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Novos desafios da leitura bíblica no pastorado contemporâneo

Júlio Paulo Tavares Zabatiero

Introdução
A realidade atual traz complexos e interessantes desafios para as Igrejas Cristãs,
especialmente para nós, ministros e ministras. Lembremos de algumas delas, que afetam
diariamente o seu ministério: (1) as mudanças na motivação religiosa das pessoas, cada vez mais
pluralistas e consumistas – ou seja, muita gente não vai mais à igreja movido pelo compromisso de
seguir fielmente as normas da religião, Deus, ou a doutrina, vão à igreja porque procuram algum
benefício concreto e imediato para as suas vidas; e, de preferência, com o menor custo possível
(tanto financeiro, quanto pessoal); (2) essa mudança da religiosidade está na raiz das mudanças nas
relações entre as instituições eclesiásticas, cada vez mais marcadas pela competição e concorrência.
Você já tem enfrentado isso no seu dia a dia: “se a nossa igreja não tiver x, vou àquela igreja do Pr.
Fulano” - ao invés de olhar para outros ministérios a fim de aprender, de aperfeiçoar o trabalho,
muitos ministros e ministras procuram meios de vencer a concorrência e conseguir mais membros e
mais recursos para sua própria empresa religiosa; (3) tudo isto acarreta mudanças na compreensão
do papel da Igreja e da fé cristã na sociedade – aquela antiga visão de que as igrejas tinham um
papel ético a cumprir, os crentes devendo ser “testemunhas” de bom comportamento, já não é mais
a visão predominante; também se pensa atualmente no papel político que a igreja deve exercer, no
papel econômico das igrejas, como bons negócios, etc.; e (4) a atividade mais visível do pastorado –
a pregação – enfrenta desafios tremendos, pois os seus ouvintes já não são mais os mesmos – são
pessoas que estão acostumadas com TV, vídeo-games e vídeo-clips, pessoas que usam
computadores e muitas até que passam horas por dia na internet. Essas pessoas já não conseguem
mais ficar atraídas por um sermão à moda antiga, sua capacidade de atenção é diferenciada, mais
diversificada, mais nervosa; em outras palavras, aquele velho tipo de sermão já não funciona mais.
Este último tópico nos ajuda a focar diretamente o tema deste capítulo. Nós que vivemos
em uma sociedade em que a leitura de textos cada vez mais é substituída pelo assistir às imagens da
TV, cinema e internet, precisamos rever a nossa maneira de ler a Bíblia, a Palavra de Deus. A fé
cristã foi chamada, durante muito tempo, de a religião do livro, tendo a Bíblia sido o guia inspirador
da vida da Igreja, suas reformas, suas renovações, seu aperfeiçoamento. Hoje em dia, porém, cada
vez menos impacto o livro realiza sobre as pessoas de fé. Cada vez mais esse impacto é substituído
pela força das imagens, dos testemunhos, dos discursos emotivos, das canções e rituais cúlticos.
Nos próprios sermões, a Bíblia parece estar se tornando apenas um ícone, um símbolo que é
evocado para dar legitimidade ao conteúdo da pregação, mas que tem pouco a ver com esse

1
conteúdo. Diante desses desafios, o conselho de Eugene Peterson é relevante:
Para os cristãos, a leitura e o estudo das Sagradas Escrituras como nossa autoridade, em
todas as questões da fé e da prática, é uma atividade fundamental e essencial, e não um
acréscimo opcional. Mas no nosso mundo contemporâneo, com sua moda proliferante
de “espiritualidade”, cada vez mais pessoas estão escolhendo outras autoridades e guias
para a salvação. Por mais atualizadas e atraentes que muitas dessas opções pareçam,
nós, os cristãos, as rejeitamos. (“Introdução. Caveat Lector”, in DYCK, E. (ED.)
Ouvindo a Deus. Uma abordagem multidisciplinar da leitura bíblica. São Paulo: Shedd
Publicações, 2001, p. 7)

Diante dessa realidade, como compreender e como realizar a agradável tarefa de estudar
as Escrituras? Não é possível responder integralmente a essa pergunta em um só capítulo. Por isso,
quero focalizar nossa atenção sobre dois modos de ler a Bíblia na história recente da Igreja Cristã,
que têm afetado o ministério pastoral de forma intensa: o primeiro deles, predominante nos séculos
XVIII-XX e que, em parte tem uma responsabilidade no esvaziamento da força do livro na vida
cristã. O segundo deles, mais recente, se apresenta como uma resposta possível aos novos desafios
da realidade – e o faz sem abandonar, sem jogar fora toda a história anterior de leitura da Bíblia.
Nas duas primeiras seções do artigo, serei mais “técnico”. Na última seção, mais “pastoral”.

