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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

MODELOS E PARADIGMAS DA EXPERIÊNCIA JURÍDICA

Marcos Vinícius Pinheiro Dib Filho

O INSTRUMENTAL TEÓRICO-MATEMÁTICO DE HANS KELSEN

BRASÍLIA
2018
O INSTRUMENTAL TEÓRICO-MATEMÁTICO DE HANS KELSEN

Marcos Vinícius Pinheiro Dib Filho1

RESUMO

Um dos mais influentes juristas do século XX, Hans Kelsen, é conhecido pela sistematicidade
de consistência de sua obra. Embora escreva para um público de juristas, Kelsen se utiliza de
uma argumentação bem construída embasada por raciocínios matemáticos que o ajudam a
manter a coerência e a consistência de suas defesas. Nesse contexto, procura-se destrinchar
alguns dos conceitos matemáticos por trás da obra do autor e trazer à luz essa sistematicidade
que, embora reflita na estrutura do ordenamento jurídico, irradia a partir de sua lógica
argumentativa.
Palavras-chave: Hans Kelsen, argumentação, demonstração formal, lógica

ABSTRACT

Being one of the most acknowleged jurists of the twentieth century, Hans Kelsen, is known for
the consistency of his work. Although he writes for an audience of jurists, Kelsen uses a well-
constructed argument based on mathematical reasoning that helps him maintain the consistency
throughout his work. In this context, we try to cast a lightsome on the mathematical concepts
behind the author's work and bring to light this systematicity that, although reflected in the
structure of the legal order, radiates from its argumentative logic.

Keywords: Hans Kelsen, argumentation, formal proof, logic

1
Marcos Vinícius Pinheiro Dib Filho - 17/0150739 é aluno da 127ª Turma do Curso de Direito da Universidade
de Brasília - UnB
1. INTRODUÇÃO

Nascido em 1881, em Praga, Hans Kelsen produziu uma teoria complexa e amplamente
referenciada para explicitar e sistematizar o direito e o que hoje se entende por normas jurídicas.
Em sua autobiografia, Kelsen se diz um estudante mediano, mas reconhece a grande influência
que o contato com a obra de Immanuel Kant exerceu sobre sua formação. Confessa também
que quase se enveredou para os estudos da filosofia ou matemática. O ponto de virada para
optar pela formação jurídica, foi ter servido ao Exército, o que o fez procurar alguma profissão
prática (KELSEN, 2018, p. 23-33).

Embora Kelsen escreve suas obras para um público de juristas, estudantes ou


acadêmicos de Direito, é possível verificar em suas obras que o autor desenvolve seu raciocínio,
seguindo bem estabelecidos métodos matemáticos. As conhecidas “demonstrações formais”
permeiam a obra do austríaco que, se utiliza de recursos como o da prova por contradição, ou
redução ao absurdo.

O objetivo deste trabalho é procurar demonstrar, ainda que superficialmente, o


background matemático que embasa a argumentação de Hans Kelsen, motivo por que, na
opinião do autor, ele se coloca como o principal expoente do direito no século XX, não por ter
sido revolucionário a seu tempo, mas pelo esforço de uma argumentação coerente e consistente,
que exerce ainda hoje tamanha influência no direito pátrio, não só do Brasil, como de diversos
países que adotam o civil law como sistema predominante. Ver-se-á, nesse sentido, que é muito
difícil argumentar contra Kelsen, como se fosse difícil achar falhas na sua lógica argumentativa,
ainda que, para içar sua teoria e elevá-la ao status de “ciência jurídica”, tenha o autor pagado o
custo de adotar um conjunto reduzidíssimo de premissas e relegar a outros campos do saber
conceitos e discussões que não devem alienar-se do estudo do direito, como a moral e a ética.

