gradualmente
tiveram seus interesses deslocados dos estudos longitudinais para os
efeitos que as características infantis exerciam na personalidade
do adulto.
Assim, historicamente, tais estudos se orientaram em duas
direções diferentes: a da influência do adulto sobre a criança em
desenvolvimento e, posteriormente, a da influência desta sobre o
adulto.
A primeira destas linhas de estudo preocupou-se com as práticas
de criação infantil e os traços de personalidade dos pais associados
com o desenvolvimento da personalidade da criança.
Coerentes com esta orientação, esses trabalhos tomaram empres
tados métodos de investigação usados em estudos clínicos e em
explorações da personalidade humana, entre os quais se destacam
as entrevistas e os questionários. As possibilidades e limitações
desses procedimentos foram discutidas por Yarrow (1963), para
quem as entrevistas representam autodescrições de pessoas extrema
mente ego-envolvidas; sofrem, especialmente na classe média, influência
dos tabus e das expectativas sociais. Além disso, as entrevistas e
questionários, quando usados para identificar atitudes adotadas pelos
pais, requerem discriminações e sínteses muito difíceis para a mãe
ou para o pai. Pede-se ao sujeito que sintetize em duas horas de
6
entrevista a essência do processo de interação com seu(s) filho(s);
e que ele se “lembre” dos seus sentimentos e dos de seus filhos;
e assim ocorre o perigo de fazerem observações gerais, baseadas
em respostas a situações específicas.
A todas essas limitações, acrescente-se que, quando vários
membros da família são consultados (pai, mãe, criança), os dados
variam em função do informante. Verificou-se, por exemplo, que
quando uma das pessoas (digamos a mãe) sabe que a outra, o pai,
também será consultado, suas referências sobre o marido tendem
a ser mais positivas do que quando sabe ou pensa que apenas ela
será consultada. Embora não invalide as respostas maternas, isso
tudo coloca a questão de se saber até que ponto elas refletem a
situação. Usando estes procedimentos, alguns autores estabeleceram
relações comprobatórias dos princípios teóricos relativos à socializa
ção infantil; mas, neste caso, diz Yarrow (1963), as correlações
são muito baixas, indicando apenas que “existe algo” que não
pode ser especificado.
A partir de 1945, além dos métodos correlacionais, um número
crescente de pesquisadores preferiu observar diretamente a criança,
usando para isso basicamente dois métodos: a observação naturalís-
tica, sem manipulação experimental; ou o método situacional, que
consiste no estudo de laboratório com manipulação e controle das
variáveis.
Estes métodos apresentam, porém, sérias limitações (Lytton,
1971). Por exemplo, as observações naturalísticas realizadas no
lar, embora permitam observar algumas facetas da socialização, como
a hora do banho ou de dormir, contudo, podem perder dados
valiosos. É que situações de conflito ou punições podem ocorrer
fora do horário de observação.
Geralmente, este método sem estruturação é usado com bebês,
pois são sujeitos mais fáceis de serem observados (o que talvez
explique o fato de a literatura oferecer um número muito maior
de dados a respeito desta faixa etária do que das subseqüentes).
Na idade pré-escolar (2 a 6 anos), são mais raros os estudos
deste tipo, quando se usam mais situações de laboratório. Em
relação à idade escolar (7 a 11 anos) existem alguns estudos com
objetivos específicos, por exemplo, o de verificar as reações dos
pais e das crianças diante -de certas tarefas estruturadas.
Quanto à observação naturalística, os autores reconhecem que
nela pode haver uma distorção no sentido da desejabilidade social.
O laboratório ou a sala experimental de brinquedos tam
bém leva às mesmas distorções, embora alguns controles, como
mudança inesperada de situações, estejam sendo introduzidos no
7
sentido de forçar o aparecimento de comportamentos espontâneos,
não planejados.
Por outro lado, estudiosos com formação etológica, como
Blurton Jones (1972) ou Lytton (1971), criticam o que consideram
como falta grave na metodologia de pesquisa da Psicologia do
Desenvolvimento, qual seja a de ter pulado o passo essencial de
descrição e de estudos normativos do repertório comportamental de
seus sujeitos.
Embora sugiram para a obtenção de dados o uso dos métodos
etológicos, esses autores reconhecem a necessidade de cautela ao
se transpor diretamente para o estudo de seres humanos, métodos,
técnicas e mesmo dados colhidos com outras espécies. A transpo
sição de tais modos e técnicas constituiria apenas uma tentativa
inicial para tornar mais rigorosa e válida a observação.
As dificuldades aqui apontadas devem ser levadas em conta
quando se analisam as pesquisas e os resultados delas derivados.
Além disso, não se pode deixar de pensar que fatores externos
à própria criança ou à dinâmica específica estabelecida entre os
membros da família possam interferir ou mesmo dirigir o processo
de desenvolvimento.
Isto porque, conforme sugestões de Blurton Jones (1972), é
apenas a partir de uma abordagem mais ampla, que leve em
consideração outras variáveis além das especificamente psicológicas,
que se poderá chegar à compreensão do processo do desenvolvi
mento humano.
Entre estas outras variáveis uma delas é o nível sócio-econô-
mico-educacional a que o sujeito pertence. E, neste sentido, é
pertinente relembrar as maiores dificuldades metodológicas encontra
das por alguns pesquisadores ao trabalhar com sujeitos de classe
baixa. Entre estes, Zunich (1971) mostra a dificuldade de se obter
um perfil real da interação mãe-criança em uma amostragem de
pessoas de classe baixa — vinte mães de meninos e vinte mães de
meninas de três a cinco anos de idade — através de um procedi
mento de questionário e também observando diretamente a interação.
Embora o autor acredite que esta forneça mais subsídios (mesmo
que a reticência ou inibição das mães interfira nos resultados) do
que aquela onde os julgamentos são feitos por indivíduos (os próprios
sujeitos) menos qualificados do que os observadores treinados e
objetivos.
Estas rápidas considerações a respeito da metodologia podem
ser realmente desalentadoras para o pesquisador que procura uma
forma de trabalho que possa conferir validade aos seus resultados.
Se os métodos tradicionais apresentam falhas e limitações compro
vadas, e os mais recentes são ainda apenas tentativas, qual a melhor
opção para o pesquisador?
Nesse sentido lembramos ao leitor que deve estar ciente das
dificuldades metodológicas da pesquisa na área da Psicologia Infantil
e da Psicologia em geral, quando os resultados práticos e os conceitos
teóricos forem analisados.
Apenas com o progresso na área de pesquisas, acompanhado da
crítica constante sobre a metodologia utilizada, é que se poderá
chegar, talvez, a modelos mais rigorosos e mais confiáveis de coleta
e interpretação dos dados. Sem dúvida, são necessários novos modos
de se pensar e de investigar o processo de desenvolvimento humano,
pois, quanto mais nos aprofundamos em seu estudo, mais parece
estarmos atentos a aspectos particulares, mínimos, sem uma orientação
subjacente, que nos permita uma visão global do processo.
Não que não sejam válidos os estudos de partes do compor
tamento, e até talvez seja esta a única forma de se abordar
cientificamente a conduta humana ou animal: mas porque esses
resultados, por vezes, se tornam fragmentados e não permitem que
o interessado em Psicologia do Desenvolvimento tenha uma visão
adequada do processo como um todo, dos encadeamentos e das
influências biológicas e sociais que ocorrem, sem dúvida, a todo
momento, quer dando condições para o aparecimento de determinados
comportamentos, quer impondo exigências ou limitações para a
manifestação desses mesmos comportamentos.
U Bibliografia
9
Yarrow, L . Y . e G oodw in, M . S . Som e conceptual issues in the study of
mother. Infant interation. A m erican Journal o f O rthopsychiatry, 1965,
v. 35, n.° 3-5, p. 473-81.
Yarrow, M . R . Problems o f methods in parent — Child research. Child
D evelopm ent, 1963, v. 34, p. 215-26.
Zunich, M. Lower-class mother’s behavior and attitudes toward child
rearing. Psychological R ep o rts, 1971, v. 29, p. 1.051-8.
Capítulo 2
Modelo psicanalítico
Wagner da Rocha Fiori
11
a sífilis e várias moléstias do sistema nervoso. Durante este período
inicial de carreira, desenvolve ainda uma nova técnica para a
coloração de tecidos nervosos pelo cloreto de ouro e lança as
bases para a utilização clínica da cocaína como anestésico local.
Nas décadas de 1880/1890 Freud fixa-se como neurologista de
renome. Introduz explicações funcionais, correlacionando áreas
motoras, acústicas e visuais do cérebro. Seus trabalhos sobre a afasia,
paralisias infantis, hipertonias nos membros inferiores em enuréticos,
bem como o trabalho final, sobre paralisia cerebral infantil já lhe
assegurariam um lugar histórico na medicina.
O interesse de Freud pela psiquiatria, e particularmente pela
histeria, o leva a conseguir uma bolsa de estudos para estudar com
Charcot, em Paris. Este psiquiatra havia se notabilizado por seus
estudos e trabalhos com pacientes histéricas. Seu prestígio havia
reabilitado a utilização médica da hipnose. Charcot descobrira que
através da hipnose poderia eliminar temporariamente a manifestação
de sintomas histéricos. Descobrira também que, através da hipnose,
sintomas aparentemente histéricos poderiam ser criados artificial
mente em suas clientes. Freud acompanha seus seminários e sua
descoberta de que os fenômenos histéricos e a hipnose constituíam
um mesmo processo. As perturbações que assumiam aparentemente
dimensões físicas não eram a expressão de um foco lesional, mas
sim a manifestação de um processo sugestivo, em geral traumático,
que desencadeava a sintomatologia física. N a verdade, a teoria
pessoal de Charcot era mais física que funcional. Para ele a histeria
era uma incapacidade congênita de integrar funções psíquicas. Freud
usa uma boa imagem para representar a teoria de Charcot, compa
rando a histeria a uma mulher sobrecarregada de pacotes, que não
lhe cabem nos braços. Um deles cai e, ao abaixar-se para apanhá-lo,
outro se precipita. Ou seja, é como se o psiquismo, inatamente
frágil, sempre apresentasse uma defasagem na coordenação de suas
funções. Este fenômeno era aparentemente confirmado na prática
clínica. Por exemplo, os sintomas de paralisia dos braços de uma
histérica poderiam ser suprimidos por sugestão hipnótica. Algum
tempo depois eles ressurgiam ou, então, a paralisia não voltava,
mas outro sintoma físico ocupava seu lugar. Uma cegueira ou uma
crise convulsiva substituía a paralisia. Embora a teoria específica
de Charcot não tenha tido utilidade para a psicanálise, as correlações
entre processos sugestivos e sintomas de doenças mentais constituirão
uma base para o pensamento de Freud.
Os trabalhos de Liebaut e Bernheim sobre sugestão pós-hipnótica.
realizados na França paralelamente aos de Charcot, constituirão
outro ponto de partida para Freud. Sedimentarão a idéia de que
12
existem processos inconscientes, subjacentes e determinantes sobre
a consciência. Num segundo momento, estas mesmas idéias permi
tirão a Freud abandonar a hipnose e permitir ao paciente sozinho
realizar a busca dos eventos traümáticos reprimidos.
O principal colaborador nas idéias iniciais de Freud é Joseph
Breuer, médico vienense, mais velho que Freud, e que já realizava
na Áustria pesquisas de tratamento da histeria com a hipnose, ao
mesmo tempo que Charcot clinicava em Paris. Breuer se encarrega
de uma paciente histérica que entrará para os anais da psicanálise
com o nome de Ana O. Ao ser provocado o sonambulismo
hipnótico como tranqüilizante, a paciente passa a narrar, durante a
hipnose, uma série de fatos passados, profundamente dolorosos.
Estes fatós não faziam parte do conhecimento consciente da paciente.
Ouando, ao despertar, a paciente pôde reconstituir esta etapa do
seu passado, com o auxílio de Breuer, os sintomas histéricos desapa
recem. O trabalho de Breuer no tratamento de Ana O. passa a
ser o primeiro caso clínico a ser tratado dentro do modelo que
daria origem à psicanálise. O excelente nível intelectual da paciente
é também um dado importante que auxilia Breuer a se organizar
em seu tratamento. Este método de eliminar os sintomas com a
retomada de recordações traumáticas passadas, que se torna conhecido
como Método Catártico, é pela primeira vez definido e reconhecido
pela própria paciente, que o define como “a cura pela fala”. Ernest
jones chega a definir Ana O., por esta observação, como sendo
a pessoa que primeiro definiu a técnica analítica.
Breuer introduz Freud em suas descobertas, envia-lhe pacientes
para serem tratados pelo novo método, tornando-se quase que uma
espécie de protetor de Freud em seus trabalhos iniciais. Juntos
publicam suas descobertas, e a colaboração durará até a ruptura
ocorrida quando da elaboração da teoria da sexualidade infantil
éc Freud.
Em linhas muito gerais, estes são os dados iniciais da Teoria
fSkanalítica que Freud continuará a construir por mais cinqüenta
mos. Alguns trabalhos serão os organizadores centrais do modelo:
Os estudos sobre a histeria, escritos com Breuer em 1893-1895; A
mte p r &tacão, dos sonhos, de 1900; Psicopatologia na vida cotidiana,
éc 1901; Três ensaios para uma teoria sexual, de 1905; os três
«asos clínicos de 1909-1911 (O pequeno Hanz; O “homem dos
m ios”; O caso Schreber); Os instintos e seus destinos, de 1915;
p-y melancolia, de 1917; Mâlé.* ■PEftjfifafo do,., prazer,
é t 1920; O Ego e o Id, de 1923; Inibição, sintoma e angústia,
é t 1926. Inúmeros outros trabalhos complementarão e explorarão
13
as idéias centrais, abrindo inclusive a psicanálise para outras áreas
como a arte, a religião, os movimentos sociais, a lingüística.
O trabalho que presentemente desenvolvemos tem pretensões
restritas. Visamos dar apenas uma compreensão básica, da psicanálise,
necessária para o entendimento evolutivo da afetividade humana.
É um trabalho destinado aos cursos de Psicologia do Desenvolvimento
ministrado nas faculdades de Psicologia, Pedagogia, cursos paramé
dicos e ciências afins. Não nos competiria, portanto, quaisquer
revisões críticas da psicanálise. Neste volume, o primeiro de uma
série de quatro, tentaremos estabelecer como surgiram e o que
significam os conceitos básicos da psicanálise. Nossa orientação será
estritamente freudiana, por julgar que aí está a base fundamental
do conhecimento em psicanálise. O texto não será pontilhado de
referências bibliográficas, ao nosso ver dispensáveis neste estágio
inicial. Preferimos organizar, ao final, a indicação de algumas
leituras básicas de Freud, principalmente dos seus escritos didáticos,
por nos parecer esta a melhor maneira de uma organização inicial
deste conhecimento. Nos três volumes seguintes, desenvolveremos
a evolução da libido, estágio por estágio. Aí, sim, teremos campo
para discussões detalhadas, nas quais incluiremos comparações com
os principais continuadores e dissidentes da obra freudiana.
15
hipnose foi capaz de abrandar um pouco sua censura e até expô-ló
a ym ’'certo' ridículo, mas jamais o faria cometer algo profundamente
proibido. Não cometeria, por exemplo, um crime sob efeito de
sugestão pós-hipnótica. Uma paciente feminina não poderia ser
levada a desnudar-se por mero efeito de uma sugestão pós-hipnótica,
a não ser que ela pessoalmente não se incomodasse com tal procedi
mento. Normalmente, quando é dada ao hipnotizado uma ordem
que ele não pode cumprir, em geral acorda abruptamente do transe,
bastante incomodado, e torna-se em seguida resistente a entrar em
nova hipnose. O que concluímos é que, se a hipnose foi capaz de
fazer surgir algumas pequenas atitudes que normalmente o paciente
não as teria, quando ele se sente ameaçado, não só se recusa a
cumprir as ordens, como torna-se particularmente resistente ao
procedimento. Este dado pesará no posterior abandono da hipnose
na técnica de Freud.
