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INTRODUÇÃO
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Universidade Católica do Salvador – Escola de Serviço Social
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SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES
Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos
20 a 31 de Julho de 2009
Salvador - BA
O trabalho evidência a importância das lésbicas negras com sujeito de direitos, construtoras
de uma sociedade onde haja respeito e garantia de direitos para todas as cidadãs e cidadãos,
potencializando suas histórias de vida como referências para tantas outras mulheres, mulheres
negras, lésbicas negras.
CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE
Como a referida autora Torres (2003) defende, sustentamos a posição que ao constitui-se
pressuposto fundamental a idéia de identidade como uma construção social, é possível superar o
conceito de identidade como fixa e imutável, e destacar o caráter ativo do indivíduo no contexto
sócio-histórico de sua vida. Partimos do pressuposto que para compreender como a identidade se
constrói, precisamos conceitualizá-la em diferentes dimensões como: Identidade pessoal é a
subjetividade, sentimento de quem “eu sou”, idéia de unicidade e particularidade, afinal ela é única,
apesar de não ser essência e nem imutável. Identidade social é um atributo dos indivíduos ou
grupos, construída a partir de elementos históricos, culturais, religiosos, e psicológicos. Identidade
coletiva institui-se na e pela ação, pautada em critérios ao mesmo tempo subjetivos e coletivos,
seria o instrumento que promoveria a solidariedade entre as pessoas ou grupos, que viabilizaria a
disputa política e evidenciaria os antagonismos sociais em que surgem os atores coletivos.
Segundo Castells (1999, p.22), no que diz respeito aos atores sociais, a identidade é o
processo de construção de significado com base em atributos-culturais que se inter-relacionam,
havendo identidades múltiplas. Por haver identidades múltiplas, é nesta pluralidade que se encontra
a fonte de tensão e contradição tanto na auto-representação quanto na ação social. Sendo importante
estabelecer a distinção entre identidade e papéis, de forma mais genérica podemos dizer que
identidades organizam significados, enquanto papéis organizam funções.
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Ao analisar o processo social de construção da identidade, Castells (1999, p.24) chama a
atenção para o fato de que essa produção se dá em um contexto caracterizado por relações de poder,
que podem ser distinguidas em três formas e origens:
Mas, os atores coletivos estão sendo levados a perceber, cada vez mais, e especialmente a
partir do empoderamento de “novos” sujeitos, que, para alcançar a justiça social, precisam
reconhecer que não há posições unitárias e excludentes de vítimas e opressores, que a dominação e
a subordinação são produzidas nas mais diversas relações sociais, que todos os discursos são
lugares de poder passíveis de produzir tanto a opressão quanto a resistência.
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contrapõe ao feminismo eurocentrista, que revela o distanciamento da realidade vivida pela mulher
negra ao negar sua história feita de resistências e de luta, que essa mulher tem sido protagonista na
dinâmica de uma cultura ancestral. O feminismo negro transforma as mulheres em novos sujeitos
políticos. Essa condição faz com que esses sujeitos assumam, a partir do lugar em que estão
inseridos, diversos olhares que desencadeiam processos particulares subjacentes na luta de cada
grupo particular.
Para analisar a identidade de gênero, tomamos por base Scott (1991, p.4), no estudo sobre
gênero como uma categoria social imposta sobre o corpo sexuado. Nesta perspectiva, a cultura no
processo de socialização atribui funções simbólicas e reais inerentes ao ser homem e a ser mulher,
mas, é no interior dos processos e estruturas sociais e psíquicos inconscientes que esses traços são
internalizados, re-elaborados, ressiginificados e transformados em valores e atitudes, atribuindo
assim, posições subjetivas de ser homem e de ser mulher na sociedade.
Sobre a identidade racial da mulher, Carneiro (2002) afirma que a construção histórica da
imagem da negra relacionada ao exótico e à servidão sexual resultou numa estereotipação que ainda
não foi superada. Dessa forma, no imaginário social racista e sexista, a mulher negra ficou destinada
a dar prazer aos homens, especialmente em relações extraconjugais.
Nesse sentido, Hooks (1995, p.469) afirma que as mulheres negras, mais que as brancas,
foram historicamente apresentadas como natureza, como puro corpo e sem mente. As imagens
controladoras acima citadas das mulheres negras têm uma expressão altamente heteronormativa.
Elas fazem parecer que a heterossexualidade das mulheres negras é ainda mais “natural” do que das
brancas. Não se pode negar, que essas imagens têm uma grande responsabilidade na subjetivação de
muitas mulheres negras.
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Foucault (1997) explica que a sexualidade deve ser entendida no contexto social, cultural e
histórico, visto que cada sociedade, em cada época, atribui um significado ao corpo do homem e da
mulher e, a partir daí, define as possibilidades práticas e sexuais desses corpos. A sexualidade é
criada, por um dispositivo e fixada sobre os corpos disciplinados pela norma, modelados por um
desejo sexual que os constitui enquanto indivíduos e lhes designa uma identidade.
