Sei sulla pagina 1di 20

Bioética e a moralidade na finitude da vida

Bioethics and the morality in the finitude of live


Rosemari Presser Savoff Souza e Silva1
José Domingos Silva Ferreira2

RESUMO
Este artigo tem como foco principal, a problemática do surgimento da bioética com enfoque na finitude da vida.
Seus questionamentos éticos e morais, bem como os cuidados paliativos, a possibilidade da eutanásia, da distanásia
e da ortotanásia com relação aos doentes terminais, às vítimas de acidentes com sequelas e aos indivíduos vítimas
de doenças senis degenerativas e a possibilidade da morte com dignidade humana.

Palavras-chave: Bioética, ética e moral, cuidados paliativos, morte, dignidade humana.

ABSTRACT
This article focuses primarily on the issue of emergence of bioethics, focusing on the finitude of life. Its ethical
and moral questionings, as well as palliative care, the possibility of euthanasia, the dysthanasia and the orthonasia
regarding the terminal patients, victims of accidents with permanent damage and to individual victims of senile
degenerative diseases and the possibility of death with human dignity.

Keywords: Bioethics, ethics and morals, palliative care, death, human dignity.

1. INTRODUÇÃO

Considerando o modelo personalista, que tem seus alicerces nas convenções e


declarações dos direitos do homem, pode-se afirmar que a bioética nasceu em prol da defesa
dos direitos individuais. Vale lembrar que esses direitos estão relacionados com o respeito à
pessoa desde o momento da concepção, ou seja, a defesa do ser humano como valor
fundamental em sua plenitude da vida física. Nesse sentido, a bioética tem como objeto de
estudo a vida humana.
A grande dificuldade em relação ao conceito de pessoa no contexto da bioética é o fato
de que esse conceito sinaliza a sua prioridade para o campo da ética e não ao campo biológico.
Assim, em qual contexto se conceitua a pessoa?
Em uma rápida análise, a pessoa segundo a igreja é: “considerada como a entidade
biológica imediatamente formada pela fusão dos gametas no instante da fecundação.”
(LEPARGNEUR, 2004, p. 35). Em outras palavras, a partir do momento em que a pessoa surge

1
Pós graduanda no curso Lato Sensu Fundamentos Filosóficos da Bioética ministrado pela Faculdade Diocesana
São José - FADISI - rosesavoff@hotmail.com
2
Orientador, Doutor em Teologia pela Academia Alfonsiana na Itália, professor responsável pela disciplina
“Bioética e o fim da vida” que compõe o 6º módulo do curso Lato Sensu Fundamentos Filosóficos da Bioética
ministrado pela Faculdade Diocesana São José - FADISI
em sua condição carnal, munido de alma imortal, permanece em sua condição viva até que Deus
decida o momento de sua morte.
Segundo Lepargneur (2004, p. 41), a personalidade do ser humano, no Brasil, começa
com o nascimento com vida. Isso significa dizer que o nascituro somente virá a ser considerado
pessoa se nascer com vida, caso contrário, nunca o foi para o campo jurídico. É considerado
vivo se, pelo menos uma vez produziu a ação que irrigou os seus pulmões com ar, ou seja, pelo
menos uma vez ele respirou, já que é a presença de ar nos pulmões que determina sua condição
de pessoa.
Realizadas as breves análises quanto à formação do conceito de pessoa, torna-se
necessário olharmos para outro viés da qual a bioética também trata e que é inerente à vida: a
morte. Este artigo trará uma reflexão quanto a essa delicada questão: como a morte é tratada
pelo viés da bioética?
Para isso, torna-se importante algumas reflexões: o que é a morte do ponto de vista
filosófico? Onde o posicionamento diverge de acordo com o filósofo que aborda essa reflexão?
Existe ainda o ponto de vista científico, onde há também divergência quanto ao
momento em que a morte pode ser decretada: seria após o coração cessar seus batimentos? Ou
seria ela considerada após a constatação da ausência das atividades cerebrais?
Estes são questionamentos de difícil resolução, uma vez que envolve a questão moral
onde alguns autores divergem do posicionamento tanto no campo filosófico como no campo
científico.
Neste artigo tratarei da problemática do surgimento da bioética com enfoque na finitude
da vida considerando os impasses de cunho moral, a relação com os seus princípios
fundamentais, os quais visam destacar o respeito à dignidade humana, abrindo discussões
acerca da possibilidade da prática da eutanásia, da distanásia e da ortotanásia.

2. A TERMINAÇÃO DA VIDA OU A MORTE

Conceitualmente, do ponto de vista filosófico, a morte é pensada de duas maneiras:


quando constatado o fim da consciência e quando ocorre o falecimento do organismo humano.
A questão fundamental consiste no significado da morte para o ser humano, o que incita
inúmeras interpretações e discussões. Para Georg Simmel, filósofo do início do século XX, a
morte:

2
“(...) não limita nossa vida, quer dizer, dá-lhe forma só na hora da morte,
mas é um momento formal da nossa vida que vai matizar todos os seus
conteúdos: a limitação da totalidade da vida pela morte exerce sua ação
sobre cada um dos seus conteúdos e dos seus momentos”. (SIMMEL,
1957, p. 31)

