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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas
FLC0301 - Literatura Brasileira IV
Prof. Ricardo Souza de Carvalho

DANIEL SILVEIRA BUENO


8973567
daniel.silveira.bueno@usp.br

Trabalho de Avaliação:
Proposta 2

São Paulo
dezembro 2018
Este trabalho pretende analisar Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha, a partir do
estabelecimento de uma correlação entre o engajamento de seu narrador onisciente aos
trabalhos de Sílvio Romero e Euclides da Cunha, importantes críticos literários do final do
século XIX, e a dimensão fatalista e dramática da narrativa do romance. O primeiro aspecto
será baseado nos fundamentos do Naturalismo francês, o segundo aspecto será organizado com
base nos tratados aristotélicos.
Segundo postulou Emile Zola, em O Romance Experimental (1982), “há um
determinismo absoluto nas condições de existência dos fenômenos naturais, tanto para os
corpos vivos, quanto para os corpos brutos” (p. 27). Assim, o escritor que opta pelo modelo
naturalista não pode ter uma atitude passiva diante do objeto sobre o qual se debruça, assumindo,
portanto, o duplo papel de observador e experimentador:

o observador apresenta os fatos tal qual os observou, define o ponto de partida,


estabelece o terreno sólido no qual as personagens vão andar e os fenômenos se
desenvolver. Depois, o experimentador surge e institui a experiência, quer dizer, faz
as personagens evoluírem numa história particular, para mostrar que a sucessão dos
fatos será tal qual a exige o determinismo dos fenômenos estudados. Trata-se quase
sempre de uma experiência “para ver” [...] O problema consiste em saber o que
determinada paixão, agindo num certo meio e em certas circunstâncias, produzirá sob
o ponto de vista do indivíduo e da sociedade [...] Em suma, toda a operação consiste
em pegar os fatos na natureza e depois estudar o mecanismo dos fatos, agindo sobre
os mesmos pelas modificações das circunstancias e dos meios, sem nunca se afastar
das leis da natureza. Ao término, há o conhecimento do homem – conhecimento
científico – em sua ação individual e social. (Idem, pp. 31-2)

Entretanto tal procedimento não é de forma alguma desvinculado de julgamentos


sejam eles éticos ou religiosos, pois o próprio autor admite o papel doutrinante de sua literatura:
“Mostramos o mecanismo do útil e do nocivo, definimos o determinismo dos fenômenos
humanos e sociais, para que se possa um dia dominar e dirigir estes fenômenos [...] Somos nós
que estamos com a força, somos nós que estamos com a moral”. (Ibidem, p. 53)
São nesses termos que Adolfo Caminha publica, em 1895, a sua tese sobre
homossexualidade e os relacionamentos inter-raciais.
Em Bom-Crioulo ([1895]) o protagonista Amaro, um marinheiro, negro, de força e
valentia inabalável vive, em uma relação quase marital, um caso amoroso com o grumete Aleixo,
adolescente, branco, loiro dos olhos azuis e com traços afeminados. A representação do
relacionamento homossexual entre os dois personagens é observada pelo narrador a partir das
concepções científicas da época ao colocar toda a pulsão do desejo homossexual em Amaro, o


A edição utilizada nesta análise é uma versão digital que se encontra disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000002.pdf>, de onde foram retirados todos os excertos
aqui transcritos.
negro, escravo fugido, que estaria portanto, propenso a imoralidades por pertencer a uma raça
considerada inferior pela ciência, mas também segregada pela sociedade brasileira em geral, já
que Aleixo, enquanto branco, de fenótipo loiro e de olhos azuis próprio do homem europeu,
não se sente confortável com o contato íntimo de Amaro e em segredo expressa repulsa.
Como afirma Sílvio Romero, na História da Literatura Brasileira ([1888]), a plena
integração do homem em sociedade “supõe o laço patriarcal na família e na tribo, o respeito das
tradições dos maiores, a autoridade dos anciãos, a solidariedade baseada no parentesco, coisas
todas estas que jamais os negros possuíram” (p. 80). Assim, não faltam nas falas do narrador
expressões de caráter racista para se referir ao protagonista, Amaro: “O negro dava para gente”,
“Um pedaço de bruto, aquele Bom-Crioulo! Diziam os marinheiros”, “Um animal inteiro é o
que ele era”, “O terrível Bom-Crioulo”, “Fera desencarcerada”, “Um homem perigoso”, “O
ladrão do negro estava mesmo ficando sem vergonha”, “E nem era feio o diabo do negro”,
“Momentos há em que os próprios animais caem extenuados”, “Dormia toda a noite como um
porco”, “O negro era meio doido”, “O doce remanso de sua alma voluptuosa”, “Hoje manso
como um cordeiro, amanhã tempestuoso como uma fera. Cousas do caráter africano”, “E afinal,
ele, Bom-Crioulo, não caíra do céu”.
Além da degeneração humana representada pelo comportamento sexual desviante de
Amaro, Euclides da Cunha admite, em uma passagem de Os Sertões (1984), que a própria
relação inter-racial é por si só reprovável:

O indo-europeu, o negro e o brasílio-guarani ou o tapuia, exprimem estádios


evolutivos que se fronteiam, e o cruzamento, sobre obliterar as qualidades
preeminentes do primeiro, é um estimulante à revivescência dos atributos primitivos
dos últimos. De sorte que o mestiço – traço de união entre as raças, breve existência
individual em que se comprimem esforços seculares – é, quase sempre, um
desequilibrado. Foville compara-os, de um modo geral, aos histéricos. Mas o
desequilíbrio nervoso, em tal caso, é incurável: não há terapêutica para este embater
de tendências antagonistas, de raças repentinamente aproximadas, fundidas num
organismo isolado. Não se compreende que após divergirem extremadamente, através
de largos períodos entre os quais a História é um momento, possam dois ou três povos
convergir, de súbito, combinando constituições mentais diversas, anulando em pouco
tempo distinções resultantes de um lento trabalho seletivo. (p. 48)

O relacionamento dos dois personagens de Bom-Crioulo está muito próximo do que


foi a pederastia no mundo greco-romano, que, inclusive, está referenciada no próprio romance:
“[Aleixo é] belo modelo de efebo que a Grécia de Vênus talvez imortalizasse em estrofes de
ouro límpido e estátuas duma escultura sensual e pujante” (p. 32).
No segundo volume da História da sexualidade (1998), Foucault observa que a
pederastia é a relação entre um homem adulto e um adolescente que ainda não havia
desenvolvido os caracteres sexuais secundários masculinos. A incumbência do adulto é a de
orientar e proteger o mais jovem, o qual “não pode aceitar assumir-se como objeto nessa relação,
que é sempre pensada sob a forma da dominação: ele não pode nem deve se identificar com
esse papel” (p. 195). Em alguns casos, a relação pederástica se dava, ainda, entre um cidadão e
um de seus escravos adolescentes, o que reforça o lugar do dominado que o adolescente ocupava
em relação ao adulto, embora não pudesse se identificar com o papel que desempenhava.
Contudo, ao se representar Amaro, adulto, sob o signo de uma força animalesca, possuído pelo
desejo homossexual, como fica mais evidente no capítulo cinco do romance, ele assume a
posição do macho dominador que vê em Aleixo a sua fêmea: “dentro do negro rugiam desejos
de touro ao pressentir a fêmea” (p. 33), logo, o adolescente encontra-se em uma posição de
subordinação ao adulto: “e o pequeno, submisso e covarde, foi desabotoando a camisa de flanela,
depois as calças, em pé, colocando a roupa sobre a cama, peça por peça” (p. 32).
O sentimento que abre a narrativa consegue sobrepor-se a qualquer exercício da razão
cientifica: o medo. A partir de um ponto de vista panorâmico, o narrador descreve a chegada da
corveta que traz a bordo o protagonista, Amaro:

Estava outra, muito outra com o seu casco negro, com as suas velas encardidas
de mofo, sem aquele esplêndido aspecto guerreiro que entusiasmava a gente nos bons
tempos de “patescaria”. Vista ao longe, na infinita extensão azul, dir-se-ia, agora, a
sombra fantástica de um barco aventureiro. Toda ela mudada, a velha carcaça
flutuante, desde a brancura límpida e triunfal das velas até a primitiva pintura do bojo.
No entanto ela aí vinha – esquife agourento – singrando águas da pátria, quase
lúgubre na sua marcha vagarosa; ela aí vinha, não já como uma enorme garça branca
flechando a líquida planície, mas lenta, pesada, como se fora um grande morcego
apocalíptico de asas abertas sobre o mar... (p. 2)

