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BRASÍLIA
2018
O INSTRUMENTAL TEÓRICO-MATEMÁTICO DE HANS KELSEN
RESUMO
Um dos mais influentes juristas do século XX, Hans Kelsen, é conhecido pela sistematicidade
de consistência de sua obra. Embora escreva para um público de juristas, Kelsen se utiliza de
uma argumentação bem construída embasada por raciocínios matemáticos que o ajudam a
manter a coerência e a consistência de suas defesas. Nesse contexto, procura-se destrinchar
alguns dos conceitos matemáticos por trás da obra do autor e trazer à luz essa sistematicidade
que, embora reflita na estrutura do ordenamento jurídico, irradia a partir de sua lógica
argumentativa.
Palavras-chave: Hans Kelsen, argumentação, demonstração formal, lógica
ABSTRACT
Being one of the most acknowleged jurists of the twentieth century, Hans Kelsen, is known for
the consistency of his work. Although he writes for an audience of jurists, Kelsen uses a well-
constructed argument based on mathematical reasoning that helps him maintain the consistency
throughout his work. In this context, we try to cast a lightsome on the mathematical concepts
behind the author's work and bring to light this systematicity that, although reflected in the
structure of the legal order, radiates from its argumentative logic.
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Marcos Vinícius Pinheiro Dib Filho - 17/0150739 é aluno da 127ª Turma do Curso de Direito da Universidade
de Brasília - UnB
1. INTRODUÇÃO
Nascido em 1881, em Praga, Hans Kelsen produziu uma teoria complexa e amplamente
referenciada para explicitar e sistematizar o direito e o que hoje se entende por normas jurídicas.
Em sua autobiografia, Kelsen se diz um estudante mediano, mas reconhece a grande influência
que o contato com a obra de Immanuel Kant exerceu sobre sua formação. Confessa também
que quase se enveredou para os estudos da filosofia ou matemática. O ponto de virada para
optar pela formação jurídica, foi ter servido ao Exército, o que o fez procurar alguma profissão
prática (KELSEN, 2018, p. 23-33).
Em sua obra Teoria Pura do Direito, Kelsen afirma que os comportamentos humanos
só são conhecidos mediatamente pelo cientista do direito, isto é, enquanto regulados
por normas. Os comportamentos, a conduta de um ser humano perante outro, diz ele,
são fenômenos empíricos, perceptíveis pelos sentidos, e que manifestam um
significado (FERRAZ JR., 2003, p. 98).
Nesse ponto, Kelsen, em sua Teoria Pura do Direito assinala que a ciência jurídica
procura explicar os fenômenos jurídicos a partir do próprio Direito. Kelsen busca apreender o
direito independente de vontades anteriores que o tenham gerado, buscando conferir autonomia
para o seu estudo:
A norma pode até ser considerada o produto de uma vontade, mas sua existência,
como diz Kelsen, independe dessa vontade. Como se trata de uma proposição que de-
termina como devem ser as condutas, abstração feita de quem as estabelece, podemos
entender a norma como imperativo condicional, formulável conforme proposição
hipotética, que disciplina o comportamento apenas porque prevê, para sua ocorrência,
sanção. Tudo conforme a fórmula: se A, então deve ser S, em que A
é conduta hipotética, S a sanção que segue à ocorrência da hipótese; o dever ser será
o conectivo que une os dois termos. Nesse caso, a norma seria propriamente um
diretivo, isto é, uma qualificação para o comportamento que o tipifica e o direciona.
(FERRAZ JR., 2003, p. 100)
Kelsen separa as ciências jurídicas em duas grandes Teorias, por ele denominadas:
Teoria Estática do direito, cujo objeto consiste no Direito como um conjunto de normas em
vigor, ou seja, estáticas, em um quantum temporal e; Teoria Dinâmica do Direito, cujo objeto
passa a ser, então as normas que regulam o movimento do Direito, qual seja, sua evolução
temporal, o processo de produção e aplicação dessas normas jurídicas.
O autor faz em seguida, distinção entre proposições jurídicas e normas jurídicas, sendo
os primeiros juízos hipotéticos, baseado em uma ordem jurídica específica, quanto a
acontecimentos possíveis. As proposições jurídicas são a forma com que as ciências jurídicas
conhecem o direito. Por outro lado, as normas jurídicas são imperativas, prescrevendo deveres,
permitindo direitos ou ainda atribuindo competências. Essas estão associadas ao "dever-ser",
ou seja, a uma relação de causa e suposto efeito. A essência da diferença reside no caráter
efetivo das normas, que diverge do mero entendimento das proposições. Assim,
Kelsen, de seu ponto de vista, diz que autônomas são as normas que prescrevem
uma sanção a um comporta mento estatuído. Dependente é a norma que estatui o
comportamento e por isso se liga a outra, que lhe confere a sanção. (...) Num sentido
mais amplo, porém, é preciso ir além dessa concepção que, na verdade, divide as
normas em sancionadoras e sem sanção. Assim, podemos dizer que são autônomas as
que esgotam a disciplina que estatuem. (FERRAZ JR; 2003, p. 120)
Do mesmo modo, os fatos jurídicos também não são avaliados quanto à veracidade,
somente quanto existência. Para o autor, no entanto, os princípios lógicos que poderiam ser
aplicados às proposições também podem, indiretamente, ser aplicados às normas jurídicas, uma
vez que podem ser aplicados às proposições que as descrevem. Em outro ponto, o autor ressalta
o caráter neutro, desprovido de paixões, em que as proposições jurídicas se situam. Para ele, as
proposições descrevem o direito, e dessa forma, quando verdadeiras, coincidem com o sistema
normativo vigente, independente dos valores do proponente.
