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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA – PPGH


MESTRADO EM HISTÓRIA

EMANUELA BETHÂNIA SANTANA DA FONSECA

PRÁTICAS DE CURA E RELIGIOSIDADE AFRO-BRASILEIRA


EM JACOBINA-BA (1976-1988)

Feira De Santana
2017
EMANUELA BETHÂNIA SANTANA DA FONSECA

PRÁTICAS DE CURA E RELIGIOSIDADE AFRO-BRASILEIRA EM


JACOBINA-BA (1976-1988)

Dissertação apresentada, no curso de Pós-Graduação em História da


Universidade Estadual de Feira de Santana, para obtenção do título de
Mestre em História. Orientadora: Profª Drª Andréa da Rocha R. P.
Barbosa.

Feira De Santana
2017
Ficha Catalográfica - Biblioteca Central Julieta Carteado - UEFS

F743p Fonseca, Emanuela Bethânia Santana da


Práticas de cura e religiosidade afro-brasileira em Jacobina-BA
(1976-1988) / Emanuela Bethânia Santana da Fonseca . - 2017.
166 f.: il.

Orientadora: Andréa da Rocha Barbosa.


Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Feira de Santana,
Programa de Pós-Graduação em História, 2017.

1. Cultos afro-brasileiros – Jacobina (BA). 2. Liberdade religiosa.


3. Cura – Aspectos religiosos. I. Barbosa, Andréa da Rocha, orient. II.
Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Título.

CDU:299.6(814.22)

Lívia Sandes Mota Rabelo – Bibliotecária CRB5/1647


EMANUELA BETHÂNIA SANTANA DA FONSECA

PRÁTICAS DE CURA E RELIGIOSIDADE AFRO-BRASILEIRA EM


JACOBINA-BA (1976-1988)

Dissertação apresentada, como requisito para obtenção do grau de Mestre em História, na


Universidade Estadual de Feira de Santana, para a seguinte banca examinadora:

______________________________________________________
Profª Drª Andréa da Rocha R. P. Barbosa. (Orientadora)
Universidade Estadual de Feira de Santana- UEFS

__________________________________________________
Profª. Drª. Ione Celeste Jesus de Sousa (membro)
Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS

_______________________________________________________
Prof. Dr. Josivaldo Pires de Oliveira (Membro)
Universidade do Estado da Bahia- UNEB

Feira de Santana, 25 de agosto de 2017


ABRAÇAR E AGRADECER

Chegar para agradecer e louvar.


Louvar o ventre que me gerou
O orixá que me tomou,
E a mão da doçura de Oxum que consagrou.
Louvar a água de minha terra
O chão que me sustenta, o palco, o massapê,
A beira do abismo,
O punhal do susto de cada dia.
Agradecer as nuvens que logo são chuva,
Sereniza os sentidos
E ensina a vida a reviver.
Agradecer os amigos que fiz
E que mantém a coragem de gostar de mim, apesar de mim...
Agradecer a alegria das crianças,
As borboletas que brincam em meus quintais, reais ou não.
Agradecer a cada folha, a toda raiz, as pedras majestosas
E as pequeninas como eu, em Aruanda.
Agradecer o sol que raia o dia,
A lua que como o menino Deus espraia luz
E vira os meus sonhos de pernas pro ar.
Agradecer as marés altas
E também aquelas que levam para outros costados todos os males.
Agradecer a tudo que canta no ar,
Dentro do mato sobre o mar,
As vozes que soam de cordas tênues e partem cristais.
Agradecer os senhores que acolhem e aplaudem esse milagre.
Agradecer,
Ter o que agradecer.
Louvar e abraçar!

(Maria Bethânia. In: Abraçar e Agradecer. São Paulo: Biscoito Fino, 2016.)
AGRADECIMENTOS

Meus eternos agradecimento aos meus familiares: meus irmãos, Alisson e Emanuel, e
a minha tia, Aderilva, pelo incentivo e força nos momentos difíceis. A minha mãe Neide, pela
amizade, companheirismo e amor, ao longo desta longa fase e em todos os momentos da vida.
As amigas: Mª Cristina Carvalho, pela amizade, pela leitura atenta do textos, pelas
palavras de conforto, e pelo estimulo para não desistir diante das dificuldades encontradas ao
longo desta trajetória. A Daiane Pires, amiga que a vida presenteou-me durante o mestrado, a
quem quero presente ao longo da vida, e que assim como Cristina, esteve sempre presente,
dando muita força, carinho e incentivo para prosseguir até o termino do curso.
A professora orientadora, Andréa Rocha e demais professores do PGH/UEFS pela
compreensão e pelos esforços, para que eu pudesse permanecer no curso até reestabelecer a
minha saúde, e então, dar continuidade a escrita do texto. A professora Ione Souza, que apesar
da pouca convivência, foi bastante solidária em diversos momentos ao longo do curso.
A CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pelo
financiamento da pesquisa.
A todos que participaram desta pesquisa, que depositaram em mim, a confiança e o
privilégio de ouvir e guardar as narrativas sobre as suas vidas: Joel Sebastião, Nina Conceição,
Américo Porto, Gilton Oliveira, dona Dunguinha, Sr. Amado Pereira, Dª Maninha, Dª
Mariquinha, Dª Ana Maria, Dª Dalva, Dª Marcelina, Dª Calu, Dª Dedê, Dª Valdelice e Sr.
Arcelino.
Aos funcionários do Arquivo Público Municipal de Jacobina pelo profissionalismo e
disponibilidade.
Aos professores da UNEB Campus IV, Valter Oliveira e Adriano Menezes pela
confiança em permitir a minha participação no trabalho de digitalização do jornal A Palavra, e
por cedê-lo para o uso nesta pesquisa.
Aos amigos, que tendo conhecimento sobre minha pesquisa, me ajudaram a localizar os
agentes de cura da cidade.

A todos, muita gratidão.


RESUMO

As diversas formas de manifestações religiosas de origem africana no Brasil foram


historicamente depreciadas, e por um longo período foram alvo de perseguição e motivo para
levar seus praticantes à prisão, seja pelo fato de realizarem seus rituais religiosos, seja pela suas
prática mágico-curativa, como o curandeirismo. O presente trabalho, visa analisar o universo
das práticas de cura a partir da religiosidade afro-brasileira em Jacobina-Bahia entre os anos de
1976-1988, com vistas no decreto Estadual 25.095/1976, que assegurou as religiões afro-
brasileiras à liberdade de culto sem a obrigatoriedade de licença policial para a realização das
suas celebrações. Investigou-se, em que medida o decreto garantiu liberdade de culto aos rituais
afro-brasileiros em Jacobina-Ba no referido período. Além disso, buscou-se compreender,
como a religiosidade afro-brasileira permeava as terapêuticas tradicionais de cura, bem como,
identificar quais eram os principais tratamentos realizadas por esses agentes. Os objetos usados,
os remédios, as plantas, rezas e as entidades religiosas envolvidas nos processos terapêuticos
assim como, as relações de gêneros envolvidas no contexto mágico-religioso afro-brasileiro na
cidade. Para tanto, se fez necessário um mapeamento preliminar do campo religioso afro-
brasileiro, e dos seus agentes no município. Para alcançar tais objetivos os depoimentos orais
através da metodologia da história oral foram centrais para a construção deste trabalho.
Utilizou-se outros documentos tais como jornais, registros de terreiros, fotografias e a
legislação.

Palavras chave: Religiosidade afro-brasileira, práticas de cura, Jacobina-Ba


ABSTRATC

The various forms of religious manifestations of African origin in Brazil were historically
deprecated, and for a long period they were the object of persecution and motive to bring their
practitioners to prison, either for their religious rituals or for their magic-healing practice, like
the curandeirismo. The present work aims to analyze the universe of healing practices from
Afro-Brazilian religiosity in Jacobina-Bahia between 1976 and 1988, as seen in State Decree
25.095 / 1976, which assured Afro-Brazilian religions the freedom of service without the
obligation of police license to carry out their celebrations. It was investigated to what extent the
decree guaranteed freedom of worship to the Afro-Brazilian rituals in Jacobina-Ba in the
mentioned period. In addition, we sought to understand how Afro-Brazilian religiosity
permeated traditional healing therapies, as well as to identify the main treatments performed by
these agents. The objects used, the remedies, the plants, the prayers and the religious entities
involved in the therapeutic processes, as well as the relationships of genres involved in the Afro-
Brazilian magic-religious context in the city. Therefore, a preliminary mapping of the Afro-
Brazilian religious field, and of its agents in the municipality, was necessary. In order to reach
these objectives oral statements through the methodology of oral history were central to the
construction of this work. Other documents such as newspapers, land registry records,
photographs and legislation were used.

Keywords: Afro-Brazilian religiosity, healing practices, Jacobina-Ba.


LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

FEBACAB - Federação Baiana de Cultos Afro-brasileiros.


URBIS - Habitação e Urbanização da Bahia S/A
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
ARENA- Aliança Renovadora Nacional.
LISTA DE FIGURAS E ILUSTRAÇÕES
Figura 1- Lavadeiras no Rio do Ouro ..............................................................................................31
Figura 2 - Lavadeiras no Rio do Ouro. .............................................................................................31
Figura 3- Construções de madeira inundadas durante a enchente do rio Itapicuru-Mirim...................34
Figura 4- Características das construções nas regiões afastadas do centro da cidade com destaque para
a casa de taipa. ..................................................................................................................................34
Figura 5- Foto panorâmica de Jacobina nos anos 1957 .....................................................................38
Figura 6- Foto Panorâmica de Jacobina-Ba, entre as décadas de 1980 e 1990 ...................................39
Figura 7- Mapa 1 - Casas de Culto Afro-Brasileiras em Jacobina-Ba. ...............................................61
Figura 8- Altar de dona Marcelina Pereira ........................................................................................94
Figura 9- Altar de dona Marcelina Pereira ........................................................................................95
Figura 10- Altar de dona Marcelina Pereira ......................................................................................95
Figura 11- Imagens dispostas sobre a estante da sala de dona Maria Aurea da Silva. .........................99
Figura 12- Altar de dona Maria Aurea da Silva............................................................................... 100
Figura 13- Altar de dona Maria Aurea da Silva............................................................................... 101
Figura 14- Altar de dona Maria Aurea da Silva............................................................................... 102
Figura 15- Ponto riscado em trabalho realizado para retirada de espíritos obsessores. ..................... 132
Figura 16- Queima do ponto riscado em trabalho realizado para retirada de espíritos obsessores. .... 132
Figura 17- Composição do caruru de Ibêji no terreiro Ilê Odé Cassulandê. ..................................... 149
Figura 18- Composição do caruru de São Cosme e São Damião oferecido pela Benzedeira Maria
Aurea dos Santos ............................................................................................................................ 150
Figura 19- Caruru de São Cosme e São Damião oferecido por Amado Pereira dos Santos e por seus
filhos de Santo ................................................................................................................................ 150
Figura 20- Recipientes com a comida a ser despachada às pretas velhas ......................................... 155
ÍNDICE DE QUADROS

Quadro 1- Catalogação de rezadeiras/benzedeiras e curandeiros .......................................................56


Quadro 2- Catalogação Parcial dos Terreiro de Candomblé e Umbanda em Jacobina- Bahia ............62
Sumário
Introdução .......................................................................................................................................11
Capitulo 1 – Urbanização e as práticas religiosas afro-brasileira em Jacobina ............................18
1.1 - Curandeirismo, batuques e transformações urbanas em Jacobina ...........................................18
1.2 - O campo religioso afro-brasileiro em Jacobina ......................................................................48
Capitulo 2– O dom, o Aprendizado e a Inserção no Universo das Práticas Mágico-Curativas em
Jacobina. .........................................................................................................................................68
2.1 – O chamado dos orixás: iniciação nas religiões afro-brasileiras em Jacobina. ..........................68
2.2 - Entre santos, orixás, caboclos e encantados: a inserção no universo de cura a partir dos cultos
domésticos ....................................................................................................................................78
2.3 - A religiosidade afro-brasileira nas terapêuticas domesticas mágico-curativas. ........................88
Capitulo 3: As doenças e a oferta de cura no universo mágico-religioso em Jacobina. .............. 108
3.1- Terapêuticas de cura e as doenças tratadas no âmbito das práticas mágicas afro-brasileiras em
Jacobina. ..................................................................................................................................... 108
3.2- “Cosme e Damião ninguém brinque que se não fizer as coisas dele, o caruru dele direitinho [...]
aparece doença na pessoa”: os carurus, entre a obrigação e a cura. ............................................... 146
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 157
LISTA DE FONTES ..................................................................................................................... 159
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ............................................................................................. 161
11

Introdução

As religiões que tiveram na sua matriz formadora, o predomínio de diversos elementos


da cultura e da religiosidade africana, como o candomblé 1, se desenvolveram no Brasil no
contexto colonial escravista, cujo os elementos originais africanos foram adaptados e
resinificados ao longo séculos de escravidão. Posteriormente deram origem ao Candomblé da
Bahia, Giro de Caboclo, Xangô, Tambor de Mina, Jurema, Tarecó, a Umbanda, Peji, entre
outras. Estas denominações religiosas, têm em comum, além da origem composta por
elementos da cultura africana, a compreensão de que a cura do corpo e do espírito, bem como
a vida e a religiosidade são muitas vezes indissociáveis.
Até meados do século XIX, a medicina estava a cargo de feiticeiros, curandeiros, padres,
parteiras, raizeiros, benzedores, sangradores cirurgiões e boticários. Os poucos médicos que
existiam na colônia, não seguiam as rígidas normas da medicina como na Europa. Antes da
institucionalização da medicina acadêmica, que só aconteceu no século XIX, na prática, não
havia muita disparidade entre as práticas terapêuticas tradicionais e a medicina oficial, visto
que esta “expunha uma concepção de doença e apregoava um arsenal terapêutico fundados
numa visão de mundo em que coexistiam o natural e o sobrenatural, a experiência e a crença”2.
Entretanto, a partir do século XIX e meados do século XX, esses agentes de cura passaram a
ser violentamente perseguidos. O curandeirismo e demais práticas curativas tradicionais,
representavam uma ameaça à medicina oficial, à civilização e ao progresso, por isso, para os
grupos dominantes essas práticas, compreendidas por eles como incivilizadas, deveriam ser
extintas.
Na Bahia, tanto na capital quanto no interior, os praticantes das religiões afro-brasileiras,
para realizarem celebrações em seus templos religiosos, eram obrigados a pedir autorização às
autoridades policiais, caso contrário poderiam ter seus ritos interrompidos, instrumentos
sagrados apreendidos e os líderes da casa detidos pela polícia. A obrigatoriedade da licença
policial para a realização das cerimônias sagradas de origem afro-brasileiras durou até a década
de 1970. Somente a partir do decreto estadual 25.095 de 15 de Janeiro de 1976, findou-se essa

1
Até o século XVIII os nomes mais usados para designar as religiões de origem africana no Brasil eram calundu,
batuque e batucajé. O termo candomblé só passou a ser utilizado para designar os cultos afro-brasileiros no século
XIX.
2
FERREIRA, Luiz Otávio.Medicina Impopular: ciência médica e medicina popular nas páginas dos periódicos
científicos (1830-1840). IN. CHALHOUB, Sindney. et al (org). Artes e Ofícios de Curar no Brasil. Campinas,
SP: Editora da Unicamp, 2003.p. 101-122.
12

obrigação, ficando a cargos das federações, a emissão de alvará permitindo o funcionamento


da casa de culto.
Apesar da repressão, as práticas de cura tradicionais persistem ainda hoje, e dispõem de
uma infinidade de elementos religiosos afro-brasileiros. As rezadeiras, benzedeiras curandeiros,
pais e mães de santo, são exemplo de agentes que compõem o universo das terapêuticas
tradicionais afro-brasileiras na cidade de Jacobina e seus serviços mágicos de cura são ainda
bastante requisitados por uma clientela bem diversificada. Desse modo, esta pesquisa teve
como objetivos compreender o universo das práticas de cura a partir da religiosidade afro-
brasileira em Jacobina- Bahia entre os anos de 1976-1988, com vistas no decreto Estadual
25.095/1976, que assegurou as religiões afro-brasileiras à liberdade de culto sem a
obrigatoriedade de licença policial. A baliza final do recorte temporal desta pesquisa, embasa-
se nas transformações do espaço urbano da cidade. Na década de 1970, houve o fim da
hegemonia do grupo político liderado pelo coronel Francisco Rocha Pires denominado Jacus,
derrotado por seus dissidentes, os irmão, Fernando Mário Pires Daltro e Carlos Alberto Pires
Daltro, dirigentes do Carcarás. A partir da gestão de Carlos Daltro (1983-1988) Jacobina sofreu
inúmeras intervenções urbanas respaldadas num discurso civilizador que buscava “limpar” das
ruas hábitos e práticas culturais compreendidas como entraves para tal projeto.
Tendo em vista estas questões, investigou-se neste trabalho em que medida o decreto
25.095/1976 garantiu liberdade de culto aos rituais afro-brasileiros em Jacobina, neste contexto
de intensas transformações urbanas. Analisou-se também, as configurações do campo mágico-
religioso afro-brasileiro na cidade; o modo como seus elementos permeavam as terapêuticas
tradicionais, identificando quais eram os principais tratamentos realizados pelos agentes de
cura, os objetos, os remédios, as plantas, rezas e as entidades religiosas envolvidas, nos rituais
de cura. Para mediar estas discussões, recorreu-se ao conceito de campo religioso elaborado por
Bourdieu, o qual o define como “estruturas de relações objetivas” onde se desenvolve uma luta
concorrencial pelo monopólio do poder simbólico. 3 Para ele,
As relações de transação que se estabelecem, com base em interesses
diferentes, entre os especialistas e os leigos. E as relações de concorrência
que opõem os diferentes especialistas no interior do campo religioso,
constituem o princípio da dinâmica do campo religioso e também das
transformações da ideologia religiosa.4

3
BOURDIEU, Pierre. O Campo cientifico. Reproduzido de BOURDIEU, P. Le champ scientifique. Actes de Ia
Recherche en Sciences Sociales, n. 2/3, jun. 1976, p. 88-104. Tradução de Paula Montero.
4
BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2009. p 50.
13

Esta concepção, ajudou-nos a compreender, uma série de disputas dentro do campo


religioso afro-brasileiro na cidade, em relação ao monopólio dos bens simbólicos, e as diversas
formas de apropriação do capital religiosos entre os adeptos das religiões afro-brasileiras na
cidade. Ademais, procurou-se compreender, como se davam as relações de gênero neste
universo das curas mágico-religiosas, tanto no que diz respeito à predominância feminina entre
os terapeutas da cura mágicas, quanto na relação de homens e mulheres na procura por estes
serviços. Assim, Bourdieu também contribuiu nas discussões acerca das relações de gênero no
campo religioso afro-brasileiro, a partir da concepção de dominação masculina, juntamente com
a conceituação de gênero desenvolvida por Joan Scott, que compreende gênero como uma
categoria de análise. Para a autora, “o gênero é um elemento constitutivo de relações sociais
baseado nas diferenças percebidas entre os sexos, e o gênero é uma forma primeira de significar
as relações de poder”.5 Portanto, a análise referentes a prevalência feminina entre os agentes
das curas mágico-religiosas, perpassaram pelas representações sociais dos papeis femininos
apropriadas no campo das terapêuticas mágico-religiosas afro-brasileiras.
A religiosidade é entendida como “sentimento religioso interiorizado e vivido.”6 Nesse
sentido, compreender as representações de cura a partir da religiosidade afro-brasileira não se
restringirá a analisar exclusivamente as instituições religiosas afro-brasileiras, visto que, o
“sentimento religioso vivido” em relação a estas representações está fortemente presente em
sujeitos que não são vinculados a nenhuma instituição religiosa afro-brasileira, mas que se
apropriaram das inúmeras práticas relacionada a essas religiões. Desse modo, considera-se a
religiosidade como

O conhecimento, em seus vários níveis, que os homens têm dessas mesmas


crenças, ritos e instituições. Mais ainda, a religiosidade será compreendida,
também, como maneira e forma pela qual os homens internalizam, apreendem,
interpretam e expressão o conhecimento do fenômeno religioso. É a religião
vivida.7

No município, estes agentes de cura são representado pelas rezadeiras/benzedeiras,


médiuns curandeiros/curandeiras, pais e mães de santo. Estes em sua maioria, com exceção dos
pais e mães de santo, que são adeptos das religiões afro-brasileiras, se identificam como

5
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil para análise histórica. Tradução: Dabat, Christine Rufino Dabat;
Ávila, Maria Betânia. Disponível em:
http://www.observem.com/upload/935db796164ce35091c80e10df659a66.pdf . Acesso em 06/10/2014. p.21.
6
TEIXEIRA, Marli Geralda. “Nós os batistas... Um estudo de História das Mentalidade. Tese de Doutorado.
São Paulo: USP, 1983. p. 14.
7
Ibidem. p. 15-16.
14

católicos, mas apresentam em suas atividades curativas, inúmeras práticas da religiosidade afro-
brasileira, como o culto e o transe espiritual através de divindades como caboclos, orixás, pretos
velhos e encantados. Existe ai, a vivência de identidades religiosas múltiplas e relacionais que
favorece a apropriação e o transito desses sujeitos por sistemas religiosos diversos. “à medida
em que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados
por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das
quais poderíamos nos identificar – ao menos temporariamente.”8
A fim de compreender as questões apresentadas, é fundamental a utilização do método
da história oral para trazer à tona a memória desses agentes de cura em Jacobina. A pesquisa
com a temática relacionada à cura e religiosidade afro-brasileira, foi um grande desafio,
principalmente pelo fato dos conhecimentos que envolvem estas práticas, não serem registradas
de forma escrita. Por se tratar de um grupo historicamente marginalizado dentro da sociedade,
esses, muito raramente deixam escrito de próprio punho as impressões sobre o seu tempo e suas
vivências. Todo o conhecimento e práticas desses sujeitos, são transmitidos para as novas
gerações através da oralidade/memória. “Em todos os níveis, a memória é um fenômeno
construído social e individualmente, quando se trata da memória herdada, podemos também
dizer que há uma ligação fenomenológica muito estreita entre a memória e o sentimento de
identidade.”9 Desse modo, o depoimentos desses agentes de cura foram a principal fonte para
a construção deste trabalhos, na medida em que nas narrativas revelam-se detalhes do vivido,
alheio aos grandes discursos.10 Conforme Gandon,
A História Oral, seja em que versão ela for utilizada, põe em relevo a fala
humana e a memória. O discurso da memória é altamente dinâmico, vai sendo
construído em função de cada contexto do presente – o “lugar” do discurso –
e também em função da imagem que se quer transmitir e da “negociação”
identitária que consciente ou inconscientemente se estabelece numa fala. 11

Através das fontes escritas, como as leis e posturas municipais e do Jornal A Palavra,
em circulação na cidade entre as décadas de 1970 e 1990, buscou-se analisar as concepções e
as relações que os grupos dominantes da cidade tinham com os agentes de cura, e com a
diversidade das práticas mágico-curativas afro-brasileiras praticadas na cidade. Além disso,
estes documentos possibilitou-nos analisar aspectos importantes relacionados a esfera política,

8
HALL, Stuart. A Identidade cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. p.13.
9
POLLACK, Michel. Memória e identidade social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 5, n.10,1992. p. 5.
10
GANDON, Tânia Risério d’Almeida. Etnotexto e Identidade Cultural na Construção da Memória. Revista
da FAEEBA – Educação e Contemporaneidade, Salvador, v. 14, n. 23, p. 227-233, jan./jun., 2005 p. 230.
11
Ibidem. p. 230.
15

de transformações na infraestrutura da urbe, e das concepções dos grupos dominantes em


relação as práticas de cura afro-brasileiras.
Os discursos sociais não se dão na neutralidade, eles produzem estratégias, que tentam
impor a visão de mundo, de determinado grupo tido como autoridade, a outros por ele
menosprezado, com intuito de legitimar um projeto reformador, como justificativa de suas
condutas.12 Assim, para Roger Chartier, os conflitos de representação, têm tanta importância
quanto as lutas econômica, quando trata-se, de tentar compreender os mecanismos utilizados
por um grupo, para impor suas concepções de mundo social e seus valores aos demais. Nas
concepções de representação elaboradas a partir da História Cultural, Chartirer afirmar que
A história cultural, tal como a entendemos, tem por principal objeto identificar
o modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade
social e construída, pensada, dada a ler. Uma tarefa deste tipo supõe vários
caminhos. O primeiro diz respeito as classificações, divisões e delimitações
que organizam a apreensão do mundo social como categorias fundamentais de
percepção e de apreciação do real. Variáveis consoante as classes sociais ou
os meios intelectuais, são produzidas pelas disposições estáveis e partilhadas,
próprias do grupo. São estes esquemas intelectuais incorporados que criam as
figuras graças as quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se
inteligível e o espaço ser decifrado. 13

A partir do uso da fotografia enquanto fontes históricas, compreende-se que estas são
representações de uma dada realidade social e por isso mesmo não deve ser compreendida
enquanto imagem monolítica do real.14
Toda fotografia resulta de um processo de criação; ao longo desse processo a
imagem é elaborada, construída técnica, cultural, estética e ideologicamente.
Para falarmos sobre a construção e desmontagem da imagem fotográfica
devemos perceber a sua complexidade epistemológica enquanto
representação e documento visual. A representação fotográfica é codificada,
característica peculiar, também, a outras formas de representação visual. Sua
desmontagem se faz na medida em que começamos a perceber os
componentes técnicos, culturais estéticos e ideológicos embutidos em sua
construção.15

As fotografias possibilitou-nos uma melhor compreensão das transformações do espaço


urbano em Jacobina, bem como as diversas vivências e práticas religiosas no campo magico-
terapêutico afro-brasileiro na cidade.

12
CHARTIER, Roger. História Cultural: Entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: DIFEL S.A, 2002.
p. 17.
13
Idem.
14
MORGADO, Chablik de Oliveira. O Voo do Pássaro e Seu Canto: Trajetória de um Espírita e do
Espiritismo em Feira De Santana (1940-1960). Dissertação (Mestrado), Feira de Santana: UEFS, 2015.
15
KOSSOY, Boris. O Paradigma da Fotografia. Endereço eletrônico: http://boriskossoy.com/wp-
content/uploads/2014/11/paradigma_pt.pdf . Acesso em 20/11/2015.
16

O presente trabalho é composto por três capítulos, sendo que no primeiro, analisou-se
em que medida a liberdade de culto às religiões afro-brasileiras se efetivou em Jacobina após a
homologação do decreto 25.095/1976, num contexto em que a cidade de Jacobina foi submetida
a uma série de transformações urbanas que se intensificaram a partir da década de 1970. Este
processo de urbanização era bastante conclamado pela impressa que tinha como principal
veículo, o jornal A Palavra, que circulou no município entre as décadas de 1970 e 1990.
Refletiu-se também, sobre a atuação da FEBACAB enquanto instituição representativa
do povo de santo do município, buscando compreender, as suas concepções em relação aos
cultos afro-brasileiros praticados em Jacobina, a partir dos pijis ou pejis e da umbanda, cuja
figura das entidades caboclas, é central nos seus ritos. Diante disso, realizou-se uma breve
caracterização destes a partir do mapeamento das casas de cultos afro-brasileiros na cidade.
Na primeira parte do capítulo, foi realizada uma análise da repressão às atividades
mágico-religiosa afro-brasileira no município, com base na legislação local e nas publicações
da impressa da cidade, por meio dos jornais, O Lidador e Vanguarda. Este recuo, se fez
necessário para compreensão dos mecanismos de resistência desenvolvidos pelo povo de santo
ao longo deste período até a aprovação do decreto de lei 25.095, visto que não há ainda estudos
relacionados as perseguições aos cultos afro-brasileiros em Jacobina.
No segundo capítulo, foram analisadas questões referentes a concepção de doença e cura
no universo das terapêuticas mágico-religiosas afro-brasileiras. A partir das diferentes
percepções de doença, cura e da identificação dos agentes das terapêuticas mágico-religiosa em
Jacobina, sugiram algumas inquietações no que tange a formação desses sujeitos no universo
da cura. De que modo esses terapeutas dominavam o imenso repertório de rezas, plantas, e
demais rituais destinado ao alívio dos males que acometiam a saúde e o bem estar da sua
clientela? Como se deu a iniciação destes terapeutas no universo magico-curativo? De que
maneira a religiosidade afro-brasileira se faz presente no processo de “formação” e nas práticas
terapêuticas destes agentes? Deste modo, neste capítulo foram analisadas as questões acima
apresentadas.
No último capítulo, investigou-se as diversas práticas de cura realizadas no âmbito
terapêuticas mágico-religiosas em Jacobina, bem como, os males curados a partir dela. No que
tange os tratamentos, identificou-se as formas de diagnósticos e os elementos utilizados para se
tratar os diversos males que acometiam os consulentes. Destacou-se, as especificidades
relacionadas às enfermidades que afetavam com maior predominância as mulheres ou os
homens, no intuito de compreender se há doenças de caráter espiritual relacionadas ao gênero.
17

Do mesmo modo, analisou-se a natureza dos tratamentos promovidos pelas entidades


espirituais envolvidas nos processos de cura.
18

Capitulo 1 – Urbanização e as práticas religiosas afro-brasileira em Jacobina

1.1 - Curandeirismo, batuques e transformações urbanas em Jacobina

Jacobina, no início do século XX era caracterizada como uma “cidadezinha com feições
de vila”16, com uma pequena estrutura urbana que apresentava aspectos urbanístico e
arquitetônicos preservados dos séculos passados 17. Este fato, alimentou entre intelectuais
jacobinense, como no escritor e historiador membro do IGHB Afonso Costa e nos políticos e
dirigentes locais, anseios por mudanças que desse a Jacobina uma estética de urbe moderna. 18
Entretanto, de acordo com Edson Silva, foram poucas as intervenções no tecido urbano da
cidade na primeira metade do século. As pequenas transformações se deram na remodelação de
alguns prédios públicos, edificações de pontes, na área de comunicação e serviços de
iluminação pública elétrica e de transporte.19
Vanicléa Santos, afirmou que a década de 1920 foi substancial para os anos posteriores
da história e do desenvolvimento da cidade, na medida em que no referido período foi
implantado o serviço de iluminação pública elétrica e via férrea na cidade - a linha Centro Sul
da 4ª Divisão Operacional da Leste que ligava Senhor do Bonfim à Piritiba e favorecia Jacobina
como rota de passagem. Com a implantação da ferrovia, o espeço urbano da cidade começou a
sofrer uma série de transformações. Até então, Jacobina só era povoada na margem direita do
rio Itapicuru. Como a estação de trem foi construída do lado esquerdo da margem do rio, este
espaço começou a se desenvolver, e sobre o rio, construiu-se uma ponte ligando os dois pontos
da cidade. 20 Além disso, a ferrovia favoreceu o desenvolvimento do comércio, da agricultura e
da pecuária. Estas atividades, segundo Ricardo Batista21, passaram a predominar sobre a

16
OLIVEIRA, Valter Gomes Santos de. Revelando a cidade: Imagens da modernidade no olhar fotográfico
de Osmar Micucci. (Jacobina 1955-1963). Dissertação (Mestrado em História Social). Salvador: UFBA, 2007. p.
3
17
SILVA, Edson. Modernização, sanitaríssimo e cotidiano (Jacobina – BA 1955-1959), Dissertação (Mestrado).
Campina Grande- PB: UFCG, 2015. p. 33.
18
OLIVEIRA, Valter, Op. Cit, p.3.
19
SILVA, Edson, Op. Cit. p 33.
20
SANTOS, Vanicléia Silva. Sons, danças e ritmos: A Micareta em Jacobina - Ba (1920-1950). Dissertação
(Mestredo). São Paulo: PUC-SP, 2001.
21
BATISTA, Ricardo dos Santos. Lues Venerea e as Roseiras Decaídas: biopoder e convenções de gênero e
sexualidade em Jacobina-Ba (1930-1960). Dissertação de mestrado em História Social. Salvador: UFBA, 2010.
19

mineração durante este período. A extração de minerais, no entanto, não deixou de ter grande
importância na economia do município. Entre as décadas de 1930 e 1950, como demonstrou
Batista, a exploração do ouro fez com que muita gente migrasse para a cidade em busca de
enriquecimento rápido e de melhores condições de vida.
Até os anos 1950, faltavam à cidade ““maquinas modernas do conforto” como água
encanada, sistema de esgoto, melhoramento do asseio das ruas e ampliação do sistema de
energia elétrica, que então funcionava de forma deficitária e restrito a poucas ligações.” 22
Neste período, Jacobina contava com a população total de 61.681 habitantes, dos quais,
apenas 7.224 viviam na sede do município, sedo que 83,5% do total da população vivia na zona
rural. Na década seguinte, a população da zona urbana do município alcançou o índice de
12.373 habitantes.23 Sua economia girava em tono da agricultura, através da produção da
mamona, cujo município se destacava como maior produtor; da mineração, através da
exploração do ouro e de ametistas; e da pecuária, está através da criação de ovinos, caprinos,
suínos e bovinos. 24
A imprensa local teve grande importância como veículo de divulgação das ações dos
governos municipais que visavam o progresso, representado através do desenvolvimento
urbano, e pela mudança dos hábitos da população tidos como atrasados e incivilizados. Entre
os quais se incluía, a prática do curandeirismo e do candomblé.
Entre as décadas de 1930 e 1960 os principais jornais a circularem na cidade foram O
Lidador e Vanguarda. O primeiro foi criado em 1933, a partir de divergências do seu
proprietário com as autoridades na cidade de Mundo Novo, o mesmo transferiu-se para Jacobina
onde teve como o principal aliado o jovem, ainda em ascensão política, coronel Francisco
Rocha Pires. 25 O segundo, circulou em Jacobina entre as décadas de 1950 e 1960. Este veio
transferido da cidade de Feira de Santana, e assim como O Lidador, também recebia o apoio
dos políticos locais. 26 Entre o ano de 1973 até meados da década de 1990, o semanário A Palavra
foi o principal jornal em circulação na cidade. Este teve grande responsabilidade na montagem
e ações do grupo político liderado pelos irmãos Carlos Daltro e Fenando Daltro. 27

22
SILVA, Edson, Op. Cit. p. 35.
23
Ibidem, p. 35.
24
Idem.
25
MENEZES, Adriano Antônio Lima. A Imprensa Sertaneja: Uma Busca de Identidade Cultural no Piemonte
da Chapada Diamantina. IN: Anuário de Pesquisa. Nº1. Salvador: Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Novembro, 2009. p. 4-15.
26
OLIVEIRA, Valter Gomes Santos de. Op. Cit.p.3.
27
ARAÚJO, Carla Corte. Os Carcarás: Trajetória Política e Poder na Cidade de Jacobina. Texto encontrado
em: http://vencontro.anpuhba.org/anaisvencontro/C/Carla_Corte_de_Araujo.pdf em: 26/02/2015.
20

Na medida em que denunciava o curandeirismo como prática criminosa e atrasada, a


imprensa foi de extrema importância na valorização da medicina cientifica. Vale destacar que
foi justamente nos anos de 1930, período cujas matérias denunciando o curandeirismo teve
maior circulação, que foi inaugurado na cidade o Hospital Antônio Teixeira Sobrinho. No
estudo sobre a perseguição policial ao candomblé e ao curandeirismo em Feira de Santana,
Oliveira28 ressaltou o papel decisivo da imprensa na repressão ao curandeirismo. O autor
mostrou, que assim como na capital, havia uma grande preocupação da elite feirense com o
crescimento dos “adeptos da mandinga” 29. Oliveira destacou o crescimento as denúncias feitas
pela classe médica da cidade, que entendia as práticas do curandeirismo “como uma ameaça à
saúde pública, mas também, e principalmente, ameaça à legitimidade da profissão médica” 30
Em novembro de 1933, o jornal O Lidador anunciava a construção do Hospital Antônio
Teixeira Sobrinho. O mesmo seria construído no local onde existia o “antigo cemitério”
desativado há mais de quarenta anos. Segundo o periódico, o prefeito municipal, junto a
“comissão encarregada da construção, agiram acertadamente demolindo o velho cemitério em
ruinas para no local levantarem um edifício moderno que dava vida a cidade.” 31 É importante
perceber que a implantação do hospital na cidade, significava ao mesmo tempo, um avanço em
relação aos tratamentos de saúde, a partir da medicina alopata, e uma importante medida que
favorecia urbanização e o progresso, visto que, para a construção do hospital, demoliu-se o
antigo cemitério desativado, para em seu lugar erguer-se um prédio moderno que daria “vida a
cidade”.
Em 5 de Janeiro de 1934, o médico Alfredo Souza, em artigo publicado no jornal O
lidador, se queixava da condições como eram tratado os médicos no interior. Aparentemente,
estes profissionais encontraram alguma resistência da população, em relação aos tratamentos
oferecidos pela medicina acadêmica, tendo em vista as críticas proferidas pelo médico no
periódico.
Um movimento sujo capcioso, no sertão se está fazendo contra a classe dos
médico ou bacharéis. Em qualquer roda, raro não é ouvir-se acre á ação de
tal facultativo (...) qualquer indivíduo se acha com autoridade de comentar

28
OLIVEIRA, Josivaldo. Adeptos da mandinga: candomblés, curandeiros e repressão policial na princesa do
sertão (Feira de Santana-Ba, 1938-1970). Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e Africanos) – Universidade
Federal da Bahia, Salvador – BA. 2010.
29
A expressão foi usada em Feira de Santana pelo jornal Folha do Norte para denunciar o “barulho infernal”
provocado por um batuque promovido pelos “adeptos da mandinga”, referindo-se aos curandeiros e aos
candomblés da cidade. Ver Oliveira: OLIVEIRA, Josivaldo. Adeptos da mandinga: candomblés, curandeiros e
repressão policial na princesa do sertão (Feira de Santana-Ba, 1938-1970). Tese (Doutorado em Estudos Étnicos e
Africanos) – Universidade Federal da Bahia, Salvador – BA. 2010.
30
Idem. p. 128.
31
Jornal O lidador. Nº10 de 10 de novembro de 1933. p. 1.
21

o tratamento dos médicos. Todos sabem mais do que estes e não sei porque,
ainda os procuram. (...) A impressão que se tem dos nossos Esculápios é
que é uma classe desnecessária porque qualquer o substitui. (...) Quem é
prejudicado! Única e exclusivamente o povo. 32

A partir do artigo escrito pelo médico Alfredo Souza ao jornal O Lidador, pode-se supor
que os médicos enfrentavam dificuldades para exercerem seu oficio em Jacobina. Isso poderia
ser em decorrência da concorrência com as práticas de cura oferecida pelos curandeiros,
parteiras, benzedeiras a partir da fitoterapia e tratamentos mágico-religiosos. Certamente, os
médicos acadêmicos tiveram que enfrentar a falta de confiança da população em tratar-se com
médicos, visto que já fazia parte da cultura local recorrer à medicina tradicional quando se
adoecia, sendo esta, parte da cosmogonia desta população, composta de saberes herdados dos
seus ancestrais africanos.33 Deve-se considerar também, os custo elevado do tratamento
oferecido pela medicina cientifica em relação à medicina tradicional. Diante do que foi posto,
coube aos grupos dominantes, a exemplo dos médicos, divulgar recorrentemente matérias nos
periódicos, afirmando sobre os perigos oferecidos pelos curandeiros em detrimento das
benéfices da medicina acadêmica.
A manchete “No Domínio das realizações”34, publicada em novembro de 1936 no jornal
O lidador, sintetizou o sentimento que aparentava existir principalmente entre os grupos sociais
mais abastados da cidade de Jacobina. Ao longo da matéria, o jornal anunciou a inauguração
do cinema falado na cidade, prevista ainda para aquele mês, bem como a filial da Caixa
Econômica Federal que já estava sendo instalada na Praça da Matriz. “A grande ponte de
cimento armado, sobre o rio Itapicuru” 35 que estava em construção, com inauguração prevista
para o próximos cinco meses. Para o ano seguinte, segundo a mesma reportagem, era prevista
a construção do Mercado Municipal, da usina para beneficiamento de algodão e o Instituto de
Pecuária.
Na medida em que implementou-se a instalação de empresas, melhoria no transporte,
com a chegada da ferrovia, entre outras transformações no espaço urbano de Jacobina, nesse
período, a impressa, demais grupos dominantes e o poder público, através das leis municipais,
passaram a determinar novas normas de comportamento condizente com esta Jacobina do

32
Jornal O lidador. Nº nº 18 de 5 de Janeiro de 1934. p. 4.
33
SILVA, Gabriela do Nascimento. Na Terra De Nanã: Candomblés, Territorialidade E Conflito Em Feira
De Santana (1890-1940). Dissertação (Mestrado em História Local e Regional). Santo Antônio de Jesus-Ba:
UNEB-Campus V, 2016. p. 44.
34
Jornal O Lidador. Nº 158 de 1 de Novembro de 1936. P. 1.
35
Ibidem.
22

século XX. As novas diretrizes impostas por estes grupos, eram carregados de enunciados
legitimadores de novos hábitos que visavam a higiene, o progresso e a civilização.
A partir Código de Posturas municipal de 1933, pôde-se perceber os esforços
desempenhados pelo poder público, no intuito de normatizar os costumes locais e moldá-los
conforme os padrões civilizatórios da época. Alguns hábitos comuns entre a população, como
lavar roupas e tomar banho nos rios, estender roupas nos passeios públicos, criar gados equinos,
caprinos e suínos soltos nas ruas da cidade, ou a aglomeração de pessoas consideradas
desocupadas nas portas dos estabelecimentos comerciais foram proibidos. As inovações
propostas pelos grupos dominantes às camadas populares geravam muitas vezes conflitos,
estando esses últimos, conscientes no sentido de resistir aos novos padrões impostos pelas
grupos dominantes.
Entre os hábitos preservados pela população jacobinense na primeira metade do século
XX, que eram considerados um impasse para a o avanço rumo a progresso, incluem-se aqueles
voltados para as tradições culturais de origem africana. No Código de Postura de 1933, a
administração da cidade, no intuito de atender aos seus anseios de civilização, deixa clara a
proibição às manifestações religiosas afro-brasileiras, penalizando com multas de 20$00 (vinte
contos de reis) quem violasse a lei. Mesmo valor, aplicado a quem infringisse o artigo 70 do
mesmo código, que se refere a afixação de cartazes, pinturas ou inscrições consideradas
indecentes em espaços públicos: “Art. 71- Igual poderá, digo, igual multa será aplicada ao
proprietário ou inquilino que consentir em suas casas danças indecentes, batuques, sambas,
feitiçaria ou algazarras que perturbem o sossego público”. 36
Apesar de não ter um mapeamento dos terreiros ou dados sobre o número de praticantes
das religiões afro-brasileiras em Jacobina naquele período, a partir da explícita proibição dessas
manifestações no referido documento municipal, é possível supor que estas não só existiam
com um número considerável de adeptos, como incomodavam pelo menos parte das camadas
sociais dominantes da sociedade jacobinense.
Decerto, a musicalidade, a dança, a religiosidade da população negra presente na cidade,
não se encaixavam nos moldes de cultura civilizada de cidade urbanizada propagada pelas elites
locais, através de leis e da imprensa. Vale lembrar, que tanto a constituição de 1890 quanto a
de 1940, garantia liberdade de cultos no país. Entretanto, o Estado, que tinha como seus
representantes uma minoria branca, através das leis municipais, como no caso de Jacobina,
sempre providenciava um jeito de reprimir os cultos afro-brasileiros e as tradições culturais da

36
Código de Posturas de Jacobina – Década de 1930.
23

população negra. Além disso, não se pode esquecer de que os códigos penais de 1890 e de
1940 criminalizavam a prática de curandeirismo.
Sabe-se que as práticas de cura, tanto do corpo quanto do espírito são intrínsecas às
religiões afro-brasileiras. Por conta disso, muitos sacerdotes poderiam ser acusados de praticar
o curandeirismo, o charlatanismo e a feitiçaria. O curandeirismo, desde o fim do século XIX
representava uma ameaça à medicina oficial, à ideia de sociedade civilizada e ao progresso. Por
isso, para os grupos dominantes estas práticas, que julgavam como “incivilizadas”, deveriam
ser extintas.
Através da denúncia publicada pelo jornal O Lidador em 1933, ficou elucidado estes
ideais. Com o título, “Os Curandeiros em Ação!”, a denúncia recai contra a ação dos
curandeiros no arraial de Gonçalo. Segundo a matéria, a ação dos curandeiros era “uma afronta
à sociedade, como também prejudicial à saúde dos pobres ignorantes incautos que os procuram,
julgando talvez, estarem trilhando pelo caminho verdadeiro.”37 No mesmo Jornal, ao longo da
sua existência, foram publicadas outras tantas reportagens criminalizando a prática do
curandeirismo. No ano de 1934, o jornal publicou uma denúncia contra a atuação de dois
curandeiros no distrito de Riachão. Com a manchete intitulada “Um curandeiro em Riachão:
com vistas as autoridades desta cidade” 38 a reportagem fez a seguinte denuncia:
Um curandeiro, de nome Samuel, e sua filha de nome Elvira de tal residentes
atualmente no arraial de Riachão deste município, estão a merecer por parte
da justiça desta comarca a punição a que fazem jus, pela audácia e desrespeito
com que vêm praticando, ali o candomblé. Estes infratores vivem com a má
doutrina, não só a explorar os incautos, como também aterrorizando os
moradores do arraial com ameaças de feitiçaria, etc. Segundo nos informou
pessoa autorizada e digna de fé, há meses faleceu, no dito arraial, um cidadão
chamado Malaquias, vítimas das medicações dos referidos curandeiros, que
até impediram à família do extinto de chamar o médico, sob garantia de que o
curavam, pois já havia curando outros doentes com estado mais grave. Urge,
pois, uma providência que ponha termo aos embustes de tais macumbeiros e
restituam a tranquilidade aos moradores do Riachão. Aqui fica a denúncia.39

Como era comum, neste tipo de denúncia veiculada pela impressa contra as práticas de
curandeirismo, pai e filha são acusados de explorar a população através da “má doutrina” do
candomblé e ameaças de feitiçaria. As representações sobre o candomblé, divulgadas pela
impressa serviu para cristalizar um estereótipo que associa as religiões afro-brasileiras ás
práticas do mal e a feitiçaria. As atividades mágico-curativa desta vertente religiosa, eram quase
sempre associadas nos noticiários, a mortes de quem as buscavam para tratamento. Para Edmar

37
Jornal O Lidador, 1933, p. 1. Edição desconhecida.
38
Jornal O lidador, 1934. Edição desconhecida.
39
Ibidem.
24

Ferreira, nas colunas da impressa, em que se denunciavam as práticas terapêuticas alternativas,


buscava-se desqualificar os curandeiros, e ao mesmo tempo construir uma representação de que
a única medicina legitima era a dos doutores, pois “esta era apoiada pela lei e por setores da
imprensa que a julgavam científica e tentavam estabelecê-la como a única possível.” 40 A
denúncia divulgada pelo O Lidador, procurou reforçar a ideia de que, se a suposta vítima do
tratamento empregado pelos curandeiros, tivesse atendimento através da medicina acadêmica,
o óbito não teria ocorrido.
Outra denúncia publicada no jornal Vanguarda já na década de1950, intitulada, “Com
vistas às autoridades policiais”, exige das autoridades a investigação de mais um crime
relacionado ao candomblé.