A identidade sexual é o conjunto de características sexuais que diferencia cada pessoa das
demais e que se expressa pelas preferências sexuais, sentimentos, ou atitudes em relação ao sexo, da
sua feminilidade ou masculinidade. Que acompanha a orientação sexual do indivíduo que é a
capacidade de cada pessoa ter uma profunda atração, desejo emocional, afetivo, e/ou sexual por
indivíduos de gêneros diferentes ou iguais.
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conseqüentemente, de determinados lugares sociais, de formas de ser e estar no mundo, das relações
interpessoais.
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silêncio seria uma potente ferramenta para tornar invisíveis as diversas violências, como a racial em
suas diferentes formas, responsável pela baixa percepção das pessoas brancas quanto à estrutura de
privilégios raciais em que se movimentam na sociedade.
Na outra face, esse silêncio tem significado um mecanismo que reduz e principalmente
desqualifica a intensa luta política contraposta pelas organizações negras, feministas. Tal luta
contraria as propostas e práticas de aniquilamento dos movimentos anti-racistas, anti-sexista e anti-
lesbofóbico, e contrapõe-se também à disseminação de uma cultura de alguns segmentos da
sociedade, a exemplo das correntes conservadoras do fundamentalismo religioso, dos parlamentares
e dos juristas defensores da heteronormatividade compulsória. Audre Lorde (2006) afirma que a
tomada de consciência desse processo, exige uma mudança de atitude diante da tirania do silêncio,
que subtrai a condição de humanidade destes sujeitos e protagonistas de sua história. Os silêncios
são as ausências de falas, linguagens, expressões por medo ou omissões, de quem se cala diante das
opressões, à espera que algum dia possa falar, ou à espera que outras pessoas falem por elas,
amordaçadas pelo sistema racista, sexista e lesbofóbico.
As palavras, mesmo que ditas das variadas formas, são tentativas de falar as verdades, de
corpos, de desejos, de aproximações significativas que dão forças e ressignificam a vida destas e
tantas mulheres negras, lésbicas negras. A tirania da opressão e da dominação dos corpos e da
sexualidade feminina asfixia e “mata” pelo silêncio, por medo, como uma espécie de imposição
naturalizada.
“... tinha um menino que gostava de tirar sarro com a cara das meninas... um menino, em especial
era um menino branco, bem claro e ele machucou caco de vidro, e colocou dentro do meu pão.
Como eu tinha sempre costume de abrir o pão, e quando eu abrir o pão tinha um monte de caco de
vidro. Se eu tivesse comido fechado, teria gerado um grande estrago em mim e isso gerou uma
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confusão tremenda em casa. Hoje eu não consigo comer o pão sem abrir, até hoje. Mesmo que me
dê fechado eu abro, eu fiquei com esse trauma de infância.” (RESPEITO – 39 anos)
“... me marcou muito foi na minha pré-adolescência... quando fui para o ginásio para uma escola
mais distante do meu bairro. Era uma escola maior com professoras diferentes para cada série, eu
tinha 10 anos de idade. Os meninos que eram de outra sala entraram e fizeram a maior bagunça e
a professora da outra sala entrou dizendo que havia sido nós... e começou a gritar e aquilo me
assustou... Eu sempre tive professoras do bairro amáveis e de repente vejo uma professora gritando
e se descabelando. Fiquei assustada olhando para ela, muitíssimo assustada e como eu sentada na
frente ele falou pra mim “porque você esta me olhando com esse “olho de Exu”. Eu tive uma
educação católica, fazia catequese e quando ela me chamou de “olho de Exu” eu comecei a
chorar... e eu chorava muito porque fui criada ouvindo que Exu era o Diabo, eu chorava, chorava
e olhava para a professora. Simplesmente essa professora saiu da sala e a outra deu as costas e
continuou escrevendo no quadro e eu chorando morrendo de vergonha da pró...” (AMOR – 43
anos)
Nos relatos das entrevistadas podemos levantar suspeitas e questionamentos sobre a vida
escolar, como tais instituições que são responsáveis pelo processo de socialização dos indivíduos
são estruturadas na perspectiva normatizadora e reprodutora da cultura e da ideologia racista.
A autora Gomes (2004) destaca que as relações raciais no Brasil vêm sofrendo mudanças
significativas. As mudanças são frutos de gestos coletivos, onde a sociedade brasileira assume a luta
pela superação do racismo, sexismo e da discriminação racial deve ser incorporada por todos. A
escola enquanto instituição, direito social e dever do Estado, deve atentar-se as concepções raciais
presentes no seu cotidiano e na sociedade, por que não surgiram espontaneamente, nem são meras
transposições de pensamentos. Na escola as concepções raciais sofrem um processo de
retroalimentação, e terminam por legitimar o racismo presente no imaginário social.