2. A TEORIA PURA DO DIREITO

Kelsen, ao delimitar o seu objeto de estudo na Teoria Pura do Direito, publicada em


1933 e posteriormente revisitada em 1960, afirma que direito é Norma, ou seja, o Direito nada
mais é do que o conjunto de Normas jurídicas. Até mesmo as relações interpessoais, somente
importam às ciências jurídicas, enquanto relações jurídicas, constituindo, portanto, aquelas
relações que são constituídas através dessas normas, e por elas são regidas. Nesse sentido,
também há essa percepção, segundo Ferraz Jr. que explica que o direito para Kelsen, é um
imenso conjunto de normas, cujo significado sistemático cabe à ciência jurídica determinar:

Em sua obra Teoria Pura do Direito, Kelsen afirma que os comportamentos humanos
só são conhecidos mediatamente pelo cientista do direito, isto é, enquanto regulados
por normas. Os comportamentos, a conduta de um ser humano perante outro, diz ele,
são fenômenos empíricos, perceptíveis pelos sentidos, e que manifestam um
significado (FERRAZ JR., 2003, p. 98).

Nesse ponto, Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito assinala que a ciência jurídica
procura explicar os fenômenos jurídicos a partir do próprio Direito. Kelsen busca apreender o
direito independente de vontades anteriores que o tenham gerado, buscando conferir autonomia
para o seu estudo:

A norma pode até ser considerada o produto de uma vontade, mas sua existência,
como diz Kelsen, independe dessa vontade. Como se trata de uma proposição que de-
termina como devem ser as condutas, abstração feita de quem as estabelece, podemos
entender a norma como imperativo condicional, formulável conforme proposição
hipotética, que disciplina o comportamento apenas porque prevê, para sua ocorrência,
sanção. Tudo conforme a fórmula: se A, então deve ser S, em que A
é conduta hipotética, S a sanção que segue à ocorrência da hipótese; o dever ser será
o conectivo que une os dois termos. Nesse caso, a norma seria propriamente um
diretivo, isto é, uma qualificação para o comportamento que o tipifica e o direciona.
(FERRAZ JR., 2003, p. 100)

Kelsen separa as ciências jurídicas em duas grandes Teorias, por ele denominadas:
Teoria Estática do direito, cujo objeto consiste no Direito como um conjunto de normas em
vigor, ou seja, estáticas, em um quantum temporal e; Teoria Dinâmica do Direito, cujo objeto
passa a ser, então as normas que regulam o movimento do Direito, qual seja, sua evolução
temporal, o processo de produção e aplicação dessas normas jurídicas.

O autor faz em seguida, distinção entre proposições jurídicas e normas jurídicas, sendo
os primeiros juízos hipotéticos, baseado em uma ordem jurídica específica, quanto a
acontecimentos possíveis. As proposições jurídicas são a forma com que as ciências jurídicas
conhecem o direito. Por outro lado, as normas jurídicas são imperativas, prescrevendo deveres,
permitindo direitos ou ainda atribuindo competências. Essas estão associadas ao "dever-ser",
ou seja, a uma relação de causa e suposto efeito. A essência da diferença reside no caráter
efetivo das normas, que diverge do mero entendimento das proposições. Assim,
Kelsen, de seu ponto de vista, diz que autônomas são as normas que prescrevem
uma sanção a um comporta mento estatuído. Dependente é a norma que estatui o
comportamento e por isso se liga a outra, que lhe confere a sanção. (...) Num sentido
mais amplo, porém, é preciso ir além dessa concepção que, na verdade, divide as
normas em sancionadoras e sem sanção. Assim, podemos dizer que são autônomas as
que esgotam a disciplina que estatuem. (FERRAZ JR; 2003, p. 120)

De um outro ponto de vista, a função da ciência jurídica é conhecer e descrever as


normas jurídicas, por meio das proposições. As normas, por sua vez, são produzidas e aplicadas
pelas autoridades jurídicas. Para Kelsen, o caráter imperativo das normas jurídicas, o que não
compartilha com as proposições jurídicas, se deve ao fato de que as normas não podem ser
verídicas, ou inverídicas, mas válidas ou inválidas.

Kelsen considera a sanção um elemento essencial da estrutura da norma jurídica.


Segundo Ferraz Jr., Kelsen atribui à sanção uma função primordial: é ela que caracteriza o
preceito normativo (FERRAZ JR; 2003, p. 119). Bobbio esclarece que a norma jurídica não é
assim considerada porque sua eficácia deve ser garantida por outra norma jurídica, mas pelo
fato de o conteúdo de uma regra jurídica possui a faculdade de dispor de uma sanção (BOBBIO,
1995, p. 155-156).