O filósofo destaca que a pessoa é uma espécie de preparação para a morte. A morte é
inerente à vida biológica, mas essa ideia da morte não é algo simples de ser tratada, vivenciada
ou aceita. O ser humano nasce fisicamente com o objetivo de viver e de viver bem, com
qualidade e dignidade inerente à sua condição de ser humano.
Para Schopenhauer3, a morte consiste no momento em que a consciência desaparece.
Em uma visão objetiva, a morte está relacionada ao modo como as pessoas se comportam,
assim, estaria vinculada ao estado biológico e não à existência de consciência. No campo
subjetivo, a visão de morte não está relacionada ao estado do corpo biologicamente falando,
mas na possibilidade de perda irrecuperável de consciência, dos sonhos projetados, das
memórias conquistadas. Quando se observa objetivamente um cadáver, o seu “modo de agir”
nada tem a ver com suas conquistas subjetivas, mas em um comportamento perceptível com a
aparência de uma pessoa morta, na rigidez, na pele fria, nas pupilas fixas, na ausência de
qualquer movimento ou reflexo.
Do ponto de vista subjetivo, como classificar uma pessoa vítima de AVC com sequelas
vegetativas? Ou uma pessoa vítima do Alzheimer? Seus projetos, sonhos e todas as memórias
adquiridas estariam subjetivamente inexistentes? No caso do Mal de Alzheimer, dependendo
do grau de comprometimento, o indivíduo acaba perdendo sua própria identidade, visto que não
reconhece mais a si próprio. Essa doença tem seu início no campo subjetivo, mas tem sua
evolução também no campo objetivo uma vez que o seu comportamento começa a ficar
perceptível biologicamente falando. Com a degeneração do seu cérebro, os comprometimentos
e limitações físicas vão se acentuando a ponto de levar o paciente ao óbito.
Estamos “programados” para nascer, crescer, envelhecer e morrer. Qualquer ação que
contrarie essa lógica, causa estranhamento e rejeição. A morte como uma passagem ao
desconhecido sempre foi tratada com receio, temor e angústia por vários filósofos,
principalmente pelo fato de que traz consigo a ideia de dor, sofrimento, desconforto e partida.
Sua discussão não é uma tarefa fácil, até porque o desfecho dessa discussão, por mais longe que

3
Filósofo alemão do século XIX, Arthur Schopenhauer nasceu em Danzig (na época uma cidade livre do báltico)
em 22 de Fevereiro de 1788, morreu em Frankfurt em 21 de Setembro de 1860.
3
se estenda, ainda assim, é um campo desconhecido e metafísico. Para Soren Kierkegaard4 a
morte é:

Visto que na linguagem humana a morte é o fim de tudo, (sendo de)


costume dizer-se, enquanto há vida há esperança. Mas para o cristão, a
morte de modo algum é o fim de tudo, e nem sequer um simples
episódio perdido na realidade única que é a vida eterna; e ela implica
para nós infinitamente mais esperança do que a vida comporta, mesmo
transbordante de saúde e força. (KIERKEGAARD,1988. p. 191)

Este filósofo considerava que o cristão verdadeiro deveria sofrer tanto quanto Cristo
sofreu. Assim, ele menciona a condição de agonia que é compreendida como um mal-estar
constituído no sentimento de medo e de dor física. Um cristão de fato, deveria sofrer em seu
existir e isto significaria que a fé se concretizaria nessa ação. Existe, nessa concepção, a
esperança de que a morte não é o fim, mas sim o princípio de uma nova concepção ainda
desconhecida, de que a partir dela, algo muito bom aguarda esse cristão. Quanto a ideia de
morte para o filósofo, começa-se a morrer a partir do nascimento uma vez que, dia após dia
uma parte do corpo vai se deteriorando e nos leva a concluir que, sendo a vida uma resistência
à morte, tal sentimento é o que nos leva à agonia e ao desespero que Kierkegaard menciona em
seus pensamentos, assim como, a aceitação dessa vida, indiretamente seria uma forma de morte
concreta.
A morte deveria ser, então, encarada como algo natural e inerente ao ser humano. Ao
contrário, sua concretização está longe de ser algo de fácil aceitação. Uma das grandes questões
é a sua relação com a possibilidade de dor, de sofrimento e que, mesmo quando o indivíduo
está acompanhado de um profissional da saúde que lhe garanta a preservação de sua dignidade
durante esse processo no sentido de que ela ocorra de forma tranquila, indolor, ainda assim,
esse momento não se traduz em serenidade tanto para o indivíduo quanto para os seus
familiares. Essa negação quanto à aceitação da morte, traduz a agonia a que se refere
Kierkegaard.

3. A MORTE DO PONTO DE VISTA CIENTÍFICO

4
Søren Aabye Kierkegaard (1813-1855), foi um teólogo dinamarquês, filósofo e religioso cristão. Ele era um
crítico de Georg Wilhelm Friedrich Hegel, Wilhelm Friedrich Wilhelm Joseph Schelling e Karl Friedrich Schlegel
e da Igreja da Dinamarca. Ele é amplamente considerado como o primeiro existencialista.
4
A ciência tem feito alguns progressos no campo da medicina. Existem questões que
envolvem a temática da morte, mas que não tem a intenção de interromper ou abreviar uma
vida. Avanços nessa área demandam um diagnóstico seguro e eficaz quanto ao progresso de
uma doença em curso, da falta da evolução clínica de um indivíduo vítima de acidentes graves,
de doenças decorrentes do envelhecimento natural ou de doenças degenerativas que, longe de
ter uma cura, acabam tirando a dignidade ao indivíduo pelo fato de que estes não possuem mais
a autonomia, sua racionalidade e mesmo a sua comunicação para externar seus desejos e suas
vontades.
É fato que a concepção da morte no mundo pós moderno é completamente diferente de
como era concebida no passado, mas isso não significa que a definição de morte tornou-se mais
transparente. Segundo Kress (2008, p. 296), em tempos passados, morrer em casa e de forma
rápida era considerado normal e a explicação é simples: não havia hospitais e médicos
suficientes para tratar dos pacientes. A falta de técnica e conhecimento científico no tratamento
de doenças resultavam em uma morte súbita, dolorosa, rápida o que dificultava, às vezes, até
uma intervenção religiosa.
Atualmente, a morte ocorre de maneira mais demorada, principalmente em pessoas com
diagnóstico de doenças como câncer, cardiopatias e síndromes degenerativas, por exemplo,
mesmo com a perspectiva de falecimento, a medicina avançou no sentido de retardar e
desacelerar esse processo, trazendo ao paciente a possibilidade de prolongamento da vida e da
morte sem dor e sofrimento.
Até pouco tempo a morte era constatada através da parada cardiorrespiratória quando
considerada irreversível. Tal situação era comprovada através de ações como a auscultação das
batidas do coração utilizando-se um estetoscópio ou mesmo pela percepção da pulsação. Neste
caso, essa condição era classificada como irreversível porque não havia qualquer possibilidade
de que essas funções se restabelecessem por si só, não havia ainda a possibilidade de
reanimação mecânica. Segundo Holand:

“Os exames cardiorrespiratórios são seletivos porque não requerem a


falência irreversível de todas as funções do corpo, mas somente de
determinadas funções cruciais. Por outro lado são universais porque
qualquer paciente cujas funções cardiorrespiratórias tenham cessado
irreversivelmente está morto, quaisquer que sejam suas circunstâncias
específicas. (HOLAND, 2008, p. 100)

