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A Teoria da Imputação Objetiva foi inicialmente desenvolvida, dentro do Direito Civil, por Karl
Larenz, em 1927, inspirado no pensamento do filósofo alemão Hegel (1770-1831), visando delimitar
os limites entre os acontecimentos acidentais e os dominados pela vontade do agente. Na esfera
penal, Richard M. Honig, em 1930, foi o primeiro a apresentar um ensaio sobre a causalidade e
imputação objetiva, sustentando que a causalidade só é relevante quando previsível e dominável
pela vontade humana. Modernamente, Claus Roxin, a partir de 1962, retomou os estudos da
aludida teoria publicando o trabalho Contrariedade ao dever e resultado nos delitos culposos. Em
1970, Roxin publicou a obra Reflexões sobre a problemática da imputação em direito penal.
Vimos que, de acordo com o procedimento hipotético de eliminação de Thyrén, a conduta só
é causa do resultado, quando, suprimindo-a mentalmente, este não teria ocorrido como ocorreu.
Ressaltamos também que o regressus ad infinitum, que esse método de eliminação poderia gerar, é
contido pela causalidade psíquica (dolo e culpa). Assim, o dolo e a culpa restringem a incidência do
nexo causal entre a conduta e o resultado, colorindo a causalidade física de um conteúdo jurídico.
A Teoria da Imputação Objetiva, a nosso ver, tem o mérito de ser um novo filtro ao liame
entre a conduta e o resultado. Assim, de acordo com essa teoria, não basta, para que se reconheça
o nexo causal, o primeiro filtro da causalidade física, apurada pelo critério de eliminação hipotética,
nem o segundo filtro consubstanciado no dolo ou culpa; urge ainda que o agente, com sua conduta,
tenha criado, para o bem jurídico, um risco acima do permitido. A verificação do nexo causal, após
passar pelos filtros da eliminação hipotética e da causalidade psíquica, depende ainda de a conduta
do agente ter incrementado um risco para o bem jurídico. Exemplo: “A” induz o tio a passear no
bosque, num dia de chuva, na esperança de que um raio o atinja. Na hipótese de o raio atingí-lo, o
agente responde por homicídio? Pela teoria da conditio sine qua non, o agente causou o resultado,
pois, suprimindo mentalmente a sua conduta, a morte não teria ocorrido. E, como agiu com dolo,
responderia por homicídio doloso. A teoria da imputação objetiva exclui o nexo causal, impedindo a
responsabilidade penal do agente, porque o risco por ele criado não é contrário ao Direito.
A doutrina divide a imputação objetiva em duas escolas. A Escola de Munique, liderada por
Roxin, e a Escola de Bonn, de Jakobs. O pensamento de Roxin vem conquistando maior número de
adeptos.
Grosso modo, a imputação objetiva, na visão de Roxin, depende de três requisitos:
a) de a conduta criar para o bem jurídico um risco socialmente inadequado, isto é, acima do
permitido;
b) de se atribuir a ocorrência do resultado a esse perigo criado pela conduta.
c) que o resultado esteja compreendido no âmbito de alcance do tipo.
A tipificação dos crimes materiais depende desses três requisitos. Quanto aos crimes formais
e de mera conduta, para se caracterizarem, basta o primeiro requisito, dispensando-se os dois
últimos, porquanto são destituídos de resultado naturalístico
A Teoria da Imputação Objetiva visa restringir a incidência do nexo causal e não propriamente
imputar a conduta típica ao agente. Trata-se, conforme já salientamos, de mais uma limitação à
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questão da causalidade, através de critérios normativos que se coadunam com a própria função do
Direito Penal, que deve limitar-se a reprimir as ações que criam para o bem jurídico um risco
desaprovado, que evolui para a produção de um resultado que poderia ser evitado.
Discute-se, na doutrina, se a teoria da imputação objetiva deve ser aplicada, tão-somente, aos
crimes materiais (de conduta e resultado), ou se também deve ser estendida aos delitos formais e
de mera conduta. Inicialmente, a aludida teoria era aplicada tão-somente aos crimes de resultado
naturalístico, mas atualmente há uma tendência a estendê-la a todos os delitos, sejam eles
materiais, formais, de mera conduta, culposos, dolosos, comissivos ou omissivos.
Quanto à natureza jurídica da imputação objetiva, também há divergência. Para uns é causa
de exclusão da tipicidade; para outros, exclui a antijuridicidade. A meu ver, quanto aos crimes
materiais, de perigo concreto e omissivo impróprio. A nosso ver, a matéria está situada no tema do
nexo causal. Assim, quando não há imputação objetiva exclui-se o nexo causal, de modo que a
conduta passa a ser atípica. Referentemente aos delitos formais, de mera conduta e omissivos
próprios, a teoria da imputação objetiva situa-se no plano da conduta, de modo que sem imputação
objetiva não há conduta.
De acordo com a aludida teoria, exclui-se a imputação nas seguintes hipóteses:
Em primeiro lugar, não se deve imputar o resultado ao agente que realizou a conduta com o
intuito de diminuir o risco para o bem jurídico. Com efeito, seria incoerente vislumbrar a presença
do injusto na conduta realizada para proteger o bem jurídico. Como esclarece Juarez Tavares,
embora o agente tenha provocado uma lesão ou um perigo de lesão ao bem jurídico, não lhe será
imputado tal resultado de dano ou de perigo, se a sua conduta consistiu numa alteração do
processo causal em marcha, de modo a tornar menor essa lesão ou menor a possibilidade de
ocorrência do perigo. Por exemplo, “A” afasta com um forte empurrão o revólver de “B”, fazendo
com que atinja o ombro de “C”, mas impedindo que alcançasse sua cabeça. Embora o empurrão de
“A” seja causal para a lesão no ombro de “C”, não lhe será imputada tal lesão porque, com sua
conduta, “A”, na verdade, diminuiu o risco de uma lesão maior do bem jurídico, que seria a morte
de “C”. Como adverte Roxin, a justificativa para a adoção desse critério reside em que, ao agir para
minorar as consequências de um ato em si lesivo, o agente atuou no sentido da finalidade de
proteção da norma e não contra ela. Outro exemplo consiste na intervenção cirúrgica para salvar a
vida do doente, causando-lhe um mal menor. Deve ainda ser lembrada a hipótese de o agente
empurrar um deficiente físico, causando-lhe lesões corporais, evitando, porém, que ele seja
atropelado por um carro. Note-se que, nos exemplos ministrados, não há propriamente estado de
necessidade, tendo em vista que esta excludente pressupõe dois bens jurídicos em conflito,
devendo um ser sacrificado para preservar o outro. O estado de necessidade, que exclui apenas a
antijuridicidade, ocorre quando a ação de diminuição de risco refere-se a bens jurídicos de
titularidades diferentes. No caso de a ação diminuidora do risco atingir bem jurídico pertencente à
mesma pessoa, a hipótese é de exclusão da tipicidade, nos moldes da teoria da imputação objetiva.
Por outro lado, haverá imputação objetiva quando o agente, interferindo no processo causal em
marcha, inaugura um novo processo causal, não para diminuir o risco, mas para a realização de
outro resultado, igualmente criminoso, mas menos lesivo para a vítima. Exemplo: “A”, sabendo que
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“B” iria ser atacado por “C”, que planejava matá-lo, agride “B”, antes que ele alcance o local da
emboscada. Note-se que a intenção de “A” não foi diminuir o risco, mas causar outro resultado
menor, agindo com intenção criminosa, razão pela qual responde pelo delito. Assim, cumpre não
confundir a conduta que visa a diminuição do risco, cuja finalidade é lícita, com a conduta que visa a
troca do risco por outro igualmente criminoso. Nessa última hipótese, o agente responde pelo
delito.
