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DOSSIÊ A INOVAÇÃO QUE V EM DA Á FRICA

Com conteúdo da

É O FUTURO,
MAS NÃO
SE ASSUSTE
Pascal Finette,
chefe do
programa de
empreendedorismo
e inovação aberta
da Singularity
University

A REVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO EXECUTIVA


AS HABILIDADES INDISPENSÁVEIS PARA O MUNDO DIGITAL MBA AINDA VALE A PENA?
O QUE INTERESSA NA SINGULARITY UNIVERSITY E NA HYPER ISLAND
ENTREVISTA EXCLUSIVA: O FUNDADOR DO WEWORK EXPLICA COMO SERÁ A WEGROW
R E P O RTA G E N S

Fevereiro 2018 21 | Artigo


Guilherme Horn alerta para
Número 132 os limites do planejamento
06
Carta do editor 22 | La Nave decola
Madri quer descobrir o caminho
Foto de capa: Divulgação
das cidades inovadoras

28 | Entrevista
Zia Chishti e sua segunda empresa
de mais de US$ 1 bilhão

34 | Dossiê África
As boas ideias de startups africanas
atraem investidores

48 | É coisa séria
Os planos da Giphy, maior produtora
de GIFs do planeta

66 | Entrevista
Pascal Finette, da Singularity, e a
ambição de salvar o mundo

70 | Entrevista
Sofia Wingren, da Hyper Island, e a
54 | EDUCAÇÃO EXECUTIVA Instituições
importância de desaprender
de ensino radicais revolucionam
a preparação de gestores
72 | Crianças primeiro
As escolas infantis que educam para
o século 21
IDEIAS INTELIGÊNCIA INSIGHTS
80 | Entrevista
17 | A fila anda Miguel McKelvey, do WeWork, e as
Rotatividade nas
vagas pode beneficiar sacadas da WeGrow
a produtividade da
economia e o cidadão,
ensina a Suécia 82 | O que vale saber?
Em novo livro, o futurólogo Tim
SIGA O LÍDER O’Reilly avalia a IA e a educação
8 | Embraer 92 | A hora dela 94 | Telescópio
A negociação com a Oprah Winfrey explica A consultora Iza Dezon, 86 | A Didi acelera
Boeing cria muitas por que o mundo está da francesa Peclers,
possibilidades e alguns mudando e oferece aos O que a gigante chinesa fará após
antecipa tendências e
riscos para a joia da americanos um novo explica como observá- comprar a 99
indústria brasileira tipo de inspiração las no nascedouro
90 | O novo normal
Junte um meme racista, a festa da
O QUE É O G.LAB
O G.LAB elabora conteúdos de qualidade patrocinados por empresas que firma e um funcionário indignado
contratam seus serviços. Eles são identificados por expressões como
“apresenta”, “apresentado por”, “oferecimento”, “especial publicitário”,
“conteúdo publicitário”, “publieditorial” e “promo”.

4 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


DIRETOR GERAL Frederic Zoghaib Kachar
DIRETORA DE MERCADO ANUNCIANTE Virginia Any
DIRETOR EDITORIAL Fernando Luna

DIRETOR DE GRUPO AUTOESPORTE, ÉPOCA NEGÓCIOS, GLOBO RURAL E PEQUENAS EMPRESAS & GRANDES NEGÓCIOS Ricardo Cianciaruso

REDAÇÃO ÉPOCA NEGÓCIOS E PEQUENAS EMPRESAS & GRANDES NEGÓCIOS


DIRETORA DE REDAÇÃO: Sandra Boccia
EDITORES EXECUTIVOS: Marcos Coronato e Marisa Adán Gil
EDITORES: Dubes Sônego, Elisa Campos, Fabiano Candido, Marcelo Moura, Mariana Iwakura, Raquel Grisotto e Thomaz Gomes
REPÓRTERES: Adriano Lira, Barbara Bigarelli, Daniela Frabasile, Edson Caldas e Nayara Fraga
ESTAGIÁRIOS: Amanda Oliveira, Carina Brito e Mariane Reghin (texto)
DIRETORES DE ARTE: Alex Vargas Cassalho e Rodrigo Buldrini
ASSISTENTES DE REDAÇÃO: Mariana Alves da Silva e Sabrina dos Santos Bezerra

COLABORADORES: Alexandra Gonsales, Emily Canto Nunes, Guilherme Horn, Marcos Todeschini, Paulo Eduardo Nogueira, Patricia Oyama, Priscila Cruz,
Rodolfo Araújo e Soraia Yoshida (texto); Luiz Roberto Mendes Gonçalves (tradução); Anna Carolina Negri, Jefferson Dias, Leo Lemos e Rogério Albuquerque (fotografia);
Baptistão, Davi Augusto e Denis Freitas (ilustração); Jonatan Sarmento (infografista); Laís Rigotti (revisão)

ESTÚDIO DE CRIAÇÃO ESTRATÉGIA DE ESTRATÉGIA DIGITAL


DIRETORA DE ARTE: Cristiane Monteiro; CONTEÚDO DIGITAL COORDENADOR: Santiago Carrilho
DESIGNERS: Alexandre Zanardo, Clayton Rodrigues, GERENTE: Silvia Balieiro DESENVOLVEDORES: Alexsandro Macedo, Fabio Marciano,
Felipe Yatabe, Marcelo Serikaku e Verúcio Ferraz; Fernando Raatz, Fred Campos, Leandro Paixão, Marden Pasinato,
Carol Malavolta (estagiária) Marvin Medeiros e William Antunes

MERCADO ANUNCIANTE RIO DE JANEIRO


SEGMENTOS – TECNOLOGIA, TI, TELECOM, ELETROELETRÔNICOS, COMÉRCIO E VAREJO GERENTE DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA RJ: Rogerio Pereira Ponce de Leon;
GERENTE DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA: Ciro Horta Hashimoto; EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA: Daniela Nunes Lopes Chahim, Juliane Ribeiro
EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA: Christian Lopes Hamburg, Cristiane de Barros Paggi Silva, Maria Cristina Machado e Pedro Paulo Rios Vieira dos Santos
Succi, Jessica de Carvalho Dias e Roberto Loz Junior
BRASÍLIA
SEGMENTOS – BENS DE CONSUMO, ALIMENTOS E BEBIDAS,
GERENTE MULTIPLATAFORMA: Barbara Costa Freitas Silva;
MODA E BELEZA, ARQUITETURA E DECORAÇÃO
EXECUTIVO MULTIPLATAFORMA: Jorge Bicalho Felix Junior
DIRETORA DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA: Selma Souto;
EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA: Eliana Lima Fagundes, Fátima Regina Ottaviani, Giovanna
Sellan Perez, Paula Santos Silva e Selma Teixeira da Costa OPEC OFFLINE: Bruno Granja, Carlos Roberto de Sá e Douglas Costa;
OPEC ONLINE: Danilo Panzarini e Rodrigo Pecoschi
SEGMENTOS – MOBILIDADE, SERVIÇOS PÚBLICOS E SOCIAIS, AGRONEGÓCIOS, INDÚSTRIA,
SAÚDE, EDUCAÇÃO, TURISMO, CULTURA, LAZER E ESPORTE EGCN
DIRETOR DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA: Renato Augusto Cassis Siniscalco; CONSULTORA DE MARCAS: Olivia Cipolla Bolonha
EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA: Cristiane Soares Nogueira, Diego Fabiano,
João Carlos Meyer e Priscila Ferreira da Silva; DESENVOLVIMENTO COMERCIAL E DIGITAL
DIRETORA DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA: Sandra Regina de Melo Pepe; DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO COMERCIAL E DIGITAL: Tiago Joaquim Afonso;
EXECUTIVOS DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA: Dominique Pietroni de Freitas G.LAB: Caio Henrique Caprioli e Lucas Fernandes;
e Lilian de Marche Noffs
EVENTOS: Daniela Valente; PORTFÓLIO E MERCADO: Rodrigo Girodo Andrade;
PROJETOS ESPECIAIS: Guilherme Iegawa e Luiz Claudio dos Santos Faria
SEGMENTOS – FINANCEIRO E IMOBILIÁRIO
DIRETOR DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA: Emiliano Morad Hansenn;
AUDIÊNCIA
EXECUTIVOS MULTIPLATAFORMA: Ana Silvia Costa e Milton Luiz Abrantes
DIRETOR DE MARKETING CONSUMIDOR: Cristiano Augusto Soares Santos;
EESCRITÓRIOS REGIONAIS DIRETOR DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO COMERCIAL: Ednei Zampese;
DIRETORA DE NEGÓCIOS MULTIPLATAFORMA: Luciana Menezes Pereira; COORDENADORES DE MARKETING: Eduardo Roccato Almeida e
GERENTE MULTIPLATAFORMA: Larissa Ortiz; Patricia Aparecida Fachetti

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Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 5


E D ITO R I A L

QUE TIRO FOI ESSE?

D
esde que Bill Gates, Steve mesmo lugar em que educam os fi-
Jobs e Mark Zuckerberg sam- lhos. Crianças e cachorros aceitos
baram na cara dos inimigos nos novos escritórios. Eita louco. Vai
com seus famosos dropouts, mos- saber aonde vai dar.
trando que bom mesmo é ser aluno traz entrevistas com pessoas de na- O fato é que novas metodologias se
da Ivy League – só para entrar e sair cionalidades analógicas e digitais. multiplicam mais que dietas. Adeus,
rapidinho, pois importante mesmo Descobrimos que, no ensino médio e passividade e decoreba! Mas, por favor,
é mudar o mundo –, as coisas come- fundamental, instituições católicas e inglês continua fundamental, até para
çaram a complicar para a educação familiares estão cedendo lugar a fun- recitar os novos hits do momento: de-
executiva. É verdade que o formato dos de investimentos. As novas esco- sign thinking e hackathon. Desses en-
industrial (ou medieval?) de ensinar las de elite chegam chegando, com o contros, saem protótipos e vencedores.
das escolas muradas estava na corda espírito “quer causar, a gente causa”. Mas, claro, o importante é a vivência.
bamba desde o fim do século passado. Tratam professores como executivos O espírito de competição está down no
Mas agora sua morte foi finalmente e, no cardápio acadêmico, oferecem high society. O mesmo vale para estu-
decretada. Tudo vai mudar para no- até spiritual guidance. É o caso da dantes mais grandinhos. Para estes, o
vas e antigas gerações, que passaram WeGrow, a nova aposta de negócios cardápio acadêmico de velhas e novas
a vida fazendo maratonas de provas, do WeWork. Fomos até a Cidade do instituições oferece viagens cujos des-
foram atormentadas pela humilhante México conversar com um dos fun- tinos são, claro, centros de empreen-
recuperação, se mataram para entrar dadores do coworking mais famoso dedorismo. O medo de ficar obsoleto
em universidades famosas e se confi- do mundo, Miguel McKelvey, e fa- transformou o Silicon Valley em ponto
naram em salas geladas por um bom lamos sobre o novo modelo, que tem turístico. Nada como ir até o Facebook
par de anos (até aos sábados!) para por intenção desenvolver o espírito e postar uma selfie com o polegar das
atingir o clímax acadêmico e as siglas empreendedor nas criancinhas. Sim, curtidas ao fundo. Executivos e em-
MBA e Ph.D. no perfil do LinkedIn. empreendedorismo é o novo man- presas abrem seus bolsos na esperan-
Para entender um mercado que darim. Imagine só se eles resolvem ça de que outros abram suas cabeças.
virou de cabeça para baixo, e dar um abrir uma escola em cada unidade Pascal Finette, chefe do programa de
norte para estudantes e empresas, de coworking. Seria a realização do empreendedorismo e inovação aber-
fizemos uma edição globalizada, que sonho de toda família: trabalhar no ta da Singularity University, bem que

6 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


tenta fazer isso. Enfático, ele e muitos mas foi pular fases da industrializa-
outros recomendam aos líderes treinar ção e partir direto para os benefícios
os celebrados soft skills. Tudo bem, a da tecnologia, mesmo que os recur-
gente pode achar o resto na internet. sos usados por eles pareçam obsole-
Mas, por favor, não se esqueçam de denado no Boomerang. Seja como tos aos olhos das regiões mais ricas.
que o profissional mais desejado hoje for, em todos os continentes só se Se não há energia disponível em
nos Estados Unidos é o cientista de fala dessa nova espécie encontrada lugares remotos, os makers fazem
dados. E, até que seja possível fazer no “ecossistema”, conhecida como roteadores wi-fi alimentados por
upload de conhecimentos de matemá- founder. A Europa, desde o discurso energia solar e resistentes à água. Se
tica, a base formal ainda é obrigatória. do presidente Macron sobre a França os bancarizados são minoria, os mi-
empreendedora, decidiu investir em cropagamentos resolvem o proble-
NANODEGREES espaços gigantes para startups, como ma, mesmo usando redes 2G e 3G.
Na fissura aberta entre o velho e você verá na nossa reportagem sobre As oportunidades do continente são
o novo mundo, estamos todos nós, a La Nave, de Madri, na Espanha. Sai tantas que a China resolveu investir
que, na esperança de nos mantermos de cena a disputa entre as cidades US$ 60 bilhões na região em 2017 –
produtivos e provedores, não titu- com os prédios mais altos do mun- e empresas como IBM, Facebook e
beamos em gastar um punhado de do, para dar lugar à briga por qual Google já fincaram bandeira por lá
dólares em cursos de curta duração delas possui as aceleradoras mais para instalar data centers e redes de
nas novas mecas do aprendizado di- sexies, capazes de gerar emprego e fibra ótica, e colher dados para se-
gital. Singularity University, Hyper sentido para os jovens e milhares de rem analisados sob a perspectiva da
Island, Berlin School of Creative imigrantes, que conseguiram cruzar inteligência artificial. Só para nos
Leadership, entre outras, captaram as fronteiras geográficas e virtuais, lembrarmos que volumes imensos
o espírito da nossa época, e abalam mas não a do desemprego. de dados se transformam em infor-
estruturas pedagógicas com pro- Também fomos até a África para mação extremamente sofisticada – e
messas de rejuvenescimento de men- entender como o continente de in- possuí-los é a chave para se manter
talidade. Rumores dão conta de que fraestrutura precária, ataques ter- no pico do mundo, também conhe-
alguns, antes mesmo do fim do cur- roristas e conflitos políticos conse- cido como 1%. Enquanto não sabe-
so, já desistem do emprego, do côn- guiu encontrar um caminho entre mos se, no futuro, só vão existir dois
juge e da fé no fiat money. Isso sem problemas abissais e oportunidades únicos estados de espírito, o do em-
falar nas plataformas que oferecem galácticas. A resposta pode ser en- preendedor e o do desempregado,
“nanodegrees” (convenhamos, um contrada, por exemplo, em Nairóbi, me cabe um conselho: leia, comente
nome bem mais hype que diploma) a capital do Quênia, também conhe- e compartilhe as reportagens que
e nas startups que oferecem orien- cida como a Savana do Silício, cujo tratam dos negócios da sua época.
tação (me recuso a chamar de cur- fomento a startups atraiu investi-
so) por WhatsApp. Não, não é fácil mentos internacionais e uma posi-
sobreviver em um mundo em que ção bem melhor do que a do Brasil
crianças de 3 anos sabem usar os fil- no ranking Doing Business do Ban-
tros do Instagram, enquanto adultos co Mundial. A fórmula usada pelos Sandra Boccia | Diretora de Redação
sofrem para fazer movimento coor- africanos para resolver seus proble- sboccia@edglobo.com.br

fotos: reprodução Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 7


O TESOURO
BRASILEIRO
QUE VENHA A BOEING – MAS A
EMBRAER PRECISARÁ ZELAR POR
SUA PROPRIEDADE INTELECTUAL
MARCOS CORONATO

Há três anos, muito antes de se tornarem públicas


as conversas de associação entre Embraer e Boeing,
o consultor Wayne Plucker sugeriu uma nova forma
de avaliar a companhia brasileira. Ao investir com
arrojo no negócio de aeronaves militares, a Embraer
se diferenciava de sua concorrente mais tradicional,
a canadense Bombardier. “Em muitos aspectos, a
Embraer lembra uma versão pequena da Boeing”,
disse em 2015 Plucker, diretor da área de Defesa
da Frost & Sullivan. Tomara seja esse o futuro da
Embraer. O balanço da Boeing, além do lucro de
2017, tem projeções apetitosas para 2018. Incluem
faturar mais com serviços, avançar na parceria
com a Nasa, entregar quantidade inédita de aviões
comerciais, bater recorde de receita (aproximando-
se dos US$ 100 bilhões) e elevar em 15% a verba
destinada a pesquisa e desenvolvimento, para
US$ 3,7 bilhões. Bom que as duas companhias
continuem a negociar. “Consideramos realmente
importante a oportunidade que temos com
a Embraer”, disse o CEO da Boeing, Dennis
Muilenburg. Há dois poréns no caminho: o governo
brasileiro exige manter seu poder de veto sobre
decisões da empresa brasileira e os americanos têm
fama ruim no quesito transferência de tecnologia.
Qualquer acordo precisará mostrar qual será o ganho
da Embraer em propriedade intelectual.

8 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Divulgação


EMBRAER BOEING

6
bilhões é a estimativa de
receita líquida da Embraer
450
milhões, aproximadamente,
foram investidos pela
97 37
bilhões, aproximadamente,
é a expectativa de receita
,
bilhões é a projeção
da companhia de
em 2017 (divulgação empresa em pesquisa e da Boeing em 2018 verba para pesquisa e
prevista para 8 de março) desenvolvimento desenvolvimento

JUNTAS
O cargueiro militar
KC-390, maior
avião já fabricado
pela Embraer. A
Boeing já é parceira
na prospecção
de mercado e
assistência técnica

AO INVESTIR EM
TECNOLOGIA
MILITAR, A
EMBRAER SE
TORNOU MAIS
ATRAENTE PARA
A BOEING

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 9


COWORKINGS AO CUBO
BRADESCO E SANTANDER ADEREM AO MODELO MODERNINHO DE TRABALHAR
Bradesco e Santander entraram de vez na onda dos coworkings, inaugurada pelo Itaú Unibanco. O Habitat, do Bradesco, faz
sua estreia neste mês em São Paulo, com um espaço de 22 mil metros quadrados, com vistas espetaculares. Saiu do ppt com
65 empresas, mas com capacidade de abrigar outras 50. O Farol, do Santander, escolheu um prédio ícone, a torre do antigo
Banespa, e teve direito até a direção artística, do empreendedor e escritor Facundo Guerra. Também atraiu para lá a sede da
Endeavor. A briga entre os bancos promete. POR DUBES SÔNEGO

10 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Egberto Nogueira / imãfotogaleria


da nanotecnologia e de seu
irmão Hamílton Viana, um
químico pós-doutor em
engenharia de materiais,
desenvolveu uma espécie de
tinta que, quando aplicada a
uma folha de papel, assume
a função de impermeabili-
zante. A solução, chamada de
papel blíster, bate o alumínio
em quase tudo: é 57% mais
barata, 30% mais leve e tem
um índice de proteção contra
a umidade próximo ao do
metal. Depois de resolvida a
parte de baixo da embalagem,
a farmacêutica descobriu que
a mesma tecnologia poderia
ser adicionada no plástico

REMEDINHO
que protege a parte superior
do comprimido. O resultado

CONTRA POLUIÇÃO
foi um produto 45% mais
barato e com maior barreira
de proteção. Tanta inova-
ção despertou a atenção de
EMPREENDEDORA USA NANOTECNOLOGIA PARA CRIAR grandes empresas. A Na-
CARTELA DE MEDICAMENTO RECICLÁVEL E MAIS BARATA nomix, como foi batizada a
startup de Izabel, participou
dos programas de acelera-

Q
uando trabalhava para uma fabricante multinacional ção da Braskem, da Jasmine
de embalagens para remédios, a farmacêutica Izabel e da Fibria. Uma indústria
Fittipaldi vivia chateada. A indústria toda usava – e farmacêutica testa o produ-
ainda usa – cartelas de medicamentos caras e não reciclá- to. O interesse vai além da
veis. “Por que isso?”, perguntava Izabel aos colegas do setor. redução de custos. “Nossa
“Porque não há alternativa”, diziam eles. A fim de solucionar solução é 100% reciclável”,
o dilema, Izabel criou, primeiro, um substituto para a folha diz a empreendedora, hoje
de alumínio que cobre o fundo da embalagem. Com a ajuda feliz da vida. POR NAYARA FRAGA

1 TONELADA 1,6 WVTR* R$ 30/kg 18 MIL TONELADAS


por mês é a quantidade É o índice de passagem É o preço do papel É a quantidade de
que a Nanomix está de umidade que o blíster com tratamento cartelas de remédio
apta a produzir em sua plástico permite com nanotecnológico. jogadas fora no Brasil
fábrica em Guarulhos a nanotecnologia, O quilo do alumínio por ano. Elas não
(SP). O material é como inferior ao do plástico pago pelas são recicláveis, pela
uma tinta adicionada tradicional, 1,9 WVTR. farmacêuticas chega dificuldade em separar
ao papel e ao plástico. Quanto menor, melhor. a custar R$ 70. alumínio de plástico.
* transmissão de vapor d’água. Quanto mais próximo do zero, melhor é a barreira

12 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Jefferson Dias


AZARÃO
UM ACHADO ternamente, a empresa fisca-
liza os procedimentos feitos
BRASILEIRO
FRANCÊS pelos pacientes nos hospitais
e clínicas. Uma intervenção
SEGUROS DE SAÚDE PRECISAM cirúrgica cotada em R$ 6 mil CRESCIMENTO
DESESPERADAMENTE DE MELHOR e registrada como R$ 60 mil, E POTENCIAL
ANÁLISE DE DADOS. LEANDRO por exemplo, acende o alerta DA PAGSEGURO
ELIAS FOI LÁ, FEZ E FATUROU no software. Discrepâncias DESPERTAM A
básicas como essa são co- ATENÇÃO NOS
O fluxo de investimento
estrangeiro direto caiu
16% no mundo em 2017, mas
muns. Com milhões de clien-
tes, as seguradoras, muitas
vezes, não conseguem checar
ESTADOS UNIDOS

aumentou 4% no Brasil, as informações de imediato. Maior oferta pública inicial


apesar da turbulência política O resultado é uma conta alta de ações na Bolsa de Valores
e econômica. Uma das em- para diversas empresas que de Nova York (NYSE) desde
a rede social Snap, em
presas brasileiras a chamar contratam planos de saú- março de 2017, a estreia
capital externo é a corretora de para os funcionários. Aí da companhia brasileira
de seguros de saúde Public entra a Public. “Além disso, PagSeguro, em janeiro,
Broker. A companhia, funda- nosso time (de cientistas de atraiu holofotes. A empresa
de pagamentos digitais
da em São Paulo, vendeu 60% dados a médicos) elabora os
levantou cerca de US$ 2,3
do capital para a seguradora programas de qualidade de bilhões. Há pelo menos duas
francesa April, com R$ 3,3 vida de acordo com o perfil explicações para o interesse:
bilhões de faturamento. Um epidemiológico da empresa crescimento acelerado e
dos diferenciais que atraíram (doenças mais comuns) e os potencial de mercado. De
janeiro a setembro de 2017
os franceses foi uma espécie dados obtidos”, diz Leandro a companhia processou
de auditoria high-tech para Elias, fundador da Public, re- R$ 24,8 bilhões em
empresas feita pela Public. batizada agora de April Brasil pagamentos, ante R$ 9,3
Com a ajuda de um software Broker. Ele continua à frente bilhões no mesmo período
de análise de dados criado in- da empresa. POR NAYARA FRAGA de 2016. E ainda tem muito
espaço para crescer. Só
59% dos brasileiros com
mais de 15 anos já fizeram
ou receberam pagamento
online (nos Estados
Unidos, a taxa é de 92%).
O PagSeguro nasceu em
2006 como plataforma
de pagamento digital para
e-commerce. Mais tarde,
lançou maquininhas para
cobrança em pontos de
venda, que caíram no gosto
dos pequenos empresários.
Diferente das concorrentes,
em vez de cobrar aluguel
por elas, a PagSeguro as
vendia a preço acessível e
antecipava pagamentos de
cartão de crédito.
POR NAYARA FRAGA

A DOIS Elias (ao fundo) e Emmanuel Morandini, da April. Os franceses compraram 60% do negócio

14 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Rogério albuquerque


NOS DIAS 25, 26 E 27 DE MARÇO,
5 0 M U L H E R E S P O D E R O S A S E S TA R Ã O J U N TA S
E M U M A V I A G E M PA R A FA L A R S O B R E L I D E R A N Ç A ,
G E S TÃ O E F E M I N I S M O . . .