O segundo caminho do estabelecimento do conceito de inco
ciente, e o que marca o início da elaboração da psicanálise, vem
do atendimento clínico que Breuer propiciou a Ana O. Ela era
uma jovem de vinte e um anos, dotes intelectuais sempre elogiados
pela literatura psicanalítica, e que padecia de um quadro histéílco
típico: paralisias, perturbações nos movimentos oculares, tosse nervosa,
repugnância aos alimentos e inclusive um acesso de hidrofobia no
qual ficou várias semanas sem beber água, apesar da intensa sede,
só sobrevivendo à custa de melões. Apresentava ainda alguns estados
de alteração psíquica, que Breuer chama de estados de “absence”,
nos quais dizia coisas fragmentadas, sem que uma coerência de
sentido fosse estabelecida. Devemos lembrar que nesta época a
medicina adotava em geral duas atitudes diante da histeria: ou a
ignorava, tratando os sintomas como mero fingimento consciente, ou
ainda presa às idéias de Hipócrates de Cós, tentava curá-la por
alterações na posição do útero, ou por extração do clitóris. Breuer,
ao contrário, dedicou-lhe atenção permanente e procurou utilizar-se
da hipnose como processo de apaziguamento das tensões. Durante
uma das sessões de hipnose, Breuer repetiu para a paciente algumas
das palavras que ela dissera em estado de “absence”, incitando-a a
associar sobre elas. Ana O. passou então a relatar uma passagem
triste, ao leito de morte do pai, onde exausta entrou numa espécie
de sono acordado, e alucinou ver uma serpente negra que surgia
para picar o enfermo. Quis afastar o réptil, mas sentiu seu braço
paralisado. Ao fixar os olhos em seu braço, viu seus dedos se
transformarem em pequenas serpentes cujas cabeças, localizadas nas
unhas, eram caveiras. Assustada, tentou rezar, mas as palavras lhe
fugiram, só se lembrando de uma oração infantil em inglês. Toda
16
a história foi relatada a Breuer durante a hipnose. Ao despertar
do sonambulismo, Ana O. deixara de apresentar os sintomas de
paralisia que a acompanhavam por mais de dois anos. Idêntico
procedimento curou-a da hidrofobia, ao recordar uma cena em que
vira o “nojento” cachorrinho da babá bebendo água em uma caneca.
Nos dois casos percebemos um evento traumático reprimido, que
não faz parte da percepção consciente e que, ao ser recordado,
traz junto a vivência de toda emoção anteriormente reprimida. A
recordação consciente do trauma, com a correspondente descarga
de emoções reprimidas, faz com que os sintomas desapareçam.
Os Estudos sobre a histeria, publicados por Freud e Breuer
em 1895, constituem o primeiro trabalho de repercussão da psicaná
lise. Algumas conclusões, tiradas destes primeiros casos, já definem
a relação consciente e inconsciente. Fica estabelecida a existência
de uma vida psíquica inconsciente, paralela à consciência, e que
pode ser dominante sobre esta. Estas relações serão mantidas durante
ioda obra freudiana. A teoria de origem da neurose, elaborada por
Breuer, baseava-se nos chamados estados de “ absence”. Julgava ele
que as histéricas seriam sujeitas a estes estados, e, quando dentro
deles, a capacidade de elaboração de eventos afetivos seria reduzida.
GícTsignifica que, durante o aparecimento destes estados, o sujeito
i mto teria condições de absorver ou integrar eventos psíquicos doloro-
Os traumas então sofridos não poderiam ser percebidos pela
írnsciência. Eles passariam direto para o inconsciente, lá permane-
ceado enquistados e sem elaboração. A reação do organismo ao
mmima enquistado produziria os sintomas. O doente fica então
| 'Wftiio como passivo: não pode reagir ao trauma e também não
f*sde, sozinho, elaborar o trauma e eliminá-lo. A tarefa do médico
| « m então utilizar a hipnose como um bisturi, penetrando no
I piquísm o e criando condições para que o trauma ressurgisse à
| « m c ie ncia, fora do estado de “absence”, quando , então poderia
I 1** experienciado com toda a carga afetiva que não pudera ser
f. mfcMia na hora traumática. Esse método de tratamento ficou conhe-
>àSo como Método Catártico. Freud logo em seguida o abandonará,
mm o abandono da hipnose.
$ 3 Resistência e repressão
A H g |||Íj|
17
prio, admitindo-se mau hipnotizador. Particularmente, julgamos que
é muito difícil utilizar em relações interpessoais uma técnica na qual
não se confie. A técnica da hipnose é relativamente simples, e não
vemos como um bom profissional não conseguiria dominá-la. Pen
samos que as dificuldades alegadas por Freud já demonstram sua
descrença para com a hipnose e a abertura para a busca de novas
soluções.
Freud então se recorda dos experimentos de sugestão pós-hipnó
tica a que assistira com Bernheim. O paciente, que a princípio não
se recordava da ordem do hipnotizador, conseguia relembrá-la desde
que, diante da insistência do hipnotizador, ele se esforçasse para
consegui-lo. Freud havia aprendido com Charcot que a histeria e
a hipnose eram fenômenos similares. Por que não tentar então com
a histeria o mesmo procedimento que Bernheim utilizava na recorda
ção da sugestão pós-hipnótica? Freud abandona a hipnose e inicia
uma técnica sugestiva, onde afirma ao paciente que ele poderá se
lembrar do acontecimento traumático sofrido,, que ele consciente
mente não sabe, mas que está guardado no inconsciente. O procedi
mento sugestivo inicialmente utilizado consistia em afirmar ao paciente
que, quando Freud pusesse a mão sobre sua testa, ele se recordaria.
O procedimento apresenta resultados satisfatórios. As recordações
inconscientes vão emergindo e entrando para a elaboração e o
domínio da consciência. Freud verifica que pode prescindir da
hipnose e mobilizar a colaboração do paciente em seu processo
de descobrir o inconsciente.
Tivesse havido apenas uma alteração técnica no trabalho, isto
quase nada acrescentaria à psicanálise. Mas a descoberta de uma
nova técnica quase sempre leva ao conhecimento de novos fatos,
a novas reflexões, e a mudanças na organização teórica do conheci
mento. A utilização do esforço consciente para a descoberta do
inconsciente propõe várias questões: Como o sujeito não fora capaz
de se lembrar, antes, de um evento tão importante, o qual acarretava
inclusive perturbações em sua conduta? Por que fora necessário
tanto esforço e a colaboração do médico para que o evento viesse
à consciência? •O que impedia o acesso deste evento ao,,.consciente?
Freud deduz que, se um fato tão significativo não podia _emergir
senão com muito esforço, era porque havia , uma força que se
opunha, à sua percepção consciente. Freud define esta força, chaman
do-a de resistência. Ela mantinha o evento traumático inconsciente,
protegendo o indivíduo da dor e do sofrimento que seriam trazidos
junto com seu conhecimento. Quanto maior a dor a ser vivida
com a recordação, mais a resistência era mobilizada, tornando-se
mais difícil a recordação do trauma. Esta força, a resistência, só
18
pode ser descoberta e compreendida com o abandono da hipnose.
Deixa de haver uma situação onde a hipnose era utilizada como
um bisturi para remover o quisto traumático de um paciente inerte.
As forças do próprio paciente, as forças de sua consciência, passaram
a ser mobilizadas para vencer a resistência.
A descoberta da resistência leva imediatamente a outra questão:
se há necessidade de uma força tão grande para impedir que o
trauma se torne consciente, é sinal de que as recordações traumáticas
não estão imobilizadas no inconsciente; se a resistência deve ser
aumentada na proporção em que o trauma é maior, quanto, mais
doloroso o evento reprimido, maior é a força que ele deve fazer
para . se tornar consciente* Se o processo não quer permanecer
inconsciente, é lícito supor que nunca quis tornar-se inconsciente,
e, se assim ocorreu, é porque uma força maior, num momento de
crise,. mobilizou-se para negar o conhecimento à consciência. A esta
força que se mobiliza para que o indivíduo não seja ferido em seus
ideais éticos e estéticos, que tira da consciência a percepção de
acontecimentos cuja dor o indivíduo não poderia suportar, Freud
chamou de repressão. Na prática clínica o que se observa é o
aparecimento da resistência. A repressão fica demonstrada como
conseqüência lógica da resistência.
Õs processos psicológicos parecem ocorrer sempre paralelamente
aos processos fisiológicos ou biológicos básicos. Dizemos que a
seorias psicológicas são anaclíticas (suportadas) ao biológico. Psico
logicamente, se alguém passa por um evento tão doloroso, que
sente não poder suportá-lo, é um processo de autoproteção reprimir
o acontecimento. Ao nível físico, o processo é similar ao psíquico.
Se alguém pisar em um'espinha, sentirá dor. Mas, se um traumatismo
ii&e arranca o pé, possivelmente não sentirá dor em um primeiro
momento. Se^a dor é um elemento adaptativo, necessário para que
c* organismo sê proteja, é exatamente a anestesia, ou seja, a ausência
aeanporária da dor que permitirá ao organismo tentar sobreviver
é^tnte da situação fortemente traumática. Tivemos a oportunidade
éc acompanhar o caso de um jovem motociclista acidentado. Houve
exatamente a amputação do pé. Na hora o jovem nada sentiu.
Teve forças e controle para providenciar um torniquete com a
manga da camisa, antes de desmaiar. O socorro demorou algum
tempo, e seu procedimento lhe salvou a vida. Tivesse, ele ficado
*e contorcendo em dores desde o início, possivelmente não se teria
salvado. Assim também ocorre com os infortúnios psíquicos. A dor
ijode ser suportada até um certo limite. Diante da perspectiva de
m a grande dor, os acontecimentos são reprimidos e escapam à
percepção consciente. Mas a repressão não os elimina. O pé amputado
19
não doeu na hora, mas doerá depois. O trauma reprimido estará
permanentemente tentando ocupar a consciência. A resistência o
impedirá mas, como conseqüência da luta, teremos a formação dos
sintomas neuróticos.
A descoberta da resistência e da repressão marça a ultrapassa-
gem de um modelo estático do trauma, para um modelo dinâmico,
de jogo de forças. O doente não é mais um fraco que enquistou
um trauma sem processá-lo. Agora é um forte que se mobilizou
para afastar a angústia. A sua aparente fraqueza decorre da imobili-
zação dada pelo jogo de forças contrárias que existe em seu interior.
Esta luta interna consome suas energias, decorrendo daí o seu
rendimento externo, inferior. É uma característica de o neurótico
apresentar um rendimento real inferior às suas capacidades potenciais.
A descoberta da resistência e repressão marca também a introdução
do conceito de mecanismo de defesa....
2.4.1 O Id
20
mundo, buscando a satisfação do que necessita para seu desenvolvi
mento. O conceito de instinto parece explicar bem o mecanismo
que se estabelece. Em função de seu desequilíbrio homeostático,
ou da necessidade do estabelecimento de relações evolutivas, o organis
mo sente uma carência. Esta carência mobiliza as energias do
organismo em direção à sua satisfação. Mas, para que se satisfaça,
éjiecessário que o organismo tenha um objeto que corresponda a
essa necessidade. Por exemplo, diante.da fome, é necessário que se
organize uma imagem de alimento. Esta imagem é o que chamamos
de^õlDjétò do instinto. E qual a relação estabelecida entre a necessi
dade e seu objeto? No caso da fome, podemos dizer que é a incorpora-
çao. A incorporaçao fica assim definida como ojyvjDjdyo^nsjy^ • Logi-
camente, o exemplo é simplificado. A relação não é apénas linear e
direta. Quando a criança fantasia a imagem do seio para sua
saciação, não é apenas a fome que é trabalhada, mas também a
ligação afetiva com o seio, a construção da figura da mãe, as
relações de bom e mau estabelecidas, a adequação do processo
mãe-criança, a confiança no mundo exterior, etc.
Nos trabalhos iniciais, quando Freud falava do inconsciente,
definia-o como o conjunto dos desejos reprimidos, com as relações
que estes estabelecem. Neste aspecto, o conceito anterior de incons
ciente vai ser abarcado pelo de Id. Mas o Id não será apenas isto.
Já vimos que* ele é a fonte da energia A
•.... ...................- psíquica,
4 além dev ser wo*
gerador das imagens que organizarão a canalização destas energias.
A este mecanismo de gerar imagens correspondentes às pulsões,
Freud chamará de “processo primário”, constituindo-se ele no meca-
aísmo fundamental de manifestação do Id.
2.4.1.1 Características do Id
21
alucinatória de satisfação imediata. Não questiona qualquer aspecto
da adaptação do desejo à realidade física, social ou moral. As
interdições virão do Ego ou do Superego. O Id sempre manterá
o modelo de querer, e de querer a qualquer preço.
3.a) Inexiste o princípio da não-çontradição. Como não é
dimensionado pela realidade, podem estar presentes desejos ou
fantasias mutuamente excludentes dentro da lógica. Voltemos aos
sonhos, que são a melhor maneira de exemplificarmos os processos
do Id. Neles podemos estar mortos e vivos ao mesmo tempo. Podemos
entrar no fogo, e o fogo ser frio. Podemos nos ver em dois lugares
ao mesmo tempo. À medida em que o princípio da não-contradição
inexiste, todas as coisas são possíveis ao nível do Id.
4.a) É atemporal. A única dimensão da vivência é o presente.
Não há passado ou futuro, mas existe a elaboração de uma dimensão
única, vivida como presente. Reviver (recordar) é o mesmo que
viver. Nos sonhos, a recapitulação de um acidente é vivida como
o próprio acidente. Nos sonhos, um projeto de realização futura é
vivido como realização presente. Nos próprios devaneios que temos,
ou seja, quando sonhamos acordados, transformamos em realizações
presentes os desejos com perspectivas de realizações futuras. Fanta-
siamo-nos dentro do carro que gostaríamos de comprar. Quando
compramos um bilhete de loteria, surpreendemo-nos, fazendo planos
para a utilização do dinheiro, como se já o tivéssemos ganho.
5.a) Não é verbal. Funciona pela produção de imagens, Temos
utilizado os sonhos para exemplificar o Id. Mas quando nos recorda
mos de um sonho, já efetuamos uma elaboração secundária sobre
ele, ou seja, já o reduzimos ao domínio da linguagem. Em sua
forma original, os sonhos são basicamente plásticos. As imagens
são criadas, fragmentadas, deslocadas, combinadas, de forma a se
adequarem à satisfação do desejo.
6.a) Funciona basicamente,, pelos processos de Condensação e
deslocamento, que são os processos básicos do inconsciente. Na
condensação, agrupamos, dentro de uma imagem, características per
tencentes a vários processos inconscientes. No deslocamento, as
características de uma imagem são transferidas para outra, com a
qual o sujeito estabelece relações como se fosse a primeira. A
diferenciação é enquanto modelo, porque dentro do funcionamento
real os processos de condensação e deslocamento são superpostos.
Vejamos um exemplo de cada processo. O primeiro é mitológico,
e o segundo, tirado dos casos clínicos de Freud.
■■■rf
a . us. K-li.'í./V,
Condensação
23
homem era eleito o representante da fertilidade, e, após fecundar a
rainha do grupo, ou suas virgens, eíe era literalmente devorado
pelas mulheres, ou era mortó e seu sangue espargido pela terra para
despertar sua fertilidade. Tal qual no ritual de acasalamento da
abelha rainha, ou da aranha, o macho era destruído após cumprir
seu papel biológico-simbólico. Vemos que há. nas origens fílo e
ontogenética do. homem, traços qüe levam a estfulürar úínã fantasia
básica;de temor, onde a mulher aparece como devoradoya.
Uma terceira relação que é fundamental é a satisfação orgástica
que a mulher representa para o homem. O prazer, a sensualidade,
a beleza são elementos arquetípicos que dirigem o homem em direção
à mulher. A expectativa orgástica é o ponto culminante da atração.
Este terceiro fator é tão evidente que não necessita maior análise.
Estamos verificando que'há várias fjt.&Lasias „bás.Í£as. que surgem
no homem em sua relação com a mulher: reg^s.s„ão-nascimentQ-
água, fertilidade-destruição-canibalismo'. atração-prazer-sexualidade'.
O inconsciente formula então uma imagem que condensa todos estes
aspectos e surge a figura mitológica da sereia ou da iara. É a mulher
que atrai, que seduz com seu canto e sua beleza, que desperta a
sensualidade masculina e que leva sua vítima para a destruição
dentro d’água, onde perece afogada (simbolicamente devorada pelo
mar) ou é literalmente devorada pela própria mulher, como ocorre
com nossa mitológica iara. É inclusive muito significativo que esta
fantasia surja na mitologia grega, na nórdica, bem como entre os
grupos indígenas da América do Sul. A iara e a sereia se eqüivalem.
Isto parece indicar que as modalidades de,. faptasias..çondensadaç
nestas figuras são características universais, manifestações arquetí-
picas do inconsciente filogenético da espécie.
