. Cuidado Pastoral em Tempos de Insegurança São Paulo, Aste, 2004.
Páginas 53-69. SATHLER-ROSA, Ronaldo
1. AÇÃO PASTORAL: PRÁTICA E TEORIA
A relação dialética entre teoria e prática lança luzes sobre a ação, mas, segundo Heitink, não é suficiente para compreender, explicar, orientar e dirigir a ação. Jacob Firet, sobre teoria da ação: deve ater-se a domínios concretos da ação; deve analisar o contexto das ações e as ações mesmas na sua situação atual e suas potencialidades; ter o propósito de desenvolver modelos de ação e estratégias para os vários domínios de ação. Firet, ainda em Heitink, adota como paradigma para a ação pastoral a noção de "ação comunicativa a serviço do Evangelho". Quais seriam algumas características da ação com orientação teológica pastoral? "essa ação comunicativa estabelece as bases para formas de mediação, ou seja, de ação estratégica que intenta mudar a realidade de tal forma que responda, em grande medida, à perspectiva que nos é dada mediante a fé e a esperança na vinda do Reino de Deus. Nossas ações são coloridas com tintas de amor, liberdade, solidariedade e justiça" (Ven, apud Heitink, p. 155-6). Essas ações são condutoras de significado. O que é, então, a ação pastoral? Ação pastoral, em nosso entender, consiste num conjunto de mobilizações da comunidade de fé, sedimentadas nas tradições teologizadas do pastoreio, com a intenção de colocar em operação, parafraseando lames Fowler (1981, p. 15), "a relação entre a Verdade mesma e a verdade articulada em meio à relatividade da vida humana e da história". Leva em conta, no planejamento coletivo das ações, o olhar sobre o entorno da comunidade para identificação de urgências, necessidades, clamores e dilemas. A teologia pastoral e a teologia prática têm sido, tradicionalmente, as disciplinas acadêmicas que elaboram as teorias pensadas a partir das práticas pastorais, em diálogo com as teologias fundamentais e históricas. Todas as pessoas envolvidas nos diversos serviços pastorais podem e devem desenvolver o pensar criticamente sobre o exercício de seus ministérios e dons como parte do Corpo de Cristo. Assim, evita-se igualmente, que as igrejas caiam no ativismo e no corre-e-corre sem rumos claros e sem correspondência com as finalidades de sua missão. A ação pastoral, por meio do laicato e de pessoas ordenadas, procura trazer para o concreto e provisório da vida humana o efeito do encontro com a Verdade, o Cristo. Esta é a primeira consideração. Segunda consideração: A ação pastoral visa, em essência, à construção de pontes entre a religião e a vida. Terceiro, por ação pastoral entendemos um conjunto integrado de ações que objetiva a justiça social. Não há um 'evangelho social' e outro 'espiritual'. Essa dissociação fragmenta a vida cristã e pode criar personalidades fanáticas e uma certa esquizofrenia religiosa. Em resumo, podemos afirmar que ao nos referirmos à ação pastoral da Igreja visualizamos as práticas intencionais de comunidades, clérigos e leigos com o objetivo de que o Evangelho se concretize na vida das pessoas, nos seus diversos relacionamentos e na organização social. 2. AÇÃO PASTORAL E TEOLOGIA Toda pessoa envolvida na ação pastoral faz teologia, ainda que se sinta desprovida de critérios acadêmicos tradicionais. A pastora e o pastor teologizam: isto é, respondem, em fé, à Graça de Deus e ao seu chamado ao pastoreio e pensam, estudam, analisam a sua fé, para si mesmos e para comunicá-la com clareza e eficácia, ainda que não se dediquem à tarefa do ensino teológico-pastoral, forma mais conhecida da atuação de teólogos e teólogas. O resultado da interação entre a ação pastoral e o pensar a fé nessa ação é a elaboração teórico – teológica. O referencial teológico que procura relacionar a vida à fé, que visa conferir lucidez à ação, possibilita, uma enorme diversidade de atualizações. Esboçamos quatro justificativas para reafirmar a necessidade e a indissociabilidade entre a ação pastoral e a teologia. Primeiro, a teologia provê uma visão normativa acerca da missão da Igreja a qual procede de sua dinâmica tradição. Segundo, a maioria das práticas pastorais se ressentem de um consistente corpo teórico-teológico para iluminar essas práticas e para ampliá-las pelo confronto com a realidade dessas práticas. Terceiro, a teologia oferece a teoria necessária para um diálogo construtivo com as ciências. Quarto, a teologia realça a especificidade da ação pastoral: o compromisso dos agentes pastorais com Deus, com o próximo, com a sociedade e com o bem-estar da humanidade. Entretanto, a dinâmica da ação pastoral, suas especialidades e a grande variedade de suas formas de ação exigem um corpo teórico distinto no conjunto das disciplinas que compõem os estudos teológico-pastorais. Esse corpo teórico é a teologia prática. Esse é o tema da próxima seção. 3. A PRÁTICA DA TEORIZAÇÃO: A TEOLOGIA PRÁTICA A teoria teológica elucida a prática, e que a prática está em constante interação crítica com a teoria. A teologia estuda os processos humanos que levam ao conhecimento de Deus, os eventos que acontecem entre Deus e os seres humanos e entre as pessoas, com vistas a conhecer a Deus. Firet, o termo 'teologia' não é realmente adequado porque não torna visível essa dimensão decisiva de seu objeto de estudos. Se a teologia tem como campo de estudos o conhecimento de Deus e se está a serviço da Igreja e das pessoas que leem a Bíblia, escutam as pregações e refletem sobre ambos, então, a pessoa humana é relevante. Friedrich Schleiermacher (1768-1834) é considerado o "pai da teologia prática". A teologia prática seria mera receptora dos conhecimentos da teologia histórica e sistemática. Lidaria com a questão do 'como' e não com 'o quê'. A teologia prática, como disciplina acadêmica, não pode jamais deixar de referir- se às Escrituras, à história e à dinâmica tradição do saber teológico. Caso contrário, a teologia prática tornar-se-ia mera instrução eclesiástica a respeito de habilidades práticas sem qualquer conteúdo e significado" (Sathler-Rosa, 1993, p. 4; Cf. Firct, 1986). Cabe à teologia prática verificar, por meio da análise crítica, se a linguagem eclesial, historicamente situada, comunica a esperança da Boa Notícia do Evangelho. As histórias do êxodo, de esperança, de sofrimento, de resistência e de resignação estão no centro da compreensão cristã de Deus. A teologia é prática pois ocupa-se das "questões mais básicas da existência humana". A teologia lida com a jornada humana em sua totalidade, seu sentido e finalidade. Ocupa-se, também, das respostas pastorais adequadas às realidades emergentes ao longo dessa jornada, com o crescimento das pessoas e com o estabelecimento de instituições que facilitem o bem-estar humano. Brota, portanto, do solo do envolvimento no mundo, que antecede e é prima fonte da teologização. A teologia prática lida com a compreensão e a fidelidade cristã dentro das realidades mundanas que contextualizam a vivência na fé. Assim, a tarefa teológica está entrelaçada com "os ritmos práticos da vida humana" (Tracy). (Até pág. 60).