Isso significa afirmar que nesta condição, a determinação de óbito do paciente


praticamente dependia de uma perspectiva holística, ou seja, a condição do paciente era
5
analisada de forma integral onde a partir do momento em que cessavam as funções
cardiorrespiratórias, o paciente não teria mais a capacidade de se organizar a ponto de integrar
novamente suas funções vitais e, dessa forma, seria considerado um paciente morto.
Com o advento de novos estudos e técnicas, houve mudanças no critério do diagnóstico
de morte. Houve também, um deslocamento do foco da causa da morte: passou a ser
considerada pela parada do funcionamento permanente do cérebro, o que passou a ser
denominada por morte cerebral5.
Houve, então, muitas divergências quanto à parte do cérebro considerada como
irreversível do ponto de vista da qualidade de vida, dúvidas quanto à parada das funções
cerebrais por completo ou a parada parcial de zona crucial do cérebro vieram a tornar essa
discussão ainda mais emblemática. Quando ocorre naturalmente, a ME é seguida
imediatamente pela morte cardiorrespiratória. Essa constatação deveria ser suficiente para que
a pessoa seja considerada como morta.
Segundo os critérios médicos, a parte superior do cérebro está relacionada com a
consciência do paciente e a parte inferior diz respeito às funções fisiológicas deste. Surge aqui
um novo impasse, pois se um paciente entrar em coma irreversível onde a parte superior de seu
cérebro está totalmente paralisada, ao mesmo tempo em que sua parte inferior do cérebro
funcione totalmente sem a dependência de estímulo mecânico seria, então, essa pessoa
considerada morta? Teríamos um paciente que estaria comprometido quanto a sua possibilidade
de exprimir qualquer indício de consciência, ao mesmo tempo em que seus órgãos estariam
funcionando perfeitamente sem que qualquer tipo de procedimento fosse necessário para
mantê-los ativos. Outro exemplo seriam os bebês anencefálicos que nascem sem qualquer traço
de consciência, justamente pela má formação da parte superior de seus cérebros que os impede
de qualquer ato consciente.
O problema aqui não é o de ausência total de cérebro, mas de diferentes graus de má
formação deste. Esses bebês não nascem sem qualquer reação, mas com suas funções
fisiológicas precárias, porém preservadas ao ponto de permitir que esses bebês sobrevivam sem
uma data precisa de falência dessas funções. Mesmo que estejam condenados a um período
curto de sobrevida, esses bebês não poderiam ser considerados mortos uma vez que o ar
adentrou em seus pulmões e permitiu que ele sobrevivesse e até se alimentasse por um
determinado período. Ao mesmo tempo em que uma pessoa, vítima de um acidente vascular

5
O termo morte cerebral ou morte encefálica doravante será mencionada pela sigla ME.

6
venha a adquirir o estado vegetativo e também não consiga recobrar sua consciência, seguindo
a mesma linha de pensamento, essa pessoa teria seus direitos à vida mantidos e garantidos, pois
seu tronco cerebral ainda estaria respondendo aos estímulos.
E se essa morte não ocorresse de forma considerada “natural”? Não seria pior tratar os
vivos como mortos do que tratar os mortos como vivos? Afinal, dependendo do tipo de
tratamento utilizado, essa prática poderia levar o paciente à morte. Isso significa dizer que
poderiam ser permitidas suspensões de procedimentos que viriam a salvar vidas e que trariam
possibilidades de adotar a prática ou a opção de doação de órgãos e isso dependeria da
interpretação da junta médica para se chegar a uma conclusão: o paciente estaria morto ou não?
Como resposta a essa questão, algumas modificações nas práticas para o diagnóstico de finitude
da vida do paciente passaram a ser consideradas. Surgiram outras possibilidades de
prolongamento da vida como a implantação do marca-passos, transplantes de coração e de
tantos outros órgãos que foram sendo possíveis através da inovação de tecnologias na área
médica trazendo perspectivas de curas ou de prolongamentos de vida concretos ao paciente.
Epistemologicamente surge o questionamento: Como saber se este paciente está vivo
ou morto? Como já mencionado, não basta apenas que se perca a consciência para que um
paciente seja decretado como morto. A partir de 1968, o Comitê sobre ME de Harvard 6
concentrou-se na afirmação de que o paciente seria considerado morto com a perda permanente
das funções cerebrais. Segundo o critério de Minnesota7: um paciente é diagnosticado como
morto quando seu tronco cerebral está morto. No Reino Unido condicionou-se esse diagnóstico
a aquisição de dois médicos que, juntos ou separadamente, realizariam um conjunto triplo de
exames e testes que deveriam averiguar as precondições da morte do tronco cerebral, as
exclusões necessárias, ou seja, se essas condições possam tornar a condição do paciente
irreversível, e por último, através de exames, a verificação se o paciente responde a estímulos
que vão desde o reflexo coreano até a atividade dos neurônios e do centro respiratório.
Esses procedimentos não trariam somente respostas epistemológicas, mas também
metafísicas: um mundo que apresenta um indivíduo com morte cerebral, obrigatoriamente
apresenta um cadáver e não um paciente. Dito isso, a resposta conceitual é o fato de que a morte,
neste contexto, é sinônimo de morte do cérebro. Um dos argumentos é o fato de que os

6
Ad Hoc Committee of the Harvard Medical School to Examine the Definition of Brain Death (1968). A
definition of irreversible coma: Report of the Ad Hoc Committee of the Harvard Medical School to Examine the
Definition of Brain Death. JAMA 205 (6):85-88.
7
Mohandas A, Chou SN. Brain death: a clinical and patho-logical study. J Neursurg. 1971; 35: 211-8.
7
mecanismos que controlam o centro respiratório está localizado no tronco cerebral, ao ocorrer
uma falência cardiorrespiratória, esta é consequência da morte do tronco cerebral.