Deslocamento
24
ios. É_me.lhor não poder sair „_àsi ruas, do que não . poder ficar em
casa, e^jp amor pelo pai pode ser preservado. Este é um exemplo
dI3aTíco do processo de deslocamento mas, como já vimos, os meca
nismos de condensação e deslocamento são em geral çoexistentes.
Vejamos como os dois se combinam neste caso: o pai é uma figura
grande, tem bigode e possui um pênis grande. Estas características
são abstraídas do pai, deslocadas e condensadas no cavalo: grande,
«com focinheira e pênis grande. Há deslocamento na transferência
das características e condensação , no seu reagrupamento, o que é
permitido ao estabelecer a, ligação simbólica pai-cavalo.
7.a) Finalmente, o Id é uma instância estruturalmente incons-
cKnte. Todos os processos descritos são estruturados sem a percep
ção ou participação do consciente. Devemos frisar que o Id não é
o inconsciente, mas é, em quase sua totalidade, inconsciente. Os
cksejos oriundos do Id podem ser percebidos pela consciência,
q g an d irn ão sofrem repressão. E veremos a seguir que as outras
sastâncias, o Ego e o Superego, são em parte conscientes e em parte
saeonscientes.
2 .4 2 O Ego
25
linguagem, é apenas sinal. Mas a mãe já pode diferenciar os sons
que pedem comida, dos gritos de desespero e dor. O Egp çoiog^a
progressivamente a se, diferencia^. Diante do desejo, mobiliza-se para
que a realidade possa satisfazer ao desejo. Havíamos definido o Id
como o nível dos instintos, o princípio do prazer, o funcionamento
pelos processos primários. Definimos agora o Ego como funcionando
pelo princípio da realidade e pelos processos secundários.
Id Superego
Realidade
26
família) quanto do lado superegóico, ou seja, mesmo que o real esteja
sob controle, que ela racionalmente ache que a experiência será
válida, que não há perigo de gravidez e que a família não necessita
saber de sua conduta, algo interno, não definido, proíbe-a de tentar.
É o Superego que se manifesta. Se ceder só aos desejos, corre o
risco de não se adequar ao mundo físico e social. Mas se perma
nentemente ficar presa às proibições, ela poderá ser imobilizada e
não evoluir, não poderá por si viver novas experiências e crescer
com a elaboração de seus resultados. Cabe exatamente aq.„ ,ggp
efetuar a conciliação entre os desejos e proibições internas e os dese
jos e as proibições da realidade objetiva, de forma a possibilitar a
atuarão conciliatória mais produtiva para o sujeito.
3.a) Setor jmais organizado,.e atual da personalidade. O Id, como
matriz instintiva, é uma estrutura arcaica, filogenétiça. O Superego
contém proibições que também são oriundas da evolução da espécie,
por exemplo, os tabus contra o incesto', o parricídio, o matricídio, o
Üíücídio. Os valores, morais a serem internalizados são do grupo ao
qual o indivíduo ..pertence, portanto também anteriores ja ele. Cabe
Ego organizar uma sínteseatual, tornando o indivíduo único e
onginál e permitindo-lhe iima adaptação ativa ao mundo presente
em quê "vive.
ir a) Domina a capacidade.de síntese. Aqui englobamos todas as
fejações lógicas do funcionamento mental, que para a psicanálise
%ko atributos do Ego. A memória e o desenvolvimento do pensamen
to lógico e operatório estão aqui contidos. Resta lembrar que o
íioashecimento epistemológico da construção do real é obra de Piaget.
f te a a psicanálise a organização destas funções só interessa ao nível
«isvidual, quando as perturbações afetivas comprometem seu fun-
«m am ento.
5.a) D,omínio da motili^ade. O domínio do esquema corporal
«s&rumental, ou seja, o domínio das praxias é uma função do Ego.
A nossa atuação corporal é o nosso instrumento prático de realizar
ffiL do processo secundário. JL i exatamente por estar o domínio da
gs^ilídade situado no Ego, que quando este se vê enfraquecido por
Jbtúrbios. afetivos, a atuação corporal fica prejudicada, rígida, este-
«tôíipada, perturbada em suas relações práxicas. Podemos exem-
f l & a r isto com vários sintomas presentes, por exemplo, na histeria,
Wê melancolia, ou mesmo reportando-nos ao trabalho teórico de certa
Éwaa dissidente da psicanálise de Reich.
6.a) .Qmaniza a simbolizacão. O processo primário é plástico.
€1 grocesso secundário, ao organizar a lingüàgem, organiza ó domí-
'ffjTiõbre às fantasias e fornece um instrumento de reter, elaborar, e.
;• ifjiar sobre a realidade física e psíquica.
27
7.a) Sede da angústia. Como instância adaptativa, o Ego é o
responsável pela defecção dos perigos reais e psicológicos que amea
cem a integridade do indivíduo. De acordo com a origem do perigo,
classificamos a angústia em:
a) angústia real — normalmente denominada medo. É o sinal que
mobiliza o indivíduo diante da perspectiva de uma agressão real.
Tem inclusive uma dimensão biológica bem definida, ou seja,
diante do perigo uma descarga de adrenalina na corrente sanguí
nea mobiliza uma vasodilatação muscular e uma vasoconstrição
periférica e visceral, propiciando ao organismo condições para
lutar ou fugir.
b) angústia neurótica — é o temor existente no Ego de que o Id,
ou seja, os desejos prevaleçam sobre os dados da realidade.
Na prática isto aparece numa espécie de sentimento de que esta
mos enlouquecendo, ou de que não resistiremos ao impulso de
matar alguém, ou de fazer atos em que perderemos nosso
controle.
c) angústia moral — é um sentimento acus#tório no qual sentimos
que erramos, que somos maus, e nada mais poderá ser feito a
não ser espiar a culpa. Este sentimento provém da atuação jje
umJSuperego rigoroso que, ao perceber os desejo.s. que condena,
passa ã punir permanentemente o indivíduo como se a *trans
gressão houvesse ocorrido, A confissão dos pecados por pen
samento, existente em nossas religiões, é um bom exemplo do
processo. Por imaginar um ato desonesto, a acusação supere-
góica de criminoso nos perseguirá, ao imaginar uma atuação
sexual nos sentimos imorais e desmerecedores do amor das outras
pessoas,
2.4.3 O Superego
28
destes valores, punindo-o ou criticando-o quando falha na perseguição
desses objetivos. Por exemplo, a nossa cultura é meritocrática na
valorização de títulos universitários. Um açougueiro que possui seu
próprio negócio provavelmente ganha mais que um professor univer
sitário, ou um bacharel em ciências humanas, ou mesmo que um
engenheiro em início ou médio desenvolvimento profissional. Mas o
açougueiro sente-se humilhado diante destes profissionais que são
menos remunerados que ele. Alguma coisa interna, ou seja, um Ego
ideal meritocrático lhe diz internamente que ele é inferior.
A outra face do Superego é a..Consciência Moral. Ela corres
ponde.à .internalização das.proibições. Vemos que é uma face com
plementar e paralela ao Ego Ideal. Se a honestidade é valorizada,
a sua^ transgressão acarretará a. punição pelos sentimentos acusatórios
oriundos da Consciência Moral. Se a virgindade é um ideal de con
duta feminina pré-marital, a sua transgressão ativará sentimentos
culposos de inadequação.
O Superego é uma estrutura necessária para o desenvolvimento
do grupo social. Sem ele, seriamos todos delinqüentes, respeitando
apenas as restrições da força externa. Dizemos que alguém que não
desenvolve seu Superego é um psicopata, ou seja, alguém que, por
não ter valores internos, será propenso à delinqüência e só se conterá
diante de uma restrição externa punitiva, por exemplo, o temor de
ser preso.
Mas, se o Superego é uma instância necessária ao grupo, quando
exacerbado tende a imobilizar ou a neurotizar o indivíduo. Se os
valores que o Ego Ideal estrutura são tão altos que o indivíduo jamais
poderá alcançá-los, o indivíduo permanecerá impotente e imobilizar-
$e-á. Se as proibições forem muito severas, qualquer atitude que fuja
aos valores parentais será considerada um grande crime. Na prática,
isto será particularmente importante na evolução da sexualidade
normal. Neste aspecto, nossa cultura tem sido particularmente cínica,
ou seja, mães e pais pregam aos filhos condutas que em geral não
tiveram. Nesta situação, particularmente o adolescente, será levado a
considerar imorais desejos legítimos. Lembrem-se de que a punição
superegóica vem mesmo sem a prática. Basta o desejo. Se sua severi
dade for grande, não poderemos nem desejar.
29
(
(
finalidade consiste em afastar um evento gerador de angústia da
percepção consciente. Os mecanismos de defesa são. funções_ do Ego
e, por definição, inconscientes. O Ego situa-se em parte no consciente
e em parte no inconsciente. Como sede da angústia, ele é mobilizado
diante de um sinal de perigo e desencadeia uma série de mecanismos
repressores que impedirão a vivência de fatos dolorosos, os quais o
organismo não está pronto para suportar. Por situar-se em parte no
inconsciente, poderá mobilizar mecanismos inconscientes, que não
serão percebidos pelo sujeito. Nem será percebido o evento dolo
roso, tampouco o mecanismo que o reprimiu. O conceito de meca
nismo de defesa surge nos trabalhos de Freud e é desenvolvido prin
cipalmente por sua filha, Ana Freud, em O Ego e os mecanismos
de defesa. Vários outros autores desenvolverão conceitos de defesas
típicas de certas fases da vida, ou de certos quadros psicopatológicos.
Neste aspecto, o trabalho de Melanie Klein será particularmente im
portante. Daremos agora uma relação dos principais mecanismos de
defesa.
2.5.1 Repressão
30
r
exemplo da realidade cotidiana é o cigarro. Negamos os riscos de
câncer, as perturbações cardíacas que pode provocar, e continuamos
fumando.
2.5.4 Projeção
2.5.5 Racionalização
31
tensos podem ser transformados em comportamentos extmnamente
pudorosos 011 puritanos. Estes desejos são sentidos como "perigosos,
ou seja, que o indivíduo perderia seu controle caso cedesse a eles.
Firmar-se numa atitude moralista, ou seja, atuar contrariamente âo
que se deseja é um meio de autopreservação. Este... exemplo é um
tema freqüente da literatura, onde alguém que mantinha um com
portamento externo rigidamente puritano, diante da primeira expe
riência contrária, entrega-se à luxúria, cedendo aos desejos originais.
2.5.7 Identificação
2.5.8 Regressão
2.5.9 Isolamento
32
2.5.10 Deslocamento
2.5.11 Sublimação
33
prazer. Ê neste sentido que a definimos como uma energia sexual,
num sentido amplo, e que caracterizaremos cada fase de desenvol
vimento infantil como uma etapa psicossexual de desenvolvimento.
Estamos especificando que a sexualidade não é vista pela psicanálise
em seu sentido restrito usual, mas abarca a evolução de todas as
ligações afetivas estabelecidas desde o nascimento até a sexualidade
genital adulta. Por definição, todo vínculo de prazer é erótico ou
sexual. Ao organizar-se progressivamente em torno de zonas erógenas
definidas, a libido caracterizará três fases de desenvolvimento infantil:
a fase oral, a fase anal e a fase fálica, um período intermediário
sem novas organizações, o período de latência, e uma fase final
de organização adulta, a fase genital.
Há uma tendência natural para o desenvolvimento sucessivo
das fases. Mas, se num dado momento de evolução a angústia é
muito forte, o Ego é obrigado a mobilizar fortes mecanismos de
dçfepa para enfrentá-la. Isto significa que há, de um lado, a energia
do desejo imobilizada. A angústia só surge se, ao tentarmos nos
ligar a um objeto, isto implica em relações de temor ou. de destruição.
Do outro lado, o Ego, que é também um depositário da energia
original, mobiliza energias que são estancadas nos mecanismos de
defesa. Isto cria um ponto de fixação, ou seja, um momento ho
processo evolutivo onde paramos, por não poder satisfazer um
desejo, e- onde também paramos por que aí deixamos muita energia
imobilizada. O Ego se torna mais frágil em seu processo evolutivo,
porque parte de sua energia permanece. ligada a este momento!
Por ser mais frágil, terá dificuldades em enfrentar novos momentos
críticos e se, nesses mòmeritòs, a angústia for muito forte, o Ego
regredirá para estes pontos de fixação. A regressão será dupla?
PóT*um lado, regredirá para uma fantasia infantil, ou seja, para o
desejo que não foi satisfeito. Por outro lado, fará uma regressão
formal, ou seja, como a tentativa de adaptação posterior falhou,
o Ego regride exatamente para este ponto onde tem muita energia
mobilizada em um tipo de defesa, passando a relacionar-se com
o mundo através desta defesa. Por isso, a neurose é definida por
Freud como um infantilismo psíquico. O neurótico está sempre
atualizando fantasias infantis e repete sempre, na relação com os
objetos atuais, aquele modelo infantil no qual foi fixado e para o
qual regrediu depois de um evento traumático.
Para a compreensão do processo, apresentaremos inicialmente
um relato descritivo das fases de desenvolvimento propostas por
Freud. Isto nos ajudará a caracterizar os momentos evolutivos de
um desenvolvimento normal. O relato é apenas introdutório e, nos
volumes seguintes desta coleçã.o, teremos a oportunidade de detalhar
34
o processo. Era seguida, como uma introdução à formação de
sintomas, estudaremos os atos falhos, os sonhos e o simbolismo e,
f nalmente, alguns processos de formação de sintomas.
35
brio homeostático. Éjpela boca que começará a provar e a cpjjfeçger
o mundo. É pela boca que fará sua primeira e mais importante
descoberta afetiva: o . seio. O seio é o primeiro objeto de ligação
infantil. É o depositário dé seus primeiros amores e ódios. O seio
já existe quando o desenvolvimento maturacional não permite ainda
à criança reconhecer o seu primeiro objeto total: a mãe. Esta se
construirá gradativamente a partir do amor que o seio oferece.
Erikson define que, neste momento, a criança ama com a boca e
a mãe ama com o seio.
Neste momento a libido está organizada em torno da zona
oral. Como já vimos, o conceito de fase pressupõe a organização
da libido em torno de uma zona erógena, dando uma modalidade de
relação de objeto. A fase fica caracterizada pela zona erotizada,
e daí a denominação de fasé' oral, dadá a Fste* período. A modalidade
de. relação oral será a incorporação.
36
O sacerdote não diz simplesmente “tenham Cristo em vocês”. Mas
o concretiza num ritual proposto pelo próprio Messias na Ültima
Ceia. A hóstia é fisicamente incorporada para estabelecer os princí
pios básicos da identificação cristã.
A incorporação é a etapa concreta da introjeção e a organização
primitiva da. identificação. Quanto mais regredido, menos simboli
zado e mais concreto o processo. Quanto mais regredido etariamente,
mais se toma a parte (atributo) pelo todo (substantivo).
37
inicialmente dirige ao seio. Posteriormente o afeto reconhecerá a
mãe, ó pai, as outras pessoas e objetos do mundo, até a futura
constituição de afetividade genital adulta.
K. Abrahan, um dos primeiros e mais atuantes colaboradores
de Freud, propõe duas etapas do desenvolvimento da libido na
fase oral. A primeira precg.de à dentição e é chamada de etapa
oral de sucção, onde a modalidade de relação é incorporativa (intro-
jetiva) e visa a apreensão em si dò mundo (seio, mãe, etc.). Nesta
etapa a criança ainda vive seu mundo interno de fantasias como
realidade, sendo que a realidade objetiva externa só é apreendida
parcial e fragmentariamente. Chamamos de narcisismo a este modelo
de organização psíquica infantil. A fixação do indivíduo nesta
etapa, ou seu posterior retorno ao modelo desta etapa, através de
uma regressão psicológica, caracterizará um quadro clínico que
denominamos esquizofrenia. A segunda etapa, que surge com a
eclosão dos dentes, é denominada etapa oral sádico-canibal. Os
dentes surgem para a criança como a primeira concretização de
sua capacidade destrutiva. É necessário que a agressividade se
manifeste, porque dela derivará a futura combatividade social. Mas
a criança é posta pela primeira vez em uma posição ambivalente.
De um lado, ama, e amar significa a incorporação oral. De outro,
o mastigar e comer atualiza fantasias destrutivas. Se o desenvolvi
mento afetivo for normal, o amor será estabelecido como sentimento
básico. Se o desenvolvimento for dominado por angústias, a agressi
vidade (ódio) será predominante, restando o sentimento de que
tudo aquilo que é amado e incorporado, é inevitavelmente destruído.
JEste sentimento de destruir o que é amado constitui o ponto :de
fixação que poderá estabelecer um futuro quadro de melancolia
(psicose maníaco-depressiva).
