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SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES

Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos


20 a 31 de Julho de 2009
Salvador - BA
ROMPENDO O SILÊNCIO E A INVISIBILIDADE
LÉSBICAS NEGRAS DE SALVADOR

Geisa Cristina dos Santos1

INTRODUÇÃO

O trabalho consiste em analisar os discursos das lésbicas negras de Salvador que


vivenciaram o processo de ruptura com o silêncio e a invisibilidade. Tendo como objetivos:
identificar nos discursos das lésbicas negras de Salvador a construção e vivência das suas
identidades; investigar os desafios e possibilidades encontradas pelas lésbicas negras como
mecanismos de enfretamento do preconceito, da discriminação e da violência; analisar os discursos
das lésbicas negras que buscam a transformação do silêncio e invisibilidade em linguagem e ação.
Que tais abordagens possam sinalizar o reconhecimento destas identidades, na afirmação da
diversidade e na construção de uma sociedade onde sejam contempladas as diferenças e
singularidades dos indivíduos, na qual se articulem as variáveis de gênero, raça, sexualidade entre
outras, colocando novos e mais complexos desafios para a realização da equidade, da justiça e da
democracia na nossa sociedade. A natureza deste trabalho é teórico empírico, e para a sua
elaboração utilizei a metodologia qualitativa e para coleta dos dados a técnica de história de vida.

A perspectiva adotada no trabalho desenvolver-se a partir das reflexões e análises sobre os


discursos e práticas emergentes do movimento de mulheres negras, pautando-se na corrente do
feminismo negro que critica a teoria feminista branca e afirma a interseccionalidade de gênero, raça,
orientação afetivo-sexual, classe, entre outras, e no reconhecimento das lutas como parte maior para
libertação de todo povo contra toda e qualquer tipo de opressão. Acreditamos no processo de
estabelecimento de novos paradigmas, com diversas demandas, com compromisso coletivo, visando
o fortalecimento, empoderamento e a construção de novos passos de luta contra o sexismo, o
racismo, a homofobia e a lesbofobia.

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Universidade Católica do Salvador – Escola de Serviço Social

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O trabalho evidência a importância das lésbicas negras com sujeito de direitos, construtoras
de uma sociedade onde haja respeito e garantia de direitos para todas as cidadãs e cidadãos,
potencializando suas histórias de vida como referências para tantas outras mulheres, mulheres
negras, lésbicas negras.

CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE

Como a referida autora Torres (2003) defende, sustentamos a posição que ao constitui-se
pressuposto fundamental a idéia de identidade como uma construção social, é possível superar o
conceito de identidade como fixa e imutável, e destacar o caráter ativo do indivíduo no contexto
sócio-histórico de sua vida. Partimos do pressuposto que para compreender como a identidade se
constrói, precisamos conceitualizá-la em diferentes dimensões como: Identidade pessoal é a
subjetividade, sentimento de quem “eu sou”, idéia de unicidade e particularidade, afinal ela é única,
apesar de não ser essência e nem imutável. Identidade social é um atributo dos indivíduos ou
grupos, construída a partir de elementos históricos, culturais, religiosos, e psicológicos. Identidade
coletiva institui-se na e pela ação, pautada em critérios ao mesmo tempo subjetivos e coletivos,
seria o instrumento que promoveria a solidariedade entre as pessoas ou grupos, que viabilizaria a
disputa política e evidenciaria os antagonismos sociais em que surgem os atores coletivos.

Segundo Castells (1999, p.22), no que diz respeito aos atores sociais, a identidade é o
processo de construção de significado com base em atributos-culturais que se inter-relacionam,
havendo identidades múltiplas. Por haver identidades múltiplas, é nesta pluralidade que se encontra
a fonte de tensão e contradição tanto na auto-representação quanto na ação social. Sendo importante
estabelecer a distinção entre identidade e papéis, de forma mais genérica podemos dizer que
identidades organizam significados, enquanto papéis organizam funções.

Devemos considerar em que contexto se apresenta os determinantes simbólicos dessas


identidades, levantando questionamentos sobre: como, a partir de quê, por quem, para que esse
processo de sociabilidade acontece. Faz-se necessário também reconhecer que tais determinantes
são definidos por normas estruturadas pelas organizações e instituições dominantes na sociedade.
Conforme Castells (1999, p.24) relacionado à dinâmica de identidades, do ponto de vista da teoria,
o ser humano não é predeterminado de forma mecânica, mas está sendo, na perspectiva de um ser
em processo de construção, desconstrução e reconstrução das suas referências sociais.