4. A QUESTÃO MORAL

Há muito tempo que o comportamento humano é regido por regras morais e códigos
deontológicos 8 . A partir de Hipócrates, muitos pensadores e estudiosos passaram a se
questionar sobre as exigências quanto ao respeito à vida humana e, com a evolução da
humanidade houve questionamentos que geraram polêmicas: Que atitudes tomar diante de uma
doença fatal? Será preciso prolongar a vida de um indivíduo em fase terminal? Manter vivo um
recém-nascido com má formação? Reanimar um idoso que já não tem o desejo de viver?
Suspender o tratamento de um paciente em estado vegetativo? Estes e outros questionamentos
são oriundos de ações que envolvem atitudes de fundo moral9.
É importante destacar o questionamento decorrente desses temas e a mudança de
posicionamento: o que antes era tratado e resolvido de forma unânime já não ocorre dessa
forma. Com um mundo pluralista, as pessoas começaram a resolver problemas de forma
pessoal, concomitantemente, o progresso técnico e científico começa a oferecer possibilidades
e promessas que nem sempre acompanham a questão moral.
Em meio a esse turbilhão de pensamentos e atitudes individuais, surge a necessidade de
uma ordenação em relação a essa liberdade individual. É o momento de se evitar a anarquia
instaurada na sociedade e que certamente se transformaria em um movimento retrógrado. Surge,
então, a bioética como uma forma de promover o controle democrático sobre os trabalhos na
área médica e científica, além de promover a ligação entre essas áreas. Em outras palavras, a
bioética envolve entidades morais por possuir um estatuto moral, aborda um problema ético,
que traz uma profunda reflexão quanto ao estatuto moral das entidades relevantes já
mencionados.
O termo bioética foi concebido pela primeira vez pelo médico americano Van Renselaer
Potter (1911-2011): "Eu proponho o termo Bioética como forma de enfatizar os dois
componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente

8
A palavra deontologia, do grego (déon-déontos), significa também regras: dever, obrigação, aquilo que se deve
fazer. Etimologicamente ela é, então, quase sinônimo de moral ou ética. (DURANT, 2008, 14).
9
A palavra “moral” vem do latim mos, moris e designa os costumes, a conduta da vida, as regras do
comportamento. Etimologicamente há, então, um sentido muito amplo. Ela se refere ao agir humano, aos
comportamentos cotidianos, às opções existenciais. Ela faz pensar de maneira espontânea em normas, regras do
comportamento, princípios, valores. (DURANT, 2008, p. 09)
8
necessária: conhecimento biológico e valores humanos.” (POTTER, Van Rensselaer, Bioethics.
Bridge to the future. 1971 apud FERRARI, 2012). Ele defende a ideia de que a ciência e a
tecnologia estavam destruindo as condições de existência da vida e pensou na bioética como
uma espécie de ciência de sobrevivência com a qual tornou-se necessário a união da ética
através dos valores e, da ciência através dos fatos.
Dessa forma, a bioética traduz-se em uma tentativa em se pensar a vida de forma integral
sem a necessidade ou possibilidade de separá-la da ciência e da tecnologia, uma espécie de
ponte que ligaria a ciência biológica e a ciência ética. Para Guy Durant (2008, p. 22): “A
bioética é a pesquisa de soluções para conflitos de valores do mundo da intervenção
biomédica”. Nesse sentido, a reflexão da bioética está pautada sobre fatos, princípios e regras.
Neste caso, os fatos não estão interligados com a moral. A conduta humana, desde
tempos passados, segue a prerrogativa da ética e da moral. Não existe intenção de bloquear
questionamento e críticas, ao contrário, a bioética tem como objetivo a união de fatos e, para
tanto, faz-se necessário que a reflexão bioética aconteça pautada em princípios e regras,
tornando concreta a união destes.
Exemplos da aplicação prática da bioética seria o caso de um paciente que encontra-se
em estado vegetativo e após o diagnóstico de algum tipo de câncer agressivo e incurável tem
na bioética a garantia de tratamento digno. Ou ainda, que a avançada idade de um paciente
esteja “apagando” as suas memórias e sua autonomia através do Mal de Alzheimer10, ou mesmo
o Mal de Parkinson11, entre tantos outros exemplos, são doenças que alteram de forma decisiva
toda a trajetória de uma vida e que justificam o surgimento da bioética como uma “ética da
vida”.

5. OS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA BIOÉTICA

10
É a forma mais comum de demência neurodegenerativa em pessoas de idade. A causa da doença é desconhecida.
Perder funções não cognitivas significa apresentar distúrbios de comportamento que vão da apatia ao isolamento
e à agressividade. O declínio das funções cognitivas é caracterizado pela dificuldade progressiva em
reter memórias recentes, adquirir novos conhecimentos, fazer cálculos numéricos e julgamentos de valor, manter-
se alerta, expressar-se na linguagem adequada, manter a motivação e outras capacidades superiores.
11
Doença neurológica, crônica e progressiva, sem causa conhecida, que atinge o sistema nervoso central e
compromete os movimentos. Quanto maior a faixa etária, maior será a incidência da doença de Parkinson. De
acordo com as estatísticas, na grande maioria dos pacientes, ela surge a partir dos 55, 60 anos e sua prevalência
aumenta a partir dos 70, 75 anos. A lentificação dos movimentos e os tremores nas extremidades das mãos, muitas
vezes notados apenas pelos amigos e familiares, costumam ser os primeiros sinais da doença. A diminuição do
tamanho das letras ao escrever é outra característica importante. Outros sintomas podem estar associados ao início
da doença: rigidez muscular; acinesia (redução da quantidade de movimentos), distúrbios da fala, dificuldade para
engolir, depressão, dores, tontura e distúrbios do sono, respiratórios, urinários.

9
Diante de inúmeros impasses de fundo moral, a bioética propõe-se a discuti-los através
de estudos pertinentes aos seres humanos. Para tanto, o Conselho Nacional de Saúde (Brasil,
1996) apresenta os seguintes princípios fundamentais:
5.1. RESPEITO A AUTONOMIA
Esse princípio é aplicado no sentido de que o paciente é dotado da capacidade de calcular
os meios necessários para se alcançar o seu objetivo. Em outras palavras, ele é autônomo e
capaz de agir livremente, para julgar o que quer ou o que quer fazer que traga um melhor
resultado para si mesmo.
5.2. A BENEFICÊNCIA
É sinônimo do exercício de fazer o bem em prol dos outros. Considerada como uma das
regras básicas da ética, traduz-se na máxima: “devemos agir em benefício dos outros.” É o
comprometimento no sentido de ponderar entre os riscos e os benefícios decorrentes da escolha
de um tratamento pela família ou mesmo pelo médico e, neste caso, este profissional estaria
agindo de acordo com o juramento hipocrático 12 , assim, estaria agindo em benefício do
paciente.
5.3. A JUSTIÇA OU EQUIDADE
Para se combater a desigualdade e a injustiça, a melhor forma seria a que promovesse uma
organização para que tanto as leis, as instituições e os serviços públicos sejam organizados, de
forma mínima, mas existente e atuante.