V ' ' 1'■ / ! f\y-[ ■
2.7.2 Fase anal
38
preensão mais grosseiros, para desenvolver grande precisão na pinça
indicador-polegar. Embora ainda com o andar apoiado na ponta
dos pés, desequilibrado, aparentando o anjinho barroco que vai
alçar vôo, a criança já pode sair para conhecer o mundo de pé,
frente a frente, e não mais de baixo para cima como ocorria na
fase oral. As funções corticais substituem as condutas anterior-
jnente reflçxas. A segmentação neuromuscular permitirá o apareci
mento de movimentos finos e coordenados dominando sobre os
antigos comportamentos globais.
Dois processos básicos estão se organizando na evolução psico
lógica. O primeiro diz respeito ao conteúdo, ou seja, às fantasias
que a criança elabora sobre os primeiros produtos realmente seus
que coloca no mundo. O segundo diz respeito ao modelo de relação
à ser estabelecido com o mundo através destes produtos.
Primeiramente desenvolve-se o . sentimento de que a criança
tem coisas suas.
—•j7-.. coisas
• que
}• ela . produz
r . e que
^ rpode ofertar ou
negar ao mundc^ Ao mvel mais imediato, poderemos perceber
isto no andar ou no falar. Só anda quando está bem; se chega
um estranho, volta a engatinhar em busca da mãe. Fala, mas só
o faz se sente que é aceita. Quando assustada, emudece, negando
seu produto “fala” ao ambiente que a rejeita ou a ataca.
O período é denominado fase anal, porque a libido passa a
organizar-se sobre a zona erógena anal. A fantasia básica será
ligada aos primeiros produtos, notadamente ao valor simbólico das
fezes. Duas modalidades de relação serão estabelecidas: a projeção
y tro lft/
39
o processo. No mínimo o definiria como uma loucura a dois. Tomem
outros exemplos normais adultos, como o ritual de contemplar as
fezes antes da descarga, ou o procedimento de transformar o
banheiro num salão de estar, com música, revistas e cigarros. Tomem
ainda o exemplo antropológico de várias tribos que defecam em
cima do túmulo do ente querido, em sinal de respeito. Ou ainda
o fato de que o odor das próprias fezes é sentido como agradável
pela maior parte das pessoas, enquanto causa náuseas às outras.
Os exemplos poderiam ser ampliados e analisados em profundidade,
tarefa que reservamos para a análise específica desta fase, num
volume seguinte.
Quando o desenvolvimento é normal, ou seja, quando a criança
ama e sente que é amada pelos pais, cada elemento que a criança
produz é sentido como bom e valorizado. O sentimento básico
que fica estabelecido a levará em todas as etapas posteriores da
vida a sentir que ela é adequada e que seus produtos são bons;
portanto, estará sempre livre e estimulada a produzir. Temos visto
vários livros correlacionando fase anal com capacidades artísticas.
Isto é só uma parte do processo. O sentimento de que o que
produzimos é bom, é necessário para todas as relações produtivas
que estabelecemos com o mundo. Produzimos no trabalho, e temos
de sentir que nosso produto é bom. Produzimos filhos, e temos de
sentir que nosso produto é bom. Só poderemos criar se houver
um sentimento interior de que nossos produtos são bons. O senti
mento de autonomia que Erik Erikson descreve como correspondente
a esta fase, talvez pudesse ser melhor definido como um sentimento
geral de adequação.
40
pôr coisas no mundo, como também é normal discriminar quando
e para quem dá seus produtos.
Mas pode ocorrer que as relações de angústia predominem
sobre as relações de amor. Os primeiros produtos infantis não
são mais objetos de valor, mas se constituem em armas destrutivas
que agridem o mundo toda vez em que são produzidos. Pensemos,
por exemplo, em uma mãe neurótica que entra em pânico toda
vez em que a criança suja as fraldas ou que, por não suportar
barulho, obriga a criança ao silêncio. Isto concretiza para a criança
a fantasia de que seus produtos são maus e destrutivos. | uma
defesa usual expelir tudo que há, em nós e que sentimos que é mau.
Atiramos éntaò nossos produtos destrutivos no mundò e, como
depositário de nossas agressões, o mundo se tornará mau e destruidor.
A projeção dos maus produtos sempre cria um mundo perseguidor.
A paranóia é a primeira filha do fracasso em estabelecer a colocação
dos produtos infantis no mundo.
A neurose obsessiva é a segunda conseqüência no fracasso do
desenvolvimento da fase anal. Se os produtos foram projetados numa
estrutura paranóica, na estrutura obsessiva são retidos e controlados.
Se os produtos geram angústia “necessito exercer um grande controle
sobre o que posso liberar e sobre as pessoas para quem liberarei
minha produção”. O amor e o afeto vão progressivamente cedendo
terreno à temática do controle e da organização, até que um
mundo, que deveria ser estruturado sobre o ' afeto, seja substituído
por um inundo frio e formal. O obsessivo torna-se afetivamente
desativado, robotiza-se nas ritualizações frias e formais e torna-se
incapaz de criar.
Por volta dos três, anos de idade,„a libido inicia nova organização.
A, erotização passa a ser dirigida para os genitais," desenvolve-se o
interesse infantil por eles, a masturbação torna-se freqüente e normal
e a preocupação com as diferenças sexuais entre meninos e meninas
passam a contaminar até a percepção dos objetos: “O ônibus tem
pipi?” — “Se não tem, é mulher”. Curiosamente esta discriminação
sexual não caracteriza a existência de dois genitais, o masculino e
ó féminmo, mas apenas a presença ou ausência de pênis. A vagina
é e continuará sendo desconhecida ainda por muito tempo. Os
homens, e o gênero masculino, são definidos pela presença do órgão
fálico, ao passo que as mulheres identificam-se pela sua ausência.
Nas fases oral e anal já vimos que cada uma delas tem uma
erotização corporal, uma fantasia particular e uma modalidade de
41
relação de objeto. A erotização dos genitais, que se inicia neste
período, traz a fantasia de meninos e meninas serem possuidores
de um pênis. A erotização masculina, portanto, recairá normalmente
sobre o pênis, enquanto que a feminina se manifestará no clitóris,
que será fantasiado como sendo um pequeno pênis que ainda crescerá.
O menino exibe seu membro, orgulhoso, com ares de superioridade,
apregoando que é homem. A menina reage, protestando que o seu
ainda crescerá e ficará igual ao do menino. Mas, à medida em
que o desenvolvimento se processa, a percepção correta da realidade
confirmará aos olhos infantis que só o homem é portador de pênis,
ficando a mulher na condição de castrada. Numa visão freudiana,
esta configuração primitiva do pensamento sexual infantil fornecerá
as bases diferenciais das organizações psicológicas masculina e femi
nina. Ao homem adjudica-se um elemento de superioridade, que
é a posse do pênis. Em decorrência, configura-se uma grande
ameaça diante dos conflitos interpessoais, que é o temor de ser
atacado naquilo que mais valoriza, ou seja, o temor de castração.
À mulher atribui-se um elemento de inferioridade, a castração, e
uma inveja decorrente, a inveja do pênis, que a mobilizará no sentido
de conseguir o que só o homem tem, ou de compensar esta inferiori
dade sentida no plano da fantasia.
Na fase fálica, a libido erotiza os genitais. A fantasia básica
é fálica. E qual a tarefa básica desta fase, ou seja, qual a sua
modalidade de relação? A tarefa básica deste momento consiste
em organizar os modelos de relação entre o homem e a mulher.
Os genitais erotizados dirigem uma busca de satisfações de desejos
sexuais. Nunca devemos nos esquecer de que estamos nos referindo
à organização da fantasia infantil. A procura do parceiro para a
satisfação sexual real é uma tarefa do adulto, é um trabalho da fase
genital. Ao nível da criança, é a modalidade de relação que se
define, ou seja, é no menino que se forma uma espécie de sentimento
de busca de prazer junto a uma mulher. Por parte da menina, o
processo é similar e inverso, ou seja, existe a busca de prazer junto
a um homem.
A procura do sexo oposto é uma estrutura comportamental
instintiva nos animais, enquanto grupo geral. Por exemplo, dois
coelhos, um macho e uma fêmea, criados individualmente isolados
durante toda a vida, se postos juntos, quando adultos, partem
imediatamente para um relacionamento sexual. Mas à medida em
que se sobe na escala filogenética, notadamente entre os mamíferos
primatas, a relaçao macho-fêmea não é só ditada por traços instintivos.
Ela requer etapas de socialização onde o desenvolvimento inicial tem
particular importância. Por exemplo, macacos superiores criados
42
isolados, sem a mãe, quando postos juntos, são incapazes de um
relacionamento sexual. Macho e fêmea ficam excitados, agarram-se
e agridem-se, mas não sabem o que fazer. É como se o traço
instintivo fosse difuso e necessitasse de uma fáse"de aprendizado
Hêyámor para se organizar. Quando falamos em atração sexual
infantil, é mais ou menos nestes termos que o processo deve ser
considerado. Há a fantasia de busca do parceiro, mas dentro de
p rocessos difusos (embora permeados pela fantasia fálica), que
devem ser organizados para que se estabeleça uma adequada atração
masçulinp-feminina.
A Iibido está organizada sob o primado da zona erógena genital,
mas configurada sob a fantasia fálica. A erotização de uma zona
corporal cria um desejo a ser satisfeito. À erotização é vista dentro
de um modelo homeostático, ou seja, ha um acúmulo de tensão
que deve ser descarregado. A descarga corresponde à sensação de
prazer. A erotização genital cria a necessidade de buscar o objeto
que permitirá a obtenção de prazer, ou seja, um elemento do
sexo oposto. É, portanto, natural que durante a fase fálica, como
reação à emergente erotização, o menino seja dirigido para a busca
de uma figura feminina. Buscá-la faz parte de uma organização
filogenética de preservação e continuação da vida. E quem é a
figura feminina mais próxima, e de quem o menino gosta mais?
É a mãe. A maior parte dos vínculos de prazer da infância estão
ligados à mãe. É também natural que na fantasia infantil o menino
a configure como seu objeto de atração sexual. O menino está
genitalmente erotizado, sente que isto é bom e que precisa comparti
lhar isto com uma figura feminina. A figura da mãe preenche na
fantasia este papel. E esta relação estabelecida servirá de suporte
para que mais tarde, quando adulto, possa buscar uma parceira
sexual externa à família, com quem estabelecerá vínculos afetivos
importantes e constituirá sua própria família. Podemos dizer que
é aprendendo a amar em casa que a criança se tornará o adulto
capaz de amar fora.
Se aprender a amar é uma relação positiva, o amor incestuoso
é uma relação proibida. O tabu do incesto é a lei mínima da
organização humana. Foi necessário aprender a amar, mas a relação
incestuosa que serviu de suporte para esta aprendizagem deve agora
ser reprimida. O esquema repressor é desencadeado com a entrada
çíc^pai em cena. O pai soma as fantasias filogenéticas de pai
totêmico, dono da mãe e das mulheres, com a configuração real
de pai, marido e símbolo da autoridade. A autoridade usará de sua
força para fazer cumprir a lei. Tem o poder de recompensar e punir.
O pai coloca-se então como um interceptor entre o filho e a mãe.
43
As fantasias infantis de se casar com a mãe, de ser seu namorado
(expressões estas, todas usuais de crianças desta idade), ficam
vedadas pelo pai. Paralela e ambivalentemente ao amor que o menino
devota ao pai, fica-lhe dirigido um sentimento mesclado de ódio
e temor. A criança configura o desejo de eliminar aquele que lhe
impede o acesso à mãe. Fica então configurado o triângulo que
Freud denomina Complexo de Êdipo, numa referência ao drama
“Édipo Rei”, de Sófocles.
Com o estabelecimento do triângulo edípico, o pai, maior,
mais forte e dono da mãe, é sentido pelo filho como um adversário
contra o qual não poderá lutar. Se o elemento mais valorizado pela
criança é o pênis, se o ponto de competição com o pai é sua
erotização, parece decorrência lógica que, na fantasia infantil, o
pai o puna, atacando-o no ponto fundamental do conflito, ou seja,
o pai o castrará. Configura-se então, na relação com o pai, o temor
de castração, que o obrigará a reprimir a atração sentida pela mete.
Com esta repressão fica encerrada a etapa fálica infantil. Mas o
modelo de busca de um amor heterossexual foi estabelecido e será
posteriormente retomado com a adolescência.
O Complexo de Édipo, também chamado por Freud de Complexo
Nuclear, é o ponto central da organização afetiva dentro do modelo
psicanalítico. Ele envolve vários elementos evolutivos, alguns dos
quais se tornam pontos de dissidência dentro da psicanálise.
Nesta seção, descreveu-se apenas a configuração inicial do Édipo
masculino. A organização e a evolução do modelo masculino, bem
como o do feminino (que para Freud é diferente), serão analisadas
em detalhes numa etapa posterior deste trabalho, quando descrevere
mos o desenvolvimento afetivo do pré-esé«lar. Nessa oportunidade
confrontaremos o modelo freudiano com as principais evoluções e
divergências surgidas na psicanálise.
44
período que sucede a fase fálica, chamamos de período de latência.
O período de latência caracteriza-se pela canalização das energias
sexuais para o desenvolvimento social, através das sublimações. O
período de latência não é, portanto, uma fase: não há nova organi
zação de zona erógena, não há nova organização de fantasias básicas
è nem novas modalidades de relações objetais. É um período interme
diário entre a genitalidade infantil (fase fálica) . e a adulta (fase
genital). A sexualidade, que permanece reprimida durante este
período, aguarda a eclosão da puberdade para ressurgir. Enquanto
a sexualidade permanece dormente, as grandes conquistas da etapa
situar-se-ão nas realizações intelectuais e na socialização. É por isso
que este é o período típico do início da escolaridade formal ou da
profissionalização, em todas as culturas do mundo.
45
2.8 A formação de sintomas
Uma jovem está se arrumando para sair e a mãe lhe diz: “leve
. a sombrinha que vai chover”. A jovem faz de conta que concorda,
mas ignora o conselho. Ao se dirigir para a sala, encontra a
sombrinha que a mãe deixou sobre a mesa, junto à bolsa, para que
não a esqueça. A jovem finge que não percebe, apanha a bolsa e
vai para o carro. Solícita, a mãe corre atrás e triunfante enfia a
sombrinha pela janela. Quando retorna depois do passeio, a jovem
constata que perdeu a sombrinha. Pode, inclusive, sentir-se preo
cupada com isto. Mas, no fundo, a atuação dos processos incons
cientes deram um jeito de livrá-la do símbolo da opressão materna,
ístó é um ato falho. Podemos presumir, oculto por ele, um desejo
inconsciente de se rebelar, romper vínculos com a dependência
46
que lhe é imposta, ou mesmo uma certa dose de rancor contra a mãe.
Oposta a isto, há a postura da boa filha, que ama a mãe, com a
qual jamais se permitiria ser grosseira. Externamente, a última
tendência vence, e seu comportamento é atencioso. Mas a primeira
não está mortà. Está apenas buscando um meio de burlar a
repressão, ou seja, tentando surgir de uma maneira tão indireta,
que a agressão à mãe não seja percebida. Vemos que o ato de
esquecer a sombrinha em algum lugar estabelece um acordo entre
as duas tendências conflitantes. De um lado, pôde contrariar a
imposição materna. De outro, pôde preservar sua boa relação
com a mãe.
Dentro deste mesmo modelo estão os esquecimentos de nomes,
os lapsos de memória, as expressões que saem exatamente contrárias
ao que queríamos dizer (por exemplo, dar felicitações em vez de
pêsames nos funerais) e os acidentes com relíquias de família (por
exemplo, quebrar o vasinho de estimação da tia chata).
Temos então em conflito um desejo ou intenção que não pode
ser percebida, por contrariar os ideais morais do sujeito. A isto
chamamos de tendência perturbadora. Por outro ladò, temos as
atitudes ou b o n s s u j e i t o se acha na obrigação
de assumir, mas que não correspondem aos seus desejos inconscientes.
A isto chamamos de tendência perturbada. Do conflito estabelecido,
sjjrge uma terceira conduta, qúe em parte satisfaz e em parte
contraria cada uma das duas. fato -.f um ..sintoma. O ato falho é
um modelo típico de formação de sintomas. Nem houve a agressão,
nem a submissão. Deve, porém, ser frisado que, se o ato falho
resolveu o conflito no momento, ele não contribuiu em nada para
o crescimento individual, ou seja, não resolveu o conflito pessoal
existente. Apenas retardou sua explosão.