Em segundo lugar, também não haverá imputação objetiva quando o agente, embora não
tenha diminuído o risco para o bem jurídico, não o tenha aumentado. O aumento do risco só pode
ser atribuído ao agente que tenha a capacidade de domínio do processo causal. Cumpre também
esclarecer que, para aferição do aumento do risco, urge que o agente tenha realizado uma conduta
relevante e desaprovada pela ordem jurídica. Com efeito, não será típica uma conduta que se
encontra dentro da normalidade social. Assim, o sobrinho que manda seu tio para uma viagem de
avião, na esperança de que este caia, não responde pela morte decorrente da queda casual do
avião, não obstante o dolo de matar. Observe-se que estava absolutamente fora do seu domínio a
ocorrência do resultado, que, por isso, deve ser atribuído ao acaso. Se, porém, o agente tiver
ciência de que no avião estará um terrorista, que irá explodi-lo, responderá por homicídio, na
condição de partícipe.
Em terceiro lugar, não haverá imputação objetiva quando o agente atuar dentro dos limites
do risco permitido. Entende-se por risco permitido aqueles perigos que resultam de condutas social
e juridicamente toleradas, relacionados às atividades exigidas pela vida social. Exemplos:
construções de edifícios, funcionamento de fábricas, tráfegos rodoviário, ferroviário e aéreo,
funcionamento de hospitais etc. Nessas situações, não se pode imputar o resultado ao agente, que
observou as regras inerentes a essa atividade. Assim, o dono de uma fábrica, que fornece protetor
auricular aos operários, não responde criminalmente pelas lesões auditivas advindas dos ruídos
excessivos das máquinas. A nosso ver, para solucionar o problema não há necessidade de invocar a
teoria da imputação objetiva, porque a hipótese é de exclusão da culpa. Com efeito, nas atividades
perigosas, mas socialmente aceitas, a culpa só se configura quando o agente ultrapassa os limites
do risco permitido.
Em quarto lugar, não há imputação objetiva quando o risco incrementado pelo agente não
gerar a produção do resultado típico. Exemplo: “A” e “B” combinam um roubo. “A” permanece fora
da residência da vítima, vigiando o local. “B” penetra na residência, rouba a vítima e ainda
aproveita para estuprá-la. “A” não responderá pelo estupro, porque o desvio causal inesperado foi
provocado por “B”. Ora, a nosso ver, o problema é resolvido no filtro da causalidade psíquica
(ausência de dolo), não havendo necessidade de se invocar a teoria da imputação objetiva. É óbvio
que “A” não responderá pelo resultado, pois não agiu com dolo à medida que desconhecia por
completo o propósito de “B” em relação ao estupro. Da mesma forma, exclui-se a imputação
objetiva, quando o resultado teria ocorrido ainda que o agente tivesse agido conforme o direito.
Exemplo: “A”, dirigindo em excesso de velocidade, atropela “B”, causando-lhe a morte. Apura-se
que “B” atirou-se na frente do veículo, visando o suicídio. Apura-se também que a morte ocorreria
ainda que “A” estivesse dirigindo na velocidade adequada. Outro exemplo: O farmacêutico fornece
ao paciente um remédio vencido. Este vem a morrer, em razão da ingestão do medicamento.
Apura-se que a morte ocorreria da mesma forma, ainda que o remédio fosse válido. Nesses dois
exemplos, o agente não responde pelo resultado, porque o risco incrementado não foi a causa do
evento. Ora, nesses exemplos, também não há necessidade de se valer da teoria da imputação
objetiva, porque o agente não procedeu com dolo nem culpa, resolvendo-se o problema no filtro da
causalidade psíquica.
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Em quinto lugar, não haverá imputação objetiva se o resultado, na forma como ocorrido, não
se incluir no alcance do tipo. Assim, exclui-se do alcance do tipo o resultado que é produzido: a) em
razão do perigo assumido voluntariamente pela vítima; b) em razão de uma conduta realizada por
um agente que estava obrigado a enfrentar o perigo.
Com efeito, exclui-se a imputação objetiva nos casos em que o agente contribui para que a
vítima realize conscientemente uma conduta perigosa para si mesma. A imputação do resultado ao
agente violaria a liberdade da vítima, que tem o direito de fazer tudo aquilo que a lei não proíbe. De
acordo com o princípio da auto-responsabilidade, o resultado decorrente de uma ação livre e
inteiramente responsável de alguém não pode ser imputado àquele que tenha fomentado
anteriormente a realização dessa conduta. Argumenta-se que a imputação violaria a liberdade
pessoal. Vejamos alguns exemplos, hauridos do ensinamento de Juarez Tavares:
Exemplo 1: “A” aconselha “B” a dedicar-se ao alpinismo e a escalar a Cordilheira dos Andes.
Por ser “B” ainda inexperiente neste esporte, acaba caindo e morrendo, durante a escalada. De
acordo com a teoria da imputação objetiva, “A” não deve responder pelo resultado, porque a mera
instigação à prática de alpinismo insere-se dentro dos limites do risco permitido, à medida que o
Estado permite o alpinismo, de modo que não pode ser proibido o mero conselho à prática deste
esporte. Trata-se de uma situação de auto-risco, assumida pela própria vítima, que o direito não
pode coibir, porque representaria uma interferência à liberdade pessoal. Convém, porém,
esclarecer que, se “B” jamais tivesse recebido instruções de alpinismo, “A” responderia pelo
resultado, a título de dolo ou culpa, conforme a hipótese, pois a sua conduta representou um
aumento do risco para a vida de “B”.
Exemplo 2: “A” convida “B” a participar de uma corrida noturna (pega) de automóveis. “B”
acaba morrendo, em razão da colisão de seu automóvel contra um caminhão. Os adeptos da teoria
da imputação objetiva sustentam que “A” não deve responder pelo homicídio, embora reconheçam
que a sua ação tenha incrementado o risco de acidente. Argumentam que a legislação brasileira
não prevê como crime nem o suicídio, nem o autoperigo. Quanto ao suicídio, o Código Penal pune
apenas as ações de instigar, induzir e prestar auxílio. No caso, “A” não pode responder pelo delito
de participação e suicídio, porque “B” não tinha a intenção de morrer, de modo que não há falar-se
em suicídio. No que toca ao autoperigo, ensina Juarez Tavares, o Código não prevê a incriminação
dos partícipes. Argumenta-se ainda que, se a lei não incrimina a participação dolosa no autoperigo,
não poderá incriminar a participação nos resultados eventualmente decorrentes dessa ação de
autoperigo. Discordamos dessa solução. A nosso ver, “A” deve responder por homicídio culposo,
porque a sua conduta deu causa à morte de “B”.
Exemplo 3: “A” convida “B” a participar, juntamente com outros, de uma sessão de consumo
de drogas. Como “B” havia tomado, anteriormente, algumas doses de uísque, sem o conhecimento
de “A”, tão logo absorve por aspiração os primeiros miligramas de cocaína sofre uma parada
cardíaca e morre. Note-se que “A” deve responder como partícipe do crime previsto no art. 28 da
Lei nº 11.343/2006. Todavia, não se lhe deve atribuir o resultado morte, porque não agiu com
animus necandi. Quanto ao delito de homicídio culposo, também não se lhe deve imputar, porque,
de acordo com o princípio da auto-responsabilidade, o tipo penal não abrange as condutas que
incrementam o risco, quando este é assumido voluntária e integralmente pela vítima, que acaba
sofrendo as consequências danosas, mediante sua própria conduta descuidada. Ora, a nosso ver,
“A” não teve culpa na morte, de modo que, para a solução, não há necessidade da teoria da
imputação objetiva, filtrando-se a sua responsabilidade na causalidade psíquica.