No sábado, dia 18 do corrente, aconteceu um triste espetáculo em casa de


“mãe-de-santo” Levina Barbosa, nêste distrito de Caen, deste município. Ali
funcionava uma animada festa de candomblé, contando com cerca de duzentos
fanáticos, entre as quais se destacavam a figura do vereador Arnaldo Oliveira,
espôsa e filhos, senhores Avony Muricy, Salvío Ferreira Matos e outros.
Depois de decorridos os rituais da festa, sugiram as “mesadas de matança”. E
quando os convidados engoliam aquela farofa, aproximadamente às 20:15
horas, caiu fulminado ao solo, o marceneiro Luís José de Deus, que tombou e
desapareceu dêste mundo em poucos instantes, deixando uma viúva em
prantos e vários filhos na orfandade. Depois do caso consumado, o vereador
Arnaldo Oliveira, que representava ali o vulto de confiança, o protetor, enfim,
desapareceu por um caminho que margeia a estrada de ferro dando o fora e
deixando o povo indeciso e confuso, completamente sem ação e sem saber
como proceder. Resolveram então transportar o corpo para a residência da
viúva, distante quatro quilômetros do local, sem que fôsse tomada nenhuma
providência, embora tivesse presente também a autoridade policial, que se
omitiu, além do mal exemplo que deu, prestigiando com a sua presença um
ato ilegal, proibida pelas leis brasileiras. É necessário que as autoridades
tomem uma providência enérgica para acabar com a macumba no distrito do
Caen, cujos protetores são pessoas que se dizem de respeito e estão investidas
em funções de importância.41

Chama atenção nessa denúncia, o destaque dado à presença, na festa de candomblé da


mãe de santo Livina, de pessoas pertencentes às elites locais, como o vereador Arnaldo Oliveira,
que compareceu com esposa e filhos. A presença de um vereador, ocupante de um cargo de
destaque na vida pública da cidade, em uma festa de candomblé, em meio a tantos “fanáticos”,
como se refere o jornal aos praticantes do candomblé, indignou o denunciante que cobrou das
autoridades policiais medidas enérgicas para combater a prática da “macumba” no distrito do
Caém.

40
SANTOS, Edmar Ferreira. O poder dos candomblés : perseguição e resistência no Recôncavo da Bahia
Salvador: EDUFBA, 2009. p. 84.
41
Jornal Vanguarda, 26 de outubro de 1958. p.1.
25

Não era rara a presença de membros da elite dentro dos terreiros de candomblé, os quais,
como bem revelou a reportagem, eram uma espécie de protetores do terreiro que frequentava.
Júlio Braga, destacou que estes membros da elite, desempenharam importante papel de
intermediários dos conflitos entre os candomblés baianos e a sociedade, principalmente no
período em que foram mais intensas as perseguições policiais ao candomblé. 42
Essa aproximação, dos praticantes das religiões afro-brasileiras aos membros dos grupos
dominantes, deve ser entendida como um dos diversos mecanismos de resistência desenvolvida
pelo povo de santo, vislumbrando a manutenção das suas heranças culturais ancestrais. Tendo
em vistas, as inúmeras formas de violência a que estava sujeita a sua cultura, em meio a uma
sociedade racista e preconceituosa. Na mesma medida em que o Estado, através dos seus
aparelhos repressores, violentou brutalmente a cultura da população negra, esta criou inúmeras
formas de resistência, às vezes através do enfretamento, outras utilizando formas de negociação,
visando manter vivas as suas tradições.
De acordo com Braga, a partir dos anos 1950 a invasão policial a terreiros e festas
religiosas nos templos afro-brasileiros no Brasil passou a ser menos frequente. Apesar de toda
rejeição sofrida ao longo dos anos, os praticantes das religiões de matriz africana se
fortaleceram e resistiram, elaborando de forma inteligente uma série de mecanismos
vislumbrando a manutenção das suas práticas religiosas. Por outro lado, a partir de 1950 as
classes dominantes usaram uma nova forma de controle policial aos terreiros. Daquele
momento em diante, todos os templos religiosos teriam que ser registrados nas delegacias de
polícia, e para “bater” candomblé teriam que conseguir uma autorização policial mediante o
pagamento de uma taxa. Quem “batesse” sem essa autorização estava cometendo uma grave
infração e corria o risco de ter sua cerimônia interrompida pela invasão policial, além de ter
seus objetos sagrados apreendidos.43
Todos os registros de denúncias, encontradas da imprensa de Jacobina contra as práticas
curandeiras e os candomblés no município, ocorriam nos distritos ou localidades longe da sede.
Acredita-se, que por conta das investidas policiais contra os praticantes das religiões afro-
brasileiras, no intuito de preservar e manter suas tradições culturais, seus adeptos muitas vezes
migraram para zona rural numa tentativa de dificultar a atuação da polícia.
Através da oralidade, foi possível identificar a existência tanto da perseguição, quanto
da migração dos praticantes dos candomblés para fora do perímetro urbano da cidade. Amado

42
BRAGA, Júlio. Cadeira de Ogãs: e outros ensaios. Rio de Janeiro: Pallas, 2009.
43
BRAGA, Júlio. Candomblé da Bahia: repressão e resistência. In: Revista USP, nº18. São Paulo: 1993 p. 53-
59.
26

dos Santos, pai de santo líder do terreiro Sultão das Matas, quando questionado sobre as suas
lembranças da época da perseguição policial, afirmou: “Moça eu já vi falar, eu ver com minhas
vistas não, mas eu já ouvir falar que eles... Em quem batia tambor que eles paravam. Agora ali
no Caén eles batem, às vezes eles vão lá dá cobertura. Eu não vou falar. Aqui eu não posso falar
porque tem um sargento ai que...”44. Verificou-se a partir desse depoimento, certo receio do
entrevistado em falar sobre as batidas policiais aos terreiros. Braga salientou, que é comum essa
postura entre as pessoas do candomblé, quando o assunto são as batidas policiais. As narrativas
“geralmente se mostram extremamente reticentes, tendendo a minimizar as consequências
daquele desrespeito aos espaços e objetos sagrados afro-baianos. Em termos gerais, a
comunidade reage como se pretendesse esquecer os horrores das invasões aos templos
sagrados.”45 Ao mesmo tempo, pôde-se observa através do relato do pai de santo, que no atual
município de Caén, a própria polícia dava cobertura, no sentido de proteger os praticantes do
candomblé da localidade.
Como pode-se perceber através da reportagem do jornal Vanguarda, políticos locais,
como o então vereador Arnaldo Oliveira, não só frequentavam os terreiros, mas serviam como
protetores dos mesmos contra as batidas policiais. Segundo Braga, figuras públicas, alguns
deles com cargo de ogã na comunidade religiosa, 46 tiveram importância significativa na
negociação de conflitos que envolviam os praticantes do candomblé. Braga afirma ainda, que
muitos ogãs faziam parte das corporações policiais ou eram funcionários públicos, o que lhes
permitiam intervir vez por outra, junto às autoridades evitando ações mais brutais contra os
candomblés.47
Possivelmente, a situação descrita por Braga foi vivenciada por senhor Amado, visto
que entre os seus filhos de santo, destaca-se um ex-policial - sargento. Muito embora, a
fundação do seu terreiro se deu no ano de 1977, quando não mais havia a obrigatoriedade da
autorização policial para a realização das atividades religiosas afro-brasileiras na Bahia, o pai
de santo, não dispunha de licença para realização das suas atividades religiosas junto a
FENACAB até o ano de 2013.
Sobre a existência de poucos terreiros na zona urbana de Jacobina, senhor Amado
afirmou que “por causa desses problema, que antigamente não podia e o povo ficou com medo.

44
Entrevista com Amado Pereira dos Santos, entrevista concedida a autora em 20/03/2012.
45
BRAGA, Júlio, Cadeira de Ogãs: e outros ensaios. Rio de Janeiro: Pallas, 2009. p. 38.
46
Ogã é um cargo religioso destinados aos homens nas casas de candomblé. Ver: BRAGA, Júlio. Na Gamela do
Feitiço: Repressão e Resistencia nos candomblés da Bahia. Salvador: EDUFBA, 1995; BRAGA, Júlio.
Cadeira de Ogãs: e outros ensaios. Rio de Janeiro: Pallas, 2009.
47
BRAGA, Júlio. Cadeira de Ogãs: e outros ensaios. Rio de Janeiro: Pallas, 2009. p. 42.
27

Você sabe que antigamente não... e o povo não aceitava né. Ai muitos foi saindo p’ra fora e
outros também já morreu.”48. Provavelmente, muitos pais e mães de santo, com a intenção de
fugir das perseguições da polícia e de manter suas práticas religiosas, preferiram se instalar
longe do centro de Jacobina. O próprio senhor Amado relatou que as suas casas sempre
situavam nas regiões periféricas da cidade. Quanto mais o cidade crescia em direção a estas
regiões, ele mudava-se em direção a outro bairro mais afastado.
A princípio, ele residia e realizava as atividades religiosas no bairro de Nazaré, com o
crescimento do mesmo mudou-se para o bairro da Jacobina III, um pouco mais afastado. Com
o a urbanização deste, ele construiu seu terreiro no bairro do Pontilhão – afastado do centro
urbano da cidade e de paisagem rural- onde realiza consultas, os sambas e para onde passou a
residir em 2013.
A proibição de “bater” candomblé, evidenciou-se também na narrativa da benzedeira
Maria Aurea dos Santos – dona Maninha, que relembrou os acontecimentos que envolveram a
iniciação e tratamento da sua madrinha – Erice - com quem vivia desde a infância. De acordo
com dona Maninha, por volta dos 10 anos de idade, Erice adoeceu, e ao longo de um ano só
conseguia ingerir banana frita. Por orientação de uma amiga, que acreditava tratar-se de uma
doença espiritual, a mãe de Erice a levou no terreiro do curador Joaquim Carga D’água, situado
na zona rural do município de Jacobina, na localidade de Curralinho. Para Joaquim, era possível
tratar da doença de Erice, mas que por conta da proibição de “bater”, ele teria que pedir
autorização ao deputado Francisco Rocha Pires.
Ela adoeceu passou um ano comendo banana frita, sem mais nem menos. Um
ano, um ano. Tudo pra ela fedia a barata. Não comia nada. [...] Ai foi que teve
uma amiga da mãe dela, e disse dona Aiá, leva essa menina na casa de um
curador, que essa menina tem problema espiritual. [...] Ai foi que a mãe viu
que a filha ia morrer, ai levaram escondido do outro filho. Dos outros dois
filhos, que eles não queria. Quando chegou lá o curador disse a ela que tratava
da filha, mas que tinha que tratar no tambor. Tinha que bater tambor, e ele não
podia bater porque tava proibido aqui em Jacobina. [...] Tava proibido, só se
ele fosse pedir licença ao deputado daqui, que era o deputado Chico Rocha.
[...] Ai ele foi pedir a Chico Rocha. Ai ele disse, Chico Rocha disse a ele: se
você tratar dessa menina eu lhe dou um boi. Que ela já tava tão magra, tava
quase na hora de morrer. [...] Ai ele disse: pode preparar o boi que ela vai ficar
boa. Ele: lhe dou o melhor que tem no pasto. Ai ele foi e disse: Posso bater
tambor? Ele disse: pode que ninguém vem lhe aborrecer.49

48
Entrevista com Amado Pereira dos Santos, entrevista concedida a autora em 20/03/2012.
49
Entrevista com Maria Aurea (Maninha), concedida a autora em 07/01/2015.
28

A interferência de autoridades locais, para a realização dos ritos religiosos afro-


brasileiros, foi certamente, uma entre inúmeras formas de negociação e resistência do povo de
santo em Jacobina, que se valeu de uma ampla rede de alianças, com sujeitos que ocupavam
funções sociais de destaque. Para Edmar Santos, no enfretamento de forças contrárias aos
candomblés,
Mães e pais-de-santo buscaram colaboradores que pudessem negociar e até
mesmo obstar a ação de jornalistas e da polícia. Essa rede de relacionamentos
incluía adeptos efetivos dos candomblés, pessoas que compartilhavam valores
religiosos afro-baianos e também pessoas distantes desses valores que, por
diferentes razões, dispensaram algum tipo de colaboração contra a
agressividade de setores da imprensa ou negociaram com autoridades
públicas, quando elas mesmas não eram tais autoridades.50

É provável que indivíduos como o deputado Francisco Rocha Pires, Analdo de Oliveira
entre outros, desempenhassem este papel junto aos candomblés da cidade, no longo período em
que estiveram sob ameaça da repressão policial.
Através da lei nº 201 de 5 de agosto de 1965, foi promulgado um novo Código de
Postura do munícipio de Jacobina, em substituição ao anterior que vigorara desde o ano de
1933. Neste, a proibição às tradições culturais afro-brasileiras permaneciam: “Art. 160º Não é
admissível a promoção de candomblés, sambas e batucadas digo, batuques outros no perímetro
da Cidade, Vilas e Povoados sem a competente licença das autoridades, não se compreendendo
nesta restrição bailes e reuniões familiares.” 51
A explicita proibição aos candomblés, sambas e batucadas é concebido no documento,
por um viés representativo oposto às festas familiares, como os bailes de micareta organizados
nos clubes da cidade52, cujo decreto salienta não serem afetados por tal norma. As
representações sociais, em relação às tradições religiosas afro-brasileiras, as situavam enquanto
práticas degeneradas, promiscuas que não condiziam aos costumes e a moral presentes nas
festas familiares.
Ao analisar as representação construídas pelos jornais em circulação no município de
Cachoeira-Bahia no início do século XX, em relação as mulheres de santo, Santos afirma que
estas eram caracterizadas enquanto prostitutas e praticantes de orgias, cujas práticas servia ao
mal exemplo as mulheres de família. 53 Do mesmo modo, em relação à figura masculina nos

50
SANTOS, Edmar Ferreira, Op. Cit, p. 126.
51
Código de Postura de Jacobina. IN: Registros de Lei Nº2: 10/1955 à 12/1967. Jacobina,1965.
52
Sobre os bailes e a micareta ver: SANTOS, Vanicléia Silva. Sons, Danças e Ritmos: A Micareta em Jacobina
Ba (1920-1950). São Paulo: PUC (dissertação de mestrado em História), 2001.
53
SANTOS, Edmar Ferreira, Op. Cit. p. 144.
29

candomblés, a impressa tratou de associá-las às práticas de crimes sexuais contra mulheres e


crianças, tal qual analisou a historiadora Gabriela Sampaio ao estudar a trajetória do curandeiro
Juca Rosa, que viveu na segunda metade do século XIX no Rio de Janeiro e cujas matérias da
impressa ressaltavam o seu envolvimento com mulheres diversas, caracterizando-o como um
“monstro imoral e cruel” que dominava as mulheres entregando-as a prostituição para satisfaze-
lo.54
O Jornal Vanguarda, em 14 de agosto de 1955 em matéria com o título “Os crimes do
curandeiro e sedutor Bazinho”55, denunciou o curandeiro Lino Amorim (Bazinho), residente no
povoado de Ouro Branco, distrito de Caatinga do Moura em Jacobina, de ter seduzido uma
menor de 11 anos de idade. O periódico destacou, que Bazinho teria sido casado três vezes e
que este não teria sido o único crime da mesma natureza praticado pelo curandeiro. A matéria
não apresentou mais detalhes do suposto crime nas edições subsequentes com o andamento das
investigações do caso, nem depoimentos de possíveis testemunhas ou dos responsáveis pela
criança.
Com denuncia semelhante a esta, em 1 de setembro de 1955 o mesmo periódico
denuncia o rapto de duas moças pelo curandeiro Zé Goré na vila de Itaitu. De acordo com a
reportagem, o curandeiro havia provocado a morte de umas das vítimas com uso de beberagens.
Após o ocorrido o denunciado estaria residindo na localidade de Caén. 56
Coube a impressa, enquanto um eficiente instrumento legitimador dos ideais
“civilizatórios”, propagar uma série de representações depreciativas em relação a cultura afro-
brasileira. Do mesmo modo, as leis municipais criminalizavam uma série de costumes da
população, como circular ou prender animais nas artérias da cidade, com destaques às ruas que
eram calçadas com paralelepípedo, sobre as quais, também não era permitido conduzir carros
de boi. De acordo com Valter Oliveira 57, a forte presença de migrantes da zona rural e a falta
de serviço de água encanada nos anos 1950 contribuíram para a manutenção por parte da
população destes costumes.
Durante os anos 50 era um costume a criação de animais na cidade. Como as
casas possuíam quintais, era normal que seus moradores, muitos destes
oriundos ou ligados à zona rural, criassem porcos, cabras, cavalos, jumentos

54
SAMPAIO, Gabriela Reis. Tenebroso Mistérios: Juca Rosa e as relações entre crenças e cura no Rio de Janeiro
Imperial. IN: CHALHOUB, Sidney. Artes e Ofícios de Curar no Brasil: capítulos de História Social.
Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2003. p. 393.
55
Jornal Vanguarda 14 de agosto de 1955, nº 305. Jacobina-Bahia.
56
Jornal Vanguarda 1 de setembro de 1955. Jacobina-Ba.
57
OLIVEIRA, Valter Gomes Santos de. REVELANDO A CIDADE: Imagens da modernidade no olhar
fotográfico de Osmar Micucci (Jacobina 1955-1963). Dissertação (Pós-Graduação em História Social).
Salvador: UFBA, 2007
30

e galinhas. Como a cidade não contava com serviços de água encanada,


contam seus habitantes mais antigos que a população se abastecia com a água
do Rio do Ouro, transportada em vasilhames por jumentos. 58

Estes hábitos da população pobre de Jacobina, sobreviveram ao longo da década


seguinte, dada a necessidade dos grupos dominantes da cidade em proibir tais práticas a partir
da legislação. A falta de água encanada, foi provavelmente, um importante fator para
manutenção do hábito de lavar roupas nos rios que cortam a região central da cidade. Por
considerar estas prática incivilizada, e contrarias ao projeto civilizatório da cidade, este costume
também foi proibido pelas posturas municipais promulgada na década de sessenta, a partir do
Art. 155º: “É proibido na cidade, vilas e povoados:[...] b) estender roupas ou quaisquer objeto
de uso doméstico, às janelas ou sacadas situadas nas fachadas que deitem para as vias públicas.
c) lavar e estender roupas nas vias Públicas, assim como colocar colchões, tapetes e outros
objetos de uso doméstico.”59

58
Ibidem, p. 89.
59
Código de Postura de Jacobina. IN: Registros de Lei Nº2: 10/1955 à 12/1967. Jacobina,1965.
31

Figura 1- Lavadeiras no Rio do Ouro Figura 2 - Lavadeiras no Rio do Ouro.

Lavadeiras de roupas no Rio do Ouro - 1958- Foto de Osmar Micucci.60


Lavadeiras de roupas no Rio do Ouro - 1958- Foto de Osmar Micucci.61

60
Lavadeiras de roupas no Rio do Ouro - 1958- Foto de Osmar Micucci. IN: 61
Lavadeiras de roupas no Rio do Ouro - 1958- Foto de Osmar Micucci. IN:
MENESES, Adriano; OLIVEIRA, Valter (org). Acervo Digitalizado da MENESES, Adriano; OLIVEIRA, Valter (org). Acervo Digitalizado da
Microrregião de Jacobina. Jacobina: UNEB Campus IV - NEO/NECC. Microrregião de Jacobina. Jacobina: UNEB Campus IV - NEO/NECC.
32

A proibição da pratica, é citada ainda em outro trecho do documento. “Art. 232º Para
preservar, de modo geral, a higiene das vias públicas fica proibido: a) lavar roupas em
chafarizes, fontes ou tanques situados nos logradouros públicos.” 62 De acordo com as imagens
1 e 2, é possível verificar a permanência do hábito da população, de lavar roupa nos rios da
cidade, ainda que, através da legislação, o poder público condenasse tal ação.
A partir do ano de 1955, Jacobina passou por intensas transformações urbanísticas sob
a gestão do prefeito Orlando Oliveira Pires, que administrou a cidade entre os anos de 1955-
1959. Este era considerado por muitos, como “o responsável por destravar as rodas do progresso
na cidade.”63 Para Oliveira, Orlando Oliveira Pires teve ao seu favor o contexto nacional sob a
era dos “Anos dourado” de JK; o fato de pertencer a uma família tradicional da cidade e as
alianças construídas com o deputado federal Manoel Novais e o deputado estadual Francisco
Rocha Pires, que se manteve a frete do grupo político que administrou a cidade entre as década
de 1920 até a década de 1970.64
Sob a gestão do prefeito Orlando Oliveira, várias ruas do centro da cidade receberam
calçamento de paralelepípedo. Além disso, foi construída a Avenida Beira Rio, uma das obras
mais significativas na infraestrutura e feição urbana da cidade. 65 Em meio as transformações
ocorridas entre 1955 e 1963, nas gestões de Orlando Oliveira e de Florisvaldo Barberindo,
Oliveira destacou.
No plano urbanístico, algumas construções e serviços inaugurados,
acentuados ou iniciados durante estas administrações contribuíram como
vetores de expansões, promovendo a urbanização para áreas mais afastadas do
centro administrativo. A este respeito merecem destaques o aeroporto,
inaugurado em 1957 e o matadouro, em 1962, colaborando para a expansão
em direção ao segmento oeste, ali surgindo novos bairros, como Caeira e
Catuaba. Com o Ginásio Deocleciano Barbosa de Castro, transformado em
instituição estadual em 1954; a construção do estádio de esportes em 1957; o
Hospital Regional, nos anos sessenta, bairros como Serrinha, Índios e Perú
foram cada vez mais se dinamizando e promovendo a expansão de residências
e ruas em direção ao sul, ou seja, ao lado direito da margem do Rio Itapicurú-
Mirim, reforçando para isso a construção da Ponte Francisco Rocha Pires, em
1960. Através de obras como a Usina Termoelétrica, de 1957, e construção da
Praça Miguel Calmon, em 1962, a expansão urbana ganha a direção ao bairro
da Bananeira, segmento leste da cidade. Em 1959, com a construção, no alto
da serra, de uma caixa reservatória de água para o abastecimento na cidade,
houve a partir dali um espontâneo adensamento de residências que mais tarde
levaria ao surgimento do Bairro da Caixa D´água. Aliados a isso, foram
construídas e reformadas algumas praças e diversas ruas pavimentadas,

62
OLIVEIRA, Valter. Op. Cit. p.78.
63
Ibidem, p. 78.
64
Idem.
65
Idem.
33

contribuindo para o incremento do projeto modernizador promovido pelas


duas administrações. 66

Um série de normas foram estabelecidas a partir das posturas municipais editada em


1965 referentes a padronização das ruas, avenidas, calçadas, praças e arborização da cidade.
De acordo com o Art. 17º as ruas e avenidas deveriam ser alinhadas de acordo com as exigências
municipais. 67 Do mesmo modo, as fachadas dos prédios só poderiam ser modificadas após
aprovação da prefeitura.68 Outro trecho do documento vetava a construção em forma de chalé
ou casa de campo no perímetro urbano do município.69 Presume-se que era bastante comum
este tipo de construção na cidade, tendo em vista que parte significativa da população era
oriunda da zona rural.70 Na cidade, muitos desses migrantes, passaram a habitar os bairros mais
afastados do centro ou os que situavam-se no alto das serras, como o bairro da Caixa D’água,
Caeira, Peru e Bananeira. Por constituir-se enquanto parte da população pobre da cidade, muitos
desses novos moradores não provinha de recursos para edificar suas casas nos padrões urbanos
exigidos, e as faziam tal qual existia na zona rural. Carla Araújo 71, apontou que as Construções
de madeira situavam-se tanto na zona urbana e suburbana, quanto na área rural do município,
entre as décadas de 1940 e 1970.
Ao estudar as transformações urbanas ocorridas em Feira de Santana entre 1920 a 1960,
Clóvis Oliveira afirmou, que as ações do poder público municipal, apontavam para a destruição
das moradias que não fossem compatíveis com o que os gestores municipais compreendiam
enquanto belo e higiênico. Segundo o autor, estas ações, iam de encontro com a suspensão do
direito à moradia, em favor de um ideal estético aceitável ao olhar de determinados grupos
sociais. “Afinal tratava-se de transferir, formalmente, para as mãos do alcaide, o poder de
derrubar moradias, e interferir no cotidiano das pessoas, em nome de uma restrita noção de
estética, sugerindo, através do preceito legal, um ideal de cidade.” 72

66
Ibidem, p. 84-85.
67
Código de Postura de Jacobina. IN: Registros de Lei Nº2: 10/1955 à 12/1967. Jacobina,1965.
68
Capítulo IV: Do Estilo dos Prédios. Código de Postura de Jacobina. IN: Registros de Lei Nº2: 10/1955 à
12/1967. Jacobina,1965.
69
Artigo 80º. Código de Postura de Jacobina. IN: Registros de Lei Nº2: 10/1955 à 12/1967. Jacobina,1965.
70
OLIVEIRA, Valter. Op. Cit. p. 87.
71
ARAÚJO, Carla Côrte. Os Carcarás: política e sociedade na cidade de Jacobina (1966-1973). Dissertação
(mestrado). Salvador: UFBA, 2012. p. 30.
72
OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes. “Canções da Cidade Amanhecente”: urbanização,
memórias urbanas e silenciamentos em Feira de Santana, 1920-1960. Tese (Doutorado- Programa de Pós-
Graduação em História) Brasília: UNB, 2011. p. 93.
34

Figura 3- Construções de madeira inundadas durante a enchente do Figura 4- Características das construções nas regiões afastadas do
rio Itapicuru-Mirim. centro da cidade com destaque para a casa de taipa.

Enchente do Rio Itapicuru Mirim em 1957. Foto Osmar Micucci. 73 Fonte: Fotografia de Tibor Jablonsky. Acervo dos trabalhos geográficos de campo
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, década de 1960.

73
Enchente do Rio Itapicuru-Mirim em 1957. Foto- Osmar Micucci .IN:
MENESES, Adriano; OLIVEIRA, Valter (org). Acervo Digitalizado da
Microrregião de Jacobina. Jacobina: UNEB Campus IV - NEO/NECC.
35

Através das imagens registradas pelos fotógrafos Osmar Micuccci e Tibor Jablonsky
nas décadas de 1950 e 1960, observa-se as características das moradias construídas pela
população pobre da cidade. Na imagem 3, as casas são constituídas de madeira e estão em parte,
tomadas pelas águas do rio Itapicuru. Muito provavelmente, aquelas casas situavam-se às
margens do rio, e foram tomadas pelas águas em decorrência da enchente. Na imagem 4,
observa-se entre as residências, na subida da serra, uma casa de taipa (no centro inferior da
imagem) em meio a outras residências, aparentemente de concreto. Através da Imagem, é
possível afirma, que algumas delas poderiam ser casas de parede-meia, usual nas construções
mais simples por partilhar a parede com o vizinho, diminuindo, dessa maneira, os custos da
construção.
A década de 1970 iniciou-se com transformações no âmbito da administração local, a
partir da quebra do monopólio político do grupo liderado pelo deputado Francisco Rocha Pires,
que permanecia enquanto liderança local há quase 50 anos. Nas eleições de 1970, o candidato
indicado por Chico Rocha - o dentista e professor Carlos Gomes, foi derrotado pelo primo e
dissidente político do deputado – o advogado Fernando Mário Pires Daltro, apoiado pelo
deputado estadual Edvaldo Valois. Ambos disputavam pelo partido oficial do governo militar
– A ARENA. Diante das divergências locais o partido se subdividiu em dois grupos, a ARENA
1, liderada por Francisco Rocha Pires e a ARENA 2, comandada pelo candidato Fernando
Daltro. Localmente, estes grupos eram denominados Jacus e Carcarás, respectivamente.74 Os
Carcarás, permaneceram a frete do executivo municipal até o ano de 1976, quando foram
derrotado pelo médico representante dos Jacus, Flávio Antônio Mesquita Marques. 75 Nas
eleições seguintes, os Carcarás retomaram o executivo de Jacobina com a eleição do irmão de
Fenando Daltro, Carlos Alberto Pires Daltro (Carlito). Este, foi responsável por uma série de
transformações urbanísticas na cidade, principalmente no seu primeiro mandato entre 1983 e
1989. Com o apoio de Carlito, o médico Manoel Inácio Brandão Martins Paes foi eleito para a
gestão seguinte, 1989 -1992. Entre 1993 e 1996, Carlito se elegeu novamente prefeito, e ao fim
do seu mandato findou-se a era dos Carcarás na gestão do município.
Nos anos setenta, se acelerou o processo de urbanização em Jacobina. Entre 1940 e 1970
a taxa de urbanização da cidade cresceu de 12,7% para 33,3%. Houve aumento também nos
índices populacionais neste período, no perímetro urbano, que quadruplicou o número de

74
Sobre as mudanças políticas em Jacobina a partir da década de 1970 ver: ARAÚJO, Carla Côrte. Os Carcarás:
política e sociedade na cidade de Jacobina (1966-1973). Dissertação (mestrado). Salvador: UFBA, 2012.
75
Flávio Antônio Mesquita Marques foi o último Jacu a se eleger. O grupo foi se enfraquecendo politicamente após
a morte de Francisco Rocha Pires em 1974. Ver: ARAÚJO, Carla Côrte. Os Carcarás: política e sociedade na
cidade de Jacobina (1966-1973). Dissertação (mestrado). Salvador: UFBA, 2012.
36

habitantes. Em 1940 era de 4.389 e cresceu para 19.211 na década de 1970. 76 De acordo com
Ângelo Fonseca, este aumento populacional pode ser explicado pelo êxodo rural, que se
intensificou a partir desta década, em decorrência da forte seca que comprometeu a produção
agrícola e afetou a economia na região de Jacobina. O autor aponta ainda, que neste período foi
realizado um novo estudo para avaliação de ouro no município pela empresa Mineração Morro
Velho S/A, o que resultou na exploração de ouro pela multinacional ao longo das décadas de
1980 e 1990. Este fato, para Fonseca, dinamizou a economia local e atraiu mão de obra.77 Diante
deste quadro, a população do zona urbana cresceu de 26.674, na década de 1980, para 42.001
habitantes na década seguinte78. Do mesmo modo, a taxa de urbanização permaneceu
crescendo. Entre 1980 e 1991 este índice variou de 34,80% para 65,30%.79
Este é o período que Jacobina conseguiu a sua maior evolução, diversificando
as áreas já existentes, reformando espaços urbanos e expandindo para o lado
oeste da cidade, através de novos bairros residenciais, estabelecimentos
comerciais e de serviços. Um das características básicas da sua expansão
urbana recente é a presença do Estado através da construção planejada de
habitações. Com exceção do conjunto habitacional Jacobina I, que foi
construído em 1978, todos os outros surgiram a partir dos anos 80. Este
período coincide com a implantação da Mineração Morro Velho (1981) que,
inicialmente, atraiu muitos imigrantes para a cidade devido a oferta de
empregos diretos e indiretos, e pela queda na produção agrícola na região. 80

A partir das fotografias a seguir, é possível observar a evolução do crescimento urbano


em Jacobina. As primeiras fotos (Imagem 5 e 6) foram tiradas pelo fotografo Aurelino Guedes
no ano de 1957. Elas mostram a região central da cidade, cortada pelo rio Itapicuru Mirim.
Nestas, o fotografo focou a margem esquerda do rio onde se ver uma das suas pontes, os bairros
do centro, a igreja de Nossa Senhora da Conceição e parte da margem direita do rio, onde
praticamente não haviam construções. Na Imagem 7, pôde-se observar que a margem direita do
rio, encontrava-se tomado por casas, assim como as áreas atrás da Igreja de Nossa Senhora da
Conceição, onde surgiu o bairro da Caixa D’Água. Do mesmo modo, nas áreas onde nas fotos

76
FONSECA, Antônio Ângelo Martins da Poder, Crise Regional e Novas Estratégias de Desenvolvimento: o
caso de Jacobina/Bahia. Dissertação (Mestrado). Salvador: UFBA, 1995.
77
Idem, p. 148.
78
A proporção em relação a população total do município diminuiu em decorrência a elevação à categoria de
município quatro distritos antes pertencentes a Jacobina; Capim Grosso (1985), São José do Jacuípe (1989), Várzea
Nova (1985) e Ourolândia (1989). Ver: FONSECA, Antônio Ângelo Martins da Poder, Crise Regional e Novas
Estratégias de Desenvolvimento: o caso de Jacobina/Bahia. Dissertação (Mestrado). Salvador: UFBA, 1995.
79
Idem. p. 167.
80
FONSECA, Antônio Ângelo, Op. Cit. p. 198.
37

da década de 1957 eram constituída por uma área verde, entre as décadas de 1980 e 1990,
estavam ocupadas por novas construções.
38

Figura 5- Foto panorâmica de Jacobina nos anos 1957

Panorâmica 1 - 1957. Foto: Aurelino Guedes. 81 Panorâmica 3 - 1957. Foto: Aurelino Guedes82

81
Panorâmica 1 - 1957. Foto: Aurelino Guedes. .IN: MENESES, Adriano; OLIVEIRA, Valter (org). Acervo Digitalizado da Microrregião de Jacobina. Jacobina: UNEB
Campus IV - NEO/NECC.
82
Panorâmica 2 - 1957. Foto: Aurelino Guedes. .IN: MENESES, Adriano; OLIVEIRA, Valter (org). Acervo Digitalizado da Microrregião de Jacobina. Jacobina: UNEB
Campus IV - NEO/NECC.
39

.
Figura 6- Foto Panorâmica de Jacobina-Ba, entre as décadas de 1980 e 1990

Fonte: Fotografia de Tibor Jablonsky. Acervo dos trabalhos geográficos de campo do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística – IBGE, década de 1980.

A habitação, passou a ser um grande problema em Jacobina a partir dos anos 1970, em
decorrência da migração dos moradores da zona rural, para o centro urbano do município. O
resultado disso foi a inflação nos custos da habitação ao longo desta década. Na edição do dia
21 de fevereiro de 1976, o jornal A Palavra, cobrava das autoridades a resolução dos problemas
habitacionais enfrentados em Jacobina, sugerindo o incentivo governamental para a construção
de casas populares pela URBIS (Habitação e Urbanização da Bahia S/A). 83
Entre 1983 e 1988, Jacobina ganhou um novo fôlego no processo de urbanização, sob a
gestão do Carcará Carlos Daltro. Neste período, inúmeras obras foram realizadas na cidade,
como construção do Calçadão, na rua Coronel Teixeira, que constituiu no fechamento da rua
para tráfegos de veículos. Além da pavimentação do Calçadão, feita com pedras portuguesas
e canteiros de concreto, Carlos Daltro realizou a reforma da Praça Castro Alves, calçada
também com pedras portuguesas e ladrilhos hidráulicos, canteiros e fonte luminosa; Construção
de prédio da Faculdade de Formação dos Professores; Reforma do Estádio José Rocha e
construção do Ginásio de Esportes; reforma da Praça Dois de Julho, onde foi construído um
ponto de ônibus, estacionamento rotativo, canteiro com jardim, e quadra de esportes;

83
Jornal A palavra. 21 de Fevereiro de 1976. Ano III, nº120, p. 1.
40

transformação de uma lagoa em praia artificial e a tentativa de instalação de um teleférico que


lingaria a Serra do Cruzeiro a Serra do Monte Tabor.84
Todas estas transformações, no entanto, favorecia o centro da cidade, representado
enquanto lugar desenvolvido, com construções planejadas e limpo. Este, se contrastava com a
realidade da periferia, onde os imóveis eram improvisados e tido como “o lugar dos agressores
da vida jacobinense moderna, posto que interessava à gestão municipal, dar-lhe o ar de cidade
desenvolvida e em pleno progresso, onde os problemas sociais não estavam presentes (visíveis)
em sua logística”. 85 Para Franklin Silva,
O planejamento de controle espacial da cidade de Jacobina por meio das
modificações, no entanto, é eficaz apenas durante o dia. Ao cair da noite
surgem, das periferias para invadir os centros, os anônimos, os bêbados, os
vagabundos, determinando outra maneira de utilização do espaço urbano. As
lojas comerciais estão fechadas e os bares abrem suas portas para receber os
andarilhos noturnos. Os espaços que durante o dia estavam restritos aos
homens de negócios e seus clientes, cuja forma de exploração do espaço está
vinculada ao consumo, agora pertencem ao marginalizado. 86

Tendo em vista que “o espaço molda coercitivamente os hábitos e costumes que


estruturam as vidas comunitárias.”87 Tal como ocorreu na primeira metade do século XX,
quando iniciou-se as ações no intuito de “civilizar” o espaço urbano a partir das tentativas de
controlar os hábitos e costumes indesejados, dos anos setenta e diante, tais tentativas
permaneceram, ainda que aparentemente tenha sido menos noticiados nos veículos da impressa
local. O jornal A Palavra, foi o instrumento utilizado para divulgar os ideais de cidade
urbanizada defendidos pelos grupos dominantes da cidade, sobretudo na perspectivas do
Carcarás, visto que o semanário era de propriedade da família Daltro.
O jornal foi lançado em 26 de maio de 1973, último ano da gestão municipal de
Fernando Daltro. O mesmo é apresentado aos seus leitores através do editorial intitulado ““A
Palavra” e sua diretriz” cujo texto se inicia afirmando que no estágio de desenvolvimento
sociocultural em que Jacobina se encontrava, o semanário seria uma “instituição” necessária
para o município. Além de pautar como função do periódico a divulgação de eventos, notícias
na região de Jacobina, o editorial destacou como sua missão, contribuir para o “aprimoramento

84
SANTOS, Lizandra dos. Modernidades: Um estudo Sobre as Práticas na Cidade de Jacobina- Ba (1983-
1888). Monografia (Especialização em História Cultura Urbana e Memória), Jacobina: UNEB/CAMPUS IV, 2013.
p. 13.
85
SILVA, Franklin Rios da. Utopias de Cidade: A Jacobina de Cícero Matos (1984-1994). Monografia
(Graduação). Jacobina:UNEB/CAMPOS IV, 2012. p. 16.
86
Idem, p. 17.
87
OLIVEIRA, Clóvis Frederico Ramaiana Moraes, Op. Cit. p. 21.
41

cultural, do meio ambiente e dos costumes sociopolíticos”88 da cidade. O jornal A Palavra,


cumpriu o seu papel enquanto divulgador de hábitos tidos como “aprimorados” no intuito de
moldar os costumes da população local.
Em 12 de Janeiro de 1974, o A Palavra, publicou uma matéria criticando o serviço de
limpeza das ruas, que conforme a reportagem, encontrava-se “muito deficiente”, visto que as
ruas da urbe estavam sujas de lixo e entulhos deixados pelas construções e obras, o que impedia
o trafego de veículos e pessoas em algumas ruas centrais.
Os nossos logradouros encontravam-se mal cuidados, como as praças Dois de
Julho e da Missão, onde depois das 22 horas, os jegues e os porcos pastam
livremente. O Rio do Ouro está servindo de despejo de lixo e de cadáveres de
animais domésticos! Há ruas sem iluminação, outras com calçamento
sulcados; existe em fim, uma série de irregularidade dessa espécie. [...] O
encarregado do serviço de limpeza Pública deve lembrar-se do badalado
slogan: “Povo desenvolvido é povo limpo”.89

Percebe-se, a partir da reportagem do jornal, que muitos costumes comumente


denunciados nos periódicos que circularam na cidade, na primeira metade do século XX, como
a sujeiras das ruas provocadas por entulhos e lixo domésticos, criação à solta de animais, eram
hábito que ainda persistiam entre a população na década de 1970. Ao final do texto, o articulista
cobra das autoridades responsáveis pela limpeza pública, medidas para combater as tais
“irregularidades”, e cita, o que aparentar ser, o provável slogan de campanha da gestão
municipal representada pelo Carcará Gilberto Miranda, afirmando que “povo desenvolvido, é
povo limpo”. O mesmo slogan, apareceu no título da reportagem publicada na edição de 27 de
julho de 1974, com texto de natureza semelhante a anterior. Nesta entretanto, a responsabilidade
da prefeitura em relação à limpeza pública é reconhecida como algo difícil, pois dependeria da
própria população. O texto continua, afirmando ser inadmissível “que a esta altura, numa cidade
progressista [...] montões de lixo estejam nas suas principais ruas e avenidas.” 90
A partir destas matérias, constata-se que a presença de lixos, animais e entulho, nas ruas
e nos rios, é compreendida enquanto um mal hábito da população, não condizente com a
representação de cidade “desenvolvida” e “progressista”, ansiada pelos grupos dominantes da
cidade e pelo poder público, que aprovou inúmeros decretos de lei na tentativa de normatizar
os costumes da população. A criação de animais no perímetro urbano, perece ter sido um
grande entrave para as autoridades locais, julgando-se pelos inúmeros dispositivos legais
lançados pelas diversas gestões do município, na tentativa de extirpar este costume da

88
Jornal A Palavra. 26 de maio de 1973. Ano 1, nº1.
89
Jornal A Palavras. 12 de Janeiro de 1974. Ano 1, nº32.
90
Jornal A Palavras. 27 de julho de 1974. Ano II, nº42.
42

população. Em 1971 através dos editais nº1 e 3 publicados em fevereiro daquele ano, tendo
como referência o Código de Posturas de 1965, reiterou-se a não autorização para criação de
animais de qualquer espécie à solta pelas ruas da cidade, vilas e povoados91. Do mesmo modo,
permaneceu proibido tomar banho, lavar roupas ou carros dentro dos açudes ou qualquer fonte
de água que serviam ao abastecimento da cidade. 92
Apesar do editorial anteriormente citado, referir-se a criação de animais à soltas nas
ruas, em se tratando da criação de porcos, esta já era proibida pelas posturas municipais 93,
inclusive quando realizadas em pocilgas ou chiqueiros. Diante disso, o jornal A Palavra, em
197594, publicou uma denúncia sobre a criação de porcos em quintais situados na Rua dos
Humildes. Segundo a matéria, a vizinhança estava incomodada com o mau cheiro na região,
inclusive o delegado que moraria nas proximidades dos criatórios. A reportagem fazia um apelo
aos proprietários dos animais para pôr fim a criação no prazo de 15 dias como disposto na lei,
caso contrário, seriam tomadas outras providências junto as autoridades de saúde.
Outro aspecto que aparecia nos noticiários como um reflexo da incivilidade e mal
hábitos da população, diz respeito ao sossego público. Questão esta, devidamente tratada pelas
posturas municipais de 1965. Na primeira página do semanário, em 25 de janeiro de 1975, é
anunciado que o delegado havia prendido baderneiros que há uma hora da manhã saiu nas ruas
da cidade “cantando músicas imorais, ofensivas ao decoro público.” O grupo foi preso ao passar
na rua do delegado de polícia, que de acordo com a reportagem, “acordado pouco emocionado
com as “músicas”, este resolveu levantar-se para ouvir melhor e, depois, decidiu convidar a
turma para passar o restante da noite na sala de “show” da Delegacia de Polícia.” 95 O grupo
composto por cinco homens, foi solto no dia seguinte. Segundo a denúncia o fato deveria servir
de exemplo “aos perturbadores do sossego alheio e aos cantadores de músicas imorais.”
Em 3 maio do mesmo ano, o delegado de polícia da cidade, novamente teria se
incomodado com o barulho, desta vez provocado pelos fiéis da Igreja Assembleia de Deus da
cidade. Estes, haviam colocado serviço de alto-falantes sem a devia autorização das autoridades
responsáveis, o que caracterizava-se, de acordo com as leis municipais, como perturbação do
sossego público, tal qual a cantoria, realizadas pelos cinco homens classificados como
“baderneiros” pelo semanário, na matéria anteriormente citada. Em um longo texto, a matéria

91
Edital nº1 de 5 de fevereiro de 1971. In: Avisos e Editais: Livro nº1 (1967-1973).
92
Edital nº3 de 5 de fevereiro de 1971. In: Avisos e Editais: Livro nº1 (1967-1973).
93
Norma determinada através das Posturas Municipais no parágrafo único do capítulo III. IN: Código de Postura
de Jacobina. IN: Registros de Lei Nº2: 10/1955 à 12/1967. Jacobina,1965.
94
Jornal A Palavra. 1 de fevereiro de 1975. Ano II, nº69.
95
Jornal A Palavra. 25 de Janeiro de 1975. Ano II, nº68.
43

questiona sobre a legitimidade da ação policial, que havia interrompido a celebração religiosa,
e infringido dessa forma, a constituição federal no que diz respeito à liberdade de culto. A
reportagem do jornal, buscou o então delegado regional, Hugo Perrone, para obter maiores
esclarecimentos.
Reporte - Dr. Hugo, como temos sabido que o Sr. Mandou suspender o serviço
de alto-falantes da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, sem qualquer aviso
prévio e sem ouvir as autoridades daquela instituição religiosa; quebrando
assim o princípio de liberdade de culto. Que nos informa?
Delegado – Realmente, o serviço de alto-falantes da Igreja Assembleia de
Deus foi suspenso por esta autoridade, uma vez que o funcionamento sem uma
licença prévia da Delegacia de Regional agride frontalmente o Dec. nº. 22.881,
de maio de 1972, o qual, no seu art. 26, permite a autoridade policial suspender
as atividades desse tipo de serviço, desde que esteja funcionando
irregularmente ou, como diz a Lei “Sem o devido registro de licença”.
Entretanto, essa suspensão não implicou na quebra do princípio da liberdade
de culto defendida pela Constituição Federal, uma vez que os trabalhos
religiosos não foram interrompidos e continuam se realizando sem
anormalidade. O fato desta autoridade haver interrompido o serviço de alto-
falantes referido vai encontrar guarida também na Lei de contravenções
Penais, que no seu art. 42, pune a perturbação com instrumentos sonoros.
Inclusive a retransmissão de trabalhos religiosos de qualquer templo, por meio
de serviços de alto-falantes localizados nas torres das igrejas constituem, no
nosso entender, uma agressão ao princípio de liberdade individual, de cada
um, proclamada na Constituição Federal, nossa Lei Magna, uma vez que não
estamos obrigados a suportar, nos nossos tímpanos, pregações religiosas de
qualquer natureza.96

A entrevista prosseguiu com questionamentos do repórter sobre o funcionamento dos


demais alto-falantes da cidade, que é justificada pelo delegado como estando estes autorizados
pelas autoridades responsáveis e são feitos “em tom de locução” enquanto o da Igreja
funcionava “no tom de oratória.” O delegado acrescenta ainda que iria convocar todas as
autoridades religiosas para solicitar-lhes a abstenção do uso de alto-falantes, para contribuírem
permanentemente na luta contra a poluição sonora no município.
É importante notar, ao longo da matéria, o tom de comoção e até de certa indignação do
articulista, com a atitude do delegado de polícia em interromper os serviços de alto-falantes da
igreja Assembleia de Deus. Para ele, a atitude feria o princípio de liberdade religiosas,
estabelecida pela Constituição Federal. O delegado apoiou-se em vários dispositivos legais para
justificar a atitude. Ora, ao longo de décadas, a impressa se constituiu enquanto parte dos grupos
que legitimou a violência policial contra as práticas religiosas afro-brasileiras no Brasil,
alegando diversas vezes que as mesmas atentavam contra o sossego público. Destaca-se que os

