O exercício consiste em escrever o nosso próprio necrológio como se tivesse
sido redigido por outra pessoa. Vamos supor que esta pessoa lhe conheceu bem e consegue ver a sua vida como uma totalidade, compreendendo a natureza dos seus esforços. Ela vai relatar, por carta, a sua vida a uma terceira pessoa, que não lhe conheceu ou lhe conheceu mal. O exercício não vai ter os resultados esperados se você fizer esta narrativa na primeira pessoa. O artificio de apelar a uma terceira pessoa fara sobressair a sua vida como uma forma fechada, que é digna de ser contada as gerações futuras. Você vai contar a sua vida ideal, imaginando que você realizou as suas aspirações mais elevadas, vistas em termos humanos e não sociais, ou seja, você não vai contar o que se tornou, mas quem quer ser. Pretende-se, com isso, mostrar a si mesma quem quer ser, e isto tem que ser feito com o máximo de seriedade e sinceridade. Não podemos cair numa coisa hiperbólica e imaginar que seremos Papa ou um novo Napoleão. Pretende-se do necrológio uma narração sumaria, algo que não ultrapasse 20 ou 30 linhas. É preciso usar a imaginação para realizar o exercício: vamos nos conceber como um personagem de um romance, tendo em conta a nossa individualidade, mas temos de acreditar nesta personagem e não duvidar das possibilidades dela realizar os seus objetivos. Se tivermos muita dificuldade em imaginar quem você quer ser, pode começar por excluir tudo aquilo que não queres ser ou que tenha pouca importância para você. Podes valorizar a sinceridade ou querer levar uma vida virtuosa, por exemplo, mas esta pretensão pode ser difícil de compatibilizar com a vontade de conhecer a experiência humana na sua plenitude, onde a harmonia só chega no final do percurso. Ainda assim, há coisas que nós absolutamente no queremos fazer, mesmo que isso alargue o nosso conhecimento. O seu necrológio é um instrumento que serve para começar a delinear planos mais concretos, por exemplo, sobre o que você vai fazer no próximo ano. Estes planos podem ser cada vez mais minuciosos, passando a ter um detalhe mensal, e depois semanal, até chegar ao limite de saber o que você vai fazer no próximo minuto. Chegando a este ponto, já terás um estilo, serás alguém com uma voz própria capaz de ser uma testemunha fidedigna. O Exercício do Necrológio não deve ser encarado como um mero exercício formal, feito uma vez e que depois pode ser esquecido. Nas principais situações de vida, temos de ter sempre em vista a imagem de quem queremos ser. Devemos também ir avaliando o itinerário percorrido, tentando perceber se nos aproximamos ou afastamos daquilo que delineamos para nós, averiguando também se a nossa concepção do modelo de vida se alterou. O nosso projeto de vida ira naturalmente sofrer muitas alterações, aprofundamentos, correções e, acima de tudo, amputações, que são decorrentes não só dos arranjos necessários face a nossa situação real, mas também por aprofundamento da nossa concepção de “eu ideal”. A nossa vida é uma equação em que entram fatores como os nossos objetivos de vida e a situação real que enfrentamos. Esta está recheada tanto de oportunidades como de obstáculos. Temos sempre que fazer arranjos entre o desejável - a unidade da nossa vida - e o possível - a multiplicidade de circunstancias vividas -, tendo em conta que, no final, o desejável deverá prevalecer, mesmo que seja por curta margem. A imagem criada pelo necrológio e o fator unificante contra a multiplicidade desagregadora e que fara ver oportunidades de realização pessoal mesmo nas situações mais difíceis. Não existem elementos que nos sejam totalmente antagônicos; eles mesmos são os materiais de que dispomos e o antagonismo terá de ser integrado de maneira dialética. Podemos estar numa situação tão primitiva que não temos os elementos para construir a nossa vida, e ai seremos nós a ter que fabricá-los um a um. A nossa verdadeira história e a tensão permanente entre o “eu real” e o “eu ideal”. Como esse confronto se dá no presente, é natural que as nossas maiores dúvidas em relação ao necrológio se refiram ao futuro próximo. O “eu ideal” começa por ser uma imagem genérica que se torna cada vez mais individualizada na medida em que se converte na matriz dos nossos esforços sinceros. A nossa imagem de futuro orienta os nossos atos de forma hipotética e provisória, já que quando a nossa situação muda, também a imagem que temos do futuro se altera, ficando mais precisa, ganhando consistência de realidade e perdendo o seu caráter original abstrato e hipotético. Os caminhos que foram abandonados fazem parte da estrutura da nossa vida, e a renúncia e a desistência são elementos essenciais do nosso plano.