1. A leitura da Bíblia: uma pesquisa agônica


Nos séculos XVIII-XX, perdoada a simplificação excessiva, predominou um modelo de
leitura caracterizado pelo confronto e conflito entre verdades opostas e concorrentes entre si. Na
primeira parte desse período, simultaneamente ao desenvolvimento do iluminismo e do positivismo
na filosofia e nas ciências em geral, a leitura da Bíblia ficou polarizada pela disputa entre o dogma e
a ciência, entre a submissão à doutrina e autoridade religiosa e a autonomia do ser humano diante
de toda e qualquer autoridade, humana ou divina. Cada lado dessa disputa estabeleceu seus próprios
critérios de validade, recusando ao outro lado a possibilidade de provar a sua própria verdade. Pelo
que se pode chamar este modelo de leitura de pesquisa agônica (você se lembra das aulas de grego
no Seminário? Agon é uma palavra grega que significa luta, conflito, esforço árduo, etc.).
Permitam-me descrever com mais detalhes este modelo que é o predominante no mundo
evangélico.

(1) Leituras não acadêmicas da Escritura


1. Leitura fundamentalista da Bíblia
Por fundamentalista, entendo o tipo de leitura que identifica a palavra escrita com a
Palavra divina, negando, assim, a historicidade do texto e reivindicando, assim, para os textos
bíblicos, o caráter de autoridade final da Escritura, graças à sua inerrância e expressão da verdade

2
divina absoluta (fora de contexto). O objetivo da leitura da Bíblia, no fundamentalismo, é a escuta
direta da Palavra de Deus que irá confirmar, ao final, as verdades doutrinárias e morais
componentes do ideário fundamentalista. Em uma análise anterior, publicada no Boletim Teológico
da FTL-Brasil, n. 29, destaquei como características da hermenêutica fundamentalista, o
doutrinismo, o moralismo, o espiritualismo e o individualismo. Doutrinismo, na medida em que é
uma leitura que se faz a partir de um conjunto de doutrinas (dogmas) já reconhecidos como
verdadeiro e que sempre o confirma, estabelecendo dessa maneira a divisão entre verdadeiros e
falsos cristãos. Moralismo, na medida em que é uma leitura que parte de, e reforça o ideário moral
da classe média interiorana dos Estados Unidos da América, confundindo-o com a própria ética
cristã. Espiritualismo, na medida em que os textos são vistos como inspirados diretamente pelo
Espírito Santo e, por isso, inerrantes e não presos ao contexto histórico, mas presos à vontade de
Deus que permanece a mesma até hoje, e que deve ser reconhecida na leitura – mesmo que esta seja
plenamente alegórica. Individualismo, enfim, porque apesar de afirmar que o sentido do texto
depende da intenção do autor, em última análise é a intenção do/a leitor/a que prevalece na
interpretação, na sua busca de encontrar o sentido da Palavra de Deus para mim.

2. Leitura conservadora da Bíblia


A leitura conservadora é a forma hermenêutica predominante no mundo evangelical.
Quase idêntica à fundamentalista, distingue-se da mesma por não afirmar peremptoriamente a
inerrância, mas a infalibilidade das Escrituras em questões de doutrina e fé. Reconhece a
historicidade dos escritos bíblicos, mas realiza uma espécie de suspensão dessa historicidade
quando o texto trata de temas doutrinários reconhecidos e aceitos de antemão como verdades da fé
cristã. Uma leitura conservadora poderia, por exemplo, aceitar a verdade limitada da teoria da
evolução, e faria, então, um grande esforço para fazer conciliar as “verdades” da Bíblia com as
“verdades” da ciência. A leitura conservadora também se caracteriza por uma preocupação
devocional e missiológica mais amplas do que no fundamentalismo.

3. Leitura devocional da Bíblia


Por leitura devocional não indico uma atitude hermenêutica distinta das atitudes
fundamentalista e conservadora, mas um propósito distinto de leitura da Bíblia. A leitura é
devocional quando o seu objetivo é encontrar respostas de Deus para os problemas da vida diária da
pessoa. Na leitura devocional, a Bíblia é lida como se fosse o jornal do dia, trazendo a mensagem
direta de Deus para quem a lê. O resultado final da leitura sempre dependerá do discurso doutrinário
específico ao qual pertence a pessoa que lê. Se pentecostal, por exemplo, a resposta divina terá um

3
tom pentecostal, se conservadora, um tom conservador, se progressista, um tom progressista, e
assim por diante.