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formação de um sujeito específico, por exemplo, as lésbicas negras que vivenciam condições
desfavoráveis expostas nas suas falas de constrangimentos, negação e enfretamentos nas relações
familiares, discriminação nos espaços públicos, situações de violência, de preconceito e
vulnerabilidades.
Entretanto ao observar como são e como vivem os seres humanos, notamos a existência de
outras necessidades que além das citadas, também são fundamentais, como por exemplo, ao corpo e
a livre sexualidade. Sendo assim, os direitos sexuais, também são direitos humanos. A
discriminação e o preconceito contra homossexuais constituem uma das áreas de maiores índices de
violência aos direitos humanos no Brasil. As lésbicas negras entrevistadas destacam os efeitos do
silêncio e da invisibilidade em sua vida através dos sentimentos:
- “porque eu não posso mostrar quem eu sou, ser mulher negra e lésbica...”
- “como um ser de segunda categoria, imagine você não poder assumir sua companheira
publicamente”.
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- “A invisibilidade leva você a não existir, a não fazer o que gosta, de não ter um projeto de vida”.
- “Eu acho que pra você conseguir ter essa visibilidade, você precisa realmente sair desse
armário”.
- “a questão de não ter direitos, de não poder planejar coisa conjuntamente com garantias, por
não ser reconhecido como casal, como a questão da adoção ...”
- “Que devo falar, e denunciar, é tendo a coragem de enfrentar e buscar meus sonhos”.
- “Buscar seus direitos perante a lei, e exigir o reconhecimento. E esse reconhecimento, ele entra
pela questão de políticas públicas. Por que não se tem um cuidado, por exemplo, quando uma
mulher vai para o ginecologista ela fica muito cheia de dedos para colocar que sente, ou vive com
outra mulher”.
Os dados disponíveis no Brasil sobre essa temática são ainda muito escassos os que vêm
apontando para o fato de que as características como silêncio e mistério estejam associadas às
relações afetivas e/ou sexuais entre mulheres, em nossa sociedade. A invisibilidade individual
contribuiria assim para vulnerabilidade individual e coletiva dessas mulheres e para invisibilidade
social, que por sua vez dificultaria o atendimento de suas necessidades por parte de programas e
políticas públicas.
Segundo Lorde (2006) para que o processo de ruptura com o silêncio e a invisibilidade
aconteça, faz-se necessário falar e se posicionar publicamente através das linguagens e ações
reveladas nos discursos das entrevistadas de inserção em diversos segmentos, promovendo a
sensibilização da sociedade para as demandas e lutas das lésbicas negras, e a produção de novas
oportunidades e alternativas de vivenciar a sexualidade. Ao falar do lugar, de sujeito de direitos,
protagonista da sua história, essas mulheres colocam sua cabeça na mira do racismo, do machismo e
da lesbofobia, porém favorece que outras meninas negras possam trilhar melhores caminhos.
Portanto, a visibilidade, a linguagem e ação das lésbicas negras são alternativas que
demonstram sua autonomia sobre seu desejo e corpo, como sujeitos de direitos, porém, ainda é um
direito a ser conquistado, reconhecido e respeitado. Significa ter direito à liberdade sexual, à
autonomia, à integridade e a segurança sexual ao corpo, à privacidade, à equidade e ao prazer
sexual; direito à expressão sexual emocional, à tomada de decisões reprodutivas livres e
responsáveis; direito à informação, a educação sexual integral e à saúde sexual.
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O reconhecimento destas identidades é um desafio que busca revelar a multiplicidade destes
sujeitos e a necessidade de um agir político que leve em conta a autonomia, a contribuição e o valor
para construção de uma sociedade eqüitativa e socialmente justa, que reflita na melhoria de vida das
lésbicas negras de Salvador.
CONSIDERAÇÕES
A produção busca resgatar as histórias de vida de algumas lésbicas negras de Salvador que
ousaram falar e viver o seu desejo, o seu amor, rompendo a heteronormatividade imposta ao corpo e
à sexualidade feminina, transgredindo o espaço determinado para as negras. Elas desconstroem e
ressignificam as possibilidades de resistência e transformação própria e social por sua identidade.
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REFERÊNCIAS
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: editora HELVÉCIA, 2003.
FRANÇA, Joseth Silva. Mulheres lésbicas lutando contra a violência. Monografia do Curso de
Serviço Social da Universidade Federal do Maranhão. 2007.
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GOMES, Nilma Lino. Mulheres negras e educação: trajetórias de vida, histórias de luta. Artigo
Apresentado Simpósio Internacional: O desafio das diferenças. 2004. Disponível em:
http://www.lpp-uerj.net/olped/documentos/ppcor/0225.pdf. Acesso em: 26/05/2009.
HOOKS, Bell. Intelectuais negras. In: Revista Estudos Feministas, Florianópolis, ano 3, n. 2, p.
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perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 2000.
SOS CORPO. Revista Triálogos Feministas: Raça e Democracia. Recife: Ano 3, nº 5, Novembro
de 2005.
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