A corveta que o narrador vê “singrando águas da pátria”, tal qual um navio fantasma
que ao longe parece não se mover, de velas mofadas e encardidas, reduzido agora a uma “velha
carcaça flutuante”, “a sombra fantástica de um barco aventureiro”, traz consigo o peso da
tragédia. Em vista de tais sinais, o leitor imagina que coisa boa não pode sair dali. Então,
metamorfoseada num “grande morcego apocalíptico”, a corveta parece anunciar o fim do
mundo. Só após essa introdução, o narrador se aproxima do protagonista, fechando o foco aos
poucos até chegar a proa e em seguida aos personagens. Diante dessa força imagética, o leitor
de antemão já sabe que deve aguardar por uma história marcada pela desgraça iminente.
Um elemento marcante da tragédia, recomendada por Aristóteles em sua Poética
(2015), é que deve haver um encadeamento, um entrelaçamento entre os fatos, de modo que um
suceda o anterior, de forma que não ocorram ao acaso. Isso torna a fábula mais bela e
interessante. Em Bom-Crioulo esse entrelaçamento existe. Amaro é amigo de longa data de
Dona Carolina; ele a salvou de um assalto. Ela, após algum tempo, aluga aos amantes Amaro e
Aleixo um quarto e, de início, os apoia. Depois, apaixona-se por Aleixo, com quem mantém
um romance. Este é descoberto por Amaro, que mata Aleixo.
O enredo tem uma unidade de ação porque está focalizada no amor de Amaro por
Aleixo. Contém peripécia no momento em que a felicidade doméstica do protagonista é de
repente destruída por sua transferência para um outro navio, separando-o de Aleixo,
reconhecimento quando ele descobre por Herculano que Aleixo tem uma namorada e, depois,
que esta é Dona Carolina, e catarse quando a vida da cidade volta ao normal depois do
assassinato.
A ação final do romance vai caracterizar o acontecimento patético, já que Amaro, ao
encontrar Aleixo na rua, agride-o física e verbalmente e termina por cortar-lhe o pescoço. A
morte corporal de Aleixo significa a morte espiritual de Bom-Crioulo, que morre também,
simbolicamente, ao perder sua liberdade, seu bem mais precioso.
Logo, através deste lance o ciclo se completa, uma vez que o herói trágico não pode
proteger-se de uma morte violenta, resultante de um erro cometido contra uma ordem
reguladora, objetiva. “[A] terceira [característica da tragédia] é a comoção emocional [...], uma
ação destrutiva ou dolorosa, como o são as mortes insinuadas em cena, as dores agonizantes,
os ferimentos e outros casos semelhantes” (ARISTÓTELES, 2015, pp. 107-9).
Neste sentido, o determinismo presente na narrativa de Adolfo Caminha não só
confirma as teorias raciais vigentes, mas também coaduna com o caráter eurocentrista dos
valores da moral burguesa e cristã do final do século XIX.
Aristóteles fala ainda a respeito de dois sentimentos básicos ligados à tragédia: o pesar
e o temor. Dessa maneira, essas emoções devem ser despertadas pelos incidentes que ocorrerão
ao longo da trama. Assim, quanto maior a tensão, tanto maior a intensidade do pesar e do temor.
A morte de inimigos, certamente, não pode causar os sentimentos esperados e apontados pelo
filósofo, mas a de amigos, parentes e amantes, sim (ARISTÓTELES et al., 1992, p. 33).
No texto trágico, para despertar a pena e o medo, mata-se a quem se ama. Assim, O
Bom-Crioulo não foge à regra, pois além de incorporar elementos como a peripécia, o
reconhecimento e o patético, forja e alimenta em seu enredo um estado de tensão que propicia
o aparecimento daquelas emoções como na cena em que Dona Carolina tem o sonho
premonitório da morte replicada no último capítulo, quando se concretiza de fato:

Aleixo passava nos braços de dois marinheiros, levado como um fardo, o corpo
mole, a cabeça pendida para trás, roxo, os olhos imóveis, a boca entreaberta; o azul-
escuro da camisa e a calça branca tinham grandes nódoas vermelhas. O pescoço estava
envolvido num chumaço de panos. Os braços caíam-lhe, sem vida, inertes, bambos,
numa frouxidão de membros mutilados. (p. 77)
Na descrição que o narrador faz de Amaro, há um destaque e uma elevação dos seus
dotes, destreza e beleza físicos:

o terceiro preso, um latagão de negro, muito alto e corpulento, figura colossal de cafre,
desafiando, com um formidável sistema de músculos [...] Com efeito, Bom-Crioulo
não era somente um homem robusto, uma dessas organizações privilegiadas que
trazem no corpo a sobranceira resistência do bronze e que esmagam com o peso dos
músculos.
A força nervosa era nele uma qualidade intrínseca sobrepujando todas as outras
qualidades fisiológicas, emprestando-lhe movimentos extraordinários, invencíveis
mesmo, de um acrobatismo imprevisto e raro (p. 8).