Fonte: Digital (Mobile e Desktop) Comscore agosto 2017 | Impresso Kantar IBOPE Media TGI (Ago15-Jun16) – pessoas com projeção Brasil base IVC | *Leitores Digital + Impresso Somados
Um evento feito
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Um ofício antigo, a cartografia volta à moda. A demanda por cartógrafos deve aumentar 30% até 2024 (ao menos nos
mercados mais desenvolvidos), segundo estimativas de um grupo de empresas americanas especializadas em mapas virtuais
e análises por geolocalização. Antes, os especialistas na área faziam desenhos para nortear navegadores, exploradores
e viajantes em geral. Agora, cartógrafos são necessários para interpretar uma infinidade de imagens (como as feitas por
satélites e carros-robôs) e dados gerados por deslocamentos de pessoas e cargas. Aplicativos como Google Maps e Wase
produzem dados constantemente, mas encontrar utilidade para eles exige mais cabeças. Cartógrafos importam também
para companhias como Carto e Mapbox, que ajudam outros negócios a traçar estratégias de acordo com a localização de
seus clientes. Nos Estados Unidos e Europa, a procura por cursos na área aumentou, em média, 40% por ano desde 2005.
A cartografia pode ser uma especialização – em aulas mais técnicas – ou ser estudada como extensão da graduação, em
cursos de pós-graduação ou doutorado de áreas afins, como geografia, história, ciências sociais ou matemática.
POR RAQUEL GRISOTTO

16 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 fotos: Getty Images


FEVEREIRO 2018 ÉPOCA NEGÓCIOS Nº 132 ANO 11

aqui há vagas

BEM DIFERENTE
DO BRASIL
RECOLOCAÇÃO RÁPIDA
DE DEMITIDOS IMPULSIONA A
ECONOMIA SUECA

sumiço de postos de trabalho, por

o
assustador que pareça, tem um
papel a desempenhar. Numa eco-
nomia funcional, novas formas
de trabalhar e novos negócios su-
cedem aos anteriores. Se forem mais produtivos,
contribuem com a prosperidade geral. No Brasil,
ciclos de aquecimento e esfriamento se alternam
sem que o país passe a trabalhar melhor – um mal sonalidade, avaliação e reorganização de currí-
da economia fechada, travada e pouco inovadora culo, entre outras ações. Também prestam ajuda
que somos. Já a Suécia vem conseguindo tornar a psicológica no período de transição e fornecem
rotatividade de profissionais um fator de aumen- auxílio financeiro durante o desemprego, sobre-
to de produtividade, graças a um modelo agressi- tudo àqueles com mais de 40 anos.
vo de recolocação de desempregados. O modelo fortalece a economia como um
O desemprego
Segundo um estudo da OCDE (Organização prolongado todo, pois facilita o fechamento de vagas impro-
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômi- tem efeitos dutivas sem provocar reações de sindicatos –
co, entidade que inclui a maioria dos países de- nefastos nos fortes e combativos na Suécia. Afinal, o demitido
senvolvidos), 85% dos demitidos na Suécia reen- profissionais rapidamente se recoloca em outra função (um
contram emprego em menos de um ano, graças efeito nefasto do desemprego prolongado é que o
à política pública dos conselhos de segurança profissional, defasado, tem dificuldade crescente
do emprego (ou TRR, na sigla em sueco). Esses em se recolocar). O acesso aos conselhos se limi-
grupos reúnem representantes de empresas e ta aos profissionais sindicalizados, que corres-
entidades sociais e se sustentam com recursos pondem a 70% da força de trabalho no país.
privados. Mais ágeis que órgãos governamen- A política sueca parece tomar a dianteira
tais, os conselhos atuam logo após a demissão e ante à de outros países da Europa. Nos modelos
se mobilizam para encontrar um novo emprego tradicionais, escritórios do governo tentam dar
para o trabalhador. Aí entra a diferença essen- treinamento aos desempregados, enquanto sin-
cial: em vez de tentar recolocá-lo na mesma fun- dicatos tentam defender postos de trabalho, em
ção (muitas vezes ultrapassada por tecnologia vez de ajudar o profissional a se adaptar. Na Sué-
ou mudanças de mercado), os conselhos abrem cia, como reza o principal lema dos conselhos, “a
para ele novas opções profissionais. Fazem isso meta não é defender empregos, mas dar apoio
por meio de novos treinamentos, testes de per- aos trabalhadores”. PAULO EDUARDO NOGUEIRA

foto: thinkstock 17
abra campo para a INOVAÇÃO chefes que exigem constantes
avanços e propostas da equipe
geralmente não permitem os períodos
necessários para que se pense com
calma, o que impede a formulação de
ideias novas. Longe dessa pressão, os
profissionais mostram maior
capacidade de refletir.
O estudo, publicado no Journal
of Organisational Behaviour, avaliou
o desempenho de mais de mil
consultores e 200 trabalhadores
em assistência de saúde. Constatou
que as melhores propostas surgiam

CIRCULE PARA CRIAR


quando a pessoa tinha tempo para
checar suas ideias com múltiplos
interlocutores (incluindo amigos e
EQUIPES CONFINADAS, MESMO familiares), sem a pressão do cubículo
do escritório e a vigilância do chefe. É
QUE PAREÇAM PRODUTIVAS, TÊM o fenômeno chamado de “variedade
IDEIAS MAIS ESTREITAS de fontes de feedback”, que estimula
a criatividade a partir do acesso a
rupos trabalhando confinados num mesmo ambiente, sob supervisão de uma variedade maior de opiniões.
g chefias, podem gerar na organização uma sensação de controle e Quanto mais referências houver, mais
eficiência. Esse modo tradicional de organizar o trabalho, porém, tende a a criatividade se desenvolve. Por isso,
tolher a capacidade de inovar. A conclusão resultou de um estudo conjunto do King’s gestores devem também promover
College, de Londres, com a Universidade de Amsterdã. O trabalho inclui algumas regularmente seminários internos de
recomendações: gestores que desejem incrementar a criatividade dos funcionários feedback para encorajar suas equipes
devem incentivá-los a sair mais vezes dos limites do local de trabalho. Isso porque a refletir. P.E.N.

whitewashing corporativo

DIVERSIDADE RACIAL DERRAPA


OS LÍDERES NEGROS SE APOSENTAM E SÃO SUBSTITUÍDOS POR BRANCOS

mbora a primeira década deste século tenha posto, em 2001, havia apenas três CEOs negros na lista
e registrado avanços na diversidade racial no da Fortune, número que atingiu o ápice em 2007, com
meio empresarial, um levantamento sobre li- sete. Os líderes negros se aposentaram e estão sendo
deranças da revista americana Fortune soa o alerta: substituídos por brancos. Ao mesmo tempo, não houve
atualmente há apenas quatro negros ocupando cargos ascensão de novos altos executivos negros. Para o so-
de CEO no universo das 500 maiores empresas ameri- ciólogo Richard L. Zweigenhaft, que assessorou os au-
canas, e o número em 2018 cairá para três, com a apo- tores do estudo, o retrocesso pode ser resumido na fra-
sentadoria de Ken Chenault, atual CEO da American se “últimos a entrar, primeiros a sair” – fórmula também
Express. Explica-se. Quando Chenault assumiu seu aplicada às mulheres. P.E,.N.

18 foto: thinkstock
SEM CASCATA

BOA OU MÁ,
DÊ-ME A
VERDADE
EQUIPES PERDEM
MOTIVAÇÃO AO NÃO
SABER O QUE OCORRE NA
EMPRESA

cultar informações
o negativas numa TRUMP PASSARIA?
empresa, mesmo na
intenção de preservar o ânimo da
equipe, é perigosíssimo.
RECRUTE COM Q.I.
Pesquisadores da Warwick AVALIAR A CAPACIDADE COGNITIVA DE
Business School, no Reino Unido, CANDIDATOS AJUDA A SELECIONAR MELHOR
concluíram num estudo que
honestidade e transparência são
cruciais para obter o engajamento bcecado por autopromoção e autolouvação, Donald Trump tui-
de cada profissional envolvido. O o tou, em outubro passado, ter quociente de inteligência (Q.I.) mais
conhecimento dos desafios alto que seu secretário de Estado, Rex Tillerson. Trump já havia
profissionais em jogo mostrou-se lembrado dessa gasta medição em 2013, quando também se gabou de ter
mais motivador do que a percepção Q.I. maior que os dos ex-presidentes Barack Obama e George W. Bush. O
de que coordenadores omitem Q.I. já passou por todas as interpretações erradas possíveis – muitos rejei-
informação ou agem com otimismo tam completamente esse tipo de medição –, e Trump exagera sua impor-
infundado. O estudo constatou que tância. Há muito tempo Q.I. não é a principal definição de inteligência. Mas
chefias mostram tendência a omitir eis que um estudo publicado na revista científica Industrial and Organiza-
informações negativas na ilusão de tional Psychology constata que recrutadores de empresas deveriam incluir
que pouparão a equipe de desgaste, essa medição em seu trabalho. Segundo o artigo, o habitual hoje é que o Q.I.
mas isso gera insegurança. Um seja completamente ignorado, em favor de traços de personalidade e co-
chefe que expõe problemas ganha nhecimento técnico. Para os autores, isso impede a devida mensuração de
confiança e respeito da equipe, o que uma característica básica para um bom desempenho profissional – a capa-
tende a se refletir em melhores cidade cognitiva, de apreensão e reconhecimento de padrões, mudanças e
resultados no longo prazo, mesmo informações. Essa capacidade, fundamental para assimilar conhecimento,
com obstáculos imediatos. Há regras é parcialmente medida pelo Q.I.
fundamentais para que isso funcione: Isso não significa que o Q.I. deva direcionar o recrutamento – apenas
as informações devem ser que precisa ser considerado. Estudo publicado pela americana Harvard
compartilhadas regularmente e a Business School destaca os três traços conjuntos que devem nortear a esco-
equipe deve poder se expressar. P.E.N. lha de um candidato: habilidade cognitiva (outra denominação para Q.I.),
habilidades sociais e energia para agir. P.E.N.

foto: thinkstock 19
FOCA NO FOCO

MULTITAREFA, MULTIERROS
CONCENTRE-SE EM UM SÓ TRABALHO E RENDA MAIS

irou hábito disseminado, durante o trabalho (seja de 18 a 34 anos incluídos na pesquisa mudaram o foco de
v em que local for), navegar pela internet, ouvir atenção mais vezes ainda, cerca de 27 por hora. Os resultados
música, pesquisar, escrever e manter-se conectado ruins vêm em cadeia – baixa capacidade de decisão, aumento
a redes sociais, tudo ao mesmo tempo. Cuidado. Um estudo de estresse e queda de criatividade. O prejuízo é perceptível
do Bryan College, dos Estados Unidos, questiona o mito de também na qualidade do trabalho. Os autores detectaram ainda
uma pessoa ser capaz de realizar “multitarefas” seguidas. correlação entre os hábitos multitarefa e uma baixa densidade
Nada indica que esse indivíduo produza mais que outro em áreas do cérebro ligadas a controle emocional.
concentrado em uma só obrigação. Funcionários que O estudo sugere que o profissional administre melhor como
costumam alternar tarefas mais de 20 vezes durante o período gasta atenção e tempo. Já o empregador deve conter as jornadas
de uma hora acabam perdendo 15 pontos de Q.I. durante da equipe dentro de limites saudáveis e ajudar o funcionário a
testes cognitivos feitos pelos autores. É uma pancada séria, exercitar a concentração – ioga e meditação podem contribuir
equivalente ao efeito de uma noite de insônia. Os profissionais para esse esforço. P.E.N.

MOSTRE AO CHEFE

m vez do clássico expe- O estudo põe em dúvida o que


e diente de trabalho de oito diz a sabedoria convencional so-
horas, que tal reduzi-lo bre jornadas longas e a tentativa
para três? Parece sonho de pregui- de evitar qualquer distração (que,
çosos, mas tem respaldo científico: normalmente, fracassa). A intensi-
estudo da consultoria britânica dade da dedicação deve ser admi-
Vouchercloud, que avaliou o de- nistrada com critério: pessoas mais
sempenho de quase 2 mil funcioná- produtivas não necessariamente se
rios de vários setores, constatou dedicam o tempo todo, sem inter-
que, em média, os pesquisados tra- rupções, mas sim se concentram
balham realmente apenas duas ho- na tarefa por um tempo e depois
ras e 53 minutos por dia. O restante se permitem uma pausa planejada,
A FARSA DO do expediente se escoa em outras
atividades não relacionadas ao tra-
conforme constataram os autores.
Eles sugerem redução de expe-
EXPEDIENTE balho, como checar redes sociais,
tomar lanchinhos ou socializar. A
diente como um caminho possível
para melhores resultados. A Ama-
TRABALHAR MENOS neurociência explica o fato: nosso zon avalia isso. A empresa come-
cérebro não consegue manter o çou uma experiência com algumas
HORAS POR DIA PODE SER foco em alguma tarefa por muito dezenas de funcionários: permite
MAIS PRODUTIVO tempo. A maioria de nós mal resiste jornadas de cinco horas durante
durante minutos. O problema se quatro dias por semana e folgas às
agrava ao longo do dia. Conforme sextas-feiras. Os resultados dessa
se aproxima o fim do expediente, experiência permanecem em sigi-
declina o poder de concentração. lo. P.E.N.

20 foto: thinkstock
RUPTURA ::: GUILHERME HORN

QUANDO EXPERIMENTAR É MAIS IMPORTANTE QUE PLANEJAR

TESTE E FALHE. MAIS DE UMA VEZ. VOCÊ NÃO VAI CONSEGUIR INOVAR SE NÃO AGIR ASSIM

C
ADA VEZ MAIS vemos fundos ve a equação e nos aponta a probabilidade de você ser
de Venture Capital buscando in- bem-sucedido. Vamos para a segunda caixa, onde você
vestir em startups de empreen- encontrará cem bolas de cores aleatórias. Sua missão
dedores que já falharam. Como continua a mesma, retirar uma bola verde. Assumimos
se falhar fosse um pré-requisito então uma premissa: as bolas possuem dez cores dife-
para se chegar ao sucesso. Como rentes, igualmente distribuídas. E novamente calcula-
um ex-empreendedor que viveu mos a probabilidade de você acertar.
os dois lados, falhou e foi bem- Chegamos então à terceira e última caixa. Nesta, os
sucedido, posso dizer que, se não objetos são aleatórios. Não sabemos quais são, muito
é um pré-requisito, a falha é, no mínimo, ingrediente menos de que cor. E a missão não muda: retirar uma
muito importante para o sucesso. Especialmente nos bola verde. Para calcularmos sua chance de ser bem-
dias atuais, em que tudo muda em grande velocida- sucedido, neste caso, será necessário assumirmos uma
de, e que é mister testar muito mais do que planejar. série de premissas. Na prática, isso significa que esta-
Décadas atrás, havia tempo nas organizações para remos nos distanciando da realidade. Serão tantas pre-
longos planejamentos, que exigiam detalhadas discus- missas, todas ocorrendo simultaneamente, que a chan-
sões. Até era comum ouvir dos especialistas que as dis- ce desse cenário ser real será muito pequena.
cussões de planejamento eram mais relevantes do que Nas duas primeiras caixas, temos uma situação onde
o plano, o produto final das intermináveis reuniões. podemos calcular o risco. Não significa que sabemos de
Mas esse tempo se foi. Não que planejamento não seja antemão se você será bem-sucedido ou não, mas pode-
mais importante. Ele continua sendo fundamental para mos estimar qual o risco dessa operação. No terceiro caso,
qualquer empresa. A diferença é que vivemos, atual- é bem diferente. Não temos números, não temos cálculos,
mente, a era da experimentação. Em vez de longos es- não há indícios concretos que nos ajudem a fazer qual-
tudos e desenhos, precisamos gerar protótipos, para quer estimativa. Porque este é tipicamente um ambiente
serem rapidamente testados e validados no mercado. de incerteza. E incerteza é muito diferente de risco.
Entretanto, experimentar pressupõe que haverá fa- Incerteza é o mundo das startups. Elas não têm histó-
lhas. Não há inovação sem falha. E isso impõe um desafio ria, não têm clientes, não têm processos, não têm sistemas.
às empresas que historicamente se acostumaram a pu- Tudo é novo. Este cenário é diferente do contexto de uma
nir aqueles que falhavam, porque sua busca sempre foi grande organização, onde todo o seu passado, o conheci-
pela eficiência. A eficiência é que entregava retorno aos mento acumulado, a experiência dos profissionais que
stakeholders. Como então compatibilizar inovação e efi- nela trabalham, a história dos clientes, tudo isso ajuda a
ciência? Dois conceitos aparentemente antagônicos, mas construir um mundo onde existe muito mais informação.
que precisam conviver nas novas organizações da era E esta profusão de informações é que tornará possível a
digital, chamadas IDE (innovation-driven enterprises). esta empresa falhar com baixo impacto. Falhar de forma
Todos os caminhos passam pelo entendimento da que se gere um aprendizado. Que sirva para mostrar que
diferença entre risco e incerteza. Há um jogo que expli- aquele não era o caminho. Que permita à organização co-
ca de forma quase lúdica o que quero dizer. Chama-se nhecer os NÃOS antes desconhecidos. Isso tem um enor-
Jogo das 3 Caixas. Imagine que, numa primeira caixa, me valor para as empresas. Isso é inovar e ser eficiente.
existam cem bolas, sendo metade delas verdes e a outra
metade, azuis. Você precisa colocar a mão, com os olhos
vendados, e retirar uma bola verde. Uma conta simples, Guilherme Horn, Digital Innovation Partner da Accenture
ensinada na primeira aula de Estatística Básica, resol-

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 21


À LUZ DAS
VIAGEM PARA O FUTURO

S TA RTU P S A incubadora La Nave faz Madri


revisitar seu passado com
um dos centros de inovação mais
potentes da Europa

MARCOS TODESCHINI

DE PORTAS ABERTAS PARA OS EMPREENDEDORES O novo hub madrilenho ocupa uma antiga fábrica de
elevadores. A empresa que funcionava ali fechou nos anos 90, no auge da crise econômica da Espanha

foto: Divulgação Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 23


VIAGEM PARA O FUTURO

VINTE MINUTOS DO CENTRO de Madri, encontram-se duas construções simbólicas


do que a capital da Espanha já foi e do que ela quer ser. De um lado, as instalações de

A
uma indústria tradicional: pavilhões cinzas, telhados pontiagudos e uma chaminé em
atividade. Em frente, fica a carcaça do que um dia foi também uma fábrica. Só que
essa construção teve um destino diferente. O espaço que um dia abrigou uma linha de
produção de elevadores foi transformado em um galpão colorido e moderno, que ho-
je abriga um coworking, uma aceleradora, um laboratório de inovação e um amplo
espaço para eventos e cursos. A rua que separa os dois edifícios é como uma divisória
do tempo. Um lado representa o passado da revolução industrial. O outro representa o esforço de uma cidade
com mil anos de história em abraçar a economia criativa do presente e do futuro.

O espaço de 13 mil metros quadrados, apelidado de startup Footuro, que desenvolveu um aplicativo para
La Nave, promete ser o ponto nevrálgico do ecossiste- conectar jogadores de futebol amador e times que po-
ma de inovação tecnológica que começa a se consolidar dem contratá-los. A aposta de Arviset é uma plataforma
em Madri. Iniciativa da prefeitura local – e abraçada que possibilita aos jogadores mostrarem seus talentos
com especial fervor pela prefeita, Manuela Carmena –, e serem facilmente descobertos pelas grandes equipes,
o espaço iniciou as operações com a missão de trans- numa espécie de LinkedIn de atletas. A empresa foi
formar a cidade em um dos principais hubs de star- montada em março do ano passado na sala da casa de
tups na Europa, aproveitando a brecha aberta pela Arviset e, desde dezembro, mudou para dentro da La
saída da Inglaterra da União Europeia. “Há muitos Nave. “Queremos ser globais. Essa estrutura vai permi-
espaços desse tipo surgindo na Europa. Mas só algu- tir que possamos dar o próximo passo”, diz.
mas cidades pertencerão à liga dos campeões”, diz o Para levar a cabo a ambição de tornar-se referência
empreendedor brasileiro Igor Tasic, um dos idealiza- no mercado de inovação, a capital espanhola tem alguns
dores da La Nave. “Madri certamente tem fôlego para pontos a seu favor. A cidade conta com uma das melho-
estar nesse grupo.” res infraestruturas de bens e serviços da Europa. O cus-
Um dos primeiros passageiros a embarcar na via- to de vida é apenas uma fração do que é em muitas ca-
gem da Nave é Matthieu Arviset. Ele é o fundador da pitais europeias, como Amsterdã ou Paris. Além disso, a
cidade é sede de três das maiores escolas de negócios do
continente (IE Business School, Iese e Esade). E agora
conta também com La Nave. São dezenas de salas de co-
working, com capacidade para abrigar 160 pessoas. Uma
área aberta de 7 mil metros quadrados, capaz de sediar
O ECOSSISTEMA DE eventos para 3 mil pessoas. Um auditório com capaci-
MADRI JÁ GEROU dade para 630 pessoas. Um espaço equipado para quem
CASOS DE SUCESSO quiser desenvolver suas próprias soluções em hardwa-
re. E um programa de aceleração que deve formar pelo
COMO O CABIFY menos 20 startups por ano, com foco em projetos que
(A VERSÃO ESPANHOLA visem o desenvolvimento sustentável da cidade.
DO UBER), QUE CAPTOU
US$ 100 MILHÕES EM lll
INVESTIMENTOS ECOSSISTEMA EM EBULIÇÃO_ A criação da La
E ESTÁ PRESENTE Nave é uma resposta a um movimento que vem se
desenrolando na capital espanhola nos últimos anos.
EM 11 PAÍSES Durante décadas, Madri foi conhecida como o centro

24 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


FORMAÇÃO Aula de gestão na La Nave. Os cursos dessa área e os de tecnologia estão abertos a toda a população

econômico e financeiro da Espanha, tendo como car- bases. No ano passado, o Google abriu na cidade um
ros-chefes setores tradicionais como energia, constru- de seus três centros de inovação na Europa. Ao mes-
ção e bancário. Com a crise econômica de 2008, porém, mo tempo, a Amazon instalou ali um hub de inovação
essas indústrias foram incapazes de absorver a mão de e um centro logístico. Em outro sinal de amadure-
obra disponível. O índice de desemprego entre jovens cimento do mercado, 35 empresas de capital aberto
chegou a rondar os 50% em 2013. Quem se formava na abriram suas próprias aceleradoras, como é o caso da
faculdade tinha duas opções: emigrar, como foi o caso Telefónica Open Future. Uma das prioridades da La
de 200 mil pessoas que deixaram o país desde 2011, ou Nave é fazer a ponte entre todos esses players. “Que-
então criar sua própria empresa. “A crise mostrou que remos ser uma plataforma que facilite alianças criati-
o antigo modelo de economia não servia mais e que era vas”, diz Azucena Elbaile, responsável pelo programa
necessário voltar-se para a criatividade”, diz Luis Mar- de aceleração.
tín, um dos gestores executivos da La Nave. A ascensão de Madri vem surpreendendo especia-
Por conta desse movimento, o número de startups listas de mercado, que apostavam na rival Barcelona
em Madri explodiu: em 2016 e 2017, o crescimento foi como o mais provável centro de tecnologia na Europa
de 30% ao ano. A nova leva de empreendedores ge- pós-Brexit. Com um cenário artístico criativo e cosmo-
rou cases de sucesso mundial. É o caso do Cabify, uma polita, a capital da Catalunha sempre foi reconhecida
versão espanhola do Uber, que angariou investimento por seu ecossistema vibrante – a cidade abriga um pro-
de US$ 100 milhões e hoje está presente em 11 países jeto semelhante ao La Nave, o Numa. A disputa entre
(incluindo oito cidades no Brasil). A efervescência as duas adversárias históricas é bastante acirrada. No
do ecossistema madrilenho não passou despercebi- ranking das dez cidades europeias com maior número
da pelas gigantes de tecnologia, que passaram a ver a de startups, Barcelona ocupa a sexta posição; Madri, a
capital espanhola como uma opção para montar suas sétima. Em 2017, a Espanha captou ¤ 780 milhões de in-

foto: Divulgação Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 25


VIAGEM PARA O FUTURO

vestimento em startups. Barcelona ficou com 58% des- Juíza aposentada de 74 anos, que vai ao trabalho todo
se dinheiro. Hoje, são 1,15 mil empresas que nasceram dia usando transporte público, Manuela está causando
em Madri, ante 1,3 mil em Barcelona. “As duas cidades alvoroço desde sua chegada à prefeitura, em 2015. Sua
contam com ecossistemas bem atrativos. É difícil dizer gestão colocou em pauta temas como mobilidade, co-
qual é a melhor”, diz Javier Ulecia, CEO da empresa de nectividade e meio ambiente. Lançou plataformas de
investimentos Bullnet Capital. incentivo ao uso de carros elétricos compartilhados.
Aprovou um projeto para transformar a Gran Vía, prin-
cipal avenida da cidade, em uma zona de pedestres.
lll Como parte de seus planos de transformar Madri
NAVE EM ÓRBITA_ Embora só tenha sido colocada numa referência em mobilidade, Manuela decidiu reto-
no ar em setembro de 2017, La Nave começou a esquen- mar o projeto da La Nave, que passou a ser responsabili-
tar seus motores há alguns anos. O espaço, que pertence dade da diretoria de inovação da prefeitura. Em 2015, foi
à prefeitura, foi repaginado em 2012 para receber even- aberta uma licitação para escolher a empresa que seria
tos de tecnologia, como TED Talks e South Summit. responsável pela gestão de conteúdo do local. A escolhida
Mas não vingava. Um dos grandes desafios era transfor- foi a Innova Next, uma consultoria de inovação coman-
mar um galpão no subúrbio de Villaverde, um bairro de dada por Carlos Barrabés, um dos pioneiros do e-com-
classe operária, em um ponto de encontro de empresas merce espanhol. Pelo contrato, a empresa recebe por ano
de tecnologia. Até que, no ano passado, o governo mu- ¤ 840 mil (cerca de R$ 3,3 milhões) para gerenciar o es-
nicipal decidiu adicionar o combustível que faltava. A paço – o que inclui o desenvolvimento de programas de
responsável foi a prefeita de Madri, Manuela Carmena. aceleração, cursos e eventos voltados às startups locais.

