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Processo analítico e alteridade

na obra de André Green


Psychoanalytical process and Alterity in Andre Green’s
theoretical perspective

Resumo Neste artigo, a autora circunscreve a noção de alterida-


de na obra do psicanalista francês André Green, e reflete sobre
os seus destinos no processo psicanalítico. Na primeira parte
do artigo, a autora descreve o diálogo que A. Green manteve
com J. Lacan em torno da questão da subjetividade e do Outro,
para num segundo momento se aprofundar no processo analíti-
co, mostrando como o fenômeno de transferência induz a uma
apropriação subjetiva das alteridades internas e externas.
Palavras chave André Green; processo analítico; transfe-
rência; objetalização; alteridade.

Abstract In this paper, the author circumscribes the notion of


alterity using Andre Green’s theoretical perspective and reflects
about the vicissitude of the alterities in the psychoanalytical Talya S. Candi
process. Initially, the author describes the dialog that A. Green Pontifícia Universidade Católica
develop with J. Lacan around the question of subjectivity and de São Paulo (PUC-SP)
otherness, for in later stage deepen into the psychoanalytical talyasc@uol.com.br
process, showing how the transference induces objetalization
and integration of internal and external alterities.
Keywords André Green; psychoanalytical process; transfe-
rence; integration; alterity.

André Green e a psicanálise contemporânea

S
egundo o psicanalista francês André Green, a modernida-
de no âmbito da psicanálise surge pela conjunção de duas
fontes. Por um lado, as contribuições decisivas dos auto-
res pós-freudianos (particularmente M. Klein, W. Bion, J. Lacan
e D. W. Winnicott) à teoria freudiana e, por outro lado, os novos
horizontes da epistemologia científica do final do século XX, par-
ticularmente os que abraçam dentro da sua teoria a complexi-
dade e os paradoxos. A psicanálise contemporânea se encontra,
assim, no cruzamento dessas duas velhas novidades que ao pos-
sibilitar reunir diferentes tradições pós-freudianas num conjun-
to coerente nos permite falar em terceira tópica. Essa nova tópi-
ca contempla tanto as teorias da relação de objeto como as que
enfatizam o lado do sujeito freudiano da pulsão, desfazendo
assim antigas oposições entre o dentro e o fora, o intrapsíqui-
co e o intersubjetivo, possibilitando ampliar a reflexão acerca
de velhos problemas. A teórica psicanalítica não pode, no en-
tanto, se afastar da pesquisa clínica inerente André Green nos aproximaremos dessas al-
à produção do pensamento em psicanálise, a teridades e dos seus destinos no decorrer do
clinica desperta inquietações e exige constan- processo psicanalítico.
temente um processo de elaboração dos afe-
tos. Para Green, não existe apenas uma teoria Alteridade e o sujeito psicanalítico
psicanalítica da clínica, mas um pensamento Seguindo a tradição freudiana, André
clínico. Esse último decorre de um modo es- Green pressupõe que a pulsão, matéria-prima
pecífico e original de elaboração teórica pro- da sexualidade humana, é a matriz do sujeito
duzida pelo contato vivo com a experiência psicanalítico. Ela se manifesta para o núcleo