96
Jornal A Palavra. 3 de maio de 1975. Ano II, nº78, p.1.
44

alto-falantes apreendidos na igreja não caracterizavam-se enquanto objetos sagrados, eram


utilizados exclusivamente com a função de ampliação sonora. Ao contrário dos atabaques, e
tantos outros objetos sagrados apreendido nas batidas policias nas casas de culto afro-
brasileiros, que eram indispensáveis, para realização de inúmeras cerimônias.
Assim, acredita-se que a indignação do colunista, certamente não seria a mesma caso a
ação policial tivesse se realizado para apreensão dos instrumentos de percussão - sagrados no
universo mágico-religioso afro-brasileiro- em um terreiro. Decerto, o articulista não procuraria
o delegado de polícia para questioná-lo sobre os possíveis abusos que feriam o princípio da
liberdade de culto. Tampouco, o indagaria sobre outras manifestações sonoras que poderiam
atentar contra o sossego público caso tal repreensão policial, se desse em relação às práticas
religiosas afro-brasileiras. Os questionamentos feitos pelo repórter do jornal A Palavra,
provavelmente foram feitos, pelo fato do alvo da ação policial ter sido uma igreja cristã.
Em menos de um ano após a ação policial na Igreja Assembleia de Deus em Jacobina,
foi sancionado pelo então governador da Bahia Roberto Santos o decreto de lei 25.095, que
estabeleceu o fim da obrigatoriedade de licenças/autorização policial para a realização dos
rituais religiosos afro-brasileiros na Bahia. Fincando à cargo da FEBACAB, a emissão de
alvarás de funcionamento aos seus associados. Além disso, o decreto reconhece os cultos afro-
brasileiros em sua diversidade, enquanto religião.
Define o sentido da previsão legal a que alude o governo do Estado da Bahia
no uso das suas atribuições e CONSIDERANDO que, na expressão
“Sociedades afro-brasileiras para atos folclóricos”, a que se refere a tabela I,
anexa a lei n, 3.097 de dezembro de 1972, se tem identificado para fins de
registro e controle nela previstos, como forma exterior da religião que
professam;
Considerando que é dever do poder público garantir aos integrantes da
comunhão política que dirige, o livre exercício do culto de cada um, obstando
quaisquer embargações que o dificultam ou impeçam;
Considerando afinal que, se assim lhe incumbe proceder para com todas as
crenças e confissões religiosas, justo não seria que também não fizesse em
relação às sociedades do culto Afro-Brasileiro, que idêntico modo têm a
liberdade de regerem-se de acordo com a sua fé.
Decreta:
Art. 1º Não se incluem, na previsão do item 27 da tabela n. I, anexa à Lei
3.097, de 29 de dezembro de 1972, as sociedades que pratiquem o culto Afro-
Brasileiro, como forma exterior da religião que professam, que assim podem
exercitar o seu culto, independentemente de registro, pagamento de taxa ou
obtenção de licença junto a autoridades policiais. 97

97
Decreto Estadual 25.095 de 15 de Janeiro de 1976. IN: BRAGAG, Júlio. Na Gamela do Feitiço: Repressão e
Resistencia nos candomblés da Bahia. Salvador: EDUFBA,1995.
45

Braga, destacou que a promulgação deste decreto foi resultado de uma luta encabeçada
por diferentes segmentos da sociedade, que endossaram o enfrentamento em defesa da liberdade
aos cultos afro-brasileiros na Bahia, iniciada desde 1937, a partir das discussões II Congresso
Afro-Brasileiro. Após o Congresso foi criado o Conselho Africano da Bahia, posteriormente
denominado União da Seitas Afro-Brasileiras da Bahia, que tinha como objetivo se encarregar
de dirigir as religiões afro-brasileiras em substituição à polícia. O conselho tinha como um dos
seus principais apoiadores o etnólogo Edson Carneiro.98
Em 1946, a União da Seitas Afro-Brasileiras foi substituída pela Federação Baiana de
Cultos Afro-Brasileiros (FEBACAB) em decorrência de uma série de conflitos internos
situados nas diversidade dos candomblés existente em Salvador. Diante disso, uma das funções
da FEBACAB seria disciplinar, representar seus associados, e conclamar a liberdade de culto.99
No ano de 1972, o ““fichamento” dos candomblés nas delegacias, se consolidou
enquanto prática repressiva e controladora”100 através da publicação da lei estadual nº3.097.
Esta, estabelecia que diversas atividades desempenhadas por pessoas físicas e jurídicas passava
a ser submetidas à aprovação da polícia. Sheiva Sörensen destacou entre estes espaços, cabarés,
clubes recreativos, hospitais, circos, comercio de infláveis, armas de fogo e as “sociedades afro
brasileiras para atos folclóricos”. 101 Em janeiro de 1976, o então presidente da FEBACAB,
endereçou uma carta ao governador do Estado, Roberto Santo, solicitando o não pagamento de
taxas para realização de cultos pelas sociedades afro-brasileiras, por estas não se tratarem de
folclore mas de uma religião.102 No mesmo mês foi então sancionado o decreto 25.095.
No ano de 1978, o jornal A palavra, divulgou a carta de um leitor de nome Epitáfio,
queixando-se às autoridades, do que caracterizou como “abusos causados por um “candomblé”
ou coisa que o valha”103. De acordo com a carta, a casa de candomblé que situava-se na Rua
Alto Bonito, às margens do Riacho Manoel Coelho, promovia festas ao sons de atabaques em
determinados dias da semana, tendo a última se iniciado na noite do dia 1 do mês corrente, até
às 17 horas do dia seguinte. O autor da carta afirma que é do seu conhecimento que
Existe uma licença ou liberação para as realizações de determinados cultos e
que os mesmos, seitas, religiões, etc., com as suas respectivas solenidades ou

98
BRAGAG, Júlio, Op. Cit. p. 105
99
Ibidem, p.175.
100
SÖRENSEN, Sheiva. De tombamentos e museus. Estratégias político-culturais no candomblé de Salvador.
São Carlos: UFSCar, 2015. p.33.
101
Idem.
102
BRAGAG, Júlio. Na Gamela do Feitiço: Repressão e Resistencia nos candomblés da Bahia. Salvador:
EDUFBA,1995. p. 180.
103
Jornal A Palavra. 23 de Dezembro de 1978. Ano IV, nº248, p. 1.
46

rituais, podem, evidentemente, ser realizados desde que não atentem à moral
e aos bons costumes, todavia os direitos alheios devem ser acatados mormente
quando se trata do descanso diário que é o sono, dado a labuta do cotidiano,
no entanto os moradores da artéria acima mencionada e adjacências, estão
carentes deste direito. Antes, durante as noitadas domingueiras se
prolongando até o amanhecer das segundas-feiras, tendo por último
prolongado o seu “calendário” inimigo do descanso.104

A carta do leitor Epitáfio, foi publicada pelo jornal quase dois anos após aprovação do
decreto de lei 25.095. Apesar disso, a matéria foi veiculada pelo jornal como se os ritos afro-
brasileiros ainda dependessem do aval da polícia para serem realizados. A FEBACAB,
mantinha sua representação em Jacobina e região desde o ano de 1976, quando então cadastrou
inúmeras casas de culto afro-brasileiros da e região.
Ao contrário do que ocorreu em relação a ação policial na Igreja Assembleia de Deus
no ano de 1975, o redatores dos jornais não buscaram através do representante da FEBACAB
ou da casa de candomblé em questão, informações relacionadas a procedência da denúncia e a
legislação referente a liberdade de culto, nem tampouco mostraram indignação em relação as
queixas do leito, tal qual o fizeram em relação a ação policial na Igreja Assembleia de Deus.
Apesar disso, os noticiários com denúncias contra as práticas curandeiras, candomblés
e demais expressões religiosas afro-brasileiras, praticamente não foram encontrados no jornal
em circulação entre as décadas de 1970 e 1990. A ausência de denúncias, pode ser explicado,
pela organização, resistência, e enfretamento legal dos adeptos dos cultos afro-brasileiros,
frente as repressões sofridas.
Pôde-se verificar, os mecanismos utilizados pelo pai de santo Amado dos Santos, para
realizar suas atividades religiosas. Mesmo após a publicação do decreto 25.095, ele se
deslocava, para áreas menos urbanizadas e mais afastadas do centro da cidade. Apesar de nunca
ter sido abordado pela polícia enquanto realizava seus ritos religiosos, o Sr. Amado receava que
isso pudesse ocorrer, visto que ele não tinha registro junto a FENACAB. Este só foi realizado
em 2014, após sua filha de santo ter sido abordada por policiais em seu terreiro.
Foi uma filha de santo minha que mora na Lagoa 33, e ela tinha o alvará e ai
esqueceu de pagar. Quando pensou que não, eles baixaram lá. [...] Não inda
não tava nem no samba. Eles sabem quem bate quem não bate assim.
Baixaram lá, ai perguntou se ela tinha pagado, sabiam que não tinha. Ai ela,
não. Ai eles disse então, ou paga agora ou vai fechar.”105

104
Ibidem.
105
Entrevista com Amado Pereira dos Santos, entrevista concedida a autoras em 15/10/2015.
47

A benzedeira Mariquinha, também costumava oferecer carurus seguidos de samba em


sua casa de culto, construído no fundo da sua residência. O ritual ocorreu ao longo de 40 anos
e só foi interrompido em consequência de problemas de saúde, que a impossibilitou de
continuar com a obrigação do caruru. Quando esta pratica foi substituída pela distribuição de
balas, bolo e doces para as crianças. Sobre as festas realizadas no caruru de São Cosme e São
Damião e em referência ao funcionamento do seu terreiro, ela afirmou:
Tenho. Agora não tá declarado né ai eu não posso bater aqui. Também tem
que dá a festinha de caruru. [...]É por isso que a gente tem a carteira, eu não
tenho a carteira. Ai eu já fiquei já de idade, as meninas: mãe deixa isso! Tá
ficando velha não guenta mais trabalhar, ai deixei. Mas fazia comida aqui pra
todo mundo, minha fia.106

A benzedeira narrou algumas lembranças relacionadas a repressão policial, em casos


em que o agente de cura não possuía o alvará emitido pela FENACAB, autorizando o
funcionamento do terreiro. Sobre este fato, ela se recordou das batidas policiais que ocorriam
no terreiro do seu pai de santo - João Curaçá – no município vizinho, Miguel Calmon, e nos
carurus realizados por ela em sua casa em Jacobina.
Vinha, quando a gente ia bater aqui vinha olhar, tinha que pedir a carteira.
Tinha que ir lá no rapaz.. Minha cunhada passou, ela dizia pra eu tirar a
carteira. Mas eu não, não vou bater todo sábado né. Ai, era só mesmo na
festinha do caruru. [...] Mas lá em casa eles iam também. [...] Mas eles não
bate em ninguém lá não. Eles chega eles pega o cartão primeiro da pessoa, do
pai do terreiro. É a licença, é tem que fazer em Miguel Calmon ou aqui. Ai a
gente tem que apresentar pra continuar, dá o horário de onze hora. Não pode
é ultrapassar muito molde a zoada na rua. Eu digo eu não, não vou portar
não. 107

Nota-se, através do depoimento de dona Mariquinha, que ao longo dos 40 anos em que
promoveu os festejos de São Cosme e São Damião, ela os fazia sem o registro da FENACAB.
Devido a isso, a polícia já teria sido chamada para interromper os sambas. Entretanto, por
realizar festejos com uso de atabaques apenas nos carurus, que ocorriam uma vez ao ano, ela
preferiu não fazer o registro de sua casa junto a Federação, visto que seus festejos não
ultrapassava o horário das 11 horas na noite. Braga, ao analisar as perseguições aos candomblés
em Salvador, afirmou que muitos pais e mães de santo se vangloriavam de nunca terem ido a
delegacia pedir autorização para a realização de suas festas públicas, no período anterior a

106
Maria Jesus da Silva (Mariquinha), entrevista concedida a autora em 17/08/2013.
107
Maria Jesus da Silva (Mariquinha), entrevista concedida a autora em 17/08/2013.
48

promulgação da lei 25095 de 1976, devido ao prestígios que estes tinham para negociar junto
às esferas de poder constituído.108
É possível que dona Mariquinha, tivesse, ao longo dos 40 anos em que realizou os
carurus, se utilizado do seu prestigio, junto a alguém com influência e poder no município, para
livrará de ser incomodada pela polícia durante a realização dos sambas em seu terreiro. Por
outro lado, percebe-se, que nem todos os adeptos dos cultos afro-brasileiros contavam com esta
prerrogativa, como no casa da filha de santo de senhor Amado, que não teve escolha, ou pagava
a taxa para manter a licença para tocar nas festas que realizava em seu terreiro, ou o terreiro
seria fechado. Sr. Amado, por sua vez, apesar de ter regularizado o seu terreiro junto a
Federação depois de mais de 35 anos de existência do mesmo, permaneceu se deslocando para
os bairros menos afetados pelo processo de urbanização, na tentativa de não ser abordado pela
polícia. Além disso, deve-se destacar, que um dos seus filhos de santo é ex-policial militar, isso,
provavelmente tenha contado a seu favor, para que não fosse abordado pela polícia a longo de
tantos anos de funcionamento do seu terreiro.

1.2 - O campo religioso afro-brasileiro em Jacobina

O mais antigo terreiro de candomblé de nação em atividade, encontrado em Jacobina,


foi criado no ano de 1976. Seu fundador, o babalorixá Joel Sebastião Xavier, vivia em Salvador
e veio à Jacobina como representante FEBACAB 109 com o intuito de institucionalizar a
Federação no município e de registrar e catalogar as casas de cultos afro-brasileiras na região.
Por conta da sua permanência na cidade, o babalorixá fundou o terreiro Ilê Axé Odê
Cassulandê, de nação keto-Angola, neste mesmo ano.
A partir do mapeamento realizado pela Federação naquela década, constatou-se a
existência de aproximadamente 30 casas de culto afro-brasileiros na cidade, sedo que nenhuma
delas era considerada pela FEBACAB como de candomblé de nação. Eram registrados como
casas de umbanda ou giro de caboclo110. Em entrevista, o babalorixá Joel Xavier falou sobre as
características dessas casas:

108
BRAGAG, Júlio. Na Gamela do Feitiço: Repressão e Resistencia nos candomblés da Bahia. Salvador:
EDUFBA,1995.. p. 177.
109
Em 2002 FEBACAB passou a ser denominada Federação Nacional dos Cultos Afro-brasileiro (FENACAB).
110
Nas casa de Giro de Caboclo o culto centraliza-se nas entidades dos ancestrais indígenas, caboclo.
49

Tudo misturado era, era... umbandomblé como o pessoal fala por ai. Não era
o caboclo mesmo fechado porque eles botavam, falava de ogum, falava de
Iansã, falava de Nanã, mas a Iansã deles falava e cantava, os ogum deles fala
e canta, e no candomblé não...111

Os cultos nas casas de giro de caboclo, segundo o entrevistado, não se caracterizavam


como candomblé de nação. Uma das diferenças apontadas por senhor Joel Xavier é a forma
como os orixás se manifestavam, que diferente do candomblé, no giro de caboclo e na umbanda
praticada em Jacobina, os orixás se comunicam através da fala, com as pessoas. Por outro lado,
estas práticas não eram caracterizadas como candomblé de caboclo, pois de acordo com o
babalorixá, nesse vertente do candomblé somente os caboclos se manifestam, diferentemente
dessas casas onde tanto caboclos quanto os orixás se manifestavam. Da mesma forma, também
não se encaixavam nos padrões das casas de umbanda, segundo critérios da FEBACAB. Assim,
as casas de giro de caboclo seriam uma mistura dos rituais praticados na umbanda e no
candomblé, por isso são pejorativamente chamadas, por alguns praticantes do candomblé de
nação, de umbandomblé.
Conforme Braga, desde a década de 1930 quando ainda denominava-se União das Seitas
Afro-Brasileiras da Bahia, que a Federação preocupava-se em “eliminar as práticas não
ortodoxa”, o que gerou uma série de conflitos entre estas e os praticantes do candomblé de
caboclo.112 Este ideal de pureza, permaneceu ao longo das décadas dentro da instituição, e
segundo o autor ainda hoje é um dos principais entraves encontrado pela FENACAB.
Aliás, a complexidade atual dos candomblés, organizados com os mais
deferentes sistemas e estruturas religiosas e que integram cada vez mais
elementos de procedência não africana, tem sido o grande entrave para que as
Federações obtenham êxito com a implantação de politicas “fiscalizadoras” e
“disciplinadoras” de um padrão ideal de religião afro-brasileira. De Um
padrão aliás difícil de ser estabelecido sem correr o risco de se criar mais
animosidade entre os terreiros que se consideram cada um por si, o mais
perfeito, o mais tradicional, o mais puro, o mais bem organizado do que
qualquer outro existente.113

Apesar da classificação feita pela FEBACAB, os entrevistados que não são adeptos do
candomblé tradicional, identificam suas práticas com a umbanda e peji ou piji. A palavra peji,
é utilizada pelos praticantes do candomblé tradicional para referir-se a um espaço do terreiro
restrito aos iniciados.114 Em Jacobina, peji ou Piji, se referem aos sambas de caboclo que

111
Joel Sebastião Xavier. Entrevista concedida a autora em 22/02/2011.
112
BRAGA, Júlio. Na Gamela do Feitiço: Repressão e Resistencia nos candomblés da Bahia. Salvador:
EDUFBA, 1995. p. 174.
113
Idem, p. 174-175.
114
SANTOS, Edmar Ferreira, Op. Cit. p. 88.
50

ocorrem em alguns ritos, ou como denominação do culto.115 Para Santos, a palavra tem suas
prováveis origens no termo de língua fon Kpeji, que significa “sobre o altar”116
O pai de santo umbandista Amado Santos, refere-se ao piji da seguinte maneira: “No
piji que você tá falando, quem tem caboclo brinca que não tem que quiser brincar brinca, agora,
os que tem, não tem jeito cai mesmo, brinca, samba.”117 Na sua concepção o piji refere-se aos
sambas de caboclo que compõe inúmeros ritos em sua casa. Segundo Mariza Rodrigues, o peji
é usado para designar os cultos afro-brasileiros situados na zona rural do município “além de
curandeirismo, zeladores de santo e até umbanda” 118 O que pôde-se observa através da presente
pesquisa, é que embora o termo peji seja também usado para designar a casas de cultos, isto
não se restringiu que estão situadas zona rural do município, uma vez que o termo é também
utilizado para identificar as casas de culto ou os sambas de caboclo realizados no perímetro
urbano do município. Do mesmo modo, não constatou-se o emprego da palavra peji para fazer
referência aos curandeiro/Curandeiras e zeladores/zeladoras de santo como afirmou
equivocadamente a referida autora.
Segundo Joel Xavier, a partir da catalogação feita pela FENACAB, em 1976, foram
encontrados dezenas de casas de culto afro-brasileiras organizadas a partir de diferentes
estruturas religiosas.

Aqui em Jacobina, como você me perguntou, eu queria falar que no começo, em


setenta e seis até os anos oitenta, pegava todo mundo, era curandeiro, cartomante,
bateu, fazia um pejí, fazia um movimento com um tambor, ai mesmo que não fosse
assim nação - eles não entendem muito até hoje, até hoje eles não entendem, a maioria,
daqui dessa região não entendem o que é nação, keto, angola, ijexá, não sabe. Ai então
eles.... mas eu registrava tudo. Tanto que na minha pasta chegou a cento e tantos
filiados. Mas ai quando a Federação foi se aprimorando ai, não sei se era o pessoal do
santo em Salvador exigia, porque que registra todo mundo? Esse povo não é do santo!
Na verdade eles não eram do santo eles eram caboqueiros.119

Essas informações, apontam algumas características para as vivências religiosas afro-


brasileiras Jacobina. Percebeu-se que a organização em torno da família de santo se difere das
existentes nos terreiros de nação. O que pôde ser observado, a partir da constatação, de que a
maioria das pessoas que tinham terreiro na década de setenta e oitenta, quando foi feita a

115
FONSECA, Emanuela Bethânia Santana da. Religiões Afro-Brasileiras em Jacobina: intolerância,
repressão e resistência. Monografia (Especialização em Cultura Urbana e Memória), Jacobina-Ba:
UNEB/CAMPUS IV, 2012.
116
SANTOS, Edmar Ferreira, Op. Cit. p. 88.
117
Entrevista com Amado Pereira dos Santos, entrevista concedida a autoras em 15/10/2015.
118
RODRIGUES, Mariza do Carmo. Religião no sertão baiano: o candomblé em Jacobina. Dissertação
(Mestrado), Salvador: UEFBA/CEAO, 2014. p.40.
119
Joel Sebastião Xavier. Entrevista concedida a autora em 22/02/2011.
51

catalogação pela FEBACAB, ao morrerem, não deixaram herdeiros, ou uma família de santo
para dá continuidade àquela prática religiosa. Por conta disso, com a morte dos líderes
religiosos, muitas casas deixaram de existir. Observa-se pelos relatos do babalorixá, que diante
do grande números de casa registradas por ele, que não eram classificadas enquanto de nação,
a Federação passou a questionar, a natureza dos cultos realizados em Jacobina, e a não
considera-los como “de santo” e sim caboqueiros.
As entidades caboclas, são cultuadas nas religiões afro-brasileiras como os donos da
terra, primeiros habitantes do território brasileiro. Inúmeros terreiros de candomblé cultuam
estes ancestrais, e têm um espaço reservados para estas entidades, geralmente na área exterior,
nas proximidades da porta de entrada junto ao orixá Exu.120 De acordo com Emmanuelly Tall,
os caboclos são também os donos do mato. Estes ancestrais, teriam ensinado, aos africanos
escravizados no Brasil, a sabedoria das folhas nativas, das quais o negro não tinham
conhecimento, de modo que possibilitou a população negra escravizada, manter sua relação
com a natureza e suas divindades.121 Para a autora,
Como primeiro ocupante da terra, o caboclo tem de ser respeitado e
cumprimentado como o ancestral primordial e legítimo do povo brasileiro.
Pois, nas sociedades tradicionais africanas, a autoctonia prevalece, na maestria
mística da matéria terra, sobre as relações de força política. As duas funções
são quase sempre separadas, a chefia da terra sendo um atributo do autóctone,
primeiro ocupante do território, enquanto a chefia política é o privilégio do
estrangeiro conquistador.2 Assim, o dono da terra sempre tem de ser
consultado, saudado, cada vez que os produtos da terra são solicitados, tanto
mais quando se destinarem aos trabalhos cultuais. 122

Acredita-se que o candomblé é uma religião de matriz africana, mas que foi ressignificada,
readaptada pelos diversos grupos étnicos dos quais faziam parte o grande contingente de africanos
escravizados no Brasil. Como afirma Teixeira “o candomblé surgiu no Brasil como produto de
reinvenções – de adaptações e de síntese – dos vários sistemas de crenças provenientes do
continente africano, durante mais de três séculos do período da escravidão.” 123 Nesse processo de
reinvenção, os modelos existentes na África tiveram de ser adaptados à nova realidade social
encontrada pela população negra no Brasil. O que possibilitou, inúmeras trocas com os diversos
elementos culturais existente na sociedade. É certo, que estas se fizeram também em relação às
culturas nativas e em relação à cultura europeia.

120
TALL, Emmanuelle Kadya. O Papel do Caboclo no Candomblé Baiano. IN: CARVALHO, Maria Rosário de;
CARVALHO, Ana Magda. Índios e caboclos: a história recontada. Salvador: EDUFBA, 2012. p. 80.
121
Ibidem.p.80.
122
Ibidem. p.80.
123
Ibidem. p. 13.
52

O catolicismo, de uma forma ou de outra, também interferiu culturalmente na reinvenção


das religiões africanas em terras brasileiras. Sabe-se, que durante os anos em que a escravidão
existiu no Brasil, esta foi legitimada pela Igreja Católica e imposta violentamente aos africanos que
tinham nas suas práticas religiosas e no culto dos seus deuses uma forma de resistência à escravidão.
No entanto, não se pode negar a presença de aspectos do catolicismo nos cultos afro-brasileiro.
Sérgio Ferretti, ao analisar o sincretismo nas tradicionais Casas de Minas no Maranhão,
principalmente em relação ao catolicismo, espiritismo e a maçonaria, afirmou que essas três
vertentes religiosas “representam a parte brasileira da religião africana.” 124 O autor chama atenção
para a presença de aspectos do catolicismo em várias festas nas Casas de Minas, como por exemplo,
na festa do “banquete aos cachorros” que é feita em homenagem a São Lázaro, São Roque e São
Sebastião, dentro das festas aos vodus Acossi Sapatá, o rei da terra e protetor das doenças. O
sincretismo com o catolicismo nos terreiros de minas do Maranhão é percebido também na
quaresma, período em que os batuques são interrompidos. Nas festas a São Benedito, que é adorado
pelo vodu Averequete, além das procissões católicas, com a participação dos praticantes do Tambor
de Mina, existe também uma festa ao vodu no terreiro. “O tambor de mina e o catolicismo popular
estão, portanto, muito próximos, permanecendo lado a lado. Isso não impede, contudo, que as Casas
de Minas continuem mantendo sua especificidade de grupo tradicional de religião afro-
brasileira.”125
Edson Carneiro, ao pesquisar os candomblés na Bahia, notou a presença de elementos
católicos em alguns terreiros. Ele afirma que em todos os terreiros pesquisados havia imagens de
santos católicos, e que durante o processo de iniciação, as iniciadas (iaôs) tinham que assistir a uma
missa na Igreja de Senhor no Bonfim numa sexta-feira. No entanto, é preciso levar em consideração
que tal pesquisa foi realizada ainda na primeira metade do século XX. No intervalo daquele período
para os anos que se seguiram, ocorreram algumas modificações ou tentativas de mudanças nas
práticas dos cultos afro-brasileiros, principalmente no que se refere ao sincretismo com o
catolicismo. A partir das últimas décadas do século XX, pôde-se perceber o crescimento126 de um
movimento que busca resgatar aspectos das religiões africanas e transpô-las às religiões afro-
brasileiras no intuito de reafricanizá-las. Ao mesmo tempo buscava-se dessincretizá-las, no sentido
de negar e retirar desses cultos, os elementos que não faziam parte das religiões africanas, tal qual
existiam na África, antes da chegada dos europeus naquele continente.

124
FERRETTI. Sergio. Repensando o sincretismo. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; São Luís:
FAPEMA, 1995.p. 110
125
Ibidem, p.151
126
A reafricanização pôde ser observada desde o início do séculos XX e era defendida por alguns líderes religiosos
daqueles anos como Martiniano do Bonfim. Para mais informações ver: BRAGA, Júlio. A Cidade dos Homens e
das mulheres. Feira de Santana-Ba: EDUEFS, 2014; outros
53

De acordo com Vagner Silva, a busca por uma africanidade perdida e idealizada se deve,
entre outros fatores, à iniciação de vários intelectuais no candomblé, e ao acesso a trabalhos
acadêmicos de cunho etnográficos por membros das religiões afro-brasileiras, o que, de certa
maneira, contribui também para a supremacia do modelo keto, visto que as pesquisas etnográficas
são realizadas principalmente em terreiros dessa nação. O autor destacou, que além da contribuição
das etnografias para o processo de reafricanização, muitos pais e mães de santo estão viajando para
a África, na tentativa de aproximarem suas práticas aos cultos africanos, participando de congressos
e visitando em território africano, os templos dos orixás.127
Acredita-se que “todas as religiões são sincréticas, pois representam o resultado de grandes
sínteses integrando elementos de várias procedências que formam o novo todo.” 128 Para Ferretti o
sincretismo provoca um mal estar em muitos autores, que muitas vezes interpretam como algo
negativo, sinônimo da imposição evolucionista e colonialista. Contudo o sincretismo religioso não
significa “desmerecer nenhuma religião, mas em constatar que, como os demais elementos de uma
cultura, a religião constitui síntese integradora englobando conteúdos de diversas origens.” 129.
Deve-se, entretanto, ao estudar esses fenômenos, atentar-se para as suas especificidades, que estão
relacionadas a processos históricos que envolvem a sociedade em que está inserido o objeto de
estudo em questão.
O sincretismo ocorre na religião, na filosofia, na ciência, na arte, e pode ser
de tipos muito diversificados. Nas religiões afro-brasileiras podemos localizar
vários tipos, conforme o aspecto que esteja estudando ou a ênfase do estudo.
Para evitar mal-entendidos e confusões, é preciso explicar exatamente o
sentido que se quer dar ao termo que está sendo utilizado. Apesar dos aspectos
pejorativos que prevalecem, sincretismo é um fenômeno que existe em todas
as religiões, está presente na sociedade brasileira e deve ser analisado, que
gostemos ou não.130

Retornando as análises referentes ao campo religioso afro brasileiro em Jacobina,


destaca-se a forte presença de médiuns em sua maioria iniciados na umbanda e no piji,
conhecidos popularmente como curandeiros/curandeiras, e as benzedores/benzedeiras.
Geralmente, eles realizam as suas obrigações religiosas e oferecem atendimento espiritual em
suas próprias residências, tendo um cômodo reservado para este fim. Esse espaço é composto

127
SILVA, Vagner Gonçalves. Reafricanização e Sincretismo: Interpretações Acadêmicas e experiências
Religiosas. In: BACELAR, Jeferson; CARDOSO, Carlos. Faces da tradição Afro-Brasileiras: religiosidade,
sincretismo, anti-sincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. 2 ed. Rio de Janeiro:
Pallas; Salvador: CEAO, 2006.
128
FERRETTI. Sérgio Figueiredo. Sincretismo Afro-Brasileiro e resistência Cultural. In: BACELAR, Jeferson;
CARDOSO, Carlos. Faces da tradição Afro-Brasileiras: religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo,
reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. 2 ed. Rio de Janeiro: Pallas; Salvador: CEAO, 2006.
p. 114.
129
Ibidem.p. 114.
130
Ibidem, p. 91.
54

por altares com imagens de santos católicos, pretos velhos, caboclos, ciganas, marinheiros,
orixás entre outras divindades. Alguns destes médiuns, realizavam festas com samba em datas
especificas, especialmente no mês de setembro em homenagem aos santos São Cosme e São
Damião.
As benzedeiras, embora se definam enquanto pertencentes à religião católica, dialogam
com diversas religiosidades, principalmente com o espiritismo e as práticas religiosas afro-
brasileiras. Em seu oficio, estas buscam alcançar a cura dos diversos males através do uso de
ervas, banhos, garrafadas, e muitas vezes a partir do auxílio de entidades religiosas afro-
brasileiras, como caboclos, pretos velhos, orixás e encantados. Assim como os curandeiros,
algumas delas também oferecem carurus em setembro, ou fazem bolos para as crianças em
homenagem aos santos gêmeos.
Elas são figuras marcantes no universo das terapêuticas tradicionais em Jacobina. Os
que as diferencia dos curandeiros e curandeiras é a não realização de trabalhos religiosos,
despachos ou ebós, como meio de alcançar a cura dos seus consultantes. A apropriação, por
parte dos adeptos do catolicismo, de diversos aspectos da religiosidade afro-brasileira, vem de
longas datas. Riolando Azzi afirmou que o catolicismo implantado pelos portugueses no Brasil
se aproximava de um catolicismo tradicional, que tinha como características sua origem luso-
brasileira de caráter “leigo, medieval, social e familiar” 131. Este, era combatido pelo clero
romano, que buscou implantar no Brasil, um catolicismo renovado que se caracterizasse como
“romano, clerical, tridentino, individual e sacramentalista".132 Segundo o autor, é
representativo neste tipo de catolicismo, a construção de lugares destinados ao culto, que iam
de simples cruzes, a capelas, ermitas e igrejas.133 Diante da natureza devocional deste
catolicismo, Edilece Couto destacou que “Eremitas, irmãos, mulheres recolhidas, beatos,
Ordens Terceiras e confrarias se organizavam para promover retiros religiosos, romarias e
procissões. Os leigos construíam os oratórios e as capelas para a veneração de um determinado
santo.”134 Portanto, as religiosidade vivida pelas benzedeiras provém deste catolicismo
tradicional, que realizou inúmeras trocas com as demais culturas existente no Brasil naquele
período.

131
AZZIR, RioLando. O Episcopado do Brasil Frete ao Catolicismo popular. Rio de Janeiro: Editora Vozes,
1977. p. 9.
132
Ibidem. p.9.
133
Ibidem. p.9.
134
COUTO, Edilece Souza. Tempo de Festas: Homenagens a Santa Bárbara, N. S. da Conceição e Sant’Ana em
Salvador (1860-1940). Tese de doutorado. São Paulo: UNESP, 2004. P. 47.
55

As benzedeiras, estão espalhados por toda a cidade de Jacobina, é possível encontra-las


tanto em bairros centrais, quanto em bairro periféricos. O fato de realizarem suas práticas no
âmbito doméstico, e de não realizarem festejos com samba, é um dos fatores que explica a
permanência de suas práticas no perímetro urbano da cidade, ao contrário do que ocorre em
relação aos terreiros, que situam-se principalmente na zona rural do município.
O quadro abaixo, fornece alguns dados referentes aos cultos domésticos realizados pelas
benzedeiras e pelos curandeiros. Deve-se levar em consideração, que alguns agentes não
quiseram participar da pesquisa, seja porque, se converteram em alguma denominação
protestante, ou simplesmente não quererem ceder a entrevista. Deste modo, a catalogação
realizada por esta pesquisa é parcial na medida em que não traçou as características das
atividades de cura realizadas por estes agentes em sua totalidade. Destaca-se também, que
muitos desses agentes negam suas práticas a pessoas desconhecidas. Isso deve-se, certamente,
às representações negativa, construída historicamente em relação as suas atividades mágico-
religiosas.
56

Quadro 1- Catalogação de rezadeiras/benzedeiras e curandeiros


NOME DO IDADE CATEGORIA/ LUCAL ONDE FESTEJOS ENTIDADES/ SANTOS LOCALIZAÇÃO
AGENTE RELIGIÃO DESENVOLVE AS CULTUADOS
ATIVIDADES DE
CURA
Dona Calu 95 Rezadeira/ Residência Não realiza Santos católicos Sede do Município
Católico
Dona Dalva 81 Rezadeira/ Residência Não realiza Santos católicos Sede do Município
Católico
Dona Dedê 76 Rezadeira/ Residência Não realiza Santos Católicos Sede do Município
Católico
Dona Maninha 70 Rezadeira/ Residência Caruru de São Cosme e Santos católicos, caboclos, orixás, Sede do Município
Católica São Damião (sem pretos velhos;
samba)
Dona 70 Médium Residência e no terreiro Caruru de São Cosme e Santos católicos, caboclos, orixás, Sede do Município
Mariquinha curandeira/ construído no fundo da São Damião (com pretos velhos;
Umbanda residência samba de caboclo)
Sr. Arcelino 88 Médium Residência Não realiza Santos católicos, caboclos, orixás, Sede do Município
curandeiro/ pretos velhos;
Católico
Dona Marcelina 59 Médium Residência Caruru de São Cosme e Santos católicos, caboclos, orixás, Sede do Município
curandeira/ São Damião; Caruru pretos velhos, ciganas.
Umbanda das Pretas Velhas.
Dona Val 59 Médium Residência Caruru de São Cosme e Orixás, encantados. Sede do Município
curandeira/ São Damião (com
Candomblé samba de caboclo)
Dona Ana 63 Rezadeira Residência Caruru de São Cosme e Santos Católicos, orixás e Sede do Município
Maria /Católica São Damião caboclos.
(Sem samba)
Dados sobre as rezadeira/benzedeiras e curandeiros em Jacobina, Bahia.
Fonte: Dados extraídos a partir entrevista.135

135
FONSECA, Emanuela Bethânia Santana da. Religiões Afro-Brasileiras em Jacobina: intolerância, repressão e resistência. Monografia (Especialização em Cultura Urbana
e Memória), Jacobina-Ba: UNEB/CAMPUS IV, 2012.
57

O quadro acima, demonstra que a maioria desses agentes de cura, possuem idade acima
dos cinquenta anos; predominantemente, se auto definem enquanto pertencente à religião
católica; oferecem caruru em homenagem a São Cosme e São Damião, na maioria dos casos
sem sambas ou batuques; em prevalência, estes mantêm devoção por uma infinidade de santos
e divindades pertencente ao universo afro-brasileiro; e todos residem na sede do município.
Observou também, a predominância de mulheres entre os agentes das terapêuticas
mágico-religiosa de esfera doméstica. Conforme afirmou Elda Oliveira, quando se busca quem
benze, a questão é sempre elaborada no feminino, partindo-se do pressuposto, de que as
mulheres são majoritárias neste ofício 136. Diferente do que ocorria na sociedades “primitivas”,
onde estas funções era desenvolvida principalmente por homens.137
Ao estudar a importância da figura feminina nos cultos afro-brasileiros em Salvador na
década de 1940, Ruth Landes constatou que a partir da tradição religiosa afro-brasileiras, só as
mulheres estariam aptas para zelar pelas divindades, e que, os serviços dos homens a estes
deuses seria desvirilizaste e blasfemo. Segundo a autora, ainda que estes, em algumas ocasiões
se tornassem líderes religioso, o desempenho masculino “jamais pode funcionar tão
completamente como uma mulher.”138 Para Landes, em períodos anteriores alguns homens
tinham certa ligação com estes cultos, mas não como chefes de terreiros, estes desempenhavam
apenas atividades relacionada a adivinhações e feitiçarias. Tanto no que se refere ao
candomblé, quanto em relação as benzedeiras e curandeiras, compreende-se que,
Mulheres, mães, domesticas, pobres, idosas, sem estudo, reunindo qualidades
inferiorizadoras para o contexto de produção capitalista, mas portadoras de
um oficio que lhes exige a posse de um poder peculiar. Por que isso? Talvez
por se tratar de uma profissional doméstica, suspeito que haja diferenças no
tocante ao desempenho do seu ofício. Por exemplo, enquanto pode ser
observada a predominância masculina em ofícios itinerantes pode-se observar
também a feminina em atividades domésticas, onde se apresentam como
cartomantes, benzedeiras, costureiras, caracterizando-se aí uma espécie de
divisão sexual do trabalho.139

Ao analisar a questão da predominância feminina nos candomblés de Salvador, Braga


salientou, que esta se deveu, às estratégias criadas ao longo do tempo, para preservar a
exclusividade feminina na administração dos espaços religiosos quando por elas fundados.
Aspectos relevantes de primazia e continuidade do prestígio da liderança
feminina observadas nos terreiros da Bahia são as diferentes formas

136
OLIVEIRA, Elda Rizzo de. Doença, Cura e Benzedura: estudo sobre o ofício das benzedeiras em Campinas.
Dissertação UNICAMP- Campinas- São Paulo:1983. p. 138.
137
Ibidem.p. 138.
138
LANDES, Ruth. A cidade das Mulheres. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2002. p.321
139
OLIVEIRA, Elda Rizzo, op. Cit, p. 138.
58

institucionalizadas de práticas sucessórias estabelecidas desde os primeiros


tempos das atividades religiosas no Brasil. De maneira impositiva, ficou
estabelecido que a liderança dos terreiros seria exercida exclusivamente pelas
mulheres. Artimanha política de grande alcance, alimentada ao longo do
tempo para que fosse preservado e reservado um espaço social, político e
religioso em que a mulher poderia exercer livremente e de maneira continuada
o comando da comunidade, sem que o exercício sacerdotal pudesse ser
abertamente contestado por homens. 140

O autor atribuiu a predominância feminina nos candomblés, exclusivamente às questões


históricas internas relacionadas a sucessão das lideranças dos terreiros mais tradicionais, cuja
as ascendência femininas é destacada. Na concepção do autor, todo este processo tem sido feito
de maneira impositiva por parte das mulheres sem que os homens possam questionar
abertamente sobre o fato. Esta estratégia, de acordo com Braga, foi estabelecida para assegurar
a liderança de mulheres, nas casas fundadas por elas, e masculina, nas casas fundada por
homens. Deste modo, pode-se constatar que se existe esta imposição em relação a figura
feminina em alguns terreiros, o mesmo pode-se dizer em relação ao terreiros de linhagem
masculina, ainda que a presença dos homens enquanto tal, tenha encontrado bastante resistência
nos terreiros de nação. Apesar dessa rigidez presentes em alguns terreiros, Braga destacou que
estas normas podem ser descumpridas, em ambos os casos, em situações excepcionais “quando
se configura a absoluta impossibilidade de serem respeitadas.” 141
A inflexibilidade em relação à algumas regras que tangem as questões de gênero no
candomblé, pode ser notada, em algumas regras dentro da religião. Na distribuição dos cargos
e suas funções, salvo raras exceções, há uma rígida divisão por sexo. Existem funções que só
podem ser desempenhada por homens, e do mesmo modo, há outras reservadas exclusivamente
às mulheres. Estas por exemplo, não podem tocar atabaques, agogôs e demais instrumentos
musicais, assim como os homens, com algumas prerrogativas, não desempenha atividades na
cozinha da casa.142 Para Ivana Bastos, neste caso trata-se de machismo travestido de tradição.
“É fato que os homens ultrapassaram mais rapidamente e com maior facilidade as linhas
divisórias das especializações sexuais que as mulheres. Os homens que não recebiam e nem
giravam há muito fazem isso, mesmo no candomblé “puro”, mas as mulheres continuam
impedidas de tocar atabaque.”143

140
BRAGA, Júlio. Candomblé da Bahia: a cidade das mulheres e dos homens. Feira de Santana-Ba: EDUEFS,
2014. p.123.
141
Ibidem, p. 124.
142
BASTOS, Ivana Silva. Mulheres Iabas: liderança, sexualidade e transgressão no candomblé. Dissertação
(Mestrado em Sociologia), João Pessoa: UFPB, 2011. p.127.
143
Ibidem.p.127.
59

Até meados do século XX, era um tabu a presença de homens no comando de uma casa
de santo, bem como, o transe destes por alguma entidade durante as celebrações. Estas eram
funções exclusivamente feminina. Apesar disso, em terreiros menos rígidos, em especial nos
candomblés de caboclos, alguns homens já desempenhavam estas funções, mas os mesmo, eram
por isso, estereotipados pelos mais ortodoxos como homossexuais. Deste modo, como assinalou
a autora, as barreiras da tradição são rompidas mais facilmente pelos homens.
A força da ordem masculina se evidencia no fato de que ela dispensa
justificação: a visão androcêntrica impõe-se como neutra e não tem
necessidade de se enunciar em discursos que visem a legitimá-la. A ordem
social funciona como uma imensa máquina simbólica que tende a ratificar a
dominação masculina.144

Observando a composição das lideranças dos terreiros de candomblés em Jacobina,


notou-se um equilíbrio, quanto a presença, masculina e feminina. Foram encontrados o total de
5 terreiros de candomblés de nação, sendo 3 deles liderados por homens e dois por mulheres.
Se levarmos em consideração os terreiros de umbanda, foi encontrado no perímetro urbano do
município 2 terreiros, sendo um liderado por um homem e o outro por uma mulher.
Com o tempo, o número de terreiros tem diminuído consideravelmente na cidade. De
acordo com os dados apresentados anteriormente, a partir da catalogação realizada por Joel
Xavier, existia na cidade na década de 1970 cerca de 30 casas ou terreiros de cultos afro-
brasileiros, aspecto que não corresponde com a realidade atual. A respeito de algumas dessas
casas o babalorixá Joel Xavier fez o seguinte comentário:
Quando eu cheguei aqui na cidade de Jacobina, essas... cada bairro tinha um,
uma casa de, assim, um centro de caboclo ou umbanda. Como eu falei, não
tinha terreiro de nação, de nação africana não tinha, mas tinha muita casa que
tocava na Serrinha, no bairro de Peru, na... na, lá pro lado da Bananeira. Na
Bananeira tinham duas casas, tocava... esse pessoal já morreram também;
tinha na entrada de Jacobina do lado do Morro, do Morro do Santo Antônio
ali, tinha dona Dominga que tocava. Era uma casa frequentada até por
políticos de Jacobina. Eu conheci vários político na casa dela. Ela era
umbanda, mas tocava mesmo, e fazia umas festa até grande, era a pessoas que
eu mais conhecia aqui fazendo festa era dona Dominga. Zeninha tinha o salão
tinha tudo, mas demorava mais pra fazer festa, só mais caruru, e dona
Dominga tocava, três, cinco, seis vezes no ano. Mas era também casa de
umbanda.145

Em vários bairros de Jacobina, Bananeira, Serrinha, Peru, Garotinha existiam casas de


culto. Vale destacar que todos eles situava-se na periferia da cidade, habitada pelas camadas

144
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina: A condição feminina e a violência simbólica. Rio de Janeiro:
Best Bolso, 2014. p. 22-24
145
Joel Sebastião Xavier. Entrevista concedida a autora em 22/02/2011.
60

sociais mais pobres. Outro aspecto importante no depoimento do babalorixá Joel Xavier, se
refere aos frequentadores das festas no terreiro de dona Dominga, que incluía pessoas de alto
poder aquisitivo e políticos da cidade. Certamente, não seria coincidência o fato desta ser a casa
que mais realizava festejos na cidade no período, dada a posição social das pessoas que
frequentavam seu terreiro.
Deve-se destacar que a catalogação realizada até o presente momento, privilegiou a
mapeamento dos terreiros localizados na sede do município, no entanto, um dos sete terreiros,
encontram-se em localidade rural. Seu líder, o babalorixá Américo Porto, reside na sede do
município, indo ao terreiro somente para realização de atividades religiosas.
O mapa a seguir, está representando a localização das seis casas situadas no perímetro
urbano da cidade. A partir dele, observa-se que os terreiros Ilê Axé Odé Cassulandê, Ilê Axé
Odoiá, Onzó de Matamba, e o terreiro liderado Ialorixá Dunguinha, situam-se em bairros
próximos à área central da cidade. Os terreiros liderados pela ialorixá Cristina e o terreiro Sultão
das Matas, situam-se em bairros mais afastados e menos afetados pelo processo de urbanização.
Em sequência, o quadro 2 fornece outros dados sobre estes terreiros.
61

Figura 7- Mapa 1 - Casas de Culto Afro-Brasileiras em Jacobina-Ba.

Fonte: Irialine Rios, 2017.