Como se pode perceber, a teoria da imputação objetiva exclui a responsabilidade do agente
na hipótese de o resultado ocorrer exclusivamente em razão do risco assumido pela própria vítima
(princípio da auto-responsabilidade), deixando de fora da órbita de atuação do Direito Penal o
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segundo Luís Gabos Alvares, quando o resultado, fruto da conduta do agente, aconteceria mesmo
se este não tivesse agido, pois outro o provocaria em seu lugar. Na Alemanha, concluiu-se que não
se pode excluir a imputação pelo simples fato de que o autor substituto teria também realizado o
resultado. Assim, aquele que furta determinada coisa não se exime da responsabilidade,
demonstrando que o furto ocorreria de qualquer jeito por outra pessoa. Com efeito, a norma
proibitiva continua vigente e com eficácia, nas circunstâncias, não se justificando a impunidade
porque o bem jurídico protegido estaria em perigo de qualquer forma. Anote-se, porém, que o
assunto não é pacífico entre os adeptos da teoria da imputação objetiva, pois uns proclamam a
exclusão da responsabilidade causal, outros ainda sustentam que cada caso deve ser analisado
individualmente. Outros exemplos polêmicos ainda podem ser mencionados: a) o fabricante de
pincéis deixa de desinfetar os pêlos dos pincéis, provocando a morte de diversos trabalhadores,
que se infectaram com a doença. Apura-se, porém, que a desinfetação não teria eliminado o bacilo
que causou o resultado, de modo que este teria ocorrido da mesma forma; b) o farmacêutico,
diante da insistência da mãe da criança, ministra-lhe um medicamento, causando-lhe a morte.
Apura-se que se o médico tivesse sido consultado teria receitado esse mesmo medicamento, de
modo que a morte ocorreria da mesma forma; c) o agente, segundos antes de o carrasco executar a
pena de morte, antecipa-se e aciona o gatilho do revólver, determinando a morte do condenado.
Na Alemanha, em todos esses casos, prevalece a tese da responsabilidade penal, porque o agente
realizou uma conduta proibida pelo ordenamento jurídico, aumentando o risco já existente.
Finalmente, como se pode perceber, a teoria da imputação objetiva, conquanto útil à
resolução de certos problemas, ainda não está completamente madura, encontrando-se em
desenvolvimento, sendo, pois, um pouco prematuro para abraçá-la na íntegra. Trata-se, sem
dúvida, de uma teoria que visa atingir o fim do Direito Penal, de garantir expectativas normativas,
excluindo a tipicidade das condutas socialmente adequadas, que não criam um risco acima do
permitido. Tem o mérito de excluir do âmbito de incidência do Direito Penal o resquício de
causalidade material, que a causalidade psíquica não conseguiu eliminar. Aludida teoria visa limitar
a responsabilidade penal, complementando a teoria da conditio sine que non, que, por sua vez, já
era limitada pela causalidade psíquica (dolo e culpa). Com efeito, para que haja imputação objetiva,
não basta a mera relação de causalidade física ou psíquica, urge ainda que o agente tenha realizado
um risco proibido pela norma. Se o direito não proíbe certa conduta, nada justifica a sua
incriminação, na medida em que não constitui um risco de lesão ao bem jurídico.
que a conduta tenha criado um risco socialmente inadequado, isto é, acima do permitido;
que este risco tenha sido a causa do resultado;
abrangência do resultado pelo tipo penal.
Esses três requisitos são exigidos para os delitos materiais, ao passo que, nos delitos formais e
de mera conduta, bastam o primeiro requisito, tendo em vista a ausência de resultado naturalístico.
Passemos à análise desses requisitos.
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O primeiro, criação pela conduta de um risco acima do permitido, torna evidente que o
direito não pode incriminar uma conduta juridicamente permitida. Se, por exemplo, o sobrinho
instiga o tio a ir pescar na barranca de um rio, na esperança de que este venha a cair e morrer, nao
há falar-se em delito, uma vez que a conduta inicial de instigar alguém a ir pescar é lícita, não
obstante a má-intenção do agente. Quando a conduta em si é lícita não se pode transmudá-la em
ilícita simplesmente porque o agente encontra-se motivado por uma intenção criminosa, pois,
conforme ja diziam os romanos, ninguém sofre pena pelo simples pensamento.
O segundo requisito, liame entre o perigo e o resultado, consiste na exigência da constatação
de que a conduta socialmente inadequada produziu, de fato, o resultado criminoso. No exemplo do
farmacêutico, que fornece um remédio vencido ao paciente que lhe apresenta uma receita médica,
constata-se, inegavelmente, a prática de uma conduta criadora de risco acima do permitido. Ao
apurar-se, porém, que a morte do paciente ocorreu em razão do remédio, e não pelo fato deste
estar vencido, força convir que o farmacêutico não tem qualquer responsabilidade pelo evento
lesivo, respondendo, tão somente, pela venda proibida e não pelo homicídio.
O terceiro requisito é o que exige a abrangência do resultado pelo tipo penal. De acordo com
a teoria da imputação objetiva, estão excluídos do âmbito de abrangência do tipo penal dois
resultados, a saber:
a) O resultado advindo de perigo assumido voluntariamente pela vítima. Este asunto que, na
doutrina, é conhecido como auto-colocação da vítima em risco, é o que tem suscitado as maiores
polêmicas. Não há, por exemplo, que se imputar o delito de homicício ao médico do clube de
futebol que, diante das insistências do jogador cardiáco, que queria a qualquer custo jogar, o
liberou para o jogo, concorrendo, no plano físico da causalidade, para a sua morte, decorrente de
infarto fulminante, durante a partida de futebol. Outro exemplo: o alpinista experiente que induz o
alpinista inexperiênte a escalar a Cordilheira dos Andes, não responde pela eventual morte deste. O
fundamento para que o fato seja atípico nessas situações baseia-se no princípio da reserva legal.
Com efeito, à medida que o Código Penal, no art. 122, incrimina a participação em suicídio, que é
uma hipótese em que o resultado é assumido voluntariamente pela vítima, não há falar-se em
delito noutras hipóteses similares, tendo em vista o silêncio da lei e a vedação da analogia “in
malam partem”. De fato, fora da hipótese do art. 122 do CP, não há lei incriminando o induzimento,
instigação ou auxílio ao perigo à vida ou a saúde assumido voluntariamente por alguém. E também
não há falar-se na incidência do art. 132 do CP, cuja incidência se restringe à exposição de perigos
não assumidos voluntariamente pela vítima.
b) O resultado oriundo de fluxo causal desencadeado por uma conduta perigosa, mas cuja
ocorrência principal se deve a outra conduta sucessiva, emanada de pessoa que tinha o dever
jurídico de impedí-lo.Nesse caso, a segunda conduta, porque advinda de alguém que tinha o dever
jurídico específico de impedir o resultado, tem o condão de excluir do primeiro agente a
responsabilidade criminosa pelo evento lesivo. No exemplo em que “A” fere levemente “B” na
perna direita e esta posteriormente vem a ser amputada erroneamente pelo médico que atendeu a
vítima, não se pode, de acordo com a teoria da imputação objetiva, imputar o resultado maior, isto
é, a perda do membro inferior direito a “A”, mas apenas ao médico, apesar de a conduta deste
último integrar a mesma linha de desdobramento físico da conduta iniciada pelo agente, já que
ambas as condutas atingiram a perna direita da vítima. Note-se que o § 1o do art. 13 do CP quando
exclui o resultado do âmbito da responsabilidade do agente pelo advento de causa superveniente
relativamente independente que produz, por si só, o resultado, refere-se a uma nova causa que não
se encontra na mesma linha de desdobramento físico iniciada pela conduta do agente (exemplo:
“A” fere “B” na perna direita e o médico, por erro, amputa a perna esquerda). Portanto, a hipótese
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versada pela teoria da imputação objetiva não se confunde com o § 1 o do art. 13 do CP, porquanto
versa sobre uma situação em que a causa superveniente encontra-se na mesma linha de perigo
desencadeada pela conduta do agente, eliminando-se, no entanto, a responsabilidade do primeiro
agente pelo fato de esta nova causa emanar de pessoa que tinha o dever jurídico específico de
impedir o resultado. A meu ver, este ponto de vista pode ser acolhido no direito brasileiro,
aplicando-se por analogia “in bonam partem” o § 1º do art. 13 do CP, imputando-se ao agente
apenas os atos anteriores ao resultado.