4. Leitura “neo-pentecostal” da Bíblia


Por que incluir a hermenêutica “neo-pentecostal” no mundo evangélico? Apesar de eu
pensar que são dois mundos diversos, é necessário constatar que a leitura neo-pentecostal, graças ao
uso intenso de meios de comunicação de massa, tem encontrado lugar dentro do chamado mundo
evangélico. Ocupa já um espaço significativo nesse mundo, ainda que seja alvo de intensa
polemização e apologética por parte das lideranças denominacionais em geral. Aproveito, aqui,
parte da análise que um colega fez da leitura neo-pentecostal – destacando um aspecto que lhe é
distintivo, em comparação com as leituras evangélicas:
Quarto, a leitura predominantemente coletiva, ou, para utilizarmos uma
terminologia de Chartier, constituem-se ali, comunidades de leitores. No culto,
não obstante o líder conduzi-la, a leitura é predominantemente coletiva ou
participacional. Um exemplo disto ocorre através das encenações que são feitas a
partir do texto bíblico. No mês de maio de 1999, por exemplo, a Igreja da Graça
de Deus, em Londrina, realizou a campanha sobre a “Ressurreição de Lázaro”,
uma alusão ao personagem bíblico que teria sido ressuscitado por Jesus, conforme
relato feito pelo evangelho de João, capítulo 11. Assim, os pastores e obreiros
auxiliares construíram no interior do templo uma pequena tenda escura, dentro da
qual os fiéis deveriam passar como em um gesto de encenação, enquanto os
pastores liam o referido texto bíblico, ordenando que os crentes saíssem das
“trevas” da doença, da miséria, do fracasso etc., para a “luz” da cura, da
prosperidade e da vitória. A leitura bíblica leva os fiéis a assumirem, portanto, o
lugar ou os papéis das personagens bíblicas, mantendo uma “apreensão” interativa
ou participacional do sentido do texto.1

Normalmente, o resultado da leitura neo-pentecostal da Bíblia é a confirmação da chamada


“teologia da prosperidade”, o que mostra sua similaridade às leituras fundamentalista e
conservadora no tocante ao predomínio do discurso contemporâneo sobre os discursos da época do
texto bíblico.

(2) Leituras acadêmicas da Bíblia

1. Leitura histórico-gramatical
Predomina, ainda, a hermenêutica histórico-gramatical. A leitura histórico-gramatical se
constituiu a partir da polêmica contra a leitura histórico-crítica que, diz-se, nega o caráter inspirado

1
PROENÇA, W. de L. “A MAGIA COMUNICACIONAL DA LEITURA NO NEOPENTECOSTALISMO
BRASILEIRO”, comunicação inédita, apresentada no VIII Encontro Regional de História, promovido pela ANPUH-
PR, em 2.003.

4
da Escritura, por ter se rendido à visão racionalista de mundo, negando os milagres de Deus na
criação e na história. Conquanto guarde muito das características das leituras fundamentalista e
conservadora não-acadêmicas (especialmente as dimensões doutrinista e moralista), a distinção,
aqui, é o cuidado para com uma leitura metodologicamente disciplinada do texto bíblico.
Típico desta abordagem é a crença em que o sentido do texto é determinado pela “intenção”
do autor e pela “recepção dos seus primeiros leitores”. Desta forma, cada texto tem somente um
sentido verdadeiro, que pode ser descoberto mediante o estudo cuidadoso do contexto histórico da
época de sua escrita e da configuração gramatical-lingüística do texto. Outra característica desta
abordagem é a crença na unidade teológica da Escritura, mediante a qual os sentidos históricos dos
textos vão sendo nivelados e harmonizados a partir do conjunto de doutrinas reconhecidas como
verdadeiras, e que encontram nos escritos paulinos, principalmente, a sua fonte primordial.

2. Hermenêutica contextual
A hermenêutica contextual é uma vertente da histórico-gramatical, que se distingue pelo
maior cuidado na análise dos contextos do texto bíblico e da época da leitura, bem como pela
intenção missionária mais típica – o texto traz a palavra de Deus que ensina à Igreja como realizar a
sua missão.2 Na definição de C. R. Padilla, “O desafio da hermenêutica é transportar a mensagem
do seu contexto original ao contexto dos leitores contemporâneos a fim de produzir nestes o mesmo
impacto que produziu nos ouvintes ou leitores originais”.3 Segundo as palavra de J. Stam:
De um lado, o exegeta procura entender a mensagem bíblica dentro da maior
fidelidade ao contexto histórico original. Essa tarefa costuma chamar-se exegese
gramático-histórica. De outro lado, como discípulo do Senhor, o exegeta é
chamado a obedecer e proclamar o Evangelho aqui e agora. Cabe-lhe a tarefa
complexa de entender a fundo nosso próprio contexto em todas as suas dimensões
e de captar a relação dinâmica entre a mensagem bíblica e a Palavra de Deus para
nossa situação contemporânea. Se não perceber esta mensagem atual, não terá
escutado realmente a Palavra. Uma interpretação descontextualizada, seja do
contexto histórico do passado ou do contexto (também histórico) do presente, será
inevitavelmente uma interpretação infiel, anti-bíblica. As próprias Escrituras e o
próprio evangelho nos impõem esta tarefa de dupla contextualização.4