DOIS TEMPOS De um lado, fábricas tradicionais. Do outro, La Nave, símbolo da revolução digital na região

26 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


PLATAFORMA Matthieu Arviset, criador da startup Footuro. Ele quer conectar clubes de futebol e jogadores amadores

A parceria entre o privado e o público foi essencial o melhor e o pior de uma grande capital. É um conceito
para levar a cabo o projeto. O funcionamento da Nave que passa longe do estereótipo dos hubs de inovação,
se fundamenta três pilares, que levam o nome de For- em que cientistas e desenvolvedores vivem em um
ma, Conecta e Acelera. O primeiro se refere à formação, mundo idealizado, uma espécie de bolha. O laborató-
tanto de empreendedores que trabalham diretamente rio da Nave é a própria metrópole. “Queremos acabar
com tecnologia quanto da população em geral, que com a ideia de que inovação é feita dentro de um la-
também tem acesso aos cursos e palestras da casa. Para boratório, onde trabalham gênios visionários. A inova-
este ano, já estão planejadas 200 atividades, com temas ção precisa surgir da interação entre as pessoas, e im-
como cidades inteligentes, realidade virtual, inteligên- pactar positivamente o seu dia a dia”, diz Maysoun.
cia artificial e drones. O segundo pilar, a conexão, acon-
tece tanto nos grandes eventos de tecnologia quanto
nas pequenas salas de coworking. O terceiro é a ace-
leradora, que deve anunciar em breve o seu primeiro
processo de seleção. “Não queremos qualquer projeto,
mas sim os que busquem melhorar a qualidade de vida
das pessoas e o espaço urbano”, diz Maysoun Douas,
diretora de ecossistemas da Nave.
A inovação ligada à cidade pode ser um dos trunfos UMA NOVA ERA
A estrutura da incubadora La Nave, antes uma
de Madri para se diferenciar de outros 78 hubs europeus fábrica de elevadores, estava deteriorada e
surgidos nos últimos anos. A própria escolha do local já invadida desde os anos 90. Acompanhe uma
visita ao início das obras de recuperação do
reflete sua singularidade. Estar inserida nos subúrbios espaço, em 2011.
faz com que La Nave esteja diariamente conectada com

fotos: Divulgação Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 27


D O PA Q U I STÃ O A O B I L H Ã O

QUANDO
DINHEIRO É
UM DETALHE
Depois de criar dois unicórnios, Zia Chishti ÉPOCA NEGÓCIOS Você nasceu nos
Estados Unidos e cresceu no Pa-
chegou à conclusão de que capital não passa quistão. Como isso influenciou a
de commodity. As ideias podem até não ser tão sua formação de negócios?
boas. A diferença, diz, quem faz é o time ZIA CHISHTI Para responder a
essa pergunta, preciso falar um
pouco sobre a história da minha
THOMAZ GOMES família. Meu pai era americano,
descendente de alemães. Minha
mãe é paquistanesa. Eles se co-
CRIAÇÃO de unicórnios – apelido dado às startups ava- nheceram nos Estados Unidos,

A
liadas em mais de US$ 1 bilhão – virou obsessão coletiva enquanto faziam seus doutorados
no mercado de tecnologia. Enquanto fundos de capital na Universidade Cornell. Meu pai
de risco elevam apostas em companhias como Snap, faleceu quando eu tinha 2 anos.
Uber e Airbnb, o americano Zia Chishti, 45 anos, pasto- Logo depois, eu e minha mãe nos
reia seu segundo projeto de vulto. Criado no Paquistão, Chishti tornou-se mudamos para o Paquistão. Mo-
conhecido por fundar em 1997 a Align Technology, empresa especializada rei lá até os 15 anos. Não queria
em produtos e equipamentos para tratamentos ortodônticos. A compa- voltar para os Estados Unidos.
nhia foi listada em 2001 na Nasdaq e seu valor logo ultrapassou US$ 1 bi, Mas minha mãe me convenceu a
três anos antes de começar a dar lucro (hoje avaliada em cerca de US$ 20 cursar uma faculdade americana
bilhões). Depois de deixar a Align, em 2002, o empreendedor passou a se [Chishti é formado em economia e
dedicar ao desenvolvimento de tecnologias para grandes corporações. ciências da computação pela Uni-
Seu projeto atual é a Afiniti, startup de inteligência artificial avaliada em versidade Columbia]. Essas idas
US$ 1,6 bi. De passagem por São Paulo, em seu escritório na Avenida Faria e vindas me deixaram com uma
Lima, ele contou a Época NEGÓCIOS que sua vida pessoal é quase inexis- visão de mundo mais abrangente.
tente e a sua grande ambição: tornar-se um filantropo autossuficiente. Fiquei mais aberto para criar ope-

foto: Tasja Keetman Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 29


D O PA Q U I STÃ O A O B I L H Ã O

rações globais, sem restrições ou mica muito maior do que muita respostas negativas antes de con-
preconceitos. Tenho cerca de 800 gente pensa. seguir o primeiro aporte – muitas
funcionários trabalhando no Pa- delas desdenhosas e arrogantes.
quistão, por exemplo. Enquanto NEGÓCIOS Quando e como você Todo mundo me perguntava por
boa parte das pessoas enxerga o criou o seu primeiro negócio? que estava apostando em um seg-
país como uma área de risco, con- CHISHTI Em 1997, fundei a Align mento tão específico. Algumas
sigo identificar a grande oferta de Technology, uma empresa espe- pessoas ficavam até bravas quan-
talentos que existe ali. cializada em tecnologias ortodôn- do eu apresentava o projeto. Mas
ticas. A ideia veio num insight. sabia que era questão de tempo
NEGÓCIOS Esses mesmos ta- Usei aparelhos dentários durante até o mercado entender o poten-
lentos poderiam ser encontra- anos. Os tratamentos eram ex- cial da ideia.
dos em outros países a custos tremamente incômodos. Pensan-
igualmente competitivos. Qual do nisso, comecei a desenvolver NEGÓCIOS Por que você saiu da
é a motivação para manter uma uma solução menos invasiva para empresa?
operação no Paquistão? ajudar os pacientes. Em seguida, CHISHTI Essa é uma história
CHISHTI Sempre vai ser um pou- contratei um time de engenheiros curiosa... No dia 10 de setembro
co pessoal. Tenho como missão para criar os protótipos iniciais. A de 2001 [véspera do atentado das
criar empregos e tentar melhorar Align passou por todos os ciclos Torres Gêmeas], as ações da Align
a vida no Paquistão. Além disso, de crescimento do mercado de estavam cotadas entre US$ 10 e
minha mãe ainda mora lá. Então, tecnologia: levantamos dinhei- US$ 11. No dia 15 de setembro,
preciso ir até lá visitá-la de qual- ro entre investidores, investimos quando a bolsa reabriu, o valor
quer jeito (risos). Mas não esta- em marketing, abrimos canais tinha desabado para US$ 1,20.
ria no país se não fizesse sentido comerciais. Em 2001, abrimos o Tínhamos cerca de 750 funcio-
economicamente. Todos os meus capital na Nasdaq [o valor de mer- nários trabalhando no Paquistão.
negócios são baseados na com- cado da empresa logo superou US$ Por mais estranho que pareça,
binação entre baixo custo opera- 1 bilhão e, no final de 2016, atingiu na época o mercado americano
cional e mão de obra qualificada. a marca de US$ 20 bilhões]. não conseguia distinguir muito o
Como você mesmo disse, existem Afeganistão do Paquistão. Esta-
vários mercados eficientes sob NEGÓCIOS Simples assim? vam todos meio atordoados com
esse aspecto, como Índia e Vietnã. CHISHTI (Risos) Obviamente, tive os acontecimentos. Isso levou a
O ponto é que o Paquistão apre- algumas dificuldades. Na épo- uma disputa interna para tirar a
senta algumas facilidades para ca em que fundei a Align, todos empresa do país. Essa opção era
mim. Falo o idioma, conheço a os investidores estavam loucos inaceitável para mim. Então ter-
cultura. O país tem 200 milhões por soluções web voltadas para minei comprando apenas a ope-
de pessoas. É uma força econô- consumidores finais. Recebi dez ração paquistanesa. A partir daí,
comecei a trabalhar na criação da
TRG [The Resource Group, funda-
da em 2002], uma holding de in-
vestimentos focada em empresas
BPO [terceirização de processos
operacionais, na sigla em inglês].
“TENHO A MISSÃO DE CRIAR
EMPREGOS. TODOS OS MEUS NEGÓCIOS Foi difícil recomeçar?
CHISHTI Foi bastante desgastan-
NEGÓCIOS COMBINAM BAIXO
te. Eu já tinha passado pela mon-
CUSTO OPERACIONAL E MÃO DE tanha-russa emocional que envol-
OBRA QUALIFICADA” ve a criação de uma empresa. Não

30 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


sabia se queria vivenciar isso no- NEGÓCIOS Qual é o foco dos in- MOSTRANDO OS
vamente. Por outro lado, o segun- vestimentos da TRG? DENTES Chishti na Align,
do negócio é sempre mais fácil do CHISHTI Todos os nossos investi- empresa que criou em 1997.
que o primeiro. Para começar, eu mentos estão nos Estados Unidos Ele deixou o comando após
divergir do conselho
tinha recursos próprios. Ou seja: e na Europa. Focamos em tecno-
não dependia exclusivamente do logias para processos corporati-
dinheiro de investidores. Isso foi vos que envolvem grandes fluxos ritários. Nenhum deles deu certo.
um alívio e tanto. Além disso, eu de pessoas e informações. Den- Então decidimos que o controle
havia construído uma relação de tro desse universo, atuamos em está em nossa natureza.
amizade com vários funcionários frentes que vão do mercado de
da Align. Muitos deles vieram seguros a soluções de marketing NEGÓCIOS Como a Afiniti se en-
trabalhar comigo. Quando come- digital. Um ponto importante: caixa nesse contexto?
cei a TRG, tinha dinheiro e pes- sempre entramos para assumir o CHISHTI A TRG possuía uma em-
soas incríveis ao meu lado. Muito controle das empresas. Já fize- presa de call center que não esta-
mais fácil, certo? mos alguns investimentos mino- va indo muito bem. Então come-

foto: AP Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 31


resultados relevantes para ele. Se
“BRASIL E PAQUISTÃO você conseguir fazer isso, o resto
SUBESTIMAM O TAMANHO DAS do mercado vai ficar sabendo.
OPORTUNIDADES. DE CERTO
NEGÓCIOS O que vocês têm feito
MODO, O DELICADO CICLO DA para se destacar em um merca-
ECONOMIA SÓ NOS FAVORECE” do que atraiu o interesse de gi-
gantes como Amazon e Google?
CHISHTI A IA virou uma espécie
de expressão da moda do mer-
cado de tecnologia. Tem muito
barulho em torno do assunto e
poucos projetos consistentes. A
çamos a analisar quais processos pergunta há dez anos, eu respon- maioria das soluções não é muito
poderiam melhorar as fontes de deria que era excelente. Hoje, eu diferente do que já existia há cin-
receita. Concluímos que o fluxo me viro. As ferramentas mudam co anos. A única diferença é que
de chamadas era extremamente todos os dias. Tem todo tipo de os investidores têm dado mais
desorganizado. Os clientes eram coisa maluca surgindo. Fica difí- atenção a esse tipo de tecnolo-
direcionados ao primeiro aten- cil se manter atualizado se você gia. Segmentos como chatbots e
dente livre, independentemente não acompanha as mudanças de carros inteligentes já estão fican-
do problema ou da experiência perto. Mas entendo o suficien- do saturados. Na minha opinião,
do funcionário. Para resolver te para criar protótipos e testar cerca de 90% desses negócios vão
esse problema, desenvolvemos conceitos de maneira bastante falhar. Por isso, evitamos explorar
uma solução de inteligência ar- rápida. Se a ideia der certo, eu tecnologias de IA como platafor-
tificial [IA] que fazia um dire- encaminho o projeto para a equi- mas genéricas. Oferecemos uma
cionamento mais assertivo das pe especializada. solução bastante específica para
chamadas. Com o passar do tem- as necessidades de nossos clien-
po, descobrimos que a solução NEGÓCIOS A Afiniti oferece uma tes. Mantemos o foco em ferra-
também poderia ser aplicada a solução de inteligência artifi- mentas que gerem impacto direto
departamentos de marketing e cial bastante técnica e específi- na receita e na produtividade de
vendas. A Afiniti surgiu em 2009. ca. Qual é a melhor estratégia grandes empresas.
Hoje temos mais de 150 projetos para convencer clientes a ado-
no mundo. Os primeiros códigos tar esse tipo de tecnologia? NEGÓCIOS As startups unicór-
da plataforma foram escritos no CHISHTI Essa segmentação que nio são outra buzzword do
meu próprio laptop. você apontou é a nossa maior van- mercado de tecnologia. Você
tagem. Nosso público é bastante fundou dois negócios com esse
NEGÓCIOS Você ainda programa? restrito. A tecnologia da Afiniti é perfil. Quais são os elementos
CHISHTI Claro! Na verdade, a voltada para grandes prestadores essenciais para criar uma star-
programação é o meu primeiro e de serviços, como bancos, segura- tup bilionária?
maior amor. Gosto mais de pro- doras e operadoras de telefonia. CHISHTI Estamos diante de um
gramar do que de qualquer outro Dentro desse universo, trabalha- cenário estranho, onde existe um
aspecto do negócio. mos apenas com líderes de mer- volume enorme de dinheiro con-
cado. Existem poucas empresas centrado em cerca de 200 uni-
NEGÓCIOS Qual é o seu grau de com esse perfil. Isso faz com que córnios. Entendo que os unicór-
intimidade com os códigos? as notícias se espalhem rapida- nios sejam muito atraentes como
CHISHTI Bom, estou ficando ve- mente. O mais importante é con- produto financeiro. O problema é
lho... Se você me fizesse essa quistar um grande cliente e gerar que muitas dessas avaliações de

32 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


D O PA Q U I STÃ O A O B I L H Ã O

valor não estão lastreadas em fun- CHISHTI De maneira geral, cos- muitas pessoas subestimam o ta-
damentos básicos de negócios. E tumo me dar muito bem com ho- manho das oportunidades que
quanto mais investidores correm mens entre 20 e 40 anos mais ve- existem no Brasil. O país é muito
atrás dessas empresas, mais infla- lhos do que eu. Tive muita sorte aberto a novas ideias e tecnolo-
da a bolha fica. Quando eu era mais em encontrar pessoas sábias que gias. Entendo que a economia está
novo, acreditava que a melhor ma- reservaram parte do seu tempo passando por um ciclo delicado.
neira de criar uma empresa bilio- para escutar meus problemas. Mas, de certo modo, essa situação
nária era levantar capital de risco. Talvez eles tenham sentido pena nos favorece. É nesses momentos
Tudo girava em torno disso. Com de mim (risos). Um dos meus me- que as empresas procuram por
o passar do tempo, percebi que lhores amigos é um cara chamado alternativas para aumentar a efi-
dinheiro é commodity. Você pode Peter Riepenhausen [ex-vice-pre- ciência de seus processos.
conseguir dinheiro em diversos sidente da PepsiCo para o mercado
lugares. O que faz a diferença é ter oriental]. Aprendi mais com ele NEGÓCIOS Na posição em que
uma equipe incrível. O time certo do que com qualquer outra pes- você se encontra hoje, qual é a
pode fazer sua empresa chegar a soa. Ele nunca lucrou um centavo sua ideia de sucesso?
qualquer lugar. Mesmo que a ideia comigo, mas sempre esteve dis- CHISHTI Minha vida pessoal é
não seja tão boa assim. posto a me ajudar com os negó- praticamente inexistente. Do
cios. Ele me ensinou muita coisa lado profissional, tento deixar
NEGÓCIOS Enxergar dinheiro sobre como administrar empre- minha marca no mundo dos ne-
como uma commodity faz mais sas, reconhecer talentos e seguir gócios. Gostaria que minhas
sentido para quem já tem acesso as intuições certas. ideias deixassem um impacto
a capital, certo? positivo na vida das pessoas. De-
CHISHTI Sem dúvidas. Essa é uma NEGÓCIOS Quais são os seus pla- pois disso, quero começar a me
percepção que muda ao longo do nos para o mercado brasileiro? envolver mais com filantropia.
tempo. Para um empreendedor CHISHTI A estratégia segue a mes- O meu sonho é criar um projeto
iniciante, a questão do dinheiro ma linha da nossa operação inter- que melhore a educação no Pa-
é muito mais difícil. É complica- nacional. Queremos conquistar quistão. Quero acumular capital
do consegui-lo até que as pessoas líderes de mercados-chave, como suficiente para fazer isso sem
reservem um tempo para ouvir a bancos e operadoras de telefonia. precisar recorrer a investidores.
sua ideia. Recebi dez “nãos” antes Estamos indo bem. Temos cer- Se eu conseguir me tornar um
de obter o meu primeiro aporte. ca de 20 clientes no país. Assim filantropo de sucesso, me darei
Quando você está construindo a como acontece com o Paquistão, por satisfeito.
sua carreira, isso é extremamen-
te desanimador. Mas com o pas-
sar dos anos, você percebe que
levantar capital é um processo
como qualquer outro. Você treina
para isso, assim como treina para
disputar uma corrida. Cercar-se
de pessoas boas é muito mais di-
fícil. Aprender a identificar talen- CORAGEM, INICIANTES!
tos – e convencê-los a trabalhar Pouco após se sentir traído e deixar a empresa que havia
fundado, a Align Technology, Chishti palestrou para
com você – é algo que leva anos. formandos de administração em Lahore, no Paquistão,
em 2002. Aos 33 minutos do vídeo, ele começa a tratar
das dificuldades para empreender e inovar. E diz que ouviu
NEGÓCIOS Você precisou buscar “todas as palavras de desencorajamento imagináveis”.
ajuda em algum momento? Teve
algum tipo de mentor?

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 33


DOSSIÊ ÁFRICA

AS FERAS DA
SAVANA DO SILÍCIO
Novos negócios em alguns países africanos chamam a atenção de
investidores e gigantes de tecnologia. Todos vão à caça de ideias
para enfrentar grandes problemas (e algumas servem para o Brasil)

RAQUEL GRISOTTO, DE NAIRÓBI

MISSÃO Njoki Gichinga, diretora de parcerias


do iHub, incubadora e espaço de coworking
no Quênia. “Há muitas oportunidades. Vamos
abraçá-las com todas as forças”

34 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Nichole Sobecki/VII/Redux/Latinstock


Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 35
ELA RODOVIA MOMBASA, uma das

P
principais do Leste Africano, os car-
ros avançam devagar. O trânsito é len-
to o tempo todo. Perto da Land Rover
blindada, transporte-padrão dos es-
trangeiros que vêm trabalhar no Quênia, segue um
matatu, ônibus multicolorido que roda sobre velhos
chassis de caminhão. A estrada corta a capital, Nairó-
bi. Vacas e cabras pastam no acostamento largo de ter-
ra batida e o esgoto segue a céu aberto por longos tre-
chos. Muita gente caminha ao longo da estrada e o
comércio de rua oferece quase tudo, de sofás, camas e
fogões a lápides de cemitério. Alguns comerciantes, a
pé, arriscam-se pelos vãos do trânsito para incentivar
a compra. Gritam em swahili (o idioma oficial do país,
junto com o inglês) ou em algum dos 43 dialetos lo-
cais. Conforme o carro se aproxima de um bairro ele-
vado no centro da cidade, a paisagem começa a mudar.
A Land Rover avança por Upper Hill, onde se vê
menos gente caminhando, mais árvores e muito mais
obras em andamento. A área já foi mais residencial
e abrigou principalmente brancos, executivos expa-
triados e diplomatas. Agora, o bairro se transforma. tiva a tecnologia e ansiosa por consumir. Para comple-
Operários e máquinas de construtoras chinesas du- tar, o Quênia, especificamente, passa por um período
plicam vias e levantam novos edifícios comerciais. A que combina instabilidade política (emperrada por
demanda por espaço multiplicou por seis o preço do defeitos velhos) e efervescência empreendedora (ace-
metro quadrado na área desde 2010. Upper Hill vem lerada por ideias novas). Quem chega do Brasil pode
acomodando escritórios de companhias estrangeiras, se sentir meio em casa.
investidores e pequenas empresas de base tecnológi- No sexto andar de um desses novos edifícios en-
ca. É o bairro da moda para quenianos e estrangeiros vidraçados, o Senteu Plaza, fica o iHub, mistura de
bem formados que querem criar novos negócios. Em coworking e incubadora. É peça-chave para Nairóbi
comum, tentam resolver problemas locais – e enri- merecer o apelido de Savana do Silício. Tem fama de
quecer ao fazer isso. Tudo bem pedagógico para quem ambiente de inovação mais produtivo da África. Em
vive no Brasil. Os problemas e as oportunidades soam sete anos de existência, abrigou 170 startups e gerou
familiares: territórios extensos e pouco povoados, que uma rede que conecta 17 mil profissionais. Começou
exigem investimento em cobertura de telecomunica- em 2010, como projeto social de um grupo de jovens
ções e internet; lacunas sérias e potencial imenso para quenianos que queriam um espaço para trabalhar e
inovações em transporte, energia, saneamento, habi- discutir ideias. Operou graças a doações de funda-
tação, agronegócio; grande população jovem, pobre e ções e empresários, como o francês Pierre Omidyar,
mal instruída, porém culturalmente inventiva, recep- fundador do eBay. Nessa fase, o iHub ajudava a trei-

36 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Divulgação


VANGUARDA Entardecer em Nairóbi, capital do Quênia. O país é referência em serviços de pagamentos
digitais e, entre emergentes, aparece na lista dos mais promissores do mundo para negócios de tecnologia

nar programadores e oferecia gratuitamente espaço do usar o espaço. Não dava para atender todo mundo
a quem precisasse de internet rápida para montar apenas com doações”, diz Njoki Gichinga, diretora de
seu negócio (sem fins lucrativos, o espaço também parcerias do iHub, enquanto mostra as novas instala-
havia acumulado dívidas e gerado acusações de ges- ções. A infraestrutura para as empresas incubadas se
tão ruim contra seus administradores). Em dezem- espalha por 7 mil metros quadrados recém-inaugu-
bro de 2017, o perfil mudou. rados, decorados com tubulação hidráulica e elétrica
O iHub recebeu aporte de US$ 2 milhões da In- expostas, paredes de tijolo aparente e luminárias em
vested Development, gestora de recursos dos Estados diferentes alturas. “Agora, temos estrutura muito me-
Unidos que investe exclusivamente em projetos de lhor e condições de cumprir nossa missão – ser um
países em desenvolvimento, e tornou-se ele próprio polo de tecnologia para a África, reunindo gente com
um negócio com fins lucrativos. diferentes perfis, do mundo todo”, diz Njoki.
Com o novo estatuto, seus gestores esperam acele- A comunidade de profissionais ligados à inovação
rar a linha de produção de startups. “Estávamos rece- ganha força em vários países africanos. Os setores em
bendo mais de 200 pedidos por mês de gente queren- que trabalham seguem uma dinâmica particular, na

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 37


DOSSIÊ ÁFRICA

contramão dos negócios tradicionais no continente. Se os valores envolvidos parecem pequenos para
Nos últimos anos, caiu o fluxo de capital estrangeiro os padrões do Vale do Silício, bastam para fazer flores-
para a África. Isso ocorreu, entre outros motivos, por cer startups em países pobres. África do Sul e Nigéria,
causa do fim do ciclo de valorização das mercadorias as maiores economias da África subsaariana, também
básicas, por volta de 2010 (o Quênia, por exemplo, têm cena empreendedora vibrante e costumam aboca-
exporta muito café e petróleo) e pela desaceleração nhar, junto com o Quênia, as maiores fatias de capital
da economia da China – um fenômeno que também vindo de fora do continente (numa rodada de inves-
afetou o Brasil. A comunidade tem outra história para timento em 2015, a empresa de varejo online e de en-
contar, bem mais interessante. tregas Jumia, fundada na Nigéria por Tunde Kehinde
Conforme secou o dinheiro para setores tradi- e Raphael Afaedor, foi avaliada em mais de US$ 1 bi-
cionais, fluiu o investimento para nichos criativos. lhão e tornou-se o primeiro unicórnio da África, bem
Só em 2016, startups africanas levantaram US$ 367 antes de o Brasil ter o seu, o aplicativo de táxis 99).
milhões, na estimativa da gestora Partech Ventures O exemplo do iHub fez surgir incubadoras em outras
– valor quase dez vezes superior ao registrado qua- cidades quenianas, como a SwahiliBox, em Mombasa,
tro anos antes. O simples surgimento desse tipo de e a Dlab Hub, em Eldoret. Unem-se a um ecossistema
estimativa mostra uma mudança no jeito de avaliar que inclui Wennovation e Co-Creation Hub, em La-
a região. “Há tanta dificuldade [na África] de as pes- gos, na Nigéria, blueMoon, em Adis-Abeba, na Etiópia,
soas terem acesso a serviços básicos, a produtivida- e Bandwidth Barn, na Cidade do Cabo, África do Sul.
de é tão baixa, que as possibilidades de melhoria são Não se trata de euforia local. Há consistência, perce-
inúmeras”, diz Miguel Granier, diretor-geral do In- bida mundo afora.
vested Development, o fundo que apostou no iHub Em dezembro, durante um encontro em Adis-
e colocou US$ 20 milhões no continente. “Nos ne- -Abeba, na Etiópia, Christine Lagarde, diretora-geral
gócios, esses desafios se traduzem em ganhos expo- do Fundo Monetário Internacional (FMI), destacou
nenciais. Os riscos são altos, mas as perspectivas de as inovações que vêm da África e ressaltou a impor-
lucro, gigantescas.” tância de cultivar as iniciativas na região. “Além de
ser uma oportunidade
sem paralelo para a ge-
ração de empregos aos
mais jovens, a inovação
é uma forma eficiente
de reduzir o hiato de
infraestrutura do conti-
nente”, disse Christine.
Ela destacou que a tec-
nologia “molda a África
de agora” e que, com os
investimentos corretos,
“poderá ser a ferramen-
ta mais poderosa para
fortalecer a África do
futuro”.
O FMI acompanha
o Banco Mundial, que
escolheu startups como
um meio relativamen-
PADRINHO Mark Zuckerberg, do Facebook, em visita à Nigéria. Ele se impressionou com o te barato de fomentar
que viu na África. “É aqui que o futuro será construído” o desenvolvimento na

38 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: divulgação


A África de Países entre
os 20 mais perigosos
que falam do mundo no relatório
sobre Viagem e Turismo
Falta de infraestrutura, do Fórum Econômico
fome, pobreza, Mundial
instabilidade política,
Mali
conflitos religiosos e Chade
étnicos. O continente
tem deficiências em
quase todas as áreas
Nigéria

35 DOS 54 PAÍSES
AFRICANOS ESTÃO Quênia
ENTRE OS MENOS República
Democrática
DESENVOLVIDOS
DO MUNDO do Congo

1,2
BILHÃO DE
BURKINA FASO
63% é a taxa de analfabetismo –
PESSOAS uma das maiores do continente.