62

Quadro 2- Catalogação Parcial dos Terreiro de Candomblé e Umbanda em Jacobina- Bahia


NOME DO LÍDER NAÇÃO DO PRINCIPAL CICLO DE FESTEJOS CIDADE DE Nº DE
TERREIROS RELIGIOSO TERREIRO ENTIDADE INICIAÇÃO LOCALIZAÇÃO FILHOS
CULTUADAS DE SANTO
Ilê Axé Odé Joel Xavier Keto Angola Oxóssi Oxóssi, Caboclo, Erê, Aracajú- SE Sede do Município 19
Cassulandê Oxum, Marujo
Ilê Axé Odoiá Mª da Conceição Keto Angola Iemanjá Iemanjá, Ogum, Xangô, Jacobina-Ba Sede do Município 30
(Nina) Oxum, caboclo.
Ilê Asé Américo Porto Keto Jêje Xangô Xangô, Oxum, Erê, Caboclo Salvador-BA Povoado da 50
Aganjulobá Palmeirinha
Onzó de Matamba Gilton de Oliveira Angola Matamba Matamba, Zaze, Petrolina- PE Sede do Município 22
Dandalunda,
Gongombira
Não Informado Dona Cristina Candomblé146 Não Informado Não Informado Salvador Sede do Município Não
Informado
Não Informado Dona Dunguinha Umbanda147 Não Informado Não Informado Bom Jesus da Sede do Município Não
lapa Informado
Sutão das Matas, Rei Povoado do Pontilhão 30
Sultão das Matas Amado dos Santos Umbanda Sultão das Sebastião, Caén- Ba
Matas São Jorge, Boiadeiro, Pretos
Velhos, Cosme e Damião.
Aspectos referentes os terreiros de umbanda e candomblé em Jacobina, Bahia.
Fonte: Dados extraídos a partir entrevista148

146
Quando foi contactada para saber sua disponibilidade para conceder uma entrevista para a realização deste trabalho Cristina, líder do terreiro, afirmou que seu terreiro se
tratava de uma casa de candomblé de nação, advinda de salvador, a qual tinha parentesco com o famoso pai de santo Joaozinho da Gomeia. Entretanto a mesma não quis
participar da pesquisa.
147
Quando foi contactada para saber sua disponibilidade para conceder uma entrevista para a realização deste trabalho Dona Dunguinha, líder do terreiro, afirmou que seu
terreiro se tratava de uma casa de Umbanda e que teria se iniciado em Bom Jesus da Lapa. Entretanto a mesma não quis participar da pesquisa.
148
FONSECA, Emanuela Bethânia Santana da. Religiões Afro-Brasileiras em Jacobina: intolerância, repressão e resistência. Monografia (Especialização em Cultura Urbana
e Memória), Jacobina-Ba: UNEB/CAMPUS IV, 2012.
63

Chama atenção, o fato de todos os terreiros de nação, com a exceção do Ilê Axé
Odoiá terem surgido de famílias de santo originárias de outras cidades e até mesmo de
outros estados. Além disso, três deles, o Ilê Axé Odé Cassulandê, o Ilê Asé Aganjulobá,
e o Ilê Axé Odoiá pertencem à mesma família de santo. O primeiro seria a “casa mãe”,
instalada na cidade na década de 1970; o segundo foi fundado pelo sobrinho de santo de
Joel Xavier, babalorixá do Ilê Axé Odé Cassulandê, na década de 1990, e a terceira casa
pertence a uma filha de santo de Joel Xavier, também aberta na década de 1990.
A casa Onzó de Matamba, também teve seu responsável iniciado na cidade de
Petrolina- Pe. No que refere-se aos terreiros de umbanda, um teve seu líder iniciado no
município de Caém – Ba, localizado na microrregião de Jacobina, e o outro na cidade de
Bom Jesus da Lapa-Ba. Vale lembrar que o processo de iniciação da umbanda é diferente
da iniciação no candomblé, assim como a composição da religião em relação à divisão
dos cargos, e ao próprio culto às divindades.
A não existência de terreiros de Candomblé de nação, e de famílias de santo, que
possam ter surgido em Jacobina, no período anterior a fundação do Ilê Axé Odé
Cassulandê, pode estar relacionada às questões históricas na região de Jacobina, que
envolvem a população negra, ao longo do período de vigência da escravidão. Além disso,
destaca-se a maior rigidez que existe no candomblé em relação a Umbanda e ao peji, em
aspectos como o cumprimento das obrigações e o próprio processo de iniciação.
Na Umbanda, em Jacobina, a iniciação ocorre a partir dos ensinamentos,
transmitidos oralmente por um pai ou mãe de santo, e diferentemente do candomblé de
nação, seus membros não costumam se organizam em torno de uma família de santo.
Conforme Oliveira e Jorge,
A Umbanda, com raras exceções, apresenta grandes exemplos de
linhagens que nos facilite conhecer a origem de uma determinada linha
de pensamento religioso, seus sacerdotes, discípulos ou filhos-de santo,
local do culto e período em que iniciaram a praticar a Umbanda. Isto é
bem diferente do Candomblé, religião em que “a questão da origem
parece ser o assunto predileto do povo-do-santo” (...). Muitos terreiros
umbandistas, ao contrário, surgem da vontade individual de indivíduos
que vivenciaram algum tipo de experiência religiosa (católica e
kardecista na maior parte das vezes) e que acreditam ser médiuns
umbandistas a partir de experiências particulares como a mediunidade,
o transe, sonhos ou vidências. A partir daí, buscam locais para
entenderem e lidarem com a mediunidade ou ainda abrem por si só seus
terreiros, sem passar por um processo de iniciação, Este último caso não
é muito bem visto, pois segundo os pressupostos da religião, para o
indivíduo alcançar o status de pai ou mãe-de-santo ele deve
64

primeiramente ter recebido os fundamentos de alguém e,


principalmente, tê-los vivenciado. 149

Sobre o processo de iniciação no Candomblé e na Umbanda a babalorixá Nina


deu o seguinte depoimento:
O candomblé tem muito sacrifício e ninguém quer passar por sacrifício.
Quer... acha que, como a umbanda chegou, lavou cabeça no rio, já tá
como eles dizem, iniciado. Mas só que não é isso. Estão na Umbanda
justamente porque não quiseram passar pelos sacrifícios do
candomblé. 150

Notou-se, no campo religioso afro-brasileiro em Jacobina, disputas entre


candomblecistas e as outras vertentes, em relação ao domínio do capital religioso.
Percebe-se que muitas vezes ao se referir a umbanda existente na cidade, os
candomblecistas a coloca num patamar inferior ao do candomblé de nação, invertendo,
desse modo, a relação que se tinha entre essas duas vertentes religiosas na década de 1920,
quando surgiu a umbanda. Naquele contexto, a umbanda fortemente influenciada pelo
kardecismo, considerava-se mais evoluída do que as demais religiões afro-brasileira, e
havia por parte dos umbandistas, a tentativa de se distanciar do candomblé, apesar de ter
se apropriado das suas práticas em inúmeros aspectos.
A umbanda surgiu, se auto afirmando enquanto uma religião sincrética, ao
incorporar elementos orientais, indígenas, do catolicismo, do kardecismo e da macumba.
Isso ocorreu no momento que o Brasil estava passando por grandes transformações,
relacionadas ao processo de urbanização e industrialização. Ao incorporar os três
principais elementos de formação da sociedade brasileira – europeu, africano e indígena
– a umbanda surge como sendo a primeira religião genuinamente brasileira.
O primeiro centro de umbanda foi fundado por um membro de uma tradicional
família carioca, Zélio Fernandino de Morais, em Niterói, Rio de Janeiro, na década de
1920. Zélio era médium kardecista e abandonou essa vertente religiosa ao receber,
durante uma sessão espírita, o espírito do Caboclo das Sete Encruzilhadas. Pelo fato dos
kardecistas considerarem o espírito de caboclos como não evoluídos151, Zélio abandonou

149
OLIVEIRA, Irene Dias de; JORGE, Érica Ferreira da Cunha. Espiritualidade Umbandista: recriando
espaços de inclusão. Horizonte, Belo Horizonte, v. 11, n. 29, p. 29-52, jan./mar. 2013.p.4
150
Maria da Conceição (Nina), entrevista concedida a autora 23/2/2011.
151
O kardecismo é uma religião que surgiu na França, teve como criador Alan Kardec, e chegou ao Brasil
na segunda metade do século XIX, e teve como principais adeptos no país a classe média. De acordo com
a doutrina espírita kardecista os espíritos dos caboclos pertencem a uma categoria de espíritos não
65

o espiritismo e orientado pelo seu mentor espiritual, o Caboclo das Sete Encruzilhadas,
fundou o primeiro centro umbandista.
Os dissidentes do espiritismo kardecista, ao se afastarem deste se aproximaram
dos terreiros de macumba, onde a presença dos caboclos era bem aceita. Entretanto, ao se
aproximarem dos cultos afro-brasileiros julgaram-no primitivo em alguns aspectos, como
em relação a matança e aos batuques. Surge então a umbanda, que segundo Ortiz, por um
lado tenta “empretecer” o espiritismo kardecista e por outro, “embranquecer” algumas
práticas da macumba. Assim, “embranquecer” seria um “movimento de uma camada
social branca em direção às crenças tradicionais afro-brasileiras”152, enquanto
“empretecer” significava a aceitação por parte da população negra de valores impostos
por uma classe social branca, para que ela pudesse se elevar socialmente. “A síntese
umbandista pôde assim conservar parte das tradições afro-brasileiras, mas para estas
perdurarem, foi necessário reinterpretá-las, normatizá-las”153. Essas ressignificações
tinham como fim adequar algumas práticas negras a uma sociedade onde a ideologia
branca era dominante.
Somente após 1966 a umbanda foi considerada pelos órgãos oficiais como
religião, pois até então era classificada pelo IBGE como seita supersticiosa ou como
kardecismo. Com a proposta de estudar, organizar as doutrinas e codificar os ritos que a
compunha, foi realizado em 1941 o Primeiro Congresso Umbandista. Outros dois foram
realizados nos anos de 1961 e 1973 com o mesmo objetivo, organizar e legitimar
socialmente a religião. A busca pela legitimação da religião se fez também por meio de
publicações e da organização das federações, movimento que se fortaleceu a partir da
década de 1950. Com o tempo, a umbanda se espalhou por todo o país, e em cada
localidade tomou dimensões próprias, absorvendo aspectos das culturas locais. 154

evoluídos, por isso esses não são permitidos em suas sessões. Para essa doutrina os espíritos evoluídos são
aqueles capazes de interferir no mundo dos vivos, de praticar a caridade e difundir a doutrina e de “elevada”
instrução, ou seja, espíritos que em vida ocuparam posições sociais de destaque, o que não é o caso dos
caboclos – espíritos indígenas – ou pretos velhos – espíritos de antepassados africanos. Sobre a doutrina
espírita ver: BORGES, Mackely Ribeiro. Gira dos Escravos: a música dos Exus e das Pombagiras no
Centro Umbandista Rei de Bizara. Salvador: UFBA, 2006.
152
ORTIZ, Renato. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda na sociedade brasileira. São Paulo:
Brasiliense, 1999. p. 33
153
Idem.
154
Sobre a organização da Umbanda no início do século XX ver: ORTIZ, Renato. A morte branca do
feiticeiro negro: umbanda na sociedade brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1999; BORGES, Mackely
Ribeiro. Gira dos Escravos: a música dos Exus e das Pombagiras no Centro Umbandista Rei de Bizara.
Salvador: UFBA, 2006.
66

As disputas travadas entre o praticantes do candomblé e da umbanda em Jacobina,


não se refere estritamente ao grau de evolução de uma ou de outra, mas situam-se
sobretudo no domínio do conhecimento do sagrado. Cruz155, cita o depoimento cedido a
ele por dona Nina sobre a forma como é empregado o termo Peji pelos demais grupos
religiosos afro-brasileiros em Jacobina:
Eu recrimino tudo isso, tá certo que tem lugares que a coisa é um pouco
desorganizada, na mesma hora que tá tocando para Ogum, toca pra
Sultão das Matas (caboclo), e é certo é que as cerimônias são separadas
(...) Quando alguém me pergunta quando vai ter um “peji”, eu digo que
na minha casa não é “peji”, meu terreiro é de culto aos orixás, peji é
coisa de quem não faz as coisas certas; nós temos de impor a religião
da gente, para que tenha respeito.156

Diante disso, pode-se afirmar, que assim como em outras regiões do país, existe
por parte dos adeptos do candomblé de nação, a busca por uma reafricanização, com o
intuito de aproximar as práticas atuais às práticas africanas, tal qual existia na África.
Nesse sentido, torna-se incompreensível para os praticantes do Candomblé de nação em
Jacobina, algumas tradições das demais religiões afro-brasileiras existentes na cidade,
como por exemplo, denominar como peji festa ou culto, ao invés do assentamento onde
são colocadas as imagens das divindades, como ocorre nos cultos nagôs. Capone afirma
que tanto o modelo de embranquecimento, pregado pelos teóricos umbandistas na década
de 1930, quanto à africanização contra qualquer tipo de sincretismo no candomblé, que
ganhou força a partir da década de 1970, são ortodoxias que
“Constituem modelos ideais, historicamente determinados e ligados ao
processo de legitimação dos terreiros no mercado religioso. Ambas mais
aspirações que realidades, devem aprender a conviver com os múltiplos
arranjos que permitem a adaptação de um modelo ideal a complexidade da
prática ritual.157

Deve-se de analisar estas disputas dentro do campo religioso afro-brasileiro em


Jacobina, sob uma perspectiva de disputas de identidade. De um lado nota-se os adeptos
do candomblé de nação, reivindicando uma forma original, verdadeira, dos rituais que
envolvem suas práticas religiosas em relação aos outros – os adeptos da umbanda e do

155
CRUZ, Alexnaldo Teodoro. O candomblé de Jacobina. Monografia (Graduação em História) –
Universidade do Estado da Bahia, Jacobina-Ba: 2004.
156
Maria da Conceição Barbosa da Silva (Nina) apud CRUZ, Alexnaldo Teodoro. O candomblé de
Jacobina. Monografia (Graduação em História) – Universidade do Estado da Bahia, Jacobina-Ba: 2004.
p.43.
157
CAPONE, Stefania. A busca da África no candomblé: tradição e poder no Brasil. Rio de Janeiro:
Pallas, 2009.p. 28-29.
67

peji. Numa relação entre o “nós”, original, verdadeiros; e o “eles”, inventado. Para Stuart
Hall, como toda a prática de significação a identidade está sujeita ao jogo da différance.
“Ela obedece à lógica do mais-que-um. E uma vez que, como num processo, a
identificação opera por meio da différance, ela envolve um trabalho discursivo, o
fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas, a produção de “efeitos de
fronteiras.”158 Assim, compreende-se que as identidades se formam a partir das fronteiras
simbólicas entre o “nós” e o “eles”. Ela se afirma, justamente através da différance.
Nota-se que há, entre os praticantes do candomblé de nação, uma visão
essencialista, em relação às religiosidades no campo religioso afro-brasileiro. Na medida
em que, se busca reafricanizar aspectos relacionados a religiosidade afro-brasileira, com
intuito de aproximá-los ao máximo, a forma como estes se apresentavam na África, nega-
se, que a cultura, bem como a identidade, são fluidas. Em concordância com Hall,
compreende-se que “A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é
uma fantasia”159

158
HALL, Stuart. A Identidade cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.p.106.
159
Ibidem.p.13.
68

Capitulo 2– O dom, o Aprendizado e a Inserção no Universo das Práticas Mágico-


Curativas em Jacobina.

2.1 – O chamado dos orixás: iniciação nas religiões afro-brasileiras em Jacobina.

Todas as terapêuticas que visam à cura, seja ela numa perspectiva da medicina
acadêmica ou das práticas tradicionais de cura, têm em vista, como aspecto central, a
doença.160 A busca pela cura é um dos principais motivos que levam as pessoas a
recorrerem às religiões afro-brasileiras. Em grade partes dos casos, a procura por
tratamento religioso ocorre quando não se obtém a cura através dos serviços oferecidos
na medicina cientifica. Assim, muitos passam de consulentes, a integrantes deste universo
religioso.
Muitas vezes, o estado de desordem, que apresenta o solicitante, exige que este
passe pelo processo de iniciação ou pelo ritual do bori, para que se alcance o reequilíbrio.
O bori, ritual próprio dos candomblés de nação, deriva das palavras em ioruba ebó e ori
– sacrifício e cabeça161. Este, consiste em uma oferenda à cabeça, “dar comida à cabeça”,
da pessoa que busca auxílio na religião, e se submete ao rito com o intuito de “acalmá-la,
e assim recompor suas energias para enfrentar a vida e os problemas, sob proteção dos
orixás.”162 Vale ressaltar a importância da cabeça (ori) para o candomblé. É nela que se
encontra o orixá de cada um, e é através dela, que eles vêm à terra. Portanto, a cabeça é
lugar de energia.163
O ori, em sua totalidade, é um objeto de culto. Possui toda a
potencialidade do sucesso e do fracasso, de tudo o que é bom ou ruim,
e por esse motivo é que dá maior ou menor força à atuação do òrìsà
numa pessoa. Dai a razão do seu fortalecimento através dos ritos
especiais denominados bori, o qual é sempre a primeira obrigação que
se faz numa pessoa antes de qualquer coisa que se faça ao òrìsà. O òrìsà
está atrelado ao ori e dele depende para uma maior ou menor ação junto
à pessoa.164

160
QUINTANA, Alberto M. A ciência da Benzedura: mau olhado, simpatias e uma pitada de psicanálise.
Bauru, São Paulo: EDUSC, 1999.
161
BRAGA, Júlio. Fuxico de candomblé. Feira de Santana: UEFS, 1988. p.64.
162
Ibidem, p. 66.
163
REIS, Marieta. Do moço do anel às coisas do azeite: um estudo sobre as práticas terapêuticas no
candomblé. Dissertação de Mestrado (Pós-Graduação em Saúde Coletiva), Salvador: UFBA, 2012. p. 77.
164
BENISTE, José. Òrun, Àiyé: O Encontro Dos Dois Mundos: o sistema de relacionamentos nagô-
iorubá: Entre o céu e a terra. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p. 142-143.
69

As características, bem como a natureza dos boris são diversas. Braga, afirma que
estes vão dos mais simples, bori de obi com água, aos mais complexos, bori de sangue.
O primeiro, pode ser utilizado tanto por iniciados quanto por não iniciados e se trata de
um ritual que busca reestabelecer o equilíbrio, seja ele físico, emocional e espiritual. O
segundo tipo, se faz necessário o sacrifício de algum animal, que pode ser de pena ou
peixe, a depender das orientações dadas pelas divindades através do jogo de búzios. 165 O
bori de sangue, segundo Braga, pode ser caracterizado como bori festivo ou bori
iniciático, sendo que o festivo, é realizado geralmente, na cabeça de alguém que tenha
alcançado posição de destaque dentro das ordens hierárquicas da religião. O autor ressalta
que o bori festivo não se isenta do caráter sagrado dos demais tipos de bori, “de melhorar
as condições de vida da pessoa, seja recuperação de suas forças, seja pela volta à
tranquilidade espiritual perdida por alguma razão.”166
O bori iniciático, compõe o complexo ritual de iniciação, e inserção no
candomblé. Este processo começa, conforme descreve Braga,
Com as práticas divinatórias para identificar o santo protetor (eledá) e
os que acompanham (junto), passando pelos banhos purificatórios, (de
limpeza), os ebós internos e de rua, o assentamento dos santos, e
raspagem do noviço (iaô), pelos ritos de reclusão, (cantar folhas), pelo
rito do dia do nome, pelo urupim, (carrego do Iaô) até o panã ou a
quitanda em que o noviço passa por um processo de reaprendizagem do
seu viver no mundo profano.167

Manoel Querido, ao descrever o processo de iniciação no candomblé destaca o


aspecto terapêutico do ritual. Segundo ele o rito tem por objetivo “satisfazer a um preceito
a fim de obter saúde”168, ou seja, alcançar equilíbrio e ordem de corpo, mente e espírito.
“A cosmologia da religião agrupa corpo e pessoa num sentido unívoco. A perspectiva
holística que a religião assume em relação à saúde, está diretamente interligada a esta
ideia de corpo/sujeito.”169

165
Braga, Júlio, op. Cit.
166
Ibidem, p. 66.
167
Ibidem, p. 69.
168
QUERINO, Manuel. Costumes Africanos no Brasil. Salvador: EDUNEB, 2010. p. 61.
169
REIS, Marieta. Do moço do anel às coisas do azeite: um estudo sobre as práticas terapêuticas no
candomblé. Dissertação de Mestrado (Pós-Graduação em Saúde Coletiva), Salvador: UFBA, 2012. P. 70.
70

Para Marieta Reis, a iniciação pode ser compreendida enquanto “disciplinamento


do corpo”, na medida em que se incorpora na vida do neófito novos gestos e
comportamentos representados a partir de uma visão de corpo enquanto composto, “feito
de matéria, alma e orixá”, associados ao renascimento – iniciação após a morte de uma
antigo modo de ser/viver. A partir da representação do corpo, através da cosmovisão
religiosa afro-brasileiras, em que a matéria e espírito são indissociáveis, a autora destaca
que:
O corpo como meio de comunicação entre o mundo natural e o mundo
sobrenatural deve ser cuidado permanentemente. O corpo saudável é
condição sine qua non para que a relação entre o Orun (mundo sagrado)
e o Aiyê (mundo físico) seja possível. A expressão “cuidar de si” evoca
novamente as noções holísticas que norteiam a religião e fornecem as
bases de ação e comportamento dos seus sujeitos. Este cuidado está
intimamente relacionado ao fortalecimento dos laços sagrados através
de práticas rituais e religiosas [...], visto que elas promovem o bem estar
físico e espiritual. Além disso, a expressão também remete aos cuidados
da matéria que compõe este corpo e que deve estar apto a receber os
orixás. 170

Pode-se dizer, a partir da construção religiosa afro-brasileira em relação ao corpo,


que este, tem tanto de espirito, quanto o espirito tem de matéria, por isso, quando se cuida
do corpo, se cuida do espirito. Foi nesse sentido que Dona Maria da Conceição, mais
conhecida como dona Nina, Ialorixá, líder religiosa do Ilê Axé Odoiá localizado no centro
de Jacobina, descreveu os motivos que a levou a iniciação religiosa no candomblé.
Os meus primeiros contatos, eu era nova, trabalhava num Hospital
Sagrada Família em Salvador e ai eu começava a... Eu já tinha certas
intuições né, mais nova, mas nessa época, eu com vinte e poucos anos...
Ai eu dormia, quando eu acordava, as meninas me contava que tinha se
manifestado, como o povo dizia né, a entidade espiritual e ai conversava
com elas. Mas eu não queira aceitar de jeito nenhum. [...]. Eu não queria
aceitar de jeito nenhum né, apesar que minha mãe e minha tia eram
envolvidas, só elas duas na minha família, mais ninguém. Minha mãe
morreu, mas também não quis aceitar. Ai eu não queira aceitar de jeito
nenhum, eu nova né, vinte e pouco, vinte e um anos. Ai eu peguei, ai
um dia o marido disse assim pra mim, olha Conceição eu vou levar você
na casa de minha mãe de santo. Eu adoeci fiquei quase cega assim, não
enxergava ninguém. Ai ele me levou. Chegou lá ela me falou, eu
comecei a dá risada, eu não frequentava [...]. Eu não frequentava nem
nada. Ai eu vim-me embora pra Jacobina, ela disse: você vai embora e
você vai trabalhar. Ai eu: eu trabalhar! Eu nem sei, nem ando! E

170
Ibidem p. 68.
71

realmente, ai eu comecei. Eles vinham, comecei a trabalhar, trabalho


até em outros locais, e tudo. 171

O relato de dona Nina, revela a doença como motivadora para a sua inserção
candomblé. Os sintomas que ela apresentava afetavam tanto o corpo - através de desmaios
ou um estado de sono, e cegueira - quanto aspectos sobrenaturais - como a intuição e o
transe. Tal estado de desordem, acometia além disso, a sua vida profissional, visto que a
“manifestação” das entidades espirituais acorria em seu ambiente de trabalho, exigindo
que ela o interrompesse. Desse modo, a concepção de dona Nina em relação à doença,
relaciona-se como um fator responsável por interromper as suas atividades cotidianas.
Conforme Montero,
A experiência vivida da "doença" se consubstancia, se torna concreta e
perceptível para o sujeito na medida em que, ao imobilizar o corpo,
provoca interrupções no fluxo cotidiano de atividades rotineiras,
domesticas ou economicamente produtivas, interrupções estas que
trazem resultados nefastos para a própria organização da vida da
família. Somente na medida em que a "imobilidade" significa
suspensão da ação, isto é, instalação de uma situação-problema, é que
o individuo se percebe doente; enquanto for possível "ir levando",
enquanto dores e mal-estares não desorganizam a atividade, a doença
não obriga o individuo a maiores atenções. 172

Não pode-se desconsiderar, na fala de dona Nina, o fato do seu local de trabalho
tratar-se de uma unidade hospitalar. Embora, ela não tenha citado em sua fala, podemos
supor que ela tenha realizado tratamento junto à medicina acadêmica, ou mesmo tenha
sido atendida por profissionais da saúde veiculados a biomedicina, ao longo dos vários
episódio de transe, até então compreendido por ela como uma espécie de
“adormecimento”. A não solução da enfermidade pela medicina cientifica, levou-a a
buscar auxílio através das terapias mágico-religiosas afro-brasileiras.
Embora alguns dos seus familiares, como a sua mãe e a sua tia, tivessem tido
alguma vivência nesse universo religioso, dona Nina reiterou sua relutância em buscar
ajuda através das religiões afro-brasileiras, por não acreditar que estas fossem capazes de
oferecer-lhe a cura para as suas enfermidades. De acordo com a sua narrativa, a solução
para seus problemas só foi alcançada, a partir do momento em que ela realizou o bori, a
feitura de santo e começou a ofertar serviços mágico-religiosos para a comunidade.

171
Maria da Conceição (Nina), entrevista concedida a autora em 23/02/2011.
172
MONTERO, Paula, Op. Cit, p. 11.
72

Ai, como eu estava falando. Ai minha tia foi me levou numa casa em
Mata de São João. Ai eu, lá eu fiz bori, era pra fazer o santo, mas eu
passei num concurso da UNEB não fiz o santo e tudo. Ai eu aqui em
Jacobina conheci o meu pai Joel, ai meu santo não quis me fazer meu
santo lá, só quis fazer aqui com ele.[...] Ai eu fiz o santo com ele aqui,
eu tinha vinte e três anos de idade, quando eu fiz o santo com ele. Ai
comecei a trabalhar. Antes eu trabalhava, antes de fazer o santo, eu não
tinha altar, como diz o povo, não tinha nada disso, eu ia, eu fazia, ai o
povo chegava eu não sabia nem fazer, eu ia pra beira do rio, pra esses
lugares e fazia, mas mesmo assim contra a minha vontade. 173

A doença, foi descrita também pelo senhor Joel Sebastião, babalorixá, líder do
terreiro Ilê Axé Odé Cassulandê situado na cidade de Jacobina, como principal motivo
para a sua iniciação no candomblé.
Eu era garoto, tinha seis... seis anos, fiz santo, fui pro candomblé com
sete anos.[...] A minha mãe não era de santo na época, ela não tinha
ligação nenhuma. Me levar pra um terreiro foi problema de saúde. E
quando minha mãe andou vários setores de médicos, rezador, essas
coisas, ai uma rezadeira disse a ela: seu filho tem problema de orixá é
problema espiritual, mediúnico. Ai então elas me levaram pr’um
terreiro de candomblé, fizeram as primeiras obrigações de limpeza, de
limpeza de corpo; mas não fiquei nesse terreiro. Porque meu pai era
ferroviário e mudou da cidade e veio, e veio... Saiu de Propiá e veio
morar em Aracaju. Eu continuava garoto mas ai passado um ano e
pouco continuava os problema ai minha mãe já sabia que o caminho era
levar pra casa de orixá. Ai me levou pra casa dessa zeladora que hoje é
minha mãe de santo, e é um terreiro de Oxum, fica na rua Rio Grande
do Sul, 1521, Bairro Novo Paraíso, Aracaju, Sergipe. Nesse terreiro...
Nesse terreiro eu fiz santo: raspei, pintei, catulei, todos os rituais que
passa de iniciação. Mas meu pai era ferroviário e foi transferido para
Salvador. Eu vim garoto para Salvador com doze pra treze anos e como
era a distância muito grande, era menor não tinha situação financeira
pra tá pra lá e pra cá. Meu pai tinha uma irmã que já era envolvida com
o santo e nessa altura ela já era mãe de santo. Como eu já era do santo,
filho do orixá então passei pra casa da minha tia e tive todo o apoio da
minha zeladora lá em Aracaju. E fui crescendo na casa da minha tia, e
na minha chegada na vida adulta em Salvador e como tem o deká, os
cargos, entrega de cargos na maioridade. Pra o pessoal do santo se
tornar babalorixá, ialorixá, tem que passar por esse fundamento um
grande fundamento que é a entrega de cargo. Ai recebi com minha tia
que passou a ser a minha zeladora, já tinha zelado do meu santo já tinha
mais ou menos uns oito anos no orixá, e não sair mais da casa da minha
tia até os dias de hoje. 174

173
Maria da Conceição (Nina), entrevista concedida a autora 23/2/2011.
174
Joel Sebastião Xavier. Entrevista concedida a autora em 22/02/2011.
73

Devido ao adoecimento, senhor Joel iniciou-se no candomblé ainda durante a


infância. Em busca de obter cura para os males que o afligiam, sua família procurou
auxílio em diversas agências de cura, inclusive por meio da medicina acadêmica. Mas a
causa da sua doença, bem como o tratamento só foi obtido através da das terapêuticas
afro-brasileiras, sob o diagnóstico de uma rezadeira que reconheceu o seu estado de
desordem como “problema de orixá... “problema espiritual, mediúnico” 175. Assim, o seu
restabelecimento espiritual, só foi alcançado através da iniciação, visando “encontrar o
ponto de equilíbrio necessário a fim de o orí recuperar a sua proporção correta”176. E desse
modo reequilibrar a energia vital do axé.
A noção de axé no candomblé, segundo Marieta Reis, é fundamental para
compreender a vulnerabilidade que o corpo está sujeito no processo de adoecimento. “O
axé é o princípio da vida, é uma espécie de energia vital com a qual tudo que existe na
natureza é dotado. Essa energia vital deve ser constantemente renovada e reforçada.”177
O adoecer, sob a perspectiva do candomblé, refere-se a perda de axé, ou seja, da energia
vital, responsável por exemplo, por ligar o seres humanos aos orixás.
O diagnóstico referente aos “problemas de santo”, “problemas espirituais”,
“problemas de mediunidade”, ou “problemas de orixá”, foi relatado pela maioria dos
agentes de cura entrevistados para a realização dessa pesquisa. Estes, podem ser
compreendidos enquanto doenças espirituais, causados por algum desequilíbrio com as
forças sobrenaturais representados na figura dos orixás, caboclos, pretos velhos,
encantados e demais guias espirituais. A cura só foi obtida a partir do reestabelecimento
do equilíbrio entre a matéria as forças espirituais.
A partir das práticas tradicionais afro-brasileiras, a doença é representada como
um mal que não se restringe a uma anormalidade funcional ou orgânica localizada, e sim
como algo totalizante – um estado de desordem, que “encerra as relações da pessoa com
o mundo social e sobrenatural” 178. Um sinal físico como uma dor de cabeça, apesar de
sinalizar organicamente através da dor que algo não está bem, pode apontar para um
desequilíbrio de ordem espiritual que afeta a vida do indivíduo como um todo, desde as
suas relações familiares à suas relações sociais e profissionais. Por esta ótica, uma mesma
doença pode ter causas diversas e um mesmo fator pode originar uma infinidade de

175
Idem.
176
BENISTE, José, op. Cit, p.143.
177
REIS, Marieta. Op. Cit, p. 77-78.
178
MONTERO, Paula. Da doença a desordem: a magia na umbanda. Rio de Janeiro: Graal, 1985. p. 68.
74

doenças. Isto porque, nas práticas terapêuticas tradicionais, o processo de cura, bem como
as causas das doenças seguem uma lógica multifatorial. 179 De acordo com Montero,
Quando a doença é "espiritual", o médico se torna incapaz de
diagnostica-la — já que sua tecnologia se torna impotente para
apreende-la em sua materialidade — e de qualificar o doente dentro da
esfera de sua competência, isto e, enquanto doente: a "doença
espiritual", ao subtrair-se a materialidade essencial de qualquer doença,
se torna algo distinto dela, supera a ordem do puramente fisiológico e
se torna indicador da presença de forças sobrenaturais cuja natureza,
origem e intenções cabem ao médium, e não ao médico, investigar.180

Senhor Amado Pereira, lavrador, líder umbandista do templo Sultão das Matas,
relatou uma série de sintomas referentes ao seu estado de desordem e a sua resistência em
aceitar os tratamentos oferecidos pelos agentes de cura veiculados as práticas afro-
brasileiras.
Eu moça, sufri muito pra chegar ai. Eu tinha coisa eu não queria
acreditar. Rolei pr’aqui, rolei pr’acolá. Tive muita oportunidade boa,
trabalhei n’uma fazenda ali uns dias e danei e sair, por causa já dessas
coisa. Andei em muitas casas, nunca teve uma para achar o caminho
certo. Ai cismei: não vou mais na casa de ninguém! Ai disse: vou em
Bom Jesus da Lapa. Rompi daqui p’ra lá n’um carro. Eu e um velho de
Cachoeira sentado de junto de mim, a Cachoeira de São Félix. Ai
chegou lá, cê sabe quando a pessoa tá desconcertado, não tem amor,
alegria p’ra nada. Eu fui na gruta de Bom Jesus, fiz minha devoção e
voltei p’ra cima do carro. Quando eu tô em cima do carro o velho
rateou. [...] O velho rateou, começou a chorar, e dizer, contando minha
vida todinha, e que eu tinha dito que não ia mais na casa de ninguém,
mas na dele eu ia. Eu disse, não vou! Mas ele contou as coisa tudo
certinho. Ai vim me embora, isso foi na quinta, na sexta nós viemos
embora de lá. No sábado eu tinha que ir lá na Monoel Novaes181 que eu
tinha um negócio [...]. No que eu vou chegando no canto do DERBA tá
o véio em pé. Pegou em meu braço pr’eu ir p’ra casa dele. Eu disse: não
vou! Não vou não! Já disse que eu não vou! Só vi até nessa hora. Fui
pra casa dele, ele me rezou, ai ordenou que pr’eu ir quatorze veis pr’ele
me rezar. Ai a natureza abriu e eu fui as quatorze vezes. [...] Ai, fui p’ra
casa dele, ele sempre dizendo, você tem que trabalhar, você tem que
fazer alguma coisa, e eu não aceitava. O véio morre, ai a vida
desmantelou outra vez. Ai um parente meu foi e disse, rapaz você vá ali
no Caén, vá no Caén que você melhora, que eu fui lá, estava assim e
melhorei. Ai eu fui lá, apulso, mas fui. Quando eu cheguei lá, era um
senhor de idade muito bom, trabalhava também na umbanda, do lado
bom. Ai contou, disse tudo. agora virou p’ra mim e disse, só fazia meu
trabalho se eu cumprisse o que era p’ra ser. Ai eu disse, então vamos
deixar como está, ai sair p’ra vim me embora. [...] Ai, depois vim p’ra

179
SANTOS, Denilson Lessa dos. NAS ENCRUZILHADAS DA CURA: Crenças, saberes e diferentes
práticas curativas Santo Antônio de Jesus – Recôncavo Sul – Bahia (1940-1980). Dissertação de Mestrado
(Mestrado em História). Salvador: UFBA, 2005.
180
MONTERO, Paula. op. Cit. p. 135.
181
Rua localizada no centro comercial de Jacobina.
75

querer ir me embora mesmo, quando eu cheguei adiante ai aquela voz


pegou e me disse pr’eu voltar p’ra trás pr’eu me cuidar. Ai eu voltei,
peguei e falei com ele, o senhor pode tirar a vista das coisas, e eu
assumo o que o senhor quer. Ai ele botou o dedo assim, ói é
compromisso! Ai eu disse: não, mais eu aceito. Ai foi. Fiz o primeiro
trabalho, eu tava tão bom que foi três trabalho pra fazer, dois trabalho e
a confirmação. Dai em diante ele me ordenou que era pr’eu fazer. Até
ainda duvidei quis sair fora, ele disse: olhe ou quarta ou teurça vai
chegar uma pessoa lá p’ra você rezar, você que não reze![...] Ai eu
disse: não sei o que é que eu sei de nada p’ra rezar! Já fiz meu trabalho,
agora tá bom p’ra mim. Ai vim, eu morava no Nazaré, pouco mais, no
dia que ele falou, cheguei da Canavieira tô lá cansado olhando assim,
vem uma mulé olhando um letreiro. Aquilo me tocou, ai eu disse: oi
aquela mulé vem pr’aqui, se ela chegar aqui, você diz que eu não tô. O
gato escondido com o rabo de fora, como diz o povo. [...]Ai, n’um
instante panharam a mulé e botou na porta. Ai ela perguntou por mim
ai, eu gritei lá do lado de dentro: ele num tá aqui não! Ai ela disse o
senhor tá ai agora eu só saio daqui quando o senhor me atender. Ai eu
fui p’ra lá, fui p’ra cá, depois me pegaram, os guias me pegaram e eu
não vi mais nada. Ai fui atender a mulé, a mulé gostou, e ai ficou
passando pra um pra o outro que graças a deus, eu hoje digo graças a
deus, que hoje eu passo sem vergonha de nada. Passo alegre e satisfeito
e é porque tô fazendo o bem ao povo. E ai, até hoje eu tô nessa vida
trabalhando. 182

A narrativa de senhor Amando, revela um longo período de sofrimento decorrente


da sua rejeição em aceitar os prognósticos de cura, a partir das práticas tradicionais afro-
brasileira, para superar o estado de desordem que o acometia. Os sintomas descrevem um
estado geral de desordem – “cê sabe quando a pessoa tá desconcertado, não tem amor,
alegria p’ra nada”183. Por se tratar de um problema de ordem espiritual, a cura só
aconteceu, a partir do momento em que seu Amado decidiu se inserir no universo
religioso da umbanda, a partir da realização dos trabalhos iniciático e posteriormente,
oferecendo tratamento para aos que assim como ele, padeciam de males que adoeciam a
alma e consequentemente, o corpo e demais esferas da vida.
A iniciação na Umbanda, se dá a partir da realização de trabalhos, com objetivo
de realizar uma “limpeza” do corpo e posteriormente, a “doutrinação” dos guias do
noviço. Os ensinamentos são transmitidos a partir das vivências do orientador – pai ou
mãe de santo- através da oralidade. Como na experiência de senhor Amado, muitas vezes
a inserção na umbanda se dá a partir da constatação do indivíduo de sua mediunidade,

182
Entrevista com Amado Pereira dos Santos, entrevista concedida a autora em 20/03/2012.
183
Idem.
76

através de visões, sonhos e manifestações dos seus guias espirituais. Conforme Oliveira
e Jorge,
A umbanda, com raras exceções, apresenta grandes exemplos de
linhagens que facilitam conhecer a origem de determinada linha de
pensamento religioso, seus sacerdotes, discípulos ou filhos de santo,
local do culto e período em que iniciaram a praticar a umbanda. [...].
Muitos terreiros umbandistas, ao contrário, surgem da vontade de
indivíduos que vivenciaram algum tipo de experiência religiosa
(católica e kardecista na maior parte das vezes) e que acreditam ser
médiuns umbandistas a partir de experiências particulares como a
mediunidade, o transe, sonhos ou vidências. A partir daí, buscam locais
para entender e lidar com a mediunidade ou, ainda, abrem seus próprios
terreiros, sem passar por um processo de iniciação. Este último caso não
é muito bem visto, pois, segundo os pressupostos da religião, para o
indivíduo alcançar o status de pai ou mãe de santo ele deve
primeiramente ter recebido os fundamentos de alguém e,
principalmente, tê-los vivenciado. 184

Através dos depoimentos desses três sacerdotes e líderes de templos afro-


brasileiros, percebe-se que nas vivências de todos eles, que o adoecimento se constituiu
fator predominante para que eles se inserissem no universo religioso afro-brasileiro. A
cura para os males que os acometiam, surgiu como consequência desta inserção.
Evidenciou-se, que tanto dona Nina, quanto senhor Amado, destacaram, em suas
narrativas, para a não aceitação da mediunidade e para o prognóstico de que a cura para
estado de desordem em que vivenciavam, só seria possível, a partir do momento em que
eles começassem a utilizar esta mediunidade em função da cura e da fé. Vale destacar,
que a mediunidade voltada para a cura é interpretado como um dom, que deve ser
exercitado em prol do bem estar do ofertante e de consultantes. Desse modo, a aceitação
deste dom e a efetivação da prática de cura, seria a única forma de o agente superar o
estado de desordem. Se o agente de cura, negligenciar o seu dom, ou usá-lo de maneira
inadequada, a desordem o afetaria através do adoecimento.
O dom, é aqui compreendido, enquanto uma relação de troca, inserida na
economia de bens simbólicos, onde quem dá, reconhece a possibilidade de seu ato de
generosidade ser reconhecido a partir do contradom, ou da gratidão do beneficiado.185 A

184
OLIVEIRA, Irene Dias de; JORGE, Érica Ferreira da Cunha. Espiritualidade Umbandista: recriando
espaços de inclusão. Horizonte, Belo Horizonte, v. 11, n. 29, p. 29-52, jan./mar. 2013. p.43-44.
185
Sobre a concepção de Dom ver: MAUSS, Marcel. Ensaios sobre a Dádiva – Forma e Razão nas
Sociedades Arcaicas. IN: Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2015; BOURDIEU, Pierre.
Marginalia. Algumas Notas Adicionais Sobre o Dom. In: Mana vol.2 no.2 Rio de Janeiro,1996.
77

economia do dom186, tem como base a negação do econômico, no sentido estritamente


material, em oposição ao simbólico. Para Bourdieu,
No princípio da ação generosa, do dom inicial de uma série de
trocas, não existe a intenção consciente (calculista ou não) de um
indivíduo isolado, mas essa disposição do habitus que é a
generosidade, e que tende, sem intenção explícita e expressa, à
conservação ou ao aumento do capital simbólico.187

Desse modo, a aceitação desse dom por senhor Amado, foi a condição que seu pai
de santo lhe impôs para a realização dos trabalhos espirituais iniciais, que lhe
proporcionariam a cura, tendo em vista, que ele já haviam feito vários trabalhos, mas se
negava a pôr em prática o que seria fundamental para a sua cura – cumprir as atividades
relacionadas ao seu dom: “Ai, contou, disse tudo, agora virou p’ra mim e disse, só fazia
meu trabalho se eu cumprisse o que era p’ra ser.” Nesse sentido, Montero destacou,
O individuo pode ser considerado o causador da doença que o aflige
quando transgride as regras do jogo ritual desconhecendo-as ou
negligenciando seus deveres religiosos, ou quando se recusa a
desenvolver sua mediunidade e/ou a utiliza de maneira desvirtuada
(fazendo “trabalhos” contra terceiros). Em qualquer dessas
circunstancias o individuo, moralmente debilitado, torna-se vitima da
influência nefasta de toda uma gama de forças maléficas que o fazem
sofrer espiritual e fisicamente: “maus fluidos”, “quiumbas” (almas de
pessoas más que ainda não foram controladas pelo culto religioso =
exus pagãos, “obsessores” ou “encostos” são forças maléficas que
ficam vagando sem destino, no espaço, a procura de um corpo frágil e
desprotegido no qual possam infiltrar-se (ou encostar-se). Assim, os
indivíduos que se recusam ao fortalecimento espiritual, que o
desenvolvimento da mediunidade e a obediência aos deveres religiosos
significam, ficam expostos e vulneráveis as influência deletérias desses
seres inferiores e mal-intencionados.188

Assim, senhor Amado, bem como dona Nina e o babalorixá Joel, ao se iniciarem
nos cultos afro-brasileiros e ao exercerem o oficio de agentes de cura, puderam combater
os agentes causadores do adoecimento. A manutenção do estado de saúde destes agentes
entretanto, está diretamente relacionada com o cumprimento de suas obrigações

186
Ibidem. p.11.
187
Ibidem, p.9.
188
MONTERO, Paula. op. cit, p.142-143.
78

religiosas, especialmente, a partir da oferta de tratamentos mágico-religiosos em seus


respectivos terreiros.
A partir da compreensão das concepções mágico-religiosas afro-brasileiras de
doença e de cura, veremos a seguir como estas se fizeram presentes no processo de
inserção dos agentes de cura voltados para os cultos domésticos em Jacobina.