TEORIA DA TIPICIDADE
INTRODUÇÃO
Os tipos legais de crime estão descritos na Parte Especial do Código Penal e na legislação
penal extravagante.
Tipo legal é a descrição abstrata do crime feita pelo legislador. No homicídio, o tipo legal está
redigido assim: “Matar alguém: Pena — reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos”.
Tipicidade é a mera adequação entre a conduta da vida real e o tipo legal. Há, por exemplo,
tipicidade se “A” mata “B”, pois a conduta de “matar alguém” subsume-se no tipo legal previsto no
art. 121 do CP.
EVOLUÇÃO DOUTRINÁRIA
O conceito moderno de tipicidade é fruto das idéias de Beling, que, em 1906, desenvolveu a
sua famosa teoria dogmático-jurídica. Antes disso, conferia-se à tipicidade uma amplitude
exagerada. Tipicidade compreendia: a materialidade do fato delituoso (corpus delicti), a ilicitude, a
culpabilidade e o conjunto de pressupostos da punibilidade. Na prática, transferia-se a análise da
tipicidade para o campo processual, condicionando a sua existência à prolação de uma sentença
condenatória.
Beling, porém, restringiu o vocábulo Tatbestand aos elementos descritivos do crime. Encarou
a tipicidade como mero juízo de subsunção do fato concreto ao tipo legal. Desse modo, a existência
da tipicidade passou a depender apenas da correspondência entre o fato da vida real e o tipo legal.
Com isso a materialidade, a antijuridicidade, a culpabilidade e a punibilidade foram expurgadas do
juízo da tipicidade.
Os ensinamentos de Beling possibilitaram a separação de três juízos distintos: o da tipicidade,
o da antijuridicidade e o da culpabilidade.
No juízo da tipicidade verifica-se apenas a adequação do fato concreto ao tipo legal. No juízo
da antijuridicidade verifica-se se o fato típico encontra-se acobertado por alguma excludente da
ilicitude. E no juízo da culpabilidade analisa-se se o autor do fato típico e ilícito merece a aplicação
da pena.
O mérito de Beling, de separar a tipicidade da antijuridicidade, acabou, por ironia,
enfraquecendo a sua doutrina, diante da absoluta falta de liame que passou a existir entre a
tipicidade e a antijuridicidade.
Não se pode, porém, negar que se deve a Beling a autonomia do conceito de tipo e de
tipicidade, desvinculando-a da idéia de corpus delicti para colocá-la entre os elementos do fato
punível.
Max Ernst Mayer, retomando os estudos de Beling, aprimorou a teoria da tipicidade,
conferindo-lhe a função de indício da antijuridicidade. Desde então, todo fato típico, até prova em
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TIPICIDADE E ANTIJURIDICIDADE
AUSÊNCIA DE TIPICIDADE
Há exclusão da tipicidade quando a conduta da vida não se encontra descrita em nenhum tipo
legal. A ausência de tipicidade conduz à exclusão do crime. Não há crime sem tipicidade. Vejamos
alguns exemplos de falta de tipicidade: crime impossível, prostituição, suicídio, furto de uso,
autolesão, dano culposo etc.
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ADEQUAÇÃO TÍPICA
Vimos que a tipicidade é mero juízo de subsunção entre a conduta da vida real e o tipo legal.
A tipicidade depende da existência da adequação típica, que é justamente o enquadramento do
fato concreto em um tipo legal. A inadequação típica provoca a atipicidade do fato.
Podemos dizer que haverá tipicidade quando houver adequação típica.
O problema da adequação típica, porém, nem sempre é resolvido por uma simples operação
mecânica de enquadrar o fato concreto no tipo legal. Dificuldades surgem porque o tipo legal não
se confunde com o fato concreto; aquele aloja em seu interior apenas a síntese da conduta
criminosa, não abarcando as múltiplas variedades presentes em cada fato concreto. Alguns fatos
concretos subsumem-se em mais de um tipo legal, surgindo, então, o denominado conflito
aparente de normas, cuja solução requer ampla cognição dos princípios que disciplinam esse
fenômeno jurídico. Muitas vezes também o tipo legal se compõe não só de elementos meramente
descritivos, alojando em seu texto elementos normativos, que demandam indagações de ordem
cultural e jurídica, além de elementos subjetivos, atinentes ao estado anímico do agente. Assim, um
ferimento doloso, consoante o animus do agente, pode ser enquadrado como tentativa de
homicídio ou lesão corporal. Podemos ainda lembrar as dificuldades apresentadas no
enquadramento típico da tentativa. Nem sempre é simples a distinção entre atos preparatórios e
executórios. O enquadramento típico dos crimes omissivos impróprios, dos crimes de forma livre e
do partícipe também tende a tornar-se complexo.
A importância da adequação típica transcende os limites do direito penal, projetando seus
efeitos no campo do direito processual penal, pois é a partir de um fato típico que se fundamenta a
instauração do inquérito policial. A ação penal, consubstanciada na denúncia ou queixa, deve
também conter a “exposição do fato criminoso”, consoante determina o art. 41 do CPP, justamente
para permitir ao juiz a análise da existência ou não de adequação típica, rejeitando a denúncia ou
queixa na hipótese de inadequação típica (art. 395,II, do CPP).
Sob duas formas apresenta-se a adequação típica:
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modo, concorrem para a realização do crime. Note-se, por exemplo, que o tipo legal não descreve a
conduta de “mandar matar”, que só é incorporada ao seu texto legal graças à norma prevista no
art. 29. Por isso que a denúncia do Ministério Público deve enquadrar o fato no art. 121 c/c o art.
29, ambos do Código Penal.
No tocante à coautoria, nem sempre se invoca o art. 29 do CP. Se ambos os co-autores
realizam diretamente todos os elementos do crime, o enquadramento típico é de subordinação
imediata. Tome-se o seguinte exemplo: “A” e “B” esfaqueiam a vítima provocando sua morte. Esse
fato se enquadra diretamente na norma do art. 121 do CP, sem necessidade de se invocar o art. 29,
pois ambos realizaram o verbo “matar”, tornando-se desnecessária a invocação do art. 29 do
Código. Se, no entanto, cada co-autor executa diretamente apenas uma parcela dos elementos do
tipo, o enquadramento típico passa a ser de subordinação mediata. Por exemplo: “A” aponta a
arma para a vítima, enquanto isso “B” subtrai os seus bens. Ambos são co-autores, pois realizaram
diretamente os elementos do crime de roubo. “A” concretizou o verbo “constranger”, contido
implicitamente no art. 157 do CP, e “B” o verbo “subtrair”. Nesse caso, urge invocar o art. 29 do CP,
pois a conduta de cada um, isoladamente, não se amolda na redação do art. 157 do mesmo Código.
Apenas o somatório das duas condutas provoca a coincidência entre o fato concreto e o tipo legal.