(3) Novos experimentos de leitura da Bíblia

2
O número 3 do Boletim Teológico da FTL-Brasil (1988) é inteiramente dedicado à interpretação bíblica, assim
como quase todo o número 29 (1997).
3
Citado por STAM, J. “A Bíblia, o leitor e seu contexto histórico”, Boletim Teológico, n. 3, conforme edição em CD-
ROM, Belo Horizonte: Visão Mundial, 2004, p. 92.
4
Idem, p. 93

5
Diante dos novos desafios da realidade contemporânea, as respostas evangélicas foram
mais rápidas no campo da missiologia – o que é compreensível – com destaque para as novas
ênfases da missão urbana e da espiritualidade “do coração” (em diálogo com as tradições
monásticas mais antigas), juntamente com uma profusão quase caótica de estudos sobre a liderança
e a estruturação das igrejas. No campo da hermenêutica, embora mais timidamente, algumas
experiências estão sendo realizadas, que são dignas de nota, embora ainda não seja possível fazer
uma descrição ampla e adequada das mesmas, dado seu caráter ainda inicial.
(a) Renovação da leitura devocional no âmbito acadêmico. Destaco como exemplos, em
primeiro lugar, o enfoque mais polêmico de H. Carmona, especialmente crítico à mentalidade neo-
pentecostal presente entre segmentos do Protestantismo:
Outro tipo, também deficiente, que devemos considerar sob a perspectiva do
Reino, é o da experiência espiritual extraordinária. Nele, a espiritualidade é
compreendida como a busca incessante de experiências desvinculadas tanto de um
compromisso concreto com a causa de Cristo, quando dos comportamentos
cotidianos. É uma mística sem ética; uma emoção sem missão; uma especulação
sem projeção. [...] René Padilla afirmou, em sua exposição sobre o tema da
espiritualidade, que ‘na perspectiva da espiritualidade cristã não há absolutamente
nenhuma dimensão da vida humana, nem da criação, que esteja isenta da redenção
divina’. A espiritualidade cristã é integral porque nos chama a reconhecer e a
viver o senhorio de Deus sobre toda a vida e sobre toda a sua criação, ao mesmo
tempo que nos convoca para nos comprometermos com o seu Reino, na
transformação de tudo o que foi criado, conforme ao sonho de redenção do
Criador.5

E, a seguir, a leitura mais meditativa e intersubjetiva de Ricardo Barbosa de Souza, sob a


influência da mística de James Houston:
O individualismo, associado com os outros fenômenos do mundo moderno, traz
um dos maiores desafios à espiritualidade cristã que jamais temos visto. É o
desafio do encontro, da relação, da descoberta do outro não pelo que tem ou
representa, mas por quem é. Penetrar neste mistério que envolve nossas relações
pessoais irá exigir de nós uma postura crítica em relação ao que acontece ao nosso
redor e em buscar os caminhos que nos integrem novamente numa relação que
seja afetiva, íntima, pessoal.6

(b) Experiências metodológicas e teóricas no ambiente acadêmico


Em várias Faculdades de Teologia e Seminários do mundo evangelical, têm sido realizadas
experiências de leitura bíblica inspiradas nas ciências da linguagem. Eu mesmo tenho pesquisado e
publicado estudos sob a ótica da semiótica greimasiana e das teorias lingüísticas e filosóficas da
5
CARMONA, H. S. Hacia una espiritualidad evangélica comprometida. Buenos Aires: Kairós, 2002, p. 15 e 21.
6
SOUSA, R. B. de O caminho do coração. Ensaios sobre a trindade e a espiritualidade cristã. Curitiba: Encontro,
2002, p. 18.