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Ao analisar o processo social de construção da identidade, Castells (1999, p.24) chama a
atenção para o fato de que essa produção se dá em um contexto caracterizado por relações de poder,
que podem ser distinguidas em três formas e origens:

• A primeira trata-se de uma identidade legitimadora, elaborada pelas organizações e


instituições dominantes da sociedade, a fim de estender e racionalizar a sua dominação sobre
os atores sociais. Tais estruturas de dominação são internalizadas e legitimadas socialmente
constituindo uma identidade imposta, padronizada e não-diferenciada, a exemplo da
heteronormatividade branca católica européia.
• A segunda é a identidade de resistência, produzida pelos atores sociais que se encontram em
posição ou condição desvalorizada ou até mesmo estigmatizada pela lógica dominante,
construindo alternativas de resistência e sobrevivência. São demonstradas pelas formas de
resistência coletiva diante da opressão, em confronto ao fundamentalismo religioso e em
uma atitude defensiva diante das instituições e ideologias dominantes;
• A terceira, o autor refere-se como identidade-projeto, quando os atores sociais, com base no
material cultural a sua disposição, constrói uma nova identidade que se reflete na redefinição
de sua posição na sociedade e, conseqüentemente, transforma o conjunto da estrutura social.
Consiste em um projeto de vida diferente, talvez com base em uma identidade oprimida,
porém expandido-se no sentido de transformação da sociedade.

Mas, os atores coletivos estão sendo levados a perceber, cada vez mais, e especialmente a
partir do empoderamento de “novos” sujeitos, que, para alcançar a justiça social, precisam
reconhecer que não há posições unitárias e excludentes de vítimas e opressores, que a dominação e
a subordinação são produzidas nas mais diversas relações sociais, que todos os discursos são
lugares de poder passíveis de produzir tanto a opressão quanto a resistência.

CATEGORIAS DE ANÁLISE: GÊNERO, RAÇA E SEXUALIDADE

Numa sociedade racista, sexista e lesbofóbica marcada por desigualdades sociais,


encontramos discursos feministas, a exemplo de Carneiro (2003, p.3) que utiliza a expressão
enegrecendo o feminismo no Brasil, afirmando e visibilizando a perspectiva feminista negra que
emerge da condição específica de ser mulher, negra na luta anti-racista no país. Essa perspectiva

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contrapõe ao feminismo eurocentrista, que revela o distanciamento da realidade vivida pela mulher
negra ao negar sua história feita de resistências e de luta, que essa mulher tem sido protagonista na
dinâmica de uma cultura ancestral. O feminismo negro transforma as mulheres em novos sujeitos
políticos. Essa condição faz com que esses sujeitos assumam, a partir do lugar em que estão
inseridos, diversos olhares que desencadeiam processos particulares subjacentes na luta de cada
grupo particular.

Para analisar a identidade de gênero, tomamos por base Scott (1991, p.4), no estudo sobre
gênero como uma categoria social imposta sobre o corpo sexuado. Nesta perspectiva, a cultura no
processo de socialização atribui funções simbólicas e reais inerentes ao ser homem e a ser mulher,
mas, é no interior dos processos e estruturas sociais e psíquicos inconscientes que esses traços são
internalizados, re-elaborados, ressiginificados e transformados em valores e atitudes, atribuindo
assim, posições subjetivas de ser homem e de ser mulher na sociedade.

Sobre a identidade racial da mulher, Carneiro (2002) afirma que a construção histórica da
imagem da negra relacionada ao exótico e à servidão sexual resultou numa estereotipação que ainda
não foi superada. Dessa forma, no imaginário social racista e sexista, a mulher negra ficou destinada
a dar prazer aos homens, especialmente em relações extraconjugais.

Nesse sentido, Hooks (1995, p.469) afirma que as mulheres negras, mais que as brancas,
foram historicamente apresentadas como natureza, como puro corpo e sem mente. As imagens
controladoras acima citadas das mulheres negras têm uma expressão altamente heteronormativa.
Elas fazem parecer que a heterossexualidade das mulheres negras é ainda mais “natural” do que das
brancas. Não se pode negar, que essas imagens têm uma grande responsabilidade na subjetivação de
muitas mulheres negras.