Por outro lado, nos crimes omissivos impróprios (comissivos por omissão), há uma ampliação
da conduta descrita na figura típica, que, por força do art. 13, § 2º, do CP, passa a compreender em
seu texto a omissão, isto é, o descumprimento indevido do dever de agir. Assim, por exemplo, a
conduta da mãe que dolosamente deixa de alimentar o próprio filho, que morre de inanição,
enquadra-se nos arts. 121 c/c o art. 13, § 2º, a, ambos do Código Penal.
Essas normas previstas nos arts. 13, § 2º, 14, II, e 29 do CP são denominadas integrativas ou
de extensão, ou complementares de tipicidade.
Para alguns penalistas a tipicidade é o mero enquadramento do fato concreto no tipo legal,
sem qualquer perquirição acerca do dolo ou culpa, enquanto que a adequação típica
compreenderia a valoração do dolo ou culpa no bojo da tipicidade. Ora, referida distinção é
destituída de qualquer utilidade científica ou prática, e, por isso, deve ser rejeitada para que as
expressões sejam consideradas sinônimas.
TEORIA DO TIPO
INTRODUÇÃO
TIPO LEGAL
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Os tipos legais de crime estão concentrados na Parte Especial do Código Penal e na legislação
penal extravagante. A Parte Geral não os aloja, limitando-se a prever os tipos permissivos (art. 23).
Por natureza, o tipo legal contém o atributo da síntese, pois lhe é impossível abarcar todas as
particularidades do crime, como ocorrido na vida real. Assim sendo, o fato concreto é sempre mais
amplo que o tipo legal. Não consegue o tipo abranger certas circunstâncias peculiares que variam
na prática de cada crime.
Procura o legislador concentrar no tipo legal apenas a essência comum de cada espécie
punível.
Tipo legal é, portanto, o modelo sintético da conduta criminosa. Nele encontra-se contida a
descrição abstrata do crime.
O chamado “núcleo do tipo” (verbo) é o ponto de partida na elaboração do tipo incriminador.
Em torno do “verbo” agregam-se outros elementos objetivos, normativos e subjetivos,
complementando-se, destarte, a definição abstrata do crime. Exemplos: “subtrair”, para si ou para
outrem, coisa alheia móvel (CP, art. 155); “constranger” mulher à conjunção carnal, mediante
violência ou grave ameaça (CP, art. 213); “desobedecer” a ordem legal de funcionário público (CP,
art. 330) etc.
Além dessas duas funções primordiais do tipo legal, podemos ainda elencar as seguintes:
a) Concretizar a antijuridicidade, que ocorre quando a conduta, que ora se descreve no tipo, já
era ilícita em face do ordenamento jurídico extrapenal. Suponha-se, por exemplo, que o legislador
promulgue uma lei incriminando o dano culposo. O fato que já era ilícito civil passaria a ser ilícito
penal. A esse fenômeno dá-se o nome de concretização da antijuridicidade.
b) Assinalar a antijuridicidade, que ocorre quando a conduta, que ora se incrimina no tipo, não
se revestia da ilicitude extrapenal. Isso se deu, por exemplo, com a incriminação do uso de lança-
perfume.
c) Caracterizar o iter criminis, marcando o início e o término da conduta (tentativa e
consumação), auxiliando a diferenciar os atos preparatórios dos executórios.
O tipo legal descreve a conduta criminosa, introduzindo, para a perfeita descrição, elementos
de ordem objetiva, normativa ou subjetiva.
Cumpre, porém, observar que o tipo legal é um só. Não há três tipos: um objetivo, outro
normativo e outro subjetivo. É dentro do mesmo tipo que se concentram todos esses elementos.
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a) À antijuridicidade, como os expressos pelos termos: “indevidamente” (arts. 151, 316, 317,
319 etc.), “sem justa causa” (arts. 153, 154, 244 etc.), “fraudulentamente” (arts. 171, 177), “sem as
formalidades legais” (art. 350).
b) A termos ou expressões jurídicas, como “documento” (arts. 297, 298 e 299), “funcionário
público” (art. 312), “alheia” (art. 155), “função pública” (art. 328), “cheque” (art. 171, § 2º, VI),
“duplicata” (art. 172) etc. Costuma-se designar de elementos normativos impróprios os termos ou
expressões de natureza jurídica.
c) A termos ou expressões extrajurídicos, como “dignidade e decoro” (art. 140), “moléstia
grave” (art. 131), “saúde” (art. 132) etc.
Ao lado dos elementos objetivos, normativos e subjetivos, a doutrina revela que, dentro do
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tipo, ainda podem alojar-se outros elementos sui generis, que denominaremos elementos especiais
do tipo. São os seguintes:
a) Elementos negativos do tipo: aqueles que devem estar ausentes do fato concreto para que
a tipicidade se concretize. Exemplos: art. 125 (“sem o consentimento”); art. 150 (“contra a vontade
expressa ou tácita de quem de direito”); art. 171, § 2º, VI (“sem suficiente provisão de fundos”) etc.
Para os que esposam a teoria dos elementos negativos do tipo, identificando a tipicidade e a antiju-
ridicidade como fenômeno uno e indivisível, as descriminantes do art. 23 do CP integrariam
também o rol dos elementos negativos do tipo. Todavia, preferimos a tese contrária, preconizada
por Beling e Mayer, que separa a tipicidade da antijuridicidade, conferindo à primeira apenas a
função de indício da segunda, de tal modo que as descriminantes do art. 23 não são elementos
negativos do tipo.
b) Elementos modais do tipo: aqueles que exprimem circunstâncias de tempo, ou lugar, ou
particulares condições do agente ou do objeto da conduta criminosa. Exemplo: “noite” (art. 150, §
1º); “lugar ermo” (art. 133, § 3º, I); “ser o agente ascendente, descendente, marido, irmão, tutor ou
curador” (art. 227, § 1º) etc. Na verdade, os elementos modais não passam de elementos objetivos
do tipo.
c) Elementos intermediários do tipo: os que apresentam aspectos objetivos e normativos cujo
significado é desvendado por um juízo de conhecimento baseado na experiência. Não se
apresentam sob a forma de termos ou expressões propriamente jurídicas ou de sentido cultural,
distinguindo-se, nesse aspecto, dos genuínos elementos normativos. Por outro lado, malgrado o
seu caráter objetivo, no sentido de poderem ser captados pelos sentidos, nem sempre há
coincidência entre a sua expressão literal e o significado comum empregado pelo uso verbal,
diferenciando-se, por isso, dos verdadeiros elementos objetivos do tipo. Para melhor compreendê-
los convém exemplificá-los com os seguintes termos: “logo após o parto” (art. 123); coisa de
“pequeno valor” (art. 155, § 2º); “grave ameaça” (art. 213) etc.
Tipo normal é o que contém apenas elementos objetivos. Nesse caso, fala-se em tipicidade
normal. Exemplo: “matar alguém” (art. 121).
Tipo anormal é o que contém também elementos normativos ou subjetivos. Nessa hipótese,
fala-se em tipicidade anormal. Exemplo: “deixar, sem justa causa, de prover à instrução primária de
filho em idade escolar” (art. 246) etc.
Vimos, porém, que, de acordo com o finalismo e com a teoria jurídico-penal, o dolo e a culpa
integram a conduta, que, por sua vez, aloja-se dentro do tipo penal. Assim, o dolo (elemento
subjetivo) e a culpa (elemento normativo) situam-se no tipo penal. Portanto inexiste tipo normal,
pois no interior do tipo sempre haverá o dolo ou a culpa. Por consequência, todo tipo legal é
anormal.
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dados que agravam ou atenuam a pena. Subdividem-se em: tipo agravado ou qualificado e tipo
atenuado ou privilegiado (exceptum).
No primeiro, o legislador acrescenta circunstâncias agravadoras da pena (p. ex.: arts. 121, §
2º, 129, §§ 1º e 2º, 155, §§ 1º e 4º etc.). No segundo, agrega circunstâncias que diminuem a pena
(p. ex.: arts. 121, § 1º, 155, § 2º etc.).