a primeira vez que o viram, nu, uma bela manhã, depois da baldeação, refestelando-
se num banho salgado — foi um clamor! Não havia osso naquele corpo de gigante: o
peito largo e rijo, os braços, o ventre, os quadris, as pernas, formavam um conjunto
respeitável de músculos, dando uma ideia de força física sobre-humana, dominando a
maruja, que sorria boquiaberta diante do negro. (p. 13)

E, apesar da sua baixa classe social, tem as qualidades heroicas da coragem, compaixão
e perseverança, que ele demostra quando resiste aos castigos, salva Dona Carolina dos ladrões,
ajuda um homem sofrendo ataque epiléptico e, no passado, quando luta para libertar-se da
escravidão. Tanto os oficiais quanto os marinheiros têm medo dele e o respeitam. Além disso,
Amaro vem mantendo uma vida celibatária até o tempo da ação do romance, o que acrescenta
o atributo da castidade ao seu perfil de herói:

fizera muito em conservar-se virgem até aos trinta anos, passando vergonhas que
ninguém acreditava (p. 25)

Não se lembrava de ter amado nunca ou de haver sequer arriscado uma dessas
aventuras tão comuns na mocidade, em que entram mulheres fáceis, não: pelo
contrário, sempre fora indiferente a certas cousas, preferindo antes a sua pândega entre
rapazes a bordo mesmo, longe das intriguinhas e fingimentos de mulher. Sua memória
registrava dois fatos apenas contra a pureza quase virginal de seus costumes, isso
mesmo por uma eventualidade milagrosa: aos vinte anos, e sem o pensar, fora
obrigado a dormir com uma rapariga em Angra dos Reis, perto das cachoeiras, por
sinal dera péssima cópia de si como homem; e mais tarde, completamente embriagado,
batera em casa de uma francesa no largo do Rocio, donde saíra envergonhadíssimo,
jurando nunca mais se importar com “essas cousas” (p.16)

No entanto, todas essas qualidades enfraquecem e se partem no momento em que


conhece Aleixo. Para provar ser merecedor de seu amor, Amaro coloca-se em uma posição que
o desfavorece com seus superiores, por isso é chicoteado inúmeras vezes sem qualquer gemido
de dor e, somente após cento e cinquenta chibatadas (seis vezes mais do que o normalmente
aplicado aos outros marinheiros), é que pôde-se ver um fio de sangue escorrer em suas costas,
o que conota a força e a resistência que de seu personagem, que de tão animalizado atinge
paradoxalmente o patamar elevado da virilidade de um herói.
Contudo, suas ações, como a busca pela satisfação dos desejos sexuais a qualquer custo
e de forma violenta e sádica somados a uma tendência natural para o alcoolismo, colocam
Amaro em uma fase instintiva ou primitiva do desenvolvimento humano. Em razão disso, é
como se estivesse no início dos tempos, em um estado animalesco ou infantil da evolução
humana. Como assegura Sílvio Romero ([1888], p. 81) “a devastação, o roubo dos gados, a
escravidão dos que escapam, têm sido o viver normal das gentes negras desde os mais remotos
tempos. É regra que tem sido descrita por todos os que as têm visitado desde o século XV até
hoje”. Paradoxalmente, Amaro, que sempre almejou a liberdade, bem supremo dos seres vivos,
bem espiritual e do mais elevado teor, acaba se deixando prender pelas cadeias instintivas do
sexo. Salvo nos raros momentos em que se observa nele um discreto desenvolvimento
psicológico, nas cenas que se passam enquanto se encontra internado no hospital, suas
qualidades esbarram no fisiológico e param por aí.

REFERÊNCIAS

ARISTÓTELES. Poética. Traduzido por Paulo Pinheiro. São Paulo: Editora 34, 2015.
ARISTÓTELES; HORÁCIO; LONGINO. A Poética Clássica. 5º ed. Traduzido por Jaime
Bruna. São Paulo: Cultrix, 1992.
CAMINHA, Adolfo. O Bom-Crioulo. [S.l.: s.n.], [1895]. Disponível em
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua000002.pdf>. Acesso em out. 2018.

CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Três, 1984. Disponível em:
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000091.pdf>. Acesso em nov. 2018.
FOUCAULT, Michel. História da sexualidade II: o uso dos prazeres. 12. ed. Traduzido por
Maria Thereza da Costa Albuquerque. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1998.
ROMERO, Sílvio. História Da Literatura Brasileira. [S.l.: s.n.], [1888]. Disponível em
<http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000117.pdf>. Acesso em nov. 2018.

ZOLA, Emile. O Romance Experimental e o Naturalismo no Teatro. São Paulo:


Perspectiva, 1982.

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