Do mesmo modo, os fatos jurídicos também não são avaliados quanto à veracidade,
somente quanto existência. Para o autor, no entanto, os princípios lógicos que poderiam ser
aplicados às proposições também podem, indiretamente, ser aplicados às normas jurídicas, uma
vez que podem ser aplicados às proposições que as descrevem. Em outro ponto, o autor ressalta
o caráter neutro, desprovido de paixões, em que as proposições jurídicas se situam. Para ele, as
proposições descrevem o direito, e dessa forma, quando verdadeiras, coincidem com o sistema
normativo vigente, independente dos valores do proponente.

Kelsen também faz distinção entre a ciência causal e a ciência normativa. Para ele, a
natureza possui leis necessárias e universalizáveis, das quais são facilmente extraídas relações
de causa e efeito. Ocorre, contudo, que, nas ciências sociais, tal determinismo não é encontrado,
embora seja possível até certo pronto utilizar-se dessas "leis sociais" para alcançar previsões
úteis. Para o autor, "somente quando a sociedade é entendida como uma ordem normativa da
conduta dos homens entre si é que ela pode ser concebida como um objeto diferente da ordem
causal da natureza, só então é que a ciência social pode ser contraposta à ciência natural"
(KELSEN, Hans, 1999, p.54).
Ainda na distinção entre ciência natural e ciência normativa, o autor apresenta a ideia
de imputação, que seria diferente da causalidade observada nas leis naturais. Kelsen defende
que a diferença reside no caráter espontâneo da causalidade, em que um evento determina outro.
As ciências normativas trabalham com a ideia do "dever-ser" que apenas aponta num sentido
natural, não determinado. Assim, "a proposição jurídica não se diz, como na lei natural, que,
quando A é, B é, mas que, quando A é, B deve ser, mesmo quando B, porventura, efetivamente
não seja"(KELSEN, Hans, 1999, p.55). Em outras palavras, nas ciências jurídicas o "dever-ser"
é o que liga os pressupostos às consequências. O "dever-ser" pode ser interpretado como uma
prescrição, uma premiação ou uma competência, as três funções da norma jurídica. Fazendo
um paralelo com a lei natural, Kelsen expõe que o objeto do Direito, ou seja, as normas
jurídicas, não se confundem com as Leis. As leis, segundo o autor, são proposições jurídicas e,
assim, apenas descrevem as normas conectando pressupostos e consequências por meio do
"dever-ser". As normas, por sua vez, são o resultado da aplicação dessas leis. Com relação ao
termo empregado, o autor adverte de que não há conflito com o conceito de Imputabilidade, do
direito pena, mas que o termo e o conceito vão ao encontro. Mais adiante, o autor defende a
inexistência de normas gerais categóricos, ou seja, normas incondicionais, que não possuem
pressupostos definidos e, por isso, são aplicáveis em quaisquer circunstâncias. Embora tal
característica não seja observável nas normas gerais, é admissível nas normas individuais.

Kelsen defende ainda que a noção de imputação se encontra enraizada no ser humano,
tendo surgido nos primórdios, nas sociedades mais primitivas. O autor argumenta que o homem
primitivo não tentava explicar os acontecimentos através das relações de causa e efeito, mas
que associava os eventos benéficos às condutas adequadas, bem como os maléficos às condutas
inapropriadas. Daí o questionamento do homem primitivo se distanciaria da busca pela causa
de determinado efeito, aproximando-se mais da procura pelo responsável pelo acontecimento.
Aí se verifica o animismo característico das civilizações.

O autor demonstra então que o dualismo entre a causalidade natural e a imputação social
seria impraticável ao homem primitivo, que enxergava nas relações deles com a natureza, um
reflexo das relações que mantinham entre si. De acordo com ele, essa perspectiva animista
somente desaparecera quanto este percebera que as relações na natureza ocorriam independente
da vontade humana. Ficou, a partir de então evidente a distinção entre as leis naturais, regidas
pelo "ser", pela causalidade e as leis sociais, normativas, regidas pelo "dever-ser" e pela
imputação. Uma outra diferença entre causalidade e imputação é apontada pelo autor em outro
ponto. Na causalidade, um efeito é sempre causa de outro efeito, dando origem à cadeias
intermináveis de causa e efeito. Na imputação isso não se faz necessário. Em realidade, não se
pode sequer afirmar que a um pressuposto necessariamente seja atribuído uma consequência,
somente que lhe "deve ser".