47
por motivos externos e práticos. Ao nível interno, nada se opunha
às realizações. Nos sonhos os desejos são retomados e realizados
alucinatoriamente. O Ego, enfraquecido no sono, diminui o limite
que separa a fantasia da realidade. A tensão do desejo pode então
ser aliviada. Os sonhos são realizações alucinatórias de desejas.
A este tipo de sonhos que traz a realização literal de desejos
(porque estes desejos não são conflitivüs) chamamos de sonhos
infantis.
Mas, parte dos desejos que temos não pode ser por nós aceita,
não podendo nem sequer ser percebida, notadamente os desejos
ligados à agressão ou a fantasias sexuais que nossa estrutura ética
rejeita (por exemplo, o incesto ou as tendências homossexuais).
Tomemos um exemplo. Uma mulher se casa e fica grávida em
seguida. Com a criança é obrigada a deixar o emprego e, como
conseqüência das dificuldades econômicas geradas, deixa os estudos.
Depois de alguns anos encontra uma colega diplomada e profissio
nalmente bem-sucedida. Nesta noite tem um sonho onde vê o
filho embarcando sozinho em um trem para uma viagem. Não se
recorda de outros detalhes, mas acorda angustiada.
A interpretação deste sonho seria relativamente simples. Ao
nível da simbologia inconsciente, partir significa morrer. Este filho
desperta sentimentos ambíguos na mãe. Por um lado, é objeto de
amor, e os valores introjetados no papel de mãe só permitem a
manifestação de sentimentos amorosos e positivos na relação com
a criança. Por outro, esse filho lhe destruiu muitas das aspirações
da vida. Bloqueou seus estudos e sua carreira profissional. Neste
nível, seu desejo seria o de não ter tido este filho, ou seja, há
um desejo de morte do filho que está latente e reprimido. No
sonho, enfraquecidas as defesas, ele surge. Mas, mesmo assim, não
pode ser expresso abertamente. A capacidade plástica do inconsciente
de utilizar símbolos substitutivos acaba encontrando um meio de
realizar alucinatoriamente o desejo, sem que o sonhador o perceba.
Tal qual nos atos falhos, o sonho fica uma criação intermediária
entre ò desejo reprimido (simbolicamente realizado) e as proibições
morais, que aparentemente não são transgredidas.
O sonho é um bom exemplo do simbolismo insconsciente.
Além de concretizar imagens, o sonho é um fenômeno norm alj?
universal. É também um bom exemplo., ...da formação de sintomas.
Do conflito entre dois elementos, o desejo e a repressão, surge
uma solução simbólica intermediária qué em parte satisfaz e em
parte contraria a ambos.
Os trabalhos clínicos têm comprovado a universalidade de
muitos símbolos. A casa é representativa do corpo da mãe, ou
48
seja, um lugar de proteção, onde há pessoas. As conchas são
símbolos dos genitais femininos. Os objetos compridos (bengalas,
postes) são em geral símbolos dos genitais masculinos. A água
está ligada à fantasia de nascer-renascer (observem os mitos ligados
aos batismos). Cavalgar ou subir escadas são símbolos ligados ao
ato sexual. Perdas de dentes simbolizam a castração.
49
2.9 Leituras recomendadas
50
Capítulo 3
Modelo piagetiano
Clara Regina Rappaport
3.1 Introdução
51
tempo, causalidade, moralidade, brinquedo, linguagem e matemática.
Lidou com muitos processos psicológicos: pensamento, percepção,
imaginação, memória, imitação, ação.
Além disso, preocupou-se em elaborar uma posição filosófica,
a epistemologia genética. Isto é, procurou estudar cientificamente
quais os processos que o indivíduo usa para conhecer a realidade.
È, como se a tarefa de pesquisar uma área tão vasta e tão desconhecida
já não fosse gigantesca, P jâgêtJU ^jm m Jorm ukt.um ~.ponto de vista
filosófico sobre a gênese do conhecimento. Isto é, conviveu com
crianças de todás as idades, submetendo-as às mais variadas formas
de estimulação e experimentação, mas não deixou de refletir sobre
as bases filosóficas do conhecimento.
A preocupação central de Piaget dirige-se à elaboração de uma
teoria do conhecimento, que possa explicar como o organismo
conhece o mundo. E esta colocação reflete sua formação inicial
em Biologia, pois considera que só o conhecimento possibilita ao
homem um estado de éqüTIíUrio mtérnocjue o capacffa. a lüJãpftar-se
ao meio ambiente. Existe, para ele, uma realidade externà ao
sujeito do conhecimento-, e é a presença desta realidade que regula
e corrige (^desenvolvimento do conhecimento adaptativo. A função
do desenvolvimento não consiste em produzir cópias internalizadas
da_ realidade externa, mas sim, em produzir estruturas lógicas que
permitam ao indivíduo atuar sobre o mundo de formas cada vez
mais flexíveis e complexas.
Preocupa-se, portanto, com a gênese do conhecimento, isto é,
era saber quais os processos mentais envolvidos numa dada situação
de resolução de problemas e quais os processos que ocorrem n a-
criança para possibilitar aquele tipo de atuação. Assim, sua obra é
de epistemologia genética e mostra como o conhecimento se desen
volve, desde as rudimentares estruturas mentais do recém-nascido até
o pensamento lógico formal do adolescente. Procura entender como,
e em função de que, estas estruturas iniciais se transformam,, dando
lugar a outras cada vez mais complexas.
Vê a criança como que tentando descobrir o sentido do mundo,
lidando ativamente com objetos e pessoas. A criança vai construir
estruturas mentais e adquirir modos de funcionamento dessas estrutu
ras em função de sua tentativa incessante de entender o mundo ao
seu. redor, compreender seus eventos e sistematizar suas idéias num
todo coerente.
Estudou, portanto, o desenvolvimento dos vários processos
cognitivos, dirigindo-se aos aspectos qualitativos e não quantitativos.
Lembremo-nos de que, quando Piaget começou suas investigações,
o interesse principal dos psicólogos do desenvolvimento, no que se
52
refere à inteligência, consistia numa tentativa de quantificação, de
medição com vista à padronização de testes. Ao aplicar estes
testes, _Piaget interessou-se muito mais pelas respostas incorretas do
que pelas corretas, passando a uma busca de entendimento dos
processos mentais que a criança usara para chegar à emissão daquela
resposta. Portanto, não se contentou com a obtenção e registro
das respostas corretas, da solução adequada do problema, como
faziam os demais pesquisadores, mas, através de outras questões
que colocava diante da criança, procurou entender qual o processo
de pensamento subjacente na emissão daquela resposta.
A partir de seus primeiros contatos com os testes de inteligência
e tendo despertado sua curiosidade científica para a pesquisa dos
processos cognitivos, passou a observar o desenvolvimento de seus
próprios filhos, registrando suas reações desde os primeiros dias de
vida. Em muitas obras de Piaget são freqüentes as citações das
reações de Jacqueline, Laurent e Lucienne.
Em 1921, passou a ocupar o cargo de Diretor de Estudos no
Instituto J. J. Rousseau, em Genebra, quando iniciou uma série
de estudos que resultaram numa obra vastíssima, totalmente documen
tada por investigações empíricas. Possui notável coerência interna,
riqueza de detalhes e de assuntos abordados. Grande número de
colaboradores foram atraídos por estes projetos e eles possibilitaram
a ampliação das pesquisas, pois vários deles se tornaram co-autores
de alguns artigos e livros.
Piaget utilizou como técnica básica de pesquisa o método
clínico, que havia aprendido a aplicar na clínica de Bleuler e nos
cursos práticos da Sorbonne.
Esta opção, às vezes criticada por falhas no controle experi
mental e descrição incompleta (Baldwin, 1967), permitiu um aprofun
damento no conhecimento dos processos mentais das crianças. Uma
de suas primeiras constatações foi a de que o estudo do pensamento
expresso apenas verbalmente ■— isto é, através de perguntas feitas
à criança, na ausência de manipulações concretas às quais suas
respostas pudessem referir-se — pode fornecer somente um quadro
incompleto da estrutura cognitiva e de seu desenvolvimento. Só
depois de 1923, quando estudou bebês e crianças em ida.de escolar,
é que percebeu a necessidade de fazer uma distinção entre a lógica
das ações, isto é, a lógica expressa no..comportamento emitido, e
a lógica aplicada a afirmações verbais.
Assim, através do contato contínuo e constante com um número
cada vez maior de sujeitos das várias faixas etárias e pesquisando
diferentes aspectos do funcionamento cognitivo, Piaget chegou à
53
formulação de inúmeros conceitos continuamente reavaliados em
função de novos dados.
Seus colaboradores recebiam treinamento intensivo na aplicação
das técnicas de pesquisa antes de saírem a campo para coleta de
dados, para a aplicação das provas nos sujeitos experimentais.
Os trabalhos de Piaget, que se multiplicaram rapidamente na
Europa, não foram prontamente absorvidos pela literatura psicológica
americana, que estava dominada por uma visão mecanicista da
natureza humana, pela crença de que idéias, pensamentos e modos
de resolução de problemas representam primariamente o resultado de
aprendizagem. Assim, a tarefa do psicólogo consistiria em descobrir
quais seriam esses processos e em desenvolver técnicas cada vez
mais adequadas de ensino de conceitos, tarefas, etc. Somente no
período pós-guerra, em que todo o sistema educacional americano
começou a ser questionado, é que alguns autores se voltaram para
essas novas idéias que estavam sendo desenvolvidas na Europa.
Surgiram então as primeiras traduções das obras de Piaget para o
inglês, e várias tentativas de resumi-las em manuais, ou ainda, de
apresentá-las de forma mais didática, visto que, mesmo para quem
domine o francês, muitos aspectos das obras piagetianas são difíceis
de entender.
No Brasil, Piaget começou a ser conhecido na década de 60,
e a partir dessa época foi incluído o seu estudo no currículo dos
cursos universitários de Psicologia, Pedagogia, etc. Alguns autores
tentaram, como nos Estados Unidos, uma apresentação mais didática
de seus conceitos (Biággio, 1976).
No Brasil observamos, no entanto, um fenômeno para o qual
gostaríamos de chamar a atenção do leitor. Muitas escolas para
crianças em idades precoces (a partir dos 2 anos), denominadas
escolas maternais ou jardins de infância, ou mesmo escolas de
1.° grau, passaram a utilizar o que denominaram Método Piaget.
É preciso ficar bem claro que é possível, válida e recomendável
uma utilização dos conhecimentos trazidos à luz por Piaget a
respeito das estruturas mentais que se acham presentes em cada
faixa etária e do modo de funcionamento característico dessas estru
turas em cada fase do desenvolvimento. Mas, é perigoso tentar
transpor esses conhecimentos para um conteúdo programático sem
um aprofundamento maior.
Acreditamos ser necessário tanto um conhecimento profundo
da nossa criança, nos vários segmentos da população, como também
um estudo árduo e prolongado das propostas piagetianas para que
possamos chegar a uma utilização válida e profícua.
Não há dúvida de que muito se tem a ganhar no que se refere
ao desenvolvimento pleno das capacidades mentais da criança, quando
o planejamento pedagógico leva em conta os potenciais e interesses
típicos de cada idade. Mas, no caso de um conhecimento superficial
da obra de Piaget a meu ver, a aplicação prática imediata pode
ser considerada inadequada, se não, irrefletida.
3.2.1 Hereditariedade
55
simples, não passaria de um processo de organização das estruturas
cognitivas num sistema coerente, interdependente, que possibilita ao
indivíduo um tipo ou outro de adaptação à realidade. Exemplo:
voltamos à situação do recém-nascido ou do bebê de poucos meses
de vida e analisemos sua situação diante da realidade. A criança
está recebendo continuamente uma série de impressões sensoriais
desprovidas de qualquer significado para ela. Está, portanto, em
completo desequilíbrio com esta realidade, dependendo totalmente
da interferência de outras pessoas para sobreviver. A tarefa principal
do crescimento mental do primeiro ano de vida consistirá em
organizar estas impressões sensoriais de alguma maneira que permita
à criança atuar de modo coerente sobre a realidade. Isto se
conseguirá à medida em que forme seus primeiros esquemas, que
Piaget denomina de esquemas sensoriais-motores, justamente porque
sua formação dependerá das impressões sensoriais que a criança
receber dos objetos e de sua possibilidade de manipulação, áe
exploração motora.
Assim, a primeira forma de equilíbrio que a criança irá adquirir
consiste, justamente, na formação de uma série de esquemas senso-
riais-motores que lhe permitirão organizar aquele caos inicial de
sensações internas e externas, dando-lhe condições de atuar sobre
a realidade.
Assim sendo, poderíamos dizer que o desenvolvimento é um
processo que busca atingir formas de equilíbrio cada vez melhores;
ou, dito de outra maneira, é um processo de equilibração sucessiva
que tende a uma forma final, qual seja a aquisição do pensamento
operacional formal. Isto é, em cada fase de desenvolvimento, a
criança consegue uma determinada organização mental que lhe
permite iidar com o ambiente. Esta organização mental (equilíbrio)
será modificada à medida em que o indivíduo conseguir atingir
novas formas de compreender a realidade e de atuar sobre ela,* e
tenderá a ... uma. forma final que será atingida na adolescência e
que consistirá no padrão intelectual que persistirá durante a idade
adulta. Não que o desenvolvimento intelectual atinja um ápice na
adolescência e depois ocorra uma estagnação. Nada disso. Simples
mente, o que ocorre é que, uma vez atingido o grau de maturidade
mental representado pela oportunidade de realizar operações mentais
formais, esta será a forma predominante de raciocínio utilizada pelo
adulto. Seu desenvolvimento posterior consistirá numa ampliação
de conhecimentos tanto em extensão como em profundidade, mas
não na aquisição de novos modos de funcionamento mental.
62
Podemos dizer que o adulto atinge uma forma de equilíbrio
com o ambiente. Conseguiu desenvolver estruturas e modos de
funcionamento dessas estruturas que lhe permitem viver num estado
de equilíbrio satisfatório com o ambiente. Este não será, entretanto,
um equilíbrio estático, mas sim, um equilíbrio dinâmico. Isto porque,
a todo momento as pessoas estão sendo solicitadas a solucionar
situações e problemas novos. A cada solicitação este equilíbrio é
rompido e ocorre uma movimentação das estruturas mentais no
sentido de solucionar este desequilíbrio e atingir novamente o estado
de equilíbrio. Este será conseguido no momento em que o problema
for solucionado. No caso do adulto, para se equilibrar, ele utilizará
sempre o mesmo tipo de estrutura e o mesmo tipo de funcionamento
dessas estruturas, No caso_da criança, ela poderá não apenas se
utilizar dos recursos já existentes, mas desenvolver novos processos
de funcionamento mental. E é neste sentido que podemos dizer
que o desenvolvimento consiste numa passagem constante de um
estado de equilíbrio para um estado de desequilíbrio — para um
equilíbrio superior no sentido de que a criança terá desenvolvido
uma maneira mais eficiente (poderíamos até dizer, mais inteligente)
de lidar com seu ambiente.
63
vistas à solução de um novo problema de ajustamento, a um ajiova
situação, Piaget denomina acomodação. E no momento em que a
criança conseguir dominar adequadamente o segundo veículo, diremos
que se acomodou a ele e, portanto, adaptou-se a esta nova exigência
da realidade.
Vemos, pois, que da mesma maneira como, biologicamente, o
organismo desenvolve maneiras de se adaptar à realidade e manter
com ela um estado de equilíbrio, mentalmente desenvolvemos processos
com o mesmo objetivo.
Para Piaget existe uma troca constante entre o sujeito e o meio,
bem como uma busca constante de um estado de equilíbrio biológico
e mental.
Os processos de assimilação e acomodação são complementares
e acham-se presentes durante toda a vida do indivíduo e permitem
um estado de adaptação intelectual.
É muito difícil, se não impossível, imaginar uma situação em
que possa ocorrer assimilação sem acomodação, pois dificilmente
um objeto é exatamente igual a outro já conhecido, ou uma situação
exatamente igual a outra.
Exemplifiquemos: um bebê que brinca com bolas e que já
tenha formado um esquema de brincar com bolas. Ao receber
uma nova bola, a criança irá manipulá-la da mesma forma como
fez anteriormente com objetos semelhantes (assimilação); mas,
supondo que a nova bola seja ligeiramente maior ou menor do
que aquelas anteriormente manipuladas, será necessário um processo
de acomodação.