Kelsen também faz distinção entre a ciência causal e a ciência normativa. Para ele, a
natureza possui leis necessárias e universalizáveis, das quais são facilmente extraídas relações
de causa e efeito. Ocorre, contudo, que, nas ciências sociais, tal determinismo não é encontrado,
embora seja possível até certo pronto utilizar-se dessas "leis sociais" para alcançar previsões
úteis. Para o autor, "somente quando a sociedade é entendida como uma ordem normativa da
conduta dos homens entre si é que ela pode ser concebida como um objeto diferente da ordem
causal da natureza, só então é que a ciência social pode ser contraposta à ciência natural"
(KELSEN, Hans, 1999, p.54).
Ainda na distinção entre ciência natural e ciência normativa, o autor apresenta a ideia
de imputação, que seria diferente da causalidade observada nas leis naturais. Kelsen defende
que a diferença reside no caráter espontâneo da causalidade, em que um evento determina outro.
As ciências normativas trabalham com a ideia do "dever-ser" que apenas aponta num sentido
natural, não determinado. Assim, "a proposição jurídica não se diz, como na lei natural, que,
quando A é, B é, mas que, quando A é, B deve ser, mesmo quando B, porventura, efetivamente
não seja"(KELSEN, Hans, 1999, p.55). Em outras palavras, nas ciências jurídicas o "dever-ser"
é o que liga os pressupostos às consequências. O "dever-ser" pode ser interpretado como uma
prescrição, uma premiação ou uma competência, as três funções da norma jurídica. Fazendo
um paralelo com a lei natural, Kelsen expõe que o objeto do Direito, ou seja, as normas
jurídicas, não se confundem com as Leis. As leis, segundo o autor, são proposições jurídicas e,
assim, apenas descrevem as normas conectando pressupostos e consequências por meio do
"dever-ser". As normas, por sua vez, são o resultado da aplicação dessas leis. Com relação ao
termo empregado, o autor adverte de que não há conflito com o conceito de Imputabilidade, do
direito pena, mas que o termo e o conceito vão ao encontro. Mais adiante, o autor defende a
inexistência de normas gerais categóricos, ou seja, normas incondicionais, que não possuem
pressupostos definidos e, por isso, são aplicáveis em quaisquer circunstâncias. Embora tal
característica não seja observável nas normas gerais, é admissível nas normas individuais.
Kelsen defende ainda que a noção de imputação se encontra enraizada no ser humano,
tendo surgido nos primórdios, nas sociedades mais primitivas. O autor argumenta que o homem
primitivo não tentava explicar os acontecimentos através das relações de causa e efeito, mas
que associava os eventos benéficos às condutas adequadas, bem como os maléficos às condutas
inapropriadas. Daí o questionamento do homem primitivo se distanciaria da busca pela causa
de determinado efeito, aproximando-se mais da procura pelo responsável pelo acontecimento.
Aí se verifica o animismo característico das civilizações.
O autor demonstra então que o dualismo entre a causalidade natural e a imputação social
seria impraticável ao homem primitivo, que enxergava nas relações deles com a natureza, um
reflexo das relações que mantinham entre si. De acordo com ele, essa perspectiva animista
somente desaparecera quanto este percebera que as relações na natureza ocorriam independente
da vontade humana. Ficou, a partir de então evidente a distinção entre as leis naturais, regidas
pelo "ser", pela causalidade e as leis sociais, normativas, regidas pelo "dever-ser" e pela
imputação. Uma outra diferença entre causalidade e imputação é apontada pelo autor em outro
ponto. Na causalidade, um efeito é sempre causa de outro efeito, dando origem à cadeias
intermináveis de causa e efeito. Na imputação isso não se faz necessário. Em realidade, não se
pode sequer afirmar que a um pressuposto necessariamente seja atribuído uma consequência,
somente que lhe "deve ser".