6. A DIGNIDADE HUMANA

Há de se destacar que a dignidade humana tornou-se um conceito importante da ética


moderna e da ordem constitucional. A Lei Fundamental da Alemanha, por exemplo, menciona
a seguinte frase em seu artigo 1º: “A dignidade do ser humano é inviolável.”
Embora exista uma discussão na filosofia moral anglo-saxônica acerca do fato onde se
considera a dignidade algo inerente a todos os seres humanos, considera-se ainda o fato de que

12
Historicamente, o Juramento de Hipócrates é um juramento solene efetuado pelos médicos e por outros
profissionais de saúde no qual juram praticar a medicina honestamente. De forma geral, acredita-se que o
juramento tenha sido escrito por Hipócrates — amplamente considerado como o pai da medicina ocidental — ou
por um dos seus alunos. O juramento original foi escrito em grego jónico (século V A.C.).

10
a existência da dignidade humana só seria possível em um ser humano que fosse dotado de
autoconsciência, de racionalidade e que fosse portador da capacidade de comunicação.
Tal afirmação causaria alguns questionamentos e um deles seria em relação ao fato de
que antes do nascimento, o feto ainda não adquiriu essas funções mencionadas em sua
plenitude, o que ocorrerá gradativamente após o seu nascimento. De que forma então, ele seria
merecedor dessa dignidade?
Em um sentido oposto, encontram-se as pessoas com demência, os doentes terminais e
até os doentes com lesões cerebrais graves. Nestes casos, a consciência deixou de existir e não
existe a possibilidade de recuperá-las. Essas pessoas que um dia adquiriram o direito ao
tratamento com dignidade, simplesmente deixariam de ter direito à ela? Um defensor desses
posicionamentos é Peter Singer, bioético austríaco que aponta essas questões em sua obra Ética
Prática lançada em 1984.
Existe ainda um terceiro grupo de pessoas importantes: aquelas que perderam a vida e
que, ainda assim, não perderam a sua dignidade de ser humano. É fato de que não possuem
mais a autoconsciência, de racionalidade e que fosse portador da capacidade de comunicação.
Poderiam então, ser descartadas simplesmente?
Contrária a essas afirmações, tem-se a filosofia voltada para o Esclarecimento, assim
como a filosofia de Kant onde ele considera a condição humana igualmente para todos os seres
humanos, sem que estes necessitem se submeter a qualquer tipo de método para comprovar se
tem ou não direito a dignidade. Subentende-se que todo indivíduo merece reconhecimento,
estima e proteção indiferente de sua condição, seja antes do seu nascimento ou após a sua morte,
esteja ele consciente ou não.
A condição de dignidade humana deve estar ligada à transcendência no que tange à ação
criadora de Deus, conforme expressa o teólogo judeu Leo Baeck: “Por maior que seja a
diferença entre as pessoas, é o caráter que é a imagem e semelhança de Deus e que é comum a
todos; é ele que faz com que o ser humano seja um ser humano, o designa como ser humano.”
(BAECK, 1921 apud KRESS, 2008, p. 28)
Em uma concepção democrática da imagem e semelhança divina, há de se considerar
que essa semelhança significa, antes de tudo, algo que se assemelhe à perfeição e que tenha
inerente algo de dignidade. Segundo consta, tudo que existe no mundo é fruto da criação de
Deus, mas o homem e a mulher, somente eles, foram criados a sua semelhança em relação ao
caráter e a existência da razão.

11
Kant resgata na Idade Moderna, o pensamento de igualdade e dignidade quando traz
essa reflexão com o fundamento filosófico do Esclarecimento. Para ele, o ser pessoa
caracteriza-se através da sua razão e sua capacidade pautada no agir com liberdade e com ética.
É a relação entre liberdade e ética que demonstram o caráter mencionado anteriormente na
concepção de Leo Baeck. Os seres humanos se sobressaem entre os outros seres justamente
pela existência da razão, é a virtude de sua humanidade que o destacam desde o início até a
finitude de sua vida.
Assim, a dignidade humana está relacionada à esfera da bioética principalmente na
medida em que a vida humana deixa de ser somente uma preocupação biológica e passa a ser
também considerada pela dignidade. Os princípios já mencionados traduzem-se na integridade
da pessoa trazendo-lhe identidade e liberdade.
A dignidade humana traduz-se basicamente no dever de respeito considerando a
identidade tanto genética quanto psíquica, assim como, na integridade da sua autonomia onde
a bioética além de considerar estas questões, preocupa-se ainda com o destino e manipulação
do avanço das pesquisas no campo das ciências, da genética que envolvam seres humanos.

7. A EUTANÁSIA E A QUESTÃO ACERCA DO DIREITO DE VIVER E MORRER

Ao completar sua formação, o médico faz o juramento hipocrático, sempre no intuito de


salvar vidas, de manter vidas e de garantir a aplicação dos princípios da bioética, porém, existe
também a situação inversa ao início da vida: o envelhecimento.
Biologicamente, o envelhecimento é um estágio necessário e normal, mas
filosoficamente, o envelhecimento traz consigo a perspectiva do fim da vida. A morte sempre
esteve presente em todas as etapas da vida, seja pela perda de pessoas de referência, de amigos
e de familiares. Estas perdas afloram a certeza de finitude e torna-se mais concreta com a
chegada da velhice.
Isso vem de encontro ao pensamento de Sartre quando afirma que além da morte, a
própria existência é um absurdo porque mesmo que eu construa uma vida baseada em projetos,
mesmo que eu tenha sonhos, eu também tenho a ideia de morte como certeza do meu futuro. E
essa constatação acaba por deixar alguns questionamentos evidentes: Para que eu preciso buscar
tantas realizações se o fato de eu deixar de existir é concreto? Para que tanto sofrimento se o
fim é certo? (SANTANA, 2010, p. 193). Esses questionamentos nos remetem a ideia de
“náusea” que esse filósofo se referente a impotência diante da morte. Ainda que esta aconteça