6
ação7. Entre pastoralistas, começam a surgir experimentos de leitura da Bíblia sob a inspiração da
hermenêutica de Paul Ricouer. Muitas mulheres estão começando a construir uma hermenêutica
evangélica feminista, que certamente irá desafiar os hábitos sociais sexistas que se fazem presentes
na leitura da Bíblia.
Vejamos alguns exemplos:
(a) interpretação sócio-crítica, por um pentecostal argentino:
Devemos destacar que a relação de Jesus com os escribas, fariseus e demais
facções que participam do poder não é, de forma geral, uma confrontação direta.
Pelo contrário, é uma relação mediada por sua ação a favor dos necessitados. ...
Jesus cura, liberta, restaura e estes atos são os que confrontam e sacodem os
representantes da teologia oficial. ... Tanto uns como os outros são destinatários do
amor libertador de Jesus, porém a expressão desse amor segue por vias distintas.
A uns cura e, através da cura, demonstra aos outros que a lei e o sábado só têm
sentido se apontam para a humanização integral do homem (Mc 2,27). A
humanização de uns e a conscientização de outros são as duas faces do mesmo ato
redentor. A ambos cabe aceitar ou recusar (Lc 11,14-23).8

(b) leitura de gênero:


O nascimento, a vida, a morte e a ressurreição de Jesus inauguram a era do Reino
de Deus e a restauração de todos os relacionamentos rompidos. As atitudes de
Jesus para com a mulher restauram a dignidade da mesma. Destoando da teologia
da época, Jesus cura mulheres, convive com mulheres (inclusive com prostitutas),
aceita mulheres como discípulas, discute teologia com mulheres e revela-se
ressurreto primeiramente a uma mulher. Dentro dessa perspectiva,a igreja de Jesus
é chamada, em profundo arrependimento, a reformular sua teologia, suas
estruturas e seus relacionamentos internos, a abrir espaços para homens e
mulheres exercerem os seus dons, talentos e vocações específicas, sem restrições
ou discriminações. Para isto, torna-se necessário o desenvolvimento de uma
hermenêutica comunitária, onde homens e mulheres, juntos, estudem
profundamente o tema, estendendo-se esta discussão às igrejas e comunidades
evangélicas.9

(c) Exemplo de leitura econômica:


Em Cristo, o projeto de Deus é reconciliar consigo mesmo toda a criação,
começando com o ser humano. Assim os cristãos em a responsabilidade de
participar nesta obra, buscando restaurar as relações destruídas: Deus-Homem,
Homem-Mulher, Deus-natureza, Homem-Natureza. Qualquer sistema político ou
econômico que não facilite a tarefa da reconciliação vai contra a vontade de Deus
para a criação (Ef 1,10; 2 Co 5,18-21). Deve-se observar que o homem foi criado
em dois gêneros: macho e fêmea. Ambos foram encarregados da mordomia da
criação, uma tarefa evidentemente econômica. Tanto a mulher como o homem

7
Ver artigos publicados na revista Práxis Evangélica, nos. 1 a 5, Editora Descoberta e Faculdade Teológica Sul
Americana, Londrina, 2003 e 2004.
8
SARACOO, N. “As opções libertadoras de Jesus”, Boletim Teológico, n. 10, op. cit., p. 26.
9
“Masculino-feminino: em busca de saúde e obediência”, Documento de consulta promovida pela FTL-Brasil,
publicada no Boletim Teológico, n. 17, 1992, op. cit., p. 60.

7
devem assumir a responsabilidade de determinar o que produzir, como faze-lo e
como usar os recursos da terra. Corresponde a ambos a responsabilidade de cuidar
dos recursos e do meio ambiente, de cuidar para que toda família da terra tenha o
que necessita para viver dignamente como seres criados à imagem de Deus. É
pecado a cumplicidade que se tem prestado, e que se segue prestando, ao abuso de
pessoas em nome da objetividade da ciência econômica e da maximização dos
lucros que muitas vezes provêm de compras desnecessárias, sobretudo na compra
e venda de armamentos às custas de programas de saúde, habitação e educação. É
necessário o arrependimento segundo o tipo de participação de cada envolvido,
não importando se ele vive no Primeiro ou no Terceiro Mundo. Somente em Jesus
Cristo há perdão e renovação que nos livram para transformar a situação, e
somente nele há autoridade e poder para atuar. (Am 5,7-15; 6,3-7; Cl1,12-20)10