Com o nascimento do conceito de causalidade, procurou-se aplicar tal princípio nas


ciências que estudam o comportamento humano. Há, contudo, uma distinção entre essas e as
ciências sociais que descreve a conduta humana a partir do princípio da imputação. Estas, não
se prestam a descrever essas condutas por meio de leis naturais, em uma realidade natural, mas
através do modo pelo qual essas condutas devem ser processadas a partir de normas positivas.
Essas ciências sociais possuem como domínio a realidade social. Enquanto que, naquelas, as
leis naturais devem se orientar pelos fatos, nestas, os fatos devem orientar-se pelas normas. Daí
a razão de que as proposições jurídicas serem necessariamente asserções normativas ou de
"dever-ser". Um outro aspecto relevante citado pelo autor é o fato de que as leis naturais,
levando em conta que o futuro repete o passado, possui o condão de preverem acontecimentos
futuros. As proposições jurídicas, em contrapartida, somente são capazes de tais previsão até o
limite de que descrevem o direito que "deve-ser" aplicado.

Nesse ponto, adentra a problemática a questão da liberdade. Aqui se discute o fato de


que o homem é liberto do determinismo natural pois é dotado de vontade, livre arbítrio, mas
que, contudo, é sujeito de imputação, conforma a prescrição da norma. Em verdade, a liberdade
do indivíduo é condição necessária e suficiente para que seja ele imputado por usas ações.
Segundo o autor, o estabelecimento de uma norma que regule determinada conduta humana,
pressupõe que o homem seja determinável. No entanto, ocorre que a própria representação
dessa norma, se torna causa da conformidade do indivíduo à norma estabelecida. Há então,
nesse pressuposto de causalidade, a condição necessária para a aplicabilidade da imputação.
Para Kelsen, essa é a função social da norma. Assim, faz sentido representar uma norma que
regula o que se pressupõe que será sempre obedecido, visto que o pressuposto pode ou não se
concretizar, enquanto não faz o menor sentido estabelecer uma conduta que seja absolutamente
impraticável. A conclusão a que o autor chega é de que causalidade e imputação não se excluem,
muito pelo contrário, convivem sinergicamente, sendo aquele pressuposto desta.

Como aponta Bobbio, Kelsen, como um dos representantes do pensamento que é


denominado normativista não se confunde com o pensamento denominado de formalismo. Para
Kelsen não basta a forma para caracterizar a essência jurídica de um determinado fenômeno. É
necessário que a forma seja condizente com o conteúdo. Pois o direito, do ponto de vista de
Kelsen, é a disciplina do uso da força, estabelecendo quem deve usar a força, quando se pode
usar a força, como a força deve ser exercida e o quanto de força deve ser aplicada. Para Bobbio,
portanto, a aplicação dessa teoria retira o direito do formalismo e passa a tratar de conteúdo
(BOBBIO, 1995, p. 155-156).

Por fim, Kelsen defende os conceitos até aqui apresentados. De pronto, determina a
diferenciação entre o escopo do estudo do Direito e o da Sociologia Jurídica, relegando à esta
os fenômenos alheios às normas e ao que delas derivam, objeto do estudo do Direito. Em relação
ao "dever-ser", o autor argumenta que ao se negar o conceito, a produção normativa torna-se
única e exclusivamente meios de provocar condutas deterministicamente. Entretanto, como é
visível que tal provocação não é casualmente determinada, entra-se em contradição.

Como de se esperar de Kelsen, amealhado em suas obras se encontram argumentos


estruturalmente eficientes e muito bem construídos, utilizando-se da mais refinada lógica
matemática, no intuito de promover a coerência entre seus argumentos.