Alguns tipos derivados agravados são causas de aumento de pena (p. ex.: arts. 155, § 1º, 121,
§ 4º, etc.), enquanto outros são qualificadoras (p. ex.: arts. 121, § 2º, 155, § 4º, etc.).
Tipo fechado é o que contém a definição pormenorizada da conduta criminosa. Exemplo: art.
121 do CP.
Tipo aberto é o que não contém a definição completa do crime, devendo o magistrado
complementar a tipicidade através de um juízo valorativo. Exemplos: crimes culposos; rixa (art.
137); ato obsceno (art. 233) etc.
Tipo simples é o que contém uma única espécie de conduta criminosa, isto é, um único
núcleo. Exemplos: “matar” (art. 121); “ofender” (art. 129); “subtrair” (art. 155) e outros. É o que
ocorre nos denominados delitos de ação única.
Tipo misto é o que possui dois ou mais núcleos. Ocorre nos chamados crimes de ação
múltipla.
Há que se distinguir duas espécies de tipo misto: o alternativo e o cumulativo.
No tipo misto alternativo, o legislador descreve mais de uma conduta como hipótese de
realização do mesmo crime, de modo que a prática sucessiva dessas condutas caracteriza crime
único. São os chamados crimes de condutas variáveis ou fungíveis. Exemplos: “induzir”, “instigar”
ou “auxiliar” (art. 122). O agente que, de maneira sucessiva, induz, instiga e depois auxilia a mesma
vítima a suicidar-se, responde uma única vez pelo delito do art. 122 do CP. Aplica-se, para a solução
do problema, o princípio da alternatividade.
No tipo misto cumulativo, a consumação do crime depende da realização das múltiplas
condutas. Exemplo: “ocultar recém-nascido ou substituí-lo, suprimindo ou alterando direito
inerente ao estado civil” (art. 242). Há, como se vê, mais de um núcleo: “ocultar...” “suprimindo” ou
“alterando”. Assim, para que o delito se consuma, não basta a ocultação; é necessário que o
agente, depois de ocultar o recém-nascido, realize ainda a alteração ou supressão de direito
inerente ao estado civil, caso contrário o delito permanecerá apenas na forma tentada.
Urge, porém, não confundir o tipo misto cumulativo com os denominados tipos acumulados.
Nos tipos acumulados, ensina James Tubenchlak, haverá somatório de penas se mais de uma
conduta for praticada. Ocorre quando o legislador reúne dentro do mesmo tipo mais de um crime.
Nesse caso, caracterizar-se-á o concurso na hipótese de realização de mais de um crime. Exemplos:
arts. 208, 242, 244 etc. Nos tipos mistos cumulativos não há a soma de penas. Note-se que o art.
242 do Código Penal, na terceira figura típica, é um tipo cumulativo, mas também é um tipo
acumulado porque contém a definição de mais de uma figura criminosa.
Tipo congruente é aquele em que há coincidência entre a vontade do agente e o fato descrito
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INTRODUÇÃO
Eis um tema de vastíssima aplicação, desenvolvido pela moderna ciência do direito penal, cuja
análise requer amplo tecnicismo jurídico. A sistematização da matéria é, com efeito, relativamente
recente. Dela não cuidaram os autores clássicos. O assunto só passou a ser desenvolvido no começo
do século, por penalistas alemães.
É certo, pois, que os romanos já aplicavam o princípio da especialidade, mas a sistematização
da matéria só começou a efetivar-se no início do século XX.
No conflito aparente de normas, o fato criminoso enquadra-se em duas ou mais normas,
porém, no caso concreto, somente uma delas tem aplicação. Como se vê, o conflito é apenas
aparente, porque na verdade uma única norma tem incidência.
Enquanto no concurso de crimes todas as normas violadas são atribuídas ao agente, no
conflito aparente, uma única norma lhe é atribuída.
O conflito aparente de normas também difere do conflito de leis no tempo. No primeiro, as
diversas normas, que aparentemente regem o fato, estão em vigor no momento da prática do
crime. No segundo, há uma sucessão de normas no tempo, pois somente uma delas estava vigente
por ocasião da prática delituosa.
Alguns autores preferem abordar o conflito aparente de normas juntamente com o estudo do
concurso de crimes; outros, no capítulo da aplicação da pena. A nosso ver, a matéria deve ser
sistematizada no capítulo da tipicidade, porque a questão não é de concurso de normas nem de
aplicação de pena, e, sim, de adequação típica.
Dá-se o conflito aparente de normas quando um fato único subsume-se em dois ou mais tipos
legais, aplicando-se porém apenas um deles.
Na análise do problema, verifica-se qual das normas deve aplicar-se ao autor do crime. Os
princípios reitores da matéria impedem o bis in idem, isto é, a aplicação conjunta de duas ou mais
normas a um único fato.
A configuração do conflito aparente de normas depende necessariamente de três requisitos:
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princípios acima, apenas dois são mencionados pela lei. O primeiro é o princípio da subsidiariedade
expressa, conforme veremos, e o segundo é o princípio da especialidade, cujo teor encontra
embasamento implícito no art. 12 do Código Penal, que ordena a prevalência da norma especial
sobre a norma geral.
O assunto é polêmico. Frosali e Moro aceitam apenas os princípios da subsidiariedade e da
especialidade. Antolisei considera tão-só o princípio da especialidade. Oscar Stevenson enumera
quatro princípios: da especialidade, da subsidiariedade, da consunção e da alternatividade.
Preferimos, porém, a orientação de Delitala e Grispigni, que apontam três princípios:
especialidade, subsidiariedade e consunção.
Quando surge o conflito aparente de normas, o intérprete deve escolher, dentre as diversas
normas, qual delas deve aplicar-se ao caso concreto, excluindo, por consequência, a incidência das
demais. Nessa tarefa de escolha, urge que se tenha o perfeito domínio desses princípios
determinantes da matéria.
PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE
O princípio da especialidade não é impugnado por nenhum penalista. De fato, é de uma lógica
inquestionável a máxima Lex specialis derogat legi generali, isto é, a lei especial exclui a aplicação
da lei geral.
Lei especial é a que contém todos os elementos de outra (geral), e ainda alguns elementos
especializantes.
Exemplos nítidos de especialidade são as relações existentes entre delitos simples,
privilegiados e qualificados. Assim, o art. 121, § 1º, do CP é especial em relação ao art. 121, caput,
do mesmo Código.
Outro bom exemplo é o infanticídio, delito específico, que exclui a aplicação do homicídio
(delito genérico).
A escolha pela lei especial é determinada pela comparação abstrata. Lendo-se a lei especial
percebe-se também a geral. A definição do homicídio é a seguinte: “matar alguém”. Já o infanticídio
encampa os elementos do homicídio, agregando-os a outros elementos especializantes: “matar,
sob influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após”. Note-se que os
elementos do homicídio (“matar alguém”) estão contidos na lei que incrimina o infanticídio.
Além de conter todos os elementos da lei geral e acrescentar os elementos especializantes,
para que uma lei seja especial em relação a outra é ainda preciso que ambas tutelem o mesmo bem
jurídico e que haja entre elas relação de gênero e espécie.
Como ensina Bettiol, “é mister que as leis em relação de gênero e espécie sejam colocadas na
tutela de um mesmo bem jurídico, tenham a mesma objetividade jurídica”. E adiante acrescenta: “A
colocação dos crimes sob um título ao invés de outro não é porém argumento decisivo, para
afirmar ou excluir determinada objetividade jurídica. O crime pode ferir uma pluralidade de
interesses protegidos, de tal modo que a norma que o prevê, em relação a determinado interesse
tutelado, pode encontrar-se com outra norma em relação lógica de especialidade”. Tal ocorre, por
exemplo, com o peculato, que, apesar de lesar mais de um bem jurídico, constitui espécie de
apropriação indébita.