2. A leitura da Bíblia: um diálogo construtivo

À luz dessas novas experiências de leitura da Bíblia no mundo evangélico, eu gostaria de


desafiar você a construir uma forma comunitária de leitura da Bíblia, na qual sejamos capazes de
redescobrir o impacto e a força do livro santo em nossa vida pessoal e em nosso mistério é o grande
desafio que pode ser enfrentado com uma mudança de hábitos. Ao invés de uma leitura agônica,
defendo a importância e a urgência de adotarmos um modelo dialogal de leitura, estudo e
comunicação da Bíblia.
Permitam-me compartilhar com vocês algumas breves reflexões sobre os objetivos e as
estratégias da leitura bíblica no modelo dialogal.
Ler a Bíblia visa, neste modelo, a construir consensos, ou seja, acordos fraternos sobre a
vontade de Deus na atualidade. Consenso não significa que todas as pessoas envolvidas concordam
com tudo que se diz, ou se escreve. Um consenso é a conclusão de uma discussão baseada em
argumentos, fundada na participação inteligente das pessoas envolvidas, e deve direcionar a ação
coletiva das pessoas. Bons consensos, baseados no estudo dialogal da Bíblica, deveriam ser:
(a) eticamente válidos, pois nem todos os meios são justificados pelos fins – ou, nem
tudo que funciona, ou que dá prazer, é justo, é bom, é santo – ou seja, a Bíblia deveria nos ajudar a
estabelecer os critérios mediante os quais decidir que projeto de ministério assumir, como enfrentar
a concorência, etc.;
(b) cognitivamente verdadeiros, pois nem todas as experiências, doutrinas e conceitos
que defendemos passam pelo crivo da Sagrada Escritura – ou seja, mediante o estudo deveríamos
ajudar a comunidade cristã a crescer em conhecimento teológico sadio e relevante; e

10
“Os cristãos frente à divida externa e à dependência econômica”, Consulta realizada pela FTL, Documento
publicado no Boletim Teológico, n. 13, 1990, op. cit., p. 57.

8
(c) pessoalmente verídicos, pois muitas vezes ocultamos a verdade pessoal e institucional
atrás das máscaras do poder, do dinheiro, do prestígio ou do saber – ou seja, a leitura da Bíblia
deveria nos ajudar a sermos pessoas mais transparentes umas às outras, nos ajudar a superar a
tentaçaõ de “desempenhar papéis” na igreja, ao invés de sermos nós mesmos; e
(d) missionalmente relevantes, pois a Escritura é a biblioteca de Deus que prepara o povo
de Deus para a missão – ou seja, a leitura da Bíblia deveria resultar em práticas ministeriais cada
vez mais dignas do Reino de Deus, cada vez mais relevantes para a nossa sociedade, cada vez mais
transformadoras de nossa comunidade.
Ler a Bíblia em busca desse tipo consensos depende de um hábito de leitura em que os
sujeitos da leitura não sejam mais os indivíduos isolados, os especialistas da técnica, mas sejam
todos os participantes da comunidade de fé. Depende de um hábito em que as diferentes
contribuições de cada pessoa – tenha ela formação teológica ou não – possam ser:
(a) criticamente examinadas, ou seja, que a opinião de cada um seja demonstrada e
provada e não apenas apoiada ou aceita por causa da autoridade acadêmica ou política ou espiritual
de quem a formula;
(b) livremente apresentadas, ou seja, que cada membro da comunidade da fé possa falar,
se expor, apresentar aos demais a sua visão da fé, da vida, da missão, da vontade de Deus conforme
ele ou ela a vê na Escritura; e
(c) responsavelmente partilhadas, ou seja, que não se fale apenas por falar, que não se
fale apenas a partir do achômetro de cada um, mas que cada participante do diálogo com a Bíblia e
a partir da Bíblia, seja responsável em sua contribuição – tendo examinado bem o que leu e o que
quer dizer – como os antigos judeus de Beréia que, ao ouvir a explanação da Bíblia pelos
missionários cristãos, foram examinar cuidadosamente o valor e a validade da nova forma de ler a
Bíblia que a fé cristã estava trazendo.

3. Novos hábitos de leitura da Bíblia para um ministério pastoral relevante

Não posso oferecer receitas prontas e rápidas para você aplicar no seu ministério, mas
gostaria de compartilhar com você algumas possibilidades de ação que nos ajudariam a tornar a
leitura da Bíblia uma atividade ministerial rica e transformadora.