12
decorrente da constatação de uma doença em estado avançado e terminal, Sartre (1997, p. 671)
não parece concordar com a possibilidade de abreviação da vida diante dessas dificuldades:
“não sou livre para morrer, mas sou livre para ser imortal”. Tal afirmação deve servir de
reflexão não para aceitar a morte como um fim último e sim como uma reflexão da sua vida, da
qualidade desta, das suas ações diante da sociedade. Estas reflexões se referem ao indivíduo
enquanto detém suas faculdades mentais e sua saúde em situações positivas, pois são reflexões
que podem ocasionar algumas mudanças de comportamentos e direcionamentos do indivíduo.
Porém, e quando essa reflexão parte de uma situação que envolvam as doenças ou
acidentes graves que ocasionam sequelas mentais e físicas, que geram sofrimento ao paciente
tornado a possibilidade de morte uma alternativa para abreviar todo o sofrimento e lesões que
limitam o paciente?
Existe aqui uma delicada discussão ética e moral quanto à decisão a ser tomada. Se a
medicina aplicou todos os procedimentos necessários, e esse paciente não apresenta ME, por
outro lado, os danos em cérebro são irreversíveis e suas sequelas permanentes, qual a atitude
correta em relação a esse paciente? Se ele não consegue expressar o seu desejo, já que não tem
consciência, como aplicar os princípios da bioética para este paciente?
Um dos princípios mencionados é a autonomia e, para isso, o paciente não poderia estar
em coma, ser portador do Mal de Alzheimer, por exemplo, pois em quaisquer destes casos, ao
perder a razão, perde também o seu direito de escolher qual o tratamento que lhe traria mais
benefícios, ou mesmo escolher pela extinção de um tratamento e que fatalmente resultaria na
provocação de sua própria morte.
Atualmente existem tratamentos capazes de prolongar a vida do paciente em um tempo
considerável. Mas, manter o coração batendo e a respiração do paciente seria sinônimo de
prolongamento de vida? Ainda que este paciente não se movimente, não se alimente sozinho
ou mesmo seja capaz de emitir qualquer tipo de palavra que indique a sua escolha? E se o único
impedimento desse paciente fosse a ausência de movimento? O fato de estar consciente seria
suficiente para que ele pudesse optar pela interrupção de tratamento? Outro princípio da
bioética diz respeito à Beneficência, este princípio prima pela obrigatoriedade de ação ética por
parte do profissional da saúde de garantir uma maximização do benefício e minimização do
prejuízo. Em outras palavras, é preciso que este profissional tenha a convicção de que o
tratamento que ele está direcionando ao paciente, de fato irá ajudá-lo, até porque, mesmo que
não haja esperanças de cura, os cuidados paliativos trariam a esse paciente a beneficência em
relação ao respeito a sua dignidade, bem como a minimização do sofrimento.

13
Mas nem sempre essa é uma ação tão simples tanto para o profissional quanto para o
paciente. Existem inúmeros empecilhos e questões éticas que não surtirão o efeito desejado. E
isso não depende somente de ações, mas de reações de melhora ou piora em um tratamento e a
forma como o paciente irá se adequar ou não ao tipo de tratamento aplicado. Chega um
momento em que o corpo não reage satisfatoriamente a esse tratamento e o paciente entra em
sofrimento físico e psicológico. São momentos em que outras ações são necessárias e quais
seriam?
Uma possibilidade de abreviar todo esse sofrimento seria através da eutanásia13, mas o
debate em torno desse tema é algo que ainda gera muita polêmica, principalmente porque
envolve valores éticos e religiosos que estão em constante discussão, já que a própria bioética
traduz-se em uma disciplina que está em constante debate. A principal justificativa para quem
defende a eutanásia ou a “boa morte” seria a cessação do sofrimento e da dor.
Para que essa discussão se concretize, é necessário que se defina quais são os tipos de
eutanásia praticada:

A eutanásia voluntária ocorre quando o paciente consentiu em sua


morte. A eutanásia involuntária ocorre quando a morte de um paciente
é acarretada contra a sua vontade. A eutanásia não-voluntária ocorre
quando o paciente não está em posição de indicar o que deseja, por
exemplo quando está inconsciente num coma irreversível.
(HOLLAND, 2008, p. 120)

Considerando o princípio básico da bioética que tornaria viável a prática do suicídio,


um dos princípios em evidência seria o da autonomia. O indivíduo é o árbitro de seu próprio
destino. É ele quem deve refletir sobre a sua condição e suas perspectivas. Porém, há de se fazer
uma ressalva: a falta de sentido para viver não é sinônimo da fase terminal de uma doença. É
lógico e natural que toda pessoa tenha o desejo de sobrevivência inerente ao seu ser, porém, é
também perceptível que ao estar em condições que não produzem mais esse desejo, que o
coloquem em situações extremas de dor e da falta de dignidade, este indivíduo possa optar pela
decisão da terminação da sua vida, obviamente que, para a tomada de uma decisão tão séria,
seriam necessários vários tipos de exames que comprovariam, por exemplo, a sua sanidade
mental.