O estudo de diversos autores e autoras, no entanto, demonstra que é exatamente o


preconceito camuflado, mascarado que impede a tomada de medidas eficazes para o seu combate,
permitindo assim, o racismo institucionalizado nas diversas esferas da vida social, de modo a
encobrir as violências, as discriminações e as desigualdades sociais existentes entre os segmentos
brancos e negros da população. E, quando falamos das lésbicas negras o peso predomina,
produzindo reflexos negativos, especialmente no que diz respeito à tripla opressão vivenciada pela
condição de ser mulher, negra e lésbica.

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Foucault (1997) explica que a sexualidade deve ser entendida no contexto social, cultural e
histórico, visto que cada sociedade, em cada época, atribui um significado ao corpo do homem e da
mulher e, a partir daí, define as possibilidades práticas e sexuais desses corpos. A sexualidade é
criada, por um dispositivo e fixada sobre os corpos disciplinados pela norma, modelados por um
desejo sexual que os constitui enquanto indivíduos e lhes designa uma identidade.

A identidade sexual é o conjunto de características sexuais que diferencia cada pessoa das
demais e que se expressa pelas preferências sexuais, sentimentos, ou atitudes em relação ao sexo, da
sua feminilidade ou masculinidade. Que acompanha a orientação sexual do indivíduo que é a
capacidade de cada pessoa ter uma profunda atração, desejo emocional, afetivo, e/ou sexual por
indivíduos de gêneros diferentes ou iguais.

De acordo com documento “Construindo a equidade”, organizado por Jurema Werneck


(2007), ser lésbica negra significa abarcar a complexidade de singularidade e pluralidade da sua
identidade, uma vez que são diferentes umas das outras. Ainda assim, classificadas pelo processo
identitário do grupo de pertença, temos em comum fortes marcas decorrentes da existência do
racismo que cria um conceito e uma hierarquia de raça. E onde o que representamos como negra, é
considerado inferior, discriminado e desqualificado. E há também a marca da desqualificação do
sexo feminino estabelecido pelo sexismo, que traz também a noção de heterossexualidade
compulsória, condenando comportamentos sexuais diferentes. O que pode provocar outras formas
de violência e discriminação que, quando voltadas para mulheres homossexuais, são denominadas
lesbofobia.

INTERSECÇÃO DAS IDENTIDADES

As categorias de análise como gênero, raça/etnia e orientação afetivo-sexual são tomadas


aqui como dimensões que integram a identidade pessoal de cada indivíduo, embora originadas,
afetadas e transformadas pelo modo como os valores sociais, sistematizados em códigos culturais,
que organizam a vida coletiva de um dado momento histórico, nas diversas fases da vida e nos
diferentes grupos sociais. Só é possível compreender o verdadeiro sentido da noção das
diversidades para respeitá-las, reconhecendo que os ideais, as orientações, enfim, as identidades
existem e são plurais. A intersecção é responsável pela formação de um sujeito específico e,

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conseqüentemente, de determinados lugares sociais, de formas de ser e estar no mundo, das relações
interpessoais.

O termo interseccionalidade utilizado por Werneck (2007) trata-se de um conceito que


afirma a coexistência de diferentes fatores (vulnerabilidades, violências, discriminações), também
chamados de eixos de subordinação, que acontecem de modo simultâneo na vida das pessoas. Desse
modo, é um conceito que ajuda a compreender a complexidade da situação de indivíduos e grupos,
como também a desenhar soluções mais adequadas para diversidade de indivíduos.

Seguindo essa perspectiva, é possível pesquisar e dar visibilidade à existência ou não de


desvantagens produzidas pela sociedade desigual sobre as pessoas. No caso das mulheres negras,
lésbicas, estas desvantagens podem ser resultantes das discriminações de raça/ ser negra; de gênero/
ser do sexo feminino; de classe social/ ser pobre, de moradia/ residir em favelas ou em áreas rurais
afastadas; de idade/ ser jovem ou idosa. E podem- se somar à orientação sexual/ ser lésbica a
presença de deficiência ou não, e muito mais.