(1) Precisamos recuperar o valor da Escritura como palavra de Deus para a humanidade, como obra
literária de qualidade, como fonte inesgotável de sabedoria – recuperar o caráter inovador e

9
desafiador da Bíblia, que sempre fala a nós, mas também contra nós. Para fazer isto, precisamos
orar, buscar a Deus, e voltar para a Bíblia – e lê-la com mais freqüência e assiduidade. Precisamos
ler a Bíblia não para procurar ensinamentos e sermões, mas simplesmente para termos o prazer de
ouvir o que Deus disse à humanidade. Uma nova leitura da Bíblia só será possível se ler a Bíblia for
uma fonte de prazer e não só um hábito profissional. Novos hábitos só acontecem se novos valores
forem adotados – novos que podem ser muito antigos, como este dos primeiros apóstolos: “e quanto
a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra.” (At 6,4);

(2) Paralelamente, precisamos cuidar do hábito de ler “perícopes” homileticamente (ou seja, lemos
pequenos trechos pensando no próximo sermão, ou lemos pequenos trechos e os interpretamos
dentro dos limites da igreja e do ministério pastoral) – cuidar, sem abandonar. Precisamos nos
habituar a ler livros inteiros da Bíblia, tentando entender o conjunto da mensagem de cada um
desses livros; precisamos retomar o hábito de ler a Bíblia toda em curtos períodos de tempo (um ou
dois anos), mas não só para “ler”, e, sim, para notar (e anotar) as recorrências temáticas que passam
pela Bíblia toda, pois essas repetições temáticas são uma importante pista para entendermos o que é
relevante para o Reino de Deus (hoje em dia temos também a ajuda de bíblias em cd-rom e online,
que facilitam a busca por repetições temáticas – mas não confunda isto com repetição de palavras).
Em linguagem paulina, você precisa permitir que a Bíblia “habite” ricamente em sua mente (Cl
3,16), isto é, que ela “faça a sua cabeça”; precisamos reaprender a ler devocionalmente a Bíblia,
sem compromisso sermonário ou profissional;

(3) Uma nova leitura precisa de novas perguntas. Habituamo-nos a fazer as mesmas perguntas para
a Bíblia, perguntas de tipo doutrinário, perguntas sobre como fazer melhor o nosso ministério,
perguntas sobre o comportamento das pessoas da igreja, etc. Sem abandonar esse tipo de perguntas,
mas colocando-o em segunda plana, precisamos nos habituar a fazer perguntas que sejam relevantes
para o nosso tempo e para a missão da igreja hoje. Por exemplo, questões de gênero, raça,
identidade, saúde, corporeidade, realização profissional, lazer, globalização, diálogo inter-religioso,
prosperidade com justiça, solidariedade, participação política, evangelização da cultura, etc.;

(4) Precisamos, na prática, ler a Bíblia em grupos na igreja e fora da igreja (movimentos populares,
lares, escolas, etc.). Não quero dizer que devamos abandonar a leitura individual da Bíblia, é claro.
Mas precisamos dar mais valor e ênfase à leitura da Bíblia em pequenos grupos. Um dos primeiros
avivamentos protestantes começou com a leitura da Bíblia em pequenos grupos – o pietismo. O
movimento de evangelização universitária teve seu maior impulso na prática do que eles chamavam
de estudo indutivo da Bíblia, que era feito em pequenos grupos nas universidades. As comunidades

10
eclesiais de base e a teologia da libertação se alimentaram do estudo da Bíblia em pequenos grupos.
Fala-se muito hoje em dia de células, pequenos grupos, comunhão. Sem entrar no mérito de como
isso afeta a estruturação da igreja, precisamos aprender a trabalhar a leitura da Bíblia nesses novos
modelos de igreja. Mas, ler a Bíblia em grupo não é “um falar e outros poucos anotarem”. Ler em
grupo significa que todos os participantes do grupo falam, discutem, contribuem...

(5) Talvez você não goste muito desta sugestão, mas eu a entendo como tão importante como as
anteriores. É necessário buscar novas teorias do sentido, aperfeiçoar os métodos tradicionais,
aproveitar e criar novos métodos de leitura da Bíblia (popular, feminista, semiótica, literária, etc.).
No ministério pastoral, a dimensão acadêmica não deveria ser abandonada. Todo pastor e pastora
que deseja ser efetivamente relevante e transformador em seu ministério deveria assumir, também, a
sua tarefa de produzir saber, de estudar disciplinadamente, de ser um estudioso ou estudiosa das
coisas de Deus e da humanidade. Há muitos novos conhecimentos sobre a leitura, sobre o sentido,
sobre a hermenêutica. Esses conhecimentos são importantes para renovarmos nossos hábitos e
transformarmos nosso jeito de ler a Bíblia. Não é exagerado acreditar que você pode ler um ou dois
livros acadêmicos sobre a Bíblia por ano, ou é? Não é demais imaginar que você separaria tempo
para voltar a estudar, fazendo uma pós-graduação em teologia, ou uma nova graduação em outra
área do saber? Henri Nouwen nos desafia neste sentido: “Os líderes cristãos do futuro precisam ser
teólogos, pessoas que conhecem o coração de Deus e são treinadas – através da oração, do estudo e
da análise detalhada – a manifestar o supremo evento da obra redentora de Deus no meio dos
inúmeros eventos aparentemente casuais da sua época.” (O Perfil do Líder Cristão do século XXI.
Belo Horizonte: Editora Atos, 2002, p. 57.)