Por fim, Kelsen defende os conceitos até aqui apresentados. De pronto, determina a
diferenciação entre o escopo do estudo do Direito e o da Sociologia Jurídica, relegando à esta
os fenômenos alheios às normas e ao que delas derivam, objeto do estudo do Direito. Em relação
ao "dever-ser", o autor argumenta que ao se negar o conceito, a produção normativa torna-se
única e exclusivamente meios de provocar condutas deterministicamente. Entretanto, como é
visível que tal provocação não é casualmente determinada, entra-se em contradição.
Ressaltando o caráter matemático de sua obra, destaca-se sua articulação sobre a Norma
Fundamental Hipotética. Em sua explanação sobre a dinâmica, jurídica, desenvolvida ao longo
do capítulo V da Teoria Pura do Direito, Kelsen retoma o conceito de Norma Fundamental
Hipotética, como fundamento de validade de todo ordenamento jurídico, prolongando-se um
pouco mais na defesa de sua tese. A construção argumentativa de Kelsen, embora recheada de
exemplos recordados da analogia cristã, a qual recorre com frequência, segue um bem delineado
raciocínio, o qual é digno da pretensão de elevar o estudo do direito à categoria de uma ciência
jurídica.
De um lado temos a premissa de que os fatos se diferem das normas jurídicas, pois estas
pertencem à ordem do ser e àqueles à ordem do dever ser. Também se considera que essas
ordens são distintas e que não há determinação entre elas. A conjunção das premissas implica
a conclusão de que uma norma jurídica não determina um fato, bem como que um fato não
determina uma norma jurídica, que é o mesmo que afirmar que o fundamento de validade de
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Apresentar os autores
uma norma, somente pode ser outra norma. É possível verificar, desse modo, um raciocínio
dedutivo na demonstração do autor, na forma: “ Se P e também Q, então R”.
Tomemos a conclusão anterior como premissa juntamente com a premissa de que não
exista uma norma fundamental. Da conjunção das premissas, pode-se concluir silogisticamente
que toda norma é fundamentada por outra norma, encadeando uma interminável investigação
de validade, impraticável e irreal. Não corresponde à realidade. É o que se denomina absurdo
nas demonstrações formais. Kelsen desenvolve essa exata argumentação:
O raciocínio utilizado por Kelsen, é conhecido como prova por contradição, ou redução
ao absurdo. Nesse tipo de demonstração, admitimos como premissa a negação da conclusão, de
onde deduzimos uma conclusão obviamente falsa, chamada contradição (SIPSER, 2005, p. 17).
Mais formalmente, dizemos que a Hipótese H em conjunto com a negação da conclusão C
implica a falsidade (HOPCRAFT, ULLMAN, MOTWAI, 2002, p. 18). Verifica-se, portanto,
que Kelsen demonstra a implicação contraditória se se negar a existência de uma norma
fundamental. A essa norma fundamental, Kelsen atribui o caráter de hipotética, justamente pelo
fato de ser a hipótese necessária para validar o seu ordenamento jurídico.
Analisemos outros raciocínios pertinentes. Kelsen demonstra em outros trechos que uma
norma jurídica é posta por uma autoridade, cuja competência se fundaria em uma norma mais
elevada. Tomemos esta afirmação como premissa, em conjunção com a anteriormente as quais
levam à conclusão de que a Norma Fundamental Hipotética seria posta por uma autoridade.
Novamente se reduz o problema a uma contradição, pois, tratando-se da norma mais elevada,
não haveria norma que pudesse conferir autoridade para validar essa Norma. De onde se conclui
que a Norma Fundamental Hipotética deve ser pressuposta. A articulação da prova por
contradição fica evidente nas palavras do autor:
Como norma mais elevada, ela tem de ser pressuposta, visto que não pode ser posta
por uma autoridade, cuja competência teria de se fundar numa norma ainda mais
elevada. O fundamento da sua validade já não pode ser posto em questão. Uma tal
norma, pressuposta como a mais elevada, será aqui designada como norma
fundamental (Grundnorm). (KELSEN, 1999, p. 136)
O fato de uma norma pertencer a uma determinada ordem normativa baseia-se em que
o seu último fundamento de validade é a norma fundamental desta ordem. É a norma
fundamental que constitui a unidade de uma pluralidade de normas enquanto
representa o fundamento da validade de todas as normas pertencentes a essa ordem
normativa. (KELSEN, 1999, p. 136)
Uma das muitas formas de se provar equivalência entre objetos é provar que o primeiro
configura um aspecto maior do segundo e vice e versa. Um caso típico envolve a implicação.
Assim, demonstra-se que duas proposições se equivalem se, a primeira implica a segunda e a
segunda implica a primeira. Dizemos que elas são condições necessária e suficiente uma da
outra, pois elas se implicam reciprocamente.
4. CONCLUSÃO
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 4. ed. São Paulo: Atlas,
2003
SIPSER, M. Introdução à teoria da Computação. 1ª Ed. São Paulo: Cengage Learning, 2005