A utilização da concepção de interseccionalidade permite compreender e enfrentar de forma


mais precisa a articulação entre as questões de gênero, raça, orientação afetivo-sexual entre outras,
uma vez que, tal compreensão supõe que estes não se desenvolvem de modo isolado nem afastam
outros fatores passíveis de produzir desigualdade e injustiça na vida cotidiana das pessoas. E mais, a
presença concomitante de outros fatores potencializa os efeitos dos demais, bem como oferece as
condições necessárias para que outras violações de direitos ou de criação de privilégios e
desigualdades se instalem.

Quando falamos de interseccionalidade, estamos nos referindo à forma como a constituição


da subjetividade e da identidade do sujeito, nas diversas categorias como raça, classe, gênero,
religião, idade, orientação sexual, dentre outras, se cruzam produzindo formas particulares de
opressão ou privilégio.

PROCESSO DE RUPTURA DO SILÊNCIO E DA INVISIBILIDADE

De acordo com os escritos de Audre Lorde (2006), a afirmação do silêncio constitui-se um


mecanismo de fundamental manutenção e propagação do racismo, sexismo e da lesbofobia. O

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silêncio seria uma potente ferramenta para tornar invisíveis as diversas violências, como a racial em
suas diferentes formas, responsável pela baixa percepção das pessoas brancas quanto à estrutura de
privilégios raciais em que se movimentam na sociedade.

Na outra face, esse silêncio tem significado um mecanismo que reduz e principalmente
desqualifica a intensa luta política contraposta pelas organizações negras, feministas. Tal luta
contraria as propostas e práticas de aniquilamento dos movimentos anti-racistas, anti-sexista e anti-
lesbofóbico, e contrapõe-se também à disseminação de uma cultura de alguns segmentos da
sociedade, a exemplo das correntes conservadoras do fundamentalismo religioso, dos parlamentares
e dos juristas defensores da heteronormatividade compulsória. Audre Lorde (2006) afirma que a
tomada de consciência desse processo, exige uma mudança de atitude diante da tirania do silêncio,
que subtrai a condição de humanidade destes sujeitos e protagonistas de sua história. Os silêncios
são as ausências de falas, linguagens, expressões por medo ou omissões, de quem se cala diante das
opressões, à espera que algum dia possa falar, ou à espera que outras pessoas falem por elas,
amordaçadas pelo sistema racista, sexista e lesbofóbico.

As palavras, mesmo que ditas das variadas formas, são tentativas de falar as verdades, de
corpos, de desejos, de aproximações significativas que dão forças e ressignificam a vida destas e
tantas mulheres negras, lésbicas negras. A tirania da opressão e da dominação dos corpos e da
sexualidade feminina asfixia e “mata” pelo silêncio, por medo, como uma espécie de imposição
naturalizada.

VIVÊNCIAS DA IDENTIDADE E SEUS ENFRENTAMENTOS

Em relação às recordações da infância e da adolescência que marcaram a vida das


entrevistadas no processo de construção da identidade de gênero e racial, elas destacaram algumas
lembranças presentes em sua memória no processo de socialização da vida escolar:

“... tinha um menino que gostava de tirar sarro com a cara das meninas... um menino, em especial
era um menino branco, bem claro e ele machucou caco de vidro, e colocou dentro do meu pão.
Como eu tinha sempre costume de abrir o pão, e quando eu abrir o pão tinha um monte de caco de
vidro. Se eu tivesse comido fechado, teria gerado um grande estrago em mim e isso gerou uma

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confusão tremenda em casa. Hoje eu não consigo comer o pão sem abrir, até hoje. Mesmo que me
dê fechado eu abro, eu fiquei com esse trauma de infância.” (RESPEITO – 39 anos)

Respeito apresenta essa vivência percebida como o racismo institucionalizado na vida


escolar, e reproduzido pelos sujeitos responsáveis pela transmissão dos saberes, valores e costumes,
como Carneiro (2002) lembra a construção histórica cultural da imagem da negra/o relacionado aos
estereótipos, de representação negativa e inferiorizada.