3. A FUNDAMENTAÇÃO LÓGICO-MATEMÁTICA DA NORMA


FUNDAMENTAL HIPOTÉTICA

Ressaltando o caráter matemático de sua obra, destaca-se sua articulação sobre a Norma
Fundamental Hipotética. Em sua explanação sobre a dinâmica, jurídica, desenvolvida ao longo
do capítulo V da Teoria Pura do Direito, Kelsen retoma o conceito de Norma Fundamental
Hipotética, como fundamento de validade de todo ordenamento jurídico, prolongando-se um
pouco mais na defesa de sua tese. A construção argumentativa de Kelsen, embora recheada de
exemplos recordados da analogia cristã, a qual recorre com frequência, segue um bem delineado
raciocínio, o qual é digno da pretensão de elevar o estudo do direito à categoria de uma ciência
jurídica.

Neste caso específico verifica-se a presença de raciocínios dedutivos, mais conhecidos


no âmbito jurídico, ou filosófico como silogismos. As demonstrações dedutivas trabalham com
uma sequência de operações lógicas definidas, aceitas pela comunidade matemática, que
conduzem a uma conclusão, a partir de uma afirmação Inicial, chamada hipótese, ou declaração,
ou ainda, como se refere Kelsen em suas obras, de premissa. A validade da conclusão, depende,
desse modo, da validade das premissas (HOPCRAFT, ULLMAN, MOTWAI, 2002, p. 8)2.
Assim, quando consideradas verdadeiras, e quando, a partir delas, se obtém determinada
conclusão, admitir-se-á verdadeira essa conclusão. Quando nada se pode inferir das premissas,
diz-se que a conclusão se deduz das premissas, ou ainda que o problema da conclusão se reduz
ao problema das premissas. As operações lógicas, em geral, estão contidas no sistema de lógica
booleana, um sistema matemático construído em torno dos valores Verdadeiro ou Falso que
são manipulados pelas operações de negação, que atribui a uma premissa seu valor oposto; a
conjunção, que somente resultará no valor verdadeiro somente quando ambas os operandos
possuírem valor verdadeiro; a disjunção, que resultará verdadeiro caso alguma das premissas
em questão possuam o valor verdadeiro; a implicação que apresenta resultado falso somente
quando se tem uma premissa falsa implicando outra verdadeira; e a igualdade, que resulta
verdadeiro quando as premissas possuem o mesmo valor (SIPSER, 2005, p. 11). Esse tipo de
raciocínio desponta com frequência na obra de Kelsen, que, no entanto, recomenda parcimônia,
pois reconhece que as proposições da linguagem natural, assim como as proposições jurídicas,
se diferem das proposições matemáticas e são operacionalizadas através de um sistema quase-
lógico, de operações análogas às da lógica.

A articulação da Norma Fundamental Hipotética depende, primeiramente, de se


demonstrar que o fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a validade de outra
norma. Nas palavras de Kelsen:

Já anteriormente num outro contexto, explicamos que a questão de porque é que a


norma vale - quer dizer: por que é que o indivíduo se deve conduzir de tal forma - não
pode ser respondida com a simples verificação de um fato da ordem do ser, que o
fundamento de validade de uma norma não pode ser um tal fato. Do fato de algo ser
não pode seguir-se que algo deve ser; assim como do fato de algo dever ser se não
pode seguir que algo é. O fundamento de validade de uma norma apenas pode ser a
validade de uma outra norma. Uma norma que representa o fundamento de validade
de uma outra norma é figurativamente designada como norma superior, por confronto
com uma norma que é, em relação a ela, a norma inferior. (KELSEN, 1999, p. 135)

De um lado temos a premissa de que os fatos se diferem das normas jurídicas, pois estas
pertencem à ordem do ser e àqueles à ordem do dever ser. Também se considera que essas
ordens são distintas e que não há determinação entre elas. A conjunção das premissas implica
a conclusão de que uma norma jurídica não determina um fato, bem como que um fato não
determina uma norma jurídica, que é o mesmo que afirmar que o fundamento de validade de

2
Apresentar os autores
uma norma, somente pode ser outra norma. É possível verificar, desse modo, um raciocínio
dedutivo na demonstração do autor, na forma: “ Se P e também Q, então R”.