13
O termo “eutanásia” deriva do grego; literalmente, “boa” morte ou morte “feliz”. (...) Uma definição útil da
eutanásia é: produzir ou acelerar intencionalmente a morte de um paciente em benefício dele mesmo. (HOLLAND.
2008. P. 120)
14
Segundo Stephen Holland (2008, p. 120) “A morte pode ser um benefício para um
paciente quando, por exemplo, está evidente que ele morrerá em breve, tendo sofrido dor física,
tormento mental e indignidade.” Se esta pessoa encontra-se em pleno gozo de suas faculdade
mentais, essa prática não deveria ser considerada “proibida”. Atitudes como essa evitaria o
prolongamento de sofrimento para o paciente, para sua família, assim como limitaria ao hospital
disponibilizar outro tratamento para doentes que não se encontrassem na condição de terminal.
Mas essa prática não encontra respaldo jurídico e tampouco religioso para a sua aplicação.
Há de se considerar aqui, além da dor física, o martírio do tormento mental e a ausência
de dignidade do paciente. A Eutanásia pode significar uma nova chance para o paciente. Porém,
existe a possibilidade do médico tentar manter esse paciente amparado artificialmente por
máquinas, seu juramento hipocrático torna ético ações desse tipo, mesmo após a constatação de
que esse paciente não terá uma evolução ou melhora satisfatória.
Além da eutanásia, há também a manutenção de vida conhecida com o termo médico de
distanásia.14 Nesta situação é perceptível a existência da obstinação terapêutica através de uma
busca incessante de recursos para prolongar a vida do paciente sem que obrigatoriamente isso
aconteça com qualidade de vida para o mesmo. No tocante à família, fica evidente o sentimento
de egoísmo ao não aceitar o curso normal do desgaste da saúde do ente querido. Em uma análise
de cunho moral, tanto a eutanásia quanto a distanásia seriam condenadas quanto à sua aplicação,
pois ambas carregam como laços de união o fato de que interferem o curso natural da morte. A
explicação é simples: enquanto a eutanásia antecipa o resultado como a morte, a distanásia faz
justamente o contrário, prorroga o máximo para que a morte não aconteça, são dois pontos
totalmente opostos. Mas existe uma possibilidade que fica como uma espécie de meio termo.
Dependendo do caso, a morte pode ter um significado muito diferente do senso comum. Esse
significado pode ter a conotação de benefício se o paciente tiver como evidente a proximidade
de morte em tempo breve e conjuntamente com muito sofrimento físico.

Pois o sentido da ação é uma desistência, isto é, a desistência da


realização da continuação do tratamento em casos sem esperança. Não
é efetivada uma morte direta e irreversível. De fato, o paciente é
deixado para entrar naturalmente no processo de morrer.
Eventualmente pode até espontaneamente ter início funções vitais.
(KRESS, 2008, p. 290)

14
De origem grega, significa “morte difícil e penosa”. Noutras palavras, é o uso de tratamentos que se podem
considerar inúteis ou, embora úteis, desproporcionalmente incômodos para o resultado que deles se espera.
15
Existe ainda uma maneira de superar a morte e que rejeita a significação de morte infeliz,
ou seja, o meio termo que estamos falando é a ortotanásia, esta preocupa-se com o bem-estar
do paciente, mesmo quando todas as tentativas de cura e de tratamento já não surtem mais
efeito, uma espécie de morte sem dor, com qualidade e carinho, resumindo o pensamento de
PESSINI: “curar às vezes, aliviar frequentemente e confortar sempre”. (2001, p. 93), o cuidar
de um paciente significa respeitar as suas condições, é dar tempo a ele, dar-lhe a atenção que
merece, desenvolver o bem-querer. Segundo a Evangelium Vitae:

Nestas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável,


pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente
um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo,
interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos
semelhantes. (n.65 apud MOSER, 2006, p. 147)

Recentemente a mídia anunciou que a Bélgica foi o primeiro país a aprovar a prática da
eutanásia em crianças sem restrição de idade. Porém, somente poderá ser aplicada em crianças
em estado comprovadamente terminal e que estejam passando por um sofrimento grande, além
disso, há a exigência da autorização dos pais e também dos médicos. Obviamente que essa
prática terá muitas discussões pela frente, tanto da igreja que afirma ser a eutanásia infantil
imoral, quanto dos críticos que argumentam que essas crianças não teriam condição para tomar
uma decisão desse porte.
E se o foco não for o prolongamento da vida e sim proporcionar serenidade na sua
finitude através de tratamentos hospitalares paliativos? Segundo Harmut Kress (2008, p. 327),
considerando pacientes que se encontram em estágios avançados e terminais de câncer, com
doenças neurológicas em estágios avançados, a medicina paliativa não estaria sendo
administrada com o intuito de procurar a cura desses pacientes. Ao contrário, sua ação é a de
tornar esses momentos finais com a atenuação de dores, da assistência sintomática física e
também da preservação da sua dignidade como ser humano. Seria então o sinônimo de
possibilitar uma morte digna ao paciente? Essa mudança de comportamento não está acoplada
isoladamente à equipe médica, mas a um progresso moral da modernidade.
Nesse sentido, “O médico deve ser para o doente o suporte para a esperança e o
conforto.” (PERCIVAL, 1803 apud KRESS, p. 328, 2008). Percival admitia que na ação médica
existia um conflito de valor e objetivo entre a transmissão da esperança e a transmissão da
verdade por parte do profissional da saúde.

16
O tratamento paliativo trouxe ao paciente a possibilidade de voltar a viver em casa, após
um longo e doloroso período de internação hospitalar e, apesar de todos os prognósticos
negativos, o objetivo desse tipo de tratamento é alcançar uma qualidade de vida do paciente,
principalmente em seu ambiente familiar acompanhado de seus familiares. Segundo a
Organização Mundial da Saúde, o tratamento paliativo não tem como objetivo, a aceleração da
morte, tão pouco promete uma cura milagrosa, mas uma espécie de “deixar morrer” com
dignidade e, principalmente, sem a presença de dor. Segundo Ylmar Corrêa Neto:

Ao médico caberá a decisão entre os deveres bioéticos de não


maleficência e justiça, o respeito à autonomia do paciente e a obrigação
de minimizar a resolução do luto dos familiares e amigos. Segurança,
clareza e transparência na transmissão das informações são parte
essencial da solução. (Rev. Bras. Saúde Matern. Infant., Recife, 10
(Supl. 2): S355-S361 dez., 2010, pág. 355)

Um exemplo disso foi divulgado ao mundo através do Facebook, o caso da família de