“... me marcou muito foi na minha pré-adolescência... quando fui para o ginásio para uma escola
mais distante do meu bairro. Era uma escola maior com professoras diferentes para cada série, eu
tinha 10 anos de idade. Os meninos que eram de outra sala entraram e fizeram a maior bagunça e
a professora da outra sala entrou dizendo que havia sido nós... e começou a gritar e aquilo me
assustou... Eu sempre tive professoras do bairro amáveis e de repente vejo uma professora gritando
e se descabelando. Fiquei assustada olhando para ela, muitíssimo assustada e como eu sentada na
frente ele falou pra mim “porque você esta me olhando com esse “olho de Exu”. Eu tive uma
educação católica, fazia catequese e quando ela me chamou de “olho de Exu” eu comecei a
chorar... e eu chorava muito porque fui criada ouvindo que Exu era o Diabo, eu chorava, chorava
e olhava para a professora. Simplesmente essa professora saiu da sala e a outra deu as costas e
continuou escrevendo no quadro e eu chorando morrendo de vergonha da pró...” (AMOR – 43
anos)

Nos relatos das entrevistadas podemos levantar suspeitas e questionamentos sobre a vida
escolar, como tais instituições que são responsáveis pelo processo de socialização dos indivíduos
são estruturadas na perspectiva normatizadora e reprodutora da cultura e da ideologia racista.

A autora Gomes (2004) destaca que as relações raciais no Brasil vêm sofrendo mudanças
significativas. As mudanças são frutos de gestos coletivos, onde a sociedade brasileira assume a luta
pela superação do racismo, sexismo e da discriminação racial deve ser incorporada por todos. A
escola enquanto instituição, direito social e dever do Estado, deve atentar-se as concepções raciais
presentes no seu cotidiano e na sociedade, por que não surgiram espontaneamente, nem são meras
transposições de pensamentos. Na escola as concepções raciais sofrem um processo de
retroalimentação, e terminam por legitimar o racismo presente no imaginário social.

As concepções de Werneck (2007) explicam como a combinação de variados aspectos na


construção da identidade de gênero, racial e de orientação afetivo-sexual é responsável pela

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formação de um sujeito específico, por exemplo, as lésbicas negras que vivenciam condições
desfavoráveis expostas nas suas falas de constrangimentos, negação e enfretamentos nas relações
familiares, discriminação nos espaços públicos, situações de violência, de preconceito e
vulnerabilidades.

A partir de Bairros (1995, p.461) pensar a condição da construção da identidade de ser


mulher, ser lésbica, ser negra traz a reconfiguração mútua que deve ser entendida em sua
multidimensionalidade, com o ponto de vista feminista, portanto, não existe uma identidade única,
pois a experiência de ser mulher se dá de forma social e historicamente determinada, o que envolve
outras dimensões da vida.

Nas histórias de vida podemos examinar a percepção dessas mulheres relacionada à


condição das suas identidades, de ser mulher, ser negra, ser lésbica, nos depoimentos: “Acho que é
uma experiência fugida”; “ Viver na sociedade é uma dificuldade permanente todo dia”; “ Não
por ser acumulativa... por que desse lugar de mulher negra lésbica vivo de uma forma diferente as
experiências de gênero e raciais”; “Por que a condição racial, gênero é condicionada pelo que a
sociedade impõe pelo racismo que faz a experiência de gênero diferente. A gente tem muita
experiência, a gente convive com as mulheres negras a partir da questão de gênero, das
desigualdades. A experiência de ser negra tem um diferencial enorme”.

Entretanto ao observar como são e como vivem os seres humanos, notamos a existência de
outras necessidades que além das citadas, também são fundamentais, como por exemplo, ao corpo e
a livre sexualidade. Sendo assim, os direitos sexuais, também são direitos humanos. A
discriminação e o preconceito contra homossexuais constituem uma das áreas de maiores índices de
violência aos direitos humanos no Brasil. As lésbicas negras entrevistadas destacam os efeitos do
silêncio e da invisibilidade em sua vida através dos sentimentos:

- “negação... quando eu fico em silêncio e me invisibilizo, eu não existo...”

- “porque eu não posso mostrar quem eu sou, ser mulher negra e lésbica...”

- “... quanto mais você silencia, você está negando a si próprio”.

- “como um ser de segunda categoria, imagine você não poder assumir sua companheira
publicamente”.

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- “A invisibilidade leva você a não existir, a não fazer o que gosta, de não ter um projeto de vida”.

- “Eu acho que pra você conseguir ter essa visibilidade, você precisa realmente sair desse
armário”.

- “a questão de não ter direitos, de não poder planejar coisa conjuntamente com garantias, por
não ser reconhecido como casal, como a questão da adoção ...”

- “Que devo falar, e denunciar, é tendo a coragem de enfrentar e buscar meus sonhos”.