2.2 - Entre santos, orixás, caboclos e encantados: a inserção no universo de cura a


partir dos cultos domésticos

As práticas domésticas de cura em Jacobina, têm como principais sujeitos as


benzedeiras/rezadeiras, os médiuns curandeiros e curandeiras. Pode-se afirmar que todos
exercem a atividade de benzer, no entanto, quando se fala de rezadeiras, este se constitui
o principal e em alguns casos, o único método mágico-religioso empregado para se
alcançar a cura de determinadas doenças. Enquanto os médiuns curadores e curandeiras,
além de benzer/rezar também podem realizar trabalhos espirituais, sempre com o auxílio
dos seus guias. De qualquer modo, em ambas categorias, o ato de benzer, pode ser
compreendido, como
Abençoar, solidarizando-se, ao mesmo tempo, com os deuses e com os
sujeitos socializados. E suplicar aos santos para que eles produzam
benefícios concretos aos homens. Pode ser também um cumprimento,
às vezes, uma despedida; em outras pode haver um desejo
implicitamente contido deste ato. Pode ser ainda um elemento de
aglutinação cultural e de fortalecimento das relações sociais. A benção,
objeto múltiplo e específico desse ato, o ato de benzer pode possuir um
efeito exorcizante e reparador de tragédia. 189

Tendo em vista a comunicação com o sagrado, para curar o corpo e a alma do


consulente, a benzedura vem sempre acompanhada de uma oração e em alguns casos, o
benzedor ou benzedeira, também utiliza alguns objetos sagrados, como terço, bíblia, além
de água, velas, ervas, cordões, etc. O método utilizado, bem como, o modo como estes
sujeitos concebem o seu ofício – enquanto um aprendizado, adquirido a partir da
observação e transmissão do conhecimentos pelos mais velhos, ou enquanto um dom,

189
OLIVEIRA, Elda Rizzo de. Op, cit, p. 3.
79

uma missão divina, aprendida através de experiências místicas - podem ser


compreendidos, a partir da inserção destes agentes no universo da cura. De todo modo,
deve-se ter em vista, a importância da memória na manutenção do ofício da benzedura.
Considerando que a memória herdada, está fenomenologicamente ligada ao sentimento
de identidade, Michael Pollak afirmou,
Podemos portando dizer que a memória é um elemento constituinte do
sentimento de identidade, tanto individual como coletiva, na medida em
que ela é também um fator extremamente importante do sentimento de
continuidade e de coerência de uma pessoa ou de um grupo em sua
reconstrução de si.190

Através das percepções das suas memórias, estes agentes da cura refazem as suas
lembranças a partir das representações de um passado envolto em suas experiências de
inserção nas práticas de cura. “Desse modo, lembrar não é reviver, mas refazer,
reconstruir, repensar, com imagens e ideias de hoje, as experiências do passado.”191
Dona Marcelina Moura Pereira, 59 anos de idade, professora aposentada, nasceu
em Caatinga do Moura, distrito de Jacobina, é umbandista, mas ao longo da sua infância
teve uma formação católica. A partir da reconstrução do seu passado, dona Marcelina
narrou os momentos da sua infância, aos quais ela acredita sinalizarem para o seu dom da
cura, expresso através da mediunidade.
Eu me sentia mal, eu adoecia, eu via vultos, eu via imagens, via... coisas
assim... E minha mãe e meu pai não sabiam interpretar. Como a gente
era muito religiosa, eu estudava em Escola Paroquial, o padre
hospedava lá na minha casa e a gente tinha uma ligação muito forte com
a igreja. Então meus pais não aceitava aquilo que eu dizia. Ficava
parecendo que eu era anormal. Mas um anormal pra loucura. Ai padre
Alfredo ainda me deu dois novos testamentos pra mim ler, eu lia muito.
Meu pai ensinou sempre a gente a rezar, a gente rezava muito, [...] Fazia
primeira comunhão, frequentava a igreja todos os dias, [...] Novenas,
tudo, tudo, tudo... Uma formação totalmente católica.[...] Ai depois de
doze anos continuou, treze continuou, catorze anos. Ai minha mãe...
Tinha um rezador lá em Caatinga do Moura, que chama Amâncio, e
todo mundo ia para ele benzer, ele só faz benzer, ele não tem terreiro
não tem nada. Ai ele benzeu. Quando eu chegava lá que ele me benzia,
ai ele falava para minha mãe assim. Oh essa menina, quando ela crescer
mais, ela vai... ser... é médium. Só que ele não falava a palavra médium.
Ela vai receber, vai incorporar, ela tem o povo dela. Ai eu perguntava

190
POLLAK, Michael. Memória, Memória e Identidade Social. Estudos Históricos. Rio de Janeiro, v. 5,
n. 10, 1989, p. 5.
191
BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de Velho. 11. ed. São Paulo, SP: Companhia das
Letras, 2004.
80

pra ele, que povo? Ai ele dizia, seu povo dos seus parentes, da sua avó,
bisavó, tataravó...192

Os sinais para o dom da benzeção e da cura, se evidenciaram na vida de Dona


Marcelina desde a sua infância e se apresentavam por meio de visões, sonhos e
adoecimento, que eram incompreendidos por ela e por sua família. A revelação deste
dom, só foi evidenciada, quando ela foi levada por sua mãe em um benzedor, que atribuiu
todos os sintomas apresentados por dona Marcelina, à sua mediunidade - “Ela vai receber,
vai incorporar, ela tem o povo dela”. Este povo, segundo o benzedor Amâncio, se tratava,
dos seus ancestrais, avós, bisavós e tataravós, que seriam os seus guias espirituais.
Sua família, de formação católica, via tais manifestações mediúnicas como
sintomas da loucura. Na umbanda, a mediunidade é compreendida como a capacidade
que o indivíduo tem de se comunicar com o mundo espiritual, “seja através da
incorporação, da vidência, da audição ou outras formas.” 193 Desse modo, a mediunidade
é vista como uma vocação que não deve ser negligenciada, mas desenvolvida em prol do
bem estar do médium e dos seus consulentes.
A iniciação na Umbanda, ocorreu somente durante a vida adulta, depois de um
episódio de doença que acometeu dona Marcelina.
Ai eu adoeci. Adoeci, passei mais de seis meses doente, não
engravidava, passei dois anos sem engravidar, e sem evitar. Ai me
ensinaram, me informaram de uma senhora que mora no Batata194, que
chama dona Mocinha, eu fui à casa dela, ai ela disse que realmente, era
uma coisa que eu tinha pra tirar, tipo obsessores, que são espíritos sem
luz, e que eu tinha que cultuar esses que me acompanhavam, que eram
os pretos velhos e os orixás. Ai ela disse que eu precisava tomar uns
banhos. Passou os banhos e eu tomei, e precisava fazer um trabalho ai
eu fui. O trabalho era para levar um jaleco branco, tipo de médico, e
uma toalhinha branca, seiva de alfazema e flores e um milho de pipoca.
Ela passou as pipoca em mim, passou as flores, orou, e ai eu fiquei
incorporando, assim, por exemplo, com mais consciência, não digo
consciência de ouvir, eu não fiquei média que sabe o que fala,
inconsciente, mas eu fiquei doutrinando. Assim não me pegava mais
em campo de futebol, em salão de beleza, em festas, se eu tivesse...
Eles incorporavam em qualquer lugar. [...]Não tinham doutrina. Depois
que eu fui na casa dessa senhora ai ela passou essas flores, a pipoca, ai
eu falei, e esse guarda pó? Com o guarda pó branco, eu vestir, e ela
disse: a partir de hoje é como se fosse uma ferramenta de trabalho.
Chegar alguém para você rezar, pra você benzer, com folha ou com o

192
Marcelina Moura Pereira, entrevista concedida a autora em 21/03/2012.
193
VAINI, Solange Salussolia. O Sagrado ganha Espaço:Um estudo de caso sobre a Umbanda. São
Paulo: PUC- SP, 2008. p.149.
194
Distrito do município de Jacobina.
81

que for, ou na hora que você incorporar, você veste esta roupa. Ai eu
disse: ah, tá certo. Eu vou rezar quem? Eu não sei rezar, eu vou rezar o
que? [...] Ela: ah, você reza um pai nosso, você sabe rezar as reza da
igreja, qualquer oração. Simplesmente coloca a mão, onde a pessoa
disser que tá com... doendo. Ai eu: tá bom! Ai fui pra casa, eu oxe! Vou
dobrar esse guarda pó, guardar bem guardadinho, isso aqui só foi hoje
mesmo, não vou estuciar nada disso. Ai rapidinho, ninguém conversou,
ninguém espalhou, chegou uma mulher lá dizendo pra minha mãe que
tava sentindo mal, sentindo mal e que não tava se guentando, uma coisa
ruim, ai pra vim aqui pra Jacobina. Ai eu peguei, me lembrei do que ela
tinha dito. Não primeiro eu incorporei, ai minha mãe pegou esse guarda
pó e me vestiu. Ai quando eu vesti, que já estava incorporada, ai passou
o chá, o que era, o que não era, e tal, e tal, e tal, e foram embora.195

A Partir do contado de dona Marcelina com dona Mocinha, foi realizado um


trabalho para que ela recuperasse a sua saúde, e posteriormente, pudesse realizar
benzeções e outras atividades terapêuticas. É interessante notar, que no trabalho de
iniciação de dona Marcelina, entre diversos elementos religiosos da simbologia afro-
brasileira, como a pipoca, a alfazema, havia um jaleco branco, vestimenta utilizada como
uniforme, por médicos e demais profissionais da saúde vinculados à medicina acadêmica.
Simbolicamente, a entrega deste jaleco a dona Marcelina, significou que esta estava
pronta para exercer seu ofício de curandeira, bem como os profissionais da medicina
cientifica. Dona Marcelina deveria vesti-lo, sempre que fosse realizar uma consulta - “a
partir de hoje e como se fosse uma ferramenta de trabalho. Chegar alguém para você
rezar, pra você benzer, com folha ou com o que for, ou na hora que você incorporar, você
veste esta roupa”. O uso do jaleco, simbolizou que dona Marcelina, já havia passado por
um processo de formação – iniciação, orientações, limpeza do corpo e cura dos seus
males, a partir do uso dos banhos com ervas, alfazema e pipoca. E em decorrência disso,
estaria apta para pôr em prática o seu dom, e exercer o seu ofício de agente da cura.
Senhor Arcelino Francisco dos Santos, 88 anos de idade, lavrador aposentado,
natural de Várzea da Ema, município do Estado de Pernambuco, migrou para Jacobina
no ano de 1931 aos sete anos de idade. Católico, afirmou que desde os sete anos,
apresentava sinais da sua mediunidade. Também de família católica, ele relatou que, a
família não sabia como lidar com os episódios de manifestação mediúnica e reagiam com
medo. A sua inserção enquanto agente de cura se deu aos dezessete anos de idade após

195
Marcelina Moura Pereira, entrevista concedida a autora em 21/03/2012.
82

ser considerado louco, o que o levou a buscar auxílio em um templo umbandista. A busca
de tratamento nas religiões afro-brasileiras ocasionou um rompimento entre senhor
Arcelino e a sua família por esta não aceitar a sua escolha.
Comecei, eu enlouqueci. Fiquei perturbado, depois, fiquei assim
andando do nada, depois vim pra casa e comecei a manifestar, peguei,
manifestei espíritos fazendo cura das pessoas. [...] Ninguém entendia
não. Ele pegava assim, o pessoal ficava tudo com medo, o pessoal me
abandonaram. Procurai uma casa lá no Ribeirão196 e o pessoal me
curando lá, e eu casei justamente com a filha dela. Esse pessoal que me
curaram me levaram pra Alagoinhas e lá me trataram. 197

A loucura é uma efemeridade comum entre os que buscam auxílio nas terapêuticas
mágico-religiosas afro-brasileiras. Roger Bastide afirmou que o transe, muitas vezes
confundido com problemas psíquicos pode correr nas seguintes situações.
Indivíduos não iniciados que escutam o chamado do seu orixá são
possuídos por santos brutos, e a finalidade da iniciação será então
libertá-los dessa violência, por meio do batismo da divindade. Ou ainda,
trata-se da possessão por um Exu, que é violenta, mas justamente os
africanos não a confundem com o verdadeiro êxtase, dando-lhe, como
já mostramos denominação diferente: carrega-se Exu. Finalmente, há
o caso de certas possessões verdadeiras, como, por exemplo, a de
Ogum; mas então a crise não é fenômeno patológico; segue o modelo
místico, pois Ogum é uma divindade impetuosa. Assim sendo, é a
sociedade que impões a seus “filhos”, essas manifestações terríveis
exteriormente amedrontadoras.198

Tendo em vista as observações de Bastide, é possível afirmar que a experiência


da loucura vivenciada tanto por senhor Arcelino, quanto por dona Marcelina
possivelmente se tratasse do chamado dos seus guias e da presença de entidades
obsessoras, como a própria médium afirmou. Na iniciação na umbanda, nesses casos,
fez-se a limpeza do corpo físico e espiritual, para livrar os noviços da força de espíritos
obsessores, ao mesmo tempo em que se prepara o corpo do iniciado para receber a seus
guias. Possibilitando-lhes a cura e a inserção no oficio das práticas mágico-religiosas.
Dona Maria Jesus, mais conhecida como Mariquinha, dona de casa, nascida em
1943 em Brejo Grande- Miguel Calmon, residente em Jacobina há mais de 40 anos, filha

196
Localidade rural do município de Jacobina.
197
Arcelino Francisco dos Santos, entrevista concedida a autora em 9/4/2012.
198
BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia da Letras, 2001. p. 189.
83

de pai católico e mãe evangélica, desde os 16 trabalha como benzedeira. Ao relatar sobre
suas atividades enquanto rezadeira, ela narrou como se deu as suas primeiras experiências
mediúnicas. Estas, lhe causou enfermidades físicas como desmaios e mudez e só
cessaram, após a realização de um trabalho por um curador, que a iniciou como agente de
cura.
O primeiro contato eu tive com 16 anos de idade. Eu sempre tenho
aquelas visões assim de noite, ai eu desmaiava. Quando eu desmaiava,
minha... meus parente, tudo ia em volta de mim chorando. Ai eu já
começava aquelas coisa que eu nem sabia o que era. Ai quando eu me...
aquilo passava, todo mundo tava chorando dentro de casa. [...] Mas era
a mediunidade que tava falando as coisas. Mandava fazer os remédios,
mandava fazer isso aquilo outra... ai comecei assim. Como não tinha
ninguém, não tinha assim... curador, ai chegou um rezador, ai me
levaram na casa do rezador. Ai o rezador disse, olha ela tem que fazer
um trabalho porque ai é a mediunidade, que chama hoje em dia,
antigamente falava os caboclos né, (risos).Que, eles querem trabalhar.
Isso já era ele, os espíritos [...]. Ai esse curador mandou fazer um
trabalho lá, rezou, ai comecei. Porque tinha que trabalhar para
desenvolver, tinha que fazer aquelas coisas pra desenvolver. Foi no
terreiro de João Curaçá. Morreu há pouco tempo. Bom, bom, bom!
Agradeço a deus e a ele que me acudiu muito. Eu cansei de sair da
minha casa, chegar na casa de João Curaçá, eu ia sem falar nada. Sem
voz, não respondia, não conversava nada. Eles toma as cordas vocais
que você não conversa nada. Ai quando chegava lá que eles me rezava,
me benzia ai melhorava [...] Ele fez uma trabalho de circo, de reviração.
Porque tem uns bons e outros maus, que ficam perturbando, ne isso? O
negativo não deixa os que tá querendo trabalhar, fica mentindo dizendo
que é caboclo bom e não era, era um obsessor. O obsessor é assim, você
tá na casa do pai de santo, você reza, ele lhe reza, você faz tudo melhora.
Quando você chega em casa, ele já tá na porta lhe esperando para torna
pegar. Ai você torna sentir mal. Eu sofri, mia filha!199

Torna-se evidente no depoimento de dona Mariquinha, o sofrimento causado pelo


longo processo de enfermidade que o acompanhava desde a infância, que só cessou
quando a mesma passou a trabalhar. Parte da aprendizagem, neste caso, só seria adquirida
a partir da prática que acarretaria no desenvolvimento da sua mediunidade. Apesar da
vivência inicial de sofrimento diante do desconhecimento, e dificuldade em lidar com
suas visões, seus guias, e em tratar os males que a cometia.
Dona Mariquinha ressaltou a impotência da gratuidade dos serviços de cura
oferecidos por ela, ensinamento passado por seu iniciador. “João Curaçá, muito bom! Não

199
Maria Jesus da Silva (Mariquinha), entrevista concedida a autora em 17/08/2013.
84

cobrava nada, [...] era como diz, de graça né. Ele também fazia caridade, e disse que eu
também tinha que fazer caridade.”200 A gratuidade dos serviços oferecidos por estes
agentes está diretamente relacionada às suas concepções no que tange o ofício por eles
exercido, o qual, a cura se dá por intervenção divina e não por ele, logo não deve ser
cobrada.201
Se a benzedeira colocasse um preço no seu trabalho, ela o estaria
desvalorizando, pois ele é algo da ordem do sagrado, que não pode ser
medido na ordem do material. Agindo assim, ela estaria misturando
fenômenos que correspondem a duas ordens distintas – o sagrado e o
profano –, e estaria, confundindo ou contradizendo classificações
ideais.202

Do mesmo modo, dona Maria Aurea, conhecida como Maninha, nascida em 1945
em Mucambo – Curralinho- Jacobina, católica, rezadeira desde os doze anos, também
ressaltou a importância da gratuidade da benzeção.
Nunca cobrei nada de ninguém não. Rezo todo mundo não cobro nada
de ninguém, só falo o que, traga uma vela pra não rezar no escuro. Ai
as pessoas que gosta, se sente bem: olha trouxe aqui o vidro de seiva,
que eu uso muito seiva pro pessoal; olha vou deixar aqui dinheiro pra
senhora comprar flores pra botar no santos, tudo bem. Mas pra eu dizer
assim, só rezo por tanto, não! Cobro nada pra rezar e graças a deus até
hoje nunca me faltou nada.203

Ao rememorar acerca do seu aprendizado no ofício da benzeção e sobre as suas


primeiras experiências enquanto rezadeira, dona Maninha revela que tudo começou como
uma brincadeira de criança.
Eu mas eu não sei nem contar. Porque quando a pessoa tava doente, eu
chegava, pera ai menino, que eu vou te arranjar o que rezar, uma prece
que tu fica bom! Ai pegava uns galhos de arruda, ou qualquer um mato
verde que eu achava na frente e rezava um Pai Nosso, uma Ave Maria,
daqui a pouco a pessoa tava bom. Se tava com dor de dente, pera ai que
eu vou rezar nestante! Pegava, botava o dedo no lugar do dente e rezava,
um Pai Nosso, Santa Maria, Ave Maria ai entregava aos orixás, a pessoa
ficava boa.

200
Idem.
201
QUINTANA, Alberto, op. cit. p.89.
202
Ibidem, p. 89.
203
Maria Aurea da Silva (Maninha), entrevista concedida a autora em 07/04/2015.
85

Dona Maninha viveu com os avós e ainda durante a infância em decorrência da


morte deles, foi morar com a sua madrinha de São João, que era rezadeira. Entretanto, ela
não atribui o seu aprendizado a influência da madrinha. Este seria algo advindo através
da hereditariedade e do conhecimento adquirido com a vida.
Eu, pra mim é... A coisa espiritual já é de nascença, que já trás, já vem
com ela. Porque tem muitos curador por ai, não sei se aqui tem assim,
mas... Que vai pra casa de um pai de força, pai de santo pra se fazer, pra
poder trabalhar, mas é com a força de livro. Eu não trabalho com livro
nenhum! A minha força que eu tenho foi Jesus que me deu! Que adquire
com a própria vida, e com o que é da família, que a minha família
também tem muita gente que benzia. Eu, minha avó, minha bisavó
rezava, minha avó, mãe da minha mãe rezava, era parteira. Era. Era
parteira, rezava, e... uma tia, irmã do meu pai também, ela fazia muito
remédio como eu faço e benzia também as pessoas se sentiam muito
bem, tanto ela como o marido. Não era curador, não batia tambor, só
fazia rezar, era benzedeira.204

Diferente dos demais agentes de cura apresentados anteriormente, dona Maninha


não realiza as benzeções sob transe espiritual. Segundo ela, a sua mediunidade se
manifesta através de sonhos e visões. Ao relatar como ela realiza a benzeção, ela explica.
Só com as folhas, só as rezas. Rezas mesmo da igreja ou reza que
alguém me ensina eu dormindo. Porque tudo que eu rezo, tudo que eu
sei dormindo, depois dá um sono assim, vou misturando, me dá aquele
sono eu deito ali. Pode marcar no relógio dez minutos. Cinco, dez
minutos, daqui a pouco vem, o que é que eu devo fazer, a metade que
eu tenho que fazer ou remédio, qualquer coisa. Ai pronto, levanto,
acabou o sono, ai faço.205

Do mesmo modo, dona Senhorinha Queiroz, conhecida como dona Dedê, nascida
em Fazenda Cajá – Mairi- Ba, no ano de 1938, lavradora aposentada, católica, dona Dedê
também não benze sob transe espiritual. Dentre todos os entrevistados, ela foi a única que
atribui o seu ofício de rezadeira, exclusivamente, aos ensinamentos passados por sua avó
e não a uma mediunidade pré-existente.
Ai a minha avó rezava criança, mas só vendo! Dia de quarta, dia de
sexta, as crianças, as mães pegava as crianças chegava pra Dindinha
rezar. Ai ela chegava pra mim: Dedê tu quer aprender minha filha? Eu
disse, se Dindinha quiser me ensinar eu quero, ai ela me ensinou. Eu
aprendi com a idade de doze anos. Ai enquanto eu era assim jovem,

204
Maria Aurea da Silva (Maninha), entrevista concedida a autora em 07/04/2015.
205
Idem.
86

novinha não, ai depois que eu casei comecei a rezar meus filhos, ai os


vizinhos descobriram: ah não acredito! Tu reza? Eu disse, rezo. Ôh, reza
meu menino, não sei o que. Ai eu ia e rezava. Ai eu morei vinte anos lá
no município daqui de Serrolândia, as meninas, sempre tinha aquela fé,
aquela confiança, que eu era muito confiante com deus, que eu tinha
umas palavras muito abençoada, que aquele menino ficou bom, depois
que eu rezei não teve mais problemas. Ai eu passei pr’aqui, comecei
rezar os netos ai o povo tomou conhecimento. Às veis as pessoas me
procura, vem uma vez, achou que aquela criança ficou bem, depois
chega de novo assim meio desconfiada: ah a senhora pode me rezar. E
naquilo fiquei, e eu gosto muito de rezar as crianças né? Porque às veis
as mães vê, tá dando remédio, e ás veis não tem sucesso, ai elas pode
achar assim, que um olho, alguma coisa que admirou, na comida. Às
veis passa uma criança assim interessante assim, pode ter argun olho
grande e tudo, ai trás eu rezo. Ai aprendi assim. 206

No que concerne às práticas de cura exercida por dona Dedê, estas têm como
principal clientela as crianças. No depoimento supracitado, esta preferência fica bastante
evidente. Do mesmo modo, dona Dalva dos Anjos, nascida em 1932 em Gameleira do
Ventura – Morro do Chapéu- Ba, costureira, católica, também iniciou as atividades de
benzedeira rezando, inicialmente as crianças.
Eu comecei novinha, eu não sei lhe dizer como foi que comecei. Rezava
criança, depois o povo foi descobrindo, ai foi chegando pessoas adultas
para eu rezar [...] Comecei novinha, foi. Ai fui crescendo e fui
continuando. Ás vezes eu corria me escondia por causa do pessoal. Eu
tinha vergonha! Mas não era uma coisa porque eu queria não, era, era
uma força, um dom que deus me deu. [...] Adoecia uma criança, e eu
chegava lá e dizia: vou rezar esse menininho, ai rezava e ficava sã. 207

Dona Dalva atribuiu o seu ofício de cura a um dom divino, ou um missão que vai
muito além da sua vontade, querer exerce-lo ou não. Ao contrário de dona Dedê, dona
Dalva afirma benzer com o auxílio dos seus guias, que lhe dizem como proceder durante
a benzeção, lhes indicando inclusive a oração a ser feita.
Ai a oração eu não sei lhe explicar não, só se você ver uma hora eu
rezando uma pessoa, mas o contrário eu não posso lhe explicar. [...] Eu
tenho meus guias, desde pequenininha, ainda pequena, desde novinha.
Eu trabalho do jeito que eu tô aqui, você não sabe se é eu ou se é meus
guias. [...] Eles falam pra mim né... Eu comecei novinha como eu tava

206
Senhorinha de Oliveira Queiroz (Dedê), entrevista concedida a autora em 13/08/2014.
207
Dalva dos Anjos Silva, entrevista concedida a autora em 3/10/2013.
87

na idade de 6 anos. Rezava meus irmão dentro de casa, quando adoecia,


quando sentia uma coisa, rezava os meus vizinhos. Ai a conversa foi
aumentando né, o povo foi comentando, e ai vinha, foi assim que eu
comecei. 208

Assim como na narrativas dos demais agentes, com a exceção de dona Dedê, dona
Dalva, afirma recebe auxilio de forças sobrenaturais, propiciado pelo desenvolvimento
da mediunidade, para realizar a benzedura. Diante disto, neste processo de inserção no
universo das curas mágico-religiosas não é possível dissociar o dom, compreendido como
o chamado dos seus guias; do aprendizado, que se dar a partir do ensinamento de um
agente mais velho. Como pôde-se verificar a partir dos depoentes, há “a combinação
dessas disposições, uma supondo a outra durante toda a longa caminhada do
desenvolvimento religioso.”209 Para Renata Bergo, o chamado do santo, é o começo de
um processo e não o seu fim. Ainda que tenham o auxílio dos guias, os agentes também
passam por um processo de aprendizagem, ao longo do desenvolvimento das suas práticas
terapêutico-religiosas. Destarte, os agentes de cura que não trabalham com o auxílio de
guias espirituais aprimoram o seu dom a partir do ensinamento dos agentes mis velhos.
Ao estudar o dom e a iniciação nas religiões afro-brasileiras Roger Sansi defende
que dom e iniciação (aprendizado) são imprescindíveis um ao outro. Para o autor,
Não podemos simplesmente dizer que a iniciação se impõe ao dom, mas
o facto é que eles estão mutuamente implicados. O “dom” pode ser tão
imprescindível nas religiões afro-brasileiras como a iniciação. O
conhecimento que a iniciação perde por esquecimento, desistência e
conflitos interpessoais é substituído pela inspiração dos médiuns, que
estabelecem através do seu “dom” um contacto directo com os espíritos.
Nesses termos, o dom e a iniciação geram uma dialéctica histórica da
produção de conhecimento, no qual novos espíritos, objectos e valores
são incorporados.210

Alguns elementos utilizados nas benzeções, ou mesmo, a natureza dos guias


evolvidos nos procedimentos terapêuticos mágico-religiosos em Jacobina, mantêm um
forte dialogo com as religiões de matriz africana, como veremos a seguir.

208
Idem.
209
BERGO, Renata Silva. Quando o Santo Chama: O Terreiro de Umbanda como contexto de
aprendizagem na prática. Belo Horizonte: Faculdade de Educação (Tese de doutorado), UFMG, 2011. p.
34.
210
SANSI, Roger. “Fazer o santo”: dom, iniciação e historicidade nas religiões afro-brasileiras.
Análise Social, vol. XLIV (1.º), 2009. p.142.
88

2.3 - A religiosidade afro-brasileira nas terapêuticas domesticas mágico-curativas.

As práticas de cura, desenvolvidas pelas benzedeiras e curandeiros no âmbito


doméstico, são carregadas de elementos sagrados e portanto indissociáveis da vivência
religiosa desses agentes. Desse modo, o cotidiano desses sujeitos, está associado à
presença significativa de signos que expressam sua fé, tais como imagens de santos,
orixás, caboclos, encantados, velas, terço, entre outro. Cuja devoção e utilização,
representa um auxílio para superação das dificuldades e reestabelecimento do equilíbrio,
tanto deles próprios, quanto dos seus consulentes. 211 Nesta perspectiva, é possível afirmar
que,
As benzedeiras se apoiam mais na religião e agem como sendo
especialistas autônomas. O substrato da sua prática é
predominantemente religioso e não mágico, mas o seu exercício, tal
como ocorre, do ponto de vista sociológico, tem mais a ver com a magia
do que com a religião. É na magia, e não na religião que se apresentam
agentes isolados e, nesse sentido, elas poderiam ser definidas como
mágicas que utilizam a religião. Uma das características mais
ambivalentes das benzedeiras, é que, apoiando-se totalmente na
religião, os atos concretos da benzeção sempre se aproximam da
magia.212

A partir da definição das benzedeiras enquanto “mágicas que utilizam a religião”,


é possível observar, que estes agentes, ao falarem do seu ofício sempre pontuam a agência
religiosa da qual é adepta. O que é fundamental para definir como estas atuam enquanto
agentes de cura. Com a exceção de dona Marcelina Pereira, que se identifica como
umbandista, todos os demais entrevistados se autodenominam católicos. No entanto,
veremos que, apesar disso, a vivência religiosa destes agentes se constitui de um
imbricado religioso que dialogam com elementos de outras religiões, em especial às afro-
brasileiras.
Dona Dedê que identificou-se como benzedeira pertencente a religião católica,
afirmou não divulgar seu ofício por temer ser identificada como curandeira.

211
CONCEIÇÃO, Alaíse dos Santos. “O Santo é quem nos vale, rapaz! Quem quiser acreditar,
acredita!”: Práticas culturais e religiosas no âmbito das benzeções. Governador Mangabeira – Recôncavo
Sul da Bahia (1950-1970). Salvador: Faculdade de Filosofia (dissertação de mestrado) ,UFBA, 2011. p. 74.
212
OLIVEIRA, Elda Rizzo de. op. cit, p. 137.
89

Não, se aparecer eu rezo. Eu nõ nego a palavra de deus não. Só não faço


botar, porque muita gente fica pensando o que, que a gente é até
curandeira, rezador assim, através de santo. Deus me livre! Quero nem
saber! Minha família é a metade católica, metade evangélica. 213

Ao diferenciar as práticas de cura realizadas pelas benzedeira/benzedores, e por


curandeiras/curandeiros, dona Dedê afirmou, que diferentemente das
rezadeiras/rezadores, os curandeiros/curandeiras recebem auxílio espiritual. “Ele recebe,
força lá não sei de que, que eu não sei do que é. Aquele povo que tem mesa, tem santo,
tem isso aquilo outro.”214
É compreensível, na fala de dona Dedê, o sentimento de temor que seus
consulentes atribuírem as suas terapêuticas o status de práticas curandeiras. Desde o
código penal Republicano de 1890 o curandeirismo é criminalizado. Até a primeira
metade do século XX, através da imprensa de todo o país estampava-se manchetes
depreciando e criminalizando os cultos afro-brasileiros e às práticas de cura realizadas
por estes e pelos demais agentes das terapêuticas tradicionais. Estas, eram classificadas
como práticas diabólicas, macumba e feitiçaria, utilizadas a serviço do mal. Do mesmo
modo, os seus agentes eram identificados como charlatões, curandeiro, feiticeiros,
macumbeiros e falsos médicos. Ao longo dos anos, as representações que se construíram
em relação aos curandeiros e seu ofício, referem-se a práticas que causam e cultuam o
mal. Diante disso, é evidente que dona Dedê e outros agentes das terapêuticas mágico-
religiosas, sintam-se ofendidos, discriminados e vítimas de preconceito ao serem
chamados de feiticeiros, macumbeiros ou curandeiro.
Da mesma maneira, senhor Arcelino dos Santos, também se identificou como
católico, mesmo tendo se iniciado na umbanda na adolescência. Sobre as suas vivências
dentro da umbanda ela afirmou que,
Fazia festa, fazia tudo, fazia tudo. Fazia festas para o pessoal, fazia
matança de boi, tudo que coisa trabalho, os filhos de santo pra curar, os
santo curar. Hoje é que eu não faço mais isso. [...] Tá mais de vinte anos
que eu deixei [...]Não faz mais aquilo que eu fazia, caruru que eu fazia,
a casa era cheia de gente [...]caruru, não faço mais. Não faço mais
batizado pra trabalho pra ninguém. Eu faço consulta, banho rezo, só. 215

213
Senhorinha de Oliveira Queiroz (Dedê), entrevista concedida a autora em 13/08/2014.
214
Idem.
215
Arcelino Francisco dos Santos, entrevista concedida a autora em 9/04/2012.
90

A interrupção de algumas práticas, segundo senhor Arcelino, se deram devido à


idade avançada. Ainda assim, durante as consultas e passes, ele recebia o auxílio de seus
guias espirituais. Segundo ele, durante estes procedimentos terapêuticos seus guias,
orixás e caboclos,
Aparecem dá passe pras pessoas. Ai a pessoa vem reza, dá passe e vai
embora. [...] Tenho Ogun de Ronda, Ogum Marinho tem Oxóssi, tem
Omolu. Caboclo também. Oxossi Gentil... [...] Tem dia de quanta feira,
assim se manifesta sessão branca, Alan Kardec. Esse ai já é um trabalho,
sessão branca é de graça. Paga nada.216

Observa-se no depoimento acima, a complexa identidade religiosa assumida por


senhor Arcelino, que transita em pelo menos três universos religiosos distintos, o
catolicismo, a umbanda e o espiritismo sem que haja, contudo, conflitos indenitários em
relação a sua religiosidade. Apesar disso, senhor Arcelino lamentou, em diversos
momentos durante o seu relato, o afastamento entre ele e a sua família, devido a sua
aproximação com a umbanda. Por conta disso e do preconceito que sofreu ao longo dos
anos devido ao seu oficio, ele revelou a sua vontade de deixar de realizar atividades
relacionadas à cura. Quando questionado, se gosta do seu ofício, ele responde da seguinte
maneira.
Eu tô conseguido deixar eles mais não posso [...] Minha vida foi
cotidiana nesse transe, então eu já acostumei. Mas gostar mesmo, não
gostava não. É a religião né, a família toda era católica né. Apareceu
isso na minha vida. Eu sou discriminado, o pessoal chama de curador,
de feiticeiro, isso ai pra gente é duro [...] Exemplo de xingar, as pessoas
me xingar, me chamando de feiticeiro, candomblezeiros, tudo isso,
perseguir a gente né. Magoa a conduta da gente, o caráter da gente,
assim. Mas graças a deus eu nunca tive com ninguém, problema com
justiça com nada, minha forma de liberdade. Graças a deus isso nunca
aconteceu. Graças a deus!217

A presença de elementos de variados universos religiosos, bem como a


diversidade da vivência religiosa para a realização do oficio de cura, pôde ser percebido
nas narrativas de outros entrevistados. Dona Marcelina Pereira afirmou, ao relembrar as
suas experiências mediúnicas que ocorreram antes de inicia-se na umbanda, que falava

216
Idem.
217
Idem.
91

idiomas desconhecidos quando encontrava-se em transe espiritual, incorporada por seus


guias, pretos velhos africanos, caboclos e encantados.
Dona Marcelina identificou-se como praticante da Umbanda Espírita, mas
afirmou frequentar a Igreja Católica e o Centro Espírita em algumas ocasiões.
Eu frequento Centro Espirita, ali o Cruzada do Bem. Mas não vou
direto, agora eu faço evangelho todos os dias. E faço assim o evangelho
de assistência no lar, às quintas feiras. Eu ia fazer um evangelho, pra
minha família, pra gente, só que minhas colegas vêm ai tornou-se
Evangelho Espirita no Lar. A gente ora por todos que tão doente por
tudo que tá acontecendo toda quinta feira, de seis às sete. [...] Eu vou
na Matriz, na de Nossa Senhora, dia de quinta-feira quando tenho tempo
vou adorar o santíssimo. Porque os pretos velhos eles gostam muito
disso [...] As orações deles falam muito em Santíssimo Sacramento,
Jesus Cristo vivo ressuscitado.218

Apesar das suas vivências perpassarem o universo mágico-religioso afro-


brasileiro, dona Marcelina não citou as casa de culto afro-brasileira, entre os templos
religiosos que costumava visitar. Destaca-se, que quando refere-se a sua presença nas
igrejas da Matriz de Santo Antônio e na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, dona
Marcelina enfatizou a fazer, por desejo dos seus guias Pretos Velhos. Tendo em vista que
os Pretos Velhos, são compreendidos no contexto da Umbanda, como os africanos e seus
descendentes escravizados nas Américas, especialmente no Brasil. A ida de dona
Marcelina para as novenas católicas a pedido destes guias, pode estar relacionado, às
vivências religiosas católica, do negro escravizado no Brasil.
Vale lembrar, que ao longo do período Colonial e Imperial brasileiro a religião
católica era oficial e obrigatória. “Professar outra fé que não fosse cristã, era correr o risco
de ser considerado herege, e também, inimigo do rei, cujo poder provinha de Deus”.219
Para transformar os escravos pagãos em cristãos, a Igreja Católica e a Coroa Portuguesa
estabeleciam um prazo de cinco anos, após desembarcar em solos brasileiros, para que os
escravos fossem batizados na religião católica, quando isso não acontecia no próprio
continente africano 220. Conforme Silva,
A igreja, vinculada a interesses diversos que se refletiam na política
ambígua de catequese dos negros, ora tentava disciplinar a vida

218
Marcelina Moura Pereira, entrevista concedida a autora em 21/03/2012.
219
SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. São Paulo: Selo
Negro, 2005.p. 19.
220
Reginaldo (2005) aponta que muitos escravos, principalmente os oriundos do centro-sul africanos já
chegavam ao Brasil convertidos à religião católica.
92

religiosa destes grupos, ora fazia vistas grossas às suas danças, cânticos
e rezas realizados em domingos e feriados santificados nos terreiros das
fazendas, em frete a senzalas. Nessas ocasiões os padres preferiam
acreditar na justificativa dos negros que diziam ser os “batuques”
homenagens aos santos católicos feitas em sua língua natal e com as
danças da terra. Nesse sentido, os batuques eram tolerados porque
vistos como um inofensivo “folclore.” 221

Uma forma de imposição da religião católica à população negras no Brasil


escravocrata, se deu através da criação de confrarias e irmandades. Essas foram
introduzidas em território brasileiro desde o século XVI, com o objetivo de expandir a fé
católica e de dar à população leiga, a oportunidade de participar da organização da vida
religiosa local. Deve-se destacar, entretanto, que a participação dessa população leiga na
vida religiosa era limitada e bem delimitada, na medida em que os leigos são destituídos
de capital religioso -trabalho simbólico acumulado- cujos detentores, um grupo de
especialista, monopolizam os bens de salvação e eram socialmente reconhecidos
enquanto detentores exclusivos de conhecimentos secretos. Ou seja, apesar de “permitir”
a participação da população negra em ritos católicos a partir das irmandades, eles
continuavam não fazendo parte do corpo intelectual portador dos conhecimentos mais
profundos e secretos do catolicismo. Assim, para Bourdieu222 esses leigos ocupam uma
posição inferior no mercado de distribuição desses bens religiosos.
Diante do exposto, o pedido dos seus guias, Pretos Velhos a dona Marcelina, pode
remeter a memórias dessas práticas em vidas passadas, cuja religião católica era uma
obrigação imposta para a população escrava.
Os altares de dona Marcelina, simbolizam a sua vivência religiosa a partir da
presença dos seus santos, guias e demais elementos sagrados. O altar onde geralmente
são realizadas as benzeções está localizado em um cômodo reservado, cujo tamanho e
quantidade desses elementos sagrados é numeroso. Além deste altar, existem outros
pequenos altares organizados em estantes e móveis localizados em outros cômodos da
casa. Entre as imagens, pôde-se verificar a presença dos Pretos e Pretas Velhas, ciganas
e ciganos, imagens de santos católicos, como Santo Antônio, São Jorge, Nossa Senhora
Aparecida, Santa Barbara, entre outras. Sendo que a última, no contexto sincrético
umbandista, está relacionada com Iansã, orixá de frete de dona Marcelina. A imagens

221
SILVA. Vagner Gonçalves. Candomblé e Umbanda: caminhos da devoção brasileira. São Paulo: Selo
Negro, 2005. p.34.
222
BOURDIEU, Pierre. A Economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2009.
93

são, em sua maioria, doadas por seus consulentes, como forma de agradecimento por uma
graça alcançada através das atividades mágico-religiosas exercida ela.
Além das imagens sacras, existia uma série de objetos como búzios, copos com
água, terço, pedras utensílios de argila e de louça, velas e plantas como rosas, arruda.
Estes elementos, em especiais os naturais, representam os orixás, compreendidos como a
força da natureza.223 Estes aspectos podem ser observados a seguir, nas imagens dos
altares de dona Marcelina.

223
ARAÚJO, Sheilla Sousa. A arquitetura iconográfica dos altares dos terreiros de umbanda em
Caucaia e Fortaleza no Ceará : Uma prática educadora multicultural. Dissertação (mestrado) –
UFC/Programa de Pós-Graduação em Educação. Fortaleza- CE, 2015. p. 45.
94

Figura 8- Altar de dona Marcelina Pereira

Alta onde são realizadas as benzeções. Fotografia: Emanuela Bethânia, 2015.


95

Figura 9- Altar de dona Marcelina Pereira

Imagens Santa Barbara, Nossa Senhora Aparecida, Maria Santíssima e São Jorge. Fotografia: Emanuela
Bethânia, 2012

Figura 10- Altar de dona Marcelina Pereira

Imagens de Nossa Senhora de Aparecida, Santa Barbara e de Ciganas dispostas um móvel localizado na
sala. Fotografia: Emanuela Bethânia, 2015.
96

A diversidade da natureza dos elementos religiosos presentes nos altares de dona


Marcelina Pereira, apresentam bastante similaridades com a composição dos altares
umbandistas, de modo que mantêm-se coerentes com a sua identidade religiosa. No altar
principal, observa-se, as imagens dos santos católicos posicionadas na parte de trás,
porém no centro do altar e na frente encontram-se os Pretos Velhos e demais objetos
sagrados, como copos com água, velas, flores e utensílio de louça. Nos demais altares
observa-se a mesma disposição horizontal das imagens, sendo que no segundo altar, há
somente as imagens dos santos católico, Santa Barbara, Nossa Senhora Aparecida, Maria
Santíssima e São Jorge, além de copos com água. No terceiro, observa-se a disposição de
imagens das entidades ciganas, de Nossa senhora de Aparecida e Santa Barbara.
Segundo Vagner Silva estes altares expõem a síntese da formação umbandista que
conseguiu integrar todas as categorias sociais, especialmente as marginalizadas, através
de novas sínteses cujos valores dominantes relacionados à classe média – católica, e
kardecista – “se abriram às formas populares e negras, “depurando-as” em nome de uma
mediação que no plano do cosmo religioso representou a convivência das três raças
brasileiras.”224 Diante desta nova ordem mítica inserida à umbanda, segundo o autor,
Índios, negros, pobres, prostitutas e malandros pudessem retornar como
espíritos, seja como heróis que souberam superar as privações e
opressões que sofreram em vida, seja como categorias que ao menos
pela evolução espiritual mantêm viva a esperança de ocupar espaços de
prestígio que a ordem social lhes negou. Esse processo se reflete na
produção dos objetos devocionais da umbanda, conforme se verifica na
estatuária presente nos altares dos terreiros que seguindo um modelo de
oratório ou altar católico revela os múltiplos sincretismos ou um
“transbordamento barroco” de influências. 225

De acordo com Silva, na medida em que estes altares se aproximaram da tradição


católica, se afastaram da africana, na qual, a partir do candomblé de modelo keto-nagô,
os objetos colocados no interior dos pejis formam os assentamentos dos orixás, que depois
de serem purificados a partir de rituais como banhos, são representados enquanto o corpo
físico dessas divindades na terra. O autor afirma ainda que,
Diferentemente da estatuária do catolicismo que reproduz a imagem
humana (muitas vezes suposta) dos santos, os assentamento procuram

224
SILVA, Vagner Gonçalves da. Arte Religiosa Afro-Brasileira: as múltiplas estéticas da devoção
brasileira. DEBATES DO NER, PORTO ALEGRE, ANO 9, N. 13, JAN./JUN. 2008. p.105.
225
Ibidem. p.106.
97

reproduzir uma imagem mítica dos deuses. Trata-se de uma versão


material, metafórica e/ou metonímica, de forças cósmicas associadas
aos domínios naturais destas divindades. 226

A presença dos altares é uma constante entre os agentes domésticos de cura em


Jacobina. A função deles, nesse contexto, “é criar um magnetismo, uma ligação entre “o
céu e a terra”, e é através dele que as irradiações verticais das divindades descerão até o
altar e se espalharão ocupando todo o espaço destinado às práticas religiosas”.227
Dona Maninha, que definiu-se enquanto benzedeira católica, possui em sua casa
uma infinidade de imagens de santos católicos, orixás, pretos velho, caboclo e exus
distribuídas em vários altares. Ao descrever como realizava as benzeções, ainda quando
criança, dona Maninha revelou o intenso dialogo que mantinha com religiosidade afro-
brasileira. Segundo ela “rezava, um Pai Nosso, Santa Maria, Ave Maria ai entregava aos
orixás, a pessoa ficava boa” 228
Em referência aos seus santos de devoção, a benzedeira Maninha, informou que
boa parte das imagens dos santos que compões seus altares foi lhe dado de presente.
Tem Santo Antônio, tem Cosme e Damião, tem São Jorge, tem Santa
Barbara, tem Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, tem Nossa Senhora
Aparecida, tem Nossa Senhora das Candeias, tem Nossa senhora de
Nazaré. Tem tanto santo ali, que tem hora que eu até esqueço o nome.
É santo!! Divino Pai Eterno... vou ganhando. Todo lugar que o povo
vai, vem com um santo. Eu digo: gente eu não quero mais santo não, já
não tem mais nem onde eu botar. Mas eles queria vim pr’onde tá você.
Então deixe ele ai! (risos). 229

Quando questionada se todas as imagens que possuía eram de santos católicos,


dona Maninha listou várias imagens de entidades pertencentes a panteão afro-brasileiro.
Entre elas, Iansã, seu orixá de frete.

Todos católicos... Não! Tem os Pretos Velhos, que eu ganhei também,


tem essa, é Iansã Guerreira, que foi um gari que me deu. Tem esse
Ogum Edé aqui... Esse pequenininho, foi o mesmo que me deu Iansã.
Ai tem o Marujo, o Martin Pescador, eu tenho um bocado de santo, o
povo trata eles como escravo, agora, eu não. Eu não trato como escravo
não, eu trato como outra imagem qualquer. Porque se você, trata eles
como... É assim, se você trata eles como escravos, você pede pra fazer

226
Ibidem. p. 104.
227
ARAÚJO, Sheilla Sousa, Op. Cit. p. 45.
228
Maria Aurea da Silva (Maninha), entrevista concedida a autora em 7/01/2015.
229
Idem.
98

o mal eles faz, mas se... Ai, quem é que é ruim é eles? Não, quem é ruim
é seu coração que pediu pra fazer isso, fazer aquilo com os outros. Eu
não peço pra fazer o mal a ninguém, eu só peço pra fazer o bem. Ai eu
faço, ôh meus filhos ajude fulano que tá precisando disso, e disso, e
disso. E ajuda!230

230
Idem.
99

Figura 11- Imagens dispostas sobre a estante da sala de dona Maria Aurea da Silva.

Imagens de Martin Pescador, Marujo, Iansã, Ogum Edé e Iemanjá. Fotografia: Emanuela Bethânia, 2015.
100

Figura 12- Altar de dona Maria Aurea da Silva.

Altar principal, diante do qual são realizadas as benzeções. Este é composto por uma infinidade de imagens. Do lado esquerdo pode-se verificar as imagens de Pretos e Pretas
Velhas, exus e pombas giras. Na parte central e no lado direito do altar concentram-se as imagens de santos católicos. Fotografia: Emanuela Bethânia, 2015.
101

Figura 13- Altar de dona Maria Aurea da Silva.

Nicho principal do altar de dona Maninha composto por imagens de santos católicos, bem como o nicho à
direita. A foto foi tirada no dia do caruru de São Cosme e São Damião, durante a qual o mesmo
encontrava-se aberto, com as luzes e com velas acesas, e oferendas do caruru sobre ele. Fotografia:
Emanuela Bethânia, 2016.
102

Figura 14- Altar de dona Maria Aurea da Silva.