analítica. Essa racionalidade particular surge egoico arcaico como uma força cega,2 uma
a partir da perlaboração da atividade fantas- urgência basicamente inapreensível e irrepre-
mática do analista relativa à transformação sentável que procura vias de figurabilidade e
dos movimentos afetivos que se manifestam representatividade por meio das junções que
ao longo da sua escuta. Ao se configurar no ela consegue estabelecer entre diferentes
movimento de uma escrita, o pensamento modalidades representativas internas (como
clínico é caracterizado por sua capacidade de excitação, estados corporais, afeto, sensação,
convocar no leitor o processo associativo e de fantasias e traços perceptivos) e das ligações
evocar neste uma experiência afetiva relativa que vão se tecendo a partir da resposta3 que
a um momento da análise. a realidade externa e os objetos primários lhe
Essas perspectivas, clinica e histórica, fornecem. As moções pulsionais enraizadas
inerentes ao pensamento de André Green, no Id são o patrimônio da vitalidade do sujei-
nos permitem escutar e acolher a complexida- to, elas se manifestam como um caldeirão ca-
de das formações do inconsciente, que como dente, uma alteridade dolorida, excessiva na
Freud percebeu rapidamente a partir das suas sua essência, que submetem o self e deixam
primeiras observações com as histéricas, se o sujeito em um desamparo radical. Essas for-
manifesta como um reduto de irracionalidade ças pulsionais precisam, como Freud sugeriu,
e de atemporalidade que se alimenta de uma ser domesticadas e, para tal, convocam uma
lógica complexa e paradoxal. resposta que exige um trabalho psíquico por
A psicanálise, ciência do inconsciente parte dos objetos primordiais. Esse trabalho
humano, é por excelência o domínio das alte- do objeto vai modular os excessos, dar repre-
ridades, alteridades internas ao sujeito (cujo sentação à força e integrar as alteridades ao
paradigma é o próprio inconsciente) que o núcleo egoico incipiente do sujeito.4
submetem, alteridades externas que o inter- Ora, lembremos que em 1923 no texto O
pelam e o convocam. A essência do processo Ego e O id, Freud claramente se refere a duas
analítico para André Green reside na possi- categorias de forças distintas que incidem
bilidade sempre inquietante de entrar em na constituição egoica, categorias que po-
contato com essas alteridades que possuem dem ser divididas em entidades internas (Id,
um potencial traumático. Diz ele: “Farei a hi-
pótese de que o procedimento psicanalítico 2
“somos vividos por forças desconhecidas e
deveria aproximar-se da descoberta do Outro incontroláveis “, S. Freud, O ego e O Id (p. 37).
(interno e externo), e abrir a possibilidade de 3
A noção de resposta chama/convoca à noção de
amar, se separar e se reencontrar, sem riscos responsabilidade, tema que de alguma maneira
implica ética do cuidado.
catastróficos, mas sempre incluindo a incon- 4
No segundo capitulo do texto O ego E O Id, Freud se
tornável eventualidade de ter que enfrentar pergunta: como uma coisa se torna pré-consciente?
um luto” (2004, p. 1895).1 Neste artigo, com E a resposta seria ‘vinculando-se às representações
verbais que lhe são correspondentes , (FREUD, 1923