Swalecliffe, uma pequena cidade no sudeste da Inglaterra que, após lutar durante anos,
presenciarem inúmeras e dolorosas sessões de quimioterapia e radioterapia e perceberem a volta
do câncer de fígado de forma devastadora, a família juntamente com os médicos, decidiram
suspender a internação e as sessões do filho de 11 anos. O pequeno Reece Puddington mostrou-
se feliz com a decisão de interrupção do tratamento. Ele próprio registrou em sua página do
Facebook o que sentiu quando soube da suspensão do tratamento, um post intitulado The
Beginning of the End (O Começo do Fim). Obviamente que essa atitude gerou uma divisão de
opiniões: críticas e mensagens de apoio da sociedade foram postadas em sua rede social.
Longe do sentimento de culpa ou moral, é cada vez mais normal que os próprios médicos
participem de todo o processo, juntamente com o paciente e sua família, para optar ou não de
medidas paliativas que irão proporcionar um final de tratamento que, apesar da morte do
paciente, permitam que esse processo aconteça da forma mais indolor possível.
De acordo com interpretações de Hipócrates, se um médico quando constatasse que o
seu tratamento não resultaria na cura do paciente, ainda assim continuasse a tratá-lo, sua ação
seria interpretada como fracasso desse médico. A partir do século XVIII, teve-se noção de que
mesmo em se tratando de pacientes terminais, estes deveriam ser beneficiados com um
tratamento especial.
O código de ética obriga a relação do profissional com seu paciente, levando-se em
conta principalmente a autonomia deste. É de seu direito receber todas as informações, além de
ter voz ativa nos procedimentos adotados nesse tratamento. A única forma do médico efetuar
17
um procedimento médico sem o devido esclarecimento e consentimento do paciente ou
responsável deste, seria no caso de situações de perigo iminente de sobrevivência do paciente.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfim, lidar com a vida humana ou com a sua morte não é algo que a ciência, a filosofia,
a teologia ou mesmo a bioética consigam resolver por completo. Grande parte das questões
bioéticas colocam em evidência o sentido e o valor do sofrimento. No mundo religioso esse
sofrimento deveria ser considerado um bem que o paciente deveria aceitar. Seria esse
sofrimento uma forma de purificar a alma? Ou será que o sofrimento deveria ser um mal a ser
evitado?
A vida deve ser considerada de forma particular, não há como analisar uma situação
levando-se em consideração o geral. Todo e qualquer indivíduo é portador de dignidade e negar
tal dignidade seria o mesmo que reduzí-la à coisa, o que violaria a própria característica da
natureza humana.
Assim, sua dignidade depende exclusivamente da sua condição de “ser humano” e como
tal, passível de tratametos dignos que lhe proporcionem conforto, carinho e perspectivas de
poder viver e desfrutar da melhor forma possível o seu momento presente e até mesmo o seu
futuro quando se considerar o processo de envelhecimento e da própria morte.
A mudança das formas tradicionais de como agir e de decisão utilizadas pelos
profissionais de Medicina tornou-se um desafio para a ética contemporânea. Foi preciso tornar
viável um padrão moral capaz encontrar soluções decorrentes dos conflitos entre as ciências
biomédicas e as tecnologias utilizadas na sáude do paciente, através de condutas focadas nos
valores e princípios morais. Segundo MOSER (2006): “É legítimo morrer dignamente. O que
não é legítimo é antecipar ou retardar o processo de morte.” Tal afirmação torna evidente a total
aprovação quanto à prática da eutanásia e também da distanásia.
Por outro lado, o constante avanço das ciências e tecnologias não foi acompanhado pelo
esclarecimento e certeza acerca da aplicação de procedimentos que obedeçam a esses valores
mencionados. Daí a importância para que se tenha, junto com o progresso científico e
tecnológico, o desenvolvimento ético e que vem justificar a necessidade do surgimento da
bioética para concorrer à altura dos constantes desafios dos tempos atuais, elevando os padrões
morais em direção da construção de uma verdadeira ética da vida.

18
9. REFERÊNCIAS

DALL’AGNOL, D. Bioética. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005.

DURANT, G. A bioética: natureza, princípios objetivos. Tradução de Porphirio Figueira de


Aguiar Netto. São Paulo: Paulus, 1995.

HOLLAND, S. Bioética: enfoque filosófico. Tradução de Luciana Pudenzi. São Paulo: Loyola,
2008.

KIERKEGAARD, S. O Desespero Humano: Doença até a morte. Trad. Adolfo Casais


Monteiro. P. 187 a 279 da coleção Os Pensadores. Rio de Janeiro: Abril Cultural, 1988.
Disponível em: <http://www.ufsj.edu.br/revistaestudosfilosoficos > Acessado em 15/12/2013.

KRESS, H. Ética médica. Tradução de Hedda Malina. São Paulo: Loyola, 2008.

LEPARGNEUR, H. Bioética: novo conceito a caminho do consenso. 2ª ed.,São Paulo: Loyola,


2004.

MOSER, A; SOARES, A. M. M. Bioética: do consenso ao bom senso. Petrópolis, RJ: Vozes,


2006.

PESSINI, L. Distanásia: até quando prolongar a vida? São Paulo: Centro Universitário São
Camilo; São Paulo: Loyola, 2001.

SARTRE, Jean-Paul. O ser e o nada: ensaio de ontologia fenomenológica. Tradução de Paulo


Perdigão. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.

SCRECCIA, E. Manual de bioética II: aspectos médicos- sociais. Tradução de Orlando Soares
Moreira. São Paulo: Loyola, 1997.

DOENÇA DE ALZEIMER. <http://drauziovarella.com.br/envelhecimento/doenca-de-


alzheimer> acessado em 29/01/2014.

DOENÇA DE PARKINSON. <http://drauziovarella.com.br/envelhecimento/doenca-de-


parkinson> acessado em 29/01/2014.

BÉLGICA aprova a eutanásia para crianças em estado terminal. Jornal Nacional. Rede
Globo, 13/02/214. Disponível em 13/02/214.

CORRÊA NETO, Y. Morte encefálica: cinquenta anos além do coma profundo. Ver. Bras.
Saúde Matern. Infant., Recife, 10 (supl 2) Programa de Doutoramento em Bioética, faculdade
de Medicina, Universidade do Porto – UP. Dez. 2010, pág. 355 - Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/rbsmi/v10s2/13.pdf> acessado em 11/02/2014.

DRAMA: família abre mão de tratamento de menino de 11 anos com câncer terminal.
Rede Record, R7.com. 20/02/2014. Disponível em 20/02/2014.

FERRARI, T. F. Introdução a Bioética. São José do Rio Preto/SP. 26/04/2012 - Disponível


em <http://www.crbiodigital.com.br/portal> acessado em 18/02/2104.
19
SANTANA, Anderson Cunha. Finitude Humana: A perplexidade do homem diante da
morte. 5º encontro de pesquisa na Graduação em Filosofia da UNESP. Vol. 3. Nº 1, 2010. P.
193. – Disponível em: < www.marilia.unesp.br/filogenese> acessado em 09/02/2014.

20

Potrebbero piacerti anche