Ou outro exemplo: um professor que pretenda ministrar a
mesma aula a duas ou três diferentes turmas de alunos. Por mais
que ele procure ater-se ao mesmo conteúdo e à mesma metodologia
(assimilação), algumas pequenas modificações serão introduzidas,
em função da reação dos alunos (acomodação).
O processo de adaptação intelectual é, pois, um processo extre
mamente dinâmico e envolve a todo momento tanto a assimilação
como a acomodação, possibilitando um crescimento, um desenvolvi
mento pessoal, na medida em que o sujeito adquire uma competência
e uma flexibilidade cada vez maiores para lidar com as situações
da vida prática.
3.2.3 Esquema
58
ações. Herdam, portanto, não uma inteligência organizada, mas
alguns elementos (a estrutura biológica, neurológica) que determinam
seu modo de reagir ao ambiente, que é, no início da vida, absoluta
mente caótico para a criança. D evido à sua imaturidade neurológica
e psicológica, a criança não tem qualquer conhecimento da realidade
externa (objetos, pessoas, situações) ou de seus estados internos
(fome, frio, etc.). Poderíamos dizer que a criança, através de seu
aparato sensorial, dispõe apenas de sensações provenientes tanto
do exterior como do interior, mas de nenhuma capacidade para
discriminar qualquer uma delas. Exemplificando: reagirá a uma
luz intensa, fechando os olhos; mas este ato será puramente reflexo.
Chorará ao sentir fome, mas não saberá discriminar que o estado
de desconforto interno se deve à falta de alimentação.
Assim, de acordo com Piaget, a partir de um equipamento
biológico hereditário, a criança irá formar estruturas mentais com
a finalidade de organizar este caos de sensações e estados internos
desconhecidos. Podemos então introduzir um novo conceito que,
por sua complexidade, será tão difícil de entender, como os anteriores
e os que citaremos a seguir. Quero me referir ao conceito de
jzsguema, uma unidade estrutural básica de pensamento ou de ação
e qüé corresponde, de certa maneira, à estrutura biológica que
mudaT e se adapta.
No aspecto orgânico, sabemos que o nosso corpo é formado
de várias estruturas unitárias (células, por exemplo) que se organizam
em elementos maiores (órgãos) ou em sistemas de funcionamento
(aparelhos). No aspecto mental, poderíamos dizer que a nossa
estrutura unitária básica é o esquema, que pode ser simples (como,
por exemplo, uma resposta específica a um estímulo — sugar o
dedo quando este encosta nos lábios) ou complexo (como o esquema
que temos das pessoas — de nossa mãe, por exemplo, ou ainda a
maneira como solucionamos problemas matemáticos ou científicos).
Vemos, portanto, que o termo esquema pode referir-se tanto
a uma seqüência específica de ações motoras realizadas por üm~bébê
para alcançar uma argola pendurada em seu berço, como à~lfiiagem
interiorizada que"ternos da escola primária que freqüentamos (incluindo
instalações físicas, localização do prédio, vivências que lá tivemos,
pessoas e situações significativas) até estratégias mentais que utilizamos
para solução de problemas (de análise combinatória, por exemplo).
Podemos tentar então conceituar um esquema tanto como uma
disposição comportamental específica (uma seqüência de comporta
mentos eliciada sempre que um estímulo específico se apresenta,
como, por exemplo, o esquema de preensão, que seria ativado
sempre que o indivíduo, criança ou adulto, procurasse alcançar um
59
objeto e segurá-lo em suas mãos), ou como uma idéia que formamos
a respeito de uma pessoa, objeto ou situação, ou ainda como uma
determinada maneira de solucionar problemas abstratos.
Ou, conforme disse Flavell (1975): “Sendo uma estrutura
cognitiva, um esquema é uma forma mais ou menos fluida de uma
organização mais ou menos plástica, à qual as ações e os objetos
são assimilados durante o funcionamento cognitivo” (p. 54).
Vemos então que o esquema constitui a unidade estrutural da
mente e que, da mesma forma como as unidades estruturais biológicas,
não é um elemento estático, porém, dinâmico e variado em seu
conteúdo.
Vejamos como se dá o processo de formação de um esquema
sensorial motoj, como, por exemplo, o esquema de preensão. A
criança nasce com o denominado reflexo de preensão, isto é, qualquer
objeto que seja colocado na palma de sua mão, elicia o ato reflexo
de fechá-la, agarrando, portanto, o objeto. À medida que ocorre
maturação biológica e que o ambiente apresenta à criança inúmeros
objetos que possam ser pegos, ela irá desenvolver um esquema de
preensão. Este esquema é muito mais complexo do que o ato
reflexo, porque inclui vários movimentos da criança, além de sua
vontade de querer pegar aquele objeto. Uma vez formado este
esquema, ele será ativado toda vez em que a criança quiser pegar
um objeto e será modificado, sempre que o novo objeto tiver
propriedades específicas, diferentes daqueles anteriormente “pegos”
pela criança. Assim, os esquemas são unidades estruturais móveis
que se modificam e adaptam, enriquecendo com isso tanto o repertório
comportamentai como a vida mental do indivíduo^
Vejamos um outro exemplo que ilustre a maleabilidade dos
esquemas. A criança, em contato com sua mãe, irá formar um esquema
de mãe. Este esquema incluirá tanto a figura física da mãe como
os sentimentos que a criança tem em relação a ela, as vivências
que tiveram em comum, etc. À medida em que a criança vai
crescendo, este esquema irá se modificando e ampliando não apenas
no sentido de incluir novas vivências que a criança tenha com a
própria mãe (que seria um aspecto mais quantitativo, de acréscimo
de elementos), mas também de incluir outras mães, até chegar ao
conceito abstrato que nós adultos temos de mãe (mudanças também
qualitativas, que modificam a própria estrutura do esquema inicial,
mais simples e mais primitiva).
Os esquemas, portanto, estão em contínuo desenvolvimento e
este desenvolvimento se dá no sentido de permitir ao indivíduo
uma adaptação mais complexa a uma realidade que é percebida
60
por e}e, de forma cada vez mais diferenciada e abrangente, exigindo,
portanto, formas de comportamento e de pensamento mais evoluídas.
Nesta evolução, que constitui a essência do crescimento mental,
os esquemas iniciais primitivos e sensório-motores se ampliam, se
fundem, se diferenciam, interiorizam-se e adquirem a organização
que caracteriza os sistemas operacionais concretos (colocar varinhas
de madeira por ordem crescente de tamanho) ou abstratos (com
preensão do sistema numérico ou de teorias científicas).
Na realidade, nossa tarefa, neste momento, poderia resumir-se
na tentativa de formar um esquema mental do conceito piagetiano de
esquema. E, diga-se de passagem, esta não é uma tarefa das
mais fáceis.
3.2.4 Equilíbrio
61
simples, não passaria de um processo de organização das estruturas
cognitivas num sistema coerente, interdependente, que possibilita ao
indivíduo um tipo ou outro de adaptação à realidade. Exemplo:
voltamos à situação do recém-nascido ou do bebê de poucos meses
de vida e analisemos sua situação diante da realidade. A criança
está recebendo continuamente uma série de impressões sensoriais
desprovidas de qualquer significado para ela. Está, portanto, em
completo desequilíbrio com esta realidade, dependendo totalmente
da interferência de outras pessoas para sobreviver. A tarefa principal
do crescimento mental do primeiro ano de vida consistirá em
organizar estas impressões sensoriais de alguma maneira que permita
à criança atuar de modo coerente sobre a realidade. Isto se
conseguirá à medida em que forme seus primeiros esquemas, que
Piaget denomina de esquemas sensoriais-motores, justamente porque
sua formação dependerá das impressões sensoriais que a criança
receber dos objetos e de sua possibilidade de manipulação, áe
exploração motora.
Assim, a primeira forma de equilíbrio que a criança irá adquirir
consiste, justamente, na formação de uma série de esquemas senso-
riais-motores que lhe permitirão organizar aquele caos inicial de
sensações internas e externas, dando-lhe condições de atuar sobre
a realidade.
Assim sendo, poderíamos dizer que o desenvolvimento é um
processo que busca atingir formas de equilíbrio cada vez melhores;
ou, dito de outra maneira, é um processo de equilibração sucessiva
que tende a uma forma final, qual seja a aquisição do pensamento
operacional formal. Isto é, em cada fase de desenvolvimento, a
criança consegue uma determinada organização mental que lhe
permite iidar com o ambiente. Esta organização mental (equilíbrio)
será modificada à medida em que o indivíduo conseguir atingir
novas formas de compreender a realidade e de atuar sobre ela,* e
tenderá a ... uma. forma final que será atingida na adolescência e
que consistirá no padrão intelectual que persistirá durante a idade
adulta. Não que o desenvolvimento intelectual atinja um ápice na
adolescência e depois ocorra uma estagnação. Nada disso. Simples
mente, o que ocorre é que, uma vez atingido o grau de maturidade
mental representado pela oportunidade de realizar operações mentais
formais, esta será a forma predominante de raciocínio utilizada pelo
adulto. Seu desenvolvimento posterior consistirá numa ampliação
de conhecimentos tanto em extensão como em profundidade, mas
não na aquisição de novos modos de funcionamento mental.
62
Podemos dizer que o adulto atinge uma forma de equilíbrio
com o ambiente. Conseguiu desenvolver estruturas e modos de
funcionamento dessas estruturas que lhe permitem viver num estado
de equilíbrio satisfatório com o ambiente. Este não será, entretanto,
um equilíbrio estático, mas sim, um equilíbrio dinâmico. Isto porque,
a todo momento as pessoas estão sendo solicitadas a solucionar
situações e problemas novos. A cada solicitação este equilíbrio é
rompido e ocorre uma movimentação das estruturas mentais no
sentido de solucionar este desequilíbrio e atingir novamente o estado
de equilíbrio. Este será conseguido no momento em que o problema
for solucionado. No caso do adulto, para se equilibrar, ele utilizará
sempre o mesmo tipo de estrutura e o mesmo tipo de funcionamento
dessas estruturas, No caso_da criança, ela poderá não apenas se
utilizar dos recursos já existentes, mas desenvolver novos processos
de funcionamento mental. E é neste sentido que podemos dizer
que o desenvolvimento consiste numa passagem constante de um
estado de equilíbrio para um estado de desequilíbrio — para um
equilíbrio superior no sentido de que a criança terá desenvolvido
uma maneira mais eficiente (poderíamos até dizer, mais inteligente)
de lidar com seu ambiente.
63
senvolvimento, isto é, consideram o curso de aquisição de compor
tamentos, aptidões, sentimentos, conhecimentos, etc., relativamente
fixo para a maioria das crianças, existem entre as duas posturas
diferenças fundamentais.
Üma deías se refere ao fato de que para Freud a criança não
tomará jparte ativa na determinação da seqüência de suas fases de
desenvolvimento. Estas ocorrerão, basicamente na mesma idade, para
todas as crianças e se caracterizarão, principalmente, pelo investi
mento da libido em uma ou outra região do corpo. É como se esta
seqüência de desenvolvimento e de integração da personalidade es
tivesse pré-fixada e seguisse um curso natural acompanhando a
própria maturação física da criança. Existe, portanto, um parale
lismo muito forte entre o biológico e o psicológico, quase que se
poderia dizer que o próprio crescimento biológico irá determinar
em que fase de desenvolvimento psicológico a criança estará. Esta
parece ser considerada um indivíduo passivo em seu próprio pro
cesso de desenvolvimento.
No caso de Piaget, não há dúvida também que o crescimento
orgânico, a maturidade neurológica e fisiológica geral seja um dos
determinantes fundamentais do desenvolvimento psicológico, mas
este não será dado à criança. Ela é quem irá construir seu cresci
mento mental. A criança é vista como agente de seu próprio desen
volvimento. Ela irá construí-lo a partir dos quatro determinantes
básicos, já citados anteriormente (maturação, estimulação do am-
biente físico, aprendizagem social e tendência ao equilíbrio); e este
processo é observado em todas as crianças. Ó que ocorre — e é
também o que nos permite falar em estágios ou períodos de desen
volvimento — é que como a maturação é um dos elementos básicos
do processo de desenvolvimento, e que a grande maioria das crian
ças de uma dada cultura amadurece seus processos biológicos e
psicológicos, em faixas etárias aproximadas, as estruturas mentais
e os seus mecanismos funcionais acabam sendo comuns à grande
maioria das crianças de uma mesma idade cronológica.
Assim, o desenvolvimento, para Piaget, irá seguir determinadas
etapas (fases, períodos ou estágios) caracterizadas pela aparição
de estruturas originais e de uma determinada forma de equilíbrio,
que. dependem das construções anteriores, mas dela se distinguem,
Podemos dizer que “o essencial dessas construções sucessivas per
manece no decorrer dos estágios ulteriores, como subestruturas
sobre as quais se edificam as novas características” (Piaget, 1964).
Assim sendo, no adulto permanecem elementos adquiridos nas
fases anteriores e é isto que justifica a grande riqueza de comporta
mentos e ajustamentos observados nas várias situações, O adulto,
64 U -
por ter atingido a sua forma final de equilíbrio, qual seja, a possi
bilidade de pensar abstratamente_ sobre situações hipotéticas, de
modo..lógico, poderá tanto conceber uma nova teoria científica ou
doutrina filosófica, como agarrar com suas mãos um determinado
objeto, que deseje. Assim estará no primeiro caso, utilizando uma
forma superior de equilíbrio (operações, ló^co-f ormais) adquirida
na adolescência, e no segundo, um esquema sensorial-motor, adqui
rido nã infância inicial.
Podemos dizer então que, cada fase corresponde a determina
das características que são modificadas em função da melhor orga
nização. Cada estágio constitui uma forma particular de equilíbrio,
efetuando-se a evolução mental no sentido de uma equilibração
sempre mais completa e de uma interiorização progressiva.
O desenvolvimento se inicia a partir do equipamento inicial
(reflexos, inatos) que vão gradualmente (no primeiro ano de vida)
se transformando. em_.„esquemas^ .seA&omis...motores -.rudimentares.
Estes esquemas incluem ações motoras explícitas, sendo, portanto,
uma forma de inteligência exteriorizada. que irá se modificar, ao
longo do tempo, no sentido de uma interjorização gradual. cami
nhará para um desligamento progressivo da ação e para a formação
de esquemas conceituais que supõem uma ação mental.
Na fase pré-operacional. que se segue à sensório-motora e cor
responde aproximadamente à faixa etária que vai dosji. aos 7 anos,
a criança irá formar esquemas simbólicos que representam cópias
internalizadas dos esquemas sen^ório-motores. Por este motivo, como
veremos mais detalhadamente nos capítulos subseqüentes, este pe
ríodo é considerado de transição e se caracteriza por um equilíbrio
instável. Já no período seguinte, o operacional concreto, os conhe
cimentos a respeito da realidade externa adquiridos na fase anterior
sao gradualmente trânâfonnâd.os em verdadeiros esquemas concei
tuais. Isto é, na idade escolar (7-11 anos) a criança iá forma es
quemas conceituais e já trabalha com eles de .acordo com os prin
cípios. da lógica, mas ainda depende da existência dos objetos no
mundo exterior. Forma, portanto, esquemas mentais daqueles objetos
que têm existência concreta. Só no período seguinte, denominado
período de operações. Jormais (adolescência) é que a criança atin
girá os objetivos básicos de seu desenvolvimento mental, qual sejam
pensar abstratamente, pensar sobre situações hipotéticas de modo
lógico e organizar regras, em estruturas mais complexas. Será,
portanto, na adolescência que o sujeito atingirá sua forma final de
equilíbrio e isto será possível pela formação dos eso.uemas concei
tuais abstratos. Isto significa que apenas neste estágio o sujeito será
3.3.3. Período das operações concretas (7-11, 12 anos)
72 C0 ■'
fichas permanece igual nas duas fileiras, apesar da mudança na
disposição das mesmas.
No que se refere à conservação de volume, massa e peso, a
criança perceberá, não só que não houve alteração como também
que _a ojg|Êração_ pode ser invertida, isto é, que se voltarmos a
colocar a água no L ° recipiente o nível será igual. O mesmo vale
para o caso da massa e do peso. A criança entende, portanto, tanto
a operação direta como a inversa como fazendo parte de um mesmo
sistema e isto consolida o pensamento da criança numa estrutura
lógica, que Piaget denomina agrupamento. Este termo, assim como
outros utilizados por ele, tem origem lógico-matemática e não clara
mente psicológica. Isto porque, para ele, certas estruturas lógico-
matemáticas se prestam para explicar a organização das estruturas
cognitivas nesta fase e na seguinte (de operações formais). Dada
a complexidade do conceito de agrupamento, não iremos, neste
momento, entrar em detalhes.