O autor explicita o raciocínio desenvolvido, inclusive preservando o formalismo da


linguagem utilizada, demonstrando que, de fato, realiza seus silogismos conscientemente. O
emprego pelo autor dos termos premissa e conclusão não parece ser aleatório.

Premissa maior e premissa menor, ambas são pressupostos da conclusão. Porém


apenas a premissa maior, que é uma proposição de dever-ser, é conditio per quam
relativamente à conclusão, que também é uma proposição de dever-ser. Quer dizer, a
norma afirmada na premissa maior é o fundamento de validade da norma afirmada na
conclusão. A proposição de ser que funciona como premissa menor é apenas conditio
sine qua non relativamente à conclusão. Quer dizer: o fato da ordem do ser verificado
(afirmado) na premissa menor não é o fundamento de validade da norma afirmada na
conclusão. (KELSEN, 1999, p. 136)

Tomemos a conclusão anterior como premissa juntamente com a premissa de que não
exista uma norma fundamental. Da conjunção das premissas, pode-se concluir silogisticamente
que toda norma é fundamentada por outra norma, encadeando uma interminável investigação
de validade, impraticável e irreal. Não corresponde à realidade. É o que se denomina absurdo
nas demonstrações formais. Kelsen desenvolve essa exata argumentação:

Como já notamos, a norma que representa o fundamento de validade de uma outra


norma é, em face desta, uma norma superior. Mas a indagação do fundamento de
validade de uma norma não pode, tal como a investigação da causa de um determinado
efeito, perder-se no interminável. Tem de terminar numa norma que se pressupõe
como a última e a mais elevada. (KELSEN, 1999, p. 136)

O raciocínio utilizado por Kelsen, é conhecido como prova por contradição, ou redução
ao absurdo. Nesse tipo de demonstração, admitimos como premissa a negação da conclusão, de
onde deduzimos uma conclusão obviamente falsa, chamada contradição (SIPSER, 2005, p. 17).
Mais formalmente, dizemos que a Hipótese H em conjunto com a negação da conclusão C
implica a falsidade (HOPCRAFT, ULLMAN, MOTWAI, 2002, p. 18). Verifica-se, portanto,
que Kelsen demonstra a implicação contraditória se se negar a existência de uma norma
fundamental. A essa norma fundamental, Kelsen atribui o caráter de hipotética, justamente pelo
fato de ser a hipótese necessária para validar o seu ordenamento jurídico.

Analisemos outros raciocínios pertinentes. Kelsen demonstra em outros trechos que uma
norma jurídica é posta por uma autoridade, cuja competência se fundaria em uma norma mais
elevada. Tomemos esta afirmação como premissa, em conjunção com a anteriormente as quais
levam à conclusão de que a Norma Fundamental Hipotética seria posta por uma autoridade.
Novamente se reduz o problema a uma contradição, pois, tratando-se da norma mais elevada,
não haveria norma que pudesse conferir autoridade para validar essa Norma. De onde se conclui
que a Norma Fundamental Hipotética deve ser pressuposta. A articulação da prova por
contradição fica evidente nas palavras do autor:

Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta
por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais
elevada. O fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal
norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma
fundamental (Grundnorm). (KELSEN, 1999, p. 136)

A última afirmação de Kelsen, no contexto analisado, é, contudo, também a mais


complexa, pois envolve um raciocínio por indução. A prova por indução consiste em mostrar
que os elementos de um conjunto infinito possuem uma mesma propriedade específica. O
método pressupõe que o conjunto possa ser ordenado a partir de um elemento inicial e se
compõe de dois passos: base e passo da indução. O passo base nada mais é do que a
demonstração de que o elemento inicial do conjunto infinito de fato apresenta a propriedade a
qual se deseja demonstrar. No passo de indução, admite-se a propriedade a ser demonstrada
como hipótese da indução, válida para um elemento qualquer desse conjunto. Demonstra-se
assim, dedutivamente, que essa hipótese necessariamente conduz à conclusão de que a
propriedade em questão é válida também para o próximo elemento (SIPSER, 2005, p. 18). Dito
de modo mais simples, demonstra-se que determinada propriedade está presente no primeiro
elemento do conjunto, e em cada elemento subsequente. Esse tipo de raciocínio se encontra no
cerne da ideia de ordenamento jurídico para Kelsen e é vital para a verificação da validade de
uma norma jurídica. Vejamos o que diz o autor:

O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que
o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma
fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto
representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem
normativa. (KELSEN, 1999, p. 136)

Ao aplicarmos nosso raciocínio indutivo, verificamos, no passo base, que a norma


fundamental, elemento primeiro em um conjunto ordenável finito, é válida. A validade da
Norma Fundamental, como demonstrando, tem de ser pressuposta, não podendo sua validade
ser questionada tampouco ser validade por outra norma, já que é a mais elevada. Resta, assim,
demonstrar a hipótese de indução, nesse caso: “Se uma norma superior, válida, confere validade
a norma inferior, esta também se fará válida”. Já foi demonstrado que o fundamento de validade
de uma norma somente pode ser outra norma. Kelsen também demonstra que o único critério
de validade de uma norma, é ser posto por uma autoridade cuja competência foi conferida pela
norma superior, válida. Tem-se, nesse caso, uma prova por reciprocidade de implicação cuja
conclusão é a acima exposta.

Uma das muitas formas de se provar equivalência entre objetos é provar que o primeiro
configura um aspecto maior do segundo e vice e versa. Um caso típico envolve a implicação.
Assim, demonstra-se que duas proposições se equivalem se, a primeira implica a segunda e a
segunda implica a primeira. Dizemos que elas são condições necessária e suficiente uma da
outra, pois elas se implicam reciprocamente.

Desenvolvendo o raciocínio até então exposto, pode-se sintetizar a primeira premissa na


forma: “Norma superior válida ‘implica’ norma inferior válida”, o que ocorre quando os
critérios formais exigidos pela norma superior são atendidos pela norma inferior. A
‘implicação’, nesse exemplo representa, no entanto, uma simplificação de todo um processo
normativo ao qual deve ser submetida a norma inferior, mas atende às necessidades dessa
demonstração, desde que pressuposto. Por outro lado, dizer que único critério de validade de
uma norma, é ser posto por uma autoridade cuja competência foi conferida pela norma superior
equivale a dizer que a validade da norma inferior pressupõe a validade da norma inferior. Em
outras palavras, a validade da norma inferior também é condição suficiente à validade da norma
superior. Por meio da implicação recíproca, dizemos que, pressuposto o devido processo
normativo, a validade da norma superior e da norma inferior se confundem. É o que legitima o
ordenamento kelsiano. É um raciocínio indutivo que se inicia no topo da famosa pirâmide de
Kelsen, com a Norma Fundamental, até o mais baixo nível hierárquico, em que se situam os
atos administrativos e judiciais, demonstrando-se a propriedade da validade em cada iteração
verificada.

4. CONCLUSÃO

Embora muito se pudesse explorar, em relação à utilização de raciocínios matemáticos


pelo jurista austríaco, a atividade de relacionar conhecimento matemático à outras disciplinas
nunca foi trivial e é ainda mais complexo, na filosofia e no direito. Ainda assim, acredita-se que
o objetivo do trabalho foi alcançado, na medida que se conseguiu elencar um único exemplo
onde a riqueza e consistência da argumentação de Kelsen passam despercebidas em uma leitura,
mas em que se foi possível debruçar e divagar, destrinchando cada argumento e se percebendo
que o autor dificilmente escolhe palavras ao acaso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BOBBIO, N. O Positivismo Jurídico: Lições de filosofia do direito. Tradução e notas Márcio


Pugliesi, Edson Bini. Carlos E. Rodrigues. São Paulo, Ícone, 1995.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2003

KELSEN, H. Autoapresentação (1927). In: ________. Autobiografia de Hans Kelsen . 4ª


ed. São Paulo: Forense Universitária, 2018

__________. Teoria Pura do Direito. São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 50

HOPCROFT, J. E.; ULLMAN, J. D.; MOTWAI, R. Introdução à Teoria de Autômatos,


Linguagens e Computação. Rio de Janeiro: Campus-Elsevier, 2002

SIPSER, M. Introdução à teoria da Computação. 1ª Ed. São Paulo: Cengage Learning, 2005

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