Nicho localizado no lado esquerdo do altar principal de dona Maninha, composto de imagens de
divindades pertencentes ao panteão afro-brasileiros. Entre os quais observa-se pretos e pretas velhas,
caboclos, exus e encantados, Sereia Iara e a orixá Iemanjá. A foto foi tirada no dia do caruru de São
Cosme e São Damião, durante a qual o mesmo encontrava-se aberto, com as luzes e com velas acesas e
com oferendas do caruru sobre ele. Fotografia: Emanuela Bethânia, 2016.
103

O altar de dona Maninha é de madeira, e possui três nichos. Um central e dois


laterais. De acordo com a benzedeira, o altar pertencia a uma família abastarda da cidade,
e esta o doou para a sua madrinha, Erice. Através da foto do altar, observa-se que as
imagens dos santos católicas estão separadas das não católicas. Dona Maninha, atribui a
orientação de um padre, que lhe pediu pra que as colocassem em nichos diferentes.
Foi o padre Constantino que mandou separar. Ele vinha pr’aqui porque
dava comunhão a mãe da moça que me criou, dava comunhão naquele
altar. [...] Ai ele disse, só tem uma coisa errada aqui, pegue a parte dos
índios, de caboclo, passe pro lado de cá, ou pr’um lado, ou pro outro. E
os santos fica separados. Ai pronto, passamos, separou. Tá dentro no
nicho também, mas o lado deles é do lado de cá, e os santos ficam do
outro lado. Foi uma orientação pelo padre. Que ele vinha aqui de 15 em
15 dias, dar comunhão a mãe de Erice. 231

Dona Mariquinha se identifica como benzedeira católica, mas também benze


através do transe por seus guias, os caboclos, em especial com Janaina, seu guia de frente.
Ela narrou que a escolha de vir morar em Jacobina, bem como a rua, a residência que ela
deveria morar foi uma determinação do seu orixá. Em referência aos seus guias, dona
Mariquinha informou que,
Hoje em dia não. Eu mandei cancelar porque eu tõ doente. Ai eu mandei
ajeitar, porque não pode. Era Santa Barbara, Janaina, que dá hoje em
dia no terreiro... Janaina, Cosme e Damião, e, e São Sebastião. Esses
quatro. Sendo que Janaina é de frente. Ai sempre quando ela sai ela
dizia assim. Você vai morar em Jacobina..., numa cidade, na casa
branca, com o carro branco na porta. Dava todas disca assim. Ai o povo
dizia assim, sabe de uma a filha de dona Luzia tá ficando doida
(risos). 232

A múltipla identidade religiosa também foi percebida na trajetória de vida de Dona


Mariquinha que além da Igreja Católica, transitou também pelo espiritismo e pela
Umbanda.
Aqui eu vou mais na Matriz aqui, quando eu vou. Quando eu não vou,
quando e tava mais melhorzinha eu ia no centro espírita. Ali ni
Gregório. Do finado Gregório, ele até já morreu. Tinha o centro espírita,
ai eu ficava com eles na mesa. Eles vinham me buscar aqui, me traziam,
dez e meia, onze horas. Ficava com eles lá na mesa. Ah, me deu uma
vontade de ir, deixa eu ir no Centro Espírita. [..] O senhor Gregório
morreu, acabou o Centro. Era aqui, logo na Jacobina I.233

231
Maria Aurea da Silva (Maninha), entrevista concedida a autora em 7/01/2016.
232
Maria Jesus da Silva (Mariquinha), entrevista concedida a autora em 17/08/2013.
233
Idem.
104

Quando questionada sobre a diferença e sobre a relação dos seus guias da umbanda
com os do Centro Espírita, dona Mariquinha afirmou que os guias da umbanda,
Não baixavam lá não. Era outras pessoas, lá é média. Ai às vezes o chefe
mandava eu abençoar, terminando a reunião, todo mundo, agente
ficava, ai eu ficava em pé sozinha na porta, assim e abençoa o pessoal.
Que minha mediunidade fala... Porque no Centro é médium e no
curador é... mas é a mesma coisa. É tudo espiritismo. (risos) [...] É...
muito bem, porque a parte de minha mediunidade no espiritismo, as
pessoas que já foram, já morreram, e cá mesmo é os caboclo, é outra
linha, de outras correntes né, das águas, Iemanjá das Águas.234

Evidenciou-se entre estes terapeutas das curas mágico-religiosas em Jacobina, a


existência de uma identidade religiosa plural, cujas vivências dialogam com várias
tradições religiosas, em especial a afro-brasileira, através do Candomblé, e
principalmente da Umbanda; com o catolicismo e com o espiritismo. Observa-se, que
nestas múltiplas experiências com o sagrado, estes sujeitos buscam estabelecer um
diálogo entre estas diversas tradições religiosas. Partindo do pressuposto de que,
identidades religiosas inclusivas surgem quando se agregam várias identificações
religiosas, ou quando a identidade religiosa construída pelo sujeito é composta de diversas
propostas religiosas que coexistem simultaneamente, Jeyson Rodrigues pontua que,
Fatores como a secularização e a individualização da sociedade e do
fenômeno religioso, o mercado religioso de procuras e ofertas de bens
simbólicos e a relação da religião com a urbanização e com um mundo
globalizado e marcado por multiculturalismos e sincretismos, contudo,
parecem entrelaçados, imbricados numa espécie de relação de causa-
efeito onde nem sempre fica claro o que é causa e o que é efeito, mas
que possibilitam uma “coexistência numa só pessoa de concepções
religiosas, filosóficas e doutrinárias por vezes opostas e mesmo
racionalmente inconciliáveis”, corroborando, portanto, com o quadro
sincrético das identidades religiosas inclusivas. 235

Nesse sentido, deve-se tem em vista, o processo de formação da identidade, e


compreendê-la enquanto dialógica, móvel e não universalista. Conforme Stuart Hall,
O sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e
estável, está se tornando fragmentado; composto, não de uma única,
mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não

234
Idem.
235
RODRIGUES, Jeyson Messias. Identidades Compostas por Múltiplas Pertenças Religiosas: um
estudo de caso na Igreja Batista do Pinheiro. Lisboa: Universidade Lusófona de Humanidades e
Tecnologias, 2012. p.62.
105

resolvidas. Correspondentemente, as identidades, que compunham as


paisagens sociais “lá fora” e que asseguravam nossas conformidades
subjetivas com as “necessidades” objetivas da cultura estão entrando
em colapso, como resultado de mudanças estruturais e institucionais. O
próprio processo de identificação, através do qual nos projetamos em
nossas identidades culturais, tornou-se mais provisório, variável e
problemático. Esse processo produz o sujeito pós-moderno,
conceptualizado como não tendo uma identidade fixa, essencial, ou
permanente. A identidade torna-se uma “celebração móvel”: formada e
transformada continuamente em relação as formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos
rodeiam. 236

Dona Dalva, rezadeira católica, afirmou que benze com o auxílio dos seus guias e
que durante a benzeção pede a interseção dos seus santos de devoção; “peço a deus, ao
Pai Eterno, o Divino Espirito Santo, Imaculada Conceição, Deus Menino de Jesus...” 237.
Apesar de relatar que não sofre preconceito no ambiente religioso católico em decorrência
das suas vivências mágico-religiosas, dona Dalva, manifestou ter vontade de deixar de
benzer por ser identificada como feiticeira.
Eu disse o padre! Quando eu fui pra Igreja da Irmandade do Coração de
Jesus, eu disse. Ele disse que não tinha nada a ver uma coisa com a
outra, que ai foi um dom que deus me deu, que ninguém podia tirar! [...]
Eu tenho às vezes vontade de deixar porque isso é uma coisa, não é
porque a gente quer, é uma coisa que deus passou pra mim, foi deus que
me deu, mas existe perseguição no meio, o povo persegue a gente:
feiticeiro, feiticeira. [...] Às veis chama de feiticeiro, que é uma coisa
que a gente não é. Eu acho isso perseguição é um despeito com agente.
Só que eu não ligo num sabe! Eu não me importo não.238

Para dona Dalva, ser identificada como feiticeira lhe atribui caráter depreciativo,
assim como o termo curandeiro na concepção de dona Marcelina e senhor Arcelino. Paula
Montero, ao diferenciar estas três denominações, acaba cometendo um grande equívoco,
na medica em que remete a feitiçaria às tradições africanas, logo, orientadas para as
práticas maléficas. Segundo a autora, “O curandeiro e o benzedor se distinguem do
feiticeiro, marcado pela tradição negra, por orientarem sua prática para o "Bem",
enquanto este último detém o domínio das forças maléficas.”239

236
HALL, Stuart. A Identidade cultural na Pós-Modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. p. 13-14.
237
Dalva dos Anjos Silva, entrevista concedida a autora em 3/10/2013.
238
Idem.
239
MONTERO, Paula. Op, cit. p. 45.
106

Apesar da definição incoerente do termo, pode-se supor que a concepção atribuída


aos feiticeiros e feiticeiras por Montero, se aproxima das representações sociais de dona
Dalva em relação ao termo. Edmar Santos, ao estudar a perseguição aos curandeiros no
Recôncavo baiano, apoiado nos estudos de Roger Sansi, afirma que na sociedade
portuguesa do século XVI existia uma larga presença de encantamentos mágicos e
feitiçaria, de modo que, quando estes colonizadores se depararam com as práticas
culturais africanas, desconhecidas por eles, as traduziram como feitiçaria. Ainda que
tenha sido perseguida pela Inquisição, inclusive no Brasil, para o autor, a feitiçaria não
era considerada heresia, ou seja, a prática de outra religião que não fosse a católica, mas
sim como um pacto com o diabo. Conforme ressaltou Santos, a repressão a feitiçaria
visava as práticas individuais, de pessoas que pactuavam com o demônio. Diante disso,
segundo o autor, o que é socialmente descrito como feitiçaria “não seria mais que um
corpo de crenças e práticas relacionadas com o medo e o desejo, o inesperado, o
maravilhoso, o destino, do que um positivo e sistematizado corpo de conhecimentos.”240
Edmar Santos afirma ainda, com base no pensamento de Sansi, que
Considera melhor que essa história seja dividida em no mínimo três
partes: africanos; portugueses e outros católicos europeus; e
protestantes europeus. Essa divisão seria central para entender como o
discurso protestante sobre o fetiche na África foi, em muitos sentidos,
uma transposição da rejeição ao catolicismo na Europa.241

A partir do que foi exposto por Santos, pode-se concluir que, atribuir as práticas
tidas como feitiçaria às tradições africanas é um enorme equívoco, na medida em que
estas são representações sociais construídas na Europa a partir do pensamento cristão. No
entanto, não pode-se ignorar que este termo foi usualmente empregado às práticas
religiosas afro-brasileiras com o intuito de depreciá-las e atribuí-las um caráter
demoníaco e maléfico.
Apesar de dona Dalva não ter revelado quais eram os seus guias, e nem permitido
o aceso ao seu altar, é possível que ela, assim como as outras benzedeiras que participaram
desta pesquisa, mesmo assumindo a identidade religiosa católica, em suas vivências
religiosas e terapêuticas mantivesse algum dialogo com outras religiosidades,
especialmente com as religiões mediúnicas, tendo em vista, a presença de guias espirituais
durante as benzeções. Sabe-se, que através dessas múltiplas influências culturais, as

240
SANTOS, Edmar Ferreira, Op. cit. p.74.
241
Ibidem, p. 75.
107

práticas de cura mágico-religiosas são ressignificada pelos benzedores, benzedeiras,


curandeiros e curandeiras, tornando este oficio repleto de singularidades.
108

Capitulo 3: As doenças e a oferta de cura no universo mágico-religioso em


Jacobina.

3.1- Terapêuticas de cura e as doenças tratadas no âmbito das práticas mágicas


afro-brasileiras em Jacobina.

A atuação dos agentes das terapêuticas mágico-religiosas, se faz bem delimitada


a partir do diagnóstico da doença que afeta o consulente. A “área” de atuação desses
agentes pode variar de acordo com a enfermidade apresentada pelo cliente. O ritual
empregado para se alcançar a cura, pode mudar de acordo com a agência religiosa a qual
está vinculado o agente.
Nos candomblés tradicionais, a identificação dos distúrbios envolvendo a saúde
física e espiritual, perpassa pela consulta aos orixás através do jogo de Ifá, um sistema
divinatório ancestral de origem africana, essencial para o funcionamento da religião como
um todo. Os búzios são consultados cotidianamente no candomblé pelos babalorixás e
Ialorixás “no transcurso das vinte e quatro horas que se seguem, será inteiramente
determinada pelo edu que saiu.”242 A partir do jogo de Ifá é que se sabe o orixá dono da
cabeça de cada pessoas. É ele quem determina, as ervas, banhos, ebós, e o tratamento
necessário para cada consulente. Conforme Reginaldo Prandi, o jogo de búzios é
“Uma ponte com o mundo sobrenatural, fonte de conhecimento que
propicia um jogo de perguntas de humanos e respostas que
supostamente veem do outro mundo, das divindades, dos espíritos.
Os sacerdotes são os intermediários do oráculo e, portanto, somente
eles podem lidar com esse conhecimento.”243

O oráculo, no entanto, vai aquém da adivinhação. A interpretação que é realizada


pela Ialorixá ou babalorixá fundamenta-se nos “estudos e apropriação de um sistema de
signos complexos”,244 intrínsecos aos fundamentos do candomblé. Cabe a estes
especialistas, através do Ifá identificar a natureza da doença, se é de caráter espiritual ou

242
BASTIDE, Roger. O Candomblé da Bahia. São Paula: Companhia das Letras, 2001 p. 125.
243
PRANDI, Reginaldo. Axé, Corpo e Almas: Concepção de Saúde e Equilíbrio Segundo Candomblé.
In: Paulo BLOISE. (org.). Saúde integral: a medicina do corpo, da mente e o papel da espiritualidade.
São Paulo, Editora Senac, 2011, v. 1, p.1-2.
244
REIS, Marieta. Do moço do anel às coisas do azeite: um estudo sobre as práticas terapêuticas no
candomblé. Dissertação de Mestrado (Pós-Graduação em Saúde Coletiva), Salvador: UFBA, 2012. p. 87.
109

material, se é passível de tratamento alopata, espiritual ou as duas formas combinadas.


De acordo com Marieta Reis, os babalorixás e Ialorixás caracterizam-se enquanto
especialistas do setor popular, na medida em que o seu poder de cura é reconhecido pelo
grupo social a que pertence, ainda que este não seja legitimado por outros setores da
sociedade. 245
Dona Nina, Ialorixá do Ilê Axé Odoiá em Jacobina-Ba, ressaltou que “O Ifá é a
base de tudo. A gente vai pro Ifá pra ver se é realmente espiritual ou é doença material.”246
De acordo a Ialorixá, em muitos casos, a doença material só pode ser tratada se antes
existir o procedimento de limpeza espiritual, visto que o desequilíbrio do espirito, afeta o
corpo e o indivíduo como um todo, inviabilizando em alguns casos, a cura ou tratamento
a partir da medicina acadêmica.
Banhos, chás de ervas, remédio de farmácia é raro, só coisas assim
bestas, bobas né. [...] E nós usa as raízes, as ensabas, que são as folhas,
essas que são os nossos remédios. E outras curas que são fundamentos,
que não podemos falar. Então depende disso. Ai depois a pessoa, pode
ir pra parte medicinal, porque se retira aquela parte espiritual. A pessoa
fica fraca, ai tem que ter o seu reforço espiritual. E às vezes o espirito
também deixa a doença. O médico não vê, só depois quando, se retira
ai o médico vê a doença.

O tratamento orientados a partir dos ambientes de terreiros é fundamentado na


utilização de ervas, raízes, cascas e vegetais em geral. Usados na forma de banhos, chás,
garrafadas e emplastos. A maneira como serão empregadas para se obter a cura de uma
determinada enfermidade, dar-se após a consulta ao Ifá. Deve-se levar em conta, que as
causas bem como o diagnóstico das mesmas são individualizadas.
Dona Nina destacou a importância da consulta aos búzios, na medida em que o
uso dos vegetais não deve ser feita sem orientação do babalorixá ou ialorixá, dado que o
emprego inadvertido das ensabas – plantas - pode agravar os problemas de saúde de quem
a utiliza.
Que não é todas ensabas, cada um tem... Cada ensaba tem um
significado, ensaba é a folha. Cada uma tem um significado. Então nós
não podemos dizer assim, essa é usada pra... Porque às vezes você
necessita de uma ensaba de um jeito, nem todas ensabas podem ser
misturadas. Porque tem pessoas que se automedica, como tem pessoas
que se auto... Acha que pode passar um banho, chagar lá e tomar. Como
é errado se automedicar é errado também assim. Porque às vezes invés
de você melhorar faz é piorar. Porque você inventa de fazer uma junção

245
REIS, Marieta, op. cit. p. 87.
246
Maria da Conceição (Nina), entrevista concedida a autora em 19/08/2015.
110

de uma ensaba com outra ai não dá certo. Invés de sua vida ir pra frente,
sua vida vai pra trás. [...] Porque não tem... Às vezes você pega uma
ensaba, folha, coloca e faz uma chá e você não se dá bem com aquele
chá. Mesmo você não sendo de candomblé. Você dá vontade de tomar
um chá que você vê que tem pessoas que toma... vou te citar uma
exemplo, chá de cidreira e dorme e tem pessoas que toma e não
dorme. 247

A utilização das plantas nas religiões afro-brasileiras, apoia-se no conhecimento


ancestral herdado dos africanos escravizados nos Brasil e produzido no contexto cultural
do Atlântico Negro. A partir do conceito desenvolvido por Gilroy, o atlântico constituiu-
se enquanto “um sistema vivo multicultural e micropolítico em movimento.”248 Este
situa-se como difusor da cultura negra ocidental, sendo estas intrínsecas a experiência de
escravidão dos povos africanos. Gilroy afirmou que,
Como tentei demonstrar, esta abordagem cosmopolita nos leva
necessariamente não só a terra, onde encontramos o solo especial no
qual se diz que as culturas nacionais têm suas raízes, mas ao mar e à
vida marítima, que se movimenta e que cruza o oceano Atlântico,
fazendo surgir culturas planetárias mais fluidas e menos fixas. A
contaminação líquida do mar envolveu tanto mistura quanto
movimento. Dirigindo atenção repetidamente às experiências de
cruzamento e as outras histórias translocais, a ideia do Atlântico negro
pode não só aprofundar nossa compreensão sobre o poder comercial e
estatal e a sua relação com o território e o espaço, mas também resume
alguns dos árduos problemas conceituais que podem aprisionar ou
enrijecer a própria ideia de cultura.249

Nesta perspectiva, Gomes, que se dedicou ao estudo dos saberes e diálogos da


etnobotânica transatlântica nos espaços dos terreiros, quilombos e quintais em Belo
Horizonte, parte da premissa de que o Atlântico negro não caracterizou-se apenas
enquanto espaço de translado de pessoas mas também dos seus saberes e culturas. A
etnobotânica, não diferentemente, também situa-se no processo da diáspora africana
através da culinária, da fitoterapia e da religiosidade. 250
Os rituais africanos se mantiveram com dinamismo no território
brasileiro. Formou-se um Atlântico Negro de plantas, esse espaço
simbólico das plantas, construído pelas culturas migrantes africanas,

247
Idem.
248
GILROY, Paul. O Atlântico Negro: Modernidade e Dupla Consciência. Rio de Janeiro: Editora 34.p.
38.
249
Ibidem. p. 15.
250
GOMES, Ângela Maria da Silva. Rotas e Diálogos de Saberes da Etnobotânica Transatlântica
Negro-Africana: Terreiros, Quilombos, Quintais da Grande BH. Tese (Doutorado em Geografia) -UFMG.
Belo Horizonte,2009. p.32.
111

que sobreviveu e se re-traduziu para além da gravidade e dos limites da


escravidão e do racismo.251
O atlântico negro estabeleceu uma imensa troca etnobotânica de tradição africana
nas Américas, como provisões alimentícias de uso geral e medicinal. Estas foram
cultivadas pelos escravos em hortas caseiras, nas áreas de plantio de subsistências e nos
mocambos por negros libertos.252 Carney destaca entre os produtos cultivados nas
Américas a partir do tráfico transatlântico de escravos o feijão, café, quiabo, andu,
inhame, pimenta, hibisco, noz de cola, azeite de dendê entre ostros. Segundo a autora
sobressaíram entre as plantas introduzidas pelos africanos por suas propriedades de cura,
momordica charantia (Melão-de-são-caetano); Hibiscus sabdariffa (Hibisco), Cannabis
sativa (Maconha), Ricinus communis (Mamona) e Cola acuminata (Noz-de-cola).253
Sendo que algumas destas plantas são exploradas em seu potencial curativos e em
diversos ritos religiosos afro-brasileiros, por benzedeiras e curandeiros ainda hoje no
Brasil.
Ao estudar o uso das plantas na sociedade iorubá, Verger destacou que estes
utilizavam parâmetros divergentes do ocidental, para classificar as plantas cuja nomeação
considera “seu cheiro, sua cor, a textura de suas folhas, sua reação ao toque e a sensação
provocada por seu contato, entre outras”.254 Deste modo, o autor destaca a complexidade
da etnobotânica nas sociedades tradicionais africanas onde os vegetais – ewe – são
essenciais nos rituais mágicos-curativos. Estes, em sua nomenclatura em iorubá, vêm
acompanhados das suas qualidades pronunciadas no memento da preparação ou durante
o ritual de cura através do ofò -encantações – da ação esperada das plantas que compõem
a receita mágico-terapêutica. Enquanto na tradição ocidental o nome cientifico e seus
aspectos farmacológicos são fundamentais, nas sociedades tradicionais africanas ofò é
primordial. 255
Nessas encantações, os nomes de folhas são acompanhados de duas ou
três linhas descrevendo suas qualidades naquele caso em particular. A
uma certa folha podem ser atribuídas virtudes diferentes segundo sua
associação com um ou outro conjunto de folhas, pois elas entram na
composição de diferentes preparações medicinais. 256

251
Ibidem. p. 91.
252
CARNAY, Judith. Navegando Contra A Corrente: O Papel dos Escravos e da flora africana na botânica
do período colonial. Revista do Centro de Estudos Africanos. USP, São Paulo, 25-47, 1999/2000/2001.
p. 27.
253
Ibidem. p. 27-28.
254
VERGER, Pierre Fatumbi. Ewé: O Uso das Plantas na Sociedade Iorubá. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p.28.
255
Ibidem. p. 24.
256
Ibidem. p.24.
112

O emprego da palavra durante os rituais de cura, pôde ser observado nas práticas
dos mais diversos agentes no contexto afro-brasileiro em Jacobina. Seja no candomblé,
através de cantos entoados para os agentes mágicos, seja entre os curandeiros/curandeiras,
rezadeiras e umbandistas. Assim como no candomblé, na umbanda ou no pigi, as
“encantações” através das palavras são usadas nos cânticos e nas orações aos agentes
mágicos.
O diagnóstico das doenças na umbanda e no pigi, é feito pelos guias dos agentes
de cura – caboclos, encantados, exus, ciganas e pretos velhos - que são chamados à
incorporar nos agentes de cura, através de orações ou dos cânticos específicos de cada
agente mágico. Por meio do transe dos agentes de cura, os seus guias realizam o
diagnóstico da enfermidade e orientam os consulentes em relação ao tratamento a ser
adotado.
Senhor Amado, líder umbandista do terreiro Sultão das Matas salientou ser
imprescindível a presença dos seus guias através do seu transe na realização dos trabalhos
em seu terreiro. “Ah eu só faço trabalho com eles. Na hora eu tô lá fora, é dia de trabalho,
[...] Ai eles já me pegam, ai eu já começo a fazer as coisas, e não vejo nada.”257
Os rituais de cura, são realizados na maioria das vezes, no espaço do terreiro. A
depender do problema apresentado pelo consulente, podem ser feitos em várias etapas.
Estas incluem, primeiro uma consulta, onde são indicados banhos de limpeza com ervas,
geralmente realizado na casa do consulente por ele mesmo. Em uma segunda consulta é
realizado o trabalho – “Primeiro eu paço os banhos. Sem os banhos eu não faço trabalho
nenhum, eu paço uns banhos. É. Ai toma os banhos, no derradeiro banho no outro dia
vem aqui ver se já terminou. Ai eles já vai ordenar o trabalho, orientar pra fazer .”258
Os banhos são feitos com as ervas indicadas pelos guias do argente de cura e têm
a função de limpar o corpo físico e espiritual de sobrecargas causadoras pelo adoecimento.
De modo geral, a indicação das ervas pelo agente mágico, leva em consideração, o orixá
de cabeça do mesmo. Em decorrência disso, nota-se a observância dos agentes de cura
quanto a outo-medicação e personalização das consultas espirituais realizadas por eles.

257
Entrevista com Amado Pereira dos Santos, entrevista concedida a autora em 20/03/2012.
258
Entrevista com Amado Pereira dos Santos, entrevista concedida a autoras em 15/10/2015.
113

Nesta perspectiva, Camargo259 destacou que as plantas desempenham duplo papel


na eficácia das terapias a serem aplicadas. Exercem o papel sacral e funcional. Estas
funções, embora dupla tornam-se complementares. A primeira, deve ser compreendida no
seu valor simbólico construído subjetivamente dentro de determinado sistema de crenças
“capaz de impregnar as plantas de poderes curativos emanados das forças
sobrenaturais.”260 A segunda advém da sua composição química, provável a partir de uma
investigação empírica das atividades biológicas do vegetal. Nos rituais de cura, estas
funções se complementam, na medida em que as atividades funcionais das plantas são
potencializadas, ou mesmo ativadas a partir da ação dos agentes mágicos.
Destarte, um banho de limpeza tem sua eficácia, quando orientado por forças
sobrenaturais. Por este motivo a automedicação, no contexto afro-brasileiro pode torna-
se ineficaz. Como observou-se a partir da interlocução supracitada do sacerdote
umbandista Amado Pereira dos Santos, ao tratar dos procedimentos de cura realizados no
seu terreiro na terceira pessoa do plural, em referência aos seus guias espirituais. Ou ao
afirmar que só trabalha com eles, ou seja, incorporando pelos agentes mágicos.
Os banhos situam-se no início e no fim da maioria dos rituais nas religiões afro-
brasileiras, desde o contato com as divindades, iniciação, preparos das festas, oferendas,
início e fim de trabalhos. Todos estes procedimentos requerem a “limpeza do corpo com
a água e a força do ritual que são as folhas”,261 “sem folha não existe orixá”. Esta
funcionalidade ocupada pelos vegetais, se estende a todas as vertentes religiosas afro-
brasileiras.
Sobre as plantas utilizadas para os banhos de limpeza antes de iniciar os trabalhos
de cura, senhor Amado deu o seguinte relato.
Tem umas que eu compro nos orixás, na casa de orixás. Mas na roça
assim tem muitas. Tem folha de mucunã, tem folha de manga espada.
Folha de pitanga, é ótimo. Folha de cajá.[...] Apois, folha de cajá ainda
é melhor que o alecrim. Aqui eu paço também de alecrim-de-vaqueiro,
folha de pau-de-rato, folha de fumo [...] Ai a gente vai dando estes
banhos e vai descarregando é. Quandi vem já vem aliviado mais. É... Já
melhora pra mim. 262

259
CAMARGO, Maria Thereza Lemos de Arruda. As plantas medicinais e o sagrado, considerando seu
papel na eficácia das terapias mágico-religiosas. Revista Nures | Ano X | Número 26 | janeiro-abril de
2014. p. 10.
260
CAMARGO, op. Cit, p 10.
261
GOMES, Ângela Maria da Silva. Op. Cit, p. 137.
262
Entrevista com Amado Pereira dos Santos, entrevista concedida a autoras em 15/10/2015.
114

Há uma diversidade de plantas empregadas por senhor Amado para a realização


dos banhos de limpezas. Boa parte delas são facilmente encontradas nas casas
especializadas em venda de produtos usados nos rituais religiosos afro-brasileiros. Mas,
a maior parte delas são cultivadas no próprio ambiente do terreiro, ou roça. Sendo estes
espaços, responsáveis pelo resguardo de diversas espécies de vegetais a serem usados nos
ritos. Nos terreiros, as plantas seguem uma ritualização que implica em como ser deve
processar o seu manejo, o modo e horário que deve ser coletada e outras ações que
integram uma relação mística entre o homem e a planta. 263
Além dos espaços dos terreiros estas plantas são largamente cultivadas nos
ambientes domésticos em espaços como os quintais onde são empregadas para fins
terapêutico.
Diversos quintais possuem plantas para alimentação, ervas medicinais
ou usos diversos, o que torna interessante uma leitura do papel da
etnobotânica desses espaços para a sobrevivência e a vivência de
saberes sobre a saúde, gestão de áreas de risco, e da biodiversidade, em
outras matrizes culturais, que não só a europeia. Os saberes produzidos
e guardados pela memória, reproduzidos pela oralidade, dão
significação aos espaços dos quintais e das plantas neles inseridas. 264

A importância destes espaços, não se finda na preservação da espécie botânica,


mas sobretudo nos saberes neles partilhados sobre as suas diversas funcionalidades
sacrais e curativas. Em pequenas hortas construídas nos quintais de suas residências, as
rezadeiras e curandeiros/curandeiras plantam uma diversidade de ervas que
posteriormente comporão remédios como garrafadas, xaropes, sumos, banhos e para os
rituais de benzeção.
Vela é só pra ascender pra luz, pra clarear os caminhos. E as ervas é
folha de arruda, qualquer outra folha verde, a quarana, qualquer folha
verde, eu pego ali no quintal, tiro e rezo as pessoas. Umas eu tenho
outras morreram, mas eu vou cultivar, não tem caqueiro. O quintal e
pequeno. Eu tenho no caqueirinho ai oia. Ai eu pego. Tem hortelã
graúdo ali que é d’eu fazer xarope. [...] Qualquer planta, pra rezar
qualquer planta. Mas eu gosto mais de rezar com arruda ou vassourinha.
Vassourinha tá difícil da gente achar e com essa seca... Só quando eu
vou pra roça ai eu trago [...] A arruda tem que quebra a força do olho
mal. Eu paço banho também pro pessoal. 265

263
GOMES, Op. Cit, p. 100.
264
GOMES, Op. Cit, p. 122.
265
Entrevista com Maria Áurea, entrevista concedida a autoras em 07/01/2015.
115

No rito e benzeção, o curandeiro/curandeira e rezadeiras retiram pequenos galhos


de vegetais como arruda, alecrim, hortelã, manjericão, quioiô, tipi, entre outros, que são
envoltos em sinal da cruz no corpo do consulente, enquanto o agente de cura – em transe
ou não – realiza uma oração. Algumas vezes são acesas velas ou copos com água são
colocados próximo ao benzido no decorrer do ritual.
A benzeção tem a função de descarregar o corpo e livra-lo de doenças espirituais
que afetam também o corpo físico, através de dores de cabeça e no corpo em geral, febre,
ou doenças com sintomas mais estritos ao aspecto emocional ou espiritual, como mau-
olhado, quebranto, depressão, etc.
Eu vejo as coisas. Eu vejo as coisas, eu rezo a pessoa. A pessoa pode
vir na minha casa doente. [...] Se tá com uma dor de cabeça, gritando
com dor de cabeça, ali eu pego um molho de remédio[...]. Pego
remédio, folha do mato e vou pego um copo de água, mando a pessoa
segurar e vou e rezo aquela pessoa e aquela pessoa no momento me diz
pra mim que tá curada.266

Além das folhas as benzedeiras lançam mão de outros objetos no momento da


benzeção, como o terços, velas e o copo com água, que assim como as ervas tem a função
de absorver as energias negativas do corpo do consulente, além de iluminar os caminhos,
no caso das velas. Em algumas situações, o uso destes objetos, substitui o uso das plantas,
que em decorrência da urbanização e diminuição dos espaços cultiváveis nas cidades,
acarretou na dificuldade de serem encontradas, como relatou a benzedeira Dalva dos
Santos.
Às veis folhas, às veis não. Eu rezo com o terço, quando tem uma folha
verde, eu rezo, quando não tem... É... mas é difícil hoje a gente não acha
mais nesse tempo. Rezava com vassourinha, fedegoso, hoje não tem
mais... É difícil é..267

O copo com água usado junto com as plantas, desempenha também a função de
potencializar descarrego do corpo do consulente e evitar a sobrecarga negativa para o
corpo do agente de cura. “Às vezes quando a pessoa tá muito pesada eu boto um copo
com água, ai rezo depois eu jogo fora. Pra não ficar na gente que reza a energia negativa.
Às vezes eu boto no chão, na frete da pessoa, outra hora boto no altar.”268

266
Entrevista com Ana Maria da Silva, entrevista concedida a autora em 4/8/2015.
267
Entrevista com dona Dalva dos Anjos , entrevista concedida a autora em 13/10/2013.
268
Entrevista com Maria Áurea, entrevista concedida a autoras em 07/01/2016.
116

A água aparece nos estudos de Souza269 e Soares270 entre os elementos ritualísticos


de cura que proporciona a adivinhação do passado, do presente e futuro, entre as práticas
mágico-curativas. Sua utilização já se fazia pelos praticantes das artes da cura desde o
período colonial. Muito embora os agentes de cura em Jacobina não tenha relatado esta
utilização da água, enquanto elemento divinatório, Soares destacou que está prática é
bastante comum entre benzedeiras no interior baiano, cuja vivências percorrem diversas
heranças culturais agregando orações, ervas da medicina popular e benzeduras 271.
A atribuição da água enquanto elemento que favorece absorção de energias
negativas, também foi descrita por Amado Pereira. Em seu terreiro o copo com água era
colocado na porta de entrada do salão principal após a realização de trabalhos mágico.
Isso era feito para que a pessoa encarregada de despachar os materiais utilizados nos
trabalhos, ao entrar novamente no terreiro, transfira a sobrecarga negativa absorvida do
despacho, para o copo com água. Após a passagem pela porta, a água então,
sobrecarregada com energias nocivas era despejada para a parte externa do terreiro.
No contexto simbólicos das práticas mágicas de benzeção, a água representa um
elemento purificador capaz de limpar o corpo espiritual dos agentes de cura e
principalmente dos consulentes, na medida em que expurga simbolicamente os elementos
causadores de enfermidades. Do mesmo modo, a palavras, por meio da oração, repetida
diversas vezes pelo benzedor, anuncia, os males a serem tratados e os agentes mágicos a
quem se dirigem as preces. Ela contém a força e intenção de retirar o mal e reestabelecer
o bem-estar do enfermo.
O ato de rezar que é uma forma de dirigir ao outro um enunciado com
uma determinada intenção, proporcionar o fim da doença, forma um
conjunto de significados que são partilhados pela rezadeira e por aquele
que é rezado. Assim, o ritual da reza se organiza de modo a dialogar
com as diferentes forças sociais, que ora afirmam modelos tradicionais
como a preservação das heranças recebidas dos antepassados, ora
ultrapassa essas heranças, reelaborando novas rezas, incorporando
plantas medicinais, e imprimindo a cada ocasião de reza significados
novos, pois os sujeitos que vivenciam esse momento são únicos. 272

269
SOUZA, Op. Cit.
270
SOARES, Cecília Conceição Moreira. Encontros, desencontros e (re) encontros da identidade
religiosa de matriz africana: a história de Cecilia do Bonocô Onã Sabagi. Tese (Doutorado em
Antropologia). Recife: UFPE, 2009.
271
SOARES, Cecília, Op. Cit.
272
THEORONHO, Andrea Carla Rodrigues. Entre Ramos de Poder: rezadeiras e práticas mágicas na
zona rural de Areia. Dissertação (Mestrado em História) UFCG. Campina Grande- PB, 2010. p. 34-35.
117

É possível observar a similaridade do emprego das palavras nos rituais de


benzeção e nas práticas de cura realizadas entre os iorubás descritas por Verger, nas quais,
todo o rito de cura, desde o preparo até a aplicação dos trabalhos mágicos, são
acompanhadas pelas encantações – ofós – sem as quais, os procedimentos de cura não
seriam possíveis. Tendo em vista que estes conhecimentos, transmitido através das
gerações, são considerados como veículo do axé.273
Do mesmo modo, as palavras pronunciadas por meio das rezas durante a
benzedura, são possuidoras de um poder mágico de cura, aliado a isso, deve-se considerar
os demais elementos presentes no ritual. As plantas usadas isoladamente, fora do rito de
cura, não possuem o mesmo poder mágico-curativo, bem como, as palavras, que
pronunciadas fora deste contexto, ou por alguém não especializado nas artes da cura, não
surtirão o efeito desejado.
Transmissão oral do conhecimento é considerada na tradição ioruba
como o veículo do axé, o poder, a força das palavras, que permanece
sem efeito em um texto escrito. As palavras, para que possam agir,
precisam ser pronunciadas. O conhecimento transmitido oralmente tem
o valor de uma iniciação pelo verbo atuante, uma iniciação que não está
no nível mental da compreensão, porém na dinâmica do
comportamento. É baseada mais em reflexos que no raciocínio, reflexos
estes induzidos por impulsos oriundos do fundamento cultural da
sociedade. 274

Nesta perspectiva, Bakhtin afirmou, que é imprescindível estudar a linguagem de


modo interior ao contexto na qual ela está inserida. “A palavra está sempre carregada de
um conteúdo ou de um sentido ideológico ou vivencial. É assim que compreendemos as
palavras e somente reagimos àquelas que despertam em nós ressonâncias ideológicas ou
concernentes à vida.”275 As palavras proferidas durante a benzeção, bem como todo rito
simbólico, é um produto da interação de dois indivíduos276. Assim, a palavra tem sentido
dialógico, envolvendo o benzedor e o benzido, a benzedeira e o sobrenatural.
Essa orientação da palavra em função do interlocutor tem uma
importância muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas
faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém,
como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente
o produto da interação do locutor e do ouvinte. Toda palavra serve de
expressão a um em relação ao outro. Através da palavra, defino-me em
relação ao outro, isto é, em última análise, em relação à coletividade. A
palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros. Se ela se

273
VERGER, Op. Cit, p. 20.
274
Ibidem. p.20.
275
BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 12ª Edição – HUCITEC. 2006. p. 96.
276
BAKHTIN, Op. Cit.. p.115.
118

apoia sobre mim numa extremidade, na outra apoia-se sobre o meu


interlocutor. A palavra é o território comum do locutor e do
interlocutor.277

A interação entre os agentes de cura e os agentes mágicos se davam através de


cânticos, específicos da entidade que pretendia se comunicar, ou através da oração -
indispensável quando os agentes em questão se tratarem das benzedeiras. Através das
rezas estas agentes se comunicam simbolicamente com o mágico, com o objetivo de que
as divindades intercedessem em prol da cura do consulente.
No campo mágico-curativo afro-brasileiro em Jacobina, observou-se uma divisão
de especialistas quanto ao tratamento das doenças no que tange às benzedeiras,
Curandeiros/Curandeiras. As benzedeiras são agentes diretamente ligadas às práticas de
cura domesticas e que em alguns casos podem ter auxilio de guias espirituais através do
transe, ou através de visões. O tratamento realizado por estas agentes de cura consiste na
benzeção, banhos, chás, xaropes. Elas são capazes de identificar a natureza da doença,
se, de caráter espiritual, cujo tratamento pode ser realizados por elas; ou de caráter
espiritual, mas que só pode ser tratada por curandeiro domésticos ao em terreiros. Ou
ainda, se trata-se de “doença de médico”, cujo tratamento deve ser realizado através da
medicina alopata. “Quando a gente tá rezando é que a gente sabe qual é a doença que a
reza cura e qual é a doença que só o médico. Mas a gente só sabe quando tá rezando.
[...]Quem tem doença espiritual é difícil o médico curar.”278
Quando a enfermidade é considerada de cunho espiritual pela rezadeira, ela avalia
se é uma doença que pode ser curada no âmbito da benzeção e demais elementos mágicos
à sua disposição, ou se o mal a ser tratado exige um maior grau de complexidade, como
a realização de trabalhos mágicos, que só podem ser feitos por curandeiros/curandeiras.
A diferença entre estes especialistas nas artes da cura é que os curandeiros/curandeiras
realizam festejos com batuque e samba, e matança de animais para a realização de alguns
trabalhos mágicos. Por outro lado, alguns destes curandeiros/curandeiras realizam os
ofícios da cura em ambientes domésticos e muitas vezes não têm vínculo direto com
algum terreiro. Muitos, só tiveram contato com os cultos em terreiros, para a realização
do trabalho inicial, que os permitiram praticar o oficio da cura. Estes curandeiros
domésticos não costumavam realizar festejos com batuques, no entanto, fazem uma série
de trabalhos mágicos.

277
Ibidem, p.115.
278
Entrevista com Maria Aurea (Maninha), concedida a autora em 07/01/2015.
119

Montero, ao distinguir as práticas curativas entre benzedeiras e curandeiros,


afirmou que ambos trabalham sob um universo mais ou menos conhecido de doenças,
cuja atuação dos curandeiros se dava a partir de um conhecimento empírico da doença e
neste caso, os elementos mágicos apareciam de maneira subalterna 279. “O curandeiro tem,
é verdade, uma relação de intimidade com o mundo sobrenatural, que o distingue dos
outros homens, mas é sempre ele que age, com seu saber, sobre a doença, e não as
divindades.”280 O que pôde-se observar no entanto, em relação às atividades curativas
desempenhado por curandeiros em Jacobina, é que estes se utilizam sobretudo do
potencial mágico a sua disposição, através dos agentes mágicos, que diagnosticam o mal
a ser cuidado e indicam o tratamento a ser realizado.
As benzedeiras, de acordo com Montero, distinguem-se dos curandeiros,
Na medida em que ela age sobre a doença apenas simbolicamente,
através da reza. Seu campo de atuação é mais restrito, na medida em
que age preferencialmente sobre doenças de pouca gravidade como
vermes, doenças infantis, algumas dermatoses como a erisipela e ainda
sobre as doenças causadas por mau-olhado ou quebranto.281

Compreende-se, que tanto as rezadeiras quando os curandeiros, lançavam mão do


sobrenatural para diagnosticar e tratar determinada doença. Isso se evidencia na própria
concepção de ambos sobre a doença - entendida enquanto desequilíbrio que afeta o corpo,
e o espirito. Desse modo, tendo a doença o seu caráter mágico, seu tratamento também
encontra-se envolto de uma série de ritos que apelam paro o sobrenatural. Sendo assim,
ambos os agentes possuem um certo conhecimento empírico em relação a doenças e aos
remédios a serem utilizados, que são quase sempre de origem vegetal. Eles dispunham da
sabedoria do lido com as ervas e reconhecem o potencial curativos a ser explorado delas.
Os curandeiros, eram incumbidos de curar doenças como depressão, loucura,
epilepsia, problemas de santo - quando havia a necessidade iniciação do consulente nos
cultos afro-brasileiros - encostos, doenças ginecológicas, como miomas e cistos, entre
outras. As rezadeiras tinham capacidade de curar doenças como, erisipela, folgo
selvagem, mal olhado, dores de cabeça e de dente, espinhela caída, vento caído, torção
no pé, derrame, verminoses, gripe, sinusite, problemas digestivos, etc. Quando a rezadeira

279
MONTERO, Paula, Op. Cit, p. 61.
280
MONTERO, Paula, Op. Cit, p. 61.
281
Ibidem. p. 61.
120

identificava um problema de ordem espiritual, que não tinha a capacidade de curar, ela
orientava o consulente a procurar os curandeiros/curandeiras.
Sobre o ofício do curandeiro, a benzedeira Maninha faz o seguinte comentário.
Verdade deve ser dita uma missão dessa pra pessoa assumir [....] E a
pessoa ele sofre muito também é pessoas carregada que chega. Chega
muita gente com força espiritual negativa e pra pessoa retirar, nem todo
mundo acredita não tem força pra tirar e depois fica um baleio de gato
daqueles. Não é como aqui que neguinho chega cai ali: C’ê caiu por
quê? Caiu na minha casa? Levanta! Aqui mesmo não, que eu não quero
este balaio de gato! (Risos). [...] É mas... Maninha eu tava bom vim cair
aqui em tua casa. Eu: Problema é seu! C’ê trouxe lá da rua, de sua casa
veio cair aqui porque não pode ficar aqui! Que nesta casa o que é ruim
não fica, o que é ruim tem que sair daqui, pra porta da rua. Vai embora!
(risos). 282

Compreende-se, a partir do depoimento da benzedeira Maninha, que em casos


onde havia a presença de entidades espirituais negativas interferindo na vida do
consulente, ela enquanto benzedeira, indisponibiliza o atendimento ao consulente, por
não dispor de meios espirituais para resolvê-lo. Do mesmo modo, ela chama atenção para
a dificuldade do oficio do curandeiro, por eles cuidarem de pessoas com forças espirituais
negativas. As rezadeiras, por outro lado, embora trate das doenças espirituais, não tratam
de iniciar o consulente, ou “doutrinar” entidades espirituais, isso fica a cargo dos
curandeiros e curandeiras.
Maninha afirmou ainda, que a depender dos guias espirituais da rezadeira e do
consulente a benzedeira pode ser capaz de afastar certas entidades negativas do benzido.
E tem os guias de luz que as pessoas recebem que se tiver força pra tirar
não precisa ir pra casa de curador. Com a própria reza, oração, com os
banhos, com os guias da pessoa, e os guias que a pessoa tá trabalhando
que tá rezando. Porque a pessoa que reza tem mediunidade, tem guia
espiritual. Muitas vezes não recebe mas eles estão de junto pra ajudar. 283

Pode-se afirmar que no universo mágico curativo afro-brasileiro em Jacobina, as


benzedeiras podem ser consideradas enquanto uma espécie de “generalista” das artes da
cura. Capazes de identificar inúmeras doenças, mas incapazes de tratar uma série de
males, que dependeria de um maior domínio e interação com o sobrenatural. Desse modo,
problemas de saúde que exijam como tratamento a realização de trabalhos, as benzedeiras
encaminham o consulente para um curandeiro ou uma curandeira. Por outro lado, existem

282
Entrevista com Maria Aurea (Maninha), concedida a autora em 07/01/2015.
283
Idem.
121

doenças tipicamente das benzedeiras, que são tratadas com a benzeção, banhos e remédios
feitos por elas em suas residências. Entre as doenças mais comuns, destaca-se o “mal
olhado” também conhecido como “quebranto” ou “morfina”.
A benzedeira Dedê, que benze especialmente crianças, descreve como sintomas
de olhado, vômito, falta de apetite e em caso de bebês, a recusa em ser amentado. A causa
do olhado, segundo ela, vem de uma admiração de terceiros - “oh mas deus benza, com
ele tá gordo!”; “ah, mas ele mama bem!”284. Para ela, mau-olhado não é colocado no
outro propositadamente, ela o descreve da seguinte forma.
“É o olhar da pessoa. É a pessoa que tem assim... com um anjo forte,
fraco. [...] Admira, outras vezes assim. Eu queria ter, num tem; queria
poder fazer isso, não posso; e às veis através daquilo, aquele jeito
daquela pessoa, a pessoa se sente mal.”285

Quintana, assinala que o mau-olhado, pode ser considerado “a quintessência da


inveja – a envidia, que assume vida própria, acima e além da intencionalidade”. 286 Assim,
o mau-olhado, pode ser compreendido como uma admiração excessiva que pode levar ao
adoecimento de quem é admirado. Pode ser-lhe atribuído, a qualidade da inveja, do querer
e não poder. O olhado é uma das principais causas tratadas pelas rezadeiras, identificado
desde o período colonial, entre as enfermidades tratadas pelos curandeiros e curandeiras.
Souza, afirmou que naquele período curava-se de quebranto e erisipela através das
palavras.287 Sintomas como febre, dor de cabeça e no corpo, bem como o modo como
era sanado se assemelha com as práticas das rezadeiras aqui estudadas.
Para combate-lo, benzia o corpo todo do paciente com os dedos
indicador e polegar. Ou então com a cruz do seu rosário; enquanto fazia
as cruzes, dizia: “fulano com dois to deram, com três to tirem. Em nome
de Deus e da Virgem Maria.” A seguir, rezava um padre-nosso, uma
ave-maria e um glória ao pai à sagrada paixão e morte de Jesus. 288

O rito da benzeção, tal qual o estudado aqui, era composto, de modo geral por uma
Jaculatória, “orações curtas, simplificadas, reduzidas, fervorosas e suplicantes”289, em
que mesclam-se às orações consagradas pelo catolicismo como Pai-Nosso e da Ave-

284
Entrevista com Senhorinha de Oliveira Queiroz (Dedê), concedida a autora em 13/08/2014.
285
Entrevista com Senhorinha de Oliveira Queiroz (Dedê), concedida a autora em 13/08/2014.
286
QUINTANA, Op. Cit, p. 121.
287
SOUZA, Op. Cit, p. 239.
288
SOUZA, Op. Cit, p. 239.
289
OLIVEIRAS, Elda Rizzo. O que é benzeção. São Paulo: Brasiliense, 1985. p. 59.
122