Na linguagem jurídico-penal, crime genérico é o que contém caracteres comuns a outros
delitos. O crime genérico está contido em várias outras espécies criminosas. Já o crime específico é
o que se caracteriza por determinado sinal, que o diferencia do crime genérico. O homicídio simples
é um crime genérico, pois encerra várias espécies: homicídio privilegiado, homicídio qualificado e
infanticídio. Já o homicídio qualificado pela conexão (art. 121, § 2º, V) é genérico em relação ao
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latrocínio (art. 157, § 3º, última parte). Como se vê, os delitos pluriofensivos, que são os que lesam
mais de um bem jurídico, podem encontrar-se com outra norma em relação lógica de
especialidade.
PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE
De acordo com o princípio da subsidiariedade, a norma que prevê a ofensa maior do bem
jurídico exclui a aplicação da norma que prevê a ofensa menor desse mesmo bem jurídico.
Esse princípio é consagrado através da máxima Lex primaria derogat legi subsidiariae, isto é, a
lei primária exclui a aplicação da lei subsidiária.
O delito menos grave, dizia Nélson Hungria, atua como “soldado de reserva”.
A subsidiariedade pode ser:
expressa ou explícita;
tácita ou implícita.
Na subsidiariedade expressa, a própria lei declara formalmente que só será aplicada se o fato
não constituir crime mais grave. O art. 132 do CP, por exemplo, prevê em seu preceito secundário a
seguinte locução: “Pena — detenção, de 3 (três) meses a 1(um) ano, se o fato não constitui crime
mais grave”. Outros exemplos podem ser vistos nos arts. 163, parágrafo único, II, 177, § 1º, 238,
239, 249, 307, 325 e ainda nos arts. 21, 29 e 46 da LCP.
Na subsidiariedade tácita, o fato previsto em uma norma menos grave funciona como
elemento constitutivo, circunstância qualificadora ou causa de aumento de pena de outra norma
mais grave.
De conformidade com essa definição, o crime de dano (art. 163) é subsidiário do furto
qualificado pelo rompimento ou destruição de obstáculo (art. 155, § 4º, I); o sequestro (art. 148) e a
extorsão (art. 158) são subsidiários do delito de extorsão mediante sequestro (art. 159); o dano
(art. 163) é subsidiário do incêndio (art. 250), e assim por diante.
Os princípios da subsidiariedade e especialidade são parecidos, mas não idênticos. Na
especialidade, a norma especial é aplicada ainda que mais branda do que a norma genérica. Na
subsidiariedade, ao inverso, a norma subsidiária é sempre excluída pela norma mais grave. Na
especialidade, a identificação do caráter geral ou especial das normas se estabelece in abstracto,
enquanto a subsidiariedade prima pela comparação das normas à luz do caso concreto. De fato,
quando o núcleo do tipo é o mesmo entre as duas normas em conflito é porque estamos diante do
princípio da especialidade, caracterizado pela relação de gênero e espécie. Tal ocorre, por
exemplos, entre os delitos de estupro e constrangimento ilegal, furto e roubo, etc Finalmente, na
especialidade existe relação de gênero e espécie entre as normas; na subsidiariedade, uma norma
não é espécie da outra.
No tocante ao crime complexo, admite-se a incidência dos princípios da especialidade, da
subsidiariedade tácita e da consunção, conforme as peculiaridades de cada hipótese.
Finalmente, cumpre ressaltar que o bis in idem é admissível nas hipóteses previstas em lei.
Realmente, às vezes um delito funciona como elementar, qualificadora ou causa de aumento de
pena de outro delito, e, no entanto, a lei determina expressamente a cumulação das penas. Em tal
situação, não há falar-se na aplicação do princípio da subsidiariedade implícita. Tome-se como
exemplo o art. 140, § 2º, do CP, que prevê a injúria real, ressaltando expressamente que deve ser
aplicada cumulativamente a pena correspondente à violência. Assim, a violência, apesar de
qualificar a injúria, não é absorvida. Igualmente, no delito de resistência, a violência, conquanto
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elementar do tipo, não é absorvida, porque o Código ressalva a cumulativa aplicação da pena a ela
correspondente (art. 329, §2º, do CP). Cumpre também mencionar que no delito de
constrangimento ilegal, previsto no art.146 do Código Penal, o agente responderá em concurso
pelos delitos dos arts. 146 e 129 do Código Penal, se houver lesão corporal, pois o tipo penal em
apreço ressalva a cumulativa aplicação da pena correspondente à violência .
PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO
O ilustre penalista preocupou-se, acertadamente, com o fim prático dos fatos, anteriores ou
posteriores, contidos na norma consumida.
Dá-se consunção quando “a norma incriminadora de fato que é meio necessário, fase normal
de preparação ou execução, ou conduta anterior ou posterior de outro crime, é excluída pela
norma deste”.
Quando as normas violadas têm o mesmo fim prático, qual seja, a proteção de um bem
jurídico genérico, a norma protetiva do grau maior de violação desse bem jurídico absorve as
outras. Tal ocorre porque a reação contra a ofensa do bem jurídico menos vasto se efetiva pela
aplicação da sanção prevista para a defesa do bem jurídico mais extenso, que o agente também
violou. Noutras palavras, a sanção cominada pela norma consuntiva serve também para a violação
da norma consumida, evitando, destarte, o bis in idem. Há entre os delitos relação de magis para
minus, isto é, de continente para conteúdo. Diante da sanção prevista para a violação do bem
jurídico mais extenso, torna-se desnecessária a sanção cominada à violação do bem jurídico menos
vasto.
A nosso ver, são dois os fundamentos da absorção:
a) O bem jurídico tutelado pela norma menos vasta já é protegido pela mais extensa. Com
efeito, quando ambas as normas tutelam a mesma objetividade jurídica genérica, se ambas, após
serem violadas, reagissem, com suas respectivas sanções, haveria transgressão ao princípio do non
bis in idem.
b) A violação da norma subsequente é desdobramento normal da violação da norma
antecedente.
crime progressivo;
progressão criminosa;
antefato (ou ante factum) impunível;
pós-fato (ou post factum) impunível.
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Por outro lado, configura-se a progressão criminosa quando, no mesmo contexto, o dolo do
agente sofre mutações. Há, pois, a multiplicidade do dolo. Aquele que, após injuriar, resolve ferir e
depois decide matar, responde apenas por homicídio.
Na realidade, como ensina Marcelo Fortes Barbosa, “a única diferença conceitual que se pode
estabelecer entre ambos os institutos situa-se no aspecto mutativo existente na progressão
criminosa no tocante ao elemento subjetivo e não presente no crime progressivo”. De fato, no
crime progressivo o agente, desde o início, desejava o resultado mais grave. Na progressão
criminosa, o agente, de início, pretendia apenas o crime menos grave, alterando, porém, a sua
intenção no desenrolar dos fatos até decidir produzir o resultado mais grave. No crime progressivo,
o dolo do agente é um só, do começo ao fim; na progressão criminosa, o dolo passa por uma série
de mutações (dolo de injuriar, de ferir e de matar).
A doutrina não se tem quedado inerte à classificação de Frederico Marques, que aglutina
como espécie de progressão criminosa o antefato e pós-fato impuníveis. Tal classificação realmente
não procede, pois mescla fenômenos distintos. Na progressão criminosa, a conduta se desenvolve
em contexto único, com as mutações do dolo do agente. No post factum e no ante factum, nem
sempre o acontecimento se desdobra em contexto único.