620
Metade das crianças é subnutrida.
Os problemas persistem, apesar das
significativas reservas de ouro do
MILHÕES SEM território
ACESSO A ENERGIA

315
NIGÉRIA
113 das 276 meninas sequestradas durante
MILHÕES SEM uma aula na comunidade de Chibok, em 2014,
ACESSO A ÁGUA continuam com paradeiro desconhecido.
POTÁVEL O ataque foi comandado pelo Boko Haram,
grupo terrorista que atua no país e é

240
MILHÕES
considerado um dos mais agressivos do
mundo. Tradicionalistas islâmicos, eles são
contrários à educação feminina
África do Sul
PASSAM FOME
REPÚBLICA

US$ 90
BILHÕES É O TOTAL
CENTRO-AFRICANA
51,4 anos é a expectativa de vida, uma
das menores do mundo. O lugar é um dos
QUÊNIA
NECESSÁRIO PARA Três pessoas morreram e centenas
mais violentos do continente e também o
RESOLVER O DÉFICIT ficaram feridas nos conflitos políticos do
mais pobre. A renda anual per capita é de
DE INFRAESTRUTURA final de 2017, após a eleição presidencial,
pouco mais de US$ 370. Hoje, metade da
anulada por suspeita de fraude. A

38%
população, de 5 milhões, depende de ajuda
instabilidade política marca o Quênia
humanitária para sobreviver
desde sua independência do Reino Unido,
em 1963. Em dezembro, Uhuru Kenyatta
DOS ADULTOS SÃO ÁFRICA DO SUL foi confirmado como presidente
ANALFABETOS
– A MAIORIA, 40 mil casos de estupro são reportados
MULHERES anualmente no país. O crime é corriqueiro,
mesmo em grandes cidades como a capital,

60%
DA POPULAÇÃO
Johannesburgo. As condenações judiciais
são raras
SOMÁLIA
75% dos ataques terroristas do planeta
estão concentrados em dez nações. A
TEM ATÉ 25 ANOS ETIÓPIA
Somália faz parte da lista. Desde 1991, o

50%
Mais de 400 mil pessoas morreram de grupo jihadista AI-Shabab controla áreas
fome na mais longa estiagem do país, de importantes e vive em conflito com o
1983 a 1985. Foi um dos mais dramáticos governo, apoiado pelos Estados Unidos. As
DOS QUE SE FORMAM episódios da Etiópia, que ainda sofre com ações por vezes chegam até o vizinho Quênia.
NÃO CONSEGUEM secas e confrontos armados entre regiões A guerra civil na Somália já resultou em mais
EMPREGO de 2 milhões de refugiados

Fontes: Banco Mundial, Global Safety Index, FMI e ONU Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 39
DOSSIÊ ÁFRICA

região. Em dezembro, por meio do infoDev, um pro- ca. Entre quenianos, há um debate público bem vivo
grama que visa organizar e expandir negócios locais – será que o ímpeto inovador pode perder o fôlego?
ligados à tecnologia, o banco selecionou 20 empresas É bem possível, dado o histórico de vaivéns comum
(de 900 inscritas) para receber até US$ 1,5 milhão em em países emergentes. Basta lembrar a diferença en-
investimentos de um grupo de sete fundos. “O total tre o Brasil eufórico dos anos 2000 e a crise atual.
de inscrições e a qualidade dos casos apresentados Mas, por enquanto, os quenianos podem celebrar. O
são uma mostra de como as startups africanas podem país avança há três anos seguidos no ranking Doing
ser competitivas e importantes para o crescimento da Business, do Banco Mundial, que mede a facilidade
economia”, disse Klaus Tilmes, diretor de mercado para fazer negócios. Depois de perder posições, en-
e competitividade do Banco Mundial, durante a pre- tre 2008 e 2013, o Quênia voltou a avançar e subiu da
miação. Destacaram-se fintechs, agritechs e empresas 129ª para a 80ª posição (ultrapassando o Brasil, que
dedicadas a saúde e transportes. Uma nova rodada do está em 125º). O bom momento, por enquanto, faz as
infoDev deve acontecer em breve. histórias inspiradoras proliferarem mais rapidamen-
É preciso sempre dosar as expectativas, ao avaliar te que as previsões pessimistas.
bons momentos em países subdesenvolvidos. Essas Casos de diferentes dimensões agitam a cena local.
nações, com instituições e economias frágeis, costu- No ano passado, após receber investimento de US$ 4
mam cambalear. No caso da África, estamos tratando milhões, a BRCK, do engenheiro e empreendedor Erik
do continente mais pobre do mundo, acossado por Hersman, lançou um roteador wi-fi à prova d’água e
doença, violência, radicalismo e instabilidade políti- que se alimenta de energia solar. O equipamento ul-
trarresistente, projetado para uso em
localidades isoladas na África, oferece
até cem conexões de internet e conse-
gue sustentar streaming de vídeo para
50 dispositivos no entorno. Sua em-
presa já havia lançado um kit educati-
vo que inclui tablets resistentes e com
baixo consumo de energia. Os produ-
tos receberam cobertura elogiosa da
mídia, na Europa e nos Estados Uni-
dos. Hersman é um dos integrantes da
turma original de criadores do iHub e
passou a infância entre Quênia e Su-
dão. Subindo os degraus da pirâmide
de investimentos, encontram-se casos
como o da plataforma B2B de comér-
cio de alimentos Twiga Foods, criada
por Peter Njonjo, que captou US$ 10,3
milhões em 2017, e o da M-Kopa Solar,
que no ano passado foi apontada pelo
Instituto de Tecnologia de Massa-
chusetts (MIT), nos Estados Unidos,
como uma das 50 startups mais inova-
doras do mundo. A empresa criou um
dispositivo de fornecimento pré-pago
de energia solar, com manutenção ba-
INSPIRAÇÃO A nigeriana Honey Ogundeyi, do e-commerce Fashpa. Ela ratíssima, após captar US$ 33 milhões
criou um dos mais bem-sucedidos casos de varejo de moda do continente em investimento, em 2015. A M-Kopa

40 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: divulgação


A África Alguns dos centros
como você de inovação mais
nunca viu importantes
da África

A tecnologia pode ser


chave para resolver blueMoon
vários problemas, como e iceddis,
mostram startups Adis-Adeba
locais. No fim de 2017, o iLab,
Banco Mundial lançou Monrovia
iSpace, Acra
um programa para CCHub, Lagos
apoiar negócios com
outbox,
esse perfil. Encontrou
Kampala
20 empresas, que <GANA>
receberam até US$ 1,5
milhão. Multinacionais <p>23 ambientes de inovação</p>
também fazem novos <p>67% da população tem celular – a SwahiliBox, Mombasa
investimentos na região maior difusão no continente</p> iHub, Nairóbi
Dlab Hub, Eldoret
<p>200 mil agricultores usam o

314
AMBIENTES DE
Farmerline, sistema de orientação sobre
clima e preço das safras</p>
<p>250 mil produtores são associados
Buni Innovation Hub,
Dar es-Salaam

INOVAÇÃO (1) ao Tratror Tractor, aplicativo para


aluguel temporário de um trator</p>

US$ 367
MILHÕES INVESTIDOS <NIGÉRIA>
Bandwidth Barn, Cidade do Cabo
SmartXChange, Durban
EM STARTUPS DE <p>23 ambientes de inovação JoziHub, Johannesburgo
TECNOLOGIA EM 2016
<p>US$ 1 bilhão é o valor de mercado

US$ 31
da Jumia (AIG Group), empresa de varejo
online e primeiro unicórnio do continente

BILHÕES EM <p>11 países africanos têm usuários dos


INFRAESTRUTURA DE serviços da Jumia atualmente </p>
TELEFONIA ATÉ 2020 (2)

1,1 milhão
<UGANDA>
<p>12 ambientes de inovação</p>
DE EMPREGOS NO SETOR
<p>Quase 80% da população não tem acesso
a eletricidade. Startups como a Mandulis, que
Hoje extrai energia de biomassa, vêm lidando com o
problema </p>
<p>660 mil pessoas são atendidas pela Fênix <QUÊNIA>
731 milhões de Intl, que vende painéis solares
celulares, sendo... <p>27 ambientes de inovação</p>
<p>US$ 14 milhões foram gastos pelo Google
300 milhões de numa rede wi-fi na capital, Kampala </p> <p>É o principal centro tecnológico do Leste
smartphones Africano e referência em fintechs. Foi pioneiro em
33% de penetração pagamentos e transferências por celular</p>
e uso de wi-fi <ÁFRICA DO SUL>
<p>45 milhões de pessoas usam o M-Pesa,
<p>54 ambientes de inovação </p> sistema de pagamento digital da Safaricom</p>
Até 2020 <p>Primeiro país na região a atrair a atenção <p>10% das transações financeiras feitas no
de grandes empresas de tecnologia</p> mundo por celular acontecem no Quênia</p>
942 milhões de <p>Dois data centers da Microsoft devem <p>80 mil empréstimos diários são feitos pelo
celulares, sendo...
ser abertos no país este ano</p> celular. O KCB, principal banco do país, emprestou
498 milhões de <p>US$ 100 milhões é a meta de
desse modo US$ 17 milhões em 2016</p>
smartphones
investimento da IBM em pesquisa no <p>Mil pequenos comerciantes começaram a ser
60% de penetração e continente até 2024. O laboratório na África atendidos em 2017 pelo serviço Kionect, criado
uso de wi-fi do Sul estuda urbanismo e saúde</p> pela Mastercard com a startup Musoni </p>

(1) São considerados “ambientes de inovação” cidades que promovam políticas públicas para incentivar negócios e investimentos de base tecnológica e também espaços físicos
onde empreendedores podem compartilhar equipamentos, fazer contatos e receber mentoria (2) investimento das operadoras da região na infraestrutura

Fontes: Banco Mundial, EY, GSMA, Mastercard, Partech Ventures, Tufts University Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 41
A ÁFRICA É
UM CAMPO
DE TESTES DE
CONDIÇÕES
EXTREMAS – E DE
OPORTUNIDADES
– SEM IGUAL
NO MUNDO

42 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Divulgação


ÁFRICA

POBREZA Kawangware, uma das


maiores favelas de Nairóbi. Mais de 250
mil pessoas vivem ali, sem rede de esgoto
e com alto índice de violência

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 43


CONECTADA Edi Mgaiga, em frente à sua duka (banca), onde vende legumes, peixe seco e sabão. Com um
serviço novo chamado Kionect, ela pede as mercadorias por celular e se abastece diariamente

foi fundada por três executivos – os ingleses Chad e a incrementou, com análise de dados detalhada de
Larson e Nick Hughes, com o canadense Jesse Moo- suas potenciais consumidoras. Em vez de simples-
re – que haviam trabalhado por anos no Quênia, com mente revender peças, a Fashpa reuniu artesãs para
telecomunicações e finanças, e decidiram empreen- fabricá-las, depois que Honey descobriu que valeria a
der. Se o Quênia dispara startups em série, na Nigéria pena trabalhar com design exclusivo e inspirado em
parece haver outra gigante em gestação, no rastro do peças tradicionais. “Logo, logo, teremos mais um uni-
unicórnio Jumia. córnio”, anuncia ela em seu blog, acompanhado por
Trata-se da empresa de e-commerce Fashpa, fun- centenas de africanas.
dada pela ex-executiva Honey Ogundeyi. Depois de As oportunidades vistas pelos empreendedores
viver anos na Europa, onde trabalhou em companhias nativos não escapam do radar de companhias globais.
como McKinsey, Ericsson e Google, Honey decidiu Elas veem na África duas possibilidades atraentes – a
criar algo que ela mesma gostaria de ter encontrado primeira, a expansão de negócios num ritmo impensá-
quando voltou à Nigéria, em 2015 – um canal para vel em mercados maduros e mesmo na China (a África
compra de roupas online. Partiu de uma ideia simples abriga seis das 12 economias que mais cresceram no

44 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


inclusive em cargos de gestão, e que há transferên-
cia de tecnologia. Trata-se de uma versão distinta da
apresentada pelos que viam o avanço da China apenas
como uma nova onda colonialista.
Os mesmos fatores que atraem os chineses levam
Microsoft, IBM, Google e Facebook, entre outras, a
ter planos ambiciosos por lá. As quatro ajudaram o
iHub no início e continuam a fazer parte do ecossis-
tema – mas agora como parceiras de negócios em vez
de doadoras. “Elas usam o iHub para prospectar no-
vas oportunidades ou profissionais capacitados para
alguns de seus empreendimentos pelo continente”,
diz Njoki. Mark Zuckerberg visitou o espaço de co-
working em 2016, ainda nas antigas instalações. Saiu
de lá falando bem. “É inspirador ver como os enge-
nheiros estão conseguindo criar soluções para ajudar
a comunidade”, disse. Em outra parada, na Nigéria,
país mais populoso da África, concluiu: “É aqui que o
futuro será construído”.
O discurso tem tido resultados práticos. No ano
passado, a Microsoft apresentou seu projeto de abrir,
em 2018, seus dois primeiros data centers no conti-
nente, na Cidade do Cabo e em Johannesburgo, na
África do Sul. Facebook e Google anunciaram pla-
nos independentes para instalar redes de fibra ótica
– respectivamente, 800 quilômetros em Uganda, em
parceria com as operadoras locais Airtel e BCS, e mil
quilômetros em Gana (o Google já havia instalado ou-
tros mil quilômetros em Uganda). As duas empresas
mundo de 2014 a 2017, segundo o Banco Mundial); a avaliam estratégias mais mirabolantes de oferecer co-
segunda, um campo de testes de condições extremas bertura de internet a grandes áreas com custo menor –
para experimentar produtos e serviços. já falaram em usar drones e balões. Enquanto avaliam
Por isso o governo chinês apresentou no ano passa- essas possibilidades, porém, movimentam-se de for-
do uma estratégia de investimento de US$ 60 bilhões ma pragmática, conectando cidades importantes com
no continente. Em 2017, a China superou os Estados a boa e velha fibra ótica.
Unidos como maior investidor na África, pelos cálcu- Ao mesmo tempo, a IBM cria um banco de dados
los do jornal britânico Financial Times. Apenas uma sem igual a respeito de uso da água e recursos naturais
fração desse dinheiro vai para empreendimentos de por tribos no norte do Quênia. O trabalho é conduzi-
base tecnológica. Mesmo assim, a dinâmica desses ne- do a partir de um centro de inovação em Nairóbi, com
gócios parece ser mais benéfica aos africanos do que coordenação do cientista Jonathan Lenchner, que se
se pensava anteriormente. A consultoria McKinsey instalou na cidade em 2016. Ele foi um dos responsá-
fez uma pesquisa de campo, no ano passado, em oito veis pelas demonstrações públicas da capacidade da
países africanos. Avaliou a atuação de companhias inteligência artificial Watson e continua a usar IA em
chinesas de diversos setores, como as fabricantes de seu trabalho na África. Sua equipe em Nairóbi inclui
equipamentos de telecomunicações Huawei e de ce- a engenheira americana Aysha Walcott-Bryant. Parte
lulares Tecno. Concluiu que, na maioria dos casos, da rotina dela é sair a campo em busca de dados sobre
elas geram empregos de boa qualidade para africanos, malária. “O maior desafio é convencer enfermeiras,

foto: Divulgação Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 45


agentes de saúde pública e a população em geral sobre
a importância de preservar informações”, diz Aysha.
“Ainda não há aplicação comercial para o que fazemos
aqui”, diz Lenchner. “Mas a partir desse trabalho te-
mos subsídios para muitas inovações.” Outra equipe,
num centro de inovação similar, em Johannesburgo,
África do Sul, estuda políticas de saúde e urbanismo.
Os laboratórios da IBM na África produziram, em
poucos anos, 22 patentes.
É nas microfinanças, porém, que a África subsaa-
riana se mostra o maior front de experiências do mun-
do. A região abriga um décimo do total global de as-
sinantes de telefonia móvel e segue com a maior taxa
de crescimento no mundo, 6,5% ao ano, segundo a
consultoria GSMA. Até 2020, haverá quase 1 bilhão de
telefones, metade deles smartphones. O acesso a redes
4G, hoje ainda raro, deverá chegar a quase metade da
população. A difusão de serviços móveis tem efeitos
mensuráveis em bem-estar e crescimento econômico.
Com 250 mil habitantes, Kawangware forma uma
das maiores favelas de Nairóbi. As habitações são er-
guidas com placas de ferro, papelão ou barro. Não há
rede de esgoto e o índice de violência é altíssimo. Os
desafios para tocar um negócio ali são imensos. Mãe
solteira, com duas filhas, Edi Mgaiga, de 33 anos, her-
dou do pai uma barraca, uma duka, em uma esquina.
As dukas, geralmente informais, vendem frutas, vege-
tais, peixe seco, sabão em barra e arroz à comunida-
de local. Até pouco tempo, todo dia, antes de abrir a
barraca, Edi tinha de fazer longas caminhadas até um desenvolver um produto viável economicamente e que
kaskazi (espécie de atacadão) para comprar as merca- pudesse ao mesmo tempo atender a população mais ca-
dorias. Voltava com quilos de produtos nas costas, sob rente do país”, afirma Michael Elliott, vice-presidente
o risco de ser assaltada. “A violência é muito compli- da Mastercard para inclusão financeira. “Mas com essa
cada por aqui”, conta Edi. “Tinha medo de pedir para experiência abrimos oportunidades para oferecer esse
minhas filhas fazerem isso. Mas o tempo que gastava tipo de solução a vários outros mercados emergentes.”
para ir e vir do kaskazi era um tempo que eu deixava Iniciativas como o Kionect ajudam a fazer do Quê-
de vender. Ganhava menos.” nia uma referência mundial em meios de pagamento
Recentemente, Edi descobriu o Kionect, um siste- digitais. O caminho começou a ser traçado em 2007,
ma que permite a pequenos comerciantes pedir e pagar quando a Safaricom, subsidiária da Vodafone e maior
por pedidos de produtos usando o celular. Agora, logo operadora do Quênia, lançou o M-Pesa. O serviço foi o
pela manhã, ela aciona o aplicativo, escolhe o que vai primeiro do mundo a oferecer a comerciantes e clien-
querer e em 20 minutos recebe um motoqueiro com tes a possibilidade de pagar contas usando um aparelho
suas mercadorias. “Estou achando uma maravilha”, diz de telefone, e contribuiu de forma decisiva para a inclu-
Edi. Criado por iniciativa da Mastercard em parceria são financeira do país. Um estudo do MIT apontou que,
com uma startup especializada em microfinanças, a simplesmente por ter acesso ao M-Pesa, 2% dos domi-
Musoni, o Kionect já atende a mais de mil dukas das cílios quenianos foram retirados da pobreza entre 2008
regiões mais pobres de Nairóbi. “Foi um grande desafio e 2014. Também graças ao M-Pesa o Quênia surgiu pela

46 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Divulgação


LIÇÕES Crianças da periferia de Nairóbi usando o sistema da BRCK, uma startup local. Os tablets
garantem a professores e alunos acesso a conteúdo pedagógico mesmo com fornecimento de energia incerto

primeira vez no mapa das grandes empresas de tecno- várias startups africanas, Bhattacharya conta que ele
logia, e a África passou a se destacar como um bom des- próprio passou de incrédulo a entusiasta do movimen-
tino para investimentos no setor. A alta conectividade to de inovação. “No começo, quando vi aqueles jovens
(mesmo que por redes 2G e 3G) desempenha hoje um em pufes coloridos, tomando café gratuito e discutin-
papel fundamental no desenvolvimento social e econô- do aleatoriamente um monte de ideias, duvidei do que
mico da África e é a principal plataforma para inovação estava acontecendo”, diz. “Hoje, posso afirmar: não há
em vários países. Não se pode dizer quanto vai durar o time mais engajado para promover mudanças.”
bom momento, mas há algo em construção – multipli- Da varanda do iHub, Njoki aponta para a vista.
ca-se rapidamente o número de ícones locais do em- “Não é bom estar aqui?”, pergunta. Ela mesma res-
preendedorismo. “A inovação vem do conhecimento, e ponde: “Os ventos estão favoráveis. Havia espaço para
geralmente é um processo que pode ser construído so- evoluir e estamos abraçando essa possibilidade com
bre experiências anteriores”, diz Kamal Bhattacharya, todas as nossas forças”.
CIO da operadora queniana Safaricom. Atual presiden-
te do conselho de administração do iHub e mentor de COLABOROU Marcos Coronato

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 47


O GOOGLE DOS

G I F
Com 300 milhões de usuários/dia e parcerias com quase todas as
companhias de mídia dos Estados Unidos, o Giphy, maior produtor de GIFs
do planeta, prepara-se para revolucionar a publicidade na internet

NICOLE LAPORTE, publicado originalmente na Fast Company


GOOGLE DOS GIFS

ENTADOS EM uma sala elegante de um estúdio

S
de Los Angeles, jovens com laptops no colo assis-
tem atentos à cerimônia de entrega do prêmio
Emmy. Sua missão pode parecer simples: eles
precisam criar GIFs com cenas marcantes da fes-
ta. Para quem acaba de voltar de uma temporada em Marte, GIFs
são aqueles vídeos de poucos segundos, com imagens que se repe-
tem, compartilhados nas redes sociais para dar um toque diverti-
do às conversas. Fragmentos de cultura pop, funcionam como
metacomentário sobre o assunto em questão. No caso do Emmy,
os GIFs serviriam para destacar, ao vivo, pontos altos da cerimô-
nia. Depois, continuariam em circulação, pontuando pequenos
momentos e situações. Os jovens em questão eram funcionários
do Giphy, maior produtora de GIFs do planeta, com 2 bilhões de
compartilhamentos por dia.
Naquela noite de setembro, bastaram segundos de transmissão
para a equipe do Giphy encher a homepage do Emmy de GIFs com
atores de séries famosas. Então veio o momento mais polêmico da
noite: Sean Spicer, ex-porta-voz da Casa Branca, subiu num falso
púlpito e parodiou o infame discurso feito por ele mesmo, no qual
afirmava que a cerimônia de posse de Donald Trump havia atraí-
do “o maior público de toda a história”. Ávida por produzir o GIF
mais perfeito da noite, a equipe do Giphy começou a editar vídeos
em velocidade enlouquecedora. A proposta não era mostrar o rosto
de Spicer: parte da genialidade da empresa está em não publicar
clipes óbvios. Em vez disso, a equipe foi atrás das expressões per-

S
plexas e incrédulas da plateia. Uma das cenas mostrava a atriz Anna
Chlumsky, da série Veep (HBO), no momento em que se contorcia
na poltrona e, com olhos saltados, fazia uma expressão de “que dia-
bos está acontecendo?”. Em minutos, o clipe com a expressão hila-
riante de Anna viralizou no mundo inteiro. Uma semana depois, o
GIF tinha mais de 13 milhões de visualizações.
Registros de reações inusitadas, gatinhos batendo palmas com
as patas, trechos antigos da série Friends, o ex-presidente Barack
Obama deixando o microfone cair displicentemente no chão: essa
é a língua falada pelo Giphy, a empresa responsável pelo sucesso
dessa nova forma de comunicação. Embora curtíssimos, os vídeos
fazem sucesso porque são capazes de expressar muito mais nuan-
ces de emoção do que um emoji. Mais importante ainda: GIFs ofe-
recem possibilidades infinitas. Só o Giphy publica milhares de ima-
gens em movimento todo dia.
A escolha do clipe perfeito para cada situação vai além da ex-
pressão de um sentimento específico. “Se você quiser dizer ‘eu te
amo’ de um jeito romântico, pode usar um GIF do filme Top Gun.
Mas, se a ideia é mostrar o quanto gosta da sua filha, talvez um vídeo
da Disney funcione melhor”, diz Jeremy Liew, sócio da Lightspeed
Venture Partners, um dos fundos que investiram no Giphy. “O GIF

fotos: reprodução Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 49


GOOGLE DOS GIFS

confere emoções e contexto a plata- bem que precisam buscar uma forma Chung advoga
formas de mensagens que antes não de gerar receita. Aos 42 anos, Chung em causa própria,
tinham esse tempero. Isso aumenta a tem idade suficiente para se lembrar claro. “Está todo
expressividade dos posts.” Dominic da bolha ponto.com nos anos 90. mundo migrando
Poynter, diretor de estratégia de co- Indagado sobre fontes de receita do para o formato de
municação da agência de publicidade Giphy, que já foi avaliado em US$ 600 seis segundos do
Droga5, vai um pouco mais longe. “Os milhões, ele reage de forma comedi- GIF. O YouTube
GIFs estão se transformando numa da: “Geramos receita. Poderíamos fez isso. O Face-
moeda social. Uma pessoa que usa um gerar lucros expressivos em um mês, book está fazendo.
clipe de um jeito diferente, habilido- se quiséssemos. Mas nosso objetivo Só que domina-
so e preciso ganha destaque imediato é atingir crescimento exponencial e mos esse formato
nas redes sociais. É como alguém que sustentável”. Ao lado da equipe de 75 há anos e temos as
escreve frases espirituo- funcionários, Chung pas- ferramentas para
sas ou tira lindas selfies.” sou os últimos anos pre- continuar no topo.
Dois bilhões de GIFs parando a empresa para Contamos com a
são compartilhados diaria- garantir essa expansão de maior distribuição
mente no site Giphy.com longo prazo. A próxima mundial de microvídeos, em plata-
e nas outras plataformas etapa acontecerá ao longo formas móveis, no desktop, em qual-
em que o Giphy está inse- dos próximos 12 meses, quer lugar.” Para ele, o ponto crucial
rido: Facebook, Twitter, quando o Giphy lançará da história é que o Giphy faz propa-
Tinder, iMessage e Slack. produtos para publicidade ganda sem cara de propaganda. “Se o
Embora esses números e ferramentas precisas de GIF é bom, as pessoas vão usá-lo para
não possam ser compara- medição de audiência. se comunicar, para rir, para se infor-
dos aos de outras redes, Muitos observadores mar”, diz o COO e cofundador, Adam
certamente causam inveja do cenário de publicida- Leibsohn. Chung completa: “Não es-
a Snapchat (173 milhões de de digital acreditam que tamos considerando uma receita de
usuários por dia) e Twitter o domínio da dupla Face- milhões, nem mesmo de centenas de
(a empresa não divulga ao book/Google ainda con- milhões de dólares. Estamos falando
dados, mas estima-se que tinuará por alguns anos. em bilhões. Mas como chegar lá? É
sejam 157 milhões de usuá- Mas crenças arraigadas preciso ser revolucionário”.
rios por dia, segundo o site como essa existem para
de tecnologia Recode). serem subvertidas. Se al- lll
Vale ressaltar que Snap- guém é capaz de derru- CIDADE DAS ILUSÕES_ O sonho
chat e Twitter têm ações bar esse monopólio, diz de chegar a uma receita bilionária
negociadas em bolsa, en- Chung, é o Giphy. “Todo começou em 2014 – um ano depois
quanto o Giphy tem capi- mundo sabe que a publi- da fundação da empresa. Chung ha-
tal fechado. “Ainda vamos cidade na internet tem via pedido a um analista de dados
crescer muito”, diz o fun- um lado capenga”, afir- que estudasse as solicitações de pes-
dador e CEO, Alex Chung. ma. São muitas as quei- quisa recebidas pelo Giphy. “O cara
“Acredito que podemos xas das empresas sobre nos mostrou que 80% das buscas
nos tornar três vezes maio- a imprecisão das métri- eram por conteúdo ligado à cultu-
res do que somos agora.” cas no mundo digital, as
No mundo digital, não questões relacionadas à
IMAGENS ANIMADAS Os fundadores
são raras as histórias de imagem das marcas e os
Alex Chung e Adam Leibsohn viraram
fundadores que encon- formatos ultrapassados GIFs (à esq.) no site da empresa. A
tram com facilidade seu como banners, janelas cada dia, 300 milhões de usuários
público, mas depois perce- pop up e native ads. visitam o Giphy.com