Maria. 290 Nessas Jaculatórias, geralmente fala-se uma série de males que devem ser
combatidos pela benzeção, podendo também existir uma reza para cada enfermidade.
Além disso, estas jaculatórias são oferecidas aos santos de devoção da benzedeira. 291
Oh meu Senhor Ogum, meu Senhor São Jorge, meu Senhor São
Sebastião, minha Nossa Senhora Aparecida do Norte, minha Nossa
Senhora da Conceição, eu te chamo, eu peço pelo amor de Deus, eu
peço pelo amor de Deus, com a minha fé em Deus, meu coração pra
Deus. Pai nosso que está no céu, santificado seja o vosso nome, venha
a nós a vosso reino, seja feira a tua vontade, assim na terra como no céu.
O pão nosso de cada dia nos daí hoje, perdoai a nossas ofensas, assim
como nós perdoamos aqueles tenham te ofendido, não te deixo tu caí
em tentação mas te livre do mal. Ave Maria, Ave Maria cheia de graça,
o senhor é convosco, bendita as suas vozes entre as mulheres, bendito
é o fruto do vosso ventre Jesus. Santa Maria mãe de Deus rogai por nós
pecadores, agora e na hora da tua morte, amém. Pai Nosso pequenino,
tem a chave do paraíso, que Deus te leve um bom caminho, Nosso
Senhor teu padrinho, Nossa Senhora tua madrinha, quem te fez a cruz
na testa pro inimigo não te atentar, nem de dia, nem de noite, pino do
meio dia, nem na hora de tu deitar, nem na hora de tua morte, amém.
Com as sete palavras de nosso Senhor Jesus Cristo, creia sempre no
nosso Senhor Jesus Cristo, derramou o vosso manto sagrado no teu
corpo quer te livrar de toda perseguição mal. Com Deus tu se deita, com
Deus tu se alevanta, com a graça de Deus e do Divino Espirito Santo,
amém. 292

A oração utilizada por Ana Maria durante a benzeção, inicia-se com a invocação
a vários santos católicos, dos quais ela é devota, e a Ogum seu orixá de frente e primeiro
a ser aclamado. Depois, ela reza uma jaculatória seguida do Pai-Nosso, Ave-Maria, e Pai
Nosso Pequenino, oração disseminada no catolicismo devocional. Por fim, ela encerra a
benzeção com a jaculatória - “Com Deus tu se deita, com Deus tu se alevanta” – bastante
comum entre as jaculatórias utilizadas nas benzeções e que ao longo de gerações sofreram
algumas transformações tanto perdendo quanto ganhando novos elementos a exemplo da
variante, “Com dois de botaram, com três te tiro”.293
Destaca-se, que as benzedeiras que participaram desta pesquisa, com a exceção de
Dona Dedê e dona Ana Maria, afirmaram, não recordarem da reza que utilizavam para
benzer, e que estas eram ditas espontaneamente durante o ritual da benzeção. Isso pode
ser explicado, pelo fato de que boa parte delas, entravam em traze no momento da
benzeção, logo, a benção era conduzida por seus guias, o que poderia dificultar a

290
Ibidem, p. 59.
291
Ibidem, p. 59.
292
Entrevista com Ana Maria da Silva, Concedida a autora em 4/08/2015.
293
Esta jaculatória foi observada em campo no decorrer da pesquisa.
123

lembrança das mesmas após ritual. Por outro lado, a não lembrança da reza, pode
representar uma forma de controle em relação ao simbólico. O poder simbólico de quem
possue, se define numa dada relação entre os que exercem o poder e os que lhes são
sujeitos, na estrutura do campo onde se produz e se reproduz determinada crença. 294 Os
agentes de cura, no campo mágico-religioso, constituem-se enquanto especialistas
“socialmente reconhecidos, como os detentores exclusivos da competência necessária à
produção e reprodução de um ‘corpus’ deliberadamente organizado de conhecimento
secretos (e portanto raros).”295 Em vista disso, este conhecimento é exclusivo destes
especialistas, sendo os leigos destituídos do capital mágico-religioso necessário para ter
acesso a eles.
Entre as demais doenças tratadas pelas benzedeiras estão, peito aberto, espinhela
caída, erisipela e fogo selvagem. Peito aberto é atribuída a uma dor óssea que surge entre
as mamas e por vezes se estende até a região das costas. A erisipela e fogo selvagem
possuem ambas características dermatológicas relacionadas a irritação, ferimento e
coceiras na pele, como descreveu A benzedeira Maninha.
Peito aberto pega muito peso e fica com uma dor aqui oh. (Aponta para
a região que fica entre as mamas) aquela dor aqui no meio ai responde
pras costas. Ai você não gueta respirar. [...] Espinhela caída é uma
coisinha que a gente tem aqui oh, ai quando cai... (aponta para uma
proeminência no pescoço conhecida popularmente como Pomo-de-
adão) Ai a gente reza e melhora. Tem gente que fica rouco, rouco
quando tá caída, não dá uma palavra. Ai eu rezo. Eu rezo às vezes a
pessoa torce o pé, eu rezo, eu rezo de erisipela. Erisipela é aquela
doença que dá nas pernas que fere, dá coceira, rezo de fogo selvagem.
Fogo selvagem é aquele que parece que você tomou um banho de água
fervendo [...] Uma doença que dá e o corpo fica cheio de bolha aquelas
bolha de fogo. Tem gente que dá na cabeça, tem gente que dá debaixo
do braço, tem pessoas que dá nas costas.296

Outra enfermidade que é bastante tratadas pelas rezadeiras é o derrame,


cientificamente denominado de acidente vascular cerebral (AVC). As benzedeiras
costumam medicar as sequelas deixadas pela doença, que geralmente são, paralisia
muscular, na face e no corpo, dificuldade de locomoção, perda na visual, na fala entre
outras limitações. O tratamento ofertado pelas rezadeira centra-se na benzeção e na
comercialização de um xarope ou pó feito com 21 sementes, todas da cor preta. Entre as
agentes de cura pesquisadas, 3 delas produzem o medicamento sedo que uma delas – Calu

294
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010.p. 14-15.
295
BOURDIEU, A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 39.
296
Entrevista com Maria Aurea (Maninha), concedida a autora em 07/01/2015
124

– que estava fazendo o tratamento com o xarope produzido por ela após ter sofrido um
derrame que a deixou com limitações na fala e na musculatura do rosto. A partir de uma
rápida conversa, que foi inviabilizada pelo problema que comprometeu a sua fala, ela
relatou que vendia em média 4 litros do xarope para derrame por semana. Vale destacar,
que a venda destes medicamentos, muito embora seja de baixo custo, complementam a
renda destas mulheres.
Marcelina, que realiza consultas em sua residência com auxílio dos pretos velhos
e caboclos, além de realizar alguns trabalhos espirituais, quando necessário – por isso se
encaixa na categoria de curandeira doméstica – produz o medicamento nas duas versões,
em pó e em xarope. Entre as sementes que compõem o remédio ela destacou noz-
moscada, pixuri, umburana de cheiro e girassol preto, sendo que para fazer o efeito
desejado deve ser tomado com chá de hortelã.
Outros medicamentos, todos feitos de vegetais, são produzidos por estas agentes
de cura, como pôde-se verificar a partir do depoimento da benzedeira Maninha, que
destacou a produção do pó para combater o derrame entre os remédios feitos por ela.
Eu faço os xaropes, pra gripe, faço remédio pra sinusite, e faço um pó
contra derrame. O pó eu vendo muito, vendo muito até pra fora. Eu
vendo aqui e o povo se dá muito bem. O povo que tem derrame que
entorta a boca, entorta os olhos ai toma, ai com o tempo vai ficando, vai
melhorando. [...] Tem noz-moscada, pixuri, tem umburana de cheiro,
tem erva doce, tem endro, tem girassol preto, e é quase tudo preto. Tudo
preto... tem semente de jalapa, tem café beirão. 297

Pelo fato de ser empregado muitas ervas na produção do pó para tratar de derrame,
dada a impossibilidade de cultivar um número maior de vegetais em seu quintal, e pela
própria limitação do espaço urbano, Maninha adquire as 21 sementes para a confecção
do xarope na feira livre da cidade, na zona rural, quando vai visitar seus familiares, ou
comprar em lojas especializadas em fitoterapia. A benzedeira destacou que o mesmo pó
utilizado pra derrame, pode ser usado também para má digestão e para dor de cabeça.
São 21 sementes, e é bom pra digestão, pra dor de cabeça, pra dor de
barriga. Você comeu uma coisa ficou cheio, só é jogar uma colherzinha
na boca, beber água que melhora. Agora pra derrame c’ê faz o chá de
hortelã miúdo, bota uma colherzinha na xícara, ferve a água é... ferve a
água, bota na xícara e abafa. Até ficar bom da pessoa tomar. [...] Ai
toma. Pra quem tem derrame toma 3 vezes ao dia. E se for só pra dor
de cabeça, a pessoa tá com dor de cabeça, às vezes uma comida fez
mal.298

297
Entrevista com Maria Aurea (Maninha), concedida a autora em 07/01/2015.
298
Idem.
125

A médium umbandista Marcelina, realiza seus rituais de cura, desde a benzeção à


realização de um trabalho, orientada pelos seus guias espirituais – os pretos velhos, os
caboclos e as ciganas. Estes tratam uma quantidade mais ampla de enfermidade, se
comparada com as benzedeiras, tais como transtornos mentais, depressão, alguns tumores
ginecológicos, problemas intestinais, cardíacos, verminose, entre outros. Segundo
Marcelina, a natureza da doença é que determinava a identidade do guia que orienta o
tratamento – “Do lado do psicológico mesmo, do emocional é mais os pretos velhos. Os
índios curam mais quando é intestino, doença de pele, fogo selvagem.”299
Na umbanda, são inúmeros os personagens mágicos que fazem parte do ritual de
cura, seja em ambiente de terreiros, seja nos cultos domésticos. Estes agentes mágicos,
representam personagens da realidade nacional, como os caboclo, boiadeiros, pretos
velhos, exus, pombagiras, marinheiros, sereias, ciganos, soldados, entre outros, e
constituem-se enquanto espíritos de mortos, cuja representação, em referência à vida na
sociedade brasileira, seguem uma série de estereótipos.300 De acordo com Barros, eles se
constituem, não enquanto a “evocação deste ou daquele indivíduo em particular, mas
representações de modelos sociais expressos em seus “cavalos” que realizam a passagem
dessa “entidades” de seu mundo sagrado para o mundo profano dos homens.”301 Segundo
o autor, na umbanda os deuses situam-se no meio do “caminho entre a concepção dos
deuses africanos do candomblé e os espíritos de mortos dos kardecistas”, visto que o
transe na umbanda, nem é rigorosamente individual, como no kardecismo, nem
estritamente uma representação mítica como ocorre no candomblé. 302 Estes, são
concebidos como, “atualizações de fragmentos de uma história mais recente por meio de
personagens tais como foram conservadas na memória popular brasileira.”303
Barro afirma que no universo umbandista, as divindades passam por um
“mecanismo de inversão simbólica”, na medida em que estes personagens antes
ocupavam lugar de subalternidade – prostitutas, escravos, índios, marginais, menores
abandonados, estrangeiros, entre ostros – passam a ocupar a posição de divindades
capazes de resolver uma infinidade de problemas de quem busca por auxílio. Incluído os

299
Entrevista com Marcelina Moura Pereira, concedida a autora em 27/07/2015.
300
BARRO, Sulivan Charles. As Entidades Brasileiras da Umbanda. IN: MANOEL, Ivan Aparecido;
ISAIAS, Artur Cesar. Espiritismo & Religiões Afro-Brasileiras: História e Ciências Sociais. São Paulo:
Editora Unesp, 2012. p. 293.
301
Ibidem. p.293.
302
Ibidem. p.293.
303
Ibidem. p.293
126

indivíduos que socialmente os tem como subalternos, mas que não dispõem do poder que
eles têm, enquanto seres mágicos possuem304.
Nessa perspectiva, Concone pontua que as representações que se tem a respeito
dos caboclos são a juventude, força, justiça, chefia, agitação, símbolo de masculino,
liberdade, da mata, arrogância e o paganismo. Enquanto os pretos velhos representam a
velhice, fragilidade, bondade, autoridade familiar, calma, símbolo feminino,
prisão/escravidão, símbolo do rural, da humanidade e símbolo do cristianismo 305.
Quando incorporam nos médiuns, de acordo com Barros, os caboclos manifestam-
se falando enrolado, numa referência ao “tupi”, considerado pelos umbandistas, como a
língua “oficial” de comunicação com os índios.306 Enquanto os pretos velhos, quando se
apresentam entre os umbandistas, de maneira geral, mostram-se
Muito idosos, curvados pelos anos, às vezes apoiados em uma bengala.
Falam sempre com uma voz meiga, algo paternal, que atrai a confiança
e simpatia de quem os ouve. Possuem um modo peculiar de falar com
erros de gramática e concordância, e com expressões “roceiras” de
quem demonstra a falta de instrução formal. 307

A agente de cura Marcelina, tem os pretos velhos como principais guias para tratar
doenças como depressão e demais distúrbios psíquicos-emocionais. “Quando é espiritual,
psicológica, ela pode se tornar patológica, mas ai a gente cura também com oração, com
banhos, com salmos, ai a pessoa fica boa.”308
A busca de tratamentos através das terapêuticas mágico-religiosa afro-brasileiras
para doenças com sintomas psíquicos é bastante comum. Como exemplo, pode-se citar
os próprios agentes que participaram desta pesquisa, que na maioria dos caso,
apresentaram aparentes distúrbios psíquicos antes de se iniciarem enquanto agentes de
cura. Alguns sintomas apresentados durante as crises são interpretados no contexto
religioso afro-brasileiro como doenças relacionadas ao espirito.
“Comecei, eu enlouqueci. Fiquei perturbado, depois, fiquei assim
andando do nada, depois vim pra casa e comecei a manifestar.”309

304
Ibidem. 295.
305
CONCONE, Maria Helena Villas Bôas. Caboclos e Pretos Velhos da Umbanda. IN: PRANDI,
Reginaldo. Encantaria Brasileira: o Livro dos Mestres, Caboclos e Encantados. Rio de Janeiro: Palla,
2011. p. 286-287.
306
BARRO, Sulivan Charles. As Entidades Brasileiras da Umbanda. IN: MANOEL, Ivan Aparecido;
ISAIAS, Artur Cesar. Espiritismo & Religiões Afro-Brasileiras: História e Ciências Sociais. São Paulo:
Editora Unesp, 2012. p. 300.
307307
Ibidem. p. 301.
308
Entrevista com Marcelina Entrevista com Marcelina Moura Pereira , concedida a autora em 27/07/2015.
309
Entrevista com Arcelino Francisco dos Santos, concedida a autora em 9/04/2013.
127

“Ai o povo dizia, mas oia pra Luzia, morreu um filho, e a outra vai
morrer também, começou a loucura. É chamava loucura, era.”310

Na umbanda há a distinção do transe espiritual em dois tipos. A mediunidade, que


“é a capacidade de receber entidades benéficas que deve ser desenvolvida, desejada e
constantemente alimentada.” 311 Enquanto a “obsessão” é atribuída a presença de espíritos
obsessores, cujo transe provocado por eles é violento, descontrolado e associado à
loucura.312 Para Montero, estes transes obsessivos são controlados com o processo de
iniciação, onde essas entidades são identificadas, nomeadas e educadas em suas
manifestações.
Esta característica é fundamental para diferenciar os "exus batizados"
dos "exus pagãos". Estes Últimos não tem nome, não foram
domesticados e portanto devem ser temidos. Já os primeiros, por terem
se submetido ao ritual da atribuição do nome — o batismo são entidades
mais confiáveis, podendo trabalhar para o bem. 313

A agente de cura Marcelina, distinguiu a recorrência dos problemas relacionados


a depressão ao gênero dos consulentes. De acordo com ela, as pessoas de sexo masculino
são as que mais a procurava pra tratar de problemas relacionados a depressão. O
tratamento desenvolvido pela agente de cura, tinham como base as plantas, orações,
trabalhos mágicos que podiam ser bastante longos, a depender da gravidade do caso,
chegava a durar entre 6 meses a 1 ano.
Um dos caso narrados por ela, que envolveu problemas de depressão, foi de um
jovem que não conseguia dormir à noite. De acordo com ela, ele só conseguia dormir
entre às sete e oito horas da manhã. A causa do distúrbio de sono e da depressão que
acometia este consulente, para dona Marcelina, era a presença de espíritos obsessores na
casa do doente.
A maioria das depressões são todas de causas espirituais, de irmãos sem
luz, que são obsessores. Pessoas que não tão bem. Às vezes já vem
hereditário. Assim, não hereditário da genética mas do espiritual. Ás
vezes o pai. Oh, tem uma família mesmo que os avós foram loucos, os
pais já foram loucos. Ai tem... Os netos. Ai passa um, passa às vezes
dois, vem sempre. Aquele espirito ali é como se fosse... Ele não, não sai

310
Maria Jesus da Silva (Mariquinha), entrevista concedida a autora em 17/08/2013.
311
MONTERO, Op. Cit, p. 160.
312
Ibidem. p.160.
313
Ibidem, p. 161.
128

ele sempre procura alguém daquela família. Tem como doutrinar. É a


maioria é que é médium. 314

Ao analisar as concepções referentes a epilepsia nas religiões afro-brasileiras,


Caprara afirma, que a ocorrência de determinadas doenças, como é o caso da epilepsia,
está ligada a origem ancestral. A incidência da doença é explicada como castigo das
divindades pela transgressão das regras, seja pelo doente, ou mesmo por algum familiar
– os pais, ou avós- que determinaria a doença no filho ou no neto. De acordo com a autora,
Existe, pois, no evento inicial uma razão ética, uma transgressão moral
que provocaria a origem da doença e que portanto não é considerada,
neste caso, como o produto de uma patologia orgânica. É neste sentido
que deve ser interpretado o episódio, ou seja, não necessariamente
interpretado como doença, mas como epifenômeno de uma
transgressão.315

Do mesmo modo, a partir do relato de dona Marcelina, evidencia-se que alguns


transtornos psiquiátricos também são de caráter espiritual hereditário. A doutrinação, ou
seja, a domesticação da entidade, se faz necessária para a obtenção da cura do distúrbio
apresentado pelo consulente. No caso das crises epilépticas, de acordo com Caprara são
atribuídas aos egúns- espirito ancestral316. Entretanto, a natureza do espirito causador de
infortúnio na saúde do consulente pode ser bem variada. Na umbanda, esta identificação
é feita a partir das próprias características e comportamento do espírito anônimo durante
o processo de iniciação. “(valente, bondoso, forte, inocente, etc.), uma histeria própria
(antigo escravo numa fazenda de café, guerreiro da tribo Tupi, ladrão ou prostituta, etc.)
e finalmente um nome (Pai Antonio, Caboclo Sete Flechas, etc.)”317
Nos transcurso do tratamento da doenças que provocam distúrbios psíquicos, a
agente de cura Marcelina faz as seguintes orientações ao consulente.
Ai eu mando pro centro espírita, eles começam a orar, e pede pras
pessoas também façam suas orações, ler salmos, evite aglomeração,
evite lugar poluído, como cemitério, como delegacia, feira. A feira é
muito... a feira é geralmente um lugar onde a espiritualidade é muito
suja. Porque ali tem o dinheiro a ambição. Onde tem muita coisa com
dinheiro é muita energia negativa. Bares. É porque às vezes em bares
ficam esses espirito sofridos.318

314
Entrevista com Marcelina Moura Pereira, concedida a autora em 27/07/2015.
315
CAPRARA, Andrea. Polissemia e Multivocalidade da Epilepsia na Cultura Afro-Brasileira. IN:
BACELAR, Jeferson; CARDOSO, Carlos. Faces da tradição Afro-Brasileiras: religiosidade,
sincretismo, anti-sincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. 2 ed. Rio de
Janeiro: Pallas; Salvador: CEAO, 2006.
p. 264-625.
316
Ibidem, p. 267.
317
MONTERO. Op. Cit. p. 161.
318
Entrevista com Marcelina Moura Pereira, concedida a autora em 27/07/2015.
129

Entre as prescrições para o tratamentos das doenças psíquicas, a médium


umbandista Marcelina, orienta que o enfermo evite locais que ela considera como
espiritualmente poluídos, como bares, cemitérios, delegacias e feiras livres. Segundo ela,
estes locais são propensos ao acumulo de energias tidas como negativas bem como, seria
onde preferencialmente se encontram os “espíritos sofridos” – obsessores. Destaca-se
entre as prescrições para o tratamento realizadas por ela, a indicação de que seus
consulentes frequentem o centro espírita. Isto pode ser explicado, pelo fato da própria
agente de cura frequentar o centro espírita e definir-se enquanto praticante da umbanda
espirita. Vale lembrar que alguns fundamentos do espiritismo fazem parte da composição
da doutrina umbandista, juntamente com elementos de outras religiões como o candomblé
e o catolicismo. Além disso, deve-se levar em conta que as práticas de cura desenvolvidas
por dona Marcelina concentram-se no âmbito doméstico, onde não se realizam giras, nem
tampouco celebrações com batuques. Diante disso, ela poderia recorrer ao centro espírita
como parte complementar do tratamento, tendo em vista, algumas limitações que existem
nas práticas do curandeirismo no âmbito doméstico.
Embora as suas atividades curativas centravam-se em grande parte em sua
residência. Por vezes, além do centro espírita, a médium Marcelina transitava por outros
ambiente, principalmente para a realização de trabalho, como em locais que favoreçam
o contato com a natureza, com presença de arvores, rios e cachoeiras, onde ela costumava
realizar trabalhos espirituais indicados para abrir os caminhos.
Agora quando você quer que flua você passa frutas, passa uva, passa
maçã, passa... Tem pessoas que pega de cada fruta ai coloca pra natureza
rega com mel e faz uma oferenda, oferece à natureza. Pode ser em
cachoeira, pode ser em rio, em lugar que tenha árvore. Tem que ver qual
o lugar assim... Tem que levar praquele lugar. Levo. Ai coloca tudo na
peneira e rega com mel e deixa, despacha pra natureza. 319

Vale destacar, que o ambiente doméstico também era utilizado para a realização
de alguns trabalhos espirituais. Quando existia a necessidade de estar ao ar livre, a
médium utilizava o espaço do quintal para executar o ritual. Como exemplo ela citou um
trabalho que realizou orientada por seus guias pretos velhos para o tratamento de
depressão.
E tem pessoas que tem uma depressão também e eles fazem tipo uma
limpeza. Ele te leva assim pr’um lugar aberto, quintal. Ai te passa assim

319
Entrevista com Marcelina Moura Pereira, concedida a autora em 27/07/2015.
130

no teu corpo, assim uns ingrediente, uns materiais tipo feijão preto,
feijão branco, pré-cozido, milho branco, pipoca feita sem sal e sem
gordura, passam em você estas coisas. Às vezes leite, vinho tinto, mel
e depois você toma todo o banho normal. Depois a gente pega e vai
expor assim pro lado que o sol se põe. [...] Pode ser qualquer hora do
dia, mas é pra colocar, pegar, varrer, juntar e colocar do lado que o sol
se põe praquilo não voltar.320

Nos ambiente de terreiros de umbanda, os trabalhos realizados para tratamentos


relacionados a transtornos psíquicos, utilizavam uma metodologia um pouco diferente
das utilizadas no âmbito doméstico por dona Marcelina. Isso foi possível observa, a partir
da narrativa do pai de santo Amado Pereira, em sua narrativa sobre um trabalho realizado
por ele, em um jovem que provocando ferimentos no próprio corpo.
Inda ontem eu fiz um trabalho aqui, muito pesado, pesado. Tava com
muitos espíritos mal no corpo, era espírito ruim mesmo. Quase morria
dentro do círculo. O pai ficou chorando aqui, só vendo! E deus ajudou,
que ele ainda caiu no meio do círculo. Ai ele vai voltar de ontem a oito,
eu não vou fechar ainda, vou repetir o trabalho dele. Ai quando for uns
oito dias través ai ele vem fechar que é pra nada encostar. Acontece que
se faz até três pra poder vencer a batalha. Esses mesmo vai ter duas veis
pra poder vencer. E tem deles que você faz três veis e o infeliz não sai. 321

Nos trabalhos cujos problemas são causados por estes espíritos obsessores,
segundo o pai de santo, parte do rito consiste na realização de orações, e cânticos para
diversas entidades, queima de incensos e no desenho dos pontos riscados com a pemba
(giz mineral), pólvora, velas e outros elementos ritualísticos. Os pontos riscados são
símbolos desenhados no chão, paredes ou tábuas, com a pemba. Eles têm a função de
“atrair ou repulsar forças positivas ou negativas. São riscados apenas por sacerdotes
(iniciados) com a finalidade magística, ou para identificar e qualificar a entidade espiritual
incorporada durante o rito”322. Neste tipo de trabalho, os pontos são desenhados na parte
interna de um círculo, dentro do qual se coloca o consulente, vestido com uma capa. Após
o canto de alguns pontos a pólvora é queimada e todo o material usado no ritual é
323
despachado num local adequado. Este trabalho, de acordo com o médium, pode ser

320
Idem.
321
Entrevista com Amado Pereira do Santos, concedida a autora em 15/10/2015.
322
SOLERA, Osvaldo Olavo Ortiz. Op. Cit, p. 36.
323
Estas informações foram obtidas a partir da observação da realização de alguns trabalhos mágico-
religiosos que tinham com objetivo afastar espíritos obsessores. A observação se deu no terreiros de Amado
Pereira dos Santos no ano de 2015.
131

realizado mais de uma vez principalmente quando a causa da doença é a presença de


espíritos obsessores.
Esta narrativa, embora tenha se passado no período posterior ao aqui estudado,
demonstra aspectos das permanências, nessas práticas de cura, através da transmissão do
aprendizado após a iniciação. Servindo, como mecanismo de transmissão entre as
gerações dos praticantes das religiões afro-brasileiras. “Com a transmissão dessas
técnicas particulares, dá-se igualmente a transmissão de experiências sociais ou da
sabedoria comum da coletividade.”324 De acordo com Thompson, a educação formal,
“motor da aceleração cultural” não foi capaz de se impor de forma significativa nos
processos de transmissão das práticas culturais de geração para geração.325 Desse modo,
nota-se que as atividades ritualísticas de cura, possuem permanências que se reproduzem
ao longo do tempo, através da memória e da transmissão oral.

324
Sobre a permanência dos costumes através da cultura popular. Ver: THOMPSON, E. P. Costumes em
Comum: Estudos Sobre a Cultura Popular Tradicional. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p. 18.
325
Idem.
132

Figura 15- Ponto riscado em trabalho realizado para retirada de Figura 16- Queima do ponto riscado em trabalho realizado para
espíritos obsessores. retirada de espíritos obsessores.

Circulo representando o desenho de um ponto riscado em um trabalho


realizado no terreiro Sultão das Matas liderado médium umbandista Amado
Pereira dos Santos. Emanuela Bethânia, 2015. Queima do círculo contendo o ponto riscado em um trabalho realizado no
terreiro Sultão das Matas liderado médium umbandista Amado Pereira dos Santos.
Emanuela Bethânia, 2015.
133

A execução dos trabalhos espirituais é feita sob a orientação dos guias de Amado
dos Santos, que são os caboclos Sultão das Matas e Capitão das Matas e o encantado
Logun Edé (marinheiro). Além destes, o senhor Amado recebe São Cipriano e São
Sebastião, sendo que o primeiro é chamado pelo médium para afugentar as entidades “da
esquerda” nas giras, nos pegis e nos trabalhos espirituais. Enquanto o segundo,
participava dos rituais de batismo. Ele explicou que São Cipriano, era tido como um
espirito sem luz, mas que diante do seu arrependimento ele passou a participar de ritos
com o intuito de expulsar estes espíritos ruins.
Tem de meia noite em diante, acostuma, esses espíritos querer chegar.
[...] Tem aqueles que recebe eles, eu canto pra eles, eles brinca neles ai,
eu dou a bebida e tudo. Ai também quando dá a hora [...] Eu suspendo,
tem ordem. Eu tenho um encantado que se chama Cipriano, na hora que
eu canto o canto de Cipriano eles começa a desconjurar ai vai tudo fora.
Que ele antigamente foi. Antigamente foi bruxeiro, fazia todo mal
também, mas se rependeu, hoje ele é um santo. Ai ajuda quem trabalha
a expulsar os ruins.326

Amado dos Santos, afirmou que todos os terreiros de umbanda trabalham com os
espíritos “de esquerda”, que são tidos como espíritos não evoluídos. São em geral os Exus
e as Pombagiras (Exus femininos), cultuados na quimbanda - culto onde se domina o mal
e o feitiço327. Ele explica que é necessário trabalhar com estes espíritos, denominado por
ele também como escravos, vistos que somente eles, são capazes de solucionar alguns
tipos de problemas espirituais, como no caso do consulente que frequentemente se auto
mutilava.
Sempre tem, quem trabalha com o lado bem, agora tem que ter um
quartinho separado dos escravos, que é pra fazer este serviço pra
carregar uma carga dessa. [...] A gente pede ai ele vai, dá uma cachaça
a ele pra ele carregar. Inda ontem eu fiz um trabalho aqui, muito pesado,
pesado. Tava com muitos espíritos mal no corpo, era espírito ruim
mesmo. Quase morria dentro do círculo. O pai ficou chorando aqui, só
vendo! E deus ajudou, que ele ainda caiu no meio do círculo. Ai ele vai
voltar de ontem a oito, eu não vou fechar ainda, vou repetir o trabalho
dele. Ai quando for uns oito dias través ai ele vem fechar que é pra nada
encostar. [...] Acontece que se faz até três pra poder vencer a batalha.
Esses mesmo vai ter duas veis pra poder vencer. E tem deles que você
faz três veis e o infeliz não sai.328

326
Entrevista com Amado Pereira do Santos, concedida a autora em 15/10/2015.
327
MONTERO, Op. Cit. p. 42.
328
Entrevista com Amado Pereira do Santos, concedida a autora em 15/10/2015.
134

Conforme Montero, os exus e as pombas giras são necessários em todos os centros


de umbanda. Vistos que somente estas entidades podem realizar atividades tidas como de
“baixa espiritualidade”, ainda que estas não sejam batizadas e não participem das sessões.
“Somente forças do mal podem "sujar as mãos" e combater o mal com eficácia.” 329 Para
a autora, elas trabalham para o bem, na medida que desfazem trabalhos da quimbanda.
Embora todo discurso religioso umbandista afirme a distinção
umbanda/quimbanda, na prática nenhum centro se define a si mesmo
como "terreiro de quimbanda", porque isso significaria condenar sua
própria prática enquanto prática antissocial. Se a quimbanda existe, o
quimbandeiro é sempre o "outro", o desconhecido, o concorrente ou
inimigo. Assim, ainda que toda casa de culto seja obrigada, para obter
resultados satisfatórios, a lançar mão do trabalho com forças maléficas,
nenhum terreiro admite estar realizando "trabalhos de magia negra".
Além disto é preciso considerar que a própria definição do Mal é
extremamente ambivalente. Na verdade não há mal que não traga em si
mesmo um bem, nem que seja para beneficiar aquele que o prática. 330

Cabe diferenciar as entidades exus e pombagiras, que são entidades tidas como
“inferiores” dentro da hierarquia umbandistas, com os egúns, que são espíritos de mortos
tidos como obsessores, e que são uns dos principais causadores de doenças de ordem
psíquicas. De todo modo, os exus não batizados, podem também causar transtornos e
adoecimento mas estes podem ser controlados na medida em que são batizados e
reconhecidos.331
No candomblé de nação faz-se a distinção entre a contaminação por egúns –
espirito de qualquer morto- e egunguns – espíritos de ancestrais. Ambos os casos, no
entanto são vistos com preocupação, tendo em vista que causam uma série de transtornos
na vida de quem é afetado polo mal332. Os distúrbios causados pelos egúns são
denominado de encosto. Para Barro e Teixeira, os encostos dão indícios de desordem,
provocado pelo contato de instancias que devem ser mantidas separadas. Ou seja, deve
haver um distanciamento entre os vivos e os mortos. Esta contaminação pode-se dar por
mortos da própria comunidade religiosas, entre o ciclo familiar consanguíneo, entre
pessoas que tenham contatos sociais próximos, ou mesmo por espíritos de

329
MONTERO, op. Cit. p. 148.
330
Ibidem. p. 148.
331
Sobre Ação do exus e egúns ver: MONTERO, Paula. Da doença a desordem: a magia na umbanda. Rio
de Janeiro: Graal, 1985.
332
BARROS, José Flávio Pessoa de; TEIXEIRA, Maria Lina Leão. O Código do Corpo: Inscrições e
Marcas do Orixás. IN: MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Candomblé: Religião do corpo e
da alma. Rio de Janeiro: Pallas, 2000. p. 122.
135

desconhecidos.333 Os autores apontam que o tratamento é composto por vários rituais


entre eles o de “sacudimento” com o objetivo de promover a limpeza espiritual do
indivíduo afetado. Já o contato com os egunguns é tratado com oferendas, ebós, com o
intuito de separar as duas instancias – a vida e a morte.334
As diversas entidades umbandistas são organizadas de acordo com o grau de
evolução espiritual de cada uma. No topo desta hierarquia espiritual, encontram-se os
orixás associados aos santos católicos que são os chefes das linhas e falanges. 335 Prandi,
salientou que os orixás pouco participam da realização dos ritos mágicos na umbanda,
embora sejam referenciados pelos seguidores da religião. Seguindo os orixás nessa
hierarquia estão os caboclos, representando os antepassados indígenas brasileiros, e os
pretos velhos simbolizando a raiz africana arraigada ao passado escravista do Brasil. O
autor destacou ainda, entre o panteão da direita os boiadeiros, ciganos e marinheiros. Por
fim, o lado da esquerda, que é composto essencialmente por exus e pombagiras. 336 Prandi
os define como
Mal-educados, despudorados, agressivos. Falam palavrão e dão
estrepitosas gargalhadas. Chegam pela meia-noite, os Exus com suas
mãos em garras e seus pés feito cascos de animais satânicos, as
Pombagiras com seus trajes escandalosos nas cores vermelho e preto,
sua rosa vermelha nos longos cabelos negros, seu jeito de prostituta, ora
do bordel mais miserável ora de elegantes salões de meretrício, jogo e
perdição; vez por outra é a grande dama, fina e requintada, mas sempre
dama da noite.337

Pombagira vem da palavra banto bombonjira, sendo que gira vem do njila/njira
- rumo, caminho - e pomba designa os órgão sexuais.338 As pombagiras constituem-se
enquanto a inversão da representação social do feminino. Ela simboliza a sexualidade
feminina marginalizada, o “outro” do ideal de “feminino” e daí advém o seu poder
mágico-religioso.339 Montero, destacou que é através das pombagiras que a sexualidade,

333
Ibidem.p.122.
334
BARRO, ;TEIXEITA. Op cit. 123.
335
PRANDI, Reginaldo. Pombagira e as faces inconfessas do Brasil. IN: PRANDI, Reginaldo. Herdeiras
do Axé. São Paulo: Hucitec, 1996, Capítulo IV. p. 3.
336
Sobre as divisões hierárquicas na umbanda ver PRANDI, Reginaldo. Pombagira e as faces inconfessas
do Brasil. IN: PRANDI, Reginaldo. Herdeiras do Axé. São Paulo: Hucitec, 1996, Capítulo IV.
337
Ibidem. p.4.
338
AUGRAS, Monique. De Iyá Mi a Pomba-Gira: transformações do símbolo da libido. IN: MOURA,
Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Candomblé: Religião do corpo e da alma. Rio de Janeiro: Pallas,
2000. p. 32.
339339
CARDOSO, Vânia Z. Assombrações do Feminino: Estórias de Pombarigas e o poder feminino. IN:
ISAIAS, Artur César; MANOEL, Ivan Aparecido. Espiritismo e Religiões Afro-Brasileiras: História e
Ciências Sociais. São Paulo: Ed. Unesp, 2012. p. 179-202.
136

o erotismo e a malicia vão ser exaltadas na mulher, especialmente na mulher negra, visto
que estas são o feminino dos Exus, representados enquanto homens negros. Além disso,
em alguns casos, a referência da pombagira enquanto representação da mulher negra, se
apresenta no próprio nome das entidades; Pombagiras Mulata, Rosa de Maio, em
referência a abolição, Maria Quitéria, entre outras.340 A autora afirma, que o estigma de
prostituta não permitem que as pombagiras assumam posição de autonomia em relação
ao exu masculino, na medida em que estas só podem assumir publicamente a sua
sexualidade enquanto objeto de prazer do homem - “mesmo no interior do universo
maligno ela é associada ao negativo por oposição ao masculino, considerado positivo.”341
Na sociedade patriarcal brasileira, a existência da mulher-prostituta
permite a expansão da lubricidade masculina, sem comprometer os
fundamentos da organização familiar, isto é, sem colocar em risco a
virgindade das jovens destinadas ao papel de esposas e mães. Mas
recupera também, em segunda instancia, as contradições históricas
inerentes ao papel social da mulher negra que, pelo seu sexo e pela sua
cor, viu-se duplamente submetida aos estereótipos que faziam de sua
sensualidade um objeto de propriedade do homem. 342

Desse modo, a imagem da pombagira se contrapõe a de Iemanjá. Augras, destacou


que Iemanjá passou por um processo acentuado de moralização, na medida em que foi
associada à figura da Imaculada Conceição. 343 A construção umbandista da figura de
Iemanjá a representa como uma mulher branca, de cabelos longos, vestida de branco e
azul turquesa, com os seios fartos para alimentas os seus filhos e reforçar a imagem de
grande mãe. 344 “Ainda que apresente traços sedutores (vestido colante), Iemanjá é antes
de tudo a mãe boa, desafricanizada, espiritualizada, “vibração do mar” [...] E do ponto de
vista que nos interessa aqui, é pura sublimação da sexualidade.”345 Para Montero, por
serem identificadas na umbanda como a mulher dos sete exus, amante de vários homens,
as pombagiras se contrapõem também com a imagem das pretas velhas e caboclas. As
primeiras, embora africanas, assim como Iemanjá, são destituídas de sexualidade e as
caboclas são representadas como puras, inocentes e virginais. 346

340
MONTERO, Op. Cit, p. 226.
341
Ibidem, p. 228.
342
Ibidem, p. 230.
343
AUGRAS, Monique. Op. Cit.
344
Ibidem. p. 29.
345
Ibidem. p. 30.
346
MONTERO, Op. Cit, 233.
137

No âmbito da cura, as pombagiras são requisitadas principalmente para resolução


de problemas amorosos e sexuais, mas também solucionam demandas relacionados à
justiça, inveja, doenças do corpo e do espirito. Conforme Augras, estas entidades atendem
tanto solicitações de pessoas que querem ser ajudadas como de pessoas que querem causar
o mal a alguém. 347
A médium umbandista Marcelina Pereira, tem entre os seus guias, o espirito de
uma cigana, especialista em resolver questões de ordem amorosa. De acordo com a
médium, estas entidades atendiam a clientela com auxílio de cartas de tarô, onde
conseguiam desvendar aspectos do passado, presente e do futuro da vida do consulente.
Ela é mais dessa linha. Por exemplo, tem pessoas que namoram vários
namorados e não casam, outras o casamento vai muito bem depois
separam, outras tem um relacionamento já de 10, 12 anos e os
namorados nunca falam de casar. Buscam também quando é... uma
pessoa que não atrai, que não brilha, um tanto ofuscada, bonita, mais
não chega. Ajuda, com orações oração de Santa Sarah, orações da
ciganas, do cigano Pablo. Ela se diz chamar Esmeralda, o nome dela,
outra vez ela diz que o nome dela é Delza, outro dia Maridala, outro diz
que é... Eu acredito que é uma. Que eu já sonhei ela vestida de salmon,
vestido branco e ela é... eu acredito que ela não dá o nome verdadeiro. 348

Ao analisar as entidades ciganas na umbanda, Barros as descreve como


representante do povo andarilho, que vivem em grupo e sem destino certo. Oriundos da
Espanha, Hungria, Portugal entre outros países. Na umbanda, eles são representados
como espíritos livres, alegres e festeiros que são muitas vezes confundidas com os exus
e pombagiras, visto que como estes, podem fazer tanto o bem quanto o mal. “Geralmente
eles sofrem os mesmos preconceitos que são dirigidos aos exus e pombagiras. Para outros,
entretanto, os ciganos são preconcebidos frequentemente como vadios, ladrões,
desordeiros.”349
Há entretanto pombagiras com identidade ciganas, muitas delas segundo D’Avila
e Lages, especializadas em separar casais. 350 Embora ciganas, a identidade destas
pombagiras repousa na figura da prostituta. Borges afirmou no entanto, que a
ambivalência dos espíritos ciganos os fazem ser cultuados em alguns centros como de

347
AUGRAS, Op. Cit, 37.
348
Entrevista com Marcelina Moura Pereira, concedida a autora em 27/07/2015.
349
BARROS, Sulivan Charles. As entidades Brasileiras da Umbanda. IN: Espiritismo e Religiões Afro-
Brasileiras: História e Ciências Sociais. São Paulo: Ed. Unesp, 2012. p.308.
350
D’AVILA, Maria Inácia; LAGES, Sônia Regina Corrêa. Vida Cigana: Mulheres, Possessão e
Transgressão no Terreiro de Umbanda. Pesquisas e Práticas Psicossociais, 2(1), São João del-Rei,
Mar./Ag., 2007.
138

direita, neste caso pertencente a linha do oriente, e em outros como de esquerda, sendo
que na esquerda eles representam o mais alto grau de evolução. De acordo com a autora
exus e pombagiras são capazes de evoluírem espiritualmente através da doutrinação e
passarem para a categoria de ciganos, não podendo no entanto, passar para linha da
direita. Isso porque, a linha da esquerda é fundamental para o equilíbrio das práticas
umbandistas. 351 Como assinalou Augras, “a quimbanda é uma categoria de acusação
dentro da própria umbanda.”352
A busca por resoluções de problemas conjugais, amorosos ou sexuais é feita
principalmente por mulheres, conforme os relatos dos agentes de cura em Jacobina. A
maioria destes agentes, no entanto, negam realizar práticas mágicas para este fim,
justamente por estas estarem vinculada às entidades da esquerda, como pode-se observar
a partir do depoimento da benzedeira Maninha.