1
GREEN, André. L’idéalisation du processus analytique Obras completas, Ed. Imago, p. 34). Cabe dizer que as
et sa problématique veritable. In RFP, Tome LXVIII, representações verbais provêm da realidade Externa,
Paris, 2004, p. 1875. do discurso do Outro que atravessa o sujeito.

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afeto, sensações...) e entidades externas (os como aquilo que constitui o desejo incons-
outros materializados no Superego, o Real, ciente e consequentemente molda a subjetivi-
a cultura). Para Green, o sujeito freudiano se dade. Contudo, vale ressaltar que para Green
encontra submetida a duas alteridades que o , Lacan negligenciou a problemática do afeto
assujeitam e o exprimem, exigindo que ele se inconsciente , pois, em sua leitura de Freud ,
torne o operador5 de um incessante trabalho Lacan teria afirmado que o recalcado é for-
psíquico de objetalização e apropriação sub- mado pelo que Freud chamou de vorstellun-
jetiva, tanto dos impulsos internos como da gs reprasentanz, (traduzido para o português
Realidade externa. como representantes ideativos). Com base
Em relação ao teor e ao efeito dessas em estudos dos textos freudianos, Lacan
alteridades sobre o sujeito, André Green dia- traduziu o termo para o francês como repé-
loga com os desenvolvimentos teóricos do sentants de la représentation (representantes
psicanalista J. Lacan, estes diálogos o levam a da representação) e concluiu que esses repre-
incorporar o conceito lacaniano de Outro. sentantes podem ser igualados ao que na lin-
Já nos primeiros textos de Lacan, a no- guística se denomina de significantes. Os sig-
ção de alteridade encontra-se plenamente nificantes são, para Lacan, recalcados e caem
presente. Em um primeiro momento, a alteri- no inconsciente, onde estabelecem relações
dade surge ligada ao pensamento inconscien- com outros significantes recalcados, desen-
te que ele define como o discurso do Outro. volvendo uma rede complexa de ligações. Ao
Como esse outro discurso funciona? Como dizer que o inconsciente é estruturado como
chegou e se infiltrou no sujeito? Lacan explica uma linguagem, Lacan aponta para o fato de
a estranheza dessas formações, apontando que existiram relações entre os elementos
para o fato de que nascemos em um mundo inconscientes (os significantes linguísticos),
de discurso e linguagem que precede nosso ligações estas que são semelhantes às que
nascimento. Assim, muito antes de uma crian- existem em qualquer sistema linguístico.
ça nascer, existe um lugar para ela no univer- O inconsciente lacaniano não é nada
so lingüístico dos pais. Essas palavras, que re- mais do que uma cadeia de significantes,
fletem em muitos aspectos a inserção cultural como palavras, fonemas e letras, que se “des-
da família, constituem para Lacan o Outro da dobram” de acordo com regras muito preci-
linguagem (L’Autre du langage) que se conver- sas, nas quais o Eu não tem nenhum controle.
te em outros momentos da sua obra em o Ou- O inconsciente é concebido por Lacan em si
tro como linguagem. como Outro, uma alteridade estranha e inas-
Para Lacan, uma criança nasce em um similável. Ora, antes da ordem simbólica que
lugar preestabelecido no universo linguístico se instala com o surgimento do significante
dos pais e é dentro desse universo lingüístico linguístico, existe somente a dimensão do
que os desejos da criança serão moldados. Ve- que Lacan chamou de Real. O Real é o corpo
mos que a afirmação de Lacan é radical, pois biológico de uma criança antes do domínio da
para ele a criança não pode ter uma apropria- ordem simbólica. No curso da socialização, o
ção de si mesma antes da assimilação da lin- corpo é progressivamente escrito e sobres-
guagem. Ele se refere, portanto, à linguagem crito com significantes. Esta inscrição terá o
poder de localizar o prazer em determinadas
zonas, enquanto outras serão neutralizadas
5
“Concebo o sujeito como um operador falível e na pela palavra e persuadidas a se conformarem
maioria das vezes faltante, submetido ao trabalho com as normas sociais e comportamentais.
psíquico. O sujeito trabalha. É tudo o que ele sabe
fazer” GREEN, André. Répétition, Différence,
Levando, assim, a ideia de Freud sobre a per-
Réplication en Relisant au Delá du Principe de Plaisir versidade polimorfa às últimas consequên-
[1970]. In: La Diachronie en Psychanalyse. Paris: Ed. cias, Lacan acha possível ver o corpo de uma
Minuit, 2000, p. 94. criança como uma zona erógena contínua, na

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qual não haveria zonas privilegiadas e nenhu- se Outro que pode prover alguma resposta.
ma área onde o prazer estivesse circunscrito Lacan, segundo Green, optou pela solução de
de início. O Real de Lacan é, assim, sem zonas facilidade dizendo “o inconsciente é estrutu-
e subdivisões. Ele é constituído por um tecido rado como uma linguagem”, pois isto signifi-
indiferenciado, entrelaçado de maneira a ser cava que o Outro poderá trazer uma resposta
completo, não possuindo espaço entre os fios potencialmente “falante” à pulsão, reconsti-
que formam a sua matéria. tuindo a linguagem no lugar do inconsciente.
A divisão do Real em zonas separadas é Para Green, é necessário manter aberto o es-
resultado da ordem simbólica que corta a fa- paço que separa a pulsão e o objeto, susten-
chada do Real, criando entidades distintas que tando uma incompatibilidade radical entre a
organizam o corpo indiferenciado, puxando-o matéria-prima biológica que forma o amálga-
para dentro dos símbolos usados para descre- ma pulsional e a do Outro que é colocado no
vê-lo e desse modo conseguir aniquilar seu lugar singular a partir do qual deve responder
potencial traumático. Ao neutralizar o Real, o à reivindicação pulsional.
simbolismo cria a realidade, entendida como O fundamento da troca entre o objeto e
aquilo que é nomeado pela linguagem e pode, a pulsão será encontrar uma compatibilidade
portanto, ser apreendido, pensado e falado. lá onde, a priori, existia somente incompatibi-
A ‘construção social da realidade’ implica um lidade. Mesmo que, como Lacan, se coloque
mundo que pode ser designado e falado com a linguagem ao lado dos mal-entendidos,
as palavras fornecidas pela linguagem. O que sempre teremos um entendimento básico
não puder ser dito na sua linguagem não é que vem do uso das próprias palavras. Para
parte da realidade social, e a rigor não existe. Green, existe uma casualidade pulsional (uma
Na terminologia de Lacan, a realidade é um metabiologia) que não poderá ser traduzida
produto da linguagem: a linguagem cria coi- segundo as normatizações dos processos lin-
sas que não tinham existência antes de serem güísticos e que permanecerá como um núcleo
cifradas, simbolizadas ou verbalizadas. interno estranho e outro. Assim, teremos se-
Neste sentido, parte do processo psica- gundo Green, que levar em conta uma dupla
nalítico envolve claramente permitir ao pa- alteridade, a de si com as exigências de um
ciente colocar palavras onde havia somente corpo, ligadas ao pólo pulsional indizível e a
pura alteridade, e matéria-prima que resis- de si com o Outro (o objeto) que se manifesta
tiram à simbolização até então. A situação numa discursividade ordenada pelo desejo.
analítica convidará o paciente a transformar Assim mesmo quando a fala se desenvolve
experiências afetivas primitivas nunca (ou a partir de um processo de pensamento, ela
insuficientemente) verbalizadas, permitindo deve ser vista como o resultado de um tipo de
uma apropriação subjetiva dos afetos e da re- descarga pulsional e afetiva, que atesta para
alidade externa incognoscível na sua essên- o retorno vivo da matéria-prima corporal para
cia. André Green, próximo a Freud da segunda a linguagem: “É o investimento da formaliza-
tópica, insistirá em pensar no sujeito psicana- ção pela substância. O afeto é a carne do sig-
lítico tomado dentro da situação analítica por nificante e o significante da carne” (GREEN,
uma dupla alteridade, pois, aquém da alteri- 1973, p. 292).
dade que representa o Outro da linguagem, Colocar em relação essas duas polarida-
ele terá que se defrontar com o outro da an- des, intrapsíquica e intersubjetiva, constitui a
tilinguagem representado por uma força pul- essência do trabalho do negativo, que deter-
sional enraizada no corpo biológico. Existe, mina o trabalho feito pelo aparelho psíquico.
para Green, uma alteridade interna à alteri- Vale, contudo, ressaltar que, para Green, es-
dade que surge inevitavelmente pela hetero- tamos em um universo marcado por tudo que
geneidade entre a pulsão e o objeto, entre as se opõe à totalização e à plenitude e onde um
urgências do corpo e o estatuto singular des- conflito originário resiste a todas as transfor-

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mações possíveis realizadas pelo aparelho psí- se trata, portanto, de conhecer a realidade e
quico. Existe em todo pensamento greeniano definir os objetos internos ou externos no ab-
uma força mortífera silenciosa que luta ativa- soluto, pois eles vão permanecer desconheci-
mente contra o trabalho de simbolização. dos, mas vislumbrar as ligações que articulam
o dentro e o fora.
Processo analítico, objetalização e A terapia analítica não é um aconteci-
transformação mento pontual, ela se desenvolve num tempo
Em entrevista recente, André Green diz mais ou menos longo, tendo características
de maneira muito esclarecedora: “Com o tem- processuais. O objetivo do processo analítico
po, o psiquismo no seu conjunto foi se confi- é proporcionar um espaço e um tempo para a
gurando como nada mais do que uma forma- criação da vida psíquica e permitir o encontro
ção tampão entre o soma pulsional e o Real, com a negatividade – os aspectos desconhe-
de tal forma que, se não fôssemos humanos, cidos de si; é o reconhecimento dos impulsos
o choque frontal entre o soma e o real impe- e desejos que foram expulsos no inconsciente
diria qualquer diferenciação”.6 que vai permitir que sejam integrados ao nú-
Assim, num espaço intermediário entre cleo subjetivo. Este trabalho de apropriação
os extremos deste espectro que vai da alte- ou retorno, trabalho do negativo, diz Green,
ridade proveniente do completamente inter- se dá a partir de um fenômeno intrigante que
no (pulsão) para a alteridade formada pelo Freud descobriu e denominou de transfe-
completamente externo (o Outro), encon- rência. Cabe, no entanto, perguntar como a
tramos a vida psíquica que se caracteriza por transferência que se instala na relação com o
exercer as atividades do sonhar, do brincar analista pode se tornar um instrumento capaz
e do pensar e que se desenvolve a partir da de conter, apreender, figurar e vincular a ne-
elaboração do impacto emocional e da simbo- gatividade e as forças desligadas das alterida-
lização. Essas atividades psíquicas acolhem a des internas e externas?
dor provocada pela passividade radical, pro- A transferência foi descoberta no calor
porcionando uma maior mobilidade interna da clínica, quase acidentalmente e a contra-
e a liberdade necessária para a criatividade gosto. De início, o surgimento de desejos sur-
humana. A vida psíquica se caracteriza por preendentes dirigidos para o médico, que se
desenvolver um brincar criativo que tece vín- tornava repentinamente o objeto de intensos
culos, possibilitando captar numa estrutura afetos e estranhas representações, aparecia
triangular as alteridades desligadas prove- apenas como um obstáculo, uma resistência
nientes do mundo externo e interno, criando a ser superada no desenrolar do tratamento;
uma rede de reapresentações e fantasias que em pouco tempo, contudo, ela se tornou par-
amplia as potencialidades do processamento te operativa do processo analítico. Em 1900,
da vida emocional. O aparelho psíquico terá no caso Dora, Freud descreve a transferência
que desempenhar uma dupla tarefa: por um como uma resistência ao trabalho de análi-
lado, zelar pelo vinculo com o mundo exter- se, um impedimento para a continuidade da
no, exercer as funções que a realidade impõe, pesquisa da vida psíquica empreendida na
e por outro, inventar, construir um mundo in- atividade da associação livre do paciente. Ra-
terno no qual todo o campo do possível e do pidamente, ele percebe que a transferência
impossível está aberto. Esse duplo trabalho desloca para a situação analítica expectativas
de simbolização e transformação é viabilizado e fantasias ligadas aos desejos infantis que
pelo mecanismo de substituição, com todas são reatualizados pelo tratamento psicanalíti-
as suas potencialidades e seus limites. Não co. Deve-se compreender que cada individuo
possui um método especifico e muito parti-
GREEN, André. La lettre et la mort. Paris: Denöel,
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cular de conduzir a sua vida amorosa; é este
2004, p. 188. método que depende da ação combinada de

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sua disposição inata e das influências sofri- senrolar do processo analítico atesta para a
das nos primeiros anos de vida (as primeiras capacidade do deslocamento do investimen-
marcas psíquicas) que serão reveladas pela to libidinal e vai permitir explorar novas possi-
transferência. Ora, mais do que um conceito bilidades de experimentar o mundo. O meca-
metapsicológico, Freud considera esta intri- nismo de introjeção é tão fundamental para
gante reatualizacão da vida infantil como um o desenvolvimento psíquico que, segundo
fenômeno clínico que o pega de surpresa e Florence Guignard (1997, p. 91)7, o contínuo
o obriga a rever a sua teoria e a sua técnica. jogo que se instala entre os mecanismos de
Posteriormente, Freud (1912, 1914) percebe projeção e de introjeção constituem um pro-
que a transferência é uma formação psíqui- cesso que pode ser chamado de “verdadeira
ca que possui uma economia, uma dinâmica respiração psíquica”, pois a fluidez desses in-
e uma topografia propriamente ditas. No en- tercâmbios entre o dentro e o fora alimentam
tanto, foi um de seus colaboradores mais pró- o crescimento da vida psíquica e permeiam
ximos, o Dr. S. Ferenczi, que em 1909 tornou de maneira muito vasta todos as relações do
esse enigmático fenômeno clinico um concei- Eu – sujeito com o mundo interno e externo
to metapsicológico. Já para André Green, a alimentando a rede de representações psíqui-
transferência psicanalítica é uma das manifes- cas. Esta interação constante constrói tanto
tações da função objetalizante, função psíqui- o mundo interno do psiquismo infantil como
ca por excelência que trabalha a serviço das modela as imagens de uma realidade externa
pulsões de vida. sempre em movimento. O estatuto dos obje-
Retomando brevemente o desenvolvi- tos é sempre paradoxal, pois será possível co-
mento de Ferenczi, lembremos que em 1909, nhecer somente objetos que foram reexter-
em Transferência e introjeção, esse autor apro- nalizados após terem sido introjetados; antes
xima o fenômeno da transferência ao meca- desta primeira introjeção, os objetos, tanto os
nismo de introjeção e o define como sendo externos como os internos, são entes traumá-
um mecanismo de extensão do interesse e do ticos, alteridades alheias ao self. A constitui-
investimento libidinal ligado ao deslocamento ção do psiquismo se dá a partir do encontro
da excitação e de afetos sediados no núcleo da criança com outro humano semelhante
do Ego primitivo em direção ao mundo exter- que serve de apoio para a transferência dos
no. Ao deslocar a excitação pulsional para os movimentos pulsionais e é esta transferência
objetos do mundo externo, a introjeção toma que vai ativar a introjecão num movimento de
posse dos objetos do mundo para introduzi- retorno afetivo e vivo.
-los gradativamente na esfera do Ego e por- A tessitura da transferência psicanalíti-
tanto incluí-los na rede de circulação da ati- ca e seu dinamismo podem ser vistos como
vidade anímica e afetiva. O deslocamento de uma decorrência praticamente natural dos
energia acontece por intermédio do mecanis- processos que constituem o Ego e a vida psí-
mo de projeção, que transfere para os obje- quica. Ela adquire a sua força a partir de uma
tos externos os excessos de excitação sexual, compulsão própria do humano a deslocar,
que se tornam investidos de libido. Segundo transpor, substituir, transferir e procurar ob-
Ferenczi, os processos do Ego exploram toda jetos a serem investidos libidinalmente; é no
a gama de projeções e introjeções e o meca- percurso desta infinita procura que a pulsão
nismo dinâmico de todo amor objetal e de adquire a suas qualidades psíquicas, apro-
toda transferência sobre um objeto é uma priando-se de representações e fantasias das
extensão do ego e acontece pelo mecanismo alteridades do mundo.
da introjeção. A introjeção é um dos mecanis-
mos fundamentais da constituição do ego,
Guignard Florence (1997) : A identificação projetiva na
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da vida psíquica e do trabalho psicanalítico. A psicose e na interpretação in Cartas ao objeto, Imago,
manifestação da transferência durante o de- RJ, 2002.

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Essa compulsão a deslocar e substituir Como este deslocamento das forças
leva A. Green a postular a existência de uma acontece dentro da sessão analítica na re-
função psíquica objetalizante, função que lação com o analista que se dá basicamente
promove o deslocamento das excitações num encontro verbal organizado pela associa-
pulsionais em direção aos objetos, criando ção livre e a escuta flutuante? Retornando ao
vínculos e ligações. Essa função possibilita a funcionamento do processo analítico, Green
extensão do eu e a apropriação dos aspectos afirma que o processo analítico aciona um en-
inapreensíveis que se manifestam como uma quadre que ativa um dispositivo muito parti-
urgência pulsional, excitações excessivas que cular. O dispositivo de trabalho acionado pelo
procuram apaziguamento e satisfação. É a método psicanalítico procede a uma estraté-
esperança e a antecipação do encontro e da gia complexa para desencadear um movimen-
satisfação (a procura do objeto e do prazer) to linguístico que foi nomeado por Freud de
que vão movimentar o deslocamento da li- associação livre: o divã limita consideravel-
bido e promover as infinitas substituições. mente a quantidade da percepção, suprime a
Cabe, contudo, lembrar que a força da função visibilidade do objeto e restringe ao mínimo a
objetalizante precisará sempre superar uma descarga por via da motricidade. Esse disposi-
força que visa ao desligamento e que Green tivo concentra a força e aumenta a intensida-
chamou de desobjetalização, que trabalha a de das pulsões produzida pelo encontro ana-
serviço da pulsão de morte. É este jogo dia- lítico, impulsionando a ligação da força com
lético entre as forças de vida e de morte que as representações do objeto (algum aspecto
vai acontecer no processo analítico. A objeta- do dispositivo analítico) de tal maneira a pro-
lização amarra a excitação a um objeto, cujo mover a transformação em palavras e signos
vínculo vai ativar a transformação da energia linguísticos que possam ser organizados num
e o processo de simbolização: o fator deter- discurso mais ou menos coerente que chama-
minante desse processo é o investimento sig- mos de associação livre. Pelo lado do analista,
nificativo. Explicando a amplitude da função a sustentação do enquadre psicanalítico deve
objetalizante, Green afirma: ser vista como uma materialização, no espa-
ço e no tempo, da disponibilidade interna do
Isto não apenas significa que seu pa-
analista em ofertar uma escuta que possa
pel é criar uma relação com o objeto
acolher os investimentos significativos e ligar
(interno ou externo), mas que esta
os movimentos pulsionais sempre à procura
função se revela também capaz de
de objetos capazes de conter a angústia e de
transformar estruturas em objetos,
promover movimento e transformação. Essa
mesmo quando o objeto não está
disponibilidade interna primordial, consolida-
diretamente em jogo. Dito de outra
da nos anos de formação do analista, se torna
forma, a função objetalizante não se
a força de atração da produção expressiva e
limita às transformações do objeto,
da transferência dos movimentos pulsionais
mas pode fazer adquirir o estatuto
do paciente. Esse dispositivo exprime e au-
de objeto aquilo que não possui, no
menta a intensidade da força das pulsões, de
início, nem as qualidades, nem as
tal maneira a impulsionar o deslocamento e a
propriedades, nem os atributos do
transferência das intensidades, estimulando
objeto, desde que uma característica
as suas ligações. Uma das funções mais im-
essencial seja mantida no trabalho
portantes do enquadre psicanalítico é a de
psíquico realizado: o investimento
receber transferências e de criar investimen-
significativo” (GREEN, 1993, p. 118).8
tos significativos que possam pôr em marcha
8
André Green (1993): “ pulsion de mort, narcissisme a função objetalizante.
negatif, fonction desobjetalisante” in Le travail du A. Green descreve três categorias de
negatif”, Paris, Ed de Minuit, 1993. transferência que estão incluídas no que foi

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descrito por Freud como transferência psi- despertados na sessão, permitindo o fluxo
canalítica. Esta categorização visa a diferen- do movimento de transformação das forma-
ciar os níveis de representação psíquica das ções psíquicas ao longo do processo analíti-
forças pulsionais em direção à simbolização. co. A palavra vai adquirir significado somente
1. A transferência do somático ao psíquico9. : quando ela puder ter uma carga afetiva que
o deslocamento das urgências corporais em provém do encontro sempre inquietante com
afeto, sensações e fantasias. 2. Do psíquico um objeto capaz de responder à demanda de
para a linguagem ou pela linguagem: a trans- amor implicada na fala.
crição dessas matérias-primas em símbolos e
palavras que possam ser comunicadas verbal- Considerações finais
mente. 3. A transferência da linguagem para Para André Green, existe uma dupla al-
o objeto: o transporte desta quantidade em teridade, a tarefa da psicanálise é compreen-
direção a um objeto, o que pressupõe a sus- der que, mesmo sendo enraizada num corpo
tentação da esperança de uma resposta do biológico e vivida a partir de sensações corpo-
objeto interno/externo. rais, a sexualidade humana movida pela força
Essas transferências coexistem simul- da pulsão será sempre uma forma de alterida-
taneamente e dialeticamente ao longo do de, que implica em si a ideia de uma falta. É
processo analítico, importante para o proces- esta falta de objeto que vai se tornar o polo
so será detectar as cisões e clivagem. Como de atração da segunda alteridade constituti-
va do psiquismo. Essa dupla alteridade forma
existem forças que pressionam pelo desliga-
a matéria bruta do trabalho de psíquico que
mento e dispersão do impulso, essas transfe-
exige representação e relação. O ego é sub-
rências devem acontecer de ida e volta para
metido à pulsão e procura se ligar ao objeto
permitir a circulação entre o mundo interno
como seu complemento, assim se estabelece
e externo numa temporalidade complexa. O uma relação dialética entre a pulsão e o obje-
discurso analítico está completamente im- to. Nos anos 1990, após ter apresentado um
pregnado pelo passado, sustentado pela an- modelo dialético de relação para entender a
tecipação do futuro e se desenvolve no pre- complexidade da estruturação psíquica,11 Gre-
sente a partir do impacto da relação que o en começa a falar na dupla “objeto-pulsão” e
enquadre produz.10 descreve a relação dialética de complementa-
O vinculo do paciente com o analista (o ridade e oposição que existe entre a pulsão e
campo constituído pelos investimentos das o objeto: o conceito de pulsão não pode ser
transferências e das contratransferências) pensado sem a noção de objeto, no entanto,
materializado no espaço analítico propor- mesmo que o objeto seja parte da montagem
ciona continência aos movimentos afetivos pulsional, ele também deve ser concebido
como externo a esta montagem, para suprir
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Para D.W. Winnicott , o psiquismo é a elaboração as funções vitais do início do desenvolvimen-
imaginativa das funções corporais. A pulsão é uma
força enraizada no corpo e que ao se manifestar
to. Existe, portanto, um paradoxo insuperável
como uma urgência exige um trabalho psíquico entre o objeto e a pulsão: o objeto externo
para ser domada e ter uma primeira representação desperta a pulsão e revela a sua demanda,
ideativa no ego. No começo, para o bebê todas as mas é a ativação pulsional que, por sua vez,
próprias funções corporais (comer, dormir, defecar) exige a reposta do objeto e, posteriormente,
são vistas como entidades alheias ao self e que de
alguma maneira exigem o trabalho do objeto para se
serão as falhas de adaptação às demandas de
tornar próprio, o mesmo poderíamos pensar com pulsão que levarão o sujeito a ter consciência
relação às manifestações da puberdade. da existência da exterioridade do objeto.
10
Podemos lembrar aqui da definição do sonho
proposta pelo Freud: “É o substituto de uma cena
infantil modificada pela transferência em um modelo André Green (1993): “Hegel e Freud: éléments pour
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recente” S. Freud, L’interpretation des reves, Puf, une comparaison qui ne va pas de soi” in “Le travail
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A relação dialética entre a pulsão e o ob- do estatuto inicial do objeto. O objeto da ne-
jeto produz um círculo virtuoso: o objeto en- cessidade passa a ter o estatuto de objeto de
tra em uma relação com a atividade pulsional, desejo e de demanda. Finalmente, ele atingirá
que sai transformada pela resposta propor- a condição de objeto objetivamente percebi-
cionada por ele (o objeto), que provoca, por do (WINNICOTT) ou o estatuto de objeto ab-
sua vez, no seu retorno, uma transformação solutamente desconhecido.

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Dados do autor:
Talya Saadia. Candi
(PUC-SP)
Psicanalista em Consultorio particular

Recebido: 15/11/2011
Aprovado:25/09/2012

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