Diremos apenas que um agrupamento se refere a um tipo de
organização lógica entre os seus elementos, de tal forma que existem
leis que regulem a relação de cada elemento com os demais,
lembrando que estas relações devem ser reversíveis. Para exemplificar,
a capacidade para organizar séries e classes (a nível comportamental)
pressupõe que a criança possua, em torno de oito anos, o agrupa
mento de soma de classes lógicas (a nível mental). O termo
agrupamento se refere, portanto, a leis que organizam e regulamentam
a utilização dos esquemas conceituais adquiridos nesta fase, e que
são responsáveis pela coerência agora observada no pensamento
da criança.
No que se refere à linguagem, verificar-se-á um acentuado
declínio da linguagem egocêntrica até seu completo desaparecimento.
Isto significa que, se no início da fase, em torno de 7 anos ainda
podemos observar eventuais manifestações de egocentrismo na lingua
gem, isto não mais ocorrerá nos anos subseqüentes, quando então
poderemos dizer que a linguagem já será totalmente socializada.
Quanto ao desenvolvimento social, que não só ocorre parale
lamente ao.rintelectual, mas jjue=,„sfe_ constitui num dos. seus. fatores
mQjLivâáote.s, poderemos observar também progressos significativos.
Ocorrerá diminuição no egocentrismo social, e a criança já terá
capacidade para perceber que outras pessoas tem pensamentos,
sentimentos e necessidades diferentes dos seus. Isto levará ao
desenvolvimento de uma interação social mais genuína e mais
efetiva tanto com seus pares como com os próprios adultos. Pela
flexibilidade mental que está agora adquirindo passará a entender
regras de jogos e isto modificará em parte as brincadeiras preferidas,
73
objetos neles contidos, bem como sua interrelação e a percepção
de si mesmo como um objeto espacialmente colocado e integrado);
da causalidade (reconhecer as relações de causalidade entre si, obje-
, tivando causas para os acontecimentos) e a objetivação das séries
temporais.
Assim ao final do período, embora a criança permaneça bas
tante egocêntrica, autocentralizada em seu entendimento da reali
dade, já terá realizado uma boa caminhada no sentido de conheci
mento e adaptação à realidade, embora permaneça bastante limi
tada em suas possibilidades intelectuais. Terá conseguido atingir
uma forma de equilíbrio, isto é, terá desenvolvido recursos pessoais
para resolver uma série de situações através de uma inteligência ex
plícita, ou sensório-motora.
□ □ □ □ □ □ □ □ □ □
□ □ □ □ □ □ □ □ □ □
O mesmo ocorrerá em relação à conservação de volume, massa
e peso. Em relação à conservação de volume, se despejarmos, na
frente da criança, uma certa quantidade de água de um copo baixo
e largo para um copo alto e fino ela não perceberá que a quantidade
de água não foi alterada. Isto porque em função da ausência de
esquemas conceituais e da noção de conservação ou invariância a
criança julgará peío que vê. E no caso do copo alto e fino, o nível
da água será mais alto.
69
Em relação à conservação de massa, se fizermos duas bolinhas,
com massinha de modelar, e uma delas for transformada em salsi
cha, a nossa criança pré-operacional não entenderá que não houve
mudança na quantidade de massa.
O O Oo
Além destas provas clássicas, Piaget realizou inúmeras outras
que demonstraram empiricamente a ausência do pensamento con
ceituai e das noções de conservação e invariância na criança em
idade pré-escolar. Como estas são premissas básicas para a reali
zação das operações mentais o período foi denominado pré-ope
racional.
O que se verifica é que estas provas têm sido repetidas por
pesquisadores, psicólogos e professores em vários locais do mundo
e os resultados têm confirmado aqueles obtidos por Piaget na Suíça.
O que varia algumas vezes é a idade em que os conceitos são adqui
ridos pelas crianças e esta variação (que não é muito grande) pode
ser explicada por uma estimulação social e educacional mais rica
e mais adequada.
Quanto ao aspecto social, vemos como característica marcante
desta fase, o início do desligamento da família em direção a uma
sociedade de crianças. Isto é, se quando bebê o contato social—se
restringia às pessoas da família e algumas outras, na fase pré-escolar.
a criança começará a se interessar por outras de sua mesma idade.
70
Mas, o tipo de relacionamento se caracteriza por um brinquedo
paralelo, um fazer coisas juntos, mas sem uma interação efetiva.
Assim, é freqüente observarmos várias crianças brincando juntas
com carrinhos, bonecas, ou areia, mas cada uma delas está brincando
sozinha. Isto decorre..de seu egocentrismo, de sua dificuldade, de
considerar .o outro como uma pessoa com sentimentos, atitudes e
vontades diferentes das .suas próprias. Existe um tipo de extensão
de si mesmo para os demais. É como se a criança concentrada em
sua própria atividade não pudesse perceber que outras pessoas estão
fazendo, sentindo ou pensando coisas diferentes. É difícil, por
exemplo, para o adulto explicar a uma criança de quatro anos que
ele não quer passear ou brincar por estar cansado. Pois a criança
está presa às suas próprias perspectivas, no caso, desejo de passear
ou brincar, e não consegue perceber que o outro não está. Outro
exemplo ainda de egocentrismo social observado com freqüência
por todos que trabalham com crianças pequenas se refere à situação
em que uma começa a chorar e várias outras exibem o mesmo
comportamento, sem causa aparente.
No que se refere à linguagem, o que se nota é a presença
concomitante de linguagem socializada (um diálogo verdadeiro, com
intenção de comunicação) e aé linguagem egocêntrica (aquela que
não necessita necessariamente de um interlocutor, não tem função
de comunicação). O que se pode observar é que quanto menor a
criança, maior a porcentagem de linguagem egocêntrica em relação
à linguagem socializada. Àj&edida que ela vai crescendo a evolução
da linguagem se dá no sentido de uma maior socialização, mos
trando mais uma vez que toda a tendência do desenvolvimento em
seus vários aspectos se dá no sentido da interiorização e da socia
lização^ Isto porque, para Piaget, a linguagem socializada é aquela
que pode ser compreendida pelas outras pessoas de uma mesma
cultura. E para ele todo pensamento adulto é socializado, no sentido
de ser construído de tal forma, que se for verbalizado será com
preendido pelo interlocutor.
A fase pré-operacional é considerada como de transição tam
bém jno ,aspecto de linguagem, pois observamos com freqüência a
criança falando sozinha, enquanto brinca ou realiza uma atividade
qualquer (monólogo), a criança fala o que está fazendo. Exemplo:
enquanto come diz: “nenê papa” ou enquanto brinca “o carrinho
vai para a garagem” ; “a boneca está com frio e vou trocar sua
roupa” ; “estou fazendo bolo de chocolate”. Esta verbalização que
acompanha a ação pode ser entendida como um treino dos esque
mas verbais..recém-adquiridos e como uma passagem graduaL,dç?
pensamento explícito (motor) para o pensamento interiorizado.
71
3.3.3. Período das operações concretas (7-11, 12 anos)
72 C0 ■'
fichas permanece igual nas duas fileiras, apesar da mudança na
disposição das mesmas.
No que se refere à conservação de volume, massa e peso, a
criança perceberá, não só que não houve alteração como também
que _a ojg^ação_ pode ser invertida, isto é, que se voltarmos a
colocar a água no L ° recipiente o nível será igual. O mesmo vale
para o caso da massa e do peso. A criança entende, portanto, tanto
a operação direta como a inversa como fazendo parte de um mesmo
sistema e isto consolida o pensamento da criança numa estrutura
lógica, que Piaget denomina agrupamento. Este termo, assim como
outros utilizados por ele, tem origem lógico-matemática e não clara
mente psicológica. Isto porque, para ele, certas estruturas lógico-
matemáticas se prestam para explicar a organização das estruturas
cognitivas nesta fase e na seguinte (de operações formais). Dada
a complexidade do conceito de agrupamento, não iremos, neste
momento, entrar em detalhes.
Diremos apenas que um agrupamento se refere a um tipo de
organização lógica entre os seus elementos, de tal forma que existem
leis que regulem a relação de cada elemento com os demais,
lembrando que estas relações devem ser reversíveis. Para exemplificar,
a capacidade para organizar séries e classes (a nível comportamental)
pressupõe que a criança possua, em torno de oito anos, o agrupa
mento de soma de classes lógicas (a nível mental). O termo
agrupamento se refere, portanto, a leis que organizam e regulamentam
a utilização dos esquemas conceituais adquiridos nesta fase, e que
são responsáveis pela coerência agora observada no pensamento
da criança.
No que se refere à linguagem, verificar-se-á um acentuado
declínio da linguagem egocêntrica até seu completo desaparecimento.
Isto significa que, se no início da fase, em torno de 7 anos ainda
podemos observar eventuais manifestações de egocentrismo na lingua
gem, isto não mais ocorrerá nos anos subseqüentes, quando então
poderemos dizer que a linguagem já será totalmente socializada.
Quanto ao desenvolvimento social, que não só ocorre parale
lamente ao.rintelectual, mas „que=msfc_ constitui num dos. seus. fatores
moMvâàores, poderemos observar também progressos significativos.
Ocorrerá diminuição no egocentrismo social, e a criança já terá
capacidade para perceber que outras pessoas tem pensamentos,
sentimentos e necessidades diferentes dos seus. Isto levará ao
desenvolvimento de uma interação social mais genuína e mais
efetiva tanto com seus pares como com os próprios adultos. Pela
flexibilidade mental que está agora adquirindo passará a entender
regras de jogos e isto modificará em parte as brincadeiras preferidas,
73
pois na idade pré-escolar, em função das limitações já citadas,
estes jogos não eram compreendidos pela criança.
Quanto ao desenvolvimento dos julgamentos .morais, observare
mos mais uma vez uma tendência para a interiorização, pois se
na fase pré-escolar os julgamentos eram feitos em função do ato
efetivamente praticado, já agora as intenções do sujeito passam a
ser levadas em consideração.
Assim, vemos uma criança que caminha lenta, mas decisiva
mente, de um estado de indiferenciação, de desorganização do
pensamento e de autocentralização, para uma compreensão lógica
e adequada da realidade que lhe permite o percebe-se como um
indivíduo entre outros, como um elemento de um universo que
pouco a pouco passa a estruturar pela razão. O pensamento é,
sem dúvida, para Piaget, um dos aspectos centrais nã adaptabilidade
do homem ao seu meio circundante.
3.4 Bibliografia
75
Capítulo 4
Modelo da aprendizagem social
Cláudia Davis
76
o produto desta análise e, principalmente, de criar, planejar e
prever suas ações futuras, torna-se imperioso o estudo de tais
processos. Assim sendo, procura-se, hoje, desenvolver técnicas que
permitam a análise cuidadosa do pensamento e dos mecanismos de
que este se utiliza para controlar a ação.
Um segundo aspecto importante da Teoria da Aprendizagem
Social é a ênfase que se dá aos processos auto-regulatórios. Nesta
abordagem, os indivíduos não são organismos meramente passivos,
sujeitos a um constante bombardeio de estímulos ambientais. Ao
contrário, são organismos ativos, capazes de focalizar, selecionar e
organizar, dentre estes estímulos, aqueles que consideram relevantes.
Neste sentido, as pessoas podem exercer, através de induções e
efeitos autoproduzidos, uma certa influência sobre seu próprio com
portamento. Na medida em que a Teoria da Aprendizagem Social
reconhece a capacidade individual de direcionar o curso da ação,
o sujeito passa a ser visto como o principal agente de sua própria
mudança. Desta forma, a pesquisa, nesta área, tenta desenvolver
paradigmas que propiciem uma análise das condições que facilitam
o exercício do autocontrole e das variáveis que atuam no processa
mento destas condições.
Fica claro, então, que a explicação do comportamento humano
está centrada em uma interação contínua e recíproca entre fatores
ambientais, comportamentais e cognitivos. Desta forma, a Teoria
da Aprendizagem Social afirma que as pessoas nem são totalmente
livres para seguirem seu próprio caminho, nem totalmente impossibi
litadas de participar da determinação de seu destino. Chega-se
assim, na teoria, a um novo equilíbrio, deixando margem para que
os indivíduos possam, em certa medida, ampliar ou restringir seu
curso de vida pessoal. Neste determinismo recíproco, as pessoas,
tanto como o ambiente, devem ser variáveis estudadas, uma vez
que um fator tem sempre um impacto sobre o outro.
78
Como já foi dito, as características básicas deste processo de
aprendizagem seriam:
a) inexistência de reforço externo direto.
b) possível, e mesmo provável, defasagçm entre observação e emissão
da resposta.
De acordo com esta abordagem, grande parte da aprendizagem
humana depende de processos perceptuais e cognitivos, tais como
atenção às feições distintivas de um determinado evento, e da
^observação do meio físico-social. Desta forma, o reforço direto
da própria ação do sujeito é somente uma das variáveis que atuam
no processo de aquisição de novos padrões de resposta. Dados
de laboratório (Deutsch e Deutsch, 1966) mostram que mesmo
organismos mais primitivos podem aprender um novo comporta
mento em situações onde são impedidos de manifestar a resposta
emitida por um modelo. É somente em uma segunda etapa —
após a observação do modelo, quando as restrições são retiradas
— que a resposta se manifesta.
4.2 Aprendizagem e expectativas
O termo “expectativa” introduz no corpo teórico da aprendiza
gem social uma dimensão de ordem cognitiva. Este conceito foi
elaborado por J. B. Rotter (1954) para se referir às expectativas
pessoais que diferentes sujeitos mantêm em relação às conseqüências
futuras de suas ações. Da mesma forma, o termo implica também
na noção de que os possíveis resultados de uma dada ação irão
receber diferentes pesos no sistema de valoração pessoal. Assim
sendo, na formulação de Rotter, a probabilidade de que um padrão
particular de comportamento venha a ocorrer, depende da expectativa
do sujeito em relação aos resultados que este comportamento
produzirá e do valor atribuído a estes resultados. Por exemplo,
uma criança se comportará de maneira agressiva se acreditar que
isto lhe trará uma maior atenção e uma maior interação com
diferentes elementos de seu meio ambiente. Implícita está, aí, a
idéia de que a criança atribui um valor positivo a tais conseqüências
do padrão de comportamento adotado. Da mesma forma, a mesma
criança evitará comportamentos agressivos se supuser que estes lhe
trarão, como conseqüência, castigos e desaprovação. Novamente, 6
necessário, para que isto ocorra, que a criança em questão atribu>
uma valência negativa aos resultados de seu comportamento.
Para que se possa prever qual o curso de ação a ser adotado,
é necessária uma estimativa dos valores e expectativas pessoais
que irão atuar na determinação das diferentes escolhas que se
apresentam como alternativas de comportamento ao sujeito. Neste
79
sentido, esta estimativa deve voltar-se para as experiências passadas
vividas pelo indivíduo em situações semelhantes. É na aprendizagem
anterior que está a chave para se descobrir como se formam as
expectativas e os valores. Entretanto, vale ressaltar que tanto
expectativas quanto valores são facilmente modificáveis por altera
ções na situação individual. Em virtude deste fato, criou-se o
termo “expectativa generalizada” para se referir a um grupo ou
conjunto de expectativas que parecem ser mais constantes, manten-
do-se estáveis ao longo de diferentes situações. Da mesma forma
que as outras, as expectativas generalizadas são produtos da expe
riência passada e, conseqüentemente, aprendidas.
4.3 Aquisição e desempenho: uma distinção necessária
Uma distinção importante feita pelos teóricos da aprendizagem
social seria a distinção entre aquisição e desempenho. Obviamente,
as pessoas sabem fazer coisas que, muitas vezes, não fazem em
situações rotineiras. Por exemplo, tanto os meninos como as meninas
sabem como se deve proceder para brincar de casinha. No entanto,
em nossa cultura, este tipo de brincadeira é levada adiante principal
mente pelas meninas. Em geral, os padrões culturais vigentes na
sociedade brasileira restringem às crianças do sexo masculino de
participar deste tipo de atividade. Nesta medida, é possível dizer
que existem diferenças significativas na freqüência com que crianças,
de sexos diferentes, apresentam tal comportamento. A partir desta
observação — de que existem grandes discrepâncias entre a capaci
dade das pessoas para executar determinadas ações e suas ações
propriamente ditas — parece útil distinguir-se entre aquisição e
desempenho.