50 epocanegocios.globo.com
NOTÍCIAS ANIMADAS Chung e Leibsohn falam sobre o formato em eventos como o TechCrunch

ra: televisão, cinema, celebridades”, A estratégia de 2014 lembrava maior com seus clipes. Aí Chung e
afirma. Diante dessa informação, a o que o Twitter havia feito em seus Leibsohn perceberam a necessida-
equipe decidiu passar dois meses primórdios, quando seu fundador de de desenhar um plano cuidadoso
em uma casa alugada em Los Ange- foi a Hollywood mostrar às redes de para trabalhar com as redes sociais.
les. Nsse período, os representantes televisão, aos produtores e às cele- Era fundamental convencer cada
do Giphy reuniram-se com executi- bridades o valor real da plataforma rede a criar um botão especial para
vos de estúdios de cinema e canais de microtextos. Nos dois casos, tra- os usuários que quisessem incluir
de TV, para obter os direitos de uso tava-se de uma permuta, que não en- GIFs em seus posts. O Facebook foi
das imagens produzidas por eles. volvia receitas, mas abria portas. “O um dos primeiros alvos. “Sabíamos
No início da carreira, Chung havia pessoal de Hollywood é meio pre- que, se nossos GIFs entrassem na
trabalhado na Viacom: a experiên- guiçoso”, brinca um especialista em rede, a coisa ganharia outra dimen-
cia lhe rendeu bons conhecimentos marketing digital. “Se você propuser são”, diz Chung.
sobre licenciamento de direitos de algo fácil e grátis, eles provavelmen- O problema é que, na época, o
obras de arte. Ele sabia como ofere- te vão aceitar.” Liew, da Lightspeed Facebook era contra a publicação
cer contratos atraentes para as em- Venture Partners, diz que Chung de GIFs em suas páginas. Para dri-
presas detentoras das imagens. Em percebeu o potencial de juntar a in- blar o problema, o Giphy criou um
troca de acesso ao conteúdo de pro- dústria de entretenimento aos GIFs. truque de engenharia capaz de fa-
gramas como Os Simpsons, o Giphy “O formato permite fatiar e depois zer os clipes aparecerem nos feeds
faria uma parceria com as equipes de costurar novamente toda a história dos usuários, sem violar as regras
marketing dos canais de TV para de- do cinema e da televisão”, afirma. da casa. Finalmente, os microvídeos
senvolver uma “estratégia de GIFs”. O verão passado em Los Angeles foi estavam presentes na maior rede so-
Trocando em miúdos: o pessoal de tão bem-sucedido que a equipe do cial do planeta. “Dois anos depois,
Chung ajudaria as empresas a criar Giphy decidiu repetir a tática mais estávamos na conferência anual F8,
páginas originais dentro do Giphy e duas vezes, em 2015 e 2016. no Facebook, e assistimos ao próprio
a produzir clipes próprios, usando À medida que conseguia acesso Mark Zuckerberg enviar um GIF
a “máquina de tags” criada pela em- a um conteúdo cada vez mais cobi- nosso para David Marcus, chefe do
presa – que é capaz de encontrar os çado, vindo de gigantes como Dis- Messenger, no palco”, conta Chung.
melhores momentos em uma cena. ney e CBS, o Giphy ganhava alcance Mais uma barreira havia sido derru-

fotos: reprodução Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 51


bada. Na sequência, o Giphy garan- comunicação digital.
tiu outras vitórias. “Uma das nossas Queremos que nossa
maiores conquistas foi colocar GIFs marca, nossas séries
no Twitter”, conta Chung. “Ninguém e nossos personagens
havia feito isso antes. Depois vie- façam parte da linguagem da nova reu – do Facebook para o Twitter, do
ram o Slack, o Tinder e muitas ou- geração.” Twitter para o iMessage e assim por
tras plataformas. Temos GIFs até no Mesmo empresas que não são diante. O problema é que as marcas
Outlook. E não pretendemos parar.” parceiras oficiais do Giphy usam ainda estão no escuro sobre quem vê
A crescente disponibilidade do seus serviços para aumentar a inte- os clipes. Perguntei a um diretor de
conteúdo do Giphy fez a empresa ração com os fãs. O público da série marketing se ele tinha dados mais
ganhar escala em ritmo vertiginoso. Real Housewives, do canal Bravo, usa detalhados sobre isso. “Faz essa per-
“Eles são o Google dos GIFs”, diz o site da empresa para fazer milha- gunta para o Giphy”, respondeu ele.
Jonathan Perelman, diretor de in- res de uploads de GIFs com as caras “Também quero saber.”
vestimento digital da ICM Partners. e bocas de suas personagens prefe- Atualmente, as marcas já sabem
“Se você precisa de um microvídeo, ridas. Adam Zeller, vice-presidente como usar o Facebook, o Twitter ou
é lá que vai procurar”, acrescenta. “A de redes sociais da Bravo & Oxygen o YouTube para atingir, por exemplo,
empresa se transformou numa peça Media, reconhece a importância das mulheres com menos de 25 anos que
fundamental da nossa estratégia de ferramentas que o Giphy fornece gostam de filmes de terror. “Esta-
marketing digital”, diz Dana Flax, aos usuários – tais como câmera e mos desenvolvendo tecnologias de
diretora de mídia digital e social da teclado. Isso permite que qualquer rastreamento de informações seme-
HBO. “Hoje, quando programamos um crie os próprios vídeos de seis lhantes às usadas pelo Facebook, e
uma campanha, sabemos que ela pas- segundos. “Na Bravo, costumamos vamos lançá-las nos próximos me-
sará obrigatoriamente pelo Giphy.” A dizer que uma imagem vale mais do ses”, diz o fundador do Giphy. No
HBO tem mais de 30 páginas no site que mil palavras – e um GIF vale 1 caso do Facebook, o tráfego que a
da empresa de Chung, com cerca de milhão”, afirma Zeller. rede gera para as marcas é cobrado
7 mil GIFs. Os clipes Mas a lua de dos clientes (coisa que não acontecia
não cobrem apenas mel do Giphy com no início). Chung, porém, é categóri-
séries óbvias, como Revolução Hollywood pode co: “Não cobraremos pelo que já es-
Game of Thrones, azedar à medida tamos fazendo agora”. Leibsohn con-
mas também títulos
na mídia que os sócios co- firma que o assunto já foi discutido
que já saíram do ar, meçam a explorar nas conversas entre a empresa e os
como o humorístico novas formas de fornecedores de conteúdo. “Nossos
Larry Sanders Show.
2 bilhões faturar com a com- planos para gerar mais receita par-
de GIFs são compartilhados
Isso prova que o Gi- todo dia no site do Giphy e em panhia. A primeira tem da cooperação com os interesses
phy é capaz de man- plataformas como Facebook providência nesse de nossos parceiros”, afirma.
ter a relevância de sentido foi desen-
conteúdo antigo – e US$ 150 milhões volver ferramentas lll
até apresentá-lo a é o valor total dos aportes na para contabilizar a CENAS INÉDITAS_ Uma das estra-
plateias mais jovens. empresa. O mais recente aconteceu popularidade dos tégias para a companhia faturar mais
“O GIF permite pe- em outubro de 2016, quando a DFJ GIFs. Em agosto, será pedir aos clientes de entreteni-
Growth investiu US$ 72 milhões
gar um programa foi introduzida a mento que criem imagens exclusivas
que passou seis anos contagem de visua- para a plataforma. “Queremos cenas
fora do ar e dar a ele US$ 600 milhões lizações de cada feitas sob medida para o nosso for-
é o valor de mercado do Giphy.
um novo zeitgeist”, clipe. Agora, tam- mato”, explica Brad Zeff, diretor de
Os investidores apostam no
diz Dana, da HBO. potencial do negócio para mudar a bém é possível sa- conteúdo do Giphy. “Isso pode in-
“Os microvídeos são indústria do entretenimento ber o percurso que cluir as linhas narrativas principais e
uma nova forma de cada vídeo percor- os personagens secundários. Temos

52 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


de descobrir como usar o conteúdo ex-presidente do BuzzFeed. “De cer- Enquanto trabalha para conquis-
criado com nossos parceiros para ir ta forma, nosso site funciona como tar os chefes dos departamentos de
além de meras cápsulas ou de mo- um canal de televisão. Criamos pro- marketing, o Giphy afirma ter algo va-
mentos isolados. Estamos em busca gramação, temos uma grade, dividi- lioso para oferecer às marcas: acesso
da nova fronteira para os GIFs.” mos nossas atrações em blocos”, diz às emoções de milhões de consumi-
Zeff não entra em detalhes sobre Leibsohn. “Todo mundo está brigan- dores. “São poucos os sites capazes de
essa nova fronteira e ninguém mais do por aquela hora de programação reunir pessoas de todo o planeta, dis-
comenta o assunto. A empresa afirma no horário nobre, não é?”, diz Chung. postas a expressar seus sentimentos
que ao menos uma série de TV está Ele se refere à batalha cada vez mais em relação aos fatos que estão acon-
adotando a estratégia de criar GIFs feroz entre Amazon, HBO, Hulu, tecendo agora, em áreas diferentes”,
originais, como parte do processo de Netflix e outros para criar um novo afirma Chung. “Isso é extremamente
produção. Vale lembrar que, já na dé- épico de alcance global. A estratégia poderoso para uma plataforma em
cada passada, alguns canais criavam do Giphy, ao contrário, “é criar con- que a publicidade pode gerar receita.”
“webisódios” de séries populares, teúdo para que as pessoas deixem A proposta parece atraente: informa-
com o objetivo de atrair a atenção do ligado o dia inteiro. Se eles estão lu- ções demográficas somadas aos gostos
público. Nesse momento, o objetivo tando por uma hora de programação, e interesses dos usuários, acrescidas
do Giphy é criar cada vez mais con- nós vamos dominar as outras 23”. de um entendimento sobre seu com-
teúdo exclusivo, com material pró- Leibsohn teve uma carreira de portamento emocional. “O uso que as
prio e inédito, povoado por uma rede oito anos em publicidade antes de pessoas fazem do Giphy expressa suas
de artistas consagrados e supervi- fundar o Giphy ao lado de Chung. intenções em relação à nossa marca”,
sionado por um ex-produtor do pro- Para ele, a maioria dos anúncios cria- afirma James Poulter, gerente global
grama humorístico de TV Saturday dos hoje pelas marcas para a internet de redes sociais da Lego. A empresa
Night Live. As cenas inéditas devem são como penetras tentando entrar de brinquedos já produziu mais de 5
contribuir para gerar uma demanda numa festa para a qual não foram con- mil clipes curtos. “Temos de garantir
maior dos usuários. vidados. “As pessoas rejeitam qual- que nossos GIFs sejam os melhores,
Outra tática de atrair mais gente quer coisa que pareça falsa. Reverter os mais engraçados e mais divertidos.
para o site do Giphy é abusar dos GIFs esse quadro é o maior desafio das São essas as emoções que queremos
feitos ao vivo, no calor de eventos empresas”, diz Winston Binch, sócio representar. É maravilhoso quando o
como o Emmy ou a estreia de Game da agência Deutsch. O objetivo do Gi- usuário compartilha um clipe nosso
of Thrones. “Esse tipo de vídeo cria phy é criar anúncios de seis segundos para expressar um sentimento legal
no espectador urgência para acessar (ou convencer as marcas a fazê-lo) ou especial”, diz Poulter.
o site no exato momento em que as que tenham um espírito genuíno. Associar uma marca a um senti-
coisas acontecem”, diz Zeff. “O que O problema é que o formato ainda é mento de felicidade é muito valioso.
está acontecendo agora? Queremos muito novo. “O pessoal de marketing Chung e Leibsohn sabem disso. Só
que nossa homepage responda essa está demorando a entender o valor falta convencer os clientes. “Leva-
pergunta a cada minuto.” Essa nova que um vídeo curto pode trazer para mos quatro anos para reunir todos
perspectiva faz com que o Giphy o anunciante”, diz Jason Krebs, dire- esses donos de conteúdo do mundo
seja bem mais que um tempero para tor comercial da Tenor, empresa con- do entretenimento e convencê-los a
conversas: ele se torna uma fonte de corrente no mundo dos GIFs. “Eles permitir buscas nas suas imagens”,
informação constantemente atuali- querem ter certeza de que os vídeos diz Chung. “É uma questão de tempo
zada – como o Twitter, o Facebook serão vistos pelo público certo, no lu- até eles entenderem todas as possibi-
ou a rede digital de notícias Cheddar, gar certo. Queremos provar a eles que lidades que cabem em seis segundos
lançada em 2016 por Jon Steinberg, podemos conseguir bons resultados.” de imagens animadas.”

fotos: reprodução Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 53


54 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018
PROFISSIONAL DE FUTURO

A
REVOLUÇÃO
EDUCAÇÃO
EXECUTIVA
Escolas de negócio tradicionais viram seus currículos
do avesso para se manter relevantes em um mundo
onde já é possível aprender (quase) tudo pela internet.
Enquanto isso, as nascidas na era digital crescem
e multiplicam seus lucros – e discípulos. Aonde vai
dar a nova corrida pelo conhecimento

BARBARA BIGARELLI

SALA DE AULA DA SINGULARITY UNIVERSITY, NO CAMPUS DA NASA


Para profissionais do primeiro escalão, a escola que fez fama com a tese
das organizações exponenciais virou a nova meca do aprendizado

foto: divulgação Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 55


PROFISSIONAL DE FUTURO

N
A ERA PRÉ-SMARTPHONE – e lá se pregos (800 milhões até 2030, segundo os cálculos da
vai pouco mais de uma década –, tudo McKinsey) e de profissões tal qual as conhecemos hoje
parecia mais fácil. A estrada rumo ao to- por conta do avanço da tecnologia, as garantias simples-
po da pirâmide era sinalizada por meia mente a-ca-ba-ram. Para escolas, estudantes e empresas.
dúzia de escolas de grife, cursos de lín- A estrada deixou de ser linear e cedeu lugar ao sinuoso
guas estrangeiras e temporadas no exte- espectro das angústias. O escritor Yuval Noah Harari,
rior. Para um trainee, a diferença entre autor dos best-sellers Sapiens e Homo Deus, capturou
o descarte do currículo e um telefone- esse novo estado de ânimo: “Nem todos vão conseguir
ma do RH para a ambicionada entrevista poderia estar se reinventar. Até 2050 veremos o surgimento de uma
no inglês fluente e na chancela de “uma boa faculdade”. nova classe, a dos inúteis”, escreveu, em artigo publicado
A fim de escapar do cruel funil das no The Guardian e lido por milhões
empresas, pais aconselhavam filhos de usuários únicos na internet. Em
a prestar concursos públicos (ga- um país como o Brasil, em que a taxa
rantia de estabilidade) ou a se tornar média de desemprego anual atingiu
profissionais liberais (garantia de 12,7%, a maior da série histórica do

5
prestígio). Sonhos de consumo, me- IBGE, as apocalípticas palavras de

TOP
dicina, engenharia e direito garan- Yuval atingem volume mais alto. O
tiam status ad infinitum. Para quem cursos fantasma não é só o desemprego – e
se decidia por carreiras executivas, executivos sim a completa inutilidade. E ronda
por vocação ou falta de alternativa, cada escalão da vida corporativa.
a saída era chegar “por baixo” à sel- 5 MELHORES “O problema é que o modelo de
va corporativa, com a certeza de que MBAS DO MUNDO educação tradicional foi construído
a promoção dependeria de outros • Insead segundo a lógica industrial. E isso
fatores. Para a diretoria, um diplo- • Stanford University não funciona mais”, pondera Pascal
ma de MBA sempre contou pontos • Wharton School Finette, chefe do programa de em-
decisivos. Melhor ainda se viesse • Harvard Business School preendedorismo e inovação aberta
com o brasão das top 10 do ranking • Cambridge Judge Business School da Singularity University (SU) (leia
FONTE: FINANCIAL TIMES 2017
do Financial Times. Harvard e In- entrevista exclusiva à pág. 66).
sead arrancavam suspiros de pares, A SU foi fundada há dez anos, por
5 ESCOLAS EXECUTIVAS
recrutadores e chefias. Estudantes Peter Diamandis e Ray Kurzweil, no
EM ALTA
não tinham dúvida alguma sobre auge da crise financeira internacio-
• Singularity University
o retorno sobre o investimento, de nal, e logo se tornou referência no
• Hyper Island
tempo e dinheiro, a curto, médio e • Berlin School of Creative Leadership ensino de inovação e tecnologia. Ins-
longo prazos. Conquistas escolares, • General Assembly talada no Vale do Silício, tem como
portanto, exerciam efeito calmante • Minerva Schools at KGI investidores empresas como Google,
na trajetória profissional, sustenta- Cisco e Nokia. O indiano Salim Is-
vam cargos e mantinham a ordem e 5 MOOCS mail, ex-CEO da SU, ajudou a fazer
o progresso do lucrativo mercado de (MASSIVE OPEN a fama internacional da escola ao
educação executiva. ONLINE COURSES) escrever o best-seller Organizações
Grosso modo, esse roteiro fun- • edX (Harvard e MIT) Exponenciais, em 2014. O lançamen-
cionou por décadas como o alarme • Coursera to foi sucedido por um boom de po-
• Udacity
do bedel (ok, vale um Google aqui). • Duolingo pularidade. No livro, ele fala sobre a
Agora, contudo, despontam inequí- • DataCamp competição entre empresas em um
vocos sinais de esgotamento. Em mundo que muda em altíssima velo-
um momento de previsões nefastas cidade – e em que concorrentes (leia-
sobre o futuro do trabalho e o pro- se startups) podem devorar uma
gressivo desaparecimento dos em- corporação antes mesmo desta se dar

56 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


HYPER ISLAND A escola sueca dispensa professores de formação acadêmica, provas e regras.
Mas abusa dos post-its para incentivar os alunos a trabalhar em equipe e achar suas próprias respostas

conta da existência deles. Sua mensagem central, de tom um propósito claro: usar a tecnologia para gerar impacto
otimista, é que uma empresa pode multiplicar seu cresci- na vida de milhões de pessoas”, diz o CEO da HSM, Gui-
mento por dez com mudanças de gestão e tecnologia. Por lherme Soárez, fazendo coro ao que é frequentemente
isso, precisam de líderes que saibam fazê-las. No campus dito por Diamandis.
da SU, os alunos aprendem a pensar exponencialmente No Brasil, a SU conta com seis embaixadores, em São
em soluções para os grandes problemas da humanidade Paulo, Recife, Brasília, Porto Alegre, Uberlândia e Belo
– e não necessariamente nos consumidores dos produtos Horizonte. “Durante uma semana, aprendi mais do que
da sua empresa. É com essa proposta, humanista, mas de em um ano inteiro”, diz Conrado Schlochauer, ex-aluno
forte viés tecnológico, focada em cursos curtos e corpo da escola e, agora, o seu embaixador paulista. Por lá, as
docente que muda a cada temporada, que a SU tem atraí- disciplinas que pautam o programa acadêmico são bem
do a elite corporativa global para o seu campus, instalado diferentes das encontradas nas tradicionais escolas de
numa base de pesquisa da Nasa. Dezenas de brasileiros, a negócio: neurociências, genética, inteligência artificial,
exemplo de Rodrigo Galvão, presidente da Oracle no Bra- cybersegurança. Ex-CEO do LinkedIn no Brasil, Osval-
sil, e Paula Bellizia, da Microsoft (veja quadro na pág. 61), do Barbosa diz ter voltado da SU com a cabeça bem mais
já foram para lá ao custo de pequenas fortunas. Uma se- aberta. “Saí com conhecimentos sobre aspectos do setor
mana sai por US$ 14,5 mil. Os brasileiros, aliás, têm se tor- de tecnologia que nunca tinha reparado antes, ainda que
nado público cativo e, hoje, respondem por cerca de 20% tenha dedicado toda a minha carreira à área”, afirma ele,
da clientela. Não à toa, atraiu a atenção de grupos como que voltou ao Brasil para estruturar um fundo de inves-
HSM (o braço de educação executiva da Anima) e Mira- timento em startups. A Singularity também subverte
ch, de Porto Alegre, fundado por um dos embaixadores da a ideia clássica que temos a respeito de um professor, e
SU, Francisco Milagres. Juntos, eles vão realizar o SU Glo- recruta biomédicos, hackers, gerontologistas e astronau-
bal Summit, em São Paulo, em abril deste ano. O evento tas, com uma quedinha por empreendedores. Todos são
consumiu US$ 1 milhão em investimentos. “A Singularity entusiastas do que vem por aí, desde que façamos a nossa
é uma escola muito especial. Atrai os líderes porque tem parte. Em um trecho do documentário The University,

foto: divulgação Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 57


que conta a história da escola, o ex-astronauta e profes-
sor de robótica da SU, Dan Barry, diz: “Você está preocu-
pado, achando que os robôs vão dominar o mundo? Se
5 MELHORES você sair da sala e trancá-los, 99% deles não vão conse-
ESCOLAS DE guir sair. Vão bater na porta até ficar sem bateria”. Mas
NEGÓCIOS DA alerta. “Não se esqueça de que eles têm potencial.”
AMÉRICA LATINA O lançamento dos cursos da SU no Brasil, no fim do
• Fundação Dom Cabral (Brasil) ano passado, foi feito à boca pequena, mas lotou o audi-
• Ipade (México)
tório da IBM em uma noite quente de dezembro, em São
• Incae Business School
(Costa Rica) Paulo. Na plateia, formada pela “galera exponencial” de
• Universidad de los Andes potenciais interessados, como diziam os organizadores,
(Colômbia) estava o executivo Jean Saghaard, 44 anos, que há um
• Insper (Brasil) ano procura recolocação. Com experiência no mercado
FONTE: FINANCIAL TIMES 2017 financeiro e no de educação, além de um MBA da HEC,
de Paris, na bagagem, Jean explica o que o atraiu. “A Sin-
gularity goza das mesmas vantagens de uma startup. Foi
criada com um modelo voltado para o futuro. Nas esco-
las tradicionais, a inovação acaba sendo incremental. O
currículo não muda na velocidade necessária. Por isso,
fico muito mais tentado a estudar lá que reprisar um
MBA”, afirma Jean. Ele acabou de fazer um curso de Di-
gital Product Leadership, com a duração de dois meses,
no Tera, uma edtech (como são chamadas as novas star-
tups de educação) com um cardápio de cursos inteira-
mente voltado para novas habilidades digitais. Fundada
pelo empreendedor Leandro Herrera, 32 anos, a Tera

AULAS NA SINGULARITY Inteligência


artificial, neurociência e robótica,
sempre em grupo. Acima, Osvaldo
Barbosa, ex-CEO do LinkedIn (à esq.),
ao lado de Finette, da Singularity

58 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 fotos: divulgação


PROFISSIONAL DE FUTURO

aposta em um novo modelo para ensinar “habilidades do para habilidades específicas, e que as universidades
do século 21” para seus alunos. Um dos mais populares é não teriam condições de oferecer os cursos na velocida-
o Boot Camp, em que o aluno desenvolve competências de que os executivos precisam”, diz Liao, que já colocou
em pouco tempo e de forma bastante pragmática: o for- módulos inteiros no WhatsApp.
mato atende quem tem por objetivo encontrar emprego Uma outra modalidade de ensino que tem crescido
em novas carreiras. Dois exemplos: cientista de dados substancialmente são os MOOCs, ou massive open online
e designer de experiência do usuário (UX). “Você não courses (veja quadro na pág. 64). Nesse caso, os cursos são
vai achar um programador com MBA em negócios. Um oferecidos em plataformas online, de forma gratuita ou a
MBA para designer UX faz zero diferença. O mercado de baixo custo. É o caso da Coursera, da edX (fruto de uma
tecnologia não olha para títulos, e sim para capacidade parceria entre MIT e Harvard) e da Udacity. Navegar pelo
de entrega”, diz Herrera, que fundou há pouco mais de menu de ofertas dessas plataformas é uma experiência
um ano a escola, que está, segundo ele, em franca expan- interessante. Os temas que desfilam na tela são bitcoin,
são. Na mesma praia está a Gama Academy, de Guilher- python, ciências de dados... Destaque para uma diferen-
me Junqueira, 29 anos. Sua startup só atua sob demanda ça fundamental: é o próprio aluno quem monta o rotei-
de empresas que não estão conseguindo encontrar os ro de aprendizado, e não a escola. “O objetivo é oferecer
profissionais certos no mercado. “O mundo andou mais flexibilidade e personalização”, diz o CEO da edX, Anant
rápido que as escolas normais, e as empresas não con- Agarwal. Ao final, o aluno não recebe um só diploma, váli-
seguem achar pessoas com o perfil que precisam. É aí do para a vida inteira, e sim um “nanodegree”. A intenção
que eu entro”, diz Junqueira. Depois de ser reconhecido é que os estudantes colecionem tantos microcertificados
como o melhor professor da pós-graduação do Insper, quanto forem necessários ao longo de sua carreira.
uma das escolas de negócio mais prestigiadas do Brasil, Responsabilizar os alunos, e não somente os profes-
Liao Yu Chieh, 41 anos, também decidiu fundar a sua sores, pelo aprendizado, é a pegada da Hyper Island, da
própria edtech, a Idea9, plataforma de treinamento cor- Suécia (veja entrevista exclusiva com a CEO, Sofia Win-
porativo. Funciona como um Netflix empresarial. A di- gren, na pág. 70), que ganhou o honroso apelido de Har-
ferença é que tanto empresas quanto alunos pagam pelo vard Digital. Aqui, contudo, o foco não são habilidades
acesso aos conteúdos. “Vi que existia um gap no merca- técnicas, e sim os chamados soft skills, como a capacida-

SALA DE AULA DA BERLIN SCHOOL OF CREATIVE LEADERSHIP Pessoas criativas também podem ser bons líderes

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 59


de de adaptação mencionada por Finette no início desta Latina da Unilever, entusiasta do método. “A Hyper é o
reportagem. A Hyper chegou ao Brasil há quatro anos. melhor parceiro para te ajudar a hackear o seu negócio
Não tem sede física (exceto na Suécia, Reino Unido e Cin- e ter sucesso em um mundo volátil”, diz Enzo, usando
gapura), professores fixos ou grades curriculares. Ofere- um verbo moderninho. Faz alusão à sigla VUCA, usada
ce workshops, consultoria e as chamadas masterclasses, para descrever a volatilidade (volatility), a incerteza (un-
que duram não mais de três dias e têm por público-alvo certainty), a complexidade (complexity) e a ambiguidade
executivos de alto escalão de diferentes indústrias. Seus (ambiguity) dos tempos atuais.
instrutores não são celebridades do mundo acadêmico. Assim como a Hyper Island, a Berlin School of Crea-
Podem muito bem ser mágicos, performers e até crian- tive Leadership começou fazendo sucesso entre a turma
ças. As aulas são sempre diferentes, uma “experiência”. da economia criativa antes de conquistar alunos de ou-
“Nós entendemos que 50% do conhecimento está entre tras indústrias. No Brasil desde o início de 2017, a escola
os próprios alunos. E os ensinamos a fazer as perguntas alemã foi fundada em 2006 por um grupo de executivos
certas”, diz a guatemalteca Nathalie Trutmann, dire- que se diziam cansados da “tirania da mediocridade”.
tora-executiva da Hyper Island para a América Latina. Entre eles, o publicitário Michael Conrad. Neste ano,
Apesar da curta duração, os cursos de três dias chegam a a escola deve colocar em prática o conceito de Co-Tea-
custar mais de US$ 3 mil. “A experiência que oferecemos ching, em que empreendedores digitais trocam conheci-
é um produto de luxo”, diz Nathalie, que tem em sua lista mento com profissionais criativos. “Aprender é um pro-
de clientes empresas como Itaú, Bayer, Gerdau e Philips. cesso de interação”, afirma a CEO, Susann Schronen. O
Dona ela mesma de um MBA no Insead, Nathalie ex- MBA da Berlin School custa ¤ 55 mil.
plica que os executivos chegam pautados pela urgência Um ativo importante embutido no preço de todas
da “transformação digital”. “O C-Level vem até nós em essas escolas é a potencial rede de contatos formada
busca da realidade prática, e não de teoria”, diz. A abor- pelo aluno durante as “experiências”. Não importa ape-
dagem tem dado certo: só no ano passado, a escola viu nas o que você está aprendendo, mas com quem está
o interesse dos brasileiros dobrar. Mais de 2 mil execu- aprendendo. Uma grande sacada é misturar profissio-
tivos passaram por seus treinamentos. Entre eles, Enzo nais de diferentes indústrias, até então acostumados a
Devoto, vice-presidente de marketing para a América conviver somente em seus silos. Ao colocá-los em um

60 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: divulgação


PROFISSIONAL DE FUTURO

mesmo barco para viver experiên-


cias “memoráveis”, são construí-
dos laços profissionais mais fortes.
Com todo mundo junto e mistura-
do, forma-se uma comunidade que,
em certa medida, aplaca a angústia
trazida pelo VUCA.
A startup Knowledge Exchange
Sessions (KES) foi idealizada justa-
mente para tocar nesse nervo, ex-
plicam os sócios-fundadores Maria
Juliana Giraldo e Ricardo Al Makul,
ambos sem experiência prévia em
CURRÍCULO PARA QUÊ? À esquerda, participantes do hackathon do
Itaú, que resolveu adotar o método para selecionar desenvolvedores antes
educação, mas muita em marke-
de verificar seus perfis no LinkedIn. Acima, Leandro Herrera, fundador ting. “A essência da nossa propos-
do Tera, que desenvolve competências exclusivamente digitais ta é a troca de conhecimento entre
os próprios alunos”, afirma Maria,
enquanto celebra o terceiro ano de
vida da empresa. “Até ontem, isso
era um ppt”, brinca, em meio a de-
Onde os CEOs estão estudando zenas de executivos, de CEOs a con-
Líder não para de estudar nunca. Saiba por onde selheiros de empresas, que pagaram
12 presidentes passaram nos últimos anos R$ 22 mil (combo válido para duas
Escola Curso Ano pessoas) pelo “trek” de seis pales-
tras, incluindo a de Finette. No ter-
RodrigoGalvão, Oracle AntonioErmíriodeMoraesNeto, VOX raço, enquanto esperam que o guru
SingularityUniversity Harvard
ExponentialTechnologies ImpactInvestingforNextGeneration comece a falar sobre startups, eles
2017 2015-2016 trocam cartões e aproveitam a far-
ta mesa do café da manhã. Garçons
DavidFeffer, Suzano AntonioFadiga, Artplan
Stanford HyperIsland servem espumante; à mesa, há fru-
DesignThinkingBootcamp MasterClass tas, doces, diversos tipos de pães e
2017 2017 até um panetone gigante, intocado.
RachelMaia, Pandora Brasil PaulaBellizia, Microsoft Além das palestras com “figurões
FundaçãoGetulioVargas SingularityUniversity digitais”, o cardápio inclui viagens
CEOFGV ExponentialTechnologies para o Vale do Silício e Tel-Aviv, ao
2016 2017
custo de US$ 6 mil per capita. “Es-
TheovanderLoo, AndreaMenezes, tamos dando certo porque não fica-
Bayer Brasil Standard Bank
FundaçãoDomCabral NovaSchoolofBusinessandEconomics mos presos aos modelos engessados
CEO’sLegacy CorporateGovernanceandInnovation, das escolas de negócios”, diz Makul.
2017 anEuropePerspective No começo deste mês, mais um gru-
2016 po partiu rumo ao Vale – entre eles,
PabloDiSi,
Volkswagen Brasil ArturGrynbaum, OBoticário; JoséGalló, Arthur Grynbaum, CEO de O Boti-
Wharton,IeseeCEIBSBusinessSchool Renner; OttovonSotten, Tigre cário. Um alto executivo que prefe-
CEOGlobalProgram KESTrek,incompaniesebrandtracks
2017 PlataformaKES 2017 riu não se identificar baixou a voz e
cochichou para a reportagem: “Se
eu não aprender nada, pelo menos
aumento as chances de emprego”.

foto: TIAGO QUEIROZ / TERA Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 61


CAMPUS
DOS SONHOS
Colamos em uma só
imagem projetos que estão
em construção nos EUA,
Espanha e Cingapura. Saiba
o que as universidades terão

1 LABORATÓRIOS DE
PROTOTIPAGEM
Foi-se o tempo em que os labs serviam
só aos alunos de Ciências. Agora, os
executivos podem ser makers e inventar
seus próprios protótipos
2
2 AMBIENTE ABERTO
AO DEBATE
Para incentivar a troca de ideias e a
participação de todos, os futuristas
apostam em salas com cadeiras que
formam círculos

3 EXPRESSÃO ORIGINAL DE IDEIAS


Múltiplos quadros e lousas para os
alunos colarem post-its e projetarem
suas ideias e opiniões. Não há mais
lugar para o velho PowerPoint

4 SALAS CONECTADAS
Alunos sentadinhos em carteiras
ouvindo o professor? Esqueça. Aqui,
eles podem conversar por meio de telas
e hologramas. Tudo junto e misturado, 1
no modelo batizado de semipresencial

5 VIDA SAUDÁVEL
Nada de coxinhas ou refrigerantes na
lanchonete. Em agradáveis cafés, os
estudantes têm acesso a comida fresca
e variada – e excelente atendimento

6 BIBLIOTECA INTERATIVA
Antes silenciosas, quase sagradas,
as salas de leitura se tornam espaços
de discussão de livros que foram lidos
virtualmente. As obras físicas não
ficam tão à mão

7 NOVOS PAPÉIS PARA


O PROFESSOR
Mediador de debates, facilitador,
orientador... O prestígio do professor
continua, até para atrair palestrantes
para a turma. Mas sua função nunca
mais será a mesma

62 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 infográfico: barbara bigarelli, e verúcio ferraz


ilustração: jonantan sarmento
3

DE BIKE As universidades
do futuro estão abolindo os
estacionamentos para carros
e ampliando os espaços para
ciclistas e pedestres

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 63


VOCÊ É QUEM ESCOLHE
Na hora de decidir o que e onde estudar, uma boa estratégia é avaliar três critérios: quanto
tempo você vai gastar, o valor do investimento e a necessidade da sua presença. Siga o
diagrama abaixo e descubra o que faz a sua cabeça entre múltiplas possibilidades de estudo.