- “Buscar seus direitos perante a lei, e exigir o reconhecimento. E esse reconhecimento, ele entra
pela questão de políticas públicas. Por que não se tem um cuidado, por exemplo, quando uma
mulher vai para o ginecologista ela fica muito cheia de dedos para colocar que sente, ou vive com
outra mulher”.

Os dados disponíveis no Brasil sobre essa temática são ainda muito escassos os que vêm
apontando para o fato de que as características como silêncio e mistério estejam associadas às
relações afetivas e/ou sexuais entre mulheres, em nossa sociedade. A invisibilidade individual
contribuiria assim para vulnerabilidade individual e coletiva dessas mulheres e para invisibilidade
social, que por sua vez dificultaria o atendimento de suas necessidades por parte de programas e
políticas públicas.

Segundo Lorde (2006) para que o processo de ruptura com o silêncio e a invisibilidade
aconteça, faz-se necessário falar e se posicionar publicamente através das linguagens e ações
reveladas nos discursos das entrevistadas de inserção em diversos segmentos, promovendo a
sensibilização da sociedade para as demandas e lutas das lésbicas negras, e a produção de novas
oportunidades e alternativas de vivenciar a sexualidade. Ao falar do lugar, de sujeito de direitos,
protagonista da sua história, essas mulheres colocam sua cabeça na mira do racismo, do machismo e
da lesbofobia, porém favorece que outras meninas negras possam trilhar melhores caminhos.

Portanto, a visibilidade, a linguagem e ação das lésbicas negras são alternativas que
demonstram sua autonomia sobre seu desejo e corpo, como sujeitos de direitos, porém, ainda é um
direito a ser conquistado, reconhecido e respeitado. Significa ter direito à liberdade sexual, à
autonomia, à integridade e a segurança sexual ao corpo, à privacidade, à equidade e ao prazer
sexual; direito à expressão sexual emocional, à tomada de decisões reprodutivas livres e
responsáveis; direito à informação, a educação sexual integral e à saúde sexual.

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O reconhecimento destas identidades é um desafio que busca revelar a multiplicidade destes
sujeitos e a necessidade de um agir político que leve em conta a autonomia, a contribuição e o valor
para construção de uma sociedade eqüitativa e socialmente justa, que reflita na melhoria de vida das
lésbicas negras de Salvador.

CONSIDERAÇÕES

A produção busca resgatar as histórias de vida de algumas lésbicas negras de Salvador que
ousaram falar e viver o seu desejo, o seu amor, rompendo a heteronormatividade imposta ao corpo e
à sexualidade feminina, transgredindo o espaço determinado para as negras. Elas desconstroem e
ressignificam as possibilidades de resistência e transformação própria e social por sua identidade.

As experiências relatadas pelas entrevistadas envolvidas na pesquisa refletem a construção


de sua identidade a partir do engajamento na luta contra o racismo, o sexismo, a lesbofobia e o
heterossexismo nos diversos lugares que elas estão inseridas na perspectiva de visibilidade deste
sujeito. Que o ato de assumir-se tem dimensões pessoais e políticas, e demonstram sua existência e
demandas como passos na conquista de direitos e respeito. O reconhecimento e aceitação do eu
promove o sentimento de pertença como seres humanos, sujeitos de direitos, estimulando o
fortalecimento da auto-estima, da valorização, da liberdade e da autonomia.

Os discursos e ações das lésbicas negras demonstram o reconhecimento e afirmação destas,


e o enfrentamento à ordem vigente da sociedade machista, racista, sexista e lesbofóbica. Estas
condições favorecem o fortalecimento da sua identidade na perspectiva de melhoria de vida
elevando seu patamar de emancipação e empoderamento, através de sua participação, elaboração e
articulação de políticas públicas e na atuação nos diversos movimentos sociais.

Quando falamos de direitos estamos afirmando o exercício da cidadania de cada pessoa,


onde todos estejam envolvidos, a comunidade, as famílias, as instituições e o Estado na promoção,
respeito e legitimação à diversidade de orientação afetivo-sexual, no âmbito dos direitos sexuais que
são direitos humanos baseados na liberdade, dignidade, equidade e igualdade para todos. Para
assegurarmos os direitos destes seres humanos, faz-se necessário que a sociedade desenvolva um
novo projeto societário de garantias, vinculados aos princípios dos direitos humanos, concretizados
em usufruto dos direitos sociais e econômicos de enfrentamento dos padrões vigentes de controle
sexual e econômico.

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