Pode-se dizer que, em grande parte, a aprendizagem ou aquisição
de novos comportamentos é determinada por processos cognitivos
e sensoriais. A presença de fatores de reforço e incentivos parece
atuar, principalmente, como elemento facilitador da aprendizagem.
Decorre daí que a aprendizagem se processa de maneira mais
eficiente, se incentivos e reforços estiverem presentes. No entanto,
se isto não ocorrer, a aquisição de padrões diferentes de comporta
mento pode ocorrer da mesma forma. Assim, o tipo de informação
disponível, as regras, as habilidades e os padrões de resposta já
adquiridos, em suma, tudo aquilo que o indivíduo já conhece, parece
influir, de maneira mais acentuada, naquilo que ele é capaz de
fazer. Estes requisitos são, em sua maior parte, adquiridos através
de processos cognitivos e da observação do meio ambiente, não
dependendo, exclusivamente, de processos de condicionamento e
reforçamento direto.
80
O grande impacto de variáveis de reforçamento e da presença
de incentivos se dá naquilo que é chamado de desempenho, ou
seja, no comportamento observável. Estes elementos atuam, princi
palmente, na escolha de que respostas, dentre aquelas disponíveis
ao sujeito irão se manifestar. É claro que a seleção de um
determinado comportamento — entre tantos que a pessoa é capaz
de ter — depende de fatores motivacionais. É através dos resultados
que se acredita obter, como conseqüência de um dado curso de
ação, que se processa a seleção e escolha de comportamentos.
Alguns comportamentos podem se encontrar potencialmente
^presentes no repertório dos sujeitos mas, em função das condições
de estímulo, podem também não se manifestar. Retomando o
exemplo já dado, os meninos não brincam de casinha porque
esperam receber caçoadas e punições se fizerem isso. Por outro
lado, as meninas têm expectativas de que a mesma ação — brincar
de casinha — lhes propicie atenção e aprovação social. A resposta
“brincar de casinha”, embora se encontre potencialmente disponível
nos meninos, permanece inibida neles, uma vez que as condições de
incentivo não são suficientemente fortes para ativá-la. No entanto,
se houver alteração nestas condições, ou seja, se um reforçador
poderoso for introduzido na situação, a resposta acima poderá ser
prontamente obtida.
As expectativas das conseqüências que se espera atingir por
uma determinada resposta não são somente frutos da experiência
passada do sujeito. Ou seja, as expectativas individuais não dependem
exclusivamente dos resultados produzidos pelas próprias ações em
situações anteriores semelhantes. Os resultados produzidos pelos
comportamentos de outras pessoas são também variáveis importantes
na formação de expectativas, uma vez que estabelecem indícios
valiosos sobre o que pode acontecer ao sujeito caso se comporte
de igual maneira.
A probabilidade de se comportar de maneira semelhante ao
modelo aumenta, se for observado que tal resposta trará conseqüên
cias reforçadoras. Por exemplo, uma criança pode ver uma outra (obser
vação de um modelo) receber encorajamento e elogios por saltar
do trampolim mais alto da piscina do clube. Conseqüentemente, a
probabilidade de que ela também suba no trampolim e salte aumenta,
em função de ter observado o resultado produzido pelo modelo.
No entanto, caso o “modelo”, ao invés de elogios e atenção, tivesse
recebido castigo e punição, verificar-se-ia uma diminuição na probabi
lidade de a criança imitar aquele comportamento.
O experimento pioneiro na área da aprendizagem pela observação
de modelos (Bandura, 1965) tinha, como hipótese principal, a
81
atribuída a instruções, pistas contextuais, informações adicionais,
rótulos e nomes que o acompanhem. Por exemplo, o comportamento
manifesto será completamente diferente se a pessoa acreditar que
está presenciando um rapto como parte de um ensaio de peça
teatral. Uma lata, onde esteja escrito “formicida”, é um estímulo
distinto de uma lata igual, sem este rótulo. Portanto, o impacto
causado por um dado estímulo não é meramente função de suas
características físicas. De primordial importância é o significado
atribuído a estes estímulos. Nesta medida, é importante verificar
de que forma alterações nas condições de estímulo, ou seja, mudanças
contextuais alteram o comportamento das pessoas. Conseqüente
mente, grande parte da pesquisa na área tem-se concentrado em
verificar aquilo que o indivíduo faz em relação às condições nas
quais ele se encontra. Fica claro, então, que tanto os aspectos
singulares e únicos dos indivíduos como aqueles particulares e
específicos de cada situação são envolvidos na análise.
Na medida em que a Teoria da Aprendizagem Social privilegia
tanto os aspectos idiossincráticos dos indivíduos quanto os fatores
ambientais, não é de surpreender que psicólogos desta abordagem
venham enfatizando a importância da “avaliação cognitiva” das
situações. Por “avaliação cognitiva” entende-se a interpretação, ou
significado, que cada pessoa atribui aos estímulos com os quais se
depara. Esta interpretação pode ser substancialmente mudada pela
presença de instruções ou informações. Conseqüentemente, informa
ções podem afetar radicalmente tanto a aquisição quanto o desempe
nho das pessoas. Por exemplo, é muito mais fácil resolver um
problema se existirem instruções detalhadas de como fazê-lo. É
muito mais simples seguir um mapa para se chegar a um bairro
desconhecido da cidade do que se tentar acertar na base do ensaio
e erro. Da mesma forma, é muito mais eficiente usar uma receita
culinária, caso se queira fazer uma iguaria para o jantar.
Não somente informações alteram o comportamento humano.
Mudanças drásticas podem ser obtidas através de leituras — ou
de se escutar — sobre o comportamento de outras pessoas. Embora
a forma de atuação destes mecanismos seja ainda pouco clara, não
resta, hoje em dia, dúvidas de que processos simbólicos podem
alterar o significado dos estímulos. É interessante notar que os
processos cognitivos podem modificar o comportamento social, inde
pendentemente da observação de modelos reais. Modelos imaginários,
como os que se criam através da leitura, podem ser bastante
influentes, promovendo tanto a aquisição como a modificação de
respostas.
88
Como já foi dito anteriormente, qualquer teoria que ressalte
a importância das condições de estímulo pode ser facilmente inter
pretada como sendo uma que exclui a capacidade de autodireção
de sua visão da potencialidade humana. O homem seria considerado
como um organismo vazio, à mercê de forças externas, ou seja.
dos estímulos ambientais. Entretanto, embora basicamente preocupa
da com a co-variação entre mudanças nas condições de estímulo e
reforçamento e mudanças em respostas, teóricos da aprendizagem
social acreditam que é o homem — e não o estímulo ou a situação
— aquele que exerce a ação. .Desta forma, um dos pressupostos
básicos desta teoria é que a pessoa não é um agrupamento de
respostas automáticas, desencadeadas por estímulos ambientais.
Embora estes últimos tenham um impacto sobre a conduta humana,
os indivíduos são capazes de monitorar seu próprio comportamento.
Neste sentido, mudanças de comportamento também ocasionam
alterações no meio externo.
89
f- *'j Incentivo positivo
Não-incentivo
i
rç 2
I
I
■
i II
K l
| M eninos Meninas M eninos M eninas M eninos Meninas
Z M odelo recompensado M odelo punido Sem conseqüências
84
4.4 Desenvolvimento da personalidade segundo a visão da teoria da
aprendizagem social
85
que a pessoa se comporte de forma coerente, seria preciso que
seus comportamentos tivessem sido reforçados uniformemente em
distintas ocasiões. Ora, na maioria dos casos, comportamentos sociais
não estão sujeitos a esta regularidade de conseqüências. Por exemplo,
um homem pode se vestir de mulher, durante o carnaval, sem que
isto implique em conseqüências punitivas. Ao contrário, tal compor
tamento pode ser alvo de elogios, atenção e aprovação. A mesma
resposta, entretanto, poderá produzir conseqüências totalmente contrá
rias se ocorrer numa segunda-feira qualquer, num escritório ou
repartição pública. É, portanto, necessário que os indivíduos desen
volvam discriminações, muitas vezes sutis, para que se comportem
adequadamente, na vida em sociedade. A partir destas discriminações,
a pessoa passa a se comportar da forma X em um dado contexto, e
da forma Y, em um outro. Nesta medida, o princípio da coerência
não se mantém.
Os teóricos da aprendizagem social, conseqüentemente, propõem
que se deveria ressaltar a especificidade da resposta e não sua
coerência. Diferentes situações, na medida em que englobam diferentes
estímulos discriminativos, devem produzir diferentes respostas. Muito
raramente, um determinado padrão de resposta pode ser igualmente
reforçado em várias situações diferentes. De acordo com o princípio
de generalização, esta deveria ser a resposta mais constante no
repertório do indivíduo, manifestando-se com alta freqüência. Por
exemplo, uma criança pode ser reforçada pela família sempre que
adotar um comportamento dependente com relação ao adulto. Com
isto, ela pode se tornar um indivíduo sem iniciativa, inseguro e
constantemente indeciso, mesmo em relação a fatos insignificantes
de rotina diária. Entretanto, para que tal ocorra, é necessário
considerar que: 1) a família continue a representar para este
indivíduo a fonte básica de influência, ou seja, que nenhum outro
modelo venha a atuar, competindo com o modelo fornecido pela
família; 2) o comportamento dependente nunca, ou raras vezes,
traga conseqüências distintas, ou melhor, nunca seja, por exemplo,
punido. Como se pode ver, quando se trata de comportamentos
sociais, fica difícil encontrar-se regularidade de comportamentos em
situações que são muito diferentes entre si. Ao longo do processo
de interação social, diferentes modelos competem entre si, acabando
por produzir, como efeito, discriminações sutis sobre a adequação,
ou não, de determinadas respostas. Dependendo das condições de
estímulo, das conseqüências sofridas por modelos e das características
pessoais de cada um deles (tais como poder, prestígio, etc.), o
comportamento social vai ser mais ou menos constante.
Desta forma, uma pessoa pode ser doce, meiga e carinhosa
em determinadas ocasiões, e agressiva, rude e hostil em outras.
O conceito tradicional de personalidade tentaria explicar esta diversi
dade de comportamentos em termos de diferentes manifestações
de impulsos ou pulsões básicas. Na abordagem da aprendizagem
social, o comportamento manifesto é tomado “per si”: a pessoa é,
ou melhor, a personalidade desta pessoa é todo este conjunto de
comportamentos. Naturalmente, de acordo com a Teoria da Aprendi
zagem, estes comportamentos não ocorrem aleatoriamente. Cada
um deles é controlado por estímulos discriminativos: o grau de
formalidade da situação, as pessoas envolvidas, o lugar, a hora, a
ocasião. O fato. de a pessoa discriminar estes eventos todos não
implica em falsidade ou falta de contato com sua personalidade real.
Ao contrário, cada um destes diferentes comportamentos exemplificam
a história passada do indivíduo e sua aprendizagem anterior.
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atribuída a instruções, pistas contextuais, informações adicionais,
rótulos e nomes que o acompanhem. Por exemplo, o comportamento
manifesto será completamente diferente se a pessoa acreditar que
está presenciando um rapto como parte de um ensaio de peça
teatral. Uma lata, onde esteja escrito “formicida”, é um estímulo
distinto de uma lata igual, sem este rótulo. Portanto, o impacto
causado por um dado estímulo não é meramente função de suas
características físicas. De primordial importância é o significado
atribuído a estes estímulos. Nesta medida, é importante verificar
de que forma alterações nas condições de estímulo, ou seja, mudanças
contextuais alteram o comportamento das pessoas. Conseqüente
mente, grande parte da pesquisa na área tem-se concentrado em
verificar aquilo que o indivíduo faz em relação às condições nas
quais ele se encontra. Fica claro, então, que tanto os aspectos
singulares e únicos dos indivíduos como aqueles particulares e
específicos de cada situação são envolvidos na análise.
Na medida em que a Teoria da Aprendizagem Social privilegia
tanto os aspectos idiossincráticos dos indivíduos quanto os fatores
ambientais, não é de surpreender que psicólogos desta abordagem
venham enfatizando a importância da “avaliação cognitiva” das
situações. Por “avaliação cognitiva” entende-se a interpretação, ou
significado, que cada pessoa atribui aos estímulos com os quais se
depara. Esta interpretação pode ser substancialmente mudada pela
presença de instruções ou informações. Conseqüentemente, informa
ções podem afetar radicalmente tanto a aquisição quanto o desempe
nho das pessoas. Por exemplo, é muito mais fácil resolver um
problema se existirem instruções detalhadas de como fazê-lo. É
muito mais simples seguir um mapa para se chegar a um bairro
desconhecido da cidade do que se tentar acertar na base do ensaio
e erro. Da mesma forma, é muito mais eficiente usar uma receita
culinária, caso se queira fazer uma iguaria para o jantar.
Não somente informações alteram o comportamento humano.
Mudanças drásticas podem ser obtidas através de leituras — ou
de se escutar — sobre o comportamento de outras pessoas. Embora
a forma de atuação destes mecanismos seja ainda pouco clara, não
resta, hoje em dia, dúvidas de que processos simbólicos podem
alterar o significado dos estímulos. É interessante notar que os
processos cognitivos podem modificar o comportamento social, inde
pendentemente da observação de modelos reais. Modelos imaginários,
como os que se criam através da leitura, podem ser bastante
influentes, promovendo tanto a aquisição como a modificação de
respostas.
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Como já foi dito anteriormente, qualquer teoria que ressalte
a importância das condições de estímulo pode ser facilmente inter
pretada como sendo uma que exclui a capacidade de autodireção
de sua visão da potencialidade humana. O homem seria considerado
como um organismo vazio, à mercê de forças externas, ou seja.
dos estímulos ambientais. Entretanto, embora basicamente preocupa
da com a co-variação entre mudanças nas condições de estímulo e
reforçamento e mudanças em respostas, teóricos da aprendizagem
social acreditam que é o homem — e não o estímulo ou a situação
— aquele que exerce a ação. .Desta forma, um dos pressupostos
básicos desta teoria é que a pessoa não é um agrupamento de
respostas automáticas, desencadeadas por estímulos ambientais.
Embora estes últimos tenham um impacto sobre a conduta humana,
os indivíduos são capazes de monitorar seu próprio comportamento.
Neste sentido, mudanças de comportamento também ocasionam
alterações no meio externo.
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dos princípios da ciência positivista, ou seja, ela enfatiza ainda,
embora de maneira muito menos radical, o dado objetivo. Teóricos
desta abordagem consideram desnecessário postularem-se fases fixas
de desenvolvimento, atendo-se aos determinantes presentes do
comportamento.
4.7 Bibliografia
90
Capítulo 5
Conclusáo
91
básicas de todo o desenvolvimento? São dúvidas que certamente
surgirão ao leitor sério e crítico.
A impressão que nos resta é a de que, qualquer que seja a
linha mestra que nos pareça mais razoável, restarão dúvidas de inegável
valor científico. Sim, porque é nossa crença e nossa convicção de
que, justamente por estarmos numa época relativamente inicial do
estudo da criança e do adolescente, temos mais perguntas do que
respostas a oferecer.
Isto poderia ser desalentador, não fosse o grande número de
pesquisas práticas e teóricas em curso atualmente e que têm cami
nhado, a nosso ver, basicamente no mesmo sentido: o de reunir
os conceitos apresentados por cada modelo teórico numa visão
global do desenvolvimento; o de extrair de cada modelo os conceitos
fundamentais para se concluir que, longe de se contrapor, eles se
completam.
Exemplificando: na primeira etapa da vida denominada fase
oral por uns, período sensório-motor por outros, ou ainda infância
inicial por terceiros, as características, tarefas e aquisições a que
se referem são basicamente as mesmas. A diferença está mais no
enfoque, na teoria e na técnica do que no comportamento observado.
E, obviamente, a criança é a mesma, quer seja vista por um
psicanalista, por um cognitivista ou por um teórico da Aprendizagem
Social.
Somos da opinião de que uma mente inquieta é aquela que
mais tem oportunidade de crescer, de se desenvolver e de se aprofun
dar. Assim sendo, esperamos ter provocado, neste volume inicial,
dúvidas básicas no leitor, que serão esclarecidas — esperamos —
nos volumes seguintes. Isto porque, como tentaremos demonstrar
quando expusermos mais detalhadamente cada fase do desenvolvi
mento, o exame minucioso das várias propostas teóricas levará o
leitor à formulação de uma idéia básica e integrada deste tão
maravilhoso e por isto mesmo tão complexo processo — a evolução
de um ser imaturo, dependente, incapaz de garantir a própria
sobrevivência — para um indivíduo autônomo, inteligente, maduro
e, se possível, bem adaptado a seu ambiente social.