Dá-se o ante factum impunível quando um delito menos grave é fase normal de preparação
ou execução de outro mais grave. O crime de arma de fogo é absorvido pelo delito de homicídio, a
menos que a arma não tenha sido usada pelo agente. O furto absorve a contravenção de posse de
chave falsa (art. 25 da LCP).
Note-se que enquanto no crime progressivo há incursão obrigatória pelo delito menos grave,
no ante factum tal não ocorre, uma vez que o delito mais grave pode ser cometido sem violação da
norma menos grave. Assim, é impossível matar sem antes ferir. Todavia, é possível matar sem arma
de fogo ou furtar sem chave falsa.
De acordo com Grispigni, a absorção do ante factum só ocorre quando há ofensa ao mesmo
bem jurídico pertencente à mesma vítima. Tal orientação restringe demasiadamente o âmbito de
aplicação do princípio da consunção, cujo fundamento, como vimos, não se prende exclusivamente
ao critério do bem jurídico protegido ou à unicidade de vítima, mas também ao fim perseguido.
Toda vez que a violação de uma norma tem por escopo normal a subsequente violação de outra,
não se pode deixar de absorver o fato anterior. O normal é falsificar um cheque para obter
vantagem patrimonial, daí a razão do estelionato absorver o delito de falso, desde que este se
exaura naquele (Súmula 17 do STJ).
Por outro lado, o post factum impunível, no dizer de Aníbal Bruno, é aquele que se insere no
curso normal da intenção do agente, realizando o que realmente este se propunha a realizar, ou
aquele que já não representa maior dano para o bem jurídico anteriormente violado: “o ladrão
oculta a coisa furtada, ou a vende, ou a destrói; o moedeiro falso põe em circulação a moeda que
acaba de fabricar”. A nosso ver, não há necessidade de o fato posterior atingir o mesmo bem
jurídico e o mesmo sujeito passivo que o fato anterior. Basta, para a absorção, que o novo fato seja
uma consequência normal do anterior.
Vimos que a unidade de fato é requisito essencial à configuração do conflito aparente de
normas.
De acordo com Oscar Stevenson, a unidade de fato pode ser simples e complexa.
Na unidade simples o agente realiza um só comportamento. Na complexa, diz Stevenson, há
uma aglutinação de comportamentos que a lei disciplina como um só comportamento. Tal ocorre
com progressão criminosa, ante factum e post factum impuníveis. Essa unidade complexa, na
verdade, não deriva da lei. Esta nem sequer disciplina a matéria; deriva do esforço hermenêutico
desenvolvido para evitar o bis in idem.
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É a intuição e a sensibilidade do intérprete, bem como a equidade, que permitem que vários
comportamentos sejam aglutinados num só. A ratio essendi dessa unificação é o princípio do non
bis in idem. As diretrizes dominantes, a nosso ver, são:
a) a tutela pela norma mais extensa do bem jurídico genericamente tutelado pela norma
menos vasta;
b) a violação da norma subsequente é desdobramento comum da violação da norma
antecedente.
CRIME CONEXO
Emprega-se a expressão “conexão” para designar o liame objetivo ou subjetivo entre duas ou
mais infrações penais. Tal ocorre quando um crime é cometido para assegurar a execução,
ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime.
A conexão qualifica o homicídio (art. 121, § 2º, V) e funciona como agravante genérica dos
demais delitos (art. 61, II, b).
Entre o crime-meio e crime-fim há concurso material. Quem mata o marido para estuprar a
esposa responde por homicídio qualificado (art. 121, § 2º, V) em concurso material com estupro
(art. 213). É claro que se o estupro não se verifica nem mesmo na forma tentada, o agente não
responde pelo delito sexual, mas o homicídio continua qualificado pela conexão.
Há assim clara semelhança entre conexão criminosa e post e ante factum impuníveis. Nos três
institutos, o delito subsequente é desdobramento do delito antecedente.
Anote-se, todavia, a existência de certa diferença entre eles. Enquanto na conexão a prática
interligada do crime-meio e crime-fim não é o procedimento do curso normal dos acontecimentos
da vida real, no ante factum e no post factum impuníveis, o delito anterior e o delito posterior são
desdobramentos naturais, no sentido de que a violação de uma norma tem por consequência
normal a subsequente violação de outra. Aquele que mata e depois oculta o cadáver deve
responder por homicídio em concurso material com delito de ocultação de cadáver, previsto no art.
211 do CP. Há, aí, conexão, e não post factum impunível, porque a violação da norma do art. 121 do
CP não tem por consequência normal a subsequente violação da norma do art. 211. Já o guarda do
presídio que recebe dinheiro para facilitar a fuga do preso responde apenas por corrupção passiva
(art. 317, § 1º, do CP), devendo ser absorvido o delito de fuga de pessoa presa (art. 351), porque a
corrupção passiva do guarda pelo preso tem por consequência normal a prestação de auxílio à fuga.
Aquele que falsifica documento público e depois mata a única testemunha, para garantir a
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DIREITO PENAL GERAL
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impunidade, responde por homicídio qualificado pela conexão (art. 121, § 2º, V) em concurso
material com o delito de falso (art. 297). Já aquele que falsifica documento e depois dele faz uso só
responde pelo crime de falso (art. 297), visto ser o delito de uso, previsto no art. 304 do CP,
consequência normal da prática do crime de falso.
Acreditamos que esse ponto de vista seja o mais acertado, embora na identificação daquilo
que se deve entender por desdobramento normal do delito antecedente haja uma certa dose de
discricionariedade. A questão é facilitada quando há unicidade de bem jurídico tutelado pelas duas
normas penais. Nesse caso, a questão se resolve facilmente nos termos da absorção, aplicando-se a
teoria do ante factum e post factum impuníveis. Noutras hipóteses, porém, também é possível a
absorção.
PRINCÍPIO DA ALTERNATIVIDADE
Pelo princípio da alternatividade, a aplicação de uma norma exclui a aplicação da outra pelo
mesmo fato. Assim, a infração patrimonial não poderá ser simultaneamente furto, apropriação
indébita e estelionato. Aqui, a nosso ver, não há qualquer conflito, porque o fato se enquadra em
apenas uma das normas. Falta, assim, um dos pressupostos do conflito aparente, qual seja, a
subsunção do fato em duas ou mais normas. Se, por exemplo, o mecânico se apodera do motor do
carro, que havia sido deixado em sua oficina para conserto, trocando-o por outro, sem que a vítima
houvesse consentido, surge o problema da adequação típica. Qual delito ele cometeu? Furto
fraudulento, apropriação indébita ou estelionato? Indubitavelmente, o fato, por ser único,
caracteriza apenas um delito, excluindo-se o eventual concurso de crimes. No caso, configurou-se o
delito de apropriação indébita, porque ele desfrutava de posse lícita e desvigiada. A fraude foi
posterior à apropriação, isto é, após o apoderamento do motor ele devolve o carro à vítima,
silenciando sobre a sua manobra inescrupulosa. No furto fraudulento e no estelionato, a fraude é
empregada para se obter a posse do bem. No exemplo em tela não houve fraude para a tomada da
posse, pois o carro fora deixado voluntariamente pela vítima na oficina.
O princípio da alternatividade também tem sido empregado para solucionar os conflitos
internos da norma penal, quando esta prevê várias condutas como formas de realização do mesmo
crime. Tal ocorre nos chamados crimes de ação múltipla. A realização sucessiva das diversas
condutas dá ensejo a um crime único. No art. 33 da Lei n. 11.343/06., a norma penal faz menção a
dezoito condutas. A realização de uma, de algumas ou de todas constitui crime único. Aqui também
não há conflito aparente de normas, porque o fato é regido por uma única norma. Não há duas
normas em conflito. Este se verifica dentro da própria norma.
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PERGUNTAS:
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