JUSTIFICAÇÃO DO EXERCÍCIO
Só podemos julgar as nossas ações se tivermos uma ideia de quem queremos
chegar a ser. De todas as vozes que falam dentro de nós - originadas por medos, preconceitos, pelo falatório geral que se incorpora no nosso subconsciente apenas vamos permitir que uma nos julgue, corrija e oriente. Esta é a nossa parte mais alta, a única que pode falar com Deus. Este exercício é um primeiro passo para a constituição do nosso juiz interior, de modo a que ele tenha objetividade. O nosso ideal de “eu” expressa o que há de melhor em nós e vai orientar-nos durante toda a vida, ainda que essa imagem se altere ao longo do tempo. Para quem e religioso, a vocação é vista como um chamamento de Deus. Deus manifesta-se no que existe de melhor e mais alto em nós. Não sabemos se a nossa vocação coincide com aquilo que queremos hoje para o nosso futuro, mas esta e a melhor pista que temos. COMO A MORTE TE ENSINA A VIVER – OU: VOCÊ JÁ FEZ O SEU NECROLÓGIO? (Significado de “necrológio”: elogio, falado ou escrito, de pessoa falecida.) No início do Curso Online de Filosofia, o professor Olavo de Carvalho (que não tem nada de desbocado e polêmico nesse curso rsrs) pede aos alunos que façam um exercício de necrológio. O que é esse exercício? Você imagina que acabou de morrer e uma grande amiga sua está escrevendo para uma outra amiga sobre como foi a sua vida. Então, você tem que imaginar o que gostaria que ela escrevesse sobre você. O que te deixaria orgulhosa por ter sido em vida e por ter vivido? O que teria sido a melhor versão de você mesma? O que te faria chegar ao final da vida e dizer: Sim, cumpri a minha missão. Estou em paz. O professor Olavo nos lembra que o melhor de nós mesmas não tem, necessariamente, a ver com profissão, nem com reconhecimento público. Por exemplo, uma freirinha que vive enclausurada, rezando pelo mundo, pode ter sido o melhor dela mesma e ter vivido de forma plena – e feito um bem muito grande para a humanidade. Essa nossa melhor versão tem a ver com os nossos anseios, nossas realizações, nosso propósito de vida. É aquela mensagem única que cada um traz em si e precisa passá-la ao mundo. O interessante é que algumas pessoas, quando vão fazer esse exercício, levam horas para conseguir escrever. Outras, conseguem fazer em alguns minutos. Há aquelas que irão reescrever várias vezes o seu necrológio, durante a vida, enquanto outras vão mantê-lo por anos, do jeito que está, tomando-o como um norte para a caminhada terrena. O necrológio não precisa ser tão grande, mas também não tem regra quanto ao tamanho. O importante é sempre o reler, pra ver como você está com relação ao seu Propósito de Alma. E por que esse exercício é tão poderoso? Porque quando nos damos conta da presença da morte, nossa companheira desde o dia em que nascemos, passamos a valorizar a nossa vida. Temos, então, como diz John O’Donohue, uma maravilhosa premência de viver a vida ao máximo, de viver compassiva e criativamente e transfigurar tudo o que for negativo dentro de nós e ao nosso redor. E, curiosamente, quando passamos a viver a nossa vida ao máximo, a morte deixa de parecer um acontecimento destruidor e negativo. E o medo já não tem mais poder sobre nós. Isso nos dá liberdade e uma consciência maior quanto ao tempo que temos aqui nessa vida: vamos querer viver sem desperdiçar esse tempo que nos é ofertado. Vamos viver de fato, e não apenas passar pela vida. Por isso, te convido a fazer esse exercício de necrológio. Tire um momento do seu dia, tranque-se no seu quarto, fique em silêncio e imagine que uma grande amiga está escrevendo para outra amiga, contando como foi a sua vida. Faça “ela” escrever uma vida da qual você se orgulhe. Depois de escrever o necrológio, guarde ele. Não precisa mostrar para ninguém. Leia-o de tempos em tempos e sempre se pergunte: Estou vivendo a vida que gostaria que fosse contada? Com carinho e gratidão, Rebeca P.s.: Comentei com o meu irmão sobre esse tema, e ele me falou que o autor Stephen R. Covey, do livro Os 7 Hábitos das Pessoas muito Eficientes, também propõe um exercício tipo esse do necrológio. Você já leu esse livro?