Mulheres tem muitas que vêm por causa de namorado, às vezes brigou
mais o namorado, quer que retorne, não sei o quê... Eu digo, ai isso aqui
eu não faço! Isso ai nem comigo não. Minhas reza é pra doença. Doença
e pra abrir os caminhos também né. Mas pra negócio de homem de
ajeitar coisa pra homem não. Nem pra mulé também. Quem tiver seus
negócios pra resolver que resolva por lá. Se a vida tiver atrapalhada...
Que às vezes a pessoa tá com um carrego que atrapalha a vida até com
o namorado com o marido, e muitas vezes com a reza melhora, ai tem
os banhos pra fazer ai melhora. Pro casal né. Mas tem muitas mulheres
que vem pra eu fazer isso, fazer aquilo, pra separar pra arranjar, fulano
largar fulano, pra... não.353

A procura por trabalhos mágicos para fins amorosos no Brasil são bastantes
comum desde o século XVI, como assinalou a historiadora Mary Del Priore. Estes
trabalhos, eram compostos de elementos da religiosidade católica, como a hóstia, cruzes
e orações, que eram utilizados com fins amorosos e eróticos, “que aludiam às almas, ao
leite da Virgem, às estrelas, ao sangue de Cristo, aos santos, anjos e demônios.”354 Outros
elementos como cabelo da região genital, bem como sémen, sangue menstrual
compunham os ingredientes nos trabalhos para viver bem como o marido, ou atrair a

351
BORGES, Mackely Ribeiro. Gira de Escravos: A Música dos Exus e Pombagiras no Centro
Umbandista Rei de Bizara. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Música) Salvador: UFBA,
2006. p. 134.
352
AUGRAS, Monique. Op. Cit. p.30.
353
Maria Aurea da Silva (Maninha), entrevista concedida a autora em 07/04/2015.
354
DEL PRIORI, Mary. História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006. p. 51.
139

pessoa amada ou desejada. 355 Para Del Priore, a partir da concepção da mulher enquanto
agente diabólica,
Toda a sexualidade feminina podia prestar-se à feitiçaria. Seu corpo,
ungido pelo mal, tornava-se o território de intenções malignas. Cada
pequena parte seria representativa desse conjunto diabólico, noturno e
obscuro. Além dos sucos femininos, também os pelos compõem essa
ambígua farmacopeia que trata e cura as astúcias do Demônio. 356

Quando não diabólicas, loucas. Assim a mulher com domínio da sua sexualidade
passou a ser vista pela medicina e pelos discursos moralizante e de higiene a partir do
século XIX.357 A representação da mulher “normal”, era caracterizada por um ser doce,
frágil, boa mãe e submissa. O oposto a configuraria enquanto anormal e histérica, cuja
sexualidade exacerbada anularia o instinto materno.358 As explicações médicas dadas à
histeria feminina iam desde a caracterização física da mulher - de cor escura ou vermelha,
olhos e pelos negros- a sintomas emocionais, como “um sistema nervoso pronunciado”.
Segundo Del Priori, este era um pensamento dominante na medicina do período, que
acreditava que “histeria era decorrente do fato de que o cérebro feminino podia ser
dominado pelo útero”359, ou mesmo pelo fato destas serem péssimas donas de casa, em
detrimento de uma sexualidade voluptuosa. O tratamento reservado ao que a medicina
do período referia-se como histeria, de acordo com Del Priori, eram os mesmo há mais
de 200 anos e consistiam em “banho frio, exercícios, passeios a pé. Em casos extremos,
recomendava-se — pelo menos em tratados médicos — a ablação do clitóris ou a
cauterização da uretra.”360
É importante observar que a sexualidade feminina é historicamente marginalizada.
Às mulheres que a dominam, coube a representação enquanto comportamento doentio.
No universo umbandista, estas mulheres são representadas como seres involuídos
espiritualmente, más, diabólicas, como é o caso das pombagiras. Não deve-se perder de
vista que a umbanda, conforme Ortiz, incorporou “às representações sociais a nível de
frequência religiosa”361 Desta maneira, a dominação masculina se faz presente nas

355
Ibidem. p. 52.
356
DEL PRIORI, Mary. Op. Cit. p. 52.
357
Idem.
358
DEL PRIORE, Mary. p. 218.
359
Op. Cit. p. 219.
360
Op. Cit. 219.
361
ORTIZ, Renato, A Morte Branca do Feiticeiro Negro: A umbanda e a sociedade brasileira. São
Paulo: Brasiliense, 1999. p. 96.
140

concepções simbólicas umbandistas tal qual a ampla sociedade, onde esta dominação
coloca a mulher em constate dependência simbólica segundo a lógica de que,
Elas existem primeiro pelo, e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto
objetos receptivos, atraentes, disponíveis. Delas se espera que sejam
"femininas", isto é, sorridentes, simpáticas, atenciosas, submissas,
discretas, contidas ou até mesmo apagadas. E a pretensa "feminilidade"
muitas vezes não é mais que uma forma de aquiescência em relação às
expectativas masculinas, reais ou supostas, principalmente em termos
de engrandecimento do ego. Em consequência, a dependência em
relação aos outros (e não só aos homens) tende a se tornar constitutiva
de seu ser.362

Para além das causas amorosas, as mulheres buscam as terapêuticas mágicas-


religiosas em Jacobina para a resolução de doenças que afetam o útero, dificuldade para
engravidar ou mesmo quando há interrupção espontânea da gravidez. A médium
Marcelina relatou que um dos sintomas relativos a manifestação da sua mediunidade foi
a dificuldade para engravidar, que só foi resolvida ao realizar os trabalhos que a iniciou
enquanto agente de cura no universo afro-brasileiro. A mesma agente relata que a partir
da orientação dos seus guias pretos velhos, realizou alguns trabalhos para o tratamento de
tumores uterinos em algumas consulentes.
Agora eu vejo também muitas curas do câncer uterino. Os Pretos
Velhos, eles curam com babosa, aquela erva que chama babosa e mel.
Faz um xarope com o mel e a babosa. Tira só aquela parte branquinha
da babosa. A polpa é. E bate com mel e toma. Já vieram aqui uma 5, 6
pessoas que tavam no início e conseguiram [...] Que a babosa tem que
ser tirada a noite, não pode ter tido orvalho, não pode ter chovido né.
Ai tem uma certa ciência. E o mel também é o mel da mandaçaia.363

A interpretação das doenças na perspectiva religiosa afro-brasileiras, segue


representações e inter-relações simbólicas que associam as diferentes partes do corpo a
cada orixá e seus mitos.364 Segundo Teixeira e Barros, as causas se dão pela ação ou marca
do orixá sob alguém. A partir disso, avalia-se a necessidade de realizar a iniciação parcial
ou total. A doença pode afetar também, um iniciado que negligenciou as suas obrigações
com o seu dono de cabeça; quando há quebra de regra ou tabus estabelecidos pelo orixá
ou pela comunidade religiosa; quando existe uma contaminação pelo contato de egúns ou

362
BOURDIEU, Pierre. A Dominação Masculina. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. p. 82.
363
Entrevista com Marcelina Moura Pereira, concedida a autora em 27/07/2015.
364
BARROS, José Flávio Pessoa de; TEIXEIRA, Maria Lina Leão. O Código do Corpo: Inscrições e
Marcas do Orixás. IN: MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Candomblé: Religião do corpo e
da alma. Rio de Janeiro: Pallas, 2000. p.125.
141

egunguns, ou pela contaminação por elementos naturais, vírus, micróbios, etc.365 Desse
modo, as doenças femininas, ou doenças ligadas ao sistema reprodutor feminino, estão
ligadas as ações das orixás Oxum e Iemanjá que são representadas como símbolos de
maternidade e fertilidade.
Doenças venéreas femininas, a falta ou excesso de regras menstruais,
abortos, infertilidade e os demais distúrbios incluídos na categoria
“doença de barriga” constituem apelo ou “marcas” de Iemanjá e de
Oxum, ligadas ao elemento água, à feminilidade e à maternidade.
Ressalta-se que em quase todas as oferendas para Oxum verificamos a
presença de ovo, símbolo da fertilidade, e que a esta orixá cabe o
reestabelecimento das “doenças de meninos”.366

A cura para as enfermidades relacionadas ao aparelho reprodutor feminino está


intimamente relacionado a estas orixás e principalmente a Oxum. Por outro lado, crer-se
que quando são solicitados em seus aspectos negativos, os orixás promovem ações
contrárias às suas qualidades. Oxum quando contrariada pode causar infertilidades,
abortos e os males do amor. Do mesmo modo, Iemanjá provocaria esterilidade, mar
revolto e loucura, já que também está intimamente ligada ou equilíbrio mental. 367
No âmbito das terapêuticas mágico-religiosas na cidade de Jacobina, as agentes
de cura, eram muitas vezes procuradas por mulheres que buscavam tratar-se após a
ocorrência de abortos, ou mesmo para a realização de partos. Deve-se ter em vista, que
até a institucionalização e maior acesso aos serviços da medicina acadêmica na cidade,
cabia às parteiras a realização dos partos e acompanhamento das gestantes. Muitas delas,
além de parteiras eram também, benzedeiras, zeladoras ou mães de santo.
Assim como os curandeiros, as parteiras tinham suas práticas criminalizadas e
eram constantemente denunciadas nos jornais do município, a exemplo do Jornal o
Lidador, que circulou em Jacobina e região entre às décadas de 1930 e 1940 e onde
encontrou-se uma séries de noticiários alertando a população aos perigos de procurar os
serviços das parteiras. Destaca-se, que em meados da década de 1930, foi inaugurado o
hospital Antônio Teixeira Sobrinho no município. Acredita-se que isto, pode ter
intensificado a perseguições aos agente de cura visto que a medicina acadêmica buscava
ganhar espaço e ampliar sua clientela.

365
Ibidem. p. 119-124.
366
BARROS, José Flávio Pessoa de; TEIXEIRA, Maria Lina Leão. Op. Cit. p.126.
367
CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino no culto aos orixás. IN: NASCIMENTO, Elisa
Larkin. Guerreiras da Natureza: A mulher negra, religiosidade e ambiente. São Paulo: Selo Negro,
2008. p. 126.
142

Na edição de 10 de novembro de 1933, o jornal O lidador trouxe uma série de


recomendações do médico Alfredo Souza às “Gestantes e Parturientes” sobre os perigos
de se recorrer “As velhas e as parteiras”.
No 6º mês de gravidez começa a surgir ligeiro corrimento sanguíneo.
As velhas e as parteiras são ouvidas. O clássico remédio é o
<enxarope> compostos de 9 ou 10 substancias purgativas. Depois
vem série dos reguladores, cujo reclames são lidos nos almanaques.
Até que uma grande hemorragia as mata. Os médicos do interior, a
começar por mim fogem desses casos. Sabem que só os procuram
nos casos gravíssimos, quando toda tentativa é impotente. No
entanto se fossemos procurados de início a mulher não ficaria ao
abrigo do terrível mal, porque lhe seria indicada uma interrupção da
gravidez.368

Embora não tenha sido encontradas denúncias às parteiras nos jornais em


circulação no município nas décadas seguintes, acredita-se que elas permaneciam
exercendo seu ofício, ainda que tenha havido uma diminuição, ou aparente
desaparecimento de suas atividades ao longo das décadas seguintes no perímetro urbano
do município. As narrativas produzidas pela benzedeira Ana Maria demonstrou que a
atividade das parteiras ainda estava presente entre as décadas de 1970 e 1990 na cidade
de Jacobina, tendo esta coexistido, ainda que de maneira tímida, com os serviços da
medicina alopata. “Aqui na rua. Eu já peguei muita criança. Que as mulher que não podia
ir pro hospital, eu pegava. Oh, chama Maria ali pra Maria pegar meu fio! Chama Maria
ali pelo amor de deus!”369.
De acordo com Ferreira Filho, muitos dos conhecimentos a respeito dos partos e
criação dos filhos, eram compartilhados entre as comadres, vizinhas e parteiras. Estas
eram tidas pela população, como detentoras destes saberes, e muitas vezes eram
veementemente contrárias ao conhecimento médico.370 Desses modo, pode-se entender a
relação que a benzedeira e parteira Ana Maria mantinha com as mulheres da sua
vizinhança que buscavam seu auxilio para conduzirem o nascimento dos seus filhos. Em
sua narrativa não ficou claro os motivos que impediam estas mulheres de irem parir no
hospital, visto que desde a segunda metade dos anos 1930 havia disponibilidade de
serviços através da medicina acadêmica para a realização de partos na cidade. Além disso,
havia no jornal em circulação na década de 1930, o apelo de médicos para que a população

368
Jornal O lidador. Nº10 de 10 de novembro de 1933. p. 2.
369
Entrevista com Ana Maria da Silva, Concedida a autora em 4/08/2015.
370
FERREIRA FILHO, Alberti Heráclito. Salvador das Mulheres: A condição Feminina Popular na
Belle Époque Imperfeita. (Mestrado em História), Salvador: UFBA, 1994. p. 195.
143

buscasse por seus serviços e abandonassem as atividades desenvolvidas pelas parteiras.


Apesar disso, supõe-se que a confiança que as parturientes depositavam na experiência
das parteiras fazia com que as mulheres preferissem estas aos médicos acadêmicos.
Os partos, segundo dona Ana Maria, eram feitos com a mulher na posição deitada,
muito embora fosse comum entre as parteiras, conduzirem o parto, com parturiente na
posição de cócoras. “É deitada. Não fiz nada de cócoras. Ali a pessoa deita e a pessoa vai
e ajeita e ai a parteira vai e pega a criança.” De acordo com Bastos, Diniz e Rabinovich,
o parto de cócoras são comuns nas culturas tradicionais, sendo muitas vezes inseto de dor
pelo intenso trabalho físico realizado pelas mulheres na lavoura e nos seus diversos
afazeres até minutos antes do parto.371
As autoras destacaram alguns preparativos utilizados por um grupo de parteiras
na comunidade quilombola de Pau Grande, localizado no município de Mata de São João-
Bahia, como a proibição de banhos frios durante os últimos meses de gestação, pois este
podiam causar dor e acelerar o parto; utilização de laxantes; banhos de ervas antes do
parto, e queima de alfazema para espantar energias estranhas e perfumar o ambientes.
Embora não realizasse muitos dos preparos descritos anteriormente, Ana Maria criticou a
falta de repouso – quebra de resguardo – segundo a qual tem sido comum entre as
mulheres. Estes novos hábitos, sofreram forte influência da medicina acadêmica que
orienta as mulheres para a desvalorização das práticas tradicionais da saúde. 372
Não, não precisa rezar não. Ali só o banho, faz o banho dá aquela
mulher pra tomar. Porque de premeiro quando as mulé paria, as pessoas
chegava cozinhava remédio, pra dá banho né. Hoje em dia não usa nada
disso, as mulé pari no outro dia já tá zanzando por ai. Né isso? [...] Tem
que dá o resguardo. 373

Além do parto, recorria-se às práticas de cura tradicionais para interrupção de uma


gravidez não desejada, ou quando o aborto ocorria espontaneamente. Ferreira Filho,
destacou que nas primeiras décadas do século XX, as práticas de aborto, infanticídio e
abandono de recém nascidos eram bastante comuns no Brasil, principalmente entre as
mulheres pobres, que muitas vezes arcavam sozinhas com a responsabilidade da
maternidade. Na falta de condições econômicas que as assegurassem na criação de um
filho, muitas recorriam a alguma dessas medidas extremas. 374 Conforme o autor, o

371
Bastos, Diniz e Rabinovich. Op, Cit. p.70.
372
Ibidem. p. 66.
373
Entrevista com Ana Maria da Silva, Concedida a autora em 4/08/2015.
374
FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito. Op. Cit. p.161.
144

variado receituário capaz de provocar o aborto estava a cargo de “Curandeiras,


vendedoras de ervas, mezinheiros, comadres, vizinhas, velhas sábias, parteiras e
aparadeiras, todos sabiam alguma simpatia, beberagem, garrafada ou preceito para
abortar ou “fazer descer” fluxos menstruais em atraso.”375 As receitas abortivas eram
compostas basicamente por plantas como artemísia, arruda, cidreira, jalapa entre outras.
O autor ressaltou, que acreditava-se que as plantas de sabor amargo eram abortivas ou
provocavam menstruação e desse modo, inúmeros preparos eram feitos com base nos
conhecimentos tradicionais que se constituíam com base na solidariedade feminina
transmitida oralmente ao longo de gerações.
Para além da eficácia dessas terapêuticas abortivas, o que elas nos
revelam é uma preocupação ancestral com a gravidez indesejada, que
unia muitas mulheres de diversas procedências sociais e étnicas em
torno de arranjos mais variados. Tais questões ajudavam a tecer redes
de solidariedade feminina, traduzidas em um saber oral, próprio às
mulheres, sobre o seu próprio corpo e funcionamento dele. Esses
saberes e práticas foram elementos fundamentais na manutenção de
uma forte e operacional subcultura feminina que, desde a colônia ‫ ־‬e à
margem da ordem patriarcal ‫־‬, formava-se no Brasil, aglutinando
mulheres cm tomo dos impasses postos pela sobrevivência cotidiana. 376

Destaca-se, que por motivos diversos, inúmeras vezes os abortamentos ocorriam


de forma espontânea sem que a mulher o desejasse. Nestes casos, a benzedeira e ex-
parteira Ana Maria, prestava auxílio as mulheres, tratando para que elas eliminassem todo
resquício deixado no interior do seu corpo pela interrupção da gravidez, evitando desse
modo, o adoecimento da consulente.
Uma vez mesmo eu peguei um menino que a mulher tava... perdeu o
menino e ia pro hospital. Ai eu cheguei e disse oh minha fia não vá não,
espere ai que eu lhe dou um remédio agora! Peguei fiz o remédio que
eu tinha que fazer. Cozinhei um monte de hortelão graúdo com hortelão
miúdo, bati no liquidificador depois de cozido, e peguei aquele sumo,
aquele caldo grosso e dei pra ela beber, ai ela jogou toda imundice pra
fora. Ela perdeu o bebê, o menino já estava todo os pedaços já ruim na
barriga. Ai eu pedi, deus do céu me dê orientação! [..] Botou pra fora, e
hoje ela me agradece de todo o jeito o que eu fiz por ela.377

O saber da parteira, bem como das benzedeiras e dos demais agentes das curas
mágico-religiosas, é compreendido enquanto um dom, carregado por algumas mulheres
que detêm também um conhecimento acumulado empiricamente através das experiências

375
Ibidem. p.162.
376
FERREIRA FILHO, Alberto Heráclito. Op. Cit. p. 165.
377
Entrevista com Ana Maria da Silva, Concedida a autora em 4/08/2015.
145

no partejar e nos cuidados com a saúde feminina como um todo. Segundo Santos, até o
século XIX as parteiras eram responsáveis pelo cuidados com as gestantes, com os partos
e com os recém-nascidos. Do mesmo modo, elas “Também eram procuradas para atender
as mulheres nos cuidados com o corpo, doenças venéreas e para a prática do aborto.”378
De acordo com a autora, estas mulheres eram geralmente oriundas das camadas populares
e que apesar de não terem tido acesso à educação formal, dispunham da confiança da
população quando o assunto se referia à saúde feminina. Os cuidados advindos dos
médicos parteiros era dispensado pelas parturientes que davam preferência “a companhia
das parteiras durante seus partos, tendo em vista a preocupação com a confiança e
segurança conquistas pelas mulheres que partejavam, o que por certo era reforçado pela
moralidade difundida pela Igreja.”379
Santos, atribuiu a chegada da Corte Portuguesa no Brasil a incorporação das
práticas de partejar pela medicina e o ingresso dos homens no universo antes exclusivo
das parteiras “culminando com a proclamação masculina de exclusividade da
obstetrícia”380
Na temporalidade da modernização, dá-se a apropriação do saber-fazer
das parteiras tradicionais pelo saber médico que constituiu a obstetrícia.
Tal confronto resultou na incorporação da prática das parteiras pela
medicina, cujo discurso centrava-se na premissa do exercício da clínica
e da investigação anatomopatológica, a partir da presença masculina
nessa área.381

Ao longo do século XX, as parteiras passaram a ser duramente perseguidas,


principalmente nos centros urbanos, onde primeiro se estabeleceu o saberes médico-
científicos, que buscava através dos profissionais dessa área, dominar tanto os corpos
femininos como a área médica dedicada a saúde das mulheres, até então sob a tutela das
parteiras. 382 O abandono do ofício de parteira por Ana Maria pode ser compreendido pela
crescente urbanização que sofreu a cidade de Jacobina a partir da segunda metade do
século XX. Isto, certamente alterou uma série de hábitos e modo de viver das mulheres,

378
SANTOS, SiIvéria Maria dos. Parteiras tradicionais da região do entorno do Distrito Federal. Tese
(doutorado). Brasília: Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Humanas, Departamento de História,
2010. p. 89.
379
SANTOS, SiIvéria Maria dos. Parteiras tradicionais da região do entorno do Distrito Federal. Tese
(doutorado). Brasília: Universidade de Brasília, Instituto de Ciências Humanas, Departamento de História,
2010.p. 90.
380
Ibidem. p 91.
381
Ibidem. p. 92.
382
Ibidem. 93.
146

que pouco a pouco passaram a buscar a medicina alopata através do atendimento


hospitalar para a realização dos seus partos.

3.2- “Cosme e Damião ninguém brinque que se não fizer as coisas dele, o caruru dele
direitinho [...] aparece doença na pessoa”: os carurus, entre a obrigação e a cura.

Os carurus oferecidos em 27 de setembro, simbolizam a devoção aos santos


católicos, os gêmeos São Cosme e São Damião. Consagrados como protetores da saúde,
padroeiro dos médicos, farmacêuticos e cirurgiões, visto que em vida, estes teriam se
dedicado à prática da medicina caridosa e à curas extraordinárias. 383 Na Europa, a partir
da Idade Média, estes santos eram representados na iconografia como santos adultos no
exercício da profissão de médicos. Mas ao longo do tempo, no contexto brasileiro, estes
passaram a ser identificados com os “santos meninos”, “dois-dois” e com o orixá Ibêji.384
Na tradição ioruba, o orixá Ibêji, está relacionado com a responsabilidade pelo
nascimento de gêmeos e pela proteção aos mesmos. Daí, segundo Lima, a possível relação
que se tem feito entre os santos católicos e a entidade africana. Do mesmo modo,
relacionam ao orixá protetor dos gêmeos, os santos católicos Crispim e Crispiniano,
homenageados no dia 25 de outubro. Estes, são reconhecidos nas tradições populares
afro-católicas, como gêmeos e padroeiro dos sapateiros.385 Por este motivo, os carurus
em homenagem aos santos Cosme e Damião, Crispim e Crispiniano são oferecidos entre
os meses de setembro e outubro respectivamente.
De acordo com Lima,386 são raras as pessoas que se iniciam neste orixá. O autor
destacou, que assim como os demais orixás do panteão nagô ele possui, ritos de iniciação
e de feitura, obrigações, comidas próprias e que, embora seja patrono dos gêmeos, “Ibêji,
como orixá é um só.”387 O caruru do orixá criança é composto de frangos, quiabo, vatapá,
acarajé e abará.

383
LIMA, Vivaldo Costa Lima. Cosme e Damião: o culto aos santos gêmeos no Brasil e na África.
Salvador: Corrupio, 2005. p.14.
384
Ibidem, p.15-16.
385
Ibidem, p.29.
386
Ibidem, p.34.
387
Ibidem. p. 34.
147

Sobre o preparo do caruru de Ibêji, Lody destacou alguns ingredientes e preceitos


necessários para o seu preparo.
O caruru dos Ibejís é preparado com todos os rigores, iniciando-se com
a matança de frangos e frangas. Na gamela de madeira, as carnes foram
preparadas, camarões secos e outros ingredientes foram colocados junto
com os quiabos cozidos e dendê, levando ainda legumes. O grande prato
é coberto com farofa de azeite e ovo cozido. O alimento fica guardado
no pejí junto aos ixés das matanças, até o momento da saída do caruru
para o barracão.388

O caruru é primeiramente servido às crianças em uma esteira estendida no chão,


devendo o mesmo, ser saboreado com as mãos e em uma mesma gamela por todas as
crianças. Ao termino da alimentação, as próprias crianças levam a gamela e as esteira para
o pejí de Ibejí, e então é servido para os demais participantes, “um ajeum preparado com
o oguedê frito no azeite, farofa de azeite, doboru, abará, acarajé, feijão preto e outros
alimentos.”389
Os ingredientes que compõe o caruru de Ibêji variavam de acordo com a tradição
de cada candomblé. Lima ao entrevistar Olga do Alaqueto390, ialorixá do Ilê Maroiá Láji,
mais conhecido como terreiro do Alaquetu, um dos mais tradicionais da cidade de
Salvador, a ialorixá afirmou que Ibêji come de tudo, embora tenha as comidas preferidas
dele. Entre os ingredientes que compunham o caruru oferecido no Alequeto ela citou.
A banana frita, banana da terra, cortada em tiras, passa sal e frita no
azeite de dendê. Amendoim. Torrado e cozido com batata doce e banana
da terra. Leva camarão, azeite, sal e cebola. [...] Chamam também de
Eué d’ejiré. Pipoca. Abóbora cozida cortadinha com azeite. Por causa
de Ifá. Bota mel por cima. Acarajé. Abará. Acaçá. Batata doce, cozida,
é cortada em fatias e depois passa no azeite e sal. [...] O caruru dele bota
o fubá de castanha e de amendoim. É por causa dele que se aça castanha.
Fica um caruru grosso, como o feijão dele. [...] Ekuru com mel. Ebô
com mel. Arroz, gosta muito de arroz. Essas comidas branca dele, tudo
é com mel. Se for fêmeas, 2 galinhas e um frango. Se for machos, 2
galos e uma galinha. Come cabra, como tudo. Banana de ouro. [...]
Pipoca com coco em lascas. Licuri. Ele é de boa boca.391

Nas tradições afro-brasileira em Jacobina, os carurus oferecidos a São Cosme e


São Damião, reservada algumas especificidades, se assemelham em muitos aspectos com

388
LODY, Raul. Santo Também Come. Rio de Janeiro: Pallas, 2012. p.104.
389
LODY, Raul. Op. Cit. p.106.
390
REGIS, Olga Francisca. A Comida de Santo numa Casa de Queto da Bahia. Salvador: Corrupio,
2010.
391
Ibidem. p.109.
148

os carurus servidos aos Ibêjis nos terreiros tradicionais de candomblé. Em geral são
composto de vatapá, caruru (o quiabo), farofa, legumes diversos e carne de galinha ou
frango caipira – como é denominada a carne das aves que são criadas em ambiente
doméstico pelos próprios agentes de cura ou comprados na feira local. As carnes de
galinha ou frango industrializados, não são bem vista pela maioria dos agentes de cura.
O vatapá é feito de pão ou fubá de milho, castanha e amendoim moídos, leite de coco ou
de licuri, azeite de dendê e em alguns casos põe-se o camarão e bacalhau seco. Como
acompanhamento, serve-se junto ao vatapá, o quiabo ou caruru (amalá) e a abobora
cozida. Observou-se que alguns agentes servem outros legumes, principalmente como
acompanhamento do caruru como saladas - a alface e tomate - beterraba cozida, e repolho
cozido, elementos incomuns nos carurus oferecidos nos terreiros tradicionais.
Nos terreiros, os carurus costumam ser servidos no chão, em uma esteira, ou em
pedaço de tecido enfeitados com flores e com a imagem dos santos gêmeos católicos. Nos
terreiros de piji e umbanda em Jacobina, primeiro as sete crianças serviam-se com as
mãos, em pratos individuais feitos previamente. Ao termino da refeição das crianças, elas
lavavam as mãos em um recipiente comum e então era retirada a esteira – a mesa dos
meninos. Posteriormente, os demais convidados e adeptos são servidos. Todo rito de
alimentação das crianças eram acompanhado de cânticos em homenagem os santos
gêmeos. No âmbito doméstico, o rito se faz da mesma maneira. Vias de regra, os carurus
são servidos em uma mesa e não no chão como nos terreiros. 392

392
Informações obtidas a partir de entrevistas com os agentes de cura e através da observação entre os anos
de 2011 e 2016.
149

Figura 17- Composição do caruru de Ibêji no terreiro Ilê Odé Cassulandê.

Caruru de Ibêji composto de feijão fradinho, vatapá, pipoca, carne de frango cozida, acaçá,
abará, acarajé e amalá. Emanuela Bethânia, 2011.
150

Figura 18- Composição do caruru de São Cosme e São Damião Figura 19- Caruru de São Cosme e São Damião oferecido por
oferecido pela Benzedeira Maria Aurea dos Santos Amado Pereira dos Santos e por seus filhos de Santo

Caruru de São Cosme e São Damião composto arroz, farofa, frango, Caruru de São Cosme e São Damião composto arroz, legumes diversos: alface,
vatapá e quiabo/caruru (amalá). Foto: Emanuela Bethânia, 2015. tomate, beterraba, chuchu, couve, salada de maionese e galinha. Foto: Emanuela
Bethânia, 2016.
151

Observa-se na figura 9, que o caruru oferecido por Amado Pereira e seus filhos de
santo, era composto de elementos pouco comuns aos tradicionais carurus, com uma
diversidade de saladas e legumes. A introdução de ingredientes alheios à culinária afro-
brasileira pode ser compreendido como uma ressignificação dessas tradições culinárias
em decorrência da não existência de algumas iguarias típicas de um caruru tradicional na
região; pela forte presença do culto aos caboclos, entidade indígena; ou mesmo, pelo alto
preço desses ingredientes, que impossibilita, a compra por alguns devotos da prática afro-
brasileiras na cidade. Reitera-se, que estes praticantes, são em sua grande maioria, de
baixo poder aquisitivo. Alguns depoentes relataram a dificuldade financeira em cumprir
a obrigação religiosa de oferecer o caruru de São Cosme e São Damião diante das
limitações financeira vivenciada por eles.
Num tinha nada minha fia, tem dia que não tinha nem açúcar pra tomar
café. Como era que eu ia bater, meu deus? Como é que eu ia dá caruru?
Desempregada, mocinha nova que vivia por conta dos pais, os pais
fracos... Minha filha olha, se chegar até aqui, olha é uma semana pra eu
te contar (risos).393

Entre alguns adeptos dos terreiros de nação em Jacobina, a inserção de


ingredientes não tradicionais às práticas alimentares do candomblé, é duramente criticada.
O cariru aqui de Jacobina, o povo dava cariru de folhas, como dá ai nos
interiores. É... era repolho, couve, tem gente que nem quiabo bota, que
é o principal, do cariru, o principal. [...] Fazem vatapá de fubá, então
faz, fazia aquela coisa assim. [...] Então eles aqui começaram a fazer
isso depois que viram a gente do candomblé fazer, ai eles começaram
[...] Mas já não fazem igual né, imitam. Mas ainda tem muita gente
fazendo salada de maionese, de onde é que existe isso? [...] Ai você vê
os orixás comiam isso naquele tempo. Porque a comida dos orixás é a
que os escravos fazia na senzala, como a feijoada de Ogum, eram os
restos que o senhor levava e eles pegavam ali e arriava e dava a
Ogum. 394

Compreende-se, que se por um lado, há uma reivindicação pela preservação das


práticas religiosas tradicionais por parte dos adeptos do candomblé que se insere no
movimento que busca reafricanizar estas práticas religiosas, supõe-se que por outro, as
vivências religiosas afro-brasileira em Jacobina foram ressignificadas em prol da sua
permanência pelos adeptos do peji, umbanda e cultos domésticos. A introdução de novos

393
Maria Jesus da Silva (Mariquinha), entrevista concedida a autora em 17/08/2013.
394
Maria da Conceição Barbosa da Silva (Nina). Ialorixá líder do terreiro Ilê Axé Odoiá. Entrevista
concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em 23/02/2011, Jacobina, Bahia.
152

elementos nas receitas do caruru de São Cosme e São Damião certamente é resultado da
resistência pela sobrevivência desta prática religiosa na cidade. Para Braga, o candomblé
deve ser compreendido a partir das diversas interferências de diversos procedimentos
socioculturais que o definem “como produto de recriação, adaptação e amálgama de
valores religiosos ocorridos no Brasil.”395 Desse modo, não é possível desprezar os
diversos valores sociais e culturais presentes na sociedade jacobinense, que estão
presentes no processo de adaptação e ressignificação das religiões afro-brasileiras no
município. Destaca-se também, a presença da cultura indígena herdada dos povos nativos
que viveram na região de Jacobina. A forte presença do peji- que refere-se ao culto aos
caboclos, certamente, tem relação com a ancestralidade indígena na cidade.
O costume de oferecer caruru aos santos gêmeos entre os meses de setembro e
outubro, está diretamente relacionada a manutenção da saúde dos agentes de cura. O não
cumprimento desta obrigação religiosas, acarretaria o adoecimento do devoto. A
benzedeira Maninha, começou a dar o caruru de São Cosme e São Damião em decorrência
de um problema relacionado a saúde, surgidos após a morte da sua madrinha, com quem
residia, e que tinha a obrigação de oferecer o caruru aos os santo gêmeos.
Porque eu não tinha sossego dentro de casa. Um negócio no meu
ouvido, que era uma agonia, eu não ficava em casa. Não ficava! Não
era com medo não. Era um negócio dentro do ouvido que eu não podia
ficar em casa só vivia na rua. [...] Um ano depois que ela tinha morrido.
Tinha dias eu com essa confusão no ouvido. Ai fui pra doutor Manoel,
doutor Manoel disse. Vamos lá fazer uma lavagem neste ouvido. Fez a
lavagem e nada. Continuou. Mandou pra doutor Agnaldo, doutor
Agnaldo fez a lavagem e nada continuou. Voltei de novo pra ele, vai
passar pra mão de Tuca: agora meu filho. Passei pra Tuca, nada! Ai
quando foi um dia ele disse. Oh Maninha você não vai fazer o caruru
de São Cosme não? Que ele era acostumado a vir comer aqui. Eu disse
não porque o caruru não era meu. Pois então cuide do seu santo que eu
não tenho remédio pra você! (risos) Eu disse, oh doutor Manoel será
que é isso mesmo? Ele disse, eu não quero nem saber, se vire! Ai eu
cheguei aqui e disse [...] é por causa disso que eu tô com essa confusão
do ouvido porque eu disse que não ia fazer o caruru! Pois eu vou fazer
pra sete criança se eu ficar boa, se eu não ficar eu não faço. Passou o
zumbido nessa hora.396

Observa-se, que a relação que a benzedeira manteve com os santos foi


imprescindível para reestabelecimento da sua saúde, visto que a omissão em relação ao

395
BRAGAG, Júlio. Na Gamela do Feitiço: Repressão e Resistencia nos candomblés da Bahia.
Salvador: EDUFBA,1995. p. 38.
396
Marcelina Moura Pereira, entrevista concedida a autora em 21/03/2012.
153

caruru acarretou-lhe o desequilíbrio em sua rotina. 397 Chama atenção, o fato de o médico,
que participava do caruru oferecido por sua madrinha, ter atribuído a causa da sua doença
ao rompimento da obrigação com os santos, diante das diversas tentativas de tratamento
da doença através da medicina acadêmica sem sucesso. Situação semelhante, foi narrada
por senhor Amado, sobre o adoecimento da sua ex-companheira, que decidiu romper com
as obrigações do caruru, acarretando-lhe adoecimento, que só foi tratado após o
cumprimento da obrigação do caruru.
C’ê vê oi Cosme e Damião ninguém brinque, que se não fizer as coisas
deles direito o cariru direitinho, eles não recebe e aparece doença na
pessoa [...] Tem gente que dá porque quer, mas tem muitos que é
obrigado a dar. Tenho filho de santo mesmo que tem que dar. Adoece
ou aparece desmantelo na família um doenceiro, uma coisa e outra que
vai não tem jeito. A minha primeira mulher mesmo ela dava, parou um
ano porque ela zangou disse que não ia dá mais, foi tanta doença que
apareceu sem quê nem pra que. Deus ajudou depois ela voltou atrás ai
melhorou.398

Apesar de muitas pessoas oferecerem o caruru a São Cosme e São Damião, senhor
Amado ressaltou que nem todas as pessoas têm a obrigação com os santos de dar o caruru.
Outras, entretanto, se infringirem o “pacto” estabelecido com os santos são acometidos
por uma desordem que atinge a própria e vida e a dos seus familiares.
O caruru de São Cosme e São Damião em alguns casos, é seguido de peji, que é a
roda de samba dos caboclos em homenagem aos santos gêmeos. De acordo com senhor
Amado, em seu terreiro, primeiro é servido o vatapá das crianças no chão, que tem como
acompanhamento quiabo, abobora, alface, tomate e galinha de quintal. O ritual acontece
ao som dos pontos cantados, entoados para os santos homenageados.
Eu pego é boto sete crianças, seis home e uma mulher. A mulher é Santa
Barbara. Tem gente que bota duas, mas eu só boto uma, santa barbara é
ela e é ela mesmo. Ai boto um filho de santo lá, outro cá e os meninos
virado pra mim ou de junto de mim. [...]Dos meninos, os pratos já vêm
feitos lá de dentro, eles já tão sentados, ai vai botando o prato de cada
um, o copo de guaraná. Se às vezes tiver bolo, às vezes uma pessoa trás.
Caramelo sempre tem, ai bota três quatro em cada menino e ai vai. 399

É importante observar a narrativa de senhor Amado, a escolha das crianças que


compunham a mesa - seis meninos e uma menina que deveria ser de Santa Barbara.

397
CONCEIÇÃO, Alaíse dos Santos. “O Santo é quem nos vale, rapaz! Quem quiser acreditar,
acredita!”: Práticas culturais e religiosas no âmbito das benzeções. Governador Mangabeira – Recôncavo
Sul da Bahia (1950-1970). Salvador: Faculdade de Filosofia (dissertação de mestrado) ,UFBA, 2011.p. 85.
398
Entrevista com Amado Pereira do Santos, concedida a autora em 15/10/2015.
399
Idem.
154

Associada na tradição afro-católica a orixá Iansã, que na mitologia dos orixás, juntamente
com Xangô, seriam os pais do orixá Ibêji. De acordo com Couto, provavelmente a
associação entre Santa Barbara e Iansã tenha se iniciado no século XVIII, com a chegada
dos nagôs na Bahia. Para a autora, ambas possuem o poder de controlar as tempestades e
o trovão, ambas são consideradas mulheres guerreiras que defendem os seus filhos das
guerras e de todas as batalhas cotidianas. 400 Destaca-se, que na tradição afro-católica,
Santa Barbara e Iansã são homenageadas no dia 4 de dezembro, ocasião em que seus
adeptos também oferecem caruru. Couto afirmou, que a festa para Santa Barbara teve seu
início no século XVI na Cidade Baixa em Salvado. Entre seus devotos encontravam-se
os comerciantes africanos e brasileiros de baixo poder aquisitivo. Até o início do século
XX, os festejos a santa era realizado sem o incentivo da igreja e das elites. Segundo Couto
Após a destruição da capela do mercado, em 1899, no dia 4 de
dezembro a imagem de Santa Bárbara era levada, em procissão, pelas
ruas do comércio até a Igreja do Corpo Santo. O cortejo era animado
com músicas e foguetes. Após a realização de uma missa solene, a santa
e os fiéis voltavam ao mercado. Quando a imagem retornava ao seu
nicho “era servido, à farta, caruru acompanhado de aberém, acarajé e
outros quitutes. Corria muito aruá de milho maduro, gengibirra e a
inevitável cachaça. Formavam-se rodas de samba e de batuque,
interrompidos por pequenas arruaças”.401

Em Jacobina não foram encontrados carurus oferecidos em homenagem a Santa


Barbara, apesar disso, dona Marcelina, além de cumprir a obrigação com os santos
gêmeos, as faz também em homenagem as pretas velhas no dia 26 de julho, dia das avós
e dia em que se homenageia Nossa Senhora de Santana e a orixá Nanã. O Caruru é
oferecido a pedido da sua guia Preta Velha, que lhe passou a receita do preparo da comida,
quando começou a cumprir esta obrigação.
Eu fazia vatapá, arroz, salada e frango ou peixe. É mas eu faço com
bacalhau, com camarão, castanha, amendoim, azeite de dendê, azeite
de... óleo de oliva e eu faço sempre de pão. Mas o vatapá africano, o
primeiro caruru que eu fiz, eu fiz foi um vatapá africano que os pretos
velhos me deram a receita. É com farinha, não eles tinha o pão. Farinha
de mandioca. [...] Só que ele, o vatapá africano, essa farinha a gente
pega o bacalhau e grelha, grelha no fogo né. C’ê assa ele, tira o sal,
dessalga, o pedaço inteiro depois você bota na grelha né. Ai quando
assar ele você vai pisa ele no pilão com farinha. Agora hoje tem
multiprocessador né, eu fazia lá em Caatinga porque tinha pilão lá, ai

400
COUTO, Edilece. Op. Cit. p.156.
401
Ibidem. p. 91.
155

pisa junto, o amendoim era pisado, pisava castanha, pisava... Tudo com
farinha eles determinavam assim.402

O caruru das Pretas Velhas é servido exclusivamente para mulheres,


especialmente às avós e tias. Antes de servir a comida, é feita uma roda com as mulheres
convidadas e entoa-se pontos cantados acompanhados com palmas para as entidades
homenageadas. Em seguida, a preta velha, Mãe Maria, incorpora em sua médium e
abençoa às presentes com abraço e em alguns casos receita banho com ervas, que variam
de acordo coma necessidade de cada uma. Na sequência, é feito o despacho, com uma
pequena quantidade de comida em um prato de barro para a entidade, que é depositado
no próprio quintal da residência da agente de cura. Após isso, o caruru é servido as
participantes.403

Figura 20- Recipientes com a comida a ser despachada às pretas velhas

Caruru das Pretas Velhas composto de vatapá, quiabo (caruru), arroz, pipoca, galinha e rapadura. Foto:
Emanuela Fonseca, 2015.

É importante perceber, que em todos os casos aqui apresentados, o caruru está


inserido no contexto mágico-curativo de quem os oferece. Por isso, os agentes de cura os

402
Entrevista com Marcelina Moura Pereira, concedida a autora em 27/07/2015.
403
Informações obtidas a partir de entrevista e da observação do caruru ocorrido em Julho de 2015.
156

vê enquanto uma obrigação. Deixar de cumpri-la, significa expor-se ao risco do


adoecimento. Dessa maneira, as adaptações do receituário dos alimentos oferecidos, bem
como a ressignificação do rito, foram essenciais para a manutenção dessa tradição.
157

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho, teve como proposito, analisar as práticas de cura mágico-


religiosa afro-brasileiras em Jacobina-Ba, após a homologação do decreto estadual 25.095
no a no de 1976, que estabeleceu o fim da obrigatoriedade de autorização policial, para a
realização dos ritos religiosos pelos praticantes das religiões afro-brasileiras, no contexto
de intensas transformação urbanísticas na cidade.
Através da impressa e das legislações municipais, os grupos dominantes da
cidade, buscavam impor os seus ideais de progresso e civilidade, a partir do combate, aos
diversos hábitos, especialmente os da população mais pobre, visto, que estes costumes,
eram tidos como um entrave para concretização dos projetos civilizatórios. Às práticas de
cura tradicionais, associadas a religiosidade afro-brasileiras, foram um dos alvos
preferenciais dos ataques proveniente destes grupos. Os curandeiros e curandeiras, pais e
mães de santo, entre outros agentes, desenvolveram uma série de mecanismos de
resistência e enfretamento a repressão às suas atividades de cura.
Por meio da metodologia da História Oral, foi possível verificar na fala dos
agentes de cura, alguns artifícios desenvolvidos por eles, em prol da permanência de suas
práticas, mesmo após a sanção do decreto 25.095. A migração para áreas menos
urbanizadas da cidade, e o apadrinhamento por chefes políticos e demais sujeitos com
posição de destaque na sociedade Jacobinense, foram algumas das formas de resistência
utilizado por estes sujeitos. Observou-se também, certas especificidades do campo
religioso afro-brasileiro de Jacobina, como a prática do piji, centrado no culto aos
caboclos, e a predominância no perímetro urbano da cidade, dos cultos domésticos,
representados pela figuras dos curandeiros e curandeiras, das e benzedeiras, sendo que,
nesta categoria, a figura feminina em destaque, foi compreendido como um aspecto da
divisão sexual do trabalho, na qual, os ofícios de âmbito doméstico são majoritariamente
desenvolvidos por mulheres. Notou-se ainda, a existência de uma séries de conflitos
existentes entre os praticantes do candomblé de nação e demais grupos religiosos afro-
brasileiros do município. Estando estes embates, fundamentados na noção de
reafricanização, defendidas pela FEBACAB e pelos terreiros de nação.
O universo das práticas mágico-curativas afro-brasileiras, é composto por uma
série de procedimentos, empregados para o tratamento dos mais diversos males que
158

podem acometer os indivíduos. Estes, são tratados a partir da utilização de elementos


como as benzeções, banhos com vegetais, trabalhos mágicos, xaropes, garrafadas, entre
outros, receitados na maioria das vezes, através das consultas espirituais que são
auxiliadas por agentes mágicos, tais como, os caboclos, pretos velhos, encantados e
orixás. Este conjunto de práticas mágico-religiosas, eram empregados pelos agente de
cura, com o intuito de minimizar os sofrimento da população, que recorria a estas práticas
de cura. Tendo em vista que na perspectiva da medicina tradicional afro-brasileiras, a
doença é compreendida enquanto um mal totalizante, que afeta a vida do indivíduo na
esfera física, emocional, espiritual e social, provocando um estado de desordem. A doença
pode ter causas diversas, ou um mesmo fator pode gerar doenças variadas. Isso porque,
tanto a cura quando as causas das enfermidades são compreendidas por uma ótica
multifatorial.
A busca por estes tratamentos, era feita por uma clientela diversificada, tanto em
relação aos extratos sociais quanto ao gênero. As mulheres costumavam recorrer a estas
práticas magico-curativas, para resolver questões que envolviam as “doenças de
mulheres”, de cunho ginecológico e reprodutor, para resolver problemas amorosos, ou
para sanar questões relacionadas a gestação, por intermédio das benzedeiras/parteiras.
Enquanto os homens, costumavam buscar auxílio desta vertente terapêutica, em especial,
para solucionar questões de dificuldade nos negócios e financeiras, e para tratar a
depressão. Além destas, ambos buscavam os agentes de cura para tratar doenças como
encosto, mau olhado, quebranto, espinhela caída, erisipela, “problemas de santo” entre
tantas outras enfermidades. A eficácia do tratamento, é determinada pelo poder simbólico
exercido pelos agentes de cura, no trato com os elementos simbólicos envolvendo o
mundo social e sobrenatural.
Acredita-se, que existem diversos aspectos a serem estudados em relação às
religiões afro-brasileiras em Jacobina, especialmente nas localidades rurais, cujo presente
estudo não abarcou. Diante disso, as considerações finais aqui apresentadas estão
distantes de apresentar a concussão desta pesquisa. Ainda assim, acredita-se que este
trabalhos possa contribuir para o melhor entendimento da trajetória das afro-religiões em
Jacobina.
159

LISTA DE FONTES

LISTA DE FONTES

1.1 Arquivo da Federação Nacional de Cultos Afro-Brasileiros (FENACAB) –


Jacobina- Ba.
 Ofícios
 Registros de Terreiros

1.2 - Acervo Digitalizado da Microrregião de Jacobina. Jacobina: UNEB Campus


IV - NEO/NECC.

Manuscritas
 Código de Posturas de Jacobina (1933)
 Correspondências (1948-1949)
 Leis e resoluções do Conselho Municipal (1908-1915)

Jornais
 O lidador (1933-1943);
 Correio de Bonfim (1912-1942);
 Correio do Sertão (1917-1950)
 Jornal Vanguarda (1955-1960).
 Jornal Centro Norte (1967)
 Jornal A palavra (1970-90)
 Fotografias (1950-1960)

1.4 - Acervo do Arquivo Fotográfico Ilustrativo dos Trabalhos Geográficos de


Campo – IBGE. Fotografias de Tibor Jablonsky.
 Fotografias

1.5- Arquivo Público Municipal de Jacobina


 Registro de Leis nº 04- 1978-1980;
 Avisos e Editais. Livro nº1- 1967 a 1973.
 Registro de leis. 10/19955 à 12/1967.

1.6- Site:
http://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-
catalogo?acervo=todos&campo=todos&notqry=&opeqry=&texto=Jacobina&digital=fal
se&fraseexata=

http://www.uneb.br/pgdp/files/2010/07/Constitui%C3%A7%C3%A3o-do-Estado-da-
Bahia.pdf

1.7- Orais
 Amado Pereira Santos. 73 anos de idade. Lavrador. Sacerdote da umbanda
Linha Branca. Entrevista concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em
20/03/2012 e em 15/10/2015. Jacobina – Bahia.
160

 Joel Sebastião Xavier 63 anos de idade. Babalorixá líder do terreiro Ilê Axé
Odé Cassulandê. Entrevista concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em
22/02/2011 e me 21/05/2012. Jacobina – Bahia.
 Marcelina Moura Pereira. 59 anos de idade. Professora aposentada. Médium
umbandista da linha Umbanda Espírita. Entrevista concedida a Emanuela
Bethânia S. da Fonseca, em 21/03/2012 e em 27/07/2015, Jacobina – Bahia.
 Maria da Conceição Barbosa da Silva. Apelido (Nina). 58 Anos de idade.
Professora. Ialorixá líder do terreiro Ilê Axé Odoiá. Entrevista concedida a
Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em 23/02/2011 e em 19/08/2015. Jacobina –
Bahia.
 Valdelice Soares De Oliveira. 59 anos de idade. Doméstica. Praticante do
candomblé. Entrevista concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em
19/03/2012, Jacobina – Bahia.
 Arcelino Francisco dos Santos. 88 anos de idade. Agricultor aposentado.
Benzedor umbandista. Entrevista concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca,
em 09/04/2012, Jacobina – Bahia.
 Maria de Jesus Silva. Apelido (Mariquinha). 70 anos de idade. Dona de Casa.
Rezadeira umbandista. Entrevista concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca,
em 09/04/2012, Jacobina – Bahia.
 Dalva dos Anjos Silva. 81 Anos de idade. Costureira. Benzedeira. Entrevista
concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em 170/08/2013, Jacobina –
Bahia.
 Carolina de Jesus, Apelido (Calu) 95 anos de idade. Dona de Casa. Entrevista
concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em 18/08/2014, Jacobina – Bahia.
 Ana Maria da Silva. 63 anos de idade. Dona de casa, Entrevista concedida a
Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em 04/08/2015, Jacobina – Bahia.
 Senhorinha de Oliveira Queiroz. 76 anos de idade. Dona de casa. Entrevista
concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em 13/8/2014, Jacobina – Bahia.
 Maria Aurea da Silva , Apelido ( Maninha), 70 anos de idade. Dona de casa.
Entrevista concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em 07/04/2015 e em
07/04/2016, Jacobina – Bahia.
 Américo Silva Porto. 45 anos de idade. Técnico em enfermagem. Entrevista
concedida a Emanuela Bethânia S. da Fonseca, em 11/02/2011 e em 07/04/2016,
Jacobina – Bahia.
 Gilton de Oliveira. Contato preliminar- entrevista/sondagem, cedida Emanuela
Bethânia S. da Fonseca, a em 09/10/2012, Jacobina-Ba.
161

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

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Dissertação (mestrado). Salvador: UFBA, 2012.
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Texto encontrado em:
http://vencontro.anpuhba.org/anaisvencontro/C/Carla_Corte_de_Araujo.pdf em: 26/02/2015.
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MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de Moura. Candomblé: Religião do corpo e da alma. Rio
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