(6) Um hábito que além de agradável ajuda muito a pregar melhor é o de acompanhar a leitura da
Bíblia com a leitura de obras culturais de nosso tempo: literatura, poesia, cinema, música, etc. Ser
capaz de temperar os sermões com citações literárias, poéticas, ou do cinema, é uma boa prática,
que atrai a atenção, que comunica melhor, que ajuda a entender melhor a realidade, que aumenta
nosso vocabulário, nossa capacidade de criar e inovar, etc. Os melhores pregadores contemporâneos
que eu tenho ouvido, e de quem tenho aprendido, são ávidos leitores de boa literatura. Aliás, ler
boas obras literárias deveria ser um hábito permanente de quem se dedica ao ministério, pois além
de muitos outros benefícios, a literatura de qualidade é uma das principais vias de aprendizado da
cultura contemporânea, e dos estilos de ser pessoa no mundo atual – melhor até do que muitas obras
técnicas de psicologia, sociologia, filosofia, etc.

11
Conclusão

Novos tempos demandam novas práticas. Nas duas últimas décadas temos visto intensas
mudanças na liturgia e na estruturação de igrejas locais, bem como importantes alterações nos
hábitos pastorais. Algumas dessas mudanças não são tão boas quanto gostaríamos, mas é necessário
tentar, mesmo que erremos – pois sempre se pode consertar o que está errado. Vejo com muito
prazer novos hábitos devocionais e de liderança que muitos ministros e ministras têm adotado, na
busca de serem exemplos de fato para seus rebanhos. Vejo com bons olhos que muitas pastoras e
pastores têm incorporado algumas características de comunicação derivadas da televisão – sermões
mais narrativos, maior movimentação, alguma interatividade com o auditório. Não tenho visto,
porém, mudanças significativas nos hábitos de leitura da Bíblia – pelo menos a partir do que se
pode perceber pelo conteúdo de sermões.
Por menos prático que possa parecer, porém, renovar nosso jeito de ler a Bíblia é
fundamental para um ministério criativo, inovador e eficaz. É bom nos lembrarmos que a Palavra de
Deus é o principal meio pelo qual Deus age, ela é a espada do Espírito, é luz para nossos passos, é
inspiração divina para o nosso viver. O poder da Palavra supera todas as estratégias, planejamentos,
estruturações e modelos de igreja e ministério. A Palavra nos ensina a discernir, a decidir, a fazer as
coisas certas nas horas certas. E hoje em dia, diante de tantas alternativas à nossa disposição, saber
escolher a melhor é um imperativo urgente. Por isso, insisto com você na importância de buscar
novos hábitos de leitura da Bíblia. Não lhe disse, nem lhe direi como você deve estudar a Bíblia,
mas lhe ofereci algumas sugestões concretas para que você possa fazer as suas escolhas. Insisto e
reafirmo: uma das dimensões fundamentais do ministério é a acadêmica – você precisa também ser
um estudioso e estudiosa da Escritura, da teologia, da realidade humana, da vontade de Deus. Ler
bem a Bíblia demanda esforço disciplinado, estudo teórico e experimentação constante.
Para mim, o mais importante é que a leitura da Bíblia deveria se tornar uma prática
comunitária. Os métodos vêm e vão, alguns são melhores do que outros, mas nenhum dura para
sempre. Fundamental é repensarmos o sujeito da leitura da Bíblia. Está mais do que na hora da
igreja voltar a ser uma comunidade hermenêutica, como foi nos primeiros séculos de sua existência.
A leitura individual da Bíblia deveria estar a serviço da leitura comunitária e você, pastor(a) é a
pessoa chave para que mudanças desse tipo ocorram na sua igreja. Imagine e planeje que mudanças
fundamentais deveriam ocorrer em sua prática ministerial cotidiana para que a leitura da Bíblia se
tornasse uma prática importante de sua comunidade? Você já pensou em como preparar o sermão
com a participação dos membros da igreja? Participação ativa, e não só a passiva participação
tradicional, do tipo “é para a igreja que eu me preparo”? Imagine e aja. Imagin-ação é chave para a

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renovação, e sem a Bíblia não há verdadeira renovação pessoal, ministerial ou eclesial.

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