Flexibilização para estudar, Treinamento técnico e de gestão,


investimento menor do networking, possível experiência
que no modelo presencial, no exterior, valorizado em
valorizado nas empresas multinacionais

MBA ONLINE
+++
MBA
Especialização,
oportunidade de
conhecer novas
áreas, networking
++

TEMPO PÓS

+++
+++

PRESENÇA
++

+++
++
CURSOS
DINHEIRO
+

TÉCNICOS
+++

+++ + ++

Ajudam a
desenvolver
habilidades
específicas
+++ +++ LEARNTO
LEARN

+ Para “aprender a aprender”. Investem


MOOC’S nas soft skills e não oferecem diploma
convencional. Presencial, pode exigir
alto investimento
+

Os cursos online
abertos massivos
oferecem flexibilidade, + Python, machine learning,
variedade de temas e CURSOS xadrez, pintura e até macramê:
baixo investimento LIVRES vale de tudo para estimular
a criatividade

64 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 infográfico: barbara bigarelli


PROFISSIONAL DE FUTURO

Será que as novas escolas vão deixar as tradicionais sequer vão pisar numa classe. Seu papel será o de de-
para trás? “O grande dilema do executivo é: vale gastar senvolver o bot Paul. Os novos cursos terão um modelo
um dinheirão para lidar com problemas que talvez nem de negócios inédito também, com vistas à escala: R$ 99
existam em um futuro próximo?”, pondera o headhun- por mês. Ou seja, bem menos que os R$ 67 mil cobra-
ter Daniel Faria, da consultoria de RH Linco. Cursos dos pelo MBA. José Cláudio Securato, presidente da
de MBA nas escolas que ocupam o topo do ranking do escola, justifica seu movimento. “A educação executiva
Financial Times chegam a durar até dois anos e podem ainda continua com alicerces baseados em métricas do
custar mais de US$ 100 mil. Em meio a mudanças tão rá- passado, com artigos que nem os próprios professores
pidas, as escolas de elite enfrentam o desafio de formar leem.” No Center of Real Estate do MIT (Massachu-
líderes com cabeça de startup. Quem responde, sem hesi- setts Institute of Technology), em vez de cases, os pro-
tação, é Ângela Pêgas, sócia da consultoria internacional fessores produzem materiais multimídia, com vídeos,
de executivos Egon Zehnder. “Vale o investimento, sim. sons, fotos, tabelas e até games. “Dessa forma, fazemos
Um MBA em escolas com renome global ainda tem e terá com que o aluno mergulhe na realidade arquitetônica e
valor por muito tempo no mercado”, diz. Mas ela diz que visual do ambiente de negócios. O conteúdo tem de ser
o recrutamento está, sim, diferente do que já foi um dia. lindo”, diz o diretor da unidade, Albert Saiz.
“As empresas querem mais que um currículo estrelado.” Na espanhola IE Business School, estão em testes
Na prática, essa nova forma de avaliar tem provocado salas futuristas, onde os alunos são projetados em vá-
uma revolução, também, nos processos de recrutamen- rias telas, e somente o professor está presente. “É assim
to. Se por acaso você, leitor, entender de programação, que enxergamos o futuro da educação executiva, com
entre no LinkedIn do Itaú e deslize a página em busca relações semipresenciais”, explica o coordenador, Ne-
da vaga. Se souber a linguagem python, irá encontrá-la wton Campos. Melhor escola executiva da América La-
e descobrirá que o banco procurava, na verdade, um tina (com cursos de especialização que variam de R$ 30
cientista de dados. Se não for capaz de decifrar o códi- mil a R$ 100 mil), a Fundação Dom Cabral (FDC) acabou
go, bem, a vaga não era mesmo para você. O Itaú, assim de inaugurar o Tree Lab, também fruto de uma parce-
como dezenas de outras empresas, também tem promo- ria com a IBM e a MRV. “Estamos muito incomodados
vido hackathons (maratonas de programação) para sele- com esse cenário de novos produtos e tecnologias. Hoje,
cionar candidatos a diversas vagas. “Nós só olhamos para os alunos buscam propósito, valores, bem-estar”, afirma
o currículo deles depois que passam por esses desafios”, o presidente da FDC, Antônio Batista Júnior. Para aque-
diz Lineu Andrade, diretor de tecnologia do Itaú. Na mul- les que, como Batista, querem dominar as novas regras do
tinacional CI&T, os mesmos métodos já diminuíram em jogo, as pistas podem estar nos campi de Yale e Harvard,
30% o tempo médio de fechamento de uma posição. onde alunos fazem fila para aprender sobre felicidade e
Diante da demanda das empresas, escolas brasi- justiça. Ao vivo, e com professores de carne e osso.
leiras e estrangeiras tentam se mexer. No ano passado,
a Insead, número 1 do mundo, mudou integralmente o COLABOROU Thaís Lazzeri
currículo do seu MBA, que pas-
sou a ter coaches e conselheiros
digitais. “Hoje, nossa priorida-
de deve ser formar profissionais
criativos”, diz Virginie Fougea, di-
retora de recrutamento e admis-
sões do MBA da escola francesa.
No Brasil, a Saint Paul abraçou a
tecnologia e, em parceria com o O QUE SÃO AS SOFT SKILLS?
Habilidades mais comportamentais e menos técnicas são cada vez
IBM Watson, vai lançar em março mais demandadas pelas empresas. Diante do avanço da tecnologia,
a plataforma de inteligência arti- saber engajar equipes e ter rapidez para resolver problemas
ganha tanta importância quanto conhecimento em finanças
ficial LIT. Hoje, circulam pelos ou administração. O profissional do futuro precisa dominar as
corredores professores que nem soft skills. Saiba como desenvolvê-las no site da NEGÓCIOS.

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 65


PASCALFINETTE
CHEFEDOPROGRAMADE EMPREENDEDORISMOEINOVAÇÃOABERTADASINGULARITYUNIVERSITY
C A B EÇ A D E STA RT U P

INTENSIVÃO
Shit Done), um movimento para os
chamados doers, aqueles que reali-
zam e não ficam apenas no discur-

PARA SALVAR
so. Entre os conselhos que costuma
dar aos alunos, um tem peso maior:
“construa o que importa”.

O MUNDO
Ao conceber o que precisa ser
feito, ele acredita que há valor no
simples, contanto que tenha impac-
to – pode ser apenas uma ligação
entre os pontos A e B. “No final das
Não há espaço para pequenez na Singularity. contas, é descobrir o que aflige seu
A escola quer inspirar negócios visionários – e cliente e resolver o problema”, diz.
Mas exorta todos a tentarem agir
também a resolução de grandes problemas da diante de questões globais, como
humanidade, diz o executivo Pascal Finette pobreza e analfabetismo.
Finette divulga seus pontos de
vista em aulas e em seu site, The He-
SORAIA YOSHIDA retic (o herege). A linguagem é sem-
pre simples e direta. Ao comentar as
novas exigências éticas do mercado,
alerta os empreendedores: “vejo
ÃO É POUCA COISA a ambição da Singularity Univer- uma oportunidade colossal para to-

N
sity. A nada convencional faculdade, criada em 2008 dos que fazemos o que é certo. Você
em um centro de pesquisa da Nasa no Vale do Silício, será capaz de competir assimetrica-
tomou como missão capacitar líderes a resolver os mente com companhias de porte ou
grandes desafios da humanidade. Com a ajuda de tec- status muito maiores que os seus,
nologias em difusão exponencial e a formação de uma comunidade glo- mas que não conseguem enfiar na
bal, a instituição quer beneficiar 1 bilhão de pessoas. Delírio? O discur- cabeça o que é fazer o bem”. Apesar
so tem cativado muita gente graúda ao redor do mundo. de ácido, ele soa otimista. “Coletiva-
Os preços dos cursos da Singularity começam em US$ 5 mil por dois mente, estamos criando um mundo
dias. As turmas lotam – de jovens executivos a empresários do calibre de abundância tecnológica. Rapida-
de Jorge Paulo Lemann, homem mais rico do Brasil, todos atrás de um mente disponível, barato e fácil de
vislumbre do futuro de abundância que a instituição afirma ser possí- usar. Cabe a nós usá-lo da melhor
vel. Em 2019, ela deve abrir sua primeira unidade no Brasil, numa par- forma possível”, escreve.
ceria com a HSM. Nesta conversa com Época NE-
No comando do Programa de Empreendedorismo e Inovação Aber- GÓCIOS, durante sua passagem
ta da Singularity está o alemão Pascal Finette. Aos 44 anos, Finette é o por São Paulo, Finette exercita o
que se pode chamar de empreendedor serial: fundou várias empresas, pensamento crítico sobre o futu-
chefiou o grupo de soluções para plataformas do eBay na Europa e, mais ro no ponto que mais o atrai hoje:
tarde, o Innovation Lab, do Mozilla. Também trabalhou no Google.org a interseção entre educação e em-
e criou organizações como Mentor for Good e o GYShiDo (Get Your preendedorismo.

foto: Divulgação Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 67


C A B EÇ A D E STA RT U P

ÉPOCA NEGÓCIOS A tecnologia FINETTE Acho que há um conjunto cimento em dez, 20 anos? Ou será
muda tão velozmente que, no mo- de habilidades que gira em torno de alguma outra tecnologia que ain-
mento em que você deixa a facul- design thinking e também da resi- da está vindo? Qual a sua aposta?
dade, o conhecimento adquirido liência. Ambas podem ser ensina- FINETTE Já estamos vendo alguns
corre o risco de estar ultrapassa- das e aprendidas. Essas competên- sistemas centrados em inteligência
do. Será que precisamos usar na cias vão se tornar extremamente artificial sendo melhores do que
educação a mesma abordagem de importantes para quem quer pros- professores na escola. Acho que
um empreendedor para escolher perar na carreira. isso continuará acontecendo em
em que área atuar e fazer uso rá- uma escala ainda maior. Para ensi-
pido das habilidades aprendidas? NEGÓCIOS Salim Ismail [diretor- nar alguém a ler e escrever, mate-
PASCAL FINETTE Acho que há mui- executivo da Singularity Univer- mática básica, álgebra, habilidades
ta verdade nisso. O antigo modelo sity] disse que os jovens deveriam linguísticas, provavelmente usare-
de educação foi construído nessa desistir de fazer faculdade e se mos um computador com sistema
versão industrializada de educação, dedicar a algum problema que interativo dotado de inteligência
baseada em grande parte em apren- quisessem resolver. Vamos aban- artificial. Agora, ensinar a alguém
der fatos e ser capaz de recitá-los. donar de vez a educação formal importantes competências socioe-
No mundo para o qual caminhamos por um modelo mais dinâmico? mocionais, empatia e design thin-
– em que basta apertar um botão FINETTE Eu não acredito que te- king, eu não tenho certeza. Acre-
para ter todos os fatos de que você remos de abandonar a educação dito que continuará sendo muito
precisa, carros só dependem de um formal. Há muito valor no ensino importante ensinar relações inter-
comando de voz para ser ativados tradicional e organizado, mas creio pessoais, e não vejo isso perder re-
e o futuro está a apenas um pensa- que vamos nos afastar desse proces- levância tão rapidamente.
mento de distância –, precisamos so de aprender fatos e factóides, de
ensinar às crianças, e com certeza decorar informações, para chegar a NEGÓCIOS Adotar a mentalidade
também aos adultos, habilidades um nível muito mais elevado. Falo das startups é apontado como
como empatia, resiliência, adapta- de compreender o contexto e en- a “salvação” para grandes em-
bilidade, como avaliar e lidar com o tender a complexidade do mundo presas que querem sobreviver à
mundo novo em que vivemos. Essas, em que vivemos. Muitos sistemas revolução digital. O modelo das
sim, são as habilidades necessárias. que existem por aí não são bons o startups vai se sobrepor comple-
suficiente. tamente ao das companhias tra-
NEGÓCIOS As competências so- dicionais? Teremos milhões de
cioemocionais [soft skills] é que NEGÓCIOS Inteligência artificial, pequenas empresas e menos espa-
vão nos diferenciar, já que, de realidade aumentada e internet ço para as gigantes?
qualquer jeito, todos teremos de das coisas vão formar a base da FINETTE Se eu tivesse de adivinhar
aprender tecnologia? plataforma para adquirir conhe- – e aqui se trata mesmo de adivi-
nhar –, acho que veremos umas
poucas grandes companhias fazen-
do um trabalho muito importan-
te. Os Googles e Facebooks deste
mundo, não os vejo desaparecendo.
E veremos muitas, mas muitas star-
“NÃO VEJO EMPRESAS GRANDES tups. As companhias médias, essas
DESAPARECENDO. MAS AS provavelmente enfrentarão difi-
MÉDIAS SERÃO ESPREMIDAS culdades, porque não conseguem
competir com as gigantes e não são
PORQUE NÃO SÃO TÃO ágeis como as pequenas. Como o
ÁGEIS COMO AS PEQUENAS” ambiente e as regras são iguais para

68 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


todos, mais o fato de que nunca foi solver uma necessidade grande do BASTA DE DECORAR Na
tão fácil e tão barato abrir uma em- seu cliente. Que o seu produto ou Singularity, os alunos são
convidados a entender o
presa, acho que as companhias que serviço o coloque em uma posição
contexto de cada problema
ficarem nesse segmento do meio se- fundamentalmente melhor, com
rão espremidas. Mas há tecnologias, valor agregado. Se conseguir isso,
como a inteligência artificial, que para mim você construiu algo que
necessitam dos recursos de uma realmente importa. É claro que es-
companhia bem grande para evoluir sas necessidades e desejos vão mu- que conseguiremos criar algo para
mais rapidamente. É preciso contar dar com o tempo. A minha esperan- solucionar essas questões que real-
com um banco de dados enorme, ra- ça é que daqui a alguns anos mente importam? No final das con-
zão pela qual empresas como Goo- estaremos vivendo em um planeta tas, é descobrir do que seu cliente
gle, Facebook e WeChat estão tão no qual todo mundo tenha acesso a precisa e resolver o problema. E
bem posicionadas para tirar vanta- água potável e limpa, onde não haja isso pode ser tanto um brinquedo
gem dessa tendência no futuro. 775 milhões de pessoas que não são quanto uma usina de dessaliniza-
capazes de ler nem escrever. Será ção de água. Simples assim.
NEGÓCIOS O senhor tem uma ca-
miseta com a frase “Build What
Matters” [construa o que im-
porta] e fala sobre esse conceito
em seu livro [The Heretic: Daily
Therapeutics for Entrepre-
neurs] e em suas palestras. Em 20
anos, o que estaremos construin-
do ou criando que seja realmente NÃO É FICÇÃO
Durante cinco anos, o diretor Matt Rutherford e sua equipe
importante? Melhor: o que deve- acompanharam os trabalhos desenvolvidos na Singularity University
ríamos criar? para realizar o documentário The University. Com a participação
de Stephen Hawking e Ashton Kutcher, entre outros, o filme traz a
FINETTE (Pausa) O que realmente história de alunos que passaram por lá, exibe cenários futurísticos (e
importa é que você seja capaz de re- reais) e mostra a metodologia da instituição. Confira o trailer.

foto: AP Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 69


HYPER ISLAND

“TREINAMOS O ALUNO
PARA REAPRENDER”
A CEO da escola de negócios mais radical do mundo diz que a era digital
precisa de profissionais que saibam as perguntas (e não as respostas) certas
BARBARA BIGARELLI

M PRÉDIO nada ortodo-

U
xo na idílica costa de
Karlskrona, a cerca de
500 quilômetros de Esto-
colmo, Suécia, atrai centenas de estu-
dantes estrangeiros todos os anos. Eles
vêm estudar em uma ex-prisão militar,
onde, ao menos em teoria, aprendem
novas habilidades necessárias à trans-
formação digital. A Hyper Island, fun-
dada em 1996, prega um método de
ensino peculiar, sem professores nem
provas, baseado no desenvolvimento
de competências como engajamento,
motivação e trabalho em equipe. O
método ganhou popularidade entre
executivos mundo afora e hoje a escola
tem filiais no Reino Unido e em Cinga-
pura. Também montou sedes em vá-
rios países, onde funciona como con-
sultoria de transformação digital. Em
São Paulo, atua com seu braço consul-
tivo e com uma agenda de Master
Classes, ao longo do ano. “Alguns exe-
cutivos brasileiros me perguntam o
que precisam mudar, mas eles não
querem, de fato, mudar. Não entendem
que em alguns anos a empresa deles
pode nem estar viva”, diz Sofia Win-

SOFIAWINGREN
gren, CEO da Hyper Island, em entre-
vista exclusiva a Época NEGÓCIOS,
em sua passagem pelo Brasil, em de-
zembro, quando acompanhou o lança-

CEODAHYPERISLAND mento do primeiro espaço físico da


escola no país, no centro antigo.

70 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Stefan Hellberg


ÉPOCA NEGÓCIOS Por que até os mente é necessário para a inovação doing, uma tática de ensino ado-
líderes resistem em se adaptar às ocorrer. Se as organizações forem tada pela escola]?
novas formas de conhecimento? capazes de tornar a vida melhor SOFIA O conteúdo muda depen-
SOFIA WINGREN É mais fácil e con- para as pessoas, aí sim conseguirão dendo do lugar, do público-alvo
fortável seguir o roteiro clássico. alcançar o sucesso. e do que é relevante naquele mo-
Na Suécia, a aposentadoria é aos mento. Em nossa metodologia,
65 anos. Conheci muitos homens NEGÓCIOS Mudar a mentalidade não há provas ou exames. Não
de sucesso, de 58 a 61 anos, que me de indivíduos e organizações tem temos um quadro de professores
perguntaram: ‘o que preciso fazer implicações que vão além do am- nem regras internas. Geralmente
agora para me manter na empre- biente profissional, não? uma empresa apresenta um de-
sa até me aposentar?’. Na verdade, SOFIA Certamente. Uma pessoa safio e, a partir daí, os estudantes
eles não querem mudar. Há uma pode ir para o treinamento da trabalham juntos para oferecer
predisposição em continuar viven- Hyper Island e voltar pensando uma estratégia, um conceito cria-
do da mesma forma até a aposen- ‘vou me divorciar!’. Outras odeiam tivo ou um protótipo. Colocamos
tadoria. E não dá para garantir que o trabalho que fazem e nos dizem: grupos de estudantes de perfis
as empresas desses executivos te- ‘não vou mais fazer isso!’. Outras variados para criar soluções com
nham mais cinco anos pela frente. voltam querendo ser mais rele- prazos que variam de 36 horas a
Já os de 55 anos sofrem do mesmo vantes para si mesmas e para suas alguns meses. Queremos que de-
dilema, porém estão mais predis- empresas. É preciso ter coragem senvolvam capacidade de colabo-
postos a mudar porque ainda têm para recomeçar. Porque talvez isso ração, aprendam a ouvir e a rece-
pela frente uma década de merca- signifique sacrificar o longo prazo, ber feedback. Nossos alunos são
do de trabalho. E uma questão é: os caminhos tidos como certos, treinados para aprender na hora,
como criar espaços na sociedade para você conseguir se concentrar reaprender e desaprender em
e nas empresas onde as pessoas se naquilo que realmente acredita e um mundo de constante e rápida
sintam seguras? Hoje simplesmen- deseja. Precisamos estar prontos transformação. Muitos gostam do
te as pessoas não sabem o que fazer. para reações desse tipo e saber fato de não ficarem numa sala sen-
Estão assustadas. orientar as pessoas. tados ouvindo um professor. Os
projetos são supervisionados por
NEGÓCIOS Quais são os maiores NEGÓCIOS Muitos dos que aban- líderes da indústria e experts.
desafios que as empresas enfren- donam seus empregos tradicio-
tam hoje? nais se tornam empreendedores? NEGÓCIOS A transformação digi-
SOFIA Elas precisam aprender SOFIA Na Hyper Island, dizemos tal depende da liderança?
a engajar seus consumidores ou que “a atitude mental come a cul- SOFIA No Brasil, vejo que existem
clientes. Há muitas oportunidades, tura no café da manhã”. A atitude vários líderes inteligentes, e que-
mas também startups sedentas por mental é mais forte que a sabedoria brando a cabeça sobre como inovar.
criar rupturas e ameaçar o legado convencional. Treinar novas habi- Mas nas multinacionais, o que mais
das grandes companhias. Para que lidades não significa simplesmente ouço é: “Sabemos que a mudança é
sobrevivam, as empresas precisam tornar as pessoas empreendedoras. necessária, mas os caras da matriz
ser mais abertas, ter mais empatia Não é questão de estimular alguém não sabem”. Às vezes, as corpora-
e habilidade para entender as reais a mudar completamente de vida ções não levam em conta as pecu-
necessidades de seus clientes. Al- e incentivá-la a abrir um bar, por liaridades de cada área. Pasteuri-
gumas empresas, ao observar novas exemplo. Mais do que apenas ter zam tudo. Padronizam as métricas
tecnologias, rapidamente concluem criatividade, é uma questão de co- e os processos para todos os países,
que precisam lançar um novo app. mo pensar negócios. e isso atrapalha a liderança local. As
Mas isso é mesmo necessário? Ve- filiais têm de ser vistas com cuida-
rifique os processos internos de sua NEGÓCIOS Como se aplica na prá- do, com metas de inovação ajusta-
companhia e perceba o que real- tica o aprender fazendo [learn by das às suas realidades.

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 71


72 foto: divulgação
MENINOS DE OURO

A ESCOLA
AMANHÃ
Bilíngues, tecnológicas e atentas ao desenvolvimento
socioemocional, as novas escolas de elite do ensino
básico querem formar líderes cosmopolitas e
sensíveis – e cobram caro por isso

PATRICIA OYAMA

DO COMEÇO Arthur, de 5 anos, estuda numa nova escola de elite.


Seu pai acha que o raciocínio do menino foi aguçado

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 73


MENINOS DE OURO

O LUGAR de provas individuais, quando adultos? As instituições de ensino Eleva, Con-


projetos coletivos. Em vez de aulas cept e Avenues, representantes da mais recente geração

N de inglês duas vezes por semana,


imersão total na língua estrangeira.
Sai o professor como detentor único
de grifes da área, acreditam ter boas respostas. Apostam
em formar cidadãos globais, criativos e com pensamen-
to crítico aguçado. Cidadãos que entendam questões
do conhecimento, entra o aluno como contemporâneas complexas, possam ingressar em qual-
protagonista do aprendizado. Enquanto a Base Nacional quer universidade no mundo e estejam bem colocados
Comum Curricular (BNCC) não é implementada e a re- para disputar a direção de organizações multinacionais
forma no ensino médio demora a sair do papel, a rede – ou criar seus próprios projetos de impacto.
privada de educação básica faz sua própria revolução no A abundância de informação e a difusão de conhe-
ensino. Mais especificamente, as escolas no topo da pirâ- cimentos técnicos mudaram diretrizes. Desenvolver
mide de preços. habilidades socioemocionais ganhou mais peso no cur-
Até outro dia, quando se falava em escola de elite, rículo do que memorizar dados. A tecnologia se torna
subentendia-se um colégio tradicional, com no mínimo apoio fundamental na formação de vanguarda – foi-se o
seis décadas de história, onde haviam estudado inte- tempo em que eletrônicos eram vistos como elementos
grantes de famílias ricas, pais e avós dos alunos atuais. de distração e prontamente confiscados pelo professor.
Esse conceito mudou com a entrada de novos players no Agora, o aluno deve ser um criador, não um mero con-
mercado, que já chegam com aura (e mensalidade) de sumidor de serviços e aparatos digitais. Programação é
instituições de primeiríssima linha e a ambição de for- mais uma linguagem ensinada nas escolas bilíngues.
mar os líderes de amanhã. A filosofia faça-você-mesmo ganha forma em labora-
Algumas questões se impõem quando discutimos tórios com impressoras 3D e cortadoras a laser. Os estu-
esse novo modelo de escola. Líderes de que tipo? De que dantes são desafiados a resolver problemas em aulas de
amanhã falamos? Vale a pena pais gastarem por mês até design thinking e se envolver em projetos transdiscipli-
R$ 8 mil com escola para crianças e adolescentes, na es- nares. “Essas escolas trazem a ideia do aluno como au-
perança que isso os beneficie décadas à frente? Se está tor, realizador de projetos, e não restrito a decorar e dar
difícil arriscar palpites para o próximo ano, que dizer respostas corretas”, diz Miguel Thompson, diretor-exe-
do cenário que meninas e meninos de hoje encontrarão cutivo do Instituto Singularidades, centro de formação

GLOBAL
Thamila Zaher,
diretora do
grupo SEB, dono
da Concept.
Ela diz ter
buscado ideias
nos sistemas
educacionais de
Suíça, Cingapura
e Finlândia

74 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


BARRA NAS ALTURAS
Rebekah Neumann, diretora da WeGrow.
Crianças com aptidões especiais terão
profissionais da comunidade como tutores

EM NOVA YORK,
O WEWORK VAI
TESTAR UM
NOVO MODELO
DE ESCOLA
INFANTIL, A
WEGROW

fotos: divulgação e BIG Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 75


de professores em São Paulo. “Focam em um estudante lar os alunos a buscar conhecimento e trabalhar com
investigativo, que saiba resolver problemas, com con- assuntos do interesse deles para aguçar a curiosidade
textualização em diferentes disciplinas interligadas e nos encantou.” Ele conta que a adaptação não foi fácil.
que saiba trabalhar em grupo. São habilidades adequa- “Vinha a dúvida: será que eles estão aprendendo? É um
das às necessidades do século 21”, completa. baita investimento”, diz Ishi. No segundo semestre, os
Há uma corrida global para descobrir como ensi- pais notaram mudanças nos meninos: aumento da curio-
nar essas habilidades. Em setembro, a WeWork, maior sidade e outra forma de raciocinar. Gostaram. Mas se
empresa de coworking do mundo, pretende abrir sua manterão atentos. “Na educação dos filhos, a gente tem
versão de escola do futuro, a WeGrow, em Nova York. de fazer avaliação constante”, afirma Ishi.
Além de estudar temas relacionados a tecnologia e ar-
tes, as crianças aprenderão meditação e ioga. Poderão lll
interagir com os pais no meio do dia. Quando professo- NOVAS E CRATIVAS_ A educação básica, que vem
res detectarem aptidões, poderão indicar alunos como sendo bancada por grupos poderosos, tem se revelado
aprendizes dos profissionais da comunidade WeWork, um investimento rentável. Esse mercado movimenta
para que eles interajam logo cedo com problemas reais. cerca de R$ 67 bilhões por ano, valor que ultrapassa a
A metodologia, o formato bilíngue e o corpo docente renda líquida do ensino superior, de R$ 55 bilhões, de
pesaram na decisão do médico Ricardo Ishi de matri- acordo com a empresa de consultoria Hoper. Poucos se-
cular os filhos Arthur, de 5 anos, e Pedro, de 7 anos, na tores resistem à crise tão bem: numa pesquisa realizada
Concept de Ribeirão Preto (SP). “A proposta de estimu- pelo SPC sobre o impacto do desemprego nas famílias,

76 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


MENINOS DE OURO

divulgada no ano passado, a opção de mudar os filhos várias partes do mundo para criar a sua própria: “Na
para uma escola mais barata ou pública aparecia no fim Suíça, fomos buscar a multiculturalidade; em Cinga-
da lista de cortes no orçamento, citada por 7% dos en- pura, vimos a customização do ensino; na Finlândia,
trevistados. Se não tiver grandes percalços no caminho, aprendemos sobre competências e habilidades e como
uma empresa que investe no ensino básico conquista potencializar o aprendizado de cada aluno”, enumera
clientes fiéis por períodos de 12 anos ou mais. a diretora-executiva do grupo.
A Concept, que inaugurou suas primeiras unida- Inspirações vindas de vários países também dão o
des no ano passado em Salvador (BA) e Ribeirão Preto tom ao ensino na Escola Eleva, no Rio de Janeiro. Ela
(SP), é a aposta mais vistosa do Grupo SEB Educacio- responde à holding Eleva Educação, por sua vez con-
nal, o maior do segmento k-12 (do jardim de infância trolada pelo fundo Gera Venture Capital (cujos inves-
ao ensino médio). No primeiro dia de aula, os alunos timentos na área somam 88 escolas com 44,6 mil alu-
encontraram as escolas caracterizadas como o saguão nos). Um dos principais investidores do Gera Venture
de embarque de um aeroporto e receberam “passa- é o empresário Jorge Paulo Lemann – que participou
portes” para carimbar na entrada. “A metodologia da meses atrás de um descontraído bate-papo em sala de
Concept fala do protagonismo do aluno. Quisemos fa- aula, respondendo a perguntas de alunos de 14 anos.
zer uma analogia para mostrar que ele estava entran- A escola foi inaugurada no ano passado em Bota-
do numa experiência em que o ponto de partida era fogo, com 350 alunos. Em 2018, começa as aulas com
ele mesmo”, explica Thamila Zaher, diretora-executi- 1.033 alunos – e uma fila de espera com praticamente o
va do grupo SEB e filha do dono, Chaim Zaher. mesmo número de interessados, conta Márcio Cohen,
Neste mês, a Concept paulistana se juntará às ou- diretor do conselho pedagógico. A mensalidade varia
tras 39 escolas do grupo, que responde pelas redes de R$ 4 mil a R$ 5 mil. Dos matriculados, Cohen calcu-
Pueri Domus e Dom Bosco, entre outras, além de ter la que de 10% a 15% tenham bolsa. “A meta é chegar a
comprado 95% da operação brasileira da rede cana- 20% de bolsistas”, conta ele. A medida, explica, é uma
dense Maple Bear em 2017. Até 2020, o grupo planeja forma de fazer com que a valorização da diversidade
abrir uma Concept no Rio de Janeiro e outra no Vale cultural não fique só no discurso.
do Silício, na Califórnia. “Nossos alunos vão ter acesso Mesmo a mais cara das representantes da nova ge-
a conexões muito importantes e parcerias internacio- ração de escolas garante que vai prezar a diversidade e
nais”, diz Thamila. quer criar líderes com consciência social. “Tirar esses
Na unidade de São Paulo, a Concept investiu R$ 75 garotos da bolha é uma parte importante de nossa mis-
milhões. A escola se instalou no prédio onde o colégio são”, diz Alan Greenberg, cofundador da Avenues, que
Sacre Coeur funcionou por quase 60 anos, no bairro inicia seu ano letivo em agosto (a escola segue o calen-
nobre dos Jardins. Como a construção é tombada, a dário do Hemisfério Norte), cercada de expectativas.
fachada permanecerá a mesma, assim como as árvo- O valor da mensalidade para 2018/2019 será divul-
res do terreno de 18 mil m2. Por dentro, não há mais gado só em março, mas, para não deixar os pais no escu-
vestígios da instituição católica. Paredes retráteis per- ro, o site da escola dá como base os valores que seriam
mitem que se redesenhe o espaço de acordo com a ati- cobrados no ano letivo de 2017/2018: 13 parcelas de R$
vidade do dia, que pode incluir um experimento com 8,35 mil, mais uma taxa anual de R$ 7,8 mil, referente a
tinta invisível ou um desafio envolvendo programação. tecnologia e serviços. Alimentação e excursões que fa-
A anuidade é dividida em 12 parcelas de R$ 7,5 mil para zem parte do currículo estão incluídas nesses valores,
todas as séries. De período integral, como suas concor- mas é preciso colocar na conta as viagens internacio-
rentes diretas, a Concept misturou metodologias de nais: os alunos da Avenues nova-iorquina, inaugurada
em 2012, foram estudar mudanças climáticas na Nova
Zelândia e a cultura do Marrocos in loco, por exemplo.
Aqui, já há planos para roteiros na China e em Portugal.
META DE CONCESSÃO DE BOLSAS Márcio
Cohen, diretor da Eleva, no Rio. Segundo ele, O campus de São Paulo, que teve investimento de
a escola quer chegar a 20% de bolsistas, como R$ 300 milhões, ocupa 30 mil m2 no bairro nobre Ci-
forma de garantir diversidade dade Jardim e tem capacidade para 2 mil estudantes. A

foto: leo lemos Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 77


MENINOS DE OURO

capital paulista é a primeira de uma série de metrópo- – não só para os alunos, mas também para os docentes.
les, além de Nova York, onde a Avenues pretende fincar Durante a seleção, a empresa recebeu cerca de 3 mil
bandeira. “Somos parte de algo muito maior. Estamos currículos de professores, entre brasileiros e estran-
construindo um sistema global de escolas”, diz Green- geiros. Desses, aproximadamente mil foram chamados
berg. A possibilidade de passar um período em outros para entrevista, e 55 integraram a equipe.
campi do mundo é um dos grandes atrativos do colégio Já o primeiro escalão da Avenues traz nomes pinça-
dos de algumas das mais tradicionais escolas paulista-
nas, como a britânica St. Paul’s e a americana Graded.
Cristine Conforti, chamada para ser Head of Brazilian
Program (coordenadora do Programa Brasileiro), veio
do Santa Cruz, onde trabalhou por 40 anos. “Meu pa-
SEM BOLHA pel na Avenues é fazer com que a cultura brasileira, a
Alan Greenberg, língua portuguesa, a literatura se distribuam, que es-
cofundador corram sobre esse projeto como chuva”, diz ela. Apesar
da Avenues, e do foco global, a Avenues quer cultivar nos alunos um
um desenho da orgulho do Brasil, diz o cofundador da escola. Mas será
escola. Ele crê
que parte de sua
que essas crianças educadas para serem cidadãos sem
missão é fazer fronteiras vão querer continuar no país depois de for-
o aluno sair da madas? Greenberg acredita que sim: “Muitos irão sair
bolha da elite para o mundo e vão voltar e mudar o Brasil”, diz ele.

78 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 fotos: divulgação


OLHAR PARA A
FRENTE
Felipe Rodrigues,
CEO da Lumiar.
“Preparar
criança só para o
vestibular é ficar
no passado”

lll
AS QUE SE REINVENTAM_ A entrada de concorren- Com forte vocação tecnológica, a Lumiar, criada
tes novos e agressivos no ensino básico de alto padrão pelo empresário Ricardo Semler há 15 anos, tem como
sacudiu o setor. Muitas novidades, porém, já faziam metodologia a multietariedade, em que não há divisão
parte dos planos de colégios bem estabelecidos. Princi- por idade, apenas uma separação por ciclos, estimu-
palmente a ênfase no desenvolvimento das habilidades lando as crianças mais novas a aprender com as mais
socioemocionais, incorporadas à Base Nacional Co- velhas. “Desperta a maturidade”, diz Felipe Rodri-
mum Curricular e que, espera-se, seja aplicada também gues, CEO da Lumiar. Para Rodrigues, em breve não
no ensino público. “O que muitas escolas buscam ofe- fará mais sentido escolher uma profissão ao sair do
recer agora é preparar o aluno para o mundo. Fazemos segundo grau: as pessoas terão múltiplas profissões.
isso há 40 anos”, diz a diretora e fundadora do colégio “Ou seja, se você preparar a criança para o vestibular,
paulistano Vértice, Walkiria Gattermayr Ribeiro. não estará preparando-a para o futuro, mas ficando no
No Colégio Santa Cruz, também em São Paulo, o passado”, avalia. A vida pós-formatura das novas ge-
currículo já inclui estudos do meio, programas de vo- rações continua uma incógnita, mas o caminho até lá,
luntariado e abordagem transdisciplinar de temas que tudo indica, está ficando mais prazeroso.
refletem sobre sexualidade, diversidade cultural, sus-
tentabilidade e ética, diz o diretor-geral, Fábio Aidar. COLABOROU Alexandra Gonsalez
Ele considera natural que surjam propostas pedagógi-
cas que se apresentem com “a aura do novo”. “Nosso
desafio atual é outro: revelar como nossos princípios
fundadores são sólidos e consistentes, e manter um
projeto pedagógico ágil, que dialogue com nosso tem-
po e vislumbre o futuro”, afirma.
Em algumas dessas escolas, o termo “tradicional”
DIVERTIDO E PROFUNDO
é visto com ressalvas. “Celebramos o passado, celebra- Em um dos vídeos mais vistos na
mos o legado, mas não somos escravos da tradição”, história do TED, o educador britânico
diz Louise Simpson, diretora da St. Paul’s School, cujo Ken Robinson fala sobre a importância
de se apostar na criatividade. Segundo
currículo inclui programação (ou coding) e se baseia ele, o atual sistema educacional
em habilidades, não em conceitos. remonta às demandas do século 19.

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 79


MENINOS DE OURO

“ÀS VEZES, É PRECISO


mais fortes. Queremos facilitar o
crescimento das pessoas, e acre-
ditamos que o caminho para isso

COMEÇAR DO ZERO” é cercá-las de uma comunidade.


Aquilo que aprendemos ao apro-
ximar as pessoas nos espaços de
O fundador do WeWork explica por que a coworking se aplica à educação
empresa, avaliada em US$ 20 bi, decidiu também. É uma extensão natural.
Sei que pode parecer estranho,
lançar uma nova escola, a WeGrow
mas achamos que muitos dos fun-
damentos [das marcas] são os mes-
mos: apoiar as pessoas e ajudá-las
DANIELA FRABASILE, DA CIDADE DO MÉXICO em sua jornada de crescimento.

NEGÓCIOS Que crianças vocês


querem formar?
E PERTO, MIGUEL MCKELVEY O mais importante é

D
McKelvey, sócio- formar um ser humano fundamen-
fundador do We- talmente bom, que entenda e con-
Work, passa fácil cilie os desafios que enfrentamos
por um astro do no mundo de hoje. É preciso pensar
cinema. Alto e bonitão, seus funcio- em você mesmo como um aprendiz
nários simplesmente o veneram – e constante. O modelo tradicional foi
demonstram até uma pontinha de estabelecido muito tempo atrás, e
tensão na sua presença, embora ele não vivemos mais naquele mundo.
trate todos de forma amável. Esta- Queremos que as crianças apren-
mos em um bairro afastado da Ci- dam a aprender e colocá-las em
dade do México, e o empreendedor um caminho para que continuem a
se prepara para subir ao palco, de aprender pela vida inteira.
camiseta e calça jeans, para falar de de ter cinco filhos e chegar à con-
uma nova competição promovida clusão que nenhuma escola seria NEGÓCIOS Que habilidades elas
pela empresa, o Creator Awards. capaz de dar a eles formação ade- precisam ter?
Minutos antes de o evento come- quada, Rebekah foi professora de MCKELVEY Se as pessoas se torna-
çar, ele recebeu Época NEGÓCIOS ioga, atriz e trader. Hoje, define-se rem adaptáveis e resilientes, vão
em uma sala com ares de camarim, como empreendedora, além de sobreviver a qualquer mudança. É
com seu nome colado na porta. Cal- Chief Brand Officer do WeWork. O a única forma de ter sucesso hoje.
mo e objetivo, McKelvey conta os projeto da escola continua envolto
motivos que levaram ele e seu só- em segredos. Mesmo assim, e ape- NEGÓCIOS Onde as escolas falham?
cio, Adam Neumann, a entrar no sar de apressado, McKelvey, que é MCKELVEY Não sei se o modelo está
mercado de educação a partir deste pai de um filho, respondeu as per- falhando. Há gente que se dá bem,
ano, quando deve ser inaugurada a guntas da nossa reportagem. outras não. Tive uma educação
primeira unidade da WeGrow, em tradicional e acho que me saí bem.
Nova York (leia reportagem sobre ÉPOCA NEGÓCIOS Por que entrar Não é um fracasso total, mas pode
educação infantil à pág. 72). Na ver- no mercado de educação? melhorar. Às vezes, você precisa
dade, a ideia partiu da mulher de MIGUEL MCKELVEY Quando as começar do zero para encontrar o
Adam, Rebekah Neumann. Antes pessoas se conectam, tornam-se novo. É isso que vamos fazer.

80 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Divulgação


O FUTURO IDEAL :::PRISCILA CRUZ E RODOLFO ARAÚJO

A EDUCAÇÃO DE 2038 COMEÇA JÁ


UM BRASIL COMPETITIVO, INOVADOR E EMPREENDEDOR DEPENDE DE CAPITAL HUMANO

V
amos nos transportar até a educação execu- A educação no Brasil é uma máquina de exclusão.
tiva de 2038. Se você já pode se impressio- De cada cem crianças que ingressam na escola, só 65
nar com a quantidade de inovações dispo- concluem o Ensino Médio. Dessas, apenas 18 apren-
níveis hoje, imagine daqui a duas décadas. dem português adequadamente, apenas cinco assi-
Como prever avanços virou parte da milam matemática como deveriam e só sete seguem
cultura pop, a mente já se acostumou a ir rumo à faculdade.
longe quando visualizamos tecnologias Não à toa, nossa produtividade está praticamente
que pautarão nossas rotinas – incluindo estagnada há 30 anos, enquanto vizinhos como o Chile
as que estão relacionadas à aprendizagem. Agora, fa- mais que dobraram a capacidade de gerar riqueza ten-
çamos um esforço extra e tentemos pensar nas pessoas do como um dos pilares o investimento em educação.
que viverão essas experiências na educação executiva Segundo o Fórum Econômico Mundial, somos o 80º
do longínquo ano de 2038. Sabe onde elas estão hoje? país mais competitivo do mundo – mas, se isolarmos a
No Ensino Fundamental. variável do ranking que considera a qualidade da edu-
O futuro já começou a ser desenhado. Se quisermos cação primária, despencamos para o 127º lugar.
um Brasil inovador, competitivo, empreendedor Por isso, se quisermos muito mais brasileiros
e com mais crescimento, precisamos atentar com oportunidades de completar os estu-
ao capital humano das próximas décadas dos e chegar longe em 2038, precisamos
a partir de hoje. É do projeto de vida dar um passo à frente. Sem a educação
dessas crianças, futuros empreendedo- como prioridade de desenvolvimento,
res e executivos, que estamos falando. jamais entraremos no século 21.
Falar sobre novos modelos de Esses alunos da educação exe-
MBA ou tecnologias emergentes cutiva de 2038 talvez estejam con-
ainda é tema para poucos, justamen- cluindo o Ensino Médio até 2028.
te porque é muito difícil chegar lá. A Dá para mudar radicalmente nosso
grande questão mora em dois pilares cenário até lá. Estados como Ceará,
essenciais: qualidade de ensino e oportu- Pernambuco e Rio de Janeiro mostram
nidades iguais. Ambos começam a ruir no que é possível. Bastam três gestões de pre-
grave cenário da Educação Básica, que é pratica- sidentes e governadores com boas políticas pú-
mente sinônimo de escola pública ao levarmos em conta blicas, capacidade de implementação por excelentes
o número de alunos matriculados. times e continuidade.
O problema começa cedo. Segundo a Avaliação Na- O grande desafio é que, para cumprir esse prazo,
cional de Alfabetização (ANA) de 2016, 55% dos alunos precisamos começar agora. Se quisermos permitir
no terceiro ano do Ensino Fundamental não têm apren- voos mais longos aos projetos de vida das nossas crian-
dizagem adequada em leitura. E, de modo geral, quanto ças, a saída é educação. O convite para o futuro está
mais baixo o nível socioeconômico, pior o desempenho feito: educação já.
escolar. O que será destas histórias de vida? Além disso,
embora se costume pensar que está resolvido o proble-
ma do acesso à escola, 2,5 milhões de crianças e adoles- PRISCILA CRUZ E RODOLFO ARAÚJO, respectivamente
centes estão fora dela – grande parte no Ensino Médio, o presidente-executiva e diretor de comunicação do movimento
Todos Pela Educação
último degrau para a universidade.

ilustração: thinkstock Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 81


DEPENDE DE NÓS

O QUE VALE
A PENA
SABER?
Em seu novo livro, o futurólogo Tim O’Reilly
defende que a educação será uma das áreas
mais afetadas pela inteligência artificial.
Os alunos? Não necessariamente

FUTURO DO TRABALHO causa insônia mundo afora.

O
Tecnologias capazes de substituir humanos em ativi-
dades diversas avançam rapidamente. Mas a educação,
que deveria preparar esses mesmos humanos para o
novo cenário, se arrasta, presa a velhos conceitos e prá-
ticas. E agora? Para o consultor e futurólogo Tim O’Reilly (que acha
estranho ser chamado de futurólogo), temos motivos para otimismo –
até hoje, a combinação entre humanos e novas máquinas resultou em
saltos de produtividade. Nascido na Irlanda e criado em São Francisco,
na Califórnia, O’Reilly, conhecido como “Oráculo do Vale do Silício”,
explica tendências desde os anos 90. Ele e sua equipe na O’Reilly Media
participaram da definição de conceitos como software de código aber-
to, web 2.0 e movimento maker. Em seu novo livro, WTF – What’s the
Future and Why It’s Up to Us (em tradução livre, “Que futuro é esse e
por que ele depende de nós”, ainda sem data de publicação no Brasil),
O’Reilly aprecia o que vem por aí e faz alertas sobre questões como mu-
danças climáticas e desigualdade social. Num trecho do livro, conta ter
participado, entre 2013 e 2015, da Rework America, força-tarefa forma-
da por executivos e especialistas de diversas áreas. Sua missão era ex-
plorar novos rumos para o mercado de trabalho nos Estados Unidos. No
trecho que Época NEGÓCIOS publica a seguir com exclusividade,
O’Reilly apresenta sua reflexão.

82 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


Ilustrações: Davi Augusto Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 83
A
questão apresentada à for- quase a 80%. A Lei dos Veteranos ‘Se os estudantes que estamos ensi-
ça-tarefa era como oferecer (GI Bill) enviava para a faculdade nando hoje viverão até os 120 anos
oportunidades aos ameri- os militares que voltavam da Se- e suas carreiras profissionais pro-
canos na era digital. Um dos mo- gunda Guerra Mundial, permitindo vavelmente durarão 90, mas seus
mentos que me marcaram foi um uma transição suave da guerra ao estudos só os tornarem competiti-
comentário do cientista político e emprego pacífico. Diante das mu- vos por dez, teremos um problema’,
escritor Robert Putnam: ‘Todos os danças econômicas de hoje, houve comenta Jeffrey Bleich, ex-embai-
grandes progressos de nossa socie- propostas na eleição presidencial xador dos Estados Unidos na Aus-
dade ocorreram quando investimos de 2016 para a faculdade comunitá- trália e hoje presidente do conselho
nos filhos dos outros’. Ele tem ra- ria gratuita universal. Em janeiro de das bolsas de estudo Fulbright. Os
zão. A educação primária universal 2017, a cidade de São Francisco foi progressos em saúde e tecnologia,
foi um dos melhores investimentos além das propostas e concordou em junto à natureza mutável do em-
do século 19, e a educação secundá- tornar sua faculdade comunitária, o prego, estão se somando para tor-
ria universal, do 20. Esquecemo- City College, gratuita para todos os nar obsoleto nosso atual modelo
nos de que em 1910 somente 9% das moradores. É um grande passo. educacional, que via o ensino como
crianças americanas se formavam Mas não precisamos apenas de preparação para uma vida de traba-
no curso secundário. ‘mais’ educação ou de educação lho em um único empregador.
Em 1935, esse número tinha su- gratuita. Precisamos de um tipo de Precisamos de novos mecanis-
bido para 60%, e em 1970 chegava educação radicalmente diferente. mos para apoiar a educação e a re-
ciclagem durante toda a vida, não
apenas nas primeiras etapas. Isso já
é válido para profissionais de todos
os campos, sejam atletas ou médi-
cos, programadores de computador
ou trabalhadores fabris especia-
lizados. Para eles, o aprendizado
constante é uma parte essencial
do trabalho; acesso a treinamen-
to e recursos educacionais são dos
mais valorizados benefícios de um
emprego, usados para atrair os me-
lhores funcionários. E conforme ‘o
emprego’ é desconstruído, a neces-
sidade de educação não desapare-
ce. Ela é sobretudo ampliada. Mas
a natureza da educação também
precisa mudar. Em um mundo co-
nectado, onde o conhecimento está
disponível sob solicitação, devemos
repensar o que as pessoas precisam
saber e como elas vêm a saber.
Lembro-me que certa vez li o
relato da travessia da ponte de terra
entre a Sibéria e o Alasca que usava
um fato curioso como parte de sua
análise da possível data. Aquilo não
TIM O’REILLY: “A inteligência artificial será uma fonte de riqueza das nações” poderia ter acontecido antes da in-

84 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Divulgação


DEPENDE DE NÓS

venção da costura, comentaram os


QUANDO EU ERA CRIANÇA, LI FICÇÃO
autores, que possibilitou a criação
de vestimentas ajustadas ao corpo, CIENTÍFICA DURANTE ANOS. O FUTURO
as quais permitiram aos humanos FOI UMA DECEPÇÃO PARA MIM. MAS,
viver em climas frios. Costura! Cos- HOJE, VEJO PROGRESSO NA DIREÇÃO DE
turar com agulhas de osso já foi uma
tecnologia surpreendente, possibili- MUITOS DOS MEUS SONHOS JUVENIS
tando algo que antes era impensável.
Todo avanço em nossa produti-
vidade – conseguir maior produção
de uma quantidade equivalente de
trabalho, energia e materiais – veio
da combinação entre humano e
máquina. Foram a aceleração e a um a um. Mas ferramentas permi- da inteligência artificial. Assim como
intensificação dessa produtividade tirão que desenvolvedores comuns outros instrumentos de enorme
que geraram as riquezas do mundo os produzam. Quando isso acon- poder, elas podem chegar ao uso
moderno. Por exemplo, a produção tecer, a inteligência artificial (IA) comum passando por uma adoles-
agrícola duplicou nos cem anos en- infundirá e modificará toda a nossa cência tumultuosa e violenta. Mas
tre 1820 e 1920, mas a duplicação sociedade, da mesma maneira que desconfio que, no final, encontra-
seguinte demorou só 30 anos, de- a produção industrial em massa remos maneiras de usá-las para po-
pois 15 e então apenas dez. transformou os séculos 19 e 20. dermos ter vidas mais longas, feli-
Antigamente, eu poderia pedir zes e realizadas.
informações de direção a uma pes- lll Quando eu era criança, li fic-
soa. Ou consultar o conhecimento Essa é a verdadeira chave para se ção científica, uma novela por dia,
armazenado em um mapa de papel. compreender o que costuma ser durante anos. E durante todo esse
Os primeiros mapas online foram chamado de ‘internet das coisas’. tempo, o futuro foi uma decepção
meros fac-símiles de mapas de pa- Coisas que antes exigiam estimati- para mim. Conquistamos muito
pel. Hoje, posso ver exatamente va hoje são mensuráveis (os segu- menos do que eu esperava. No en-
onde estou e como chegar aonde ros podem ser o modelo de negó- tanto, hoje vejo progresso na di-
quero, em tempo real. O próximo cios nativo da ‘internet das coisas’, reção de muitos dos meus sonhos
passo, para mim, é esquecer tudo do mesmo modo que a publicidade juvenis. E isso me leva de volta à in-
isso e simplesmente deixar que o se tornou o modelo de negócios na- teligência artificial. IA não é algum
carro me leve ao meu destino. O tivo da internet, por causa da eli- tipo de descontinuidade radical.
passo seguinte é imaginar o que po- minação da incerteza, conduzida IA não é aquela máquina do
deremos fazer diferente, quando o pelos dados). Não é simplesmente futuro hostil aos valores humanos,
transporte for tão confiável quanto uma questão de dispositivos inte- que deixará todos nós sem trabalho.
a água corrente. ligentes e conectados, como o ter- IA é o próximo passo na dissemina-
Essa inserção do conhecimento mostato Nest ou o Amazon Echo, o ção e na utilização do conhecimen-
nos instrumentos não é novidade. Fitbit e o Apple Watch, ou mesmo to, verdadeira fonte de riqueza das
Sempre foi um possibilitador crí- carros que se autoconduzem. Tem a nações.”
tico dos ganhos de produtividade ver com os dados que esses equipa-
decorrentes do domínio do mun- mentos fornecem. As possibilida-
do físico. E leva inevitavelmente a des da futura torrente de maneiras
enormes mudanças na sociedade. inesperadas.
WTF – WHAT’S THE
Estamos atualmente no início Essas tecnologias levantam FUTURE AND WHY IT’S UP
de uma transição. Hoje, modelos de perguntas e temores tão profundos TO US (HARPERCOLLINS),
machine learning são programados quanto quaisquer outros no mundo de Tim O’Reilly

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 85


ACELERA,
DIDI!
A gigante chinesa
comprou a 99 – e
a transformou no
primeiro unicórnio
brasileiro. Na briga
com o Uber, o taxímetro
começa a correr agora

EMILY CANTO NUNES

86 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


Em 2014, o time da Didi ganhou
um reforço importante: a executi-
va Jean Liu, que havia trabalhado
durante 12 anos no banco Goldman
Sachs, assumiu o cargo de diretora
de operações. Foi Jean quem deci-
diu adotar a estratégia de expan-
dir a empresa por meio de fusões
e aquisições. Sua jogada mais bri-
lhante até agora foi a fusão com a
concorrente chinesa Kuaidi, que
havia recebido investimento do
Alibaba em fevereiro de 2015. De-
pois de coordenar as negociações,
Jean Liu tornou-se a presidente da
companhia resultante, rebatizada
de Didi Chuxing.
Após levantar mais de US$ 4
bilhões com investidores, a Didi
comprou a operação chinesa do
Uber, em 2016. Com a aquisição,
passou a ser dona de 87% do mer-
o dia 3 de janeiro, balização é uma estratégia priori- cado de aplicativos de transporte.

N
um anúncio sacu- tária da companhia”, afirmou em Desde então, dedica-se à hege-
diu o universo das comunicado oficial o CEO da Didi, monia global. Uma das primeiras
startups: a compa- Cheng Wei. “Queremos trabalhar parcerias internacionais foi com
nhia chinesa Didi com mais parceiros internacionais a americana Lyft. Depois foi a vez
Chuxing havia comprado a brasilei- para criar melhores serviços de mo- da Ola, líder de mercado na Índia,
ra 99. Nessa transação de valor não bilidade.” e da Taxify, com forte participação
divulgado – estimativas de merca- Formado em administração na na Europa e na África. Em 2017,
do falam em US$ 600 milhões –, a Universidade de Beijing, Cheng captou mais US$ 5,5 bilhões, maior
99 foi avaliada em US$ 1 bilhão, o fundou a Didi Dache em 2012, com rodada de investimentos já feita
que fez dela a primeira startup US$ 15 milhões investidos pela numa empresa de tecnologia. A ja-
brasileira a ingressar na lista glo- Tencent, maior portal de internet ponesa SoftBank liderou a rodada.
bal de unicórnios (como são cha- chinês. Antes disso, havia trabalha- A Didi investiu US$ 2 bilhões na
madas as empresas que atingem do durante 12 anos como gerente de Grab, concorrente do Uber no Su-
esse valor de mercado). vendas da gigante Alibaba. Em en- deste Asiático – e, por fim, chegou
A compra da 99 é mais um pas- trevistas, costuma dizer que o mo- à América Latina.
so no ambicioso plano de expansão tivo para abrir seu negócio foi sim- Fez isso com um aporte de US$
global da Didi, popularmente co- ples: não queria mais perder voos 100 milhões na 99. A jogada sinali-
nhecida como o Uber chinês. “Glo- por falta de táxis na hora do rush. zava a intenção de compra da chine-

foto: thinkstock Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 87


87% DO
MERCADO
CHINÊS DE
APLICATIVOS
DE TÁXI ESTÁ
COM A EMPRESA

sa, que voltava a enfrentar a concor-


rência do Uber, agora no mercado
latino-americano. Seu alvo, além do
Brasil, é o México – pouco depois da
compra da 99, a empresa passou a
publicar anúncios em jornais locais
recrutando motoristas para sua fu-
tura empreitada.
Atualmente, a Didi é a segunda
empresa do setor de transportes
mais valiosa do mundo: US$ 56 bi-
lhões, atrás apenas do Uber, que
vale US$ 68 bilhões, segundo dados
do jornal britânico Financial Times
de janeiro de 2018. A companhia CHENG WEY, CEO da Didi JEAN LIU, presidente da Didi

chinesa está presente em mais de


400 cidades, com 21 milhões de mo-
toristas cadastrados e 400 milhões para fechar a compra. “A alta ur-
de usuários. banização do país, já que 80% da
população mora em grandes me-
lll trópoles; o custo do carro, que no US$ 56 BILHÕES
APOSTA BRASILEIRA_ A notícia Brasil é muito alto; e a mobilidade
da compra da 99 não surpreendeu urbana, questão fundamental para É O VALOR
especialistas. Segundo Joe DePin- o consumidor brasileiro”, afirma. ESTIMADO DA
to, vice-presidente da Riverwood Pesou também o fato de o Brasil ser DIDI. O NÚMERO
Capital, fundo americano que tinha o segundo maior mercado do Uber,
participação na 99 antes da aquisi- atrás apenas dos Estados Unidos. DOBROU EM
ção, a Didi considerou três fatores Hoje, São Paulo e Rio de Janeiro são UM ANO

A CONQUISTA DO PLANETA

2012 2014 2015 2015 2016 2017 2017 2018


O administrador A engenheira Jean Liu A Didi Capta Capta mais Anuncia Compra a
chinês Cheng de computação torna-se Chuxing US$ 4,5 US$ 5,5 parceria com brasileira 99
Wei, aos 29 Jean Liu presidente inicia sua bilhões em bilhões e entra Taxify, líder – o mercado
anos, funda a assume a depois de expansão uma rodada de na América de mercado estima que
Didi Dache, em diretoria de comandar a global, numa investimentos Latina, ao na Europa e por US$ 600
Beijing operações fusão com a parceria com liderada pela investir na 99 na África milhões
concorrente a Lyft nos Apple
Kuaidi EUA

88 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 Fonte: Didi e Crunchbase


400 MILHÕES
DE USUÁRIOS
E 21 MILHÕES
DE MOTORISTAS
ADOTARAM
O APLICATIVO
NA CHINA
300 milhões de usuários e 300 mil
motoristas cadastrados pelo apli-
cativo em cerca de 400 cidades do
Brasil. “E esses números devem au-
mentar, pois apenas 10% dos brasi-
leiros usam aplicativo de transpor-
te hoje.” Para Miceli, a transação
mostra que existe um “olhar chinês
sobre o mercado brasileiro. É pro-
vável que outras empresas estejam
sendo avaliadas”.

lll
O FUTURO DA 99_ A princípio, o
MA HUATENG, CEO da Tencent PAULO VERAS, fundador da 99 aplicativo não deve passar por ne-
nhuma mudança mais radical. Com
o tempo, é possível que novos ser-
viços sejam oferecidos. Uma possi-
TIME VENCEDOR Executivos e investidores da Didi apostam em fusões e
bilidade, já disponível na China, é
aquisições. Com capital de sobra, avaliam competidores locais em cada país
dar ao usuário a chance de alugar o
seu carro, enquanto ele não estiver
as duas cidades do mundo com mais sição. Por isso concordamos em rodando. No Brasil, a criminalida-
corridas registradas no aplicativo, vender nossa parte na 99”, afirma de impõe um desafio adicional para
segundo a Bloomberg. “A expectati- Matthew Nicholson, relações-pú- implementar um serviço como esse.
va é que a demanda por transporte blicas da Softbank, gigante japone- Outra alternativa é a inclusão de um
com conforto e agilidade, por um sa das telecomunicações. sistema de carona, algo similar ao
preço menor, continue a crescer.” André Miceli, professor e coor- que faz a francesa BlaBlaCar para
Joe DePinto avalia que a 99 foi um denador do MBA em Marketing Di- longas distâncias. O Waze, serviço
investimento satisfatório para a Ri- gital da FGV, considera a estratégia de GPS do Google, já demonstrou in-
verwood. “Consideramos a compra certeira. “Para uma empresa capi- teresse em criar um serviço pareci-
pela Didi uma transação histórica talizada, faz todo o sentido crescer do. “Propostas que melhorem a mo-
no universo tecnológico brasileiro.” por aquisições. Ela compra a base de bilidade e tirem o carro da rua vão
Além da Didi e da Riverwood usuários, a marca e o engajamento, continuar em alta por muito tempo”,
Capital, fundos internacionais sem precisar levar seus executivos, afirma Miceli. Notícias recentes dão
como Qualcomm Ventures, Tiger abrir uma sede ou criar uma expan- conta de que a Didi planeja a com-
Global e empresas como a Soft- são orgânica, que seria muito mais pra da Bluegogo, em uma tentativa
bank também haviam investido na complexa”, afirma. Ao comprar a de dominar também o mercado de
empresa brasileira. “A Softbank, 99, fundada em 2012 pelos empre- bicicletas compartilhadas. Os estra-
como acionista majoritária na sários Paulo Veras, Renato Freitas e tegistas chineses da Didi ainda têm
Didi, apoiou totalmente a aqui- Ariel Lambrecht, a Didi abocanhou muito a fazer.

fonte: Zanone Fraissat/Folhapress; Lintao Zhang/Getty Images; VCG/ Getty Images; Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 89
du Yang/China News Service/VCG/Getty Images
QUAL E
RA PARA SER UM
momento de har-
monia e descontra-

SERÁ SUA ção, depois de um


ano de trabalho
duro. Nem tanta descontração, vá

FANTASIA NO
lá, porque era festa da firma e todo
mundo precisava se comportar.
Mas harmonia cairia bem. Em vez

CARNAVAL?
disso, virou pesadelo. A festa à fan-
tasia da multinacional de tecnolo-
gia Salesforce, em dezembro, ter-
minou com o presidente, o diretor
Você acha que sua empresa já administra bem comercial e um funcionário demiti-
dos, e o nome da empresa envolvido
os choques culturais? O pessoal da Salesforce num debate público sobre racismo.
também achava. Até que... A lambança ocorreu porque um
funcionário usou uma fantasia ins-
pirada num meme pornográfico da
DUBES SÔNEGO E MARCOS CORONATO internet, o “Negão do WhatsApp”.

90 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: gettyimages


P ER G U N T E À M AT R I Z

PROFISSIONAIS
QUE ANTES SE
A maioria dos presentes parece tória. A mudança seguinte será bem
ter achado divertido, tanto que o
CALARIAM DIANTE mais complicada. Envolve outro tipo
funcionário ficou em quarto lugar DO QUE ACHAM de personagem – aquele que não
no concurso de fantasias e colegas OFENSIVO HOJE se vê como agressor. Qualquer um
posaram para fotos ao lado dele. pode recorrer ao princípio filosófi-
Nem todo mundo viu graça. Uma
DENUNCIAM. MAS co da reciprocidade, bem simples:
denúncia foi feita à matriz, no Es- VISÕES DISTINTAS não faça ao outro o que não quer que
tados Unidos, de onde partiram DO QUE É OFENSIVO ele faça a você. Mas esse princípio
ordens de demissão contra o fan- é insuficiente diante de mudanças
tasiado, um diretor e o presidente.
AINDA VÃO SE comportamentais muito rápidas em
Terminado o desastre, profissio- MULTIPLICAR andamento. Talvez você não se sen-
nais de duas turmas podem incor- tisse agredido por tal atitude, mas o
rer num certo alívio – equivocado. outro se sente. Novas divergências e
Quem não viu racismo na história e novas concepções do que é ofensivo
se identifica com o fantasiado acha continuam a surgir. Entender o que
que ficou mais esperto e, assim, evi- planeta distante habitado pelo CEO. pode ser ofensivo para o outro, no sé-
tará cair em erros desse tipo. Quem Ou por achar que já entendeu o que culo 21, ficou bem mais complicado.
viu racismo e se identifica com o havia para ser entendido. Ou por
autor da denúncia acha que racistas estar preocupado demais com seu lll
aprenderam uma lição. Há uma boa desempenho. Ou porque não tem 3. MAIS FESTAS DA FIRMA_ Ao
chance de as duas conclusões esta- paciência para conversas sobre cul- mesmo tempo em que se multipli-
rem erradas, por muitos motivos. tura corporativa e prefere procurar cam as possíveis causas de ofensa e
Após ouvir especialistas em RH, memes de mau gosto no WhatsApp. indignação, colegas de trabalho ten-
listamos três deles: Por mais explícita que seja a orien- dem a passar mais tempo juntos. As
tação da cúpula de uma multinacio- jornadas de trabalho se alongam e
lll nal (e ela nem sempre é tão clara), as empresas incentivam os funcio-
1. GLOBALIZAÇÃO, NOVA BA- diferenças culturais entre países nários a interagir mais, com festas
BEL_ O que no Brasil muitos viram continuarão a atrapalhar a interpre- e happy hours corporativos. E, por
como irreverência ou apenas falta tação. E lembremos que um profis- mais diversa que seja a organização,
de noção foi interpretado, pela cú- sional dinâmico pode, ao longo da pequenas decisões (do tipo “qual
pula da Salesforce nos Estados Uni- carreira, transitar por companhias fantasia usaremos na festa?”) costu-
dos, como inaceitável. Questões ét- americanas, alemãs, japonesas, chi- mam ser tomadas individualmente
nicas e de gênero são caras ao CEO nesas, sul-coreanas... boa sorte para ou em pequenos grupos, muitas ve-
da companhia, Marc Benioff, conhe- ele, tentando acertar o que pode zes homogêneos (do tipo “homens
cido por marcar posições políticas ser ofensivo em cada uma delas. brancos que curtem memes de mau
no Twitter e cancelar eventos em gosto”). Quer saber qual é, afinal, a
estados americanos que aprovaram lll chance de ocorrerem choques na
leis antigays. No mundo corporativo 2. ACERTE O ALVO MÓVEL_ Será empresa? Faça a conta: número de
ideal, os exemplos das lideranças em cada vez mais fácil eliminar das or- questões potencialmente polêmicas,
questões comportamentais atraves- ganizações os agressores intencio- como raça, gênero, religião, política,
sariam fronteiras, desceriam degrau nais – assediadores, racistas e outros uso do banheiro, dress code... X nú-
a degrau da pirâmide hierárquica e tipos de preconceituosos e discrimi- mero de profissionais dispostos a de-
chegariam a todo funcionário. No nadores, que sabem o que fazem de nunciar o que consideram ofensivo
mundo real, um funcionário pode odioso, mas persistem no comporta- X número e acessibilidade de canais
simplesmente não prestar a aten- mento. Eles ainda estão por aí, ten- de denúncia X redes sociais X tempo
ção devida a esses exemplos, por tando se esconder nas organizações, crescente que colegas passam juntos
considerar que eles pertencem a um mas pertencem à lata de lixo da his- = tamanho do problema.

Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 91


///SIGA O LÍDER

OPRAH
WINFREY / OWN

PODEROSA
É POUCO
NA META

Dona da maior audiência da TV


americana e empresária de sucesso
com o grupo de mídia OWN, Oprah
Winfrey poderia subir ao palco no
Globo de Ouro, no início de janeiro, só
para receber o prêmio honorário pelo
conjunto de sua obra como atriz. Ela
atuou em filmes como A Cor Púrpura, O
Mordomo da Casa Branca e Selma: uma
Luta pela Igualdade. Em vez disso, fez
um discurso potente em homenagem à
força das mulheres e contra o racismo, o
abuso e o assédio sexual. Foi aplaudida
de pé e ajudou a dar mais evidência
ao movimento em favor da paridade
salarial e do fortalecimento dos direitos
femininos. O ano de 2017 foi marcado por
uma série de denúncias de assédio contra
figurões de Hollywood, como Harvey
Weinstein, Kevin Spacey, Jeffrey Tambor
e Louis C.K, cujas carreiras sofreram
golpes duríssimos. A repercussão
positiva do discurso, concluído com a
expressão “...um novo dia no horizonte”,
fez surgirem especulações sobre uma
possível candidatura de Oprah à Casa
Branca, em 2020. A atriz Meryl Streep
declarou: “ela lançou um foguete esta
noite. Quero que concorra à presidência”.
Apesar das especulações e dos pedidos,
Oprah já descartou a ideia. Em entrevista
à revista InStyle, no final de janeiro,
afirmou que o cargo não é para ela. Sorte
de Donald Trump.

92 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018


BRIAN KRZANICH / INTEL

A TAL DA TRANSPARÊNCIA

O presidente da Intel,
Brian Krzanich, come-
çou o ano gerenciando uma
mea culpa, porém, resumiu-
se a isso. Krzanich não foi
claro sobre a possibilidade de
A crise de imagem. Diante da a brecha ter sido usada por
CONFERIR
recente descoberta de uma hackers para roubar dados
MARCIO KUMRUIAN/
falha estrutural de segurança de usuários. Verificável na NETSHOES
na maioria dos microchips maior parte dos chips usados
fabricados pela companhia em PCs, servidores e celula-
e por suas concorrentes res, a falha, conhecida como PASSO
(AMD e Arm Holdings, entre
outras), admitiu o problema
Meltdown, permite o acesso
a senhas e chaves criptográ- ERROU
EM FALSO
LONGE
publicamente na edição de ficas. “Até agora, não recebe-
2018 de um dos maiores even- mos nenhuma informação de Há duas regras básicas para se
tos da indústria, o Consumer que tenha sido explorada”, construir reputação no varejo
online. A primeira é entregar
Electronics Show (mostra de afirmou. Abriu-se um debate produtos no prazo. A segunda
eletrônicos de consumo) em técnico – atualizações de é zelar pelas informações dos
Las Vegas. Krzanich falou de software bastam para corrigir usuários. A brasileira Netshoes
“esforços sem precedentes” a falha ou ela exigirá novos – maior e-commerce de artigos
esportivos da América Latina
do setor para corrigi-lo. O designs de chips?
– derrapou feio na segunda,
ao deixar vazar os dados de
2 milhões de consumidores.
Trata-se de um dos maiores
incidentes de segurança
digital do Brasil. Não se sabe
quando ele ocorreu, mas foi
exposto em 25 de janeiro,
com a exigência do Ministério
Público do Distrito Federal
e Territórios (MPDFT) que
a empresa informe todos os
clientes afetados (sem prazo
definido). Não há indícios de
que dados bancários ou senhas
tenham sido revelados. Mas
nome, CPF, e-mail e histórico
de compras dos clientes, sim.
Até o fim de janeiro, o fundador
e presidente da Netshoes,
Marcio Kumrian,
não havia se manifestado.
Em nota, a empresa reconheceu
o vazamento, confirmou que
foi alvo de extorsão e
informou que se recusou a
pagar os chantagistas.

fotos: Gettyimages e Gabriel Rinaldi/ eDITORA GLOBO Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 93


DE OLHOS BEM ABERTOS
PARA O AMANHÃ

E
Iza Dezon, M meados do ano passado, Depois de rodar por Paris,
da Peclers enquanto pegava fogo o de-
bate sobre feminismo, e bem
Londres, Milão e Nova York, Iza
desembarcou no país com a mis-
Paris, diz que antes da carta das france- são de antecipar para empresas
adivinhar o sas publicada no Le Monde,
pelo suposto direito de os homens
brasileiras os contornos do futuro,
no curto, médio e longo prazos. O
que vem importunarem as mulheres, a Na- trabalho da equipe multidiscipli-
por aí pode tura se saiu com um manifesto nar que ela integra é feito anual-
que defendia um novo papel para mente e tem como data-chave o
não ser tão o gênero... masculino. O texto, que mês de maio. É quando Iza e ou-
difícil assim. amparava a campanha da linha de tros quatro executivos da Peclers,
cosméticos Natura Homem, tinha cada um em um canto do mundo,
Basta ter um um bordão: “Ser homem vai muito deixam seus escritórios regionais e
time que vive além de ser macho”, e prosseguia viajam para Paris. Na bagagem, le-
por direções que defendiam ser vam a batelada de referências que
para observar insustentável a sociedade impor colecionaram e filtraram ao longo
cada canto tamanho sofrimento aos garotos, do ano. Juntos, cruzam dados e in-
da tenra infância até a idade adul- formações que resultarão, meses
do mundo - ta. Por trás da decisão – e do timing depois, no Futur(s) – com a letra
dentro e fora – para falar deles, e não apenas de- “s” entre parênteses mesmo –, um
las, estava uma tendência aponta- catatau de 4,5 quilos, que conden-
da internet da pela Peclers, empresa fundada sa as tendências, organizadas no
em 1970 pela francesa Dominique que os consultores batizaram de
DANIELA FRABASILE Peclers (e desde 2003 nas mãos do “oito dinâmicas”. Tomam-se por
WPP Group, hoje com escritórios horizonte válido os próximos cinco
em Paris, Nova York, Xangai, Mu- anos. “Nossa principal ferramenta
nique e São Paulo). À frente da sede
paulista está a carioca Iza Dezon,
31 anos, mestre em marketing pelo SEMIÓTICA NA VEIA
Iza Dezon, da Peclers:
Institut Français de la Mode, de Pa-
“Não temos bola de
ris. “Identificamos que as angústias cristal. Mas prestando
deles, e não apenas delas, passa- atenção e colhendo os
riam a ganhar volume”, explica ela, dados certos, dá para
sobre a campanha da Natura. prever muita coisa”

94 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: leo lemos


95
Em suma: incômodo é uma exce-
lente sinalização de que você está
no caminho certo. Numa primeira
leitura, os nomes das “dinâmicas”
apontadas pela Peclers parecem
viajantes demais e não querem di-
zer muita coisa. Por isso, precisam
ser decifrados com exemplos e con-
texto, contidos no book e cobrados
pela consultoria. A “redefinição do
masculino” a que Iza se refere, por
exemplo, faz parte do “Eu Dinâ-
mico”. Ela também faz questão de
explicar que o relatório não tem a
pretensão de apresentar conclu-
sões, mas pistas importantes para
a concepção de novos produtos.
“Na série histórica, por exemplo,
os contornos do novo feminismo
já apareciam em 2011”, diz. Inde-
pendentemente das tendências,
claro e cristalino, na visão dela, é
que implementar uma campanha
de marketing sem visitar os valores
A MÁGICA DOS de pesquisa é a semiótica. Não te- da empresa é dar um tiro no pé: “É
MAKERS continua mos bola de cristal”, explica Iza, preciso ter um comprometimento
em alta. Mostra que que não está sozinha nessa praia. real com o tema escolhido. Agarrar
a colaboração entre A Peclers tem como concorrentes causas que não lhe pertencem é pe-
grandes e pequenos
deve dar o tom aos
empresas como a WGSN, de Lon- rigosíssimo”. A cesta de serviços da
negócios do futuro dres, e a NellyRodi, de Paris. Peclers começa em US$ 2 mil. En-
O Futur(s) 17, a ser lançado no tre os clientes que compram seus
começo deste mês, sustenta ela, prognósticos estão Nike, Huawei,
toma por linha mestra uma pre- Carrefour, Disney, Swarovski, Mi-
missa: a fim de florescer, as inova- crosoft, Fiat e P&G.
ções devem brotar em uma estrada A seguir, Época NEGÓCIOS
esburacada e cheia de percalços. traz, com exclusividade, um resu-
Quer saber se está no caminho cer- mo do Futur(s) 17, com apresenta-
to? Questione se já cruzou a fron- ção em São Paulo prevista para o
teira daquela tal zona de conforto, início de fevereiro:
se é que ela realmente existe hoje. E
mais, trate de verificar no seu mapa 1. EU-DINÂMICO: dinamismo, no
se você se encontra a quilômetros caso, tem a ver com a fluidez na
de distância dela. “As empresas têm construção dos papéis de gênero e
de entender que a inovação e o pio- na desconstrução da imagem per-
neirismo nunca nascem em regiões feita das pessoas nas redes sociais.
familiares para o negócio”, explica. “Não vamos mais fazer questão de

96 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Getty Images


manter o controle sobre nós mes-
mos. Vamos aceitar as imperfei-
ções”, diz Iza.

2. UTOPIA PRAGMÁTICA: contem-


pla o que o movimento maker e as
startups vêm fazendo ao lado de
grandes empresas, o que pressupõe
espírito colaborativo, em progra-
mas de inovação aberta.

3. REINVENTANDO O SOFT-
POWER: aborda os efeitos da globa-
lização e o resgate das referências
socioculturais. Sai a visão coloni-
zada, que celebra o estrangeiro, e
entram os símbolos que nos são
mais próprios. “Daqui para a frente,
vamos ser mais mestiços e mistura-
dos. Mais verdadeiros, portanto”,
diz ela.

4. RECONSTRUÇÃO DO RELACIO-
NAMENTO COM A NATUREZA: ex-
plora como as tecnologias podem tão sendo explorados com o avanço COMO LIDAR COM
auxiliar no combate a problemas das tecnologias. Entre eles, como A EMOÇÃO DOS
ROBÔS? Perguntas
importantes, como o aquecimen- lidar com o que parecem ser emo- novas, ainda sem
to global, além de fazer com que ções em robôs? resposta, entram para
todos tenham melhor compreen- o rol de angústias do
são do que está em jogo. Iza dá um 7. DOMESTICANDO A PÓS-VER- século 21
exemplo: “A realidade aumentada DADE: aborda a necessidade de
permite que você ‘entre’ no tronco conduzir debates em um mundo
de uma árvore e a compreenda em onde interpretações podem ser
todas as suas dimensões”. mais importantes que a realidade
objetiva. Em pauta, a vontade pre-
5. INTENSIFICANDO EXPERIÊN- mente de muitos de estourar as bo-
CIAS: aponta o esgotamento físico lhas das redes sociais. Vale para as
e mental das pessoas provocado do mundo físico também.
pela ultraconectividade. Como
uma ressaca digital, a previsão é a 8. CULTIVANDO INTIMIDADE: mo-
valorização de atividades que exi- vimentos que valorizam a vulne-
gem concentração e também de ex- rabilidade. Indica que as pessoas
periências mais intensas. estarão mais dispostas a, entre
outras coisas, falar abertamente
6. COSMOLOGIAS ALIENÍGENAS: sobre tabus, como depressão, e ad-
identifica novos territórios que es- mitir problemas emocionais.

foto: Getty Images Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com 97


funcionário
do mês
TECNOLOGIA
PORUMAVIDA
MENOS
ORDINÁRIA

EMBORA ESSA
REVOLUÇÃO
CRIE LÍDERES E
OPORTUNIDADES
DE SUCESSO,
TAMBÉM CRIARÁ
PROBLEMAS
SOCIAIS

JACK MA, BILIONÁRIO FUNDADOR DO ALIBABA E, APÓS DAVOS, NOVO GURU

98 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 